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FORMAÇÃO

SOCIOECONÔMICA E
POLÍTICA DA SOCIEDADE
BRASILEIRA

autor
PAULO FERNANDO ARAÚJO DE MELO COTIAS

1ª edição
SESES
rio de janeiro  2019
Conselho editorial  roberto paes e gisele lima

Autor do original  paulo fernando araujo de melo cotias

Projeto editorial  roberto paes

Coordenação de produção  andré lage, luís salgueiro e luana barbosa da silva

Projeto gráfico  paulo vitor bastos

Diagramação  bfs media

Revisão linguística  bfs media

Revisão de conteúdo  elthon ranyere oliveira aragão e carla rabelo barrigio

Imagem de capa  ines sacramento | shutterstock.com

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

C844f Cotias, Paulo Fernando Araújo de Melo


Formação socioeconômica e política da sociedade brasileira / Paulo
Fernando Araújo de Melo Cotias.
Rio de Janeiro: SESES, 2019.
136 p: il.

isbn: 978-85-5548-699-9.

1. Brasil. 2. História. 3. Sociedade. 4. Economia. I. SESES. II. Estácio.


cdd 301.0981

Diretoria de Ensino – Fábrica de Conhecimento


Av. das Américas, 4.200 – Barra da Tijuca
Campus Tom Jobim – Rio de Janeiro – RJ – CEP: 22640-102
Sumário
Prefácio 5

1. Da formação da metrópole ao surgimento


da colônia 7
Introdução 9

2. Sociedade e economia do Brasil colonial 31


Introdução 33

3. Do período Joanino à Independência do Brasil 55


Introdução 57

4. Os reis do Brasil 77
O governo de Pedro I 79

O Período Regencial 85
Caramurus, chimangos e farroupilhas 86

A maioridade e o governo de Dom Pedro II 94

5. A República brasileira 103


Passagem da Monarquia à República 104

A República Velha 108

O período Vargas 113

Os governos Kubitscheck, Jânio e Jango 121

Governo militar 125

A redemocratização do Brasil 129


Prefácio

Prezados(as) alunos(as),

A formação de uma sociedade é um campo de estudos bastante diversificado.


Nesse livro, convido você, estudante, a conhecer um pouco mais a respeito de
como o Brasil foi se constituindo em termos de economia, política e sociedade.
Essas três dimensões estão articuladas e podem nos ajudar a compreender como
os fenômenos históricos e culturais se traduziram em modos concretos de viver e
de agir sobre o mundo.
Começaremos nossa viagem pela história nos momentos que antecederam a
expansão marítima e comercial que trouxe para as terras americanas os conquista-
dores espanhóis e portugueses. Frente a esse novo mundo, estudaremos como as
sociedades indígenas e ibéricas passaram a se relacionar, bem como os mecanismos
que estruturaram o império colonial português.
Ao longo desse processo, vamos conhecer de perto como era o cotidiano do
Brasil colonial, suas relações de poder nas bases políticas dos grandes proprietários
e seus conflitos com a administração metropolitana, as revoltas e a estrutura da
escravização indígena e africana como base da economia extrativista e agrícola.
Estudaremos ainda os impactos dos processos revolucionários como o dos
Estados Unidos e da França na América portuguesa, sobretudo o período das
guerras napoleônicas cujos desdobramentos trazem para o Brasil o Regente Dom
João VI, a família real portuguesa e parte da nobreza que formava a corte real.
Com a chegada da família real, analisaremos as principais mudanças políticas e
sociais, com o fim do Período Colonial e a elevação do Brasil a categoria de Reino
Unido a Portugal e a Algarve, e a estruturação da nova sede do Império Português,
os avanços nos campos da urbanização e infraestrutura.
Com o fim das guerras de Napoleão e com a Revolução Constitucionalista em
Portugal, vamos pensar juntos como o retorno de Dom João VI precipitou o pro-
cesso de Independência do Brasil, dando início ao reinado de Pedro I. Nele, ana-
lisaremos o surgimento do Poder Moderador e das contradições que marcariam o
reinado. Veremos também como a situação social do Império, somada às questões
de ordem dinástica em Portugal vão impactar o Brasil, levando à abdicação de
Pedro I e ao início do Período Regencial.

5
Com o Golpe da Maioridade, analisaremos o reinado de Pedro II à luz da
formação política dos governos anteriores, suas permanências e rupturas e como
as estruturas que fundamentaram essa nova fase da monarquia foram responsáveis
pela sua derrocada, por meio do golpe militar que instituía a República.
Por fim, vamos conhecer as diferentes fases e faces da república brasileira, dos
governos oligárquicos às revoluções e golpes de civis e militares, estabelecendo ora
governos despóticos, ora democráticos. Chegaremos ao tempo presente mostran-
do o processo de redemocratização e as realizações dos governos recentes, bem
como os seus principais problemas.
Nessa viagem, estaremos atravessando pouco mais de cinco séculos de his-
tória. É um tempo considerável cujas peculiaridades exigem sempre uma obra
de maior fôlego. Entretanto, esperamos oferecer um panorama o mais completo
possível, para que possamos compreender juntos os elementos sociais econômicos
e políticos que nos definem enquanto povo e enquanto país.

Bons estudos!
1
Da formação da
metrópole ao
surgimento da
colônia
Da formação da metrópole ao surgimento da
colônia

Neste capítulo vamos juntos conhecer os antecedentes e os bastidores do pro-


cesso de colonização do Brasil. Para isso, iremos analisar como Portugal se consti-
tui em um Estado Nacional Moderno, mostrando como a Reconquista (a expul-
são dos árabes da Península Ibérica) e os jogos de poder entre os reinos cristãos
atuaram como pano de fundo que culminará na construção desses novos estados.
Além disso, vamos conhecer o papel do comércio das especiarias como fator que
impulsionou as chamadas Grandes Navegações, iniciando um ciclo de descobertas
e disputas pela primazia das novas rotas ao Oriente e das descobertas de novas terras
no Ocidente. Vamos estudar como essas disputas foram reguladas por acordos e tra-
tados e de que maneira eles culminaram na colonização das terras brasileiras.
Ao longo dos nossos estudos, vamos ver como se comportaram as demais na-
ções fora do eixo dos acordos entre Portugal e Espanha e como atuaram de modo a
gerar novos arranjos na organização das colônias, bem como o papel que elas assu-
mem para Portugal no declínio das atividades comerciais com as Índias Orientais.
Bons estudos!

OBJETIVOS
•  Analisar o processo de formação do Estado Português no contexto da Reconquista;
•  Compreender as relações entre a formação do Reino Espanhol e a manutenção e sobera-
nia das conquistas portuguesas no Atlântico;
•  Reconhecer a importância do comércio das especiarias como fator de mobilização das
Grandes Navegações;
•  Identificar os tratados que estabeleciam os direitos às conquistas marítimas dos países
ibéricos e suas consequências;
•  Analisar os fatores e acontecimentos que levaram à colonização portuguesa das terras bra-
sileiras;
•  Refletir sobre a condição e o papel dos indígenas no processo de colonização;
•  Compreender o contexto de substituição da visão exploratória do extrativismo para a agri-
cultura extensiva.

capítulo 1 •8
Introdução

Para melhor compreendermos o processo de formação política, econômica e


social de nosso país, é necessário voltarmos um pouco no tempo e entendermos
quem foram os colonizadores que aqui aportaram e deram um capítulo diferente à
nossa história, tendo em vista que, muito antes de se tornar o “Brasil”, essas terras
já eram habitadas por diferentes nações indígenas.
Até Portugal se tornar o reino que nós conhecemos, foi um longo percurso.
De modo a estabelecermos um marco para nossa análise, mas sem a pretensão de
fundarmos uma genealogia, podemos recuar até os tempos do Império Romano,
em que a região era uma província denominada “Lusitânia” –um importante cen-
tro comercial do Império. Quando este chega ao seu declínio, com as levas de
invasores germânicos que vão penetrando nas fronteiras de modo mais violento
entre os séculos IV e V, a região passa a se tornar domínio dos povos suevos e assim
ficou por todo o período da Alta Idade Média até a chegada dos árabes.
Em verdade, Portugal chega aos idos de 1500 após um processo de reconstrução
que vai ter como cenário todo o espaço ibérico. Tanto seu território quanto o que co-
nhecemos hoje como a Espanha estavam ocupados desde o ano de 711 pelos árabes
muçulmanos. Eles pertenciam ao grupo dos Omíadas que invadiram a península em
consequência de um ciclo de expansão de outro grupo islâmico, rival dos Omíadas,
denominados Abássidas. Sendo assim, o processo de invasão se encerra em 718.
A partir desse ano, os cristãos reagem e dão início à “Reconquista”, a retomada
gradual de todo o território da Península Ibérica que vai se estender até o ano de
1492 quando, finalmente, a última cidade do califado, Granada, foi conquistada.
Ao longo desse processo, em 868, a cidade do Porto foi libertada pelos cristãos.
Desde os tempos dos romanos, essa cidade era um centro ativo e próspero de co-
mércio, portanto, de grande importância estratégica. Com a retomada, essa região
passa a ser conhecida como “Portucale”.

SAIBA MAIS
Há uma controvérsia sobre a origem do nome “Portugal”. Uma das visões mais aceitas é
a de que se trata da justaposição do vocábulo latino portus (porto) e do grego kalos (belo).

capítulo 1 •9
No entanto, essas guerras pela reconquista da região não foram apenas contra os
árabes. Durante todo o processo, houve vários conflitos entre os próprios reinos e ter-
ritórios cristãos, todos em processo de unificação e expansão. E era necessária uma boa
dose de estratégia para que o mosaico, aos poucos, pudesse se tornar uma forma mais
bem definida. No caso das “Terras Portucalenses”, essa estratégia passou pelo casamen-
to de Dom Henrique de Borgonha e Dona Tareja, uma das filhas do rei Afonso VI,
famoso por unificar os reinos de Leão e Castela entre os anos de 1065 a 1109.
Entretanto, Dom Henrique não era famoso pelo seu berço. Naquele período,
a primogenitura era o que garantia a fração integral da herança. Ao segundo filho,
geralmente, era assegurada uma carreira no clero. Mas esse não era o caso, pois
Henrique era o filho mais novo da família. Para ele e para todos em sua situação só
restava uma alternativa, lançarem-se em movimento aventureiros, como as Cruzadas.

CONCEITO
Na historiografia denominamos “Cruzadas” todos os movimentos militares de origem
cristã ocidental que tinham como objetivo a retomada das terras consideradas santas na
região da Palestina, sobretudo a cidade de Jerusalém. Os cavaleiros poderiam obter sucesso
com suas pilhagens e os domínios de novas terras, sendo uma atividade bastante procurada
pelos que estava fora do alcance do direito de primogenitura.

No caso de Dom Henrique, o cenário de sua aventura pessoal fora o das guer-
ras na Península Ibérica. Como se destacara nas campanhas, ganhara o direito
à mão de Dona Tareja e, com isso, passa a exercer seu domínio na qualidade de
conde nas Terras Portucalenses que, doravante, passarão a se tornar, consequente-
mente, o Condado Portucalense.

CURIOSIDADE
Um conde era considerado uma espécie de assessor, conselheiro ou oficial do palácio
que auxiliava o rei em assuntos cotidianos variados. Recebia condados, porções de terra
menores que os marquesados. O título vem da Roma Antiga, onde a palavra latina comes
(“aquele que acompanha”) se referia àqueles que moravam com o imperador.
Disponível em: <https://mundoestranho.abril.com.br/historia/qual-a-diferenca-entre-
barao-marques-duque-conde-e-visconde/>. Acesso em: jan. 2019. Adaptado.

capítulo 1 • 10
Como falamos anteriormente, toda a região da Península Ibérica estava mergu-
lhada na guerra entre cristãos e árabes, mas também entre cristãos e cristãos. Sendo
assim, D. Henrique vai organizando o condado em termos econômicos e políticos,
mas sem descuidar de sua expansão. E é exatamente dessa maneira que ela aconte-
cerá, ou seja, em conflitos com os muçulmanos e com os reinos cristãos vizinhos.
Com a Morte de D. Henrique, inicia-se uma luta familiar – e sangrenta – en-
tre Dona Tareja e seu filho, Afonso Henrique. Era a luta entre duas visões distintas
para o comando da região. Dona Tareja tinha laços diretos com a nobreza de ori-
gem paterna. Já Dom Afonso Henriques defendia a continuidade das ideias de D.
Henrique, sobretudo a valorização da autonomia territorial e o desenvolvimento
econômico por meio da agricultura, artesanato e comércio.
Dessa batalha, D. Afonso sai vitorioso e finalmente proclama a total indepen-
dência da região, anexando também a região do Algarve, ao sul, que agora passará
a ser conhecida como Reino de Portugal. Era o início da Dinastia de Borgonha
(1142 a 1385).
Durante toda a dinastia foi completado o processo de expulsão dos árabes rema-
nescentes, a ampliação do território, as bases de seu desenvolvimento econômico e a
precoce centralização administrativa. Isso fazia de Portugal um Estado forte e organi-
zado o que ainda contrastava com o mosaico espanhol que só conheceria a unificação
completa em 1469, com o casamento de Isabel de Castela com Fernando de Aragão.
Entretanto, o final da Dinastia de Borgonha reservou um acontecimento de-
cisivo que ameaçava destruir toda a construção do Estado português até então. O
último governante, Dom Fernando, tivera um reinado difícil sendo os principais
desafios a manutenção do próprio poder e a sobrevivência econômica e social ao
período da peste. Em virtude disso, tomara uma medida que posteriormente seria
bem conhecida no período de formação da colônia brasileira, a Lei de Sesmarias. Por
meio dessa lei, como veremos mais adiante, nas aplicações em nossas terras, tentou-
-se fixar o homem novamente no campo, ordenar a produção e controlar os preços.

COMENTÁRIO
Peste negra (ou morte negra) é o nome pela qual ficou conhecida uma das mais devasta-
doras pandemias na história humana, resultando na morte de 75 a 200 milhões de pessoas
na Eurásia. Somente no continente europeu, estima-se que tenha vitimado pelo menos um
terço da população em geral, sendo o auge da peste acontecendo entre os anos de 1346 e

capítulo 1 • 11
1353. A doença é causada pela bactéria Yersinia pestis, transmitida ao ser humano através
das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-pretos (Rattus rattus) ou outros roedores.
Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Peste_negra>.
Acesso em: jan. 2019.

D. Fernando morre sem deixar um herdeiro, sendo a única na linha de su-


cessão direta, sua filha Dona Beatriz, encontrar-se casada com Dom Juan, rei de
Castela. O governo, provisoriamente, ficou sob custódia da viúva de D. Fernando,
Dona Leonor tentando conter os receios internos de uma possível reviravolta polí-
tica que levasse o Reino de Portugal para os braços do Reino de Castela.

SAIBA MAIS
Dom João nasceu em Lisboa, em 1357. Era filho ilegítimo de D. Pedro I e de D. Teresa
Lourenço. Casou com D. Filipa de Lencastre, que era neta do rei inglês Eduardo III. Ao assu-
mir o trono português, passou a chamar-se D. João I inaugurando a dinastia joanina ou de
Avis porque a época D. João I era grão-mestre da Ordem Militar de Avis, tradicional ordem de
cavaleiros que teve como origem a Ordem Militar de São Bento de Aviz.

Desse modo, um irmão considerado ilegítimo de D. Fernando, Dom João,


conhecido como Mestre de Avis era o preferido das classes mercadoras como o
próximo monarca. Todo esse processo desencadeia uma guerra contra o Reino
de Castela, que será derrotada na Batalha de Aljubarrota em 1385, pondo fim à
Dinastia de Borgonha e dando início à Dinastia de Avis. Para que saíssem vito-
riosos, entretanto, as classes mercadoras contaram com apoio dos ingleses, cujas
relações comerciais já estavam sólidas e que, doravante, se consolidariam em uma
longa aliança política e econômica.
Durante o reinado de Dom João e o de seus sucessores, seriam constituídas gra-
dativamente as bases políticas e econômicas que se caracterizaram como um conjun-
to de práticas denominadas “mercantilismo” cujas premissas e consequências vamos
conhecer a partir de agora. Devemos ter em vista que serão, com o tempo, as pro-
pulsoras para o expansionismo português e espanhol para as navegações atlânticas.
Os fatores que caracterizam o mercantilismo que serão mais presentes daqui
para frente explicam as razões pelas quais Portugal vai se lançar às navegações

capítulo 1 • 12
atlânticas. Naquele período, a principal atividade econômica que unia o Oriente e
o Ocidente era o comércio dos mais variados produtos, desde especiarias a artigos
de uso como tecidos e artefatos de luxo. Ao Oriente, não havia especificamente
um produto que interessasse em escala para as trocas equilibradas, sendo o paga-
mento geralmente realizado em metais preciosos.
Assim, surge a dupla função da ideia do “metalismo” dentro das práticas mercan-
tilistas. De acordo com ela, uma nação torna-se economicamente poderosa em razão
direta da posse em reserva e circulação interna de metais preciosos em suas fronteiras.
Além disso, uma nação que conta com boa disponibilidade de metais na cunhagem
de suas moedas é capaz de se tornar mais ativa nas práticas comerciais, conseguindo
melhores fornecedores e melhor posicionamento nos mercados da época.

COMENTÁRIO
As especiarias eram muito valorizadas e procuradas no mercado europeu desde os tem-
pos do Império Romano. Ao contrário do que se pensa, elas não eram usadas para conser-
vação dos alimentos. Esse papel era desempenhado pela secagem ao fogo em processos
primários de defumação, ao sol, ou por meio da salga. Frente aos meios precários de conser-
vação dos alimentos, as especiarias cumpriam um papel importante e presente no cotidiano,
o de disfarçar o odor e o sabor dos alimentos.

Para a efetividade dessa forma de mercado, é necessário dispor desses metais.


Quando não são encontrados dentro das fronteiras do reino, torna-se necessário
buscá-los em outras terras. Assim, esse é mais um mecanismo que impulsionará
outro aspecto do mercantilismo, o “colonialismo”. Ele atende a três funções fun-
damentais. A primeira é que oportuniza um afluxo direto de riquezas, quando
encontradas. A segunda é que se torna um centro produtor de matérias-primas
baratas. E terceiro, pelas relações de exclusividade comercial, acabam se tornando
economias acessórias das metrópoles, com mercado consumidor cativo.
Desse modo, a posse de colônias também auxiliará em outra premissa do mer-
cantilismo que é a “balança comercial favorável”. Se entre as nações essa relação
nem sempre é conseguida de modo pleno e equilibrado, ela é amplamente com-
pensada pela formação de um império colonial que a possibilita de maneira inte-
gral, já que estão em uma estrutura formal de domínio.

capítulo 1 • 13
Naquele período em especial havia duas rotas principais que ligavam o
Oriente e o Ocidente, sendo as mais fortes e importantes com relação à circulação
de mercadorias. Por mar, a mais acessada era a rota do Mediterrâneo, intermedia-
da pelos mercadores árabes e pelo continente, cujas rotas de entrada eram inter-
mediadas pelos comerciantes italianos, que também eram muito ativos na região
do Mediterrâneo.
Sendo assim, não poderia se esperar dos árabes recém-combatidos uma recep-
tividade e colaboração. Nem tampouco da burguesia italiana que, por possuir o
monopólio das rotas de acesso aos produtos, cobravam o preço final que bem en-
tendiam nas mercadorias. Como não era possível dividir as rotas já estabelecidas,
era necessário constituir novas que colocassem os países ibéricos em contato direto
com os seus fornecedores. O Atlântico seria a chave.

Europa

MAR
MEDITERRÂNEO Persia China
Egito
Arábia India

Somália

OCEANO ÍNDICO
Java

Em azul, a rota marítima controlada pelos árabes e mercadores italianos e


em vermelho, as rotas terrestres que sofriam as maiores dificuldades logísticas,
monopólios e fechamentos intermitentes pelo Império Otomano após a queda de
Constantinopla, em 1453.

capítulo 1 • 14
CURIOSIDADE
Ao mesmo tempo que desenvolvia tecnologias náuticas mais complexas, o navegador
português também se movia por crenças. Algumas delas fazem parte do caráter deste povo
como o gosto pela aventura, mas outros esbarram na crença dos monstros marinhos, terras
mitológicas com predicados especiais e outros sobre os limites dos oceanos.

Este movimento consolida-se primeiramente no domínio das ilhas atlânticas


mais próximas e as que margearão a costa da África sendo esta, progressivamente,
dominada em localidades-chaves a partir do litoral. O processo começa a ganhar
melhores contornos com a conquista de Ceuta, em 1415.
Os portugueses praticavam o que podemos denominar como “navegação de
cabotagem”. A partir do continente, a navegação vai costurando o litoral e explo-
rando cada vez mais longe. Foi esse o processo que possibilitou a consolidação
do caminho para as Índias através do sul da África, um local conhecido, não por
acaso, de Cabo das Tormentas.
Ao estabelecerem um novo contato com as terras advindas da navegação, os
portugueses inicialmente tinham por costume o estabelecimento de feitorias. Até
hoje se discute o que de fato elas seriam, mas é praticamente um consenso que
essas estruturas provisórias tinham a finalidade de demarcar um processo de con-
quista e ao mesmo tempo favorecer a ocupação primária de modo a se tornar
guarnição e entreposto dos produtos comercializáveis encontrados.
Não é raro que as feitorias fossem estabelecidas em regiões ainda próximas
ao litoral. Sob o ponto de vista do português, a interiorização se dava lentamente
conforme a ocupação efetiva do território acontecia.
Ainda no tempo de Dom Henrique, houve uma iniciativa de reunião dos ho-
mens de marinha, estabelecendo um local de troca de informações, treinamento e
atualização em atividades de suporte náutico, como a cartografia e a cosmografia.
Essa reunião na região de Sagres ensejou a concepção por parte da historiografia
de que existiria uma suposta “Escola de Sagres”, algo institucionalizado em uma
estrutura visível e concreta.
Entretanto, não há evidências de que a suposta escola funcionou desse modo
que pré-concebemos na atualidade. É mais provável que ela se estruturara de modo

capítulo 1 • 15
mais fluido e não corporativo, como um grande fórum permanente. É curioso que
ao lado de todas as inovações e das descobertas desafiadoras sobre as possibilidades
da navegação oceânica, existiam ainda as discussões acerca das crenças que esta-
riam mais pendentes ao universo do maravilhoso, do mitológico do que propria-
mente no campo da realidade.
Na realidade, Portugal e a nascente Espanha já tinham alguns atritos com re-
lação às descobertas no Atlântico. Essa competição se tornaria ainda mais acirrada
em razão de um ingrediente explosivo: as questões dinásticas ainda não se encon-
travam totalmente resolvidas em terras espanholas. Essa instabilidade causava
diversos problemas na manutenção de importantes conquistas portuguesas, tanto
as ilhas quanto os seus estabelecimentos na costa africana, mas também afetava a
política na península, posto que nenhuma dessas nações estava totalmente isenta
caso sofresse um processo de anexação em virtude de conflitos dinásticos.
E era exatamente o que aconteceu com o Reino de Castela. De certa maneira, o
problema da crise dinástica no reino espanhol acabaria indiretamente por estabele-
cer um período de hegemonia das navegações portuguesas, como veremos a seguir.
A Guerra de Sucessão de Castela (também encontrada na história com a deno-
minação de Guerra da Beltraneja) tinha como figura principal Joana de Trastâmara.
Também conhecida como Joana de Castela e pelo adjetivo pejorativo de La Beltraneja
(acusação insidiosa sobre ser fruto de uma infidelidade de sua mãe, a rainha Dona
Joana de Portugal), tornara-se o epicentro de uma complicada história.
Com a morte de seu pai, a infanta sai dessa condição e fora reclamada como
rainha de Leão e de Castela. Entretanto nem a qualificação de infanta nem o título
de rainha eram reconhecidos pelas cortes castelhanas. Na verdade, era um jogo de
forças que se desenhava da seguinte maneira: de um lado o interesse por parte das
cortes castelhanas em proclamar rainha Isabel de Castela, casada com Fernando de
Aragão e que possibilitaria, desse modo, a união da Espanha por meio da junção
dos reinos de Leão/Castela e Aragão.
O próprio casamento já fora uma escaramuça política, tendo em vista que
foi realizado em segredo e contra a vontade de Henrique IV, pois era um sinal
de ameaça direta ao reconhecimento de Dona Joana, sua filha, como herdeira do
trono. Do outro lado dessa disputa, estavam as forças ligadas à Coroa portuguesa
e a Galícia que, apesar de unida a Castela, desejava a unificação em torno do trono
português. Estava conflagrada a Guerra Civil Castelhana.

capítulo 1 • 16
CURIOSIDADE
O termo “Infante” ou “Infanta”, é utilizado de modo abrangente para designar os filhos
legítimos de um rei, mas que não possuem direito de sucessão ao trono. Dessa maneira,
hierarquicamente, estariam abaixo da qualificação de príncipe/princesa.

Os exércitos de Dona Joana são derrotados e ela é obrigada a exilar-se defini-


tivamente em Portugal. Com o passar dos anos, a “rainha” deposta vai abdicar de
casamentos, de sua vida social, isolando-se em conventos até, por fim, abrir mão
totalmente do direito de posteridade.
Com o fim das hostilidades, iniciam-se as tratativas em torno da assinatura
do Tratado de Toledo, também conhecido como Tratado das Alçácovas, em 1479.
O que estava no centro da questão para os castelhanos era a garantia de que o rei
Afonso V, seu filho João e Joana de Trastâmara abririam mão definitivamente das
suas pretensões ao reino de Castela e Aragão, abrindo caminho, como vimos, à
consolidação da unificação espanhola.
Por outro lado, era necessário também resolver os conflitos entre os dois
Estados acerca das conquistas no Atlântico e na costa africana. Nesse sentido, o
tratado traz um conteúdo inédito (e que futuramente seria contestado pelas de-
mais potências europeias), a repartição das terras conhecidas e desconhecidas no
Atlântico entre as duas nações.
Nesse tempo, Portugal já tinha em seu domínio Ceuta, a Ilha da Madeira, o
Arquipélago dos Açores, Ilhas das Flores e o Cabo Verde, além da Costa da Mina e
o Cabo da Guiné e passa a ter reconhecido o domínio do Reino de Fez, também na
África. Com esse tratado, Portugal garantiria a posse definitiva dessas territorialida-
des. Do mesmo modo, Castela e Aragão ficam com suas possessões nas Canárias.
Assim, Portugal vai progressivamente ampliando seus domínios ao longo do
litoral africano, sobretudo após as navegações de Bartolomeu Dias em 1488, cru-
zando o Cabo das Tormentas e chegando de modo pioneiro ao outro lado da costa
do continente.
Para os espanhóis, o domínio português das rotas da costa atlântica do con-
tinente africano tornava-se um obstáculo, tendo em vista a impossibilidade de
compartilharem as mesmas. E a solução viria de um projeto audacioso e que con-
trariava muitas crenças da época, tendo sido até mesmo recusado pela Coroa por-
tuguesa. Era o projeto de circunavegação de Cristóvão Colombo.

capítulo 1 • 17
Colombo não era apenas um navegador visionário, mas um homem de seu
tempo. Assim como seus contemporâneos, também era movido por crenças como
as que eram as supostas descrições das riquezas da China relatadas pelos escritos
de Marco Polo, nos tempos do Kanato de Kublai Khan. Não faltariam alusões
ao ouro abundante que ornava casas e ruas e o desejo de Colombo em fazer do
Império Oriental mais do que um aliado mercantil, mas um Estado cristão e vassa-
lo de Castela e Aragão. No que tange à fé, Colombo pretendia financiar uma nova
cruzada para Jerusalém com os recursos que obteria com as novas rotas orientais.
Com três naus, Colombo parte do Porto de Palos em 1492, mesmo ano em que
cai a última cidade muçulmana na Península Ibérica, Granada. Como sabemos, não
completou seu projeto de navegação ao Oriente, mas as novas descobertas e conquistas
não deixaram de chamar a atenção da Coroa portuguesa, mesmo antes da descoberta
do continente americano por parte do navegador Américo Vespúcio, em 1499.
O resultado da aventura espanhola traz a necessidade de um novo acordo, que
será firmado na cidade de Tordesilhas, na Espanha em 1494. Ele estabelecia que
todas as terras conquistadas ou por conquistar que estivessem compreendidas no
espaço de 370 léguas a oeste das Ilhas do Cabo Verde, seriam pertencentes à Espanha.
Apesar de, na prática, ter se tornado uma medida bastante incerta e que esteve sujeita
a diferentes interpretações por parte dos cartógrafos do período, era o suficiente para
garantir a Portugal a hegemonia das navegações no Atlântico-Sul.
Justamente em função desse proces-
so, Portugal consegue concentrar seus
esforços em duas grandes iniciativas, a
chegada às Índias por Vasco da Gama
Costa Miranda, 1688
em 1497, completando as navegações
João Teixeira, 1642 de Bartolomeu Dias, e a dupla missão
da Esquadra de Pedro Álvares Cabral, a
Pedro Nunes, 1537
de melhor conhecer e consolidar a pos-
Albernaz, 1631 Cantino, 1502
42° 30’ se portuguesa no que seria futuramente
Ouviedo, 1545 a colônia brasileira, e depois seguir para
45° 17’
Ferber, 1495
Calicute, nas Índias.
45° 37’
Ribeiro, 1519 Peritos de Badajoz, 1524
49° 45’ 45° 38’

Diferentes interpretações cartográficas do


Tratado de Tordesilhas pelos geógrafos.

capítulo 1 • 18
Império Azteca China

ÁSIA

EUROPA
Índia
Império
Otomano
Marrocos

Império Império
Inca Mali ÁFRICA
AMÉRICA
(nome usado
desde 1507)

Estreito de
Magalhães

Caboto, 1497-1498 Colombo (4ª viagem), 1502 Verrazano, 1524 Vespúcio, 1499
Cartier, 1534 Colombo (1ª viagem), 1492 Pinzón, 1500 Cabral, 1500
Cortez, 1519 Orellana, 1539 Vasco da Gama, 1497 Pizarro, 1521

As navegações ibéricas no contexto da transição para a Idade Moderna.

MULTIMÍDIA
Para entender um pouco mais sobre as navegações de Colombo e o contexto da ex-
ploração das Américas, assista: 1492, a conquista do paraíso. (1492, Conquest of Paradise)
País/ano de produção: EUA/Fra/Esp, 1992
Duração/gênero: 140 min., drama/épico/aventura
Disponível em: vídeo e DVD
Direção de: Ridley Scott
Elenco (vozes): Gérard Depardieu, Sigourney Weaver, Armand Assante, Fernando Rey,
Angela Molina, Tcheky Karyo
Duração: 2h28
Disponível em: <http://www.ehistoria.com.br/filme-1492-a-conquista-do-paraiso/>.
Acesso em: jan. 2019.

capítulo 1 • 19
Consolidada a rota de comércio com as Índias Orientais, e em face das recen-
tes descobertas espanholas, Portugal, como vimos, vai iniciar também o processo
de reconhecimento das suas novas possessões, as conhecidas e as possíveis, con-
cedidas por meio do Tratado de Tordesilhas. Entretanto, esse processo abre uma
polêmica historiográfica que perdura até os dias atuais.
Há uma versão historiográfica que defende que o Brasil foi descoberto como
consequência da continuidade das navegações atlânticas para as Índias. O que sus-
tenta essa argumentação é o fato de que até os dias atuais não foram encontrados
documentos que comprovassem que a missão chefiada por Pedro Álvares Cabral
fosse algo diferente da finalidade comercial.
O próprio rei D. Manoel I relataria, em 1501, em carta aos Reis Católicos que a
descoberta das novas terras era algo agradável, porém fortuito, confirmando o propósi-
to da missão comercial de Cabral. Dois anos mais tarde, o escrivão Valentim Fernandes
registra a surpreendente descoberta de territórios ao longo do “mar incógnito”.
Contudo, existe outro entendimento sobre o assunto. O primeiro questiona-
mento é a tese de que o Brasil fora descoberto por acaso provém de um acordo an-
terior ao de Tordesilhas. Foi um documento produzido e intermediado pela Igreja
Católica, mais especificamente pelo Papa Alexandre VI, em 1493, denominado
Bula Inter Coetera. Pela divisão proposta, na prática a Espanha ficaria com o do-
mínio de todas as conquistas marítimas que ultrapassassem a marca de 100 léguas
a oeste das Ilhas do Cabo Verde. Ou seja, a Espanha ficaria com todo o continente
americano e suas ilhas, e Portugal consolidaria apenas as suas possessões insulares
no Atlântico e as que estabeleceram nos continentes africano e asiático.
Todavia, o governo português retruca e por uma boa razão. As expedições ma-
rítimas não eram realizações para amadores. Caras, difíceis de serem organizadas,
elas exigiam garantias de que tamanho investimento trouxesse retorno imediato
ou a possibilidade de retorno a curto prazo. Desse modo, os mais experientes
navegadores, cartógrafos e cosmógrafos eram recrutados para essas tarefas. E as
informações que eles traziam dessas viagens eram dignas de credibilidade.
No entanto, havia mais um fator. A competição entre eles era tão grande quanto
a competição entre os Estados ibéricos. Assim, nem sempre podemos considerar que
as expedições e as informações seriam divulgadas ou documentadas de modo amplo
e transparente. A navegação comercial, nessa época, não era apenas a principal ativi-
dade econômica, mas uma questão estratégica da geopolítica desses países.

capítulo 1 • 20
E como os relatos do próprio Cristóvão Colombo já indicavam a possibilidade
de mais terras a serem descobertas ao sul, somados aos cálculos das correntes e do
conhecimento das condições climáticas que serviriam de base plausível para essas
descobertas, Portugal resolve não arriscar a ficar, literalmente, apenas com as águas
do Oceano Atlântico. A revisão do acordo é solicitada e, no ano seguinte, temos o
já conhecido Tratado de Tordesilhas vigorando.

Línea propuesta por el Tratado de Alcáçovas

Línea del Arbitraje de Alejandro VI (1493)


Línea del Tratado de Tordesílias (1494)

OCEANO
PACÍFICO OCEANO
ATLÂNTICO

Espanha Portugal

Em destaque as linhas traçadas pelos Tratados de Toledo, Bula Inter Coetera e Tratado
de Tordesilhas.

Além dos fatores relacionados aos tratados, haveria também uma sinalização
realizada por parte do navegador Vasco da Gama em seu diário de bordo, quando
na viagem às Índias que completaria o processo iniciado por Bartolomeu Dias,

capítulo 1 • 21
comunicando ao rei de Portugal Dom Manuel de que existiam terras no espaço
português das Tordesilhas. E ele estava falando do que seria a fração portuguesa
da América do Sul.
Não por acaso, Dom Manuel teria enviado no ano seguinte o experiente na-
vegador Duarte Coelho, em 1498, para as tais terras em uma missão reservada.
O segredo se justificara, pois o desembarque do navegador se dera justamente em
terra que, pelo Tratado de Tordesilhas, pertenceriam à Espanha (aproximadamen-
te entre o Maranhão e o Pará, no mapa dos dias de hoje), o que poderia causar
sérios problemas diplomáticos.
Assim, seria mais prudente organizar para dois anos seguintes uma expedição
própria para reconhecimento e tomada de posse do território que efetivamente
pertenceria a Portugal. E essa seria a viagem de Pedro Álvares Cabral.
Outros fatores que reforçam a ação deliberada pelo reconhecimento e tomada
de posse do Brasil vêm da própria composição da esquadra cabralina. Ao contrário
do que consagrou o senso comum (e não raro o ensino escolar...), não era toda
composta por caravelas, mas por naus, naveta de suprimentos e as caravelas lati-
nas. As caravelas latinas geralmente são utilizadas como navios de comunicação.
São mais ágeis para as manobras náuticas e mais rápidas. Porém não são práticas
para missões comerciais em razão de tamanho e capacidade.
No caso da esquadra de Cabral, fora utilizada mais de uma quando apenas
uma caravela se fazia necessária para esse tipo de missão. O fato de existir uma
quantidade “a mais” justificaria o envio das notícias para o rei de Portugal assim
que a frota cumprisse a primeira parte de seus objetivos e, posteriormente, partiria
para o destino final da missão, nas Índias.
Além disso, endossa a tese da intencionalidade o fato de que o “erro” que des-
viaria a esquadra para as terras brasileiras teria que ser igualmente intencional ou
um descuido de origem, ou seja, teriam que navegar errado desde a partida e ficar
fora da rota original por mais de um mês. As tempestades e os afundamentos não
são incomuns. Entretanto, mais do que a própria Espanha, Portugal reunia a mais
avançada expertise em conhecimento náutico.
Não é crível que tais navegadores simplesmente se perderiam no oceano e depois
encontrassem não só o rumo de volta ao destino final, como enviariam novamente um
navio em retorno a Portugal com notícias. Pesa ainda o fato de não haver relatos an-
teriores ou posteriores de que navegadores tivessem se perdido nessa rota consolidada.

capítulo 1 • 22
COMENTÁRIO
No período que antecedeu a colonização, algumas tribos indígenas tupi-guarani deno-
minavam o seu território como “Pindorama”, a “Terra das Palmeiras”. Com a chegada da
esquadra cabralina, a referência cristã dos conquistadores se fez presente com a nova deno-
minação de Terra de Vera Cruz, que vigora entre os anos 1500 e 1501, sendo trocada pelo
rei Dom Manuel para Terra de Santa Cruz, nome de igual referência, mas de curta duração,
até 1503. Dessa dada em diante, a abundância do pau-brasil se transformaria também na
referência da territorialidade, sendo o nome Brasil oficializado. Os italianos fizeram referência
às terras brasileiras como “Terra dos Papagaios”, até o ano de 1520.

Discussões historiográficas à parte, Portugal, ao receber a notícia da nova ter-


ra, não tarda em organizar missões marítimas no intuito de conhecê-las mais a
fundo. Esse ciclo de missões ficou consagrado em nossos estudos como “expedi-
ções cartográficas”. A metodologia empregada pelos portugueses não seria muito
diferente do que já praticavam em suas ilhas e no litoral africano.
Essas expedições deveriam conhecer melhor a costa, nomeando os pontos
mais importantes, verificando as melhores condições portuárias e de navegação,
além de relatar os recursos naturais ou minerais mais evidentes, que poderiam
se tornar alvo de um processo mais organizado de comercialização. Do mesmo
modo, nesse período, os portugueses não fizeram um povoamento efetivo da terra,
mas o estabelecimento das já conhecidas feitorias. Em suma, aplicariam nas novas
terras os dispositivos e as estratégias já conhecidas e que tinham em sua operação
dado relativo sucesso às conquistas portuguesas.
Assim, no período entre 1501 e 1504 foram enviadas duas expedições com
essa finalidade. A primeira, com três navios, comandada por Gaspar de Lemos
(1501) e a segunda, por Gonçalo Coelho (1503). Ambas contaram com a presen-
ça do navegador Américo Vespúcio. Podemos dizer que a segunda expedição foi
consequência da primeira. Na missão chefiada por Gaspar de Lemos, foram no-
meados os principais acidentes geográficos encontrados, bem como identificada a
existência, com abundância, do pau-brasil, madeira bastante cobiçada e que certa-
mente poderia ser o ponto de partida para a exploração comercial das novas terras.
Desse modo, a segunda missão já nasce exatamente desse interesse comercial.
Ela se desenha como fruto de um contrato entre a Coroa portuguesa e comerciantes

capítulo 1 • 23
que iniciaram a exploração do pau-brasil na costa, dentre eles, o abastado comer-
ciante Fernando de Noronha. O regime de exploração era o da concessão com
alguns compromissos acordados a mais. Como o rei de Portugal era o soberano
proprietário de todas as terras, o regime de concessão não era um mau negócio,
pois garantiria a efetiva exploração do território, a progressiva ocupação, receitas
sem a necessidade de empenhar recursos (já que cabia aos particulares os custos e
os riscos da empresa colonizadora).
Nos acordos que constituíram a segunda expedição, constavam as obrigações
por parte dos concessionários em fundar feitorias e enviar periodicamente navios
à costa para prosseguir com o processo de reconhecimento do território.

SAIBA MAIS
Qual a importância comercial de uma madeira encontrada em abundância ao longo do litoral
brasileiro na região de Mata Atlântica para o sistema comercial português? O pau-brasil tinha
grande valor justamente por sua versatilidade. Da seiva avermelhada era retirado um cobiçado
corante utilizado na manufatura têxtil. Mas não era só. Sua madeira era largamente aplicada na
indústria náutica e no fabrico de artefatos de marcenaria de alto luxo, o que incluía de mobiliário a
instrumentos como o arco do violino. O valor comercial era tão atraente que a exploração foi voraz
por mais de trezentos anos, atravessando os Períodos Colonial e Imperial. Como consequência, na
passagem para o século XX acreditou-se já estar extinta em sua forma natural.

No entanto, os portugueses não estariam a sós na nova aventura colonial. A


repartição do mundo conhecido e a conhecer garantidos aos portugueses e espa-
nhóis pelo Tratado de Tordesilhas não foi aceita pelas demais potências europeias.
Se por um lado ingleses, holandeses e franceses partiram atrasados para as nave-
gações atlânticas devido a problemas internos e a guerras externas (inclusive entre
a própria Inglaterra e a França), por outro não deixaram de contestar imediata-
mente a validade do tratado, dando mostras de que os países ibéricos não teriam o
desejado monopólio de modo pacífico e unânime.
A resistência mais veemente veio do rei da França, Fernando I, cuja ironia
entrou para a história com a frase que questionava sobre qual cláusula de um
suposto testamento de Adão retirara a França da posse de novos territórios. Era o
prenúncio retórico das ações concretas.

capítulo 1 • 24
Os franceses iniciam as invasões ao território colonial português sob diferentes
estratégias. Basicamente vão atuar nos oceanos por meio do corso e da pirataria
, abordando as naus carregadas de pau-brasil e com ocupações intermitentes no
litoral, chegando também ao estabelecimento feitorias, fortalezas e ocupações em
caráter mais permanente. Durante boa parte do Período Colonial, os franceses e
os portugueses travariam combates por terra e mar.
Assim, os portugueses enviam, no período entre os anos de 1516 a 1520, as
chamadas “expedições guarda-costas”, todas elas de caráter estritamente militar e
comandadas, todas elas, por Cristóvão Jacques. O efeito prático das missões foi
pouco significativo. Além do tamanho do litoral brasileiro, que dificultava um
patrulhamento constante e eficiente, os franceses, assim como os portugueses, já
contavam com aliados entre os povos nativos no Brasil, sobretudo a confederação
de tribos conhecida como Confederação dos Tamoios.
De fato, tanto o processo colonizador e exploratório, seja ele empreendido
pela metrópole oficial ou por outros povos invasores não poderia prosperar sem
uma política de aproximação e aliança com as populações indígenas locais.
As estimativas da população nativa na chegada dos portugueses, em 1500, não
é muito precisa e continua no campo das controvérsias. A mais aceita mostra um
pouco o quanto essa imprecisão é marcante, pois se fala em um intervalo entre 1
a 5 milhões de habitantes. Há estudos que mencionam quantidades até mesmo
superiores. Na fração nordeste do litoral, predominavam os índios tupis, tendo ao
sul, majoritariamente os guaranis. As nações tupi e guarani foram as que estabele-
ceram contatos imediatos com os portugueses. Contudo, nem todas as tribos eram
amistosas ao colonizador.
Havia também outros povos de línguas distintas e cujo contato com os portu-
gueses não tinha sido igualmente amistoso. A esses os colonizadores incorporaram
a denominação generalista da “tapuias”. De modo geral, os nativos adotavam um
modo de organização territorial com base no sistema tribal, tendo à frente as lide-
ranças voltadas a proteção e a guerra, os caciques e os que articulavam o universo
visível com o invisível, os pajés ou xamãs, que eram igualmente responsáveis pelo
conhecimentos relacionados à cura.
Nessas sociedades, a divisão do trabalho obedecia a critérios de idade e gênero,
sendo essas tarefas bem delimitadas e culturalmente arraigadas. Ou seja, a alteração
para funções que não eram tidas como executáveis por homens, como a semeadu-
ra, poderia trazer resistências imediatas. As tribos se subdividiam na territorialida-
de em tabas e estas em aldeias. Agrupamentos que chegassem a compreender até

capítulo 1 • 25
mais de mil indígenas eram comuns, sendo a média de 100 a 700 habitantes, de
modo geral. A chave para a identificação social eram as relações de parentesco que
iam sendo largamente estabelecidas.
Essas relações por parentesco geravam um conjunto de obrigações e contra-
partidas. Os colonizadores, quando finalmente compreendem o funcionamento
desse mecanismo, vão se utilizar dele a partir das uniões com mulheres indígenas.
Até mesmo mais de uma, constituindo o fenômeno conhecido como “cunhadis-
mo”, pois com a união, os irmãos e demais parentes da mulher passam a ser alia-
dos incondicionais em caso de guerra ou necessidade. Nada mal para quem quer
montar um exército particular a disposição nas novas terras.
Ao contrário do senso comum, os indígenas não eram estritamente pacífi-
cos. A guerra entre as tribos era uma atividade que fazia parte da rotina e, para o
colonizador, a animosidade entre as tribos tornou-se um ingrediente a mais para
que fosse possível o estabelecimento de uma política de alianças que favorecessem
a progressiva penetração no território, sempre a partir do deslocamento da tribo
adversária, como veremos mais adiante.
Em função dessa característica, se constituiu no imaginário sobre a nossa his-
tória a estranha visão de um índio pacífico, plácido e passivo no processo de colo-
nização. Se compreendermos mais a fundo, no entanto, vamos perceber que no se-
gundo momento da colonização, mais propriamente quando a matriz exploratória
muda do extrativismo para a agricultura extensiva, os conflitos serão praticamente
constantes e frequentes.
Mas no período inicial, os únicos conflitos se resumiam, basicamente, ao uni-
verso do contraditório entre as próprias tribos, sendo o colonizador apenas um
agente complementar nesse cenário. Convém explicarmos melhor:
A quantidade de colonizadores que se fizeram presentes ao longo dos primei-
ros trinta anos desde a chegada de Pedro Álvares Cabral não chegou a se consti-
tuir para os indígenas propriamente em uma ameaça concreta. Ao contrário, a
regularidade das relações amistosas vinha da possibilidade do escambo entre as
mercadorias estrangeiras e a extração do pau-brasil.

COMENTÁRIO
Sobre o escambo entre os europeus e indígenas durante os primórdios da colonização
pairam algumas considerações do senso comum, atribuindo aos índios o peso da ingenuida-
de por oferecer uma matéria-prima valorizada pelo comércio europeu em troca de produtos

capítulo 1 • 26
de valor simbólico ou secundário. Entretanto, é preciso desmistificar essa visão, pois o valor
de uso e o valor simbólico são variáveis de cultura para cultura. Assim é provável inferirmos
que o escambo era até aquele momento algo considerado vantajoso, sob o ponto de vista
próprio de cada uma das culturas.

Além disso, essa quantidade, mesmo com o estabelecimento das feitorias litorâ-
neas, estava praticamente imersa no cotidiano e no domínio direto das tribos. Isso
significa dizer que os primeiros exploradores, dado a natureza do escambo e o quan-
titativo de pessoas, puderam ser incorporadas a tutela e dinâmica das tribos. Nesse
período, a dependência do explorador com relação ao indígena é soberana. Sem as
tribos seria uma tarefa complicadíssima sobreviver, pois deles partiam os suprimen-
tos regulares de comida, água, os conhecimentos medicinais, a língua e a comuni-
cação, o conhecimento do território e da proteção contra as demais tribos hostis.
Como vimos, essa estratégia foi amplamente utilizada tanto pelos portugueses
quanto pelos franceses nos primeiros anos da colonização. Os franceses, mais es-
pecificamente, se uniram aos índios tamoios e estabeleceram fortalezas e feitorias
clandestinas no território, sobretudo no Rio de Janeiro. Os exemplos mais aparentes
desse processo foram a ocupação e fortificação clandestina na região de Cabo Frio, li-
gada diretamente a uma das mais conhecidas e ousadas incursões, a França Antártica,
na Baía da Guanabara em 1555, que abordaremos melhor no próximo capítulo.
Todo esse processo vai perdurar pelos primeiros trinta anos da colonização até
que Portugal, com ameaça cada vez mais concreta da perda da hegemonia sobre
seu território, se vê forçado a mudar de estratégia, ou seja, de uma ocupação inci-
piente e intermitente, para um projeto colonial de assentamentos, já conhecido e
praticado em outras colônias, as capitanias hereditárias .
Ademais, havia um fator econômico importante, o declínio das relações co-
merciais com o Oriente. Um equívoco bastante comum que encontramos é o de
justificar esse declínio devido à dinâmica própria do comércio das especiarias. É
uma visão que não se sustenta. Desde as rotas inauguradas por Vasco da Gama, o
comércio das pimentas atingira margem de lucro que oscilavam de iniciais 4000%
a estratosféricos 24000%. Era, portanto, um comércio altamente lucrativo e
atraente que só entrará em declínio a partir dos anos de 1600, quando o açúcar
começa a despontar no cenário internacional como produto mais valorizado.
Assim, não era a lucratividade do segmento que fizera Portugal investir no
Brasil, mas as dificuldades logísticas dessa atividade. A frota comercial portuguesa

capítulo 1 • 27
já estava bastante desgastada pelas décadas de uso com capacidade extraordinária
e, sem a possibilidade de renová-la ou mesmo de ter oficinas de reparos em quan-
tidade suficiente, os riscos e as perdas com naufrágios e outros acidentes foram
ficando cada vez maiores ao ponto de ter que ser reduzida para que não se tornasse
deficitária ou inviável.
Desse modo, o investimento na ocupação definitiva do território por meio das
capitanias hereditárias, traria a possibilidade de se estabelecer uma nova e igual-
mente lucrativa atividade econômica, com as vantagens das melhoras condições
de navegação e da maior proteção que a presença colonial favorece. No próximo
capítulo, conheceremos como se estruturou o sistema sob o ponto de vista institu-
cional, político, econômico e seus desdobramentos na formação social da Colônia
até o processo de Independência e o estabelecimento do Primeiro Reinado.

ATIVIDADES
01. Esta terra, Senhor, parece-me que, da ponta que mais contra o sul vimos, até a outra
ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha que ha-
verá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas de costa. Traz ao longo do mar em algumas partes
grandes barreiras, umas vermelhas, e outras brancas; e a terra de cima toda chã e muito cheia
de grandes arvoredos. De ponta a ponta é toda praia... muito chã e muito formosa. Pelo sertão
nos pareceu, vista do mar, muito grande; porque a estender olhos, não podíamos ver senão
terra e arvoredos – terra que nos parecia muito extensa.
Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro;
nem lha vimos. Contudo a terra em si é de muito bons ares frescos e temperados como os de
Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo d'agora assim os achávamos como os de lá. Águas
são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo;
por causa das águas que tem!
Disponível em: <http://educaterra.terra.com.br/voltaire/500br/carta_caminha.htm>.
Acesso em: jan. 2019.

Esse trecho retirado da Carta de Pero Vaz de Caminha mostra uma descrição breve da
nova terra e de seus recursos e possibilidades. Faça uma análise das razões que motivaram
a expansão marítima sob a óptica das práticas mercantilistas.

02. Sobre os tratados assinados entre Portugal e Espanha, leia as afirmativas a seguir.

capítulo 1 • 28
I. O Tratado de Toledo foi estabelecido pelo papa Alexandre VI, em 1493, dividindo as
novas descobertas atlânticas entre Portugal e Espanha.
II. O Tratado de Tordesilhas possibilitou a Portugal o domínio às terras descobertas e a
descobrir na região do Atlântico Sul, a 370 léguas a oeste do Cabo Verde.
III. A Bula Inter Coetera, na prática, excluía Portugal das novas conquistas atlânticas pos-
sibilitando apenas a manutenção das ilhas das feitorias no litoral africano.
IV. O Tratado de Toledo foi consequência das disputas dinásticas entre Portugal e Cas-
tela e teve como efeitos possibilitar a unificação dos reinos de Leão/Castela e Aragão e a
legitimidade dos domínios ultramarinos de ambos.
V. O Tratado de Tordesilhas previa a participação, em caráter secundário, dos demais
Estados europeus no processo de exploração do Atlântico, desde que as terras descobertas
se tornassem tributárias de Portugal e Espanha.

Estão corretas apenas


a) As afirmativas II, III e IV. c) As afirmativas I, II e V. e) As afirmativas III, IV e V.
b) As afirmativas I, II e III. d) As afirmativas II, III e V.

03.
©© WIKIMEDIA.ORG

capítulo 1 • 29
Na tela apresentada, o pintor Vitor Meireles retrata uma idealização sobre a primeira mis-
sa celebrada no Brasil pelos conquistadores portugueses. Faça uma análise dos conteúdos
da imagem, relacionando-os ao processo inicial de colonização do Brasil.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOORSTIN, Daniel J. Os descobridores. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1989.
CUNHA, Manuela Carneiro da (Org.). História dos índios no Brasil. 2. ed. São Paulo: Cia das Letras,
2009.
FAUSTO, Carlos. Índios antes do Brasil. 4. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010.
FRAGOSO. João. GOUVÊA. Maria de Fátima (orgs). Coleção O Brasil Colonial Volume 1. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 34. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
LINHARES, Maria Yedda Leite (Org.). História geral do Brasil. 9. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro:
Campus, 2002.
RAMOS, Fábio Pestana. Por mares nunca dantes navegados: a aventura dos descobrimentos. São
Paulo: Contexto, 2008.
RAMOS, Fábio Pestana. No tempo das Especiarias. Nova Edição. São Paulo: Contexto, 2006.
RAMOS, Fábio Pestana; MORAIS, Marcos Vinicius de. Eles Formaram o Brasil. São Paulo: Contexto,
2010.

capítulo 1 • 30
2
Sociedade e
economia do Brasil
colonial
Sociedade e economia do Brasil colonial
Nesse capítulo, vamos estudar como foi implantado na colônia o sistema de
capitanias hereditárias e de que modo esse sistema estruturou o início da explora-
ção intensiva do solo brasileiro, modificando a perspectiva inicial do extrativismo
costeiro (pau-brasil) para uma ocupação efetiva do solo. A partir dessa análise,
vamos conhecer as estratégias da Coroa com relação à política indigenista e a sua
utilização como mão de obra escrava nas lavouras.
Vamos também conhecer como se deu a implantação do governo-geral no Brasil
como desdobramento das instalações das capitanias, centralizando as decisões e esti-
pulando uma racionalidade para o modelo de exploração, defesa e administração na
colônia. Assim, vamos observar como a estrutura fundiária se desenvolveu e se inse-
riu no contexto do comércio ultramarino, considerando a progressiva substituição
da mão de obra indígena pelos escravos africanos e suas consequências.
Por fim, vamos compreender os desdobramentos decorrentes do declínio da
produção canavieira no Nordeste e a descoberta do ouro nas Minhas Gerais, bem
como das revoltas que agitaram os alicerces de nossa dominação colonial.
Bons estudos!

OBJETIVOS
•  Analisar o processo de implantação das capitanias hereditárias no Brasil e sua importância
estratégica na política colonial portuguesa;
•  Compreender o modo pelo qual a mão de obra indígena tornava-se acessível e como foi
progressivamente substituída pelos escravos africanos;
•  Identificar as consequências da descoberta de ouro nas Minhas Gerais para o estabeleci-
mento de mecanismos de controle e combate ao contrabando de ouro e diamantes;
•  Analisar os movimentos de contestação ao regime metropolitano materializados em formas
de Revoltas ou Movimentos;
•  Conhecer as principais revoltas coloniais, mostrando suas lideranças, seus programas e
suas iniciativas.

capítulo 2 • 32
Introdução

No capítulo anterior, analisamos os fatores que culminaram com o início do


processo de colonização da América portuguesa. A primeira fase da colonização se
estruturou sobre ao menos dois pilares fundamentais, o de conhecer e salvaguardar
as novas terras da melhor maneira possível e fazê-la produzir de modo a se tornar,
o mais precocemente, economicamente importante.
Desse modo, o extrativismo do pau-brasil foi a primeira estratégia em escala
que começou a dar à nova colônia os contornos de uma economia complementar.
Nessa fase havia uma dependência muito maior com relação à mão de obra indí-
gena. Não é exagero afirmamos que essa dependência não se restringia apenas ao
trabalho do nativo. Com contingentes diminutos na nova colônia, os portugueses
dependiam visceralmente das organizações indígenas para que a sua sobrevivência
gradativamente pudesse dar lugar a uma efetiva e estruturada colonização europeia.
Entretanto, apenas o comércio do pau-brasil não seria suficiente para que a
crise pela qual passava a marinha mercante portuguesa pudesse ser compensada de
modo mais amplo. Em virtude da caducidade e falta de manutenção e reparos, a
frota mercante lusitana não conseguia prover os mercados e as rotas das especiarias
com a mesma frequência e intensidade de outrora. Era necessário e urgente que
fosse encontrada uma saída complementar que proporcionasse com menor custo
e menor distância de navegação.
Para essa tarefa, Portugal leva o Brasil a viver o segundo momento de sua
colonização. Podemos dizer que ela foi uma ação estruturada e planejada, em que
a ocupação efetiva e a produção em escala serviriam como substitutos à ausência
aparente de produtos, como as especiarias e de metais em sua forma mais abun-
dante. Era o início do sistema das capitanias hereditárias.
Esse sistema de capitanias não era propriamente uma novidade. Ele já ha-
via sido utilizado com sucesso nas colônias atlânticas e africanas pertencentes a
Portugal (Ilha da Madeira, Arquipélago dos Açores e Cabo Verde) e implantado
inicialmente no Brasil de modo isolado em 1504, no reinado de D. Manuel I, com
a doação da Ilha de São João a Fernão de Noronha.
Entretanto, o sistema de capitanias seria propriamente estruturado no Brasil
como uma política de colonização no reinado de D. João III em 1532, aplicado
na prática a partir de 1534, com a divisão dos lotes a partir do traçado delimitado
pelo Tratado de Tordesilhas.

capítulo 2 • 33
Desse modo, estruturou-se a seguinte divisão em 14 capitanias divididas em
15 lotes (a capitania de São Vicente estava dividida em dois lotes, mas com único
donatário).
São as seguintes capitanias re-
Mapa das Capitanias Hereditárias – 1534 - 1536
sultantes dessa divisão e seus res-
pectivos donatários: capitania do
Maranhão (1a e 2a seção) com Aires
Abra de Diogo Leite
da Cunha e João de Barros na pri-
Terras não distribuidas

Cabo de Todos os Santos


Rio da Cruz
Angra dos Negros meira e Fernando Álvares de Andrade
Maranhão 1
Maranhão 2

Piauí Rio Gde. do Norte 1 na segunda; capitania do Ceará com


Ceará

Rio Gde. do Norte 2


Baía da Traição Antônio Cardoso de Barros; capi-
Itamaracá
Rio da
Pernambuco
Santa Cruz tania do Rio Grande com João de
Rio de São Francisco Barros e Aires da Cunha; capitania
Bahia de Itamaracá com Pero Lopes de
Tordesilhas

Sul da baía de Todos os Santos


Ilhéus Souza; capitania de Pernambuco com
Rio Pardo Duarte Coelho; capitania da Baía
Porto Seguro
Rio Mucuri
de Todos os Santos com Francisco
Espírito Santo Pereira Coutinho; capitania de Ilhéus
Baixos dos Pargos com Jorge de Figueiredo Correia;
São Vicente 1 Rio Macaé
Santo Amaro Rio Curupacê
capitania de Porto Seguro com Pero
Barra da Bertioga
São Vicente 2 do Campo Tourinho; capitania do
Paranaguá
Santana Espírito Santo com Vasco Fernandes
- 28° 1/3
Coutinho; capitania de São Tomé
N com Pero de Góis da Silveira; capi-
0 450 900km
tania de São Vicente com Martim
Afonso de Souza; capitania de Santo
Amaro e capitania de Santana, ambas
com Pero Lopes de Souza.

CURIOSIDADE
Tradicionalmente o modo como o mapa das capitanias hereditárias é retratado, sobre-
tudo nos livros didáticos, nos dá a impressão de que as linhas demarcatórias eram perfeita-
mente traçadas. Entretanto, a divisão entre as capitanias era feita por meio de marcos como
vilas e povoados ou – o que é mais comum – acidentes geográficos. Assim, o traçado entre
uma capitania e outra seria certamente mais acidentado, sinuoso e descontínuo.

capítulo 2 • 34
Assim, percebemos que há certa continuidade com relação a uma prática anti-
ga, a de fazer a empresa colonizadora de modo associado, ou seja, a posse das ter-
ras, a permissão e a organização do sistema caberiam à Coroa, mas a sua execução
na prática, ficaria a cargo de particulares.
Portanto, cada capitania foi, como observamos anteriormente, confiada a um
donatário. Eles foram recrutados entre a baixa nobreza portuguesa, mas com con-
dições suficientes de assumir os riscos e os investimentos necessários à colonização.
Para eles, esse tipo de proposição não era interessante apenas pela questão econô-
mica. Em uma sociedade de Cortes, cada oportunidade de destacar-se poderia
valer um considerável aumento de prestígio e influência junto à Coroa.

COMENTÁRIO
Ser donatário (também conhecido como capitão-donatário), não significava ser dono da
terra. A terra pertence à Coroa. A relação de doação é regida por documentos que dão a
posse da terra ao donatário, com possibilidade de passá-la para seus descendentes para
a mesma finalidade, administrá-la e fazê-la produzir. É importante ressaltar que os riscos e
custos de tudo isso cabiam também ao donatário.

Todo sistema de capitanias estava fundamentado em dois pilares, a Carta de


Doação e a Carta Foral. A Carta de Doação era o documento que organizava a
capitania de modo geral. Era ela quem dava a posse ao donatário e a ele outorgava
a autoridade máxima na administração e na aplicação da justiça. Por meio dela
estavam constituídas as obrigações de conceder sesmarias, criar, proteger e auxiliar
no desenvolvimento de novos povoados e, principalmente, fazer a terra produzir.
Também regulava a questão da mão de obra, especialmente no que tange às possi-
bilidades de escravização do indígena.

CONCEITO
Etimologicamente o termo sesmaria significa a sexta parte de uma territorialidade. Foi
um ordenamento jurídico português que objetivava a organização da distribuição das terras e
suas respectivas obrigações de uso, produção e definição de propriedade.

capítulo 2 • 35
Já a Carta Foral era o instrumento que organizava o aspecto econômico das ca-
pitanias. Por meio dela definiam-se questões relacionadas à produção e aos impos-
tos, deixando de modo bem delineado o lucro que cabia a cada parte. É importan-
te lembrar que o donatário não é apenas uma espécie de gestor geral. Ele também
recebe uma terra própria onde viverá e deverá fazê-la produzir. Era a donatária.
Via de regra, o lucro era mais abundante para a Coroa do que para os dona-
tários e sesmeiros. As dificuldades de implantação de um processo produtivo na
colônia eram penosas, já que todas as despesas eram arcadas pelos particulares. A
distância de Portugal e a ausência de suporte metropolitano no processo deixavam
os donatários ainda mais isolados.
Havia o problema adicional dos ataques indígenas que, de fato, eram nu-
merosos e que por diversas vezes “empurravam” para a costa vários núcleos de
colonização. Ou seja, era uma empresa de grandes investimentos, altos riscos e
possibilidades limitadas de lucro. Assim, no início da implantação das capita-
nias, apenas duas conseguiram se constituir de modo mais sólido e linear, as de
Pernambuco e São Vicente. As demais, progressivamente, iam sendo retomadas
pela Coroa conforme foram caindo em obsolescência, dando origem a novos ar-
ranjos. Entretanto, os resultados não condenaram o sistema de capitanias, que
conseguiram uma considerável sobrevida. Para tal, alguns ajustes eram necessários
e o primeiro deles era a instalação do governo-geral, em 1548, e sua efetivação nas
terras brasileiras no ano seguinte.
O governo-geral trazia consigo o interesse na centralização da administração
colonial de modo mais efetivo. Esse movimento, contudo, acaba na diluição dos
poderes do capitão-donatário e em uma maior presença da metrópole por meio
de instituições, cargos e funções a ela ligados. Assim, além do governador-geral,
compunha a nova administração colonial o ouvidor-mor, encarregado dos assun-
tos relacionados à justiça, o provedor-mor que cuidaria das questões pertinentes às
finanças, o alcaide-mor e suas funções ligadas à administração local e sua defesa,
sendo esta última tarefa também compartilhada pelo capitão-mor, que igualmente
tinha sua parcela de participação em assuntos de justiça.
O primeiro governador-geral foi Tomé de Souza, que chega ao Brasil em 1549
portando um regimento com ordenações, autorizações, atribuições e marcos legais
de sua atuação na colônia. De modo geral, era sua função fazer com que a nova
estrutura administrativa fosse efetivamente posta em funcionamento, além de cui-
dar de questões mais pragmáticas como as construções defensivas e a segurança
coletiva, por meio da posse de armamentos obrigatória.

capítulo 2 • 36
LEITURA
O Regimento de Tomé de Souza (fragmento)
Eu El Rei faço saber a vós Thomé de Sousa fidalgo de minha Casa que vendo eu quanto
serviço de Deus e meu é conservar e enobrecer as Capitanias e povoações das terras do Bra-
sil e dar ordem e maneira com que melhor e mais seguramente se possam ir povoando para
exaltamento da nossa Santa Fé e proveito de meus reinos e senhorios e dos naturais deles
ordenei ora de mandar nas ditas terras fazer uma fortaleza e povoação grande e forte em um
lugar conveniente para daí se dar favor e ajuda às outras povoações e se ministrar justiça e
prover nas coisas que cumprirem a meu serviço e aos negócios de minha fazenda e a bem
das partes e por ser informado que a Bahia de Todos os Santos é o lugar mais conveniente da
costa do Brasil para se poder fazer a dita povoação e assento assim pela disposição do porto
e rios que nela entram como pela bondade abastança e saúde da terra e por outros respeitos
hei por meu serviço que na dita Bahia se faça a dita povoação e assento e para isso vá uma
armada com gente artilharia armas e munições e todo o mais que for necessário. E pela muita
confiança que tenho em vós que em caso de tal qualidade e de tanta importância me sabereis
servir com aquela fieldade e diligência que se para isso requer hei por bem de vós enviar por
governador às ditas terras do Brasil no qual cargo e assim no fazer da dita fortaleza tereis a
maneira seguinte da qual fortaleza e terra da Bahia vós haveis de ser capitão.
Disponível em: <http://www.historia-brasil.com/colonia/constituicao-1548.htm>.
Acesso em: jan. 2019.

Mas não foi apenas Tomé de Souza quem chegou ao Brasil em 1549.
Juntamente com ele aporta na colônia o padre Manuel da Nóbrega com os cléri-
gos da ordem dos jesuítas. Era o início de uma nova fase no processo de coloniza-
ção sob o ponto de vista das relações sociais.
Basicamente os jesuítas se dedicavam a três atividades principais na colônia.
Didaticamente podemos separar essas atividades em religiosas, educacionais e
econômicas, mas todas as três estavam direta ou indiretamente interligadas. Por
exemplo, o aspecto missionário voltado à conversão e catequese dos indígenas
estava intimamente associado às missões, unidades produtivas que auxiliavam a
sustentar os colégios e as residências.

capítulo 2 • 37
COMENTÁRIO
A Companhia de Jesus, como era conhecida a ordem dos jesuítas, foi fundada em 1534
por Inácio de Loyola e reconhecida pelo Vaticano como congregação em 1540. Como militar,
Loyola estrutura a ordem sob os pilares da obediência estrita ao papa, ancorado em valores
como castidade, pobreza e disciplina. A ordem surgiu no contexto da reforma católica, com
caráter missionário e educacional, áreas nas quais obteve grande destaque. O atual papa,
Francisco, é o primeiro jesuíta a ocupar essa posição.

A possibilidade de convivência com o indígena já era algo experimentado. As


alianças e as hostilidades gravitavam em torno de arranjos possíveis com o largo
uso do “cunhadismo”. Entretanto, uma coisa era permanecer com a economia
de escambo, estabelecendo laços de reciprocidade com as tribos “aliadas”. Outra
bem diferente era a desestruturação do modus vivendi indígena para sua imersão
no sistema de produção agrário-exportador que caracterizava a iniciativa das ca-
pitanias hereditárias. A captura e o aprisionamento do nativo passam a ser uma
atividade corriqueira.

CONCEITO
O cunhadismo era uma prática indígena que passou a ser largamente incorporada pe-
los colonos portugueses. Ele estabelecia originalmente a promessa de proteção mútua, pres-
tação de serviços e pertencimento social por parte da família da “esposa”. Como a sociedade
indígena permitia a poligamia, esses casamentos representavam uma possibilidade de cons-
tituição de alianças poderosas e foi igualmente utilizado pelos colonos com esse propósito,
por meio de casamentos poligâmicos com os indígenas.

A visão religiosa acerca do indígena vem carregada com as mesmas tintas de


dubiedade encontradas na Coroa. Por um lado, há a concepção edênica na qual se
percebem as tribos como os filhos diretos de Adão e Eva, remetendo a possibilida-
de de um recomeço civilizacional por meio da catequese. Assim, estrutura-se uma
ação protetiva, confinando aldeias inteiras em missões, mas que por sua vez não
deixavam de se tornar um elemento desarticulador da sociedade nativa, pois lá se
submetiam à conversão, à catequese e ao trabalho nas fazendas. Apenas escapavam

capítulo 2 • 38
temporariamente das mãos dos colonos, cuja preocupação era menos cristã e mui-
to mais pragmática quanto ao uso e ao tratamento dessa mão de obra.
E esse seria justamente o ponto principal de atritos entre colonos e jesuítas.
Não foram raras as invasões armadas dos colonos nas missões, aprisionando e es-
cravizando os indígenas mesmo estando eles nas condições que lhes facultava pro-
teção. A única possibilidade admissível para a escravização do indígena era prag-
mática. Apenas a “guerra justa” e, consequentemente, a “justa punição”, poderiam
ensejar a escravização. Em outras palavras, era permitido escravizar as tribos hostis
que tenham atacado ou de alguma maneira tenham ameaçado os colonos. O pro-
blema era que, em terras onde os poderes locais gozavam de maior liberdade de
ação, era muito difícil estabelecer de modo estritamente real quando esses ataques
eram reais quando usados como justificativa.

MULTIMÍDIA
A missão
No final do século XVIII, Mendoza (Robert De Niro), um mercador de escravos, fica com
crise de consciência por ter matado Felipe (Aidan Quinn), seu irmão, num duelo, pois Felipe
se envolveu com Carlotta (CherieLunghi). Ela havia se apaixonado por Felipe e Mendoza não
aceitou isso, pois ela tinha um relacionamento com ele. Para tentar se penitenciar, Mendoza
se torna um padre e se une a Gabriel (Jeremy Irons), um jesuíta bem intencionado que luta
para defender os nativos, mas se depara com interesses econômicos.

Título original: The Mission


Distribuidor: Flashstar
Ano de produção: 1986
Tipo de filme: longa-metragem

Assim ia se amalgamando a sociedade colonial. A ação educacional dos jesuítas


possibilitou nova relação com as comunidades indígenas, tendo em vista os seus
esforços na codificação da língua tupi e de sua tradução para o português. A língua
tupi antiga foi utilizada como língua franca nos primeiros tempos da colonização,
sendo o nheengatu um aprimoramento também utilizado por indígenas e brancos
para comunicação. Somente a partir das reformas pombalinas é que se inicia a
preocupação com a retomada e expansão do português de modo mais abrangente.

capítulo 2 • 39
Os ataques às missões jesuítas pelos colonos contavam com a ação de homens
especializados nesse tipo de ação – os captores de indígenas, conhecidos também
como bandeirantes. De início, as bandeiras eram formadas sob contrato para que
se desse guerra às tribos hostis ou em ações para combate a invasões estrangeiras e
até mesmo em resgate de prisioneiros.

CONCEITO
Os bandeirantes eram, em sua maioria, mestiços que atuavam como sertanistas, ou
seja, tinham por prática a entrada nas áreas interioranas da colônia (também chamada comu-
mente de sertões), com o objetivo de capturar indígenas que seriam disponibilizados como
mão de obra escrava. No século XVIII, a ação das bandeiras possibilitou a descoberta de
jazidas de ouro nas Minas Gerais.

Com o passar do tempo, as bandeiras passaram a se incluir de modo mais


intenso no comércio de mão de obra na colônia, organizando expedições para
localidades cada vez mais para o interior do território que, proporcionaram, com
o tempo, a ocupação e a formação de novos núcleos populacionais, expandindo as
fronteiras outrora demarcadas por Tordesilhas.
Muitos componentes das caravanas bandeirantes eram formados por mesti-
ços, sobretudo os filhos de portugueses com os indígenas. Assim, conheciam tanto
os “caminhos das matas”, suas condições de sobrevivência e comportamento dos
nativos, tornando-se eficientes apresadores quanto também conheciam a neces-
sidade de utilizar esse tipo de atividade para se tornar visível e participante da
fechada sociedade colonial que se estruturava. Como veremos mais adiante, uma
das consequências das bandeiras foi, além da expansão territorial, o início do ciclo
de exploração mineral na colônia.
A estruturação econômica do sistema de capitanias girava em torno da ativi-
dade agrária. Mais especificamente, a agricultura de tipo plantation era o modelo
mais utilizado e consistia em grandes propriedades monocultoras de um produto
que tivesse forte demanda externa, como a cana-de-açúcar. Essa modalidade de
produção exigia um contingente considerável de mão de obra, algo impossível de
ser abastecido pelos braços imigrantes de Portugal. A alternativa encontrada pelos
colonos era a utilização da mão de obra indígena. Entretanto, com a expansão do

capítulo 2 • 40
cultivo, a carência de braços se amplia com velocidade, o que explica a voracidade
dos ataques às missões e as caravanas de aprisionamento.
A escravização entre os indígenas, mesmo antes da chegada dos portugueses ao
Brasil já era uma prática ampla e consolidada. Nações antropófagas como os tupinam-
bás faziam cativos e assim os deixavam por anos nessa condição com o conhecimento
de que, a qualquer momento, poderiam ser sacrificados e devorados ritualisticamente.
As demais nações e tribos como as dos tupiniquins, aliadas aos portugueses, tinham o
hábito de fazer escravos após as batalhas que travavam contra seus adversários.
A escravidão entre os nativos era uma condição permanente. Mesmo que es-
capasse, o escravo não seria aceito por sua tribo de origem, trazendo consigo um
estigma social indelével. Restaria permanecer nessa condição para o resto de sua
vida como forma de sobrevivência imediata. Os portugueses, como vimos ante-
riormente, estabeleceram no processo de colonização parcerias produtivas com
os indígenas sem as quais seria praticamente impossível a empresa colonizadora.
Entre seus aliados, eram praticadas políticas de prerrogativas e distinções das lide-
ranças, que ganhavam condições que iam de vassalos reais a outros títulos hono-
ríficos, sobretudo militares, chegando mesmo à ocupação de posições de governo.
Assim, as alianças garantiam proteção e fornecimento de mão de obra, ad-
vindo das guerras justas contra as tribos hostis. Entretanto, isso não significa que
a relação entre portugueses e indígenas tenha sido equilibrada e pacífica o tempo
todo. O desenvolvimento da produção extensiva do cultivo da cana exigia cada
vez mais braços, o que levaria a não mais distinguir aliados de inimigos. A solução
complementar tomada desde cedo foi a introdução dos escravos africanos, prática
que ganharia corpo ao longo do século XVIII, sobretudo após a proibição oficial
da escravidão indígena decretada pelo Marquês de Pombal.

COMENTÁRIO
Filipe Camarão foi um exemplo de como funcionou parte da política indigenista da Coroa
portuguesa. Nascido Poty, da tribo potiguar em 1600 foi educado por jesuítas com notório re-
conhecimento das suas habilidades retóricas e literárias. Mas foi nos campos de batalha que
recebeu as maiores distinções, auxiliando decisivamente os portugueses contra as invasões
holandesas em 1630 e na Batalha dos Guararapes, no contexto da Restauração Portuguesa
em 1648. Recebeu a mercê real de “Dom”, o hábito da Ordem de Cristo, fidalguia real e o
título de capitão-mor de todos os indígenas do Brasil.

capítulo 2 • 41
Com o tempo, foram-se disseminando, junto aos latifúndios os engenhos, as
primeiras unidades de beneficiamento da cana nas terras coloniais. O engenho já
era utilizado com sucesso nas demais possessões portuguesas, tanto as insulares
quanto as instaladas no continente africano. Com o tempo, consagrou-se denomi-
nar o engenho como toda a estrutura que comportava a casa-grande, a senzala, as
terras de cultivo e a área de beneficiamento que contava com as moendas, as casas
de caldeiras e as casas de purgar.

LEITURA
Casa-Grande e Senzala
Gilberto Freyre

Casa-Grande & Senzala é um livro do sociólogo brasileiro Gilberto Freyre, publicado em


1933. Freyre apresenta a importância da casa-grande na formação sociocultural brasileira,
assim como a da senzala na complementação da primeira.
Data da primeira publicação: 1933
Autor: Gilberto Freyre
Gênero: não ficção
Idioma original: língua portuguesa
Assunto: Ciências Sociais, Sociologia
Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Casa-Grande_%26_Senzala>.
Acesso em: jan. 2019.

Assim, surgiam tanto os produtos mais valorizados para a exportação, como


o açúcar, como também outros subprodutos de grande relevância no comércio
externo, sobretudo para as trocas por escravos como o melado e, para o consumo
nacional, a cachaça e a rapadura. Apreciados pela sua durabilidade e seu teor ener-
gético, ambos os produtos eram largamente encontrados nos lares coloniais, o que
levou, inclusive, a problemas com a metrópole, que tentou inibir o consumo da
cachaça em nome da proteção dos caros vinhos portugueses.
Essa história tem raízes nas invasões holandesas. Quando o açúcar progres-
sivamente foi se tornando uma atividade muito atrativa no Brasil, os holandeses
iniciaram um conjunto de invasões com a perspectiva de controlar a produção no
Nordeste. Essas incursões aconteceram na Bahia em 1624, em Pernambuco em

capítulo 2 • 42
1630 e no Maranhão em 1641, e por uma boa razão por parte dos holandeses.
Eram eles os principais financiadores da produção açucareira, atuando como par-
ceiros dos portugueses. Entretanto, quando ocorre a União Ibérica, fundindo as
coroas de Portugal e Espanha, as rivalidades entre espanhóis e holandeses levaram
à proibição da atuação dos mesmos no comércio colonial.

São Luis
1641 OCEANO
Fortaleza
ATLÂNTICO
Rio Parnaíba

MARANHÃO Cabo de São Roque


be
ari
Jagu Nova Amsterdam (Natal)
Rio Forte dos Reis Magos
ITAMARACÁ Cabedelo

ra íba Frederícia - 1634


a e (João Pessoa)
R io PRio Capibarib Ilha de Itamaracá
PERNAMBUCO Olinda 1637 Recife 1630
Forte de N. Sra. de Nazaré Cabo de Santo Agostinho
Palmares Serinhaém
Porto Calvo - 1635
ncisco Forte do Rio Formoso
o Fra
R io Sã Penedo Forte Maurício
BAHIA São Cristóvão - 1641
Até 1637
de 1638 a 1654
Fortes Salvador - 1624-1625

Desse modo, os holandeses fundam em 1621 a Companhia Holandesa das


Índias Ocidentais, em uma clara tentativa de retomar o lucrativo comércio. Entre
saques e incursões a de maior sucesso foi em Pernambuco, onde tomaram facilmen-
te a localidade, instalando um grande contingente armado e assumindo o governo
local. Era o início do “Brasil Holandês”. Em 1637, aporta o conde João Maurício de
Nassau com uma comitiva de médicos, arquitetos entre outros profissionais liberais,
transferindo a capital da “Nova Holanda” de Olinda para Recife (melhor guarne-
cida), iniciando uma série de melhoramentos urbanos, educacionais e econômicos.
Em 1640, Portugal restaura sua casa real e inicia tratativas de paz com a
Holanda, assinando um armistício inicial de dez anos. Assim, os holandeses pude-
ram consolidar e ampliar sua presença em terras brasileiras. A situação só mudaria
a partir de 1643, com o retorno de Maurício de Nassau à Holanda e progressiva
deterioração das relações entre a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, os
administradores locais e os senhores de engenho pernambucanos.

capítulo 2 • 43
O resultado foi a deflagração aberta das hostilidades por meio de uma revolta, a
Insurreição Pernambucana de 1645. Os senhores de engenho, endividados com os
holandeses, receberam os reforços de seus congêneres que já haviam perdido suas terras
e se refugiado em localidades vizinhas, como a Bahia e que se mostravam dispostos a
reaver suas terras. Nessa oportunidade, os insurretos contaram com o apoio das tropas
portuguesas (com a adesão indígena comandada por Filipe Camarão) e inglesas, tendo
como marco a Batalha dos Guararapes, ocorrida entre 1648/1649, abrindo caminho
para o fim da ocupação holandesa no Brasil, que ocorreria em 1654.
©© WIKIMEDIA.ORG

Victor Meirelles. A Batalha dos Guararapes.

Com a retirada dos holandeses do território brasileiro, começa a ocupação


holandesa nas Antilhas, voltada para a produção de açúcar. O sucesso dessa inicia-
tiva tornou-se concorrencial à produção brasileira, superando-a por conseguir um
produto mais barato e de melhor qualidade e gerando para o Brasil um processo
de crise no setor.
Assim, voltamos ao problema da cachaça, lembra? Graças à explosão do con-
sumo interno e à diminuição do consumo do caro vinho português, a Coroa torna
a cachaça monopólio real em 1649, obrigando os produtores a apenas comerciali-
zarem com a metrópole. Tal medida gerou uma onda de contrabando interno da
bebida, sobretudo após a expulsão definitiva dos holandeses em 1654, quando a
concorrência com o açúcar antilhano gerou ainda mais medidas duras por parte da
metrópole, como aumento de impostos sobre as propriedades, a cobrança brutal
de dívidas e a ordem de destruição de alambiques e de navios que produzissem,
distribuíssem e embarcassem a mercadoria de modo ilegal.

capítulo 2 • 44
O resultado final dessa insatisfação foi a “Revolta da Cachaça” (1660/1661)
no Rio de Janeiro, em que os manifestantes vindos das regiões de Niterói e São
Gonçalo iniciam ondas de revolta e saques à casa do governador. A revolta foi
esmagada pelas tropas portuguesas e seu líder Agostinho Barbalho, condenado à
morte. Apesar da derrota, a liberação da cachaça volta à cena em 1661.
Com o passar do tempo, o termo “engenho” passa a denotar a política, a eco-
nomia e a sociedade colonial, que gravitava em torno dessa estrutura. Vale ressaltar
que o processo de interiorização do Brasil foi relativamente lento e que ganhou
maior impulso a partir da ação dos bandeirantes e, sobretudo, após a descoberta
do ouro nas Minas Gerais. Assim, o que chamamos de “campo” e onde locali-
zamos os “engenhos”, seriam nos dias atuais localidades onde hoje se destacam
grandes centros urbanos.

CURIOSIDADE
O açúcar já era um velho conhecido do Ocidente. Descoberto quando das incursões de
Alexandre da Macedônia ao subcontinente indiano, foi um importante produto comerciali-
zado nas rotas das caravanas árabes ao longo do tempo. De artigo de luxo importado das
Índias por meio da comercialização de especiarias, foi progressivamente sendo popularizado
quando Portugal inicia a produção na Ilha da Madeira e, posteriormente, na colônia brasileira.
Espanha, Holanda e França também investiram nesse cultivo nas terras americanas, levando
o produto a uma demanda crescente.

capítulo 2 • 45
Mas onde então ficavam os primeiros centros urbanos da colônia? Ocupavam
a faixa litorânea, onde as atividades portuárias e comerciais eram não apenas fa-
vorecidas como profundamente interligadas aos latifúndios. Era praticamente re-
gra que os centros urbanos litorâneos fossem extensões dos engenhos, onde os
senhores possuíam residências, negócios e onde se cuidava da ilustração dos seus
descendentes. Os estudos no Período Colonial estavam praticamente entregues
à iniciativa das ordens religiosas, sobretudo a dos jesuítas. Os seus colégios eram
o que havia de melhor no oferecimento das primeiras letras e das humanidades,
aritmética, geometria e linguagens que complementavam a formação secundária.
A formação superior era escassa e praticamente voltada, inicialmente, para a for-
mação de clérigos. Assim, o caminho de Lisboa era o destino para a conclusão da
educação dos colonos mais abastados.
A sociedade colonial era patriarcal e patrimonialista. Isso significava que a
figura paterna ou a do homem, de modo mais geral, era a que predominava nas
relações de mando. O que se estende do âmbito doméstico ao social. Assim, o
patrimonialismo era uma consequência direta do patriarcalismo, pois concentrava
os poderes políticos econômicos e sociais nas mãos de um gênero específico.
A casa-grande era o centro e irradiador da sociabilidade em que o espaço do
homem e, mais especificamente, do senhor de terras e senhor de engenho predo-
minava frente ao recato e limitação do espaço da mulher. Esse tipo de constituição
social é caracterizado por Sergio Buarque de Holanda em seu livro Raízes do Brasil,
na qual caracteriza o colono como o “homem cordial”. O cordial era o que usava
o coração, o sentimento, as relações passionais como mediadoras entre o público
e o privado. A regra, no entanto, era a predominância do público como extensão
das relações privadas e das câmaras, os chamados “homens bons” (o que poderia
ser comparado aos aristocratas, cujo significado praticamente expressa o mesmo
sentido) exerciam na política o mesmo domínio que já praticavam em suas terras.

MULTIMÍDIA
Desmundo
Brasil, por volta de 1570. Chegam ao país algumas órfãs, enviadas pela rainha de Portu-
gal, com o objetivo de desposarem os primeiros colonizadores. Uma delas, Oribela (Simone
Spoladore), é uma jovem sensível e religiosa que, após ofender de forma bem grosseira

capítulo 2 • 46
Afonso Soares D'Aragão (Cacá Rosset) se vê obrigada em casar com Francisco de Albu-
querque (Osmar Prado), que a leva para seu engenho de açúcar. Oribela pede a Francisco
que lhe dê algum tempo, para ela se acostumar com ele e cumprir com suas “obrigações”,
mas paciência é algo que seu marido não tem e ele praticamente a violenta. Sentindo-se infe-
liz, ela tenta fugir, pois quer pegar um navio e voltar a Portugal, mas acaba sendo recapturada
por Francisco. Como castigo, Oribela fica acorrentada em um pequeno galpão. Deprimida por
estar sozinha e ferida, pois seus pés ficaram muito machucados, ela passa os dias chorando
e só tem contato com uma indígena, que lhe leva comida e a ajuda na recuperação, envolven-
do seus pés com plantas medicinais. Quando ela sai do seu cativeiro, continua determinada
em fugir, até que em uma noite ela se disfarça de homem e segue para a vila, pedindo ajuda
a Ximeno Dias (Caco Ciocler), um português que também morava na região.

Ano de produção: 2003


Tipo de filme: longa-metragem
Idiomas: português
Colorido
Disponível em: <http://www.adorocinema.com/filmes/filme-42723/>.
Acesso em: jan. 2019.

Apesar de existir as instâncias representativas da metrópole, eram nas câmaras


que se decidiam a administração dos espaços públicos. Com o tempo, os senhores
foram ampliando seu raio de atuação, formando os embriões do que será um traço
de longa duração da política brasileira: o coronelismo e o mandonismo.
Com o crescente problema de abastecimento de mão de obra indígena, tendo
que ser aprisionado em distâncias cada vez maiores, Portugal vai trazer par ao Brasil
o mesmo sistema já bem utilizado em outras colônias, o tráfico de escravos africanos.
Esse processo começava na própria África, onde as guerras e disputas intertribais ge-
rava um excedente de prisioneiros que foram identificados como potencial negócio
pelos traficantes. Trocados por gêneros de interesse, esse fluxo tornou-se um negócio
em si, gerando a transmigração forçada de um contingente de milhões de braços
africanos de todos os sexos e idades para o continente americano.

capítulo 2 • 47
©© WIKIMEDIA.ORG

Vindos nos porões das naus, como mercadoria e vendidos após um período
de engorda quando desembarcados na colônia, a introdução em escala do escravo
africano potencializou o sistema produtivo colonial, tornando-se seu alicerce e
adaptando-se às diferentes funções que progressivamente iam incorporando con-
forme sua localidade.
Ou seja, nas zonas rurais os escravos eram prioritariamente utilizados para
os trabalhos nas lavouras de cana-de-açúcar e em seu beneficiamento, além de
progressivamente se especializarem nas atividades artesanais ligadas às necessi-
dades intrínsecas a esse universo. Quando o ciclo do ouro se iniciou no Brasil,
ao longo do século XVIII, os escravos também passaram a ser incorporados
ao trabalho nas minas. E, por fim, durante a expansão dos centros urbanos,
sobretudo os litorâneos, torna-se comum a atividade dos “negros de ganho”,
dedicados ou alugados para jornadas de serviços como vendedores ou presta-
dores de serviços.

capítulo 2 • 48
OCEANO
ATLÂNTICO
ÁFRICA

GUINÉ Lagos

OCEANO
Pernambuco CONGO ÍNDICO
BRASIL São Paulo de Loanda
Bahia Moçambique
ANGOLA
Rio de Janeiro MOÇAMBIQUE
OCEANO
PACÍFICO

OCEANO Povoações
ATLÂNTICO
Bantus
Sudaneses
Linhas de tráfico
de escravos

Na própria estrutura do engenho, há a hierarquização entre os quer servirão a


casa-grande e os que estarão confinados no eito. Tal fenômeno mostra a comple-
xidade dessa atividade que era autorizada pela Igreja e vista como algo natural, en-
raizando a questão do preconceito e da justificação da escravidão como preço justo
ao progresso do escravo, espécie de educação ou salvação pelo trabalho. Assim,
progressivamente, o quantitativo de escravos cresceu de modo acentuado no país
, utilizando os mecanismos da violência como controle.

LEITURA
Um Rio Chamado Atlântico: A África no Brasil e o Brasil na África
Alberto da Costa e Silva

A obra Um rio chamado Atlântico reúne 16 textos sobre as relações históricas entre o
Brasil e a África e sobre a África que moldou o Brasil e o Brasil que ficou na África. Os autores
procuraram não se desatar do poeta. Se for o poeta quem anda pelas ruas dos bairros brasi-
leiros de Lagos e Ajuda, quem desenha as fachadas das casas térreas e dos sobrados neles
construídos pelos ex-escravos retornados do Brasil e quem traz das páginas dos documentos

capítulo 2 • 49
e dos livros as personagens com que se povoam estes ensaios, é o historiador quem lhe guia
cuidadosamente os passos.
Disponível em: <https://books.google.com.br/books/about/UM_RIO_CHAMADO_
ATLANTICO.html?id=UoQyXwAACAAJ&source=kp_book_description&redir_esc=y>.
Acesso em: jan. 2019.

Entretanto, a resistência negra era comum e diversificada. Desde o sincretismo


como instrumento de resistência religiosa, passando pelas fugas isoladas, a ação de
abolicionistas com as caixas de socorro das irmandades religiosas devotadas à causa do
negro e pela formação de estruturas mais complexas como os quilombos, nota-se que
a luta contra a escravidão, mesmo com o custo de muitas vidas, se fazia viva e presente.

CONCEITO
O quilombo era uma estrutura complexa, com autogoverno e organização hierárquica,
chegando a tornar-se uma unidade produtiva ou autossuficiente ou estabelecendo relações
comerciais com seu entorno mais próximo. Contavam com defesa própria e poderiam, até
mesmo, ter escravos capturados das fazendas próximas. Era comum encontrar também bran-
cos pobres e mestiços agregados ao quilombo. O mais emblemático famoso deles foi o de
Palmares, na antiga capitania de Pernambuco (hoje estado de Alagoas), no final do século
XVII, tendo como líderes Ganga Zumba e Zumbi.

Como vimos, a concorrência holandesa havia trazido um sério problema para


os produtores do Nordeste, gerando um grave quadro de crise no final do século
XVII. Uma das saídas encontradas pela metrópole foi derivada da ação dos ban-
deirantes, a descoberta de ouro nas Minas Gerais. De início, o ouro encontrado
era de “aluvião”, ou seja, o ouro peneirado em leito de rios. Progressivamente,
com o deslocamento de pessoas e recursos para interior das zonas produtoras,
tem início a exploração das lavras. Quando as lavras eram abandonadas, fazia-se a
exploração pela faiscação, a exploração do ouro restante.
Ao redor das zonas produtoras floresciam as cidades que rapidamente ganhavam
destaque pela riqueza dos seus principais proprietários das minas, marcadas também
por intervenções arquitetônicas de grande riqueza e ornamentos, como as igrejas em
estilo barroco. Um dos que mais se destacaram como artesãos nesse segmento foi

capítulo 2 • 50
Mestre Ataíde (Manuel Ataíde da Costa) e Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho,
que chefiavam oficinas de artesãos (muitos deles escravos) e cujos traços se encon-
tram presentes, sobretudo nas igrejas das regiões auríferas das Minas Gerais.
Além disso, a atividade mineradora começou a fomentar uma estrutura co-
mercial auxiliar, tendo em vista a necessidade de abastecimentos de víveres para
essas regiões. A Coroa mantinha um controle estrito da atividade mineradora. As
Casas de Fundição concentravam em caráter obrigatório a legalização do ouro que
era derretido, transformado em barra, selado e extraído dele o quinto, imposto
devido ao governo. As rotas de escoamento do ouro para as zonas portuárias tam-
bém foram um importante fator que fomentou o surgimento de novas cidades,
mas mesmo com toda organização eram constantes as tentativas de contrabando.
Se com o ouro havia um maior controle, mas com brechas aproveitadas pelo
contrabando, essa prática ganharia ainda mais espaço durante descoberta das jazidas
de diamantes. Como não pode ser fundido, o contrabando de pedras tornava-se
mais fácil. Esse estado de coisas levou o governo português a mandar retirar a po-
pulação da região produtora, decretando que ali seria seu “Distrito Diamantino”,
sistema que funcionou de 1740 a 1770, quando decretaria posteriormente a chama-
da “Real Extração”, em que a metrópole se encarregaria diretamente da exploração.
Com relação ao ouro, havia uma perspectiva de arrecadação anual em arrobas.
Ficou estabelecido pela metrópole o teto de cem arrobas anuais. Ocorre que, se
por um lado o teto era fixo, por outro a produção era variável, sobretudo pelo
rápido esgotamento das minas e da impossibilidade logística e material por parte
dos portugueses para explorações em minas de maior profundidade. O resultado
era um dispositivo fiscal que facultava à metrópole o confisco de bens em ouro
caso a meta não fosse alcançada.
Em verdade o teto nem sempre era cumprido, mas as ameaças da derrama foram
cada vez mais reais até que fora implantada pela primeira vez em 1763/1764, levando
os “homens bons”, senhores das minas e a população local a revoltas e hostilidades.
Revoltas não eram raras no período colonial. Algumas delas tinham interes-
ses localizados, o que as consagrou na historiografia como “nativistas”. Nessas, os
conflitos se davam por razões internas, na defesa de interesses por parte das elites,
ou problemas enfrentados pelos colonos. Outras, denominamos “separatistas” por
terem como foco de sua luta a administração portuguesa. Vejamos alguns
exemplos: nas revoltas nativistas vamos destacar algumas, a Revolta de Beckman,
a Guerra dos Emboabas, a Guerra dos Mascates e a Revolta de Filipe dos Santos.

capítulo 2 • 51
A Revolta de Beckman ocorre no Maranhão em 1684 e contou com a lideran-
ça dos irmãos Beckman, Tobias e Manuel, ambos senhores de engenho, solicitan-
do melhorias na administração colonial que favorecessem aos senhores, sobretudo
contra a Companhia de Comércio do Estado do Maranhão, com forte e violenta
repressão por parte das tropas portuguesas.
Já a Guerra dos Emboabas, entre 1708 e 1709 foi um conflito entre velhos e novos
exploradores do ouro das Minas. De um lado, os bandeirantes cobrando o exclusivis-
mo, do outro, os novos exploradores que migravam em número cada vez mais elevado
para a região. Também na região das Minas, em 1720, a Revolta de Filipe dos Santos,
senhor de minas de ouro, se erguia contra a tributação do quinto e contra as casas de
fundição. Foi duramente reprimido o movimento e seu líder, condenado à morte.
A Revolta dos Mascates tinha por pano de fundo o prestígio político, econô-
mico e o reconhecimento social. O conflito entre os senhores de engenho de
Olinda e os comerciantes de Recife, em Pernambuco, se dá após a elevação de
Recife a condição de Vila, o que gerou insatisfação sanada apenas quando as duas
localidades foram equiparadas nessa condição.
Além das nativistas, como vimos,
temos também as separatistas e, nessas
categorias, destacamos a Inconfidência
Mineira e a Conjuração Baiana.
A Inconfidência Mineira, assim como
a Revolta de Filipe dos Santos, tinha
como pano de fundo a intensa insatisfa-
ção com a tributação metropolitana sobre
o ouro, além da instituição da derrama .
(A Derrama era um dispositivo arbitrário
utilizado pelo governo para o estabeleci-
mento das cotas mínimas de arrecadação.
Entretanto, a ação realizada pelos cobra-
dores dava espaço para arbitrariedades,
fazendo da apreensão compulsória de bens
e valores um problema ainda maior). O
©© WIKIMEDIA.ORG

que as diferencia é que a Inconfidência


passa a adotar como causa a independên-
cia das Minas Gerais, o que a torna um
Pedro Américo. Tiradentes esquartejado. movimento separatista. O movimento foi

capítulo 2 • 52
descoberto antes de ser deflagrado pela traição de Joaquim Silvério dos Reis e teve uma
de suas lideranças punida de modo superlativo, Joaquim José da Silva Xavier, o alferes
Tiradentes, é condenado ao enforcamento e esquartejamento e, posteriormente, recu-
perado pela ideologia republicana como seu proto-mártir.
Também separatista, a Conjuração Baiana visava à emancipação da Bahia e
ao fim da escravidão em 1798/1799. É também conhecida como Revolta dos
Alfaiates, pela liderança de Manuel Faustino dos Santos Lira e João de Deus do
Nascimento, ambos dessa profissão. Além deles, contava com a liderança do mé-
dico Cipriano Barata e do soldado Luís Gonzaga das Virgens. Além da abolição
da escravidão, lutavam pelo republicanismo, como reflexo dos movimentos em
França, a liberdade comercial e o aumento dos soldos. Assim como a Inconfidência
Mineira, a delação do ferreiro José da Veiga possibilitou a mobilização das tropas
locais e a violenta repressão ao levante.
Assim, em meio a experiências e resistências, a colônia dava seus passos rumo
a novas estratégias de organização, tanto políticas com os vice-reis quanto políti-
cas, culturais e sociais com a administração pombalina. Era Portugal tentando a
modernidade e isso traria reflexos para as terras coloniais. O ocaso da colônia e a
chegada da família real seriam os momentos nos quais o ontem e o amanhã toca-
vam-se nos dedos, como veremos no próximo capítulo.

ATIVIDADES
01. Leia as afirmativas a seguir.
I. O sistema de capitanias hereditárias foi introduzido pelos colonos como forma de con-
solidar o poder local, concentrando a administração nos cabildos.
II. O donatário torna-se a maior autoridade da capitania com amplos poderes de admi-
nistração e justiça.
III. As capitanias foram uma estratégia de ocupação e desenvolvimento da colônia com a
crise no comércio das especiarias do oriente.
IV. Os indígenas trabalhavam como sesmeiros independentes, já que não havia tentativa
de escravidão do nativo desde os primeiros anos do processo de colonização.

Estão corretas apenas


a) As afirmativas I, II e IV. d) As afirmativas III e IV.
b) As afirmativas II e III. e) As afirmativas I, III e IV.
c) As afirmativas I e II.

capítulo 2 • 53
02. Das revoltas coloniais a seguir, assinale as que são consideradas separatistas.
a) Revolta de Beckman e Revolta de Filipe dos Santos.
b) Inconfidência Mineira e Conjuração Baiana.
c) Revolta dos Mascates e Guerra dos Emboabas.
d) Conjuração Carioca e Levante do Malês.
e) Balaiada e Quilombo dos Palmares.

03. Explique como a metrópole concebia sua política indigenista e qual o papel desempe-
nhado pelos jesuítas nesse processo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder. São Paulo: Editora Globo, v. I, 1991.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: EDUSP,1995.
FAUSTO, Carlos. Os índios antes do Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.
FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1979.
GORENDER, Jacob. Escravismo Colonial. São Paulo: Ática, 1988.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989.
LINHARES, Maria Yedda Leite (Org.). História geral do Brasil. 9. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro:
Campus, 2002.
MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São
Paulo: Companhia das Letras, 1994.
PRIORE, Mary del. Monstros e maravilhas no Brasil Colonial. In: Esquecidos por Deus. Monstros no
mundo europeu e ibero-americano (séculos XVI-XVIII). São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
WEHLING, Arno, & WEHLING, Maria José. Formação do Brasil Colonial. 2 ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1999.

capítulo 2 • 54
3
Do período Joanino
à Independência do
Brasil
Do período Joanino à Independência do
Brasil

Neste capítulo, vamos estudar as profundas transformações pelas quais passaria


o Brasil na qualidade de colônia, durante o processo de modernização do Estado
português empreendidas pelo Marquês de Pombal. Essas reformas alcançavam um
amplo espectro, influenciando aspectos sociais como a expulsão dos jesuítas; geo-
políticas, com o fim das capitanias hereditárias e a introdução de companhias de
comércio responsáveis por fazer a colônia viver um novo ciclo produtivo, em um
cenário onde o extrativismo já entrava em declínio.
Além desse fato, acrescentam-se questões de ordem econômica, pois cada vez
mais o Brasil ganhava o papel de destaque e âncora da economia portuguesa.
Também analisaremos os impactos do processo revolucionário francês, sobretudo
no Período Napoleônico cujas consequências imediatas foram a transmigração da
família real portuguesa para o Brasil.
Essa transmigração trouxe um conjunto profundo de transformações. Em pri-
meiro lugar, alterou as relações anteriormente conhecidas como “Pacto Colonial”,
abrindo os portos e o comércio de modo geral com as nações amigas. Também
impactou a colônia com relação a uma série de implementos urbanos e estruturais
que possibilitaram a elevação definitiva a capital do reino com a qualidade de Reino
Unido a Portugal e ao Algarve. O governo de D. João será também marcado por
lutas externas como a ocupação da Guiana Francesa e a anexação da Cisplatina, bem
como o enfrentamento de um processo revolucionário em Pernambuco.
Com o fim da ocupação napoleônica, Portugal passará por uma Revolução
Constitucionalista e com o regresso de D. João VI, o Brasil passará a viver um
novo processo, a manutenção da sua condição de reino. E isso passa pela indepen-
dência, a ser realizada por D. Pedro I.

OBJETIVOS
•  Contextualizar as mudanças empreendidas pelo Marquês de Pombal no âmbito da moder-
nidade tardia portuguesa e suas consequências para a reorganização do sistema colonial;
•  Analisar o processo revolucionário francês, especialmente o Período Napoleônico, e de que
maneira levou à transmigração do governo português para a colônia brasileira;

capítulo 3 • 56
•  Compreender as modificações realizadas por D. João e passagem da condição de colônia
para a de Reino Unido;
•  Identificar as transformações sociais, políticas e culturais no Brasil a partir da chegada da
família real portuguesa.

Introdução

A partir da segunda metade do século XVIII, Portugal se vê forçado a uma


série de mudanças, tanto no plano político quanto no econômico. A chegada ao
poder do “super-ministro” Sebastião José de Carvalho, o Marquês de Pombal,
inaugura uma fase de reformas que ficou conhecida como a fase do “despotismo
esclarecido ” de Portugal. No pano de fundo, estava o processo de centralização
administrativa nas mãos da Monarquia, proporcionando maior controle dos gas-
tos, ampliação da capacidade de arrecadação e de interferências diretas, visando à
promoção da diversificação econômica.

CONCEITO
O despotismo esclarecido foi uma variação do absolutismo do século XVII que, apesar
de compartilhar ideais como exaltação do Estado e a centralização do poder do soberano, in-
cluía valores filantrópicos, racionais, humanísticos tendo em vista a perspectiva de progresso.

O cenário não era muito amistoso. A produção aurífera de sua principal co-
lônia, o Brasil, na região das Minas Gerais já dava claros sinais de estagnação.
Até por que o chamado “ciclo do ouro” teve base em modalidades de extração
de curto alcance, tendo como marco inicial o “ouro de aluvião”, ou seja, pepitas
encontradas nos leitos dos rios e córregos, as minas propriamente ditas, mas que
pela precariedade da tecnologia e conhecimentos aplicados, não eram profundas
o bastante nem tão bem aproveitadas em seus veios, esgotando-se com maior ra-
pidez e dando lugar à terceira modalidade, a faiscação, exploração com base na
retirada das pequenas sobras de ouro encontradas.
Apesar da breve pujança, que possibilitou o surgimento de várias cidades nas
regiões produtoras e uma grande variedade de manifestações artísticas e religiosas,
marcadamente as do barroco e rococó, o modelo não foi capaz de sustentar-se por

capítulo 3 • 57
longo período, levando ao declínio e à forçosa substituição econômica, sobretudo
relacionada ao campo e ao comércio.

SAIBA MAIS
Barroco e o tococó
O rococó é um movimento artístico nascido na França, no início do século XVIII, aproxi-
madamente em 1715. O fenômeno é uma vertente oriunda do Barroco; porém, diferente no
ponto de vista. O termo rococó vem do francês rocaille, que quer dizer “concha”. O rococó
surgiu como uma forma pejorativa da arte barroca, pois o movimento era totalmente destina-
do às construções religiosas. As características do rococó são de texturas sempre suaves e
cores claras. Os tons de dourados e a cor pastel, nas pinturas e decorações de interiores e
objetos como: mesas, cadeiras, camas, cômodas e mobílias etc. Outra característica do roco-
có é a retratação da vida de deleites dos nobres. Diferentemente das construções barrocas,
as do rococó têm maior leveza.

Mas os problemas portugueses não se restringiam à colônia. A história da


estagnação econômica enfrentada por Pombal tem uma historicidade mais longa.
Entretanto, podemos estabelecer um recorte analítico que pode ser considerado
um dos fatores mais evidentes desse processo. E tudo começa com o Tratado de
Methuen, também conhecido como Tratado dos Panos e Vinhos, assinado entre
Portugal e Inglaterra.
Pelo acordo, Portugal passaria a posição de consumidor da voraz e cada vez
mais desenvolvida indústria têxtil inglesa. Em troca, a Inglaterra se tornaria con-
sumidora dos vinhos portugueses e de outras commodities de larga produção em
suas colônias como o açúcar e o fumo. Entretanto, com o passar do tempo, a
importação dessas commodities por parte da Inglaterra foi perdendo espaço na
antiga racionalidade do comércio triangular, o que afetou sobremaneira o fumo
e, em segundo a suficiência da produção açucareira nas novas possessões inglesas,
levando ao progressivo decréscimo das compras de Portugal.
Por fim, a importação dos tecidos portugueses se dava de modo acelerado.
Eram mais baratos e de melhor qualidade, o que findou por impedir que a indús-
tria têxtil portuguesa continuasse seu ciclo inicial de desenvolvimento.

capítulo 3 • 58
Para piorar, a tentativa desesperada de compensar a balança deficitária com
a ampliação das terras cultiváveis para a atividade vinícola leva a graves crises de
desabastecimento de gêneros básicos.
Somado a essas questões de ordem econômica, se tornava necessário um conjunto
de medidas de caráter político tanto na metrópole quanto nas colônias. Mais especi-
ficamente com relação ao Brasil, foram tomadas medidas como o fim do sistema das
capitanias hereditárias, a expulsão dos jesuítas do território e a criação de um conjunto
de companhias comerciais que visavam à retomada do crescimento da produção.
No plano cultural, o atraso era evidente. A Universidade de Coimbra, am-
plamente dominada pelo pensamento jesuítico, passará por reformas, o que vai
reverberar também no Brasil com a introdução do sistema de “Aulas Régias”.

COMENTÁRIO
A expulsão dos Jesuítas no Brasil não obedecia apenas ao critério relacionado à edu-
cação e a concepções de mundo e conhecimento. Uma das questões centrais era a mão
de obra indígena que, a partir da expulsão, estaria disponível para os colonos, bem como as
terras e possessões da ordem. Além disso, as próprias características da ordem, que devia
obediência direta a Roma, somado ao seu crescente poder econômico, entrava em rota direta
de colisão com a ideia de centralização.

Complementando o conjunto de medidas, incluímos a criação do Erário


Régio, que passaria a se caracterizar como uma instância de controle de gastos e
investimentos. Todas essas iniciativas contaram com oposição dos setores ligados à
nobreza e às oligarquias coloniais que já se formavam. A acusação de despotismo
era crescente e os trinta anos de reformas que poderiam diminuir o atraso portu-
guês foram freados ao ponto de uma nova estagnação.
No entanto, a Europa estaria em breve em processo de convulsão. A Revolução
Francesa acendera a chama das mudanças profundas no continente. Entretanto, o
fogo seria libertado pelo início do Período Napoleônico, que traria consequências
diretas tanto para Portugal quanto para o Brasil. E tudo começa com a queda da
monarquia bourbônica e alternância do poder entre girondinos e jacobinos. Essa
fase, no entanto, enfrentava igualmente problemas. No plano externo, as alianças
contra a França mantinham o estado de guerra constante. No interno, revoltas
populares e outras políticas protagonizadas por jacobinos e monarquistas.

capítulo 3 • 59
Em meio a essa agitação, emerge a figura de Napoleão Bonaparte. Conforme
avançava no processo de pacificação interna e externa, percebeu a fragilidade do
governo e, dessa forma, com um golpe de força característico de seu protagonismo
político, iniciou na França o Consulado.

CURIOSIDADE
As vitórias trouxeram grande prestígio pessoal a Napoleão e grandes recursos naturais
e estratégicos para a França. Com a vitória, a Primeira Coligação formada pela Itália, Áustria,
Espanha, Holanda e Inglaterra, em luta com a França desde 1792, fora desfeita, permanecendo
apenas a Inglaterra em guerra. A partir daí Napoleão estava prestes a desferir um importante
golpe, convencendo o governo do Diretório a autorizar uma invasão à Índia, celeiro estratégico
de matérias-primas da Inglaterra. Todos queriam um governo estável. Napoleão percebe isso e
consegue ludibriar a marinha inglesa e desembarcar em Paris, localizando sua armada estra-
tegicamente. No 18 Brumário, ele assume o controle geral dos exércitos e a guarda pessoal
das casas legislativas. Era o fim do regime revolucionário francês e o início da Era Napoleônica.

A Inglaterra, vendo o crescimento do governo francês, articula uma nova alian-


ça com a Rússia, Áustria, Nápoles e apoio da Prússia e declara ofensiva à França.
Napoleão obtém vitórias rápidas e significativas, sobretudo com a ocupação de Viena.
Consegue a aliança com a Espanha, mas as esquadras aliadas foram derrotadas pelos
Ingleses na Batalha de Trafalgar, em 1805. Em 2 de dezembro de 1805, Napoleão
vence a Prússia. Em 1806, é dissolvido o Sacro Império e é formada a Confederação
do Reno, sob o controle e a liderança da França. Esse fato leva à mais frágil Quarta
Coligação, com Rússia, Prússia e Saxônia, que exigiam a dissolução da Confederação.
Entretanto, a vitória militar sobre a principal nação rival, a Inglaterra, exigiria
uma estratégia ainda maior. Em 1806, Napoleão decreta o Bloqueio Continental,
proibindo as nações europeias de comercializar com a Inglaterra. Isso obviamente
gerou uma enorme reserva de mercado para a burguesia francesa, que consegue
rápido e consistente crescimento econômico.
Os efeitos foram rápidos. Em 1807, a Rússia assina paz com a França e ade-
re ao Bloqueio. As indústrias inglesas já começam a sentir o baque das ações de
Napoleão. As nações aliadas da Inglaterra, em especial Portugal e Espanha foram
invadidas, levando o governo português a transferir a sede do governo para sua
maior colônia, o Brasil. Era o início do “Período Joanino” nas terras brasileiras.

capítulo 3 • 60
MULTIMÍDIA
Carlota Joaquina – Princesa Do Brazil - 1995
(1h 40min)
Direção: Carla Camurati
Elenco: Marieta Severo, Marcos Palmeira, Marco Nanini
Gênero: histórico, drama
Nacionalidade: Brasil
Um painel da vida de Carlota Joaquina (Marieta Severo), a infanta espanhola que co-
nheceu o príncipe de Portugal (Marco Nanini) com apenas dez anos e se decepcionou com
o futuro marido. Sempre mostrou disposição para seus amantes e pelo poder e se sentiu
tremendamente contrariada quando a Corte portuguesa veio para o Brasil, tendo uma grande
sensação de alívio quando foi embora.

Portugal se vê em meio a um imbricado jogo de tabuleiro. Com o avanço


das tropas do general Junot e com a queda da monarquia espanhola, nada mais
garantiria a permanência da Coroa nas mãos do regente, já que Dona Maria I já se
encontrava declaradamente incapaz de prosseguir no comando do reino. De iní-
cio havia a intenção de acordar com Napoleão a adesão ao Bloqueio Continental.
Entretanto, era uma decisão arriscada demais por pelo menos duas razões.
A primeira era a completa instabilidade em se acordar alguma coisa com a
França. Em verdade, não havia a menor intenção por parte da França em dividir
o poder com as monarquias ibéricas. Assim, o Tratado de Fontainebleau era uma
mera peça retórica para garantir a travessia dos Pirineus com relativa tranquili-
dade. Até mesmo a escolha de Junot demonstrava que a península não era uma
preocupação tão grande. Junot não era um general de primeira linha de Napoleão
e sua tropa, caso houvesse resistência mais encarniçada por parte do governo por-
tuguês, poderia ser refutada.
Já a segunda era bem mais complexa. Imagine o peso de perder o Brasil, a prin-
cipal colônia e sustentáculo econômico do reino português? Pois bem, esse era um
cenário bem provável caso Portugal rompesse relações com os ingleses. Senhores
dos mares, a qualquer movimento de hostilidade poderia facilmente tomar as ci-
dades litorâneas do Brasil, dominando a territorialidade em poucos meses.

capítulo 3 • 61
ATENÇÃO
Os itens do Tratado de Fontainebleau
Artigo 1. – A província de Entre Douro e Minho, com a cidade do Porto, se trespassará
em plena propriedade e soberania para Sua Majestade o Rei da Etrúria, com o título de Rei
da Lusitânia Setentrional.
Artigo 2. – A província do Alentejo e o reino dos Algarves se trespassarão em plena pro-
priedade e soberania para o Príncipe da Paz, para serem por ele gozados, debaixo do título
de Príncipe dos Algarves.
Artigo 3. – As províncias da Beira, Trás-os-Montes e Estremadura portuguesa, ficarão por
dispor até que haja uma paz, e então se disporá delas segundo as circunstâncias, e segundo
o que se concordar entre as duas partes contratantes
Artigo 4. – O Reino da Lusitânia Setentrional será tido pelos descendentes de Sua Ma-
jestade o Rei da Etrúria, hereditariamente e conforme as leis da sucessão, estabelecidas na
família que ocupa o trono da Espanha.
Artigo 5. – O Principado dos Algarves será tido pelos descendentes do Príncipe da Paz
hereditariamente e conforme as leis de sucessão estabelecidas na família que ocupa o trono
da Espanha.
Artigo 13. – As duas altas partes contratantes concordam mutuamente em uma igual
divisão das ilhas, colônias e outras possessões ultramarinas de Portugal.
Artigo 14. – O presente tratado será tido em segredo. Será ratificado e trocado em Ma-
drid dentro de vinte dias, o mais tardar, da data da sua assinatura.
Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Tratado_de_Fontainebleau_(1807)>.
Acesso em: jan. 2019.

Desse modo, a decisão não exatamente refletiu um momento exasperado de


indecisão e medo, mas de um calculado movimento no qual se garantiu a manu-
tenção do trono nas mãos da dinastia, uma viagem oceânica segura para a colô-
nia mais rica e um aliado forte para a luta de resistência e desocupação do solo
português.
Assim, no dia 22 de janeiro de 1808 a família real portuguesa chegava a
Salvador, no Brasil. Apesar de ficar apenas 34 dias em solo baiano, D. João iniciou
uma série de medidas de caráter organizacional, econômico e alfandegário que
deixavam cristalinas as intenções de reforçar os laços com a Inglaterra e alavancar
a economia colonial.

capítulo 3 • 62
A primeira medida colocava fim ao Pacto Colonial. A abertura dos portos às
nações amigas era, na prática, uma medida que estabelecia o comércio preferencial
com a Inglaterra sem mais as amarras das negociações bilaterais obrigatórias com
Portugal. Além disso, os ingleses contavam com tarifas alfandegárias mais vantajo-
sas das praticadas para os próprios portugueses o que, vez ou outra, eram motivos
de grande insatisfação.

COMENTÁRIO
Dom João VI tinha por nome de batismo João Maria José Francisco Xavier de Paula Luís
Antônio Domingos Rafael. Foi o governante de Portugal no período de 1792 até sua morte
em 1826. Nascido em Lisboa em 1767, morreu na mesma cidade em 1826 sendo filho de
Dona Maria I e de Dom Pedro III de Portugal. Em 1785 casou-se com Carlota Joaquina, filha
do rei Carlos IV, da Espanha e desse casamento teve três filhos e seis filhas. Órfão de pai e
com a mãe considerada mentalmente incapaz, assumiu o governo de Portugal em 1792, pri-
meiro como regente e depois, com a morte de Dona Maria em 1816, tornou-se finalmente rei.

Dom João, nesse intervalo curto de tempo, também criaria a Escola de Cirurgia
que, na prática, era a primeira faculdade de medicina em solo brasileiro. Além des-
sa criação, mandaria construir fábricas de vidro, pólvora, tabaco e incrementou a
indústria da exploração do algodão. A revogação da proibição das indústrias em
solo colonial era uma necessidade premente, tendo em vista a estagnação lusitana
com a invasão francesa e o cenário adverso na Europa, somados com a imprevisi-
bilidade da duração dos eventos causados por Napoleão. Essa medida foi tomada
pelo regente Dom João em 1o de abril de 1808.

REFLEXÃO
Ainda quando governava Portugal e pouco mais de uma década antes de ser declarada
como mentalmente incapaz, D. Maria I promulgou um alvará que proibia a atividade industrial
na colônia. A preocupação central era a fuga de braços que naquele momento se ocupa-
va da agricultura e do ciclo extrativista da segunda metade do século XVIII, especialmente
o de ouro e diamantes. Somente as atividades consideradas de “apoio” eram permitidas,
como a manufatura de têxteis para ensacamento dos produtos e a confecção de vestuário
para os escravos. Na prática, enquanto outros países europeus já conheciam seus primeiros

capítulo 3 • 63
surtos industriais, passando progressivamente da produção artesanal para a manufatureira,
a colônia era impedida, sob pena de pesadas multas, a desenvolver a força produtiva que
será apontada como uma tendência econômica no século seguinte. Essa é uma das mais
evidentes marcas da função de uma colônia na lógica mercantilista, a de prover os meios
necessários que a constituam como economia complementar à da metrópole, tornando-se
igualmente uma área de escoamento privilegiado das manufaturas metropolitanas.

Ao transferir-se para o Rio de Janeiro, D. João e sua Corte iniciaram um novo


ciclo de medidas de caráter político e econômico que trariam impactos conside-
ráveis. Além da abertura dos portos, que diminuiu drasticamente o contrabando
e possibilitou um incremento das receitas comerciais no Brasil, o tratado que se
consolidara ganharia em 1810 contornos ainda mais complexos.
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O Beija-Mão. Autor: ADPG (nome desconhecido).

A imagem traduz um pouco as mudanças pelas quais passariam o Brasil com


a chegada da família real. Fazendo uma breve pausa em nossa análise econômica
(ainda que ela não se encontre ausente de fato), vamos tratar de pelo menos três
grandes fenômenos sociais e culturais decorrentes desse fato. O primeiro é da
chegada em si ao Rio de Janeiro. A comitiva de D. João contava com aproximada-
mente 15 mil pessoas. Para acomodar um contingente tão significativo, a modesta
cidade ainda com feições coloniais teria que passar por mudanças rápidas. Até a

capítulo 3 • 64
imprensa surgiria nesse cenário com o título régio A Gazeta do Rio de Janeiro. Até
então o país só contava com o Jornal do Commércio, mas de produção radicada
em solo inglês.
A primeira leva de mudanças seguiu em direção ao ordenamento do espaço
urbano, com ordens de limpeza e melhoria do arruamento. A segunda, e mais
drástica, era o como acomodar os novos moradores. Para isso, o governo lançou
mão de uma legislação de “aposentadorias” que ainda remetia aos primórdios da
colonização, adaptando-a a necessidade que surgia. Assim, as casas que fossem
requisitadas pelo governo receberiam a marca “PR”, que na prática significava a
requisição da mesma pelo “Príncipe-Regente”. Algumas delas receberiam com-
pensações monetárias, mas, muitas outras que ficariam simplesmente de fora das
mesmas, geraram manifestações de descontentamento, transformando o “PR” em
“Ponha-se na Rua” ou então “Prédio Roubado”.
Entretanto, não faltariam os que “graciosamente” entregariam de bom grado suas
casas, esperando ou coabitar com a realeza ou dela conseguir algum favor ou privilégio.
A segunda diz respeito diretamente à imagem. O “beija-mão” era um ritual
típico da nobreza lusitana e marca indelével dos traços absolutistas. Na verdade era
visto como forma de aproximar diretamente os súditos do governante, mostrando
por um lado submissão e fidelidade e por outro, a misericórdia, o reconhecimento
e a mercê. Transplantado para o Brasil com a vinda da Corte, esse costume foi
incorporado e amplamente utilizado como forma de inserção dos locais na rede
de favorecimento que a nobreza possibilitava.
Essa rede, com o tempo, ficaria cada vez mais importante, pois mesmo com a
criação acelerada de instrumentos de aporte econômico como o Banco do Brasil
e de investimentos e setores de base e tentativas da ampliação comercial, não ha-
via riqueza produzida de modo suficiente e sustentável. Assim, os que ganhavam
privilégios e mercês para que se encaixassem em “funções públicas”, simplesmente
não recebiam regular ou suficientemente por elas. Entretanto, o prestígio que essas
funções ofereciam era suficiente para o estabelecimento de tráficos de influência,
criando uma rede de corrupção compensatória para que processos e pedidos pu-
dessem avançar ou contar com certos privilégios de preferência.
Em terceiro, o aporte demográfico significativo gerou consigo uma massa de
desocupados. Sem nenhuma função produtiva, mas ávidos por consumo, obser-
vou-se grande aumento das importações o que, em curto espaço de tempo, já pres-
sionava a combalida economia, gerando déficits externos cada vez maiores. Esse

capítulo 3 • 65
fenômeno é também consequência direta das políticas alfandegárias diferenciadas,
logo adotadas pelo governo joanino.
Por pressão inglesa, novos tratados de amizade navegação e comércio estipula-
vam tarifas alfandegárias diferenciadas. Assim, os ingleses estariam sujeitos a uma
alíquota de 15%, melhor do que a dos próprios portugueses, que pagavam 16%,
tendo as demais nações a tarifa de 24%. Esse cenário favoreceu amplamente os
interesses comerciais ingleses, fazendo os portos brasileiros receberem uma en-
xurrada de produtos manufaturados. A médio prazo, essa medida significou um
considerável atraso na constituição das manufaturas brasileiras.
As mudanças não paravam por aí. Como o Rio de Janeiro passaria a ser a
nova capital do império, várias mudanças urbanísticas e diferentes criações ins-
titucionais foram providenciadas pelo novo governo. Esse fato por si só é muito
interessante, pois Napoleão já estava praticamente vencido desde 1810, o que já
possibilitaria um retorno seguro do regente e de sua Corte. De fato, D. João pa-
recia ter tomado gosto pela gestão por meio da colônia. Ou antiga colônia, pois o
Brasil seria elevado à categoria de Reino Unido de Portugal e Algarve. Na prática,
essa medida simbolizaria o fim institucional da situação colonial.
Apesar de contar com uma razoável aceitabilidade do seu governo, D. João
enfrentou também duas poderosas contestações. Uma no território brasileiro e a
outra, em Portugal.
A constituição da Corte no Rio de Janeiro, como vimos, foi um processo
complexo e dispendioso. A manutenção de um contingente improdutivo (mas
empregados na inchada “máquina pública”) não poderia apenas sair dos cofres da
província. Para isso, os progressivos aumentos de impostos começaram a sangrar
a economia das demais localidades. E em Pernambuco esse processo começou a
se fazer sentir com mais gravidade. Enquanto a Corte gastava com festas, impor-
tações e salários, os soldos dos soldados pernambucanos e o salário dos demais
funcionários começaram a atrasar e a ficar gravemente ameaçados.
Além disso, com a elevação do Brasil à sede do reino, o monopólio comer-
cial de Portugal caíra por terra, levando não só a uma crescente dependência da
economia inglesa como forçando a vinda de contingentes de portugueses para o
Brasil, onde diretamente teriam mais vantagens para restabelecer suas atividades
comerciais. Esse processo, aliado ao parasitismo dos agregados ao governo, levou
inevitavelmente a um progressivo antagonismo entre os portugueses e brasileiros.
O cenário, inclusive, não é dos mais promissores. Exemplos de libertação da
dominação estrangeira já existiam nas Américas desde o século XVIII, sendo os mais

capítulo 3 • 66
emblemáticos casos a libertação haitiana, a independência dos Estados Unidos e o
início do processo de independência das novas repúblicas na América do Sul.
Com todos esses fatores, estoura em Pernambuco em 6 de março de 1817 uma
forte revolta contra o governo de D. João VI. Quando das comemorações locais
pela expulsão dos holandeses, um soldado pernambucano assassina um português.
Já era praticamente o estopim de uma revolta em curso que tratou de libertar os
presos políticos e de partir para a sede do poder público, tomando Recife e obri-
gando o governador Caetano de Pinto a fugir para o Rio de Janeiro.
O cenário econômico de Pernambuco não estava bom. A queda vertiginosa das
vendas do açúcar, que sofreu a concorrência do açúcar jamaicano e do aumento do
consumo de açúcar de beterraba, somada aos aumentos dos impostos levava a um
quadro de estagnação. Para piorar, Pernambuco sofrera naquele mesmo ano uma
seca severa, afetando a produção dos gêneros básicos. Nem o algodão escaparia,
pois a concorrência com a produção dos Estados Unidos era muito assimétrica.
Assim que tomaram o poder, os revoltosos decidiram que o novo governo seria
republicano, com ampla liberdade de imprensa e o fim dos impostos abusivos.
Entretanto, as forças governamentais foram rapidamente destacadas por Dom
João VI. Recife era atacada por mar e as tropas terrestres avançavam pela Bahia. A
prisão e execução de alguns dos principais líderes foi o desfecho do processo, que
durou poucos meses (termina em 20 de maio do mesmo ano).
A bandeira do Estado de
Pernambuco é uma reminiscência
do movimento de 1817. As três
estrelas simbolizavam a aliança
inicial formada por Pernambuco,
Rio Grande do Norte e Paraíba
que, conforme fosse ganhando
novos aliados se acrescentaria às
outras. A cruz mostra a força do
esteio religioso do período, mas propriamente a presença de padres na liderança
do movimento.
Uma das medidas tomadas pelo governo foi o desmembramento da “Comarca
de Alagoas” de Pernambuco. Essa medida se faria sentir, porque Alagoas era uma
importante zona de produção açucareira no período.

capítulo 3 • 67
MULTIMÍDIA
1817 a Revolução Esquecida
50 minutos
O documentário vai contar a história da paixão de Domingos José Martins e Maria Teo-
dora da Costa que eram apaixonadíssimos, mas havia uma grande barreira entre eles. Mesmo
sendo branco, educado, de “boa família” e bem-sucedido financeiramente, o rapaz nascera no
Brasil. Já o pai da moça, o comerciante, capitalista e traficante de escravos Bento da Costa,
um dos três homens mais ricos de Pernambuco, era português. E preferia entregá-la a um
humilde caixeiro de loja, mas europeu de nascimento, do que a um filho da terra, por mais
meritório que fosse. Para os lusos, como ele, os brasileiros eram gente de segunda categoria.
A extraordinária história do movimento político que deu ao Brasil liberdade e democracia
pela primeira vez.
Ano produção: 2017
Dirigido por: Ricardo Favilla, TizukaYamasaki
Brasil

O outro desafio era a Revolução Constitucionalista do Porto a qual falare-


mos mais adiante. Dom João empreendeu ainda duas ações militares em terras
estrangeiras. Ainda no período de dominação napoleônica, ordenou a invasão da
Guiana Francesa, o que foi feito em uma campanha que combinou as tropas por-
tuguesas com o transporte realizado por navios ingleses. Entretanto, com a queda
definitiva de Napoleão, o território fora restituído ao rei Luis XVIII, que retomava
no país o governo da dinastia bourbônica.
Mais ao sul, uma nova onda emancipacionista agitava a chamada “Banda
Oriental” (atual Uruguai). D. João vai intervir na região, considerada estratégica
na área da Bacia do Prata, derrotar o líder Artigas e anexar a região ao território
brasileiro, com o novo nome de Província Cisplatina. Essa situação perduraria até
uma nova agitação local, que culminará com a libertação da Cisplatina em 1828.

PERSONAGEM
José Gervasio Artigas nasceu em 19 de junho de 1764 e faleceu em 23 de setembro
de 1850. Foi um militar, estadista e prócer máximo uruguaio. Recebeu os títulos de “Chefe
dos Orientais” e de “Protetor dos Povos Livres”. Foi um dos mais importantes estadistas da

capítulo 3 • 68
Revolução do Rio de la Plata, pelo que é honrado também na Argentina por sua contribuição
à independência e federalização do país. Teve atuação destacada nas lutas de independên-
cia e no predomínio dos ideais republicanos e democráticos sobre as monarquias. Lutou su-
cessivamente contra o Império Espanhol, os unitários instalados na cidade de Buenos Aires
e Montevidéu e o Reino Unido de Portugal e Brasil.
Conduziu os atuais territórios do Uruguai, Santa Fé, Entre Rios, Corrientes e Missões
unidos sob a bandeira dos Povos Livres para a independência da Espanha. De maneira di-
reta, suas lutas se orientaram para a conformação das Províncias Unidas do Rio de la Plata
organizadas estritamente sobre os princípios do federalismo e da república, defendendo a
integração do que hoje é o Uruguai como parte das Províncias Unidas do Rio de la Plata sob
o nome de Província Oriental, em referência ao fato de que o território se situa na margem
oriental do Rio de la Plata.
Esta é a razão pela qual os uruguaios se denominam a si mesmos, habitualmente, com o
apelido de “orientais”. Sua ferrenha defesa da autonomia federal das províncias contribuiu de
maneira indireta para a constituição da República Oriental do Uruguai como estado indepen-
dente em 1828, quando se encontrava já em seu longo exílio no Paraguai, país onde morreu.
Disponível em: <https://seuhistory.com/hoje-na-historia/morre-jose-
gervasio-artigas-o-procer-maximo-uruguaio>. Acesso em: jan. 2019.

Napoleão seria definitivamente derrotado em 1815. Tal fato já permitiria que


D. João VI retornasse a Portugal para reassumir o comando a partir do território
original. Entretanto, não fora o que aconteceu. Desde o agravamento da doença
de sua mãe, D. João assumira a regência do trono português a partir de 1792 e
assim permaneceria até o falecimento da mesma em 20 de março de 1816. A partir
desse ano se tornara definitivamente rei de Portugal. Ainda assim permaneceria no
Brasil durante mais quatro anos.
Mas e Portugal? Ao final das campanhas napoleônicas muitas coisas muda-
riam nas terras portuguesas. Em primeiro lugar, era um mundo em transformação.
As principais potências litigantes, França e Inglaterra eram, cada uma a seu modo,
o reflexo desses novos tempos em que o Absolutismo vai dando lugar progressi-
vamente a governos revolucionários, como o da França, ou às monarquias consti-
tucionais, caso da Inglaterra. E como ambas se encontravam em solo português, é
plausível que ambos os ecos se fizessem ouvir.
Com a derrota definitiva de Napoleão, era preciso resolver imediatamente a
questão do governo português. Ocorre que durante todo esse processo coube à

capítulo 3 • 69
Inglaterra a liderança das operações de libertação. Sendo assim, como não retor-
naria a Portugal, D. João VI delegaria na qualidade de lugar-tenente o governo
português a um general inglês, Lord William Beresford.

CONCEITO
O absolutismo é uma teoria política que surgiu no Antigo Regime (séculos XVI ao XVIII)
que preconizava a centralização e a concentração dos poderes do Estado nas mãos de um
único soberano.

Na prática Beresford constituiu um governo autocrático. Sua autoridade só


encontraria limites no poder real. Mas como este se encontrava do outro lado do
Atlântico, na prática tinha nas mãos praticamente todo o poder. Para os portu-
gueses era a sensação palpável de uma experiência colonial, como uma tutela que
duraria até 1820, quando da viagem de Beresford ao Brasil em 24 de agosto, onde
na oportunidade se reuniria com D. João.
Aproveitando a sua ausência, os setores da burguesia, aliado às camadas po-
pulares, empreenderam uma revolução que sairia vencedora de modo rápido, for-
mando uma Junta Provisória que tinha como conseqüência direta o fim do regime
absolutista na convocação de uma nova Assembleia Constituinte.
As notícias chegariam rápido ao Brasil, onde o rei Dom João VI acena que
aceitaria jurar a nova constituição. Tal fato representava a permanência da dinastia
no poder, algo delicado em um cenário tão adverso, em que a monarquia estava,
de fato, ainda amarrada ao absolutismo e esteve ausente durante todos os anos da
luta contra os franceses e no período da tutela inglesa. Além disso, os governos
nas províncias brasileiras, como se tratava de um reino unido, também seriam
administradas por juntas governativas provisórias, até que a situação em Portugal
estivesse melhor definida.
Em janeiro de 1821, eram abertos os trabalhos nas Cortes. Inclusive fora en-
viada uma delegação de deputados brasileiros. O que ficou claro durante os traba-
lhos e que seria rapidamente sentido pelos representantes brasileiros é que estavam
diante de um projeto ambíguo.

capítulo 3 • 70
CONCEITO
O termo Cortes era tradicionalmente utilizado na Península Ibérica para designar as as-
sembleias que tinham finalidade deliberativa e organização relacionadas ao poder. Isso não
deve ser confundido com a Corte portuguesa, nobreza que veio juntamente com a família
real portuguesa em 1808 para o Brasil. Essa confusão é comum o que leva a crer que existia
outra Corte que se constituíra em Portugal, o que não corresponde ao fato.

Havia o desejo de modernizar Portugal, colocando-o sob novas premissas libe-


rais de governo e economia. Mas com relação ao Brasil, a situação se mostrava bem
diferente. O projeto para o Brasil era o retorno às relações coloniais. Para isso era
necessário desfazer os atos de D. João que equiparam colônia e metrópole em um
só Reino Unido. E para começar esse processo, era necessário trazer novamente a
sede do governo para Portugal.
Não bastava apenas reinstalar a sede do reino. Era preciso trazer de volta seu
governante. Assim, D. João fora obrigado a retornar para Portugal no mesmo ano
de 1821, em 24 de abril. Por mais que pudesse protelar a partida, não atender a
Junta Governativa significaria perder de fato a Coroa, tendo em vista que nela se
concentrava o poder.
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capítulo 3 • 71
Antes de partir, entretanto, D. João deixara seu filho, D. Pedro na condição
de Príncipe Regente com o seguinte conselho “Pedro, se o Brasil se separar de
Portugal, toma a coroa para ti, antes que algum aventureiro lance mão dela.”. E
isso de fato não tardaria a acontecer.
Entretanto, a estratégia de Dom João VI não passaria despercebida pelas Cortes.
Então, do mesmo modo como obrigaram o monarca a retornar para Portugal, as-
sim também o fizeram com relação ao Regente, exigindo seu retorno para as terras
portuguesas, condição essencial para pôr fim ao processo de recolonização do Brasil.
Essa questão afetaria sobremaneira o cenário político brasileiro. D. Pedro con-
tava com o apoio dos setores liberais, organizados não apenas no Partido Brasileiro
com também por meio da Maçonaria e demais associações congêneres. Diante do
novo ultimato português, D. Pedro opta pela desobediência e o comunicado de
sua decisão se transforma em um evento político que ficaria conhecido na história
como o Dia do Fico (9 de janeiro de 1922): “Se é para o bem de todos e felicidade
geral da Nação, estou pronto! Digam ao povo que fico”.

MULTIMÍDIA
Independência ou Morte
Tendo como ponto de partida o dia da abdicação de D. Pedro I (Tarcísio Meira), é traçado
um perfil do monarca desde quando ainda menino veio da Europa, enquanto sua família fugia
das tropas napoleônicas, até sua ascensão à Príncipe-Regente, quando D. João VI (Manoel
da Nóbrega) retorna para Portugal. Em pouco tempo, a situação política torna-se insustentá-
vel e o regente proclama a independência, mas seu envolvimento extraconjugal com a futura
Marquesa de Santos (Glória Menezes) provoca oposição em diversos setores, gerando um
inevitável desgaste político.
Distribuidor: Embrafilme
Ano de produção: 1972
Tipo de filme: longa-metragem

A partir do “Fico”, Dom Pedro começa a tomar uma série de medidas que da-
riam prosseguimento à preparação da independência. Dentre as medidas merece
destaque o “Cumpra-se”, em que toda e qualquer ordem vinda de Portugal deveria
antes ser submetida ao crivo do imperador para que tivesse validade no território
brasileiro. Além disso, enviou de volta para Portugal as tropas portuguesas que se

capítulo 3 • 72
encontravam em solo brasileiro e reorganizou a Marinha de Guerra. Como mostra
de suas intenções, uma Assembleia Constituinte e convocada.
Além dessas medidas, D. Pedro entendeu que era necessário visitar certas loca-
lidades estratégicas no país. Isso reforçaria dos laços de fidelidade ao novo projeto
dinástico que se desenhava no horizonte. E foi justamente em uma delas, com
programação de visitação em Minas Gerais e São Paulo que ele recebe uma carta
das Cortes portuguesas cancelando a Assembleia Constituinte e exigindo imediato
retorno do regente para Portugal. Era o dia 7 de setembro de 1822, que passou
a ser considerado como o da independência. A caminho de São Paulo, nas mar-
gens do riacho Ipiranga (Santos) D. Pedro proferira a famosa e emblemática frase:
“Independência ou Morte!”
Em dezembro do mesmo ano D. Pedro fora aclamado Imperador do Brasil.
Mas o cenário era ainda confuso e adverso. As primeiras nações a reconhecerem
a independência brasileira foram os Estados Unidos e o México. Para o reconhe-
cimento português, por sua vez, o preço da liberdade sairia bem salgado, algo em
torno de 2 milhões de libras esterlinas. E como fazer esse pagamento se os cofres
públicos do país foram esvaziados pela ida de D. João VI? A reposta viria pela
Inglaterra que daria o empréstimo necessário para que o reconhecimento ocorresse.
Não obstante, havia também problemas internos. Durante o período de 1822
a 1825, D. Pedro I enfrentaria uma série de revoltas internas das províncias que
eram contrárias ao processo de independência. Para fazê-lo não contava ainda
com um exército regular. A solução seria a formação de milícias e a contratação de
mercenários estrangeiros, sobretudo franceses e ingleses.
Assim, Pará, Bahia, Cisplatina, Maranhão e Piauí, foram se tornando espaços
de resistência, que seriam duramente combatidos pelo regime. Em todas as guerras
pela independência, D. Pedro sairia vitorioso. Entretanto, havia também outro
flanco aberto, o da política e da organização do Estado.
E em meio a esse cenário, a Constituinte finaliza seus trabalhos e apresen-
ta uma proposta ao imperador em 1823. Conhecida como a “Constituição da
Mandioca”, por conta do voto censitário medido pela posse de alqueires de man-
dioca. Sem contar que ela trazia muitos dispositivos que, na prática submeteriam
D. Pedro a um cenário restritivo de poder.
Em primeiro lugar a Constituição de 1823 era um projeto de cunho liberal. Sua
concepção era contrária ao absolutismo e permeada pelo xenofobismo, sobretudo
relacionado aos portugueses. Esse cenário era o reflexo dos acontecimentos contem-
porâneos, tendo em vista que a resistência ao processo de independência terá ainda

capítulo 3 • 73
desdobramentos até 1825. Assim, era comum que portugueses e brasileiros se en-
frentassem concretamente não apenas na política, mas também no cotidiano social.
Em segundo, era uma constituição que ao mesmo tempo afastava o povo e os
que pertenciam direta ou indiretamente ao Partido Português. No caso do povo,
não havia a menor possibilidade de possuírem a riqueza suficiente para postular o
direito do voto. No caso dos portugueses, cuja maioria era composta por comer-
ciantes, também não poderiam votar pois suas riquezas, geralmente, eram obtidas
em espécie e não em alqueires de mandioca, o que deixava apenas a representati-
vidade a um segmento brasileiro mais restrito, especificamente uma elite agrária.
Nessa proposta, o papel do imperador seria praticamente representativo. O par-
lamento não poderia ser dissolvido, as forças armadas ficariam sob o controle tam-
bém desse mesmo parlamento. O imperador teria apenas um veto suspensivo às me-
didas do governo. Mas D. Pedro I, criado no interior de uma dinastia absolutista e
vivendo diretamente os efeitos de uma revolução constitucionalista liberal nas terras
lusitanas, não deixaria o projeto seguir adiante. Ele possuía outra ideia de império.

RESUMO
José Bonifácio, conhecido como o Patriarca da Independência, teve papel fundamental
na preparação e consolidação da Independência do Brasil. Era paulista, nascido em Santos
no dia 13 de junho de 1763. Sua família era uma das mais ricas e importantes da cidade.
Aos 21 anos partiu para estudar na Universidade de Coimbra, onde se especializou em Mi-
neralogia. Já em 1822, quando ocupava o cargo de ministro de D. Pedro I, era chamado por
seus partidários de “Pai da Pátria”, “Timoneiro da Independência”, “o Patriarca”. Em vários
jornais e publicações da época era reconhecido como um dos primeiros a protestar contra a
política recolonizadora das Cortes, além de um dos líderes da campanha pela permanência
do príncipe no Brasil.
José Bonifácio e seus irmãos Antônio Carlos e Martim Francisco, conhecidos como os
Andradas, participaram ativamente da vida política brasileira durante os primeiros anos do
governo de D. Pedro I, chegando a ser apontados como os homens mais poderosos do Pri-
meiro Reinado. Em 1808, quando os franceses invadiram Portugal, José Bonifácio, ao lado
dos portugueses, lutou contra o ataque estrangeiro. “Era aos olhos de todos, um bom por-
tuguês, fiel a Portugal e ao Príncipe.” Após a expulsão dos franceses, retomou seu trabalho
científico, mantendo-se afastado da política portuguesa.
No decorrer do ano de 1821, inúmeras medidas tomadas pelas Cortes não deixavam
mais dúvidas quanto aos seus propósitos recolonizadores. No início de janeiro de 1822, José

capítulo 3 • 74
Bonifácio entregou ao príncipe um documento da Junta de São Paulo pedindo que D. Pedro
desobedecesse às ordens das Cortes de Lisboa e ficasse no Rio de Janeiro. Nessa ocasião,
foi convidado a exercer as funções de ministro de Estado. Apresentava-se como o homem
mais indicado para assessorar o príncipe-regente: era fiel à Monarquia, possuía experiência
administrativa e prestígio social e internacional. Em pouco tempo, se tornou o homem de
confiança de D. Pedro e seu mais importante ministro, representante dos proprietários de
escravos e terras do Centro-Sul.
Por ocasião do Fico, as forças políticas uniram-se. Afinal, os interesses do Brasil estavam
ameaçados pelos constituintes portugueses. No entanto, após a Independência, as divergên-
cias e contradições entre os partidos reapareceram. Democratas e aristocratas entraram em
choque. José Bonifácio, líder do grupo aristocrata do Partido Brasileiro, desencadeou uma
campanha contra os democratas, visando afastá-los de D. Pedro. Os conflitos entre os dois
grupos permitiram que o Partido Português se aproximasse mais do imperador, enfraquecen-
do o Ministério dos Andradas.
Disponível em: <http://www.multirio.rj.gov.br/historia/modulo02/jose_bonifacio.html>.
Acesso em: jan. 2019.

ATIVIDADES
01. Marque a afirmativa correta.
Sobre as causas diretas da transferência da Corte portuguesa para o Brasil, pode-
mos destacar
a) O Bloqueio Continental e a invasão à Península Ibérica por parte da França de Napoleão.
b) As Revoluções Liberais em Portugal e a expulsão dos jesuítas da Corte.
c) A União Ibérica e a independência das províncias portuguesas.
d) A crise agrária em Portugal e a maior possibilidade de conseguir novas concessões
para exploração.
e) A completa incapacidade de reação às invasões estrangeiras e a ameaça da Doutrina
Monroe nas Américas.

02. São mudanças promovidas pela chegada da família real portuguesa ao Brasil:
a) O estabelecimento do sistema de capitanias e governo-geral.
b) A abertura dos portos e criação de fábricas e do Banco do Brasil.
c) O fechamento dos portos e a criação da faculdade de teologia.

capítulo 3 • 75
d) A construção de milhares de novas casas e as melhorias das condições dos mais pobres.
e) O fortalecimento dos poderes locais, estimulados pelo governo a se tornar refém das mi-
crorrelações.

03. Leia as afirmativas a seguir.


I. O retorno de D. João a Portugal era um sinal de que a Revolução Constitucionalista
do Porto estava “apertando o cerco” para o processo de fortalecimento do Legislativo como
forma de poder.
II. A fuga da família real foi uma estratégia alinhada com o governo da , tendo em vista a
necessidade de se provocar um desgaste maior da esquadra inglesa.
III. D. João em sua política externa proveu a invasão do Paraguai e do Suriname.

Está(ão) correta(s) apenas


a) As afirmativas II e III. d) As afirmativas I e III.
b) A afirmativa III. e) as afirmativas I e II.
c) A afirmativa I.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DELUMEAU, Jean. História do Medo no Ocidente (1300-1800). São Paulo: Companhia das Letras,
1989.
FERLINE, Vera Lucia do Amaral. Terra, trabalho e poder: o mundo dos engenhos no nordeste
colonial. São Paulo: Brasiliense, 1988.
LOPES, Adriana e MOTA, Carlos Guiherrme. História do Brasil: uma interpretação. São Paulo: Ed.
SENAC, 2008.
SALGADO, Graça. Traços gerais da administração colonial. Fiscais e Meirinhos: a administração no
Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira/INL, 1985.
SCHWARTZ, Stuart. Segredos Internos. São Paulo: Companhia das Letras,1998.
SOUZA, Laura de Mello e. O Sol e a Sombra: política e administração na América portuguesa do
século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

capítulo 3 • 76
4
Os reis do Brasil
Os reis do Brasil
Neste capítulo vamos analisar a organização social e política do Brasil pós-in-
dependência. O reinado de Dom Pedro I foi marcado por crescente instabilidade,
sobretudo pela incapacidade de conciliar os interesses do próprio governante, os
das elites locais e os problemas relacionados à sucessão dinástica em Portugal.
Com o agravamento do quadro de oposição ao imperador, o mesmo nomeia
o filho, Pedro de Alcântara, como próximo imperador aos cinco anos de idade.
Entretanto, de acordo com a constituição de 1824, o futuro Pedro II só poderia
assumir aos 21 anos de idade. Assim, teria início o Período Regencial. Nele, no-
vamente o país mergulharia em um cenário de instabilidade, com projetos repu-
blicanos, liberais e conservadores, disputando uma visão de governo e de poder.
Nesse cenário, estouram rebeliões como a Farroupilha, a Balaiada, a Sabinada, o
Levante do Malês e a Cabanagem.
Em meio a esse cenário, os liberais percebem a necessidade de restituir uma
figura central de governo. Surge o Clube da Maioridade, movimento político que
vai lograr êxito na antecipação da maioridade legal de Pedro de Alcântara. O resul-
tado é o início de um novo governo, afastando a ameaça da fragmentação política
e territorial e iniciando um período de expansão econômica, mas sob as frágeis
bases do escravismo e da dependência de produtos-chaves no setor agrário.
Esse surto de desenvolvimento também veio acompanhado de contradições
e desgastes que levarão Pedro II a caminhar para uma transição que, apesar de
inevitável, não o deixaria no cenário nem como coadjuvante.

OBJETIVOS
•  Analisar a consolidação do poder imperial no Brasil em suas três fases, o reinado de Pedro
I, as Regências e o reinado de Pedro II em suas bases políticas, econômicas e sociais;
•  Compreender as forças políticas antagônicas no Brasil Império e como elas se relaciona-
vam com as demandas populares.

capítulo 4 • 78
O governo de Pedro I

Como vimos, o processo de independência do Brasil ainda havia deixado al-


gumas cicatrizes. A maior e mais visível delas seria o antagonismo entre brasileiros
e portugueses. D. Pedro I, em diferentes ocasiões, via um dos pratos da balança
pendendo para um dos lados, movendo e recompondo a base de sustentação do
seu governo sempre que necessário.
Entretanto, a vitória sobre as forças portuguesas conferiu ao imperador uma
força política que seria usada dali por diante, e a primeira demonstração tácita
seria dada na dissolução da Constituinte de 1823 e a outorga de uma nova cons-
tituição no ano seguinte.
O processo da feitura da Constituição de 1823 caracterizava-se como um pro-
jeto liberal. O próprio Dom Pedro tinha uma perspectiva de governo que não fos-
se o exercício do despotismo, mas ancorado nos pilares da soberania e dos traços
característicos de uma monarquia constitucional, ou seja, o poder real delimitado
pelas estruturas legais.
O primeiro e maior problema enfrentado nesse processo foi justamente a hete-
rogeneidade de interesses. Havia muita dificuldade de conciliar as visões e perspec-
tivas de poder defendidas pelos parlamentares e seus respectivos grupos, levando
Dom Pedro a retomar o controle da construção da Constituição, imprimindo
uma visão de império fundamentada em ideais do liberalismo, sobretudo o francês
da fase monárquica da revolução.
De acordo com a nova Constituição, o imperador teria em suas mãos a prer-
rogativa de interferir diretamente nos demais poderes. Essa foi a estratégia adotada
para manutenção da unidade e do controle do governo, evitando que sucumbisse
às regionalidades e particularidades.
Havia ainda mais um ingrediente. A profunda amizade com os irmãos
Andrada causava não apenas ciúmes, mas uma ameaça real, sobretudo para os
portugueses que ainda residiam no Brasil e que foram perdendo gradativamente
espaço e privilégios políticos. Mas se estruturalmente a ação de Pedro I tinha uma
“intenção” liberal, a leitura por parte das camadas políticas era bem diferente. E as
reações ao que se considerava uma tendência ao poder absoluto não tardaram. E a
primeira seria justamente no mesmo ano de 1824 e o cenário era um velho conhe-
cido, Pernambuco. A revolta foi ganhando corpo a partir da ação de liberais como
Cipriano Barata e Frei Caneca que, por meio do jornal Sentinela da Liberdade,
conseguiu ecoar as ideias e as respectivas contestações às ações de Pedro I.

capítulo 4 • 79
PERSONAGEM
Com uma pesada corrente de ferro no pescoço, o prisioneiro ia andando devagar. Estava
descalço, usava uma batina suja e rasgada, vigiado por soldados bem armados. Em direção ao
porto, caminhava em silêncio. A Revolução Pernambucana tinha sido esmagada, mas a ideia
de libertar a província do poder central estava cada vez mais viva. O prisioneiro retratado antes
foi Frei Joaquim do Amor Divino Rabelo Caneca, mais conhecido como Frei Caneca, um dos
mentores da Revolução Pernambucana. Preso em 1817, Frei Caneca foi levado para Salvador,
onde cumpriu pena até 1821. De família humilde, desde cedo demonstrando inteligência viva
e grande força moral, Frei Caneca teve formação religiosa. Professou votos no convento do
Carmo, em Pernambuco e tornou-se secretário do visitador da ordem. Frequentou centros de
estudos políticos de tendência liberal e participou do movimento revolucionário, pelo qual foi
preso. Ao ser libertado, de volta a Pernambuco, tornou-se professor de filosofia, geometria
e retórica. Em meio à intensa atividade jornalística, fundou o jornal Tifis Pernambucano, de
oposição ao governo central conservador. Dia 2 de julho de 1824, os líderes pernambucanos
romperam definitivamente com o poder central. Anunciaram a formação de uma nova república
– a Confederação do Equador – e pediram a adesão das outras províncias do Norte e Nordeste.
O movimento, no entanto, não obteve o apoio necessário. A adesão dos países estrangeiros, a
princípio esperada, também não foi adiante. O movimento acabou sufocado, depois de muitas
lutas sangrentas. Dia 29 de novembro de 1824, a coluna na qual lutava Frei Caneca foi cercada
pelas tropas legalistas. Frei Caneca, um dos maiores idealizadores e combatentes do movimen-
to, foi condenado à forca. Foi preso e levado para um calabouço. No dia de Natal do mesmo
ano, foi transferido de sua cela a uma sala incomunicável, para receber a sentença. Muito foi
feito para que Caneca não fosse executado. Houve petições, manifestações de ordens religio-
sas, pedidos de clemência. Em vão. Dia 13 de janeiro de 1825, o prisioneiro foi conduzido à
forca. Na hora de chamar o carrasco, surgiu um problema. Não havia quem aceitasse enforcar
Caneca. Castigos, sangue, pancadas. Nada, ninguém queria se prestar ao papel de carrasco.
Por fim, resolveram trocar a forca pela execução por fuzilamento. Estava encerrada a carreira
revolucionária de Frei Caneca. Seu corpo foi deixado em um caixão de pinho em frente ao
Convento das Carmelitas, de onde os padres o recolheram.
Disponível em: <https://educacao.uol.com.br/biografias/frei-caneca.jhtm>.
Acesso em: jan. 2019.

Com a outorga da Constituição de 1824, as insatisfações ganharam contor-


nos mais bem definidos. O presidente da província de Pernambuco, Manuel da

capítulo 4 • 80
Carvalho Paes de Andrade, articula uma união entre a sua província e as do Ceará e
Rio Grande do Norte, fazendo nascer o primeiro grande movimento de contestação
ao reinado de Dom Pedro I, a Confederação do Equador. Para além das discordân-
cias políticas, o movimento intencionava a independência das províncias, ou seja, era
uma revolta de caráter separatista que tinha no Poder Moderador e na nova estrutura
político-administrativa do império o alvo-síntese do conjunto de insatisfações.
nomeia Imperador nomeia
Poder Moderador

escolhe
Conselho de Estado Senado

marca e comanda Presidente do preside Conselho


Conselho de Ministros de Ministros
(1º Ministro)

aprova
Eleições Câmara de Deputados

Mas a reação não tardaria. Por terra, o comando das operações das tropas
imperiais estava a cargo de Francisco de Lima e Silva e os ataques por mar no
comando do mercenário inglês Lord Cochrane. Essa ação integrada conseguiu
reprimir duramente a revolta, levando a condenação à morte dos seus principais
líderes, dentre eles, Frei Caneca que morre por fuzilamento.
A presença de clérigos nos processos políticos não era incomum no período. Ao
contrário. O catolicismo já era religião oficial de estado e no sistema eleitoral havia a
exigência de os candidatos professarem o credo católico. Dessa maneira, muitos dos
candidatos eram membros do clero, sobretudo padres ou ligados direta ou indireta-
mente aos ordenamentos. Esse “sucesso” eleitoral se explica também pelo fato de as
igrejas serem utilizadas como locais de votação e da capacidade de os padres arregimen-
tarem eleitores, utilizando para isso as possibilidades abertas pelo trabalho paroquial.
No reinado de Pedro I, essa relação se tornaria ainda mais aprofundada com a
adoção do regime do padroado. Dessa maneira, os clérigos praticamente estavam
equiparados aos funcionários públicos, uma vez que passaram a receber por meio da
mesma folha de pagamento. Mas o regime do padroado tinha um toque especial que
era constante motivo de fricções com a matriz romana. Reconhecendo e utilizando
todo o poder, espaço e potencial que a religião oficial exercia dentro da política na-
cional, D. Pedro estabelece que todas as decisões tomadas pela Igreja deveriam antes
passar pelo crivo do imperador. Inclusive os ordenamentos advindos de Roma.

capítulo 4 • 81
No ano seguinte à Confederação do Equador, o reinado de Dom Pedro I
encontraria um novo momento de turbulência, vinda de uma região em que os
problemas já eram conhecidos desde o governo de seu pai. Em 1825 estoura uma
nova guerra na região da Cisplatina.
O domínio brasileiro já vinha sendo questionado na região. Sob o comando
de João Antônio Lavalleja, os colonos locais iniciaram uma rebelião que, rapi-
damente, ganhou a forma de um movimento separatista. Rapidamente, passou
a contar não apenas com a simpatia da Argentina, mas oportunamente com seu
apoio. Vendo a escalada do conflito, não resta a Pedro I senão o combate aos re-
voltosos e uma declaração de guerra à Argentina. Entretanto, no clima vigente no
país, parecia não haver um contexto favorável à deflagração do conflito. O meio
político e os setores produtivos sabiam bem que uma guerra implicava custos e
mais ainda quem pagaria essa conta na forma de impostos.
E foi exatamente o que aconteceu. Se notarmos bem, fazia aproximadamente três
anos que o Brasil havia declarado sua independência e, como vimos, esse processo de-
mandou um considerável gasto financeiro para que o novo país recebesse o reconhe-
cimento internacional necessário. E essa conta ainda estava em aberto nos cofres reais.
Somado a esse passivo, o conflito da Cisplatina sangrou ainda mais as economias do país.
Era um ano atípico. A economia sofria dificuldades e reveses nas mais varia-
das áreas, da produção à arrecadação de impostos. Mas, para além dos custos, o
imenso desgaste para o imperador estaria por vir ao final dos três anos de conflito,
em 1828. Contando com a mediação da Inglaterra, o desfecho da guerra deu
origem a um novo país independente, ou seja, fora do eixo de poder entre Brasil e
Argentina. Assim nascia o Uruguai.
Outro resultado direto da guerra foi o desequilíbrio econômico. Para tentar sa-
nar o rombo financeiro, D. Pedro inicia uma política de impressão de papel-moe-
da em grandes quantidades. O resultado foi a perda do poder de compra da po-
pulação, especialmente a mais pobre, o que gerou ainda mais insatisfação popular.
Desde a independência, a população passou a vivenciar a política como um
exercício de sociabilidade. Os cafés foram se tornando, gradativamente, os pon-
tos privilegiados de discussão. Esse tipo de comportamento foi naturalmente for-
mando as duas principais correntes políticas do império, o Partido Português e o
Partido Brasileiro. Nessas duas grandes instâncias, orbitavam os interesses e as in-
satisfações sendo, cada qual, portadora de um projeto próprio para o país. Assim,
após os episódios da Guerra da Cisplatina, cada uma das correntes assumirá posi-
ções alternadas na defesa de D. Pedro.

capítulo 4 • 82
No processo de independência, o Partido Português era favorável a recoloni-
zação. Entretanto, com a consumação da independência, passou a defender um
governo forte e centralizado, o que foi extremamente útil para o apoio contra as
revoltas separatistas. Já o Partido Brasileiro, aliado de primeira hora da indepen-
dência, foi gradativamente modificando seu espectro de apoio ao imperador.
Como aliado, foi ativo na garantia da base política dada pelo novo setor agrário e pe-
los comerciantes brasileiros, mas gradativamente essa relação foi se desgastando. O anta-
gonismo político e o crescimento da narrativa republicana entre as fileiras desse segmento
foi, progressivamente, levando Pedro I a uma reaproximação com o Partido Português.
Dois anos anteriores ao fim do conflito da Cisplatina, em 1826, um novo
acontecimento traria ainda mais turbulência para o Primeiro Reinado. Tratava-se
do falecimento de Dom João VI. Com a perda do rei, inicia-se a sucessão dinástica
o que colocava Dom Pedro em um dilema e uma encruzilhada: continuar a ser
Pedro I do Brasil ou Pedro IV em Portugal? Mas para além dessa preocupação, es-
tavam as ações de seu irmão, Dom Miguel, ávido para assumir o trono português.
Mas essa história tem início, em verdade, antes da morte do rei português,
mostrando uma sequência de reviravoltas pouco conhecidas. Em primeiro lugar,
com o fim da Guerra da Cisplatina, houve o interesse por parte de D. João para
que o território perdido fosse recuperado e restituído ao Brasil.
Nesse processo, Pedro I foi declarado pelo monarca como seu legítimo suces-
sor, algo inusitado tendo em vista o rompimento dos laços dinásticos com a inde-
pendência do Brasil. Entretanto, Pedro I aceita e se torna legalmente o sucessor de
D. João VI. Com a abdicação e morte deste, abre-se o primeiro ato da crise suces-
sória portuguesa, pois apesar da legitimidade de um reinado de Dom Pedro (que
seria coroado como Pedro IV de Portugal), em Portugal, o mesmo não se aplica às
leis brasileiras, que em sua constituição não permitia o acúmulo das duas coroas.
Após a morte de Dom João VI, D. Pedro abre mão do trono em favor de sua
filha, Dona Maria da Glória. Como a herdeira ainda não teria idade suficiente para
assumir o trono, foi designado como regente seu tio, Dom Miguel. Entretanto,
um golpe dado por Dom Miguel, afastaria a sobrinha do trono e iniciaria a defla-
gração de um conflito armado pela sucessão do trono português.
Para auxiliar a restituição do poder à filha, D. Pedro envia tropas brasileiras
para combater seu irmão em Portugal. Essa atitude desagradou o cenário político
brasileiro, que já sofrera um primeiro baque financeiro com a retirada dos fundos
do Banco do Brasil por Dom João VI, quando de seu retorno a Portugal. Conheceu
um novo ciclo de crise econômica com a derrota na Guerra da Cisplatina e com

capítulo 4 • 83
essa conta ainda em aberto, gastaria mais recursos financeiros e humanos para uma
guerra que, na prática, não tinha relação direta com o Brasil independente.
A leitura era de que se tratava de um assunto português e a preocupação do
imperador em garantir suas prerrogativas na sucessão dinastia levou a fragilizar
ainda mais sua base e imagem política no Brasil. Somado a esse processo de desgas-
te, a vida desregrada do imperador, sobretudo quando o assunto era suas aventuras
amorosas (sendo a mais notória a Marquesa de Santos), era o combustível preferi-
do de uma sociedade moralista escandalizada.
Para além do aspecto moral, havia também o de natureza política. Cresciam os
adversários e desafetos. Um deles, o jornalista Libero Badaró, sofre um atentado e
morre em 1830. A conta recai sobre o imperador.
Como dissemos anteriormente, o imperador foi progressivamente se aproxi-
mando do Partido Português. Conforme crescia o prestígio e a participação desse
segmento no governo, aliado às aproximações do imperador às questões dinásticas
de Portugal, mais complexa ficava a situação política de Pedro I, com expressiva
impopularidade e instabilidade.
E o reflexo direto desse problema pode ser percebido em uma cena de três
atos. E ele começa com a ida do imperador para Minas Gerias, onde esperava
reestruturar sua base política. Entretanto, fora surpreendido com a recepção fria e
hostil dos mineiros. Pouco depois, o Rio de Janeiro articula um desagravo ao im-
perador, mas os conflitos se tornam ainda maiores, ensejando uma batalha campal
entre portugueses e brasileiros, episódio conhecido como “Noite das Garrafadas”.

CONCEITO
A noite das garrafadas – como ficou conhecido o conflito envolvendo portugueses que
apoiavam D. Pedro I e brasileiros que faziam oposição ao imperador – foi um dos principais
acontecimentos do período imediatamente anterior à abdicação do monarca, em abril de 1831.
O conflito, que ocorreu nas ruas do Rio de Janeiro no dia 13 de março de 1831, levou esse
nome pelo fato de os brasileiros terem utilizado pedras e garrafas para atacar os portugueses.
Disponível em: <https://educacao.uol.com.br/disciplinas/
historia-brasil/noite-das-garrafadas-portugueses-e-brasileiros-
entram-em-conflito.htm?>. Acesso em: jan. 2019.

capítulo 4 • 84
Frente à crise econômica severa e ao clima de instabilidade política, Dom
Pedro I ainda tentaria uma última manobra, constituindo um gabinete de minis-
tros de tendência liberal. Com a continuidade das reações, dissolveria o gabinete e
o comporia novamente, agora com elementos conservadores, retirados da base de
apoio do Partido Português.
Essas ações tiveram como consequência direta um acirramento político ainda
maior, não houve outra saída para o imperador, que renunciaria ao trono do im-
pério brasileiro em 7 de abril de 1831.
Em seu lugar, foi deixado o menino Pedro de Alcântara, com 5 anos de idade e
que seria tutelado por José Bonifácio de Andrada. Era o início da história de Pedro
II. Entretanto, a constituição brasileira não permitia que o trono fosse ocupado por
menores de dezoito anos. Nesse caso, o governo deveria ser ocupado por uma regên-
cia, salvaguardando o direito dinástico até que a idade mínima fosse completada.

O Período Regencial

Entre 1831 a 1840, o governo brasileiro teve cinco regências, entre “provisórias
e permanentes”. A primeira delas foi denominada “Regência Trina Provisória” com
Francisco de Lima e Silva, Nicolau Pereira de Campos Vergueiro e José Joaquim
Carneiro de Campos e teve curta duração, com início e fim no mesmo ano de 1831.
As primeiras medidas visavam acalmar a turbulência do final do governo de
Dom Pedro I. Assim, tratou-se de se confirmar inicialmente a opção pela continui-
dade da Monarquia com a descendência do último imperador, apresentando Pedro
de Alcantara, aos nove anos, como imperador do Brasil para aclamação do povo.
Além disso, foram anistiados os presos políticos e tentou-se restituir aos cargos os mi-
nistros exonerados por Dom Pedro I antes de sua virada aos conservadores (Partido
Português), mas tentando-se manter o equilíbrio entre as forças políticas existentes.

CURIOSIDADE
Apesar das expressões “Primeiro Reinado” e “Segundo Reinado” serem comumente uti-
lizadas até mesmo em livros didáticos, elas não estão historicamente corretas. O Brasil teve
apenas um único “reinado” que se inicia com Pedro I e tem sua continuidade com Pedro II,
pois a regência não afetava a transmissão e o direito dinástico.

capítulo 4 • 85
A segunda regência, conhecida como “Regência Trina Permanente”, teve uma
duração um pouco maior, iniciando-se em 1831 e encerrando-se em 1835. Foi
composta por José da Costa Carvalho, João Braulio Moniz e Francisco de Lima
e Silva. Nesse período, a corrente liberal que passou a dominar as regências era
subdivida em duas vertentes, a dos liberais moderados e a dos exaltados.
É um pouco difícil traduzir para a linguagem política contemporânea, mas o
que marca a diferenciação mais nítida de ambos são as concepções econômicas e
as estruturas governamentais. E nelas se encontravam presentes discussões sobre a
forma de governo (monárquico ou republicano), a organização econômica (agrária
ou comercial/fabril), e política (organização dos poderes). Além dos liberais, surge
outra força política que ganhará corpo pelo tutor do jovem Pedro de Alcantara,
José Bonifácio de Andrada, e que defendia o retorno de Dom Pedro I ao trono
brasileiro. Essa tendência ficou conhecida como “Restauradores”

LEITURA
Caramurus, chimangos e farroupilhas

José Odair da Silva Sorrentino

Com a coroação do imperador, o governo central conseguiu impor sua autoridade a todo
país e manter a unidade do Império Brasileiro. Três grupos políticos entraram em choque
nessa época:
– Os restauradores ou caramurus, em sua maioria comerciantes e militares portugueses,
que queriam a volta de Dom Pedro I ao governo. Em 1834, com a morte de Pedro I, o grupo
dos restauradores deixou de existir.
– Moderados ou chimangos, formado principalmente por grandes proprietários rurais.
Opunham-se a toda e qualquer mudança que trouxesse benefício ao povo. Eram a favor da
ordem a qualquer preço, da continuação da Monarquia e da manutenção do país com base
agrícola e exportadora.
– Exaltados ou farroupilhas (jurujubas), defendiam reformas que melhorassem a situação
dos pobres, o voto livre para todos, a instalação da indústria, maior liberdade para as provín-
cias e o fim do Poder Moderador.
Os moderados, apoiados pelos grandes fazendeiros, derrotaram os exaltados, que foram
perseguidos, presos, expulsos do Brasil e, muitos deles, mortos. Donos da situação e do go-
verno, os moderados dividiram-se em dois grupos: os progressistas (futuro Partido Liberal) e

capítulo 4 • 86
os regressistas (futuro Partido Conservador), ambos dominaram o governo brasileiro durante
todo Período Monárquico, ou seja, até 1889.
Disponível em: <http://www.imprensaabc.com.br/opiniao/jose-odair-da-silva-
sorrentino/caramurus-chimangos-e-farroupilhas/#.W613eddKjIU>. Acesso em: jan. 2019.

No caso em questão, a Regência Trina Permanente procurava manter no po-


der a corrente moderada, cuidando para que houvesse um equilíbrio representati-
vo entre as principais regiões do país.
Em termos políticos, a segunda regência coloca em prática o programa li-
beral. O Judiciário é reestruturado com a inclusão do Tribunal do Júri. Escolas
de Medicina passam a compor o grau superior de ensino e o Parlamento passa a
ganhar um poder ainda maior com a revisão do mecanismo do Poder Moderador.
O Poder Moderador passou a ser investido em um dos membros da Regência,
que passaria a operar como um árbitro. Medidas como dissolução do Parlamento,
dos mandatos de deputados e concessão de títulos nobiliárquicos não eram mais
permitidos. Além dessas medidas, foi criada uma força armada especial, a Guarda
Nacional que, com o tempo, passou a ganhar mais importância do que o próprio
exército, o que seria, doravante, motivo de crescente e crônica insatisfação.
Não era um momento fácil para a Regência. A situação econômica do Brasil
ainda era bastante delicada e ondas de motins eclodiam, sobretudo, no Rio de
Janeiro. Boa parte dessa agitação tinha como fonte geradora os caramurus (restau-
radores). Nesse ponto, cabe destacar a atuação do tutor do futuro imperador Dom
Pedro II, José Bonifácio.
Bonifácio mantinha-se forte graças às suas relações e prestígio político.
Entretanto, após a morte de Dom Pedro I, essa situação foi sendo progressiva-
mente alterada. Se em um primeiro momento ele vence o embate com o ministro
da justiça (e futuro regente) Padre Feijó que o queria destituído das funções de
tutor, em um segundo não conseguiu resistir a pressão política, sendo finalmente
afastado da tutoria real e colocado em prisão domiciliar na Ilha de Paquetá, sendo
posteriormente absolvido das acusações que lhes foram imputadas.
Outra curiosidade acerca da atuação de Feijó nesse período diz respeito a es-
cravidão. Conhecida como “Lei Feijó” de setembro de 1831 e que estabelecia as
primeiras bases da proibição do tráfico de escravos no Brasil, salvo em condições
específicas. Entretanto, não foi uma lei efetivamente cumprida.

capítulo 4 • 87
SAIBA MAIS
A Lei Feijó, também conhecida como lei de 7 de novembro de 1831 (data de sua promul-
gação), foi a primeira lei a proibir a importação de escravos no Brasil, além de declarar livres
todos os escravos trazidos para terras brasileiras a partir daquela data, com duas exceções:
“Art. 1o. Todos os escravos, que entrarem no território ou portos do Brasil, vindos de
fora, ficam livres. Excetuam-se: 1o. Os escravos matriculados no serviço de embarcações
pertencentes a país, em que a escravidão é permitida, enquanto empregados no serviço das
mesmas embarcações. 2o. Os que fugirem do território, ou embarcação estrangeira, os quais
serão entregues aos senhores que os reclamarem, e reexportados para fora do Brasil.”
A lei estabelecia multas aos traficantes, além de oferecer um prêmio em dinheiro a quem
denunciasse o tráfico:
“Art. 2o. Os importadores de escravos no Brasil incorrerão na pena corporal do art. 179
do Código Criminal imposta aos que reduzem à escravidão pessoas livres, e na multa de
200$000 por cabeça de cada um dos escravos importados. Art. 5o. Todo aquele, que der
notícia, fornecer os meios de se apreender qualquer número de pessoas importadas como
escravos, ou sem ter precedido denúncia ou mandado judicial, fizer qualquer apreensão desta
natureza, ou que perante o Juiz de Paz, ou qualquer autoridade local, der notícia do desem-
barque de pessoas livres, como escravos, por tal maneira que sejam apreendidos, receberá
da Fazenda Publica a quantia de trinta mil réis por pessoa apreendida.
Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/
Lei_Feij%C3%B3>. Acesso em: jan. 2019.

No embate entre as forças liberais e conservadoras, um projeto de reforma à cons-


tituição fora pensado em 1831. Nesse sentido, foram pensadas estratégias que possibi-
litassem maior autonomia às províncias e a extinção de poder de veto do imperador,
fortalecendo ainda mais a posição e o papel do Parlamento. Dentre as propostas cons-
tavam também o fim do mandato vitalício dos senadores, algo que não foi conseguido.
Somente três anos depois, por intermédio de Bernardo de Vasconcelos, o Ato
Adicional de 1834 consegue estabelecer na prática parte do programa liberal. A prin-
cipal alteração seria a eleição para uma regência una. Cria também as Assembleias
Legislativas nas províncias, dá fim ao Conselho de Estado e estabelece o Rio de Janeiro
como “município neutro”, que seria administrado diretamente como sede da corte.
A partir de 1835, com as novas eleições, começa a vigorar o mandato úni-
co para regente. O escolhido foi o Padre Antônio Diogo Feijó que recupera seu

capítulo 4 • 88
prestígio político após ter se demitido da pasta de justiça na regência anterior,
em face das suas discordâncias e do ostensivo combate político aos conservadores
regressistas e, em especial a José Bonifácio.
Apesar de tentar apaziguar as revoltas internas e equilibrar o jogo político,
atendendo aos desejos das forças aristocráticas que compunham o Parlamento,
teve acirrada oposição, sobretudo do que seria o futuro Partido Conservador, nas-
cido da fusão entre os liberais moderados e os restauradores, que estavam sem sua
principal bandeira política após a morte de Pedro I, em Portugal. De certo modo,
Feijó acompanhou a onda do fortalecimento do Parlamentarismo, dando conti-
nuidade às políticas de descentralização administrativa e autonomia governativa
para as províncias. Enfrentou a um só tempo a oposição tanto dos comerciantes
portugueses quanto dos grandes proprietários rurais.

CONCEITO
O Parlamentarismo é um sistema de governo no qual o mesmo é conduzido pelo Par-
lamento por meio da escolha de um primeiro-ministro que, via de regra, é o responsável pela
montagem de um gabinete executivo.

Mas no campo da sociedade, sua regência foi a mais abalada pelas grandes
revoltas que surgiram a partir de 1835. Se até o momento a Regência lutou con-
tra manifestações esporádicas, agora as revoltas e levantes ganharam forma e um
programa político com contornos mais bem definidos, perpassando inclusive o
próprio tempo de mandato do regente.
A primeira revolta a estourar foi a Cabanagem, na província do Grão-Pará
e durou cinco anos, de 1835 a 1840. Se considerarmos o mapa político atual, a
província compreenderia os estados do Amazonas, Pará, Roraima, Rondônia e
Amapá. Desde o início do processo de independência do Brasil o Grão-Pará esta-
beleceu um acirrado núcleo de resistência, mantendo-se fiel a Lisboa e levando a
necessidade de uma intervenção armada para que compusesse o novo império, o
que aconteceu apenas no ano seguinte à proclamação, em 1823.
Podemos dizer que a Cabanagem foi uma revolta complexa. Assim como em
outros momentos da história da humanidade, a luta das classes populares e margi-
nalizadas foi encampada parcialmente pelas elites locais, como estratégia de pres-
são pelo atendimento dos seus próprios interesses.

capítulo 4 • 89
Nesse tempo, as elites do Pará disputavam acirradamente a ampliação das
suas terras e da sua autonomia política. A falta de atenção política por Pedro I à
província foi praticamente continuada nas regências. Esse tipo de comportamento
acabou afetando de maneira mais direta e contundente as populações mais pobres,
os cabanos, compostos por brancos pobres, quilombolas e ribeirinhos.
Para piorar a situação, desde 1833 o então governador Bernardo Lobo de
Souza governava a província com mãos de ferro, combatendo ferozmente qual-
quer tipo de oposição. Dois anos depois, o motim que daria início à Cabanagem,
sob a liderança dos fazendeiros Félix Clemente Malcher e Francisco Vinagre cul-
mina com a execução do governador.
Com o poder nas mãos, a Cabanagem tem episódios com reviravoltas sur-
preendentes. Apesar do fortalecimento após assumir a presidência da província,
Félix Malcher se vira contra o movimento e passa a tentar estabelecer o mesmo
comportamento do governo recém-derrubado, sobretudo por mandar prender
um dos principais líderes populares dos cabanos, Eduardo Angelim. Malcher aca-
ba morto pela resistência, passando o poder a ser ocupado por Francisco Vinagre.
Este tenta mediar uma solução para a rendição do movimento, desde que
fossem atendidas as reivindicações fundamentais como anistia geral, melhoria da
qualidade de vida dos cabanos e maior atenção política por parte do governo cen-
tral. O governo regencial, no entanto, simula o acordo que no final culmina com
a prisão de Francisco Vinagre.
Recomeçam as hostilidades agora sob a condução do irmão do presidente
preso, Antônio Vinagre. O Palácio de Belém é tomado e Eduardo Angelim se
torna presidente não mais de uma província do império, mas de um governo re-
publicano independente. Como todo movimento heterogêneo, as lutas e os desen-
tendimentos internos facilitaram sobremaneira o combate pelas forças legalistas.
O governo regencial manda abrir guerra total aos cabanos em 1836, levando ao
progressivo enfraquecimento e dispersão até os anos de 1840. O conflito dizimou
cerca de 40% dos habitantes da província.
Outra revolta de grandes proporções que também fora iniciada ainda em 1835 foi a
Revolução Farroupilha, também conhecida como “Guerra dos Farrapos”. Diferente da
Cabanagem, a Farroupilha foi conduzida praticamente de modo exclusivo pelas elites
gaúchas, compostas pelos grandes proprietários de terras, os estancieiros que dominavam
as duas principais atividades econômicas da região, a agricultura e a criação de gado.
No cerne desse processo tínhamos uma mistura de fatores que vão desde a
tensão pela intensa militarização da região, tendo em vista as disputas territoriais

capítulo 4 • 90
constantes com a Colônia do Sacramento, passando pela insatisfação crescente
com o aumento de impostos sobre a carne e os subprodutos do gado como o cou-
ro e o sebo e culminando com as hostilidades ao poder central, sobretudo após a
nomeação de Antônio Rodrigues Fernandes Braga como presidente da província,
objeto de discordância por parte dos gaúchos. Podemos acrescentar nesse processo
a permeabilidade das ideias republicanas na região.
O movimento durou dez anos, de 1835 a 1845. De início, as forças rebeldes
não passavam de duas centenas. Mas no ano seguinte, o comandante da Guarda
Nacional no Sul, Bento Gonçalves, se tornara um dos ícones do movimento,
marchando para Porto Alegre em 1836, tomando a cidade e proclamando na
Assembleia Provincial a “República do Piratini”.
O governo central reage com a nomeação do Visconde do Rio Grande como
presidente da província e com intenso combate aos revoltosos. Bento Gonçalves é
preso e enviado para a Bahia, mas consegue fuga em 1837 e retorna ao cenário de luta
como presidente da República do Piratini. Nesse momento, os revoltosos passam a
contar com um ícone histórico da luta revolucionária mundial, Giuseppe Garibaldi.

PERSONAGEM
Conhecido como “herói de dois mundos” por ter participado de conflitos na Itália e na
América do Sul, dedicou sua vida à luta contra a tirania. Foi condenado à morte e fugiu para
a América do Sul, desembarcando no Rio de Janeiro em 1835. Logo, porém, segue para o
Rio Grande do Sul e se junta aos republicanos da Revolução Farroupilha. Juntamente com o
general Davi Canabarro, tomou o porto de Laguna, em Santa Catarina, onde proclamaram a
República Juliana. Em Laguna, Garibaldi conheceu Ana Maria de Jesus Ribeiro, com quem
se casaria. Ela se tornou sua companheira de lutas na América do Sul e na Europa e entrou
para a história com o nome de Anita Garibaldi. Pouco antes do fim da Guerra de Farrapos,
foi dispensado por Bento Gonçalves de suas missões e mudou-se para o Uruguai. Naquele
país, em 1842, foi nomeado capitão da frota uruguaia na luta contra o ditador argentino Juan
Manoel Rosas. Em 1848, Garibaldi voltou à Itália para combater os exércitos austríacos na
Lombardia (norte da Itália) e dar início à luta pela unificação italiana. Lutou ainda a favor dos
franceses na Guerra Franco-Prussiana de 1871. Morreu em 1882 em sua casa humilde na
Ilha de Caprera após recusar pensão vitalícia dada pelo Rei do Piemonte Vitor Emanuel II.
Disponível em: <https://educacao.uol.com.br/biografias/giuseppe-garibaldi.htm>.
Acesso em: jan. 2019.

capítulo 4 • 91
Com sua entrada o movimento passou a ganhar ainda mais força, pressio-
nando o governo central e se tornando um ingrediente decisivo para o pedido
de renúncia de Feijó. Em 1839, Garibaldi e Davi Canabarro tomam a cidade de
Laguna, em Santa Catarina, e fundam a “República Juliana”, confederada ao mo-
vimento republicano do Rio Grande do Sul.
O conflito só conseguirá ser definitivamente derrotado já no reinado de Pedro
II, com ação militar de Luiz Alves de Lima e Silva, o futuro Duque de Caxias,
que passou a comandar as tropas imperiais. Entretanto, o movimento conseguiu
uma paz relativamente vantajosa, com devolução das terras perdidas pelos grandes
proprietários durante a guerra, anistia irrestrita, libertação dos soldados escravos,
diminuição dos impostos e maior autonomia da Assembleia local.

MULTIMÍDIA
O Tempo e o Vento
2013 – Downtown Filmes (2h07’)
Rio Grande do Sul, final do século XIX. As famílias Amaral e Terra-Cambará são inimigas
históricas na cidade de Santa Fé. Quando o sobrado dos Terra-Cambará é cercado pelos
Amaral, todos os integrantes da família são obrigados a defender o local com as armas que
têm à disposição. Esta vigília dura vários dias, o que faz a comida se tornar escassa. Entre
eles está Bibiana (Fernanda Montenegro), matriarca da família que recebe a visita de seu
falecido esposo, o capitão Rodrigo (Thiago Lacerda). Juntos eles relembram a história não
apenas de seu amor, mas de como nasceu a própria família Terra-Cambará.
Disponível em: <http://www.adorocinema.com/filmes/filme-204404/>.
Acesso em: jan. 2019.

Também em 1835 estoura na Bahia uma rebelião de escravos, conhecida


como Levante do Malês. Esse nome deriva do termo “imale” que em ioruba sig-
nifica “muçulmano”, pois os escravos envolvidos eram todos de religião islâmica.
Cerca de 1500 escravos iniciaram a revolta contra as forças militares, tendo como
principais objetos de luta a liberdade religiosa, o fim dos abusos físicos e sexuais
por parte dos senhores de escravos, das péssimas condições de vida a que eram
submetidos os escravos e, portanto, o fim da instituição escravista.

capítulo 4 • 92
A rebelião foi duramente massacrada pelo exército e pelas forças policiais do impé-
rio, resultando em grande número de mortos e de centenas de condenados a trabalhos
forçados e castigos físicos. Isso se explica também pelo fato de os revoltosos só por-
tarem armas cortantes, enquanto as forças imperiais combatiam com armas de fogo.
Ainda no Período Regencial tivemos mais duas grandes revoltas, a Sabinada
(1837/38) na Bahia e a Balaiada no Maranhão (1838/41). A Sabinada ganhou essa
denominação em função de seu principal líder o médico Francisco Sabino. A revolta
não foi propriamente separatista, ainda que com o sucesso do levante com a tomada
de Salvador, tenha proclamado a “República Bahiense”. Entretanto, a autonomia
seria apenas na duração do Período Regencial que era, na verdade, o grande foco da
insatisfação. Com o reinado de Pedro II, tudo voltaria como era antes.
A revolta não encampava a causa escravista nem tampouco pleiteava mudan-
ças significativas na base econômica. A pauta comum às demais revoltas se restrin-
gia à autonomia provincial, algo que encontrava eco no republicanismo e, con-
sequentemente, ao recrutamento de soldados baianos de modo obrigatório para
combater os revoltosos da Guerra dos Farrapos. As tropas legalistas conseguiram
rapidamente sufocar a revolta, levando seus líderes às penas de morte e degredo.
Entre condenados à prisão e os que foram executados, estima-se algo em torno de
cinco mil pessoas, um número significativo para a região.
A Balaiada, por sua vez, teve a peculiaridade de ser uma revolta marcadamente
popular. Ainda que contasse com o apoio dos “bem-te-vis”, a elite liberal da região,
não foi dirigida por ela, como nas demais revoltas. Isso talvez explique a dificuldade
de organização do movimento, que carecia de lideranças mais nítidas e de estrutura
de ação. Entretanto, essas dificuldades foram compensadas com a estratégia de esca-
ramuças contra as forças legalistas, combatendo-as de modo análogo às guerrilhas.
A revolta recebe essa denominação devido a um tipo de cestos, os balaios, que
eram produzidos pela população mais pobre na região. Compunham as fileiras
dos balaios ex-escravos, escravos, agricultores e artesãos pobres, além de vaqueiros
e pequenos comerciantes. A crise local causada pelo crescimento da cultura do
algodão nos Estados Unidos, que praticamente levou a cultura local à estagnação,
contribuiu ainda mais para a já alarmante pobreza.
Sem solução alternativa, as forças da regência combateram duramente os ba-
laios, vencendo-os definitivamente em 1841. Apesar de Dom Pedro II anistiar os
revoltosos, muitos já haviam morrido em combate ou por condenação como o
ex-escravo Cosme Bento e o vaqueiro Raimundo Gomes.

capítulo 4 • 93
E é com esse conjunto turbulento de revoltas que se encerra o último ciclo
do Período Regencial brasileiro. Com a saída do Padre Feijó, em 1837, assume
interinamente em seu lugar Pedro de Araujo Lima que, no ano seguinte assumiria
de modo permanente a última regência permanente.
Além das lutas contra as revoltas, podemos destacar nesta regência um projeto
de estruturação de uma identidade para o Brasil. Essa preocupação teve por con-
sequência a criação de três instituições contemporâneas, uma ligada à memória
documental com o Arquivo do Império, outra à identidade histórico-social com a
fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o IHGB e uma institui-
ção referencial de ensino, o Colégio Pedro II.
Conservador, Pedro II, aumentou ainda mais a centralização do poder em
detrimento da autonomia provincial, o que potencializou ainda mais as revoltas
locais, levando a uma reação liberal no Congresso, cuja consequência foi a anteci-
pação da maioridade do imperador.

A maioridade e o governo de Dom Pedro II

Na verdade, os liberais não eram contra a centralização do poder. De fato, viam


na figura de um novo imperador a estabilidade necessária para um país dividido
em projetos díspares de políticas que oscilavam do republicanismo ao recrudesci-
mento de tendências centralizadoras fora dos planos de prosseguimento dinástico.
Assim, os liberais no Parlamento organizaram o movimento que recebeu, pelos
seus adversários, o apelido de “Golpe da Maioridade”. De fato, Pedro de Alcantara
contava com apenas 15 anos de idade. Liderados por Antônio Carlos de Andrada
e Silva, o Clube da Maioridade tornou-se uma organização política com crescente
poder de influência, cujo objetivo era a mudança da exigência constitucional dos
21 anos para que o governante assumisse o poder. Com o sucesso da manobra,
afastava-se o fantasma da fragmentação republicana e iniciava-se um novo ciclo da
política nacional, o reinado do agora coroado Dom Pedro II.
Do ponto de vista político, o reinado de Pedro II vai mexer na estrutura de go-
verno, transformando-o em uma Monarquia Constitucional Parlamentar. Com isso,
o imperador deixa de possuir o Poder Executivo que, doravante, estaria nas mãos do
presidente do Conselho de Ministros, órgão igualmente criado pela Coroa. Mas as
semelhanças com o modelo inglês, que inspirou a reforma, param por aqui.

capítulo 4 • 94
SAIBA MAIS
Com a Revolução Gloriosa de 1688, o futuro governante Guilherme de Orange assinou
um tratado que estabelecia a fórmula que passou a caracterizar a monarquia britânica: “O rei
reina, mas não governa”. Na prática, era a instalação da Monarquia Constitucional Parlamen-
tarista, em que o rei passa a encarnar a soberania da nação, atuando como conselheiro e
participando de modo tangencial do governo, que é conduzido pelo parlamento por meio de
seu primeiro-ministro e de seu gabinete.

O imperador continuava portador do Poder Moderador que, na prática, lhe


conferia amplos poderes para constituir e destituir o Conselho, ao qual também
tinha a prerrogativa de escolha do seu presidente. Era um mecanismo que garantia
a governabilidade com um grau democrático, mas com a estreita vinculação entre
a “vontade do povo” e a “vontade do imperador” que, teoricamente, seria seu
maior representante e porta-voz.
Em função dessas peculiaridades, o sistema brasileiro ficou conhecido como
“Parlamentarismo às Avessas”, pois em outras monarquias constitucionais a base
de constituição de um presidente era o sufrágio parlamentar e era a quem o eleito
prestava contas politicamente.
Em verdade, Dom Pedro II ao longo dos seus 49 anos de governo conseguiu
equilibrar-se entre as forças divergentes da política brasileira, tendo por base uma
ampla e capilarizada rede de favorecimentos, sobretudo, para as elites agrárias.
Obras, melhorias e fisiologismo faziam parte desse conjunto de práticas que, com
o tempo, foram sendo minadas pela própria guinada do imperador rumo a outra
base política de sustentação. Entretanto, a virada liberal de Pedro II não foi capaz
de fazer frente ao Poder Conservador que, aquela altura, já havia paradoxalmente
se aliado aos ideais republicanos.
Para aumentar a arrecadação e constituir um melhor fluxo financeiro para o im-
pério, Dom Pedro II autoriza a instituição de uma nova política aduaneira, a Tarifa
Alves Branco, em 1844. Ela estipulava que todos os produtos importados, que tives-
sem similares nacionais, fossem sobretaxados em 60% e os que não tinham similares
produzidos no Brasil, 30%. Essa medida desagradou as elites urbanas, comerciantes
e importadores, mas foi duplamente importante, pois não só garantiu um aporte de
recursos aos cofres públicos como também, de modo indireto, proporcionou cresci-
mento e incremento de setores manufatureiros e industriais nacionais.

capítulo 4 • 95
Mas era o setor agrário-exportador o principal elemento da economia nacio-
nal. Até o final do século XVIII, a agricultura da cana no Nordeste constituiu
não só o principal produto como também a elite política do país. Com o ciclo do
ouro e os breves surtos de exploração de outros gêneros extrativistas, o declínio
econômico progressivo do Nordeste foi contrastado com o deslocamento do eixo
de poder, brevemente para a Região Norte, e fortemente para o Sudeste.
No caso do Sudeste a queda do ritmo da exploração do ouro não gerou neces-
sariamente uma mudança da geografia econômica. Com o consumo do café au-
mentando no exterior e, consequentemente sua demanda, as terras férteis e apro-
priadas do Vale do Paraíba foram sendo ocupadas para o cultivo. Rapidamente
forma-se uma nova e poderosa elite econômica em ascensão.
As condições eram apropriadas. Havia investimento governamental por meio
de créditos. As terras eram baratas ou até mesmo gratuitas, e a abundância do
braço escravo garantia o bom andamento do negócio. Apesar de ser uma cultura
fértil (um cafezal pode render cerca de 20 anos ininterruptos de produtividade) o
ocaso de uma lavoura tem um forte impacto na esterilidade do solo. Desse modo,
chegando ao último quarto do século XIX, as áreas de cultivo e sua respectiva elite
produtora deslocam-se para o Oeste Paulista.
A escravidão foi um tema complexo em todo o reinado de Pedro II. Por um
lado, era a base da economia local. Além disso, os traficantes de escravos eram
íntimos aliados do império, menos pelo prestígio e mais pelas riquezas que dispu-
nham, sendo um dos poucos segmentos a possuir liquidez financeira. E não foram
poucas as vezes que o imperador recorreu à “liquidez” dos traficantes sob forma de
doações. Mas por outro lado, havia pressão cada vez maior por parte da Inglaterra
e pelos demais países europeus que passaram pela transição das relações mercan-
tilistas para o tipo de capitalismo promovido pelas fases iniciais da Revolução
Industrial, para que uma relação antieconômica como o escravismo ensejasse uma
mudança para a formação de mercados consumidores.
Entretanto, não só de interesses econômicos era composta a cruzada contra a
escravidão. Com os avanços do pensamento científico tanto nas ciências da natu-
reza quanto nas humanidades e, sendo o imperador um homem de letras, erudito
e respeitado pensador nos mais diversos grupos de notáveis na Europa, sua posição
de promotor desse tipo de exploração o colocava sempre na berlinda dos ques-
tionamentos, aos quais aos poucos tentava se esquivar ou justificar com medidas
paliativas. No fundo sabia bem o peso que o rompimento das relações escravistas
significava para a sua própria sustentação no poder.

capítulo 4 • 96
A família real poderia até ser particularmente contrária escravidão, mas sabia
que seu próprio poder vinha da manutenção do braço cativo. Era uma equação
complexa que não seria facilmente solucionada. Porém, as pressões começam a
forçar o surgimento de soluções e elas também não tinham o viés humanitário.
Com a Tarifa Alves Branco em 1844, a Inglaterra seria prejudicada com as
sobretaxas dos produtos vendidos ao Brasil. Tal medida contrariava os privilégios
conseguidos desde a abertura dos portos, ainda no governo de Dom João VI.
Em resposta, os ingleses aprovaram unilateralmente uma lei que abolia o tráfico
negreiro no Atlântico e que dava a si próprios o poder de aprisionar os navios que
continuassem a praticar a atividade. De fato, uma represália econômica ao Brasil,
já que o modelo escravista do sul dos Estados Unidos era menos dependente do
fluxo contínuo de mão de obra, pois seu sistema se estruturava também na repro-
dução vegetativa dos escravos.
Assim, o imperador usa seu peso político e pessoal para a aprovação da Lei
Eusébio de Queiroz em 1850, que proibia o tráfico de escravos, acompanhando a lei
inglesa de 1845, o Bill Aberdeen. Entretanto, a medida não colocaria fim à escravi-
dão, apenas tornaria mais caro o braço escravo. Se o tráfico externo continuaria sob
a forma do contrabando (que torna o comércio mais caro e arriscado), era no tráfico
interno que os cafeicultores buscariam uma parte da solução. Assim, começa o fluxo
de compras dos escravos vindos das elites agrárias decadentes do Nordeste.
A outra solução seria uma política de incentivo à imigração europeia. Ela acon-
tece em surtos, sendo o primeiro ainda no reinado de Pedro II e o segundo já nas
primeiras décadas da República. Em ambos os casos, eram vistos como solução para
a necessidade de mão de obra com a restrição e o fim da escravidão, respectivamen-
te. E ambos sofreram os mesmos problemas como o tratamento aos imigrantes em
condições de endividamento e exploração que os colocavam em situação análoga a
de um escravo com uma diferença: isso gerava questionamentos internacionais.
De fato a questão escravista era difícil. Séculos de escravidão naturalizaram as
condições de exploração e preconceito, e a presença do cativo era disseminada no
campo e na cidade, até mesmo para que pudessem comprar apenas um. A escravidão
no campo e nas minas era uma velha conhecida. Porém, com o desenvolvimento
econômico do século XIX e o crescimento das cidades, passou a ser comum a pre-
sença de escravos como criados de casas, transportadores e até mesmo usados ou
alugados para tarefas comerciais e prestação de serviços. Ter um escravo, também,
era sinal de prestígio e distinção. Ou seja, se por um lado a família imperial se enver-
gonhava da escravidão, por outro a sociedade a tinha como um patrimônio.

capítulo 4 • 97
E isso se refletiu nas leis tímidas que tentaram, sem ferir de morte a base de
sustentação do império, amenizar o problema da escravidão. A primeira foi a Lei do
Ventre Livre, de 1871. Teoricamente, filhos e filhas de escravos nasceriam livres. Mas
como seriam “sustentados” pelos proprietários até a idade adulta, teriam que “com-
pensar o investimento” com o trabalho compulsório. Na prática, nada mudara na
condição de escravo. Mais adiante, outra lei de efeito praticamente nulo foi adotada.
A Lei dos Sexagenários, de 1885, dava liberdade aos cativos com mais de
sessenta anos. Nesse caso temos dois problemas. O primeiro, pelo fato de poucos
negros, sobretudo os das lavouras, alcançarem essa longevidade e o segundo, pelo
que a lei se tornou para os proprietários, praticamente um benefício, pois descarta-
vam os escravos improdutivos sem a obrigação de lhes assistir com sustento. Mais
uma vez uma medida que beneficiou apenas um dos lados.
Contudo, não só de remendos vivia a luta contra a escravidão. A família impe-
rial abrira exemplarmente mão dos seus e passou a ter na figura da Princesa Isabel
a voz pública que não poderia ecoar abertamente da boca do imperador. Assim,
o movimento abolicionista ganha terreno e tem conquistas importantes como a
abolição da escravidão no Ceará e no Amazonas, ainda no ano de 1885. Três anos
depois a própria princesa, governando como regente no lugar de Pedro II que se
encontrava no exterior tratando de sua saúde (o que também é interpretado pela
historiografia como um “afastamento estratégico”), assina em 1888 a Lei Áurea,
pondo fim definitivo à escravidão no Brasil.
Ao longo do seu governo, Dom Pedro II preocupava-se em implementar melho-
rias urbanísticas e industriais. Entretanto, seu maior aliado nesse processo foi Irineu
Evangelista de Souza, o Visconde de Mauá. Ele e o imperador tinham a visão clara
acerca da necessidade de fazer o Brasil avançar no mesmo compasso do restante das
nações industrializadas. Mas como seria possível fazê-lo em uma nação escravocrata e
rural? A resposta veio pelo próprio protagonismo de Mauá, com negócios diversifica-
dos e espalhados pelo território nacional, que persuadia pelo exemplo de pioneirismo,
tentando infundir um senso de oportunidade sobretudo para os capitais estagnados
das elites decadentes, que vinham sofrendo com declínio do comércio escravista.
Entretanto, Mauá fora vítima da concorrência progressiva do Estado.
Ironicamente, as vantagens que possuía em seus negócios pioneiros foram gra-
dativamente sendo minadas pelo crescimento da ação concorrencial do governo,
sobretudo no sistema bancário. Falido e politicamente combatido pelas forças
conservadoras, Mauá sucumbiria a diabetes, mas deixou um legado considerável
de ações empreendedoras no Brasil do século XIX.

capítulo 4 • 98
AUTOR
Irineu Evangelista de Sousa, Visconde de Mauá (Arroio Grande, 28 de dezembro de
1813 – Petrópolis, 21 de outubro de 1889), foi um comerciante, armador, industrial e ban-
queiro brasileiro. Ao longo de sua vida foi merecedor, por contribuição à industrialização
do Brasil no período do Império (1822-1889), dos títulos nobiliárquicos, primeiro de Barão
(1854) e depois de Visconde de Mauá (1874). Foi pioneiro em várias áreas da economia do
Brasil. Dentre as suas maiores realizações, encontra-se a implantação da primeira fundição
de ferro e estaleiro no país, a construção da primeira ferrovia brasileira, a estrada de ferro
Mauá na cidade de Magé, no atual estado do Rio de Janeiro, o início da exploração do Rio
Amazonas e afluentes, bem como o Guaíba e afluentes, no Rio Grande do Sul, com barcos
a vapor, a instalação da iluminação pública a gás na cidade do Rio de Janeiro, a criação do
terceiro Banco do Brasil (o primeiro, de 1808, concretizou em 1829 a possibilidade existente
em seu estatuto de se dissolver ao final de 20 anos), e a instalação do cabo submarino tele-
gráfico entre a América do Sul e a Europa.

Na política externa, ao contrário dos insucessos de seu pai na região do Prata,


Dom Pedro II se sai bem-sucedido em duas grandes ações militares, que passam a
dar ao Brasil a condição de potência hemisférica e ajudando a consolidar o proces-
so de pacificação dos conflitos internos.
A primeira ação foi novamente na região do Prata. Os presidentes da Argentina
(Juan Manuel de Rosas) e do Uruguai (Manuel Uribe) pretendiam unir os dois
países constituindo uma só nação que teria o controle absoluto do estuário do
Prata. A região era objeto de disputas e ambições antigas por parte primeiro dos
portugueses e depois do governo brasileiro, com conflitos que atravessaram os
tempos coloniais até chegar ao império. Desse modo, Pedro II declara guerra a
ambos os países, tendo a frente do seu exército o Conde de Caxias (futuro Duque),
que em 1851 invade o Uruguai e derruba Uribe, pondo fim à possibilidade de
alianças com a Argentina. Em 1864, o Brasil voltaria a invadir o Uruguai a fim de
estancar as ameaças fronteiriças e auxiliar na derrubada do presidente nacionalista
Anastasio Aguirre. Mais uma vez, o Brasil foi bem-sucedido na missão, completa-
da com a subida de Venâncio Flores ao poder.
No entanto, a queda de Aguirre não deixaria de ter suas marcas. Ele era aliado
de outro governante com pretensões expansionistas, Solano Lopes, do Paraguai, que
via com grande interesse uma possibilidade de aliança para uma saída no estuário

capítulo 4 • 99
do Prata. Entretanto, vinha se preparando para planos maiores. Seu propósito era
a constituição de uma grande nação com territorialidade que abrangeria parte da
Argentina (Corrientes e Entre-Rios), o Mato Grosso e o Uruguai que agora caíra em
mãos adversárias. Esses planos vieram acompanhados de um investimento pesado
em tecnologia bélica e ampliação de tropas e equipamentos de combate.
Lopes inicia as hostilidades contra o Brasil, com o aprisionamento do vapor
“Marquês de Olinda” no porto de Assunção, levando à prisão (e sua respecti-
va morte) do governador da província do Mato Grosso Frederico Carneiro de
Campos. Pouco tempo depois, começam as invasões no território brasileiro e ar-
gentino visando atingir o Rio Grande do Sul e, consequentemente, o Uruguai.
Essas ações levaram ao estabelecimento da Tríplice Aliança entre Brasil, Argentina
e Uruguai, dando início ao maior conflito bélico da América do Sul, com duração de
1864 a 1870. A derrota custou caro ao Paraguai. Com perdas estimadas em popula-
ção e território, além de pesadas reparações e indenizações de guerra, passou de um
dos países mais promissores a um dos mais atrasados das Américas.
Após a Guerra do Paraguai, o reinado de Pedro II passou a gozar de relativa
tranquilidade no cenário internacional, abrindo caminho para maior estabilidade
interna e prosperidade econômica. Mas era um momento paradoxal. Se por um
lado o Império caminhava para o seu apogeu, por outro trilhava esse caminho
beirando um precipício no qual acabaria escorregando, ou nele sendo atirado.

ATIVIDADES
01. Sobre o Poder Moderador é correto afirmar que
a) Possibilita ao imperador nomear os deputados e controlar o Judiciário.
b) Possibilita ao imperador escolher o Presidente do Conselho de Estados, nomear o Con-
selho e os representantes do Senado.
c) Possibilita ao imperador apenas nomear senadores não vitalícios.
d) Possibilita ao imperador governar sem a existência dos demais poderes.
e) Possibilita ao presidente do Conselho de Estado governar em lugar do imperador.

02. Frei Caneca foi um caso icônico da grande influência dos religiosos nas questões políti-
cas do Império. Sobre essa relação, é correto afirmar que
a) No Padroado, o imperador tinha maior poder de interferência nas questões da Igreja no
Brasil, mas também abria a possibilidade de maior concentração política nas mãos de
clérigos, já que as eleições se realizavam também nas paróquias.

capítulo 4 • 100
b) No Padroado, o imperador se torna o chefe da Igreja Católica brasileira, fato que ensejou
o rompimento com o papado romano e a inclusão dos clérigos na folha de pagamento
dos funcionários públicos.
c) No Padroado, o imperador e a Igreja se abstêm das questões referentes às eleições,
tarefa exclusivamente desempenhada pelo presidente do Conselho de Estado, por meio
do seu ministério.
d) No Padroado, as eleições são exclusivamente organizadas pela Igreja, ficando o impera-
dor apenas nos cuidados e nas observâncias do regimento canônico quanto à exigência
do atestado de cristandade dos candidatos.
e) No Padroado, ser cristão deixa de ser uma exigência para se candidatar a algum cargo
eletivo. Era necessário apenas o juramento de fidelidade ao imperador.

03. Dentre os acontecimentos que contribuíram diretamente para a antecipação da maiori-


dade de Pedro II e o fim do Período Regencial, podemos apontar
a) A Guerra do Prata e a Guerra do Paraguai.
b) A criação do Colégio de Pedro II e a criação do IHGB.
c) As revoltas como a Cabanagem, Sabinada, Balaiada, Farroupilha e Malês.
d) A ameaça do retorno de Dom Pedro I ao governo brasileiro.
e) O fato de o Brasil já se encontrar dividido em diferentes repúblicas autônomas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHALLOUB, Sidney. Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte.
São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998.
CARVALHO, José Murilo de. Nação e cidadania no império: novos horizontes. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2007.
MOTA, Carlos Guilherme. Brasil em perspectiva. São Paulo: Bertrand Brasil.

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capítulo 4 • 102
5
A República
brasileira
A República brasileira
O final do Período Imperial brasileiro foi marcado por controvérsias. As ques-
tões relacionadas à opção de Dom Pedro II em avançar para uma agenda liberal, o
fim da escravidão, a perda da base das oligarquias e os problemas relacionados ao
exército e à Igreja levaram a um inusitado quadro de deposição da família real, justa-
mente em um momento de maior estabilidade, prosperidade e paz interna e externa.
Esse paradoxo se amplifica quando verificamos que o golpe militar que deu
origem à República brasileira não foi um movimento popular. Ao contrário, foi
uma reação conservadora. As estruturas econômicas e políticas foram mantidas
intactas e levaria certo tempo até que as forças republicanas pudessem reequilibrar
a balança e trazer para o país uma agenda de desenvolvimento.
Assim, o Período Republicano pode ser compreendido a partir de alguns
recortes específicos. Começamos pelo golpe que aliou as elites conservadoras e
o exército. De início, os governos de Deodoro e os marechais do exército, mas
em pouco tempo ocorreu o revezamento de Minas e São Paulo no poder com a
República do Café com Leite, passando para a Revolução Nacionalista dos anos
trinta, o trabalhismo e o desmonte deste por um novo golpe militar até que o país
novamente vivenciasse um novo despertar democrático. E essa página, por ora,
ainda se encontra em aberto.

OBJETIVOS
•  Analisar o processo de transição do Império para a República, identificando as forças polí-
ticas que promoveram o golpe na Monarquia e seus interesses;
•  Compreender o jogo de forças que compuseram a República em suas diferentes fases,
suas realizações, contradições e características;
•  Identificar os principais marcos que caracterizaram a república brasileira relacionando-os
ao contexto continental e internacional.

Passagem da Monarquia à República

No reinado de Pedro II, as forças políticas aglutinavam-se basicamente em


dois grandes “partidos”, o Conservador e o Liberal. Entretanto, ambos eram

capítulo 5 • 104
igualmente compostos pelas elites, com uma agenda de interesses bastante se-
melhante. Assim, o que os diferenciava era geralmente uma questão de origem
geográfica ou ainda pela atividade econômica a que estão vinculados. Entretanto,
na preocupação comum estava a manutenção das estruturas sociais que vinham
promovendo o frágil equilíbrio do imperador no poder.
Após a Guerra do Paraguai, Dom Pedro II estava em situação relativamen-
te tranquila. A última revolta, a Praieira (1848-1850), de caráter provincial em
Pernambuco, já havia sido debelada e não haveria mais conflitos internos no ho-
rizonte. Com a vitória na campanha paraguaia, D. Pedro II se consolida tanto
regionalmente quanto internacionalmente. Para o povo, a Monarquia ia bem, em
seu ritmo que muitas vezes surpreendia pelas inovações.
As cidades começam a ser urbanizadas, ampliam-se consideravelmente as es-
tradas de ferro. Serviços públicos como a coleta de lixo, a ampliação da distri-
buição de água e esgotamento sanitário, a iluminação a gás e posteriormente a
elétrica, a introdução de novos modais de transporte como ônibus e bondes e de
inovações como o telefone e de navios a vapor, davam certo ar cosmopolita ao
Brasil que, por um lado, desejava almejar o desenvolvimento europeu.
Mas pelo outro lado, ainda lutava contra seus próprios fantasmas e o principal
deles era, sem dúvida, a escravidão. O passo decisivo seria tomado em 1888. Até
então, D. Pedro II equilibrava-se em um fio tênue entre as ações contundentes a
respeito da libertação dos escravos e o atendimento às elites agrárias. Estas, por
sua vez, ainda viam no imperador a garantia da manutenção dos seus interesses. É
provável que a consciência de suas limitações políticas tenha levado o imperador a
uma viagem a Europa para tratamento de saúde.
Com esse movimento, preparava o terreno para a possibilidade do reinado da
Princesa Isabel. Aos poucos, já a deixara como protagonista da política nacional
e traçara meticulosamente a ascensão do Conde d’Eu, esposo da princesa como
herói da Guerra do Paraguai. Mas a cartada decisiva, a que definiria o corte preciso
entre o passado e o presente, era a abolição da escravidão. E coube à princesa arti-
cular essa ação. Em 13 de maio de 1888 estava declarada extinta em todo o Brasil.
Mas nem de longe esse ato era uma unanimidade. Caso tenha agradado aos
olhares mais ilustrados, feriu de morte os interesses dos grandes proprietários de
terras que dali por diante não apenas abandonaram a base política do imperador
como passariam a apoiar as fileiras republicanas.

capítulo 5 • 105
SAIBA MAIS
Apesar do processo de abolição total da escravidão só ter acontecido em 1888, com a
Lei Áurea, as leis do Ventre Livre (lei 2 040, de 1871) e dos Sexagenários (Lei 3 270, de
1885) já previam indenizações dos escravocratas no caso de liberação dos escravos que
eles tinham por posse. A primeira estipulava a liberdade condicionada ao ressarcimento que
o filho do escravo deveria fazer ao seu senhor pelos anos nos quais cresceu em sua proprie-
dade. Em suma, era a liberdade na primeira infância perdida da adolescência à idade adulta.
Já a segunda concedia liberdade para escravos em idade avançada para essa população.
Na prática, uma forma que beneficiava seus senhores, indenizados e com a desobrigação de
amparar o escravo na curva decadente da sua produtividade.

No entanto, não apenas os setores tradicionais alimentavam o movimento


republicano. Os setores urbanos, cada vez mais partícipes das discussões políticas,
começam a desejar também maior representatividade e participação, algo que o
sistema imperial não permitia.
Para completar a situação, a insatisfação do exército, que se considerava prete-
rido com relação à Guarda Nacional e que já havia tido desentendimentos com o
poder central desde a Guerra do Paraguai. E, por fim, questões religiosas devidas
não apenas ao exercício do Padroado, mas pela intromissão do imperador nas
questões próprias do clero.
Mas não era esse cenário de insurgência que o imperador percebia. Acreditava
estar blindado nas forças armadas e sabia que gozava de grande prestígio popular.
Além do mais, o país caminhava bem economicamente. Imigrantes europeus che-
gavam cada vez mais e a industrialização era uma realidade gradual. Ao ser pergun-
tado sobre o crescimento do movimento republicano, não foram raras as vezes que
D. Pedro II acreditava que, na ausência de um novo reinado seria possível, quem
sabe, assumir a presidência do Brasil.
Não havia unanimidade nas forças armadas. A marinha era mais permeável à
defesa da Monarquia, assim como a Guarda Nacional. Caberia ao exército a tarefa
do golpe republicano. O grande problema era o de quem o faria. Não poderia ser
qualquer militar e sim um que teria o respeito e a influência nas tropas para que o
movimento pudesse ter, de fato, coesão. O único nome disponível para tal era o de
Deodoro. Entretanto, a amizade de Deodoro com o imperador dificultava muito
o aceite para encabeçar o movimento.

capítulo 5 • 106
Apenas com muito trabalho de bastidores, nos quais se procurou mexer nos
brios do marechal ao associar ao imperador a concessão de benefícios a um desa-
feto de Deodoro no exército, é que se conseguiu, com certo esforço que ele desse
a cartada final.
Dom Pedro não acreditava no movimento. Pensou que se tratava apenas de
mais uma insatisfação passageira, algo que conseguiria, como sempre, resolver
contemporizando interesses. Tal fato se reflete na decisão de se promover um
grande baile. O motivo oficial seria uma homenagem brasileira aos oficiais do
navio chileno Almirante Cochrane. No fundo, porém, os interesses do Visconde
de Ouro Preto, o grande articulador político do Império, eram bem diferentes.

CURIOSIDADE
Originalmente conhecida como Ilha dos Ratos, com a construção da sede da alfândega
passou a ser denominada “Ilha Fiscal”. Com a forma de um pequeno castelo, o prédio e a ilha
como um todo abrigaram uma portentosa festa do Império. Inicialmente marcada para 19 de
outubro, teve de ser adiada para 9 de novembro em cumprimento do luto à morte do rei Luis I
de Portugal, que era sobrinho de Dom Pedro II. A festa contou com mais de três mil convidados.
Entretanto, não faltaram críticas, pois com o adiamento quase a totalidade do cardápio foi joga-
do fora. Ainda assim, foi uma festa com enormes gastos em decoração e na farta distribuição
de comidas e bebidas. Inclusive, a festa contou com uma inovação, a iluminação elétrica.

Para Ouro Preto e para o imperador, a festa serviria como uma demonstração
de força por parte da Monarquia, na qual sairia fortalecida rumo à transição para o
reinado de Isabel I. Entretanto, os custos da festa não passaram em branco. A opo-
sição republicana criticava duramente nos jornais e nos círculos de discussão sobre o
desperdício e os custos elevadíssimos da festa. No mesmo dia, militares do exército se
reuniam no clube militar para, inclusive, traçar as estratégias do golpe republicano.
Seis dias depois Dom Pedro II era instado a sair do país com todos os seus fa-
miliares. Era o nascimento de um novo governo, a República brasileira. Já a Corte,
especialmente os que possuíam títulos concedidos pelo imperador, não tardaram
a aderir ao novo regime. E ele começa com uma fase conhecida como “República
da Espada”.

capítulo 5 • 107
A República Velha

A “República da Espada” ganha esse nome em função de seus dois primei-


ros governantes, ambos marechais do exército, Deodoro da Fonseca e Floriano
Peixoto. Foram governos com base no ideal positivista, tendo utilizado o uso do
poder pessoal e da força como elementos de manutenção do sistema político.

CONCEITO
O positivismo foi uma doutrina concebida por Auguste Comte no século XIX. Comte en-
tendia que os fenômenos físicos e sociais são derivados de um mesmo processo, regido pela
racionalidade, pela experimentação e por um sentido evolutivo. Desse modo, o positivismo
acreditava que o desempenho das funções de governo deveriam ser realizadas pelos mais
capazes, os que a conduziriam à luz da ciência e da razão, sem as influências do misticismo
religioso. No Brasil, seus dois principais expoentes foram Julio de Castilho e Benjamim Cons-
tant. No bairro da Glória, no Rio de Janeiro, existe uma Igreja Positivista, dedicada ao culto da
deusa Razão. Outra influência positivista bem conhecida está na bandeira republicana, com
as divisas “Ordem e Progresso”.

Como vimos, o golpe republicano contou com a adesão do principal setor econô-
mico do Brasil, a elite cafeeira. Apesar do cenário de relativa estabilidade, o Brasil esta-
va sofrendo os efeitos da Guerra do Paraguai, bem como da elevação dos impostos pro-
movidas pelos últimos gabinetes imperiais, pela corrupção que dava seus sinais mais
aparentes e pela instabilidade promovida pela queda repentina do sistema político.
Um ex-colaborador da Monarquia e agora Ministro da Fazenda, Rui Barbosa,
inspirado em uma prática relativamente comum do mercado financeiro norte-ame-
ricano, acreditava que a emissão de mais papel-moeda poderia favorecer os investi-
mentos no campo e, consequentemente no comércio, o que gradativamente poderia
favorecer o fortalecimento e a ampliação das indústrias no Brasil, já que haveria
capitais excedentes tanto no campo quanto na cidade para esse tipo de investimento.
Entretanto, essa política não surtiu os efeitos esperados, gerando a chamada
Crise do Encilhamento. As consequências foram o aumento da inflação, a especu-
lação financeira, o aumento das empresas fantasmas, gerando uma onda de falên-
cias com desemprego crescente, além de arrocho salarial para os que se mantinham

capítulo 5 • 108
empregados. Frente a esse fracasso, Rui Barbosa é substituído por outro ex-colabo-
rador do império, o Barão de Lucena.
Outro importante momento do governo de Deodoro foi a promulgação de
uma nova Constituição, em 1891. Nesse caso, a contribuição de Rui Barbosa, bas-
tante atuante no processo, era o fim do Poder Moderador e as garantias para que
o poder pessoal ficasse sob o controle dos marcos democráticos e institucionais.

SAIBA MAIS
Os principais pontos da Constituição foram:
– Abolição das instituições monárquicas.
– Os senadores deixaram de ter cargo vitalício.
– Sistema de governo presidencialista.
– O presidente da República passou a ser o chefe do Poder Executivo.
– As eleições passaram a ser pelo voto direto, mas continuou a ser descoberto (não secreto).
– Os mandatos tinham duração de quatro anos para o presidente, nove anos para sena-
dores e três anos para deputados federais.
– Não haveria reeleição de presidente e vice para o mandato imediatamente seguinte,
não havendo impedimentos para um posterior a esse.
– Os candidatos a voto efetivo seriam escolhidos por homens maiores de 21 anos, à
exceção de analfabetos, mendigos das praças, soldados, mulheres, religiosos sujeitos ao
voto de obediência.
– Ao Congresso Nacional cabia o Poder Legislativo, composto pelo Senado e pela Câ-
mara de Deputados.
– As províncias passaram a ser denominadas estados, com maior autonomia dentro da
Federação.
– Os estados da Federação passaram a ter suas constituições hierarquicamente organi-
zadas em relação à Constituição Federal.
– A Igreja Católica foi desmembrada do Estado brasileiro, deixando de ser a religião
oficial do país.
Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Constitui%C3%A7%C3%A3o_
brasileira_de_1891>. Acesso em: jan. 2019.

capítulo 5 • 109
A nova Constituição acabaria também com a pena de morte, além de outras
penas consideradas ultrapassadas, sob o ponto de vista jurídico como o banimento e
as galés (trabalhos forçados). Garantia-se também o direito de ampla defesa e do ha-
beas corpus (proteção do direito de liberdade por erro ou abuso de autoridade). Além
disso, os juízes federais passariam a possuir prerrogativas próprias como o de terem
o cargo de modo vitalício, não podendo ter sua atuação transferida ou modificada.
No mesmo ano, entretanto, o jogo democrático demonstrara ser frágil e as re-
lações entre os poderes Executivo e Legislativo foram abaladas pelo fechamento do
Congresso por Deodoro. Frente ao crescente quadro de instabilidade, ele renuncia
logo após, passando o poder a seu vice, Floriano Peixoto.
Floriano inicia seu governo com a pressão por parte de uma parcela dos ge-
nerais do exército e da classe política pelo desejo de novas eleições. Cumprirá o
mandato constitucional, deixado incompleto por Deodoro sendo apelidado de
“Marechal de Ferro” pelo modo violento como combateu tanto as revoltas fede-
ralistas, quanto levantes como os promovidos pela Marinha e pela ação política
de monarquistas. O fato mais evidente e que pode ser interpretado como uma
demonstração de força por parte de Floriano foi o levante contra ele em Nossa
Senhora do Desterro, capital do estado de Santa Catarina. Não só derrotou os
revoltosos como mandou modificar o nome da cidade para Florianópolis.
A base política que até o momento dava sustentação aos primeiros governos re-
publicanos, os cafeicultores paulistas e os pecuaristas de Minas, não permitirá que
Floriano consiga eleger seu sucessor nas eleições de 1893. Começa uma nova fase re-
publicana, conhecida como República Oligárquica e apelidada de República do Café
com Leite, pela constante alternância entre paulistas e mineiros no poder. O primeiro
presidente civil é eleito pelo Partido Republicano Paulista, Prudente de Morais.
Formalmente essa política de aliança entre o Partido Republicano Paulista e o
Partido Republicano Mineiro começará a partir da eleição do segundo presidente
da república, Campos Sales.
Nos primeiros momentos do governo civil inicia um inusitado movimento na
região de Canudos, próximo ao Rio Vaza-Barris, na Bahia. Não era incomum o sur-
gimento de pregadores ou movimentos messiânicos no sertão nordestino. Mas o que
diferenciava os seguidores de Antônio Conselheiro era a estruturação de uma comuni-
dade. O problema que a comunidade de Belo Monte em Canudos passou a significar
a formação de uma crescente cidade independente dos poderes locais dos coronéis.
A luta dos miseráveis que se aglutinavam em Canudos era contra a explora-
ção local. Entretanto, a política local começou a estruturar o arraial como uma
ameaça por supostamente formar um núcleo de resistência ao regime republicano,

capítulo 5 • 110
aproveitando-se de pregações do “Conselheiro” que adjetivava a República como
o “Anticristo” em função da separação do Estado com a Igreja, levada a efeito com
a promulgação da Constituição de 1891.
As primeiras vitórias contra as tropas legalistas por parte dos moradores de
Canudos passou a ser usada como combustível para as falas que caracterizavam o local
como um foco de resistência contra a República. Na verdade, só reforçou a legitimação
da brutalidade com o qual Canudos foi combatida, revelando após a desproporcional
derrota, a custa de grande matança, que se tratava de um conglomerado de miseráveis.

MULTIMÍDIA
Guerra de Canudos, 1997
Em 1893, Antônio Conselheiro (José Wilker) e seus seguidores começam a tornar um
simples movimento em algo grande demais para a República, que acabara de ser proclama-
da e decidira por enviar vários destacamentos militares para destruí-los. Os seguidores de
Antônio Conselheiro apenas defendiam seus lares, mas a nova ordem não podia aceitar que
humildes moradores do sertão da Bahia desafiassem a República. Assim, em 1897, esforços
são reunidos para destruir os sertanejos. Estes fatos são vistos pela óptica de uma família
com opiniões conflitantes sobre Conselheiro.
Disponível em: <http://www.adorocinema.com/filmes/filme-118416/>.
Acesso em: jan. 2019.

A política dessa fase da história republicana foi marcada por outros dois fenôme-
nos, o “coronelismo” e a “política dos governadores”. O coronelismo tem raízes pro-
fundas na história política brasileira. Podemos encontrar suas raízes de longa duração
o que nos remete aos chamados “homens bons” do Período Colonial que eram, na
verdade, os primeiros grandes proprietários que fizeram da concentração fundiária e
do localismo a força do seu poder sobre uma territorialidade bem definida.
Mesmo com o Império e o advento da República, esse quadro não mudaria
substancialmente. Os antigos “homens bons” são substituídos pelos coronéis. Eles
na verdade não são membros das forças armadas, mas ganharam essas patentes em
função de sua participação como associados tanto à Guarda Nacional quanto ao
Exército, cada qual no seu respectivo recorte temporal, em momentos em que suas
milícias particulares eram recrutadas. Acabou se tornando um título distintivo e
passou a designar de modo mais geral os grandes proprietários de terras.

capítulo 5 • 111
Esses proprietários eram úteis à República nascente e essa utilidade era recí-
proca. No Período Colonial e Imperial, os grandes proprietários possuíam grande
poder sobre a localidade, tornando-se praticamente os verdadeiros governantes,
controlando pessoas e recursos, conforme seus interesses. Na República, continua-
ram a ser a base política e econômica, usando técnicas de controle eleitoral (currais
eleitorais, voto de cabresto). Mas sabiam bem que a adesão era necessária, pois o
poder do Estado estava cada vez maior. Ou seja, era melhor compor e garantir ao
Estado a fração de poder que ele deseja, com a possibilidade de compartilhar esse
mesmo poder, do que se tornar uma carta fora do baralho político.

SAIBA MAIS
Quando falamos sobre currais eleitorais nos dias de hoje, estamos nos referindo à con-
centração de votantes de determinada localidade que se caracteriza como um reduto eleitoral
de determinado candidato ou força política. Entretanto, no início do Período Republicano, era
muito comum que os coronéis concentrassem seus eleitores em seus currais para que fossem
transportados até os locais de votação com as cédulas já preenchidas. Essa prática também
designa o chamado voto de cabresto, pois além da concentração e do transporte de eleitores, era
igualmente comum o uso da violência e da intimidação como mecanismos de controle eleitoral.

As eleições eram amplamente fraudadas. O poder dos coronéis variava do


assistencialismo à violência e ambos estavam igualmente presentes. Com o tempo,
os coronéis perceberam que não poderiam rivalizar com o poder republicano no
atendimento básico aos seus apadrinhados, fonte do seu poder. Assim se tornam
parceiros do poder central, capitalizando os benefícios oferecidos às suas comu-
nidades como se fossem derivados de seu prestígio e ação política. Em troca, o
Estado tinha dos votos de que necessitava para os candidatos de seu interesse.
Essa estratégia baseou a política dos governadores. O clientelismo foi sendo
gradativamente capilarizado, começando com os governadores e terminando na
ponta do processo, na ação dos coronéis. Isso quando o poder dos governadores e
dos coronéis se configurava em uma só força, ou seja, quando um coronel era ca-
paz de se eleger ou indicar um político de seu ramo familiar para o cargo executivo.
Essa situação só seria modificada pelo rompimento da dinâmica de poder do
“Café com Leite” feito pelos próprios agentes desse acordo político. O paulista
Washington Luís deveria apoiar um candidato mineiro, mas resolve romper com o

capítulo 5 • 112
pacto e dar seu apoio a outro paulista de seu partido, Julio de Castilhos. Com essa
medida, os mineiros dissolvem a aliança e procuram outras forças políticas para
um rearranjo da balança de poder.
Isso não seria uma missão difícil. Os demais estados de norte a sul do país
já vinham sofrendo os efeitos da alternância de poder, sobretudo com a falta de
atenção às suas necessidades fundamentais. Assim, a partir da Região Sul, começa
o movimento que, nos anos 1930, seria o novo divisor de águas da história repu-
blicana, com uma revolução liderada por Getúlio Vargas.

SAIBA MAIS
Ainda na República Oligárquica, no mandato do presidente Rodrigues Alves, o Rio de Ja-
neiro, então capital federal e sede do governo passou por um processo intenso de transfor-
mação. Por meio das ações do prefeito Pereira Passos, o Rio ganharia um conjunto extenso
de obras públicas, especialmente as dedicadas à remodelação do centro da cidade, com a
expulsão dos cortiços, a abertura de bulevares e a instalação progressiva de grandes obras
como o Theatro Municipal, a Escola Nacional de Belas Artes e a nova Biblioteca Nacional.
Aliado a esse processo, ações como a do médico sanitarista Oswaldo Cruz tentavam trazer
a perspectiva higienista que justificaria muitas das intervenções urbanísticas, além de tornar
obrigatória a vacina como meio de se evitar a propagação de doenças. A obrigatoriedade,
entretanto, levou a população do Rio de Janeiro a uma violenta reação.

O período Vargas

Nos antecedentes que culminarão na Revolução de 1930, liderada por Getúlio


Vargas, existem dois fenômenos históricos dignos de nota: as Revoltas Tenentistas e
o Cangaço. Com relação ao tenentismo, podemos caracterizá-lo como um processo
de contestação política por parte dos meios militares com relação ao governo civil
oligárquico, tendo por crítica questões relacionadas à corrupção, à liberdade de voto,
à reforma do ensino, à política do “café com leite” e à “política dos governadores.
O primeiro movimento foi a Revolta dos 18 do Forte, em Copacabana, Rio de
Janeiro, em 1922. Liderada por Siqueira Campos, Euclides Hermes da Fonseca e
Eduardo Gomes, a revolta tinha por pano de fundo a contestação à vitória eleito-
ral de Artur Bernardes, envolvido em atritos com o general e presidente do Clube
Militar, Hermes da Fonseca, além de questões que atingiam diretamente as forças

capítulo 5 • 113
armadas, como a nomeação de um civil para a pasta e o uso dessas forças como
mecanismo de contenção de rebeliões. O movimento fora desarticulado e o com-
bate desigual entre os restantes terminou por sufocar a revolta.
Dois anos mais tarde, em 1924, São Paulo foi o cenário de outra insurreição
militar que tinha praticamente os mesmos objetivos dos revoltosos do Rio de
Janeiro. Entretanto, os bombardeios a esses revoltosos foram mais violentos, atin-
gindo, inclusive, bairros proletários.
Já entre os anos de 1925 e
1927, uma coluna militar lidera-
da por Luis Carlos Prestes pôs em
Corumbá marcha no sul um contingente de
São Luis
Teresina aproximadamente 1500 homens,
Cratéus entre civis e militares, que percor-
Loreto São Miguel
reu 25 mil quilômetros pelo Brasil.
Porto
Nacional
Piranhas Em cada intervenção da coluna,
a pauta era a denúncia dos abu-
Barreiras
Goiás
Lençóis sos e problemas do governo de
Bernardes e do coronelismo, o que
Corumbá Pirapora
Itumbiara rendeu a adesão da população por
Campo Grande onde passava e, é claro, problemas
São Paulo
com o governo e com os coronéis.
Guaíra
Em 1927, a coluna se dissol-
Clevelândia
ve e seus comandados procuram
Cruz Alta exílio nos países fronteiriços aos
Brasil. Se efetivamente não conse-
guiu o poder, a “Coluna Invicta” ao
COLUNA PRESTES
menos contribuiu decisivamente
Área percorrida pela “Coluna Prestes” para a contestação não apenas do
mandato de um presidente, mas
das mazelas mais profundas da República Oligárquica.

SAIBA MAIS
Ainda que apresentasse pautas consideradas “progressistas” para sua época, como o
voto secreto, o fim dos cabrestos eleitorais e o questionamento à política do “café com leite”,
o tenentismo tinha seu lado elitista, pois era ideologicamente orientado pelo conservadoris-

capítulo 5 • 114
mo e com o mesmo espírito de tutela popular. Esse segmento do movimento acabou sendo
absorvido pelo regime de Vargas, em que os tenentes eram incorporados ao governo como
interventores ou colaboradores diretos. Mas outros, como Luis Carlos Prestes, passam a
adotar o comunismo como orientação ideológica, traçando outro rumo para os ideais defen-
didos. Entretanto, são momentos distintos e o protagonismo socialista de Prestes não pode
ser confundido com as ações e aspirações do tenentismo.

Já o cangaço era um velho conhecido. Ainda que no imaginário popular ele


tenha sido reduzido às ações de bandos liderados por figuras destacadas como
Lampião e Corisco, o fenômeno já fazia parte do cenário nordestino brasileiro
desde meados do século XIX. Naquele tempo se referia a bandoleiros pobres (daí
o nome cangaço derivar das “cangas”, espécie de bolsas com as quais levavam seus
apetrechos) que, armados, passaram a praticar o banditismo.
Com o tempo esse fenômeno
foi tornando-se mais complexo.
Não apenas a pobreza extrema,
mas a inadequação ao sistema CE
RN
coronelista que foi se tornando
PB
uma das mais fortes razões para a
PE
formação de bandos. Entretanto,
é igualmente equivocado redu- AL
SE
zir a ação dos cangaceiros como
BA
justiceiros contra os desmandos
coronelistas. Apesar dessa faceta,
ela não era propriamente uma
regra e os bandos não atacavam
apenas as suas propriedades, mas
assolavam comunidades inteiras Espaço de atuação do cangaço.
quando assim desejavam, praticando todos os tipos de violência. E havia ainda os que
prestavam serviço aos coronéis, o que mostra o quanto o movimento era heterogêneo.
Mesmo com essas contradições, a partir do surgimento de seu principal ex-
poente, Virgulino Ferreira da Silva, popularmente conhecido como “Lampião”,
passou a encarnar essa dubiedade do bem e do mal, da justiça e da encarnação
dos valores típicos da região como a resistência, a resiliência e a coragem, a mesma
atribuição de sentidos dada a Cristino Gomes da Silva Cleto, o “Corisco”, que

capítulo 5 • 115
pertencia ao bando de Lampião, chefiando uma das partes mais importantes da
tropa quando se dividiam. Ambos tinham consigo a imagem de mulheres que
igualmente encarnavam a beleza e a bravura, com Maria Bonita (Maria Gomes de
Oliveira e Dadá (Sérgia Ribeiro da Silva), respectivamente.
Com a subida de Vargas ao poder, em 1930, os cangaceiros foram tornados
inimigos de Estado e considerados como extremistas, algo análogo ao terrorismo
dos dias atuais. Passaram a ser combatidos pelas “volantes”, unidades militares que
também contavam com as forças policiais locais. A ordem era o extermínio dos
grupos que não se entregassem. Assim, foram brutalmente mortos pelas tropas
oficiais Lampião e Maria Bonita em 1938, e Corisco, em 1940.
©© WIKIMEDIA.ORG

Cabeças dos cangaceiros do bando de Lampião. Escadaria da Prefeitura de Piranhas-AL.

A única sobrevivente ao cerco de Brotas de Macaúbas (Bahia), Dadá, foi atin-


gida na perna, cujo ferimento lhe custou amputação na prisão. Sua libertação foi
conseguida por meios judiciais em 1942 e desde então passou a lutar pelo direito de
se enterrar integralmente os restos mortais dos cangaceiros cujas cabeças ainda eram
expostas em museus (no combate os cangaceiros tiveram suas cabeças cortadas e

capítulo 5 • 116
enviadas como troféus aos seus comandantes. Posteriormente, tornaram-se peças de
exposição como a do Museu Antropológico Estácio de Lima na Bahia). Morreu em
1994, aos 78 anos como uma das mais valiosas fontes vivas do período do cangaço.
Ambos os movimentos, o tenentismo e o cangaço, antecederam e coexistiram
com a subida de Vargas ao poder.

LEITURA
O golpe do exército
Em março de 1930, foram realizadas as eleições para presidente da República. Eleição
que deu a vitória ao candidato governista Júlio Prestes. Entretanto, Prestes não tomou posse. A
Aliança Liberal (nome dado aos aliados mineiros, gaúchos, e paraibanos) recusou-se a aceitar
a validade das eleições, alegando que a vitória de Júlio Prestes era decorrente de fraude. Além
disso, deputados eleitos em estados onde a Aliança Liberal conseguiu a vitória, não tiveram o
reconhecimento dos seus mandatos. Os estados aliados, principalmente o Rio Grande do Sul
planejam então, uma revolta armada. A situação acaba agravando-se ainda mais quando o can-
didato a vice-presidente de Getúlio Vargas, João Pessoa, é assassinado em Recife, capital de
Pernambuco. Como os motivos dessa morte foram duvidosos, a propaganda getulista aprovei-
tou-se disso para usá-la em seu favor, atribuindo a culpa à oposição, além da crise econômica
acentuada pela Crise de 1929; a indignação, deste modo, aumentou, e o Exército – que por
sua vez era desfavorável ao governo vigente desde o tenentismo – começou a se mobilizar e
formou uma junta governamental composta por generais do Exército. No mês seguinte, em três
de novembro, Júlio Prestes foi deposto e fugiu junto com Washington Luís e o poder então foi
passado para Getúlio Vargas pondo fim à República Velha.
Disponível em: <https://www.sohistoria.com.br/ef2/eravargas/>.
Acesso em: jan. 2019.

Essa nova fase da história republicana começa com a deposição do presidente


Washington Luís e pelo reconhecimento por parte do comando da revolução da
liderança de Getúlio Vargas, que passou a liderar a junta provisória. O maior ob-
jetivo do movimento era a desconstrução da alternância de poder entre as oligar-
quias paulistas e mineiras, o que levou à suspensão da Constituição de 1891 e nos
quatro primeiros anos do governo, de 1930 a 1934, Vargas governa por decreto
como chefe do Governo Provisório. O Congresso é fechado e interventores são
nomeados para assumir governos nos estados e nas estruturas governamentais.

capítulo 5 • 117
Outro passo inicial importante foi a vitória contra o levante paulista de 1932, em
que forças localistas e remanescentes do tenentismo denunciavam o caráter ditato-
rial do governo e pediam uma nova Constituição.
Com a Constituição de 1934, Vargas assume o poder eleito pela Assembleia e
torna-se presidente. O Congresso é reaberto com novas eleições. Entretanto, esse
hiato democrático vai durar apenas três anos.
Em 1937 Vargas, a frente de um golpe de estado, inicia a ditadura do Estado
Novo. Nos primeiros anos de mandato pós-revolução, duas forças políticas passa-
ram a predominar no cenário nacional, as de inspiração fascista (cujo ícone mais
visível era a Ação Integralista Brasileira) e as forças de centro-esquerda que se con-
centravam na ANL (Aliança Nacional Libertadora).
Na ANL havia forte influência do pensamento socialista e alinhado com a
matriz soviética, o que fazia presente nos programas de luta pela reforma agrária,
a luta contra o imperialismo e a tomada do poder pelas classes trabalhadoras.
Inicialmente muitas das pautas de ambos os movimentos se viam representadas no
“nacionalismo” getulista. Vargas, no entanto, cuidaria para colocar essas mesmas
pautas acima de ambos os movimentos.
A ANL, em 1935, promove um conjunto de revoltas em quartéis em Natal
(RN), Recife (PE) e no Rio de Janeiro. Assim nascia a “Intentona Comunista”.
Vargas não deixaria de associar o movimento revoltoso a um plano concreto de to-
mada de poder pelos comunistas. Além de dissolver facilmente os focos revoltosos,
começa a perseguir implacavelmente os socialistas, criando habilmente perante a
opinião pública a imagem de que a democracia que se constituía não era forte o
suficiente para deter um plano ambicioso de sovietização do país. Mais do que
isso. Era necessário que o poder não mudasse de mãos naquele momento, já que
as eleições se avizinhavam para 1938.
Assim, sob a ameaça de um suposto novo plano conspiratório por parte dos
comunistas (Plano Cohen), Vargas justifica a nova fase do regime em 1937.

CONCEITO
O Plano Cohen foi um documento forjado pelo capitão integralista Olímpio Mourão Filho
(na época membro do Serviço Secreto) com a intenção de simular, para efeitos de estudo,
uma revolução comunista no Brasil. O Plano foi publicado pelo governo no dia 30 de se-
tembro de 1937. O objetivo desse plano era tomar o poder. Havia dois candidatos para as
eleições presidenciais marcadas para 1938: José Américo de Almeida e Armando de Sales

capítulo 5 • 118
Oliveira. O plano era para que o presidente Getúlio Vargas fosse “acusado” de tentar tomar o
poder por um desses candidatos, mas depois se descobriu que fora forjado pelo integralista
Mourão Filho, que anos depois daria início ao golpe de 1964. Há várias versões e dúvidas
sobre o Plano Cohen. Os integralistas negam ainda hoje sua participação no golpe de estado
do Estado Novo, atribuindo ao general Pedro Aurélio de Góis Monteiro a transformação de
um relatório feito pelo Capitão Mourão em um documento oficial: o dito Plano Cohen. O Pla-
no Cohen é um exemplo eloquente da forte influência do antissemitismo no Brasil da década
de 1930. Cohen é um dos mais comuns sobrenomes judaicos. Sua versão original atribuía a
Béla Kun, comunista europeu de origem judaica e líder da fracassada Revolução húngara de
1919, a autoria do plano.
Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Plano_Cohen>.
Acesso em: jan. 2019.

O novo regime recebeu igualmente uma nova Constituição. Como foi inspi-
rada na Constituição de colorações fascistas que vigorava na Polônia, ganhou o
apelido popular de “Polaca”. Além dessa medida, Vargas cuidou para que o Estado
se tornasse ainda mais centralizador, controlando por intermédio de suas institui-
ções oficiais e paralelas, informações, tendências e organizações políticas, o que
se traduziu nas práticas de censura, perseguição a inimigos políticos e repressão à
atividade política, inclusive com fechamento de partidos.
Do mesmo modo procurou controlar as organizações da classe trabalhadora,
influenciando diretamente na composição das lideranças sindicais, fenômeno que
passou a ser conhecido como “sindicalismo pelego”.
No plano econômico, o governo de Vargas deu continuidade a suas políticas
nacionalistas. A CLT, Consolidação das Leis do Trabalho foi criada assim como a
Justiça do Trabalho, em que o Estado assume o papel de mediador entre o capital e
o trabalho. Na esteira da cidadania tutelada, Vargas criou o salário mínimo, o des-
canso remunerado e a carteira de trabalho. Todos esses elementos aumentaram ainda
mais a legitimidade do seu governo, sobretudo entre os mais pobres. Criou ainda a
Divisão de Informação e Propaganda (DIP) um importante braço ideológico do go-
verno, criou o Conselho Nacional do Petróleo e a Companhia Siderúrgica Nacional.
Ainda no contexto do Estado Novo, em meio à Segunda Guerra Mundial, a
nova política de aproximação e troca de favores nas Américas, promovida pelos
Estados Unidos, faz o Brasil abandonar seu alinhamento ideológico com as forças
nazifascistas e passar a integrar os esforços de guerra ao lado dos Estados Unidos e

capítulo 5 • 119
demais aliados. Para esse apoio conseguiria novos créditos e suporte militar. Era o
preço para se evitar uma invasão das bases nordestinas.
Com a derrota do nazifascismo e adesão aos aliados da maior democracia das
Américas, o governo de Vargas passa a ser pressionado a abandonar o modelo di-
tatorial com o qual estruturara o Estado Novo. Assim, foi forçado a anistiar presos
políticos e iniciar uma abertura no regime. A começar por novas eleições.
E elas acontecem em 1945, dando a vitória ao General Eurico Gaspar Dutra.
Apesar de eleito nas bases do getulismo, foi aos poucos se distanciando, o que
acabou por alimentar o espectro político de Vargas, igualmente abastecido pelos
movimentos que pediam seu retorno à presidência que ficaram conhecidos como
“Queremismo”. Em linhas gerais, o governo Dutra promoveu uma desconstrução
de algumas das bases que sustentavam o Estado Novo e realizou uma aproximação
ainda maior com os Estados Unidos. No âmbito da Guerra Fria, rompe relações
diplomáticas com a União Soviética.
No plano político, o governo Dutra conceberá em 1946 uma nova Constituição,
restabelecendo os princípios democráticos contidos na carta de 1934. Dentre os
direitos readquiridos, estava a inviolabilidade de correspondência, o retorno às
eleições diretas em todos os níveis, igualdade perante a lei e liberdade de asso-
ciação e garantia de ampla defesa jurídica. No entanto, perseguiu duramente os
sindicatos e sindicalistas, lançou o Partido Comunista na clandestinidade, além de
promover a cassação de mandatos parlamentares.
No plano econômico, o governo concebeu o chamado Plano SALTE cujas
letras significavam um conjunto de medidas de desenvolvimento das áreas de
Saúde, Alimentação, Transporte e Energia. Entretanto, apesar de ser um plano
bem estruturado, a falta de recursos fez com que apenas tímidos resultados fossem
alcançados. Em contrapartida, a aproximação com os EUA rendeu a entrada de
novas multinacionais no Brasil.
No plano social, o desenvolvimentismo de Dutra deu origem ao Estatuto do
Petróleo, o que iniciaria uma ampliação da atividade em solo nacional, além da
instalação da Companhia Hidrelétrica do São Francisco e da construção de novas
rodovias ligando o Rio de Janeiro a São Paulo e o Rio de Janeiro à Bahia. Todas
essas mudanças não conseguiram retirar do cenário político o varguismo.
Assim, Getúlio retorna mais uma vez ao Catete, eleito nas urnas para um novo
mandato que durou de 1951 a 1954. O maior destaque dessa nova fase fora jus-
tamente a criação da Petrobras. Porém, as forças remanescentes da tendência con-
servadora do tenentismo, aliados ao grande capital e a UDN (União Democrática

capítulo 5 • 120
Nacional), sobretudo por meio de seu principal e mais eloquente expoente, Carlos
Lacerda, pressionavam o governo ao ponto da insustentabilidade. O que poderia
acabar com um novo golpe, terminou com um desfecho trágico, mas estratégico.
Getúlio tiraria sua própria vida em 24 de agosto de 1954 com um tiro no coração.

MULTIMÍDIA
Getúlio
Copacabana Filmes, 2013
A intimidade de Getúlio Vargas (Tony Ramos), então presidente do Brasil, em seus 19 úl-
timos dias de vida. Pressionado por uma crise política sem precedentes, em decorrência das
acusações de que teria ordenado o atentado contra o jornalista Carlos Lacerda (Alexandre
Borges), ele avalia os riscos existentes até tomar a decisão de se suicidar.
Disponível em: <http://www.adorocinema.com/filmes/filme-219648/>.
Acesso em: jan. 2019.

Os governos Kubitscheck, Jânio e Jango

Com a posse de Café Filho, as eleições para o Legislativo foram realizadas e


constatou-se talvez pelo forte apelo do getulismo naquele momento, a decepção
por parte da UDN com o resultado, no qual consideravelmente menos deputados
do que seus principais adversários, o Partido Trabalhista Brasileiro e o Partido
Social-Democrata, ambos com DNA populista. Outro duro golpe nas pretensões
udenistas fora a chapa presidencial que seria lançada por seus adversários, coligan-
do Juscelino Kubitscheck (PSD) e João Goulart (PTB), o Jango.
Os udenistas e um setor do exército ligado à Escola Superior de Guerra viam
no momento uma oportunidade para o acalentado desejo de intervenção mili-
tar no país. Nesse tempo, nomes como Humberto Castello Branco, Golbery do
Couto e Silva faziam parte do movimento que, dez anos mais tarde, viria nova-
mente à tona com o Golpe de 64. A tensão aumenta com a vitória de Juscelino/
Jango. Com o afastamento do presidente Café Filho, por razões de saúde, assume
o interino, Carlos Luz. Aliado dos conspiradores da UDN e do exército, Luz foi
deposto graças à ação legalista do Ministro da Guerra, o General Lott, dando

capítulo 5 • 121
posse ao vice-presidente do senado, Nereu Ramos, que governaria um país em
estado de sítio até a posse de Kubitschek em 31 de janeiro de 1956.
Com seu famoso slogan “50 Anos em 5”, a face popular do “Plano de Metas”,
Juscelino traz marcos importantes para o Brasil, constituindo um viés desenvolvi-
mentista para o país. Em seu governo, ampliou-se ainda mais a entrada de multi-
nacionais no país, sobretudo as maiores montadoras de automóveis como a Ford, a
General Motors a Volkswagen, sobretudo no Sudeste, concentrando as atividades
entre São Paulo e Rio de Janeiro.
Esse processo veio acompanhado de uma decisão logística. Com as grandes
montadoras no cenário, o governo opta pela expansão da malha rodoviária nacio-
nal, alem de realizar investimentos em infraestrutura aérea e portuária. Entretanto,
a realização mais notável do governo JK foi a construção da nova capital federal,
Brasília, inaugurada em 1960.
Todavia, o legado de Kubitschek era dúbio. A construção da nova capital custou
muito ao governo, que a realizou mediante a contratação de grandes empréstimos
estrangeiros aumentando, assim, a dívida externa. Do mesmo modo, a concentração
das atividades industriais nas grandes cidades e a construção de novas rodovias de
ligação facilitaram o processo de êxodo rural, o que deixa ainda mais desassistido o
campo e traz os problemas inerentes ao inchaço populacional às cidades.

LEITURA
O Essencial de JK
Ronaldo Costa Couto – Editora Planeta

Biografia do ex-presidente responsável pela construção de Brasília. Abrange os períodos da


vida de Juscelino Kubitschek – do nascimento à morte em um acidente considerado suspeito,
passando pelo período em que trabalhou como médico, sua entrada na política, a mudança da ca-
pital do Brasil para a Região Centro-Oeste, a modernização do Estado brasileiro e muitos outros
pontos. O autor pesquisou extensa bibliografia para escrever o livro, além de colher depoimentos
de pessoas ligadas a JK e seu governo (os depoimentos mais recentes são do ano de 2013).
Disponível em: <https://livraria.folha.com.br/livros/biografias-historicas/essencial-jk-
ronaldo-costa-couto-1216260.html>. Acesso em: jan. 2019.

capítulo 5 • 122
Assim, com um governo posto em dúvidas quanto à prática de corrupção,
inflação e endividamento, mas com conquistas significativas nos planos econômi-
cos e sociais, Juscelino encerra seu mandato com a eleição de Jânio Quadros que
terá também como vice João Goulart. Jango era da chapa adversária, mas como as
eleições de presidente e vice eram separadas, era possível que situação e oposição
elegessem simultaneamente seus representantes. Jânio era uma esfinge política.
Elegeu-se apoiando seu discurso em aspectos vagos, carregados de personalismo
e de moralismo. Defendia bandeiras genéricas como o combate à corrupção e a
de um governo voltado para os mais pobres. Na prática, porém, não conseguiu
traduzir todas essas intenções em propostas claras.
Em termos econômicos, Jânio pouco conseguiu fazer para alavancar a econo-
mia e vencer a inflação e o endividamento. Já nos aspectos sociais, tomou medidas
de impacto mais pelo efeito moral do que propriamente utilitário, como a proibi-
ção do uso de biquínis, rinhas de galo e lança-perfume. Mas em termos políticos,
os efeitos foram mais significativos. Jânio se afastara das elites tradicionais e pas-
sou a progressivamente afastar-se da dependência norte-americana. Assim, retoma
relações diplomáticas com a União Soviética e envia seu vice, João Goulart, para
uma missão diplomática na China comunista. Internamente, condecora com a
mais alta honraria nacional, a Ordem do Cruzeiro, o revolucionário socialista Che
Guevara. Nesse tempo, igualmente, fez o Brasil posicionar-se contrário ao modo
como os Estados Unidos se relacionavam com a Cuba de Fidel Castro.
Todo esse conjunto de fatores deixou Jânio em delicada situação política, so-
bretudo com a pressão dos setores ligados ao capital e dos militares, sobretudo os
do exército. Assim, alegando “forças terríveis” que contra ele estariam conspiran-
do, Jânio entrega ao Congresso sua carta de renúncia em 25 de agosto de 1961.
Há quem defenda a intencionalidade de um golpe calculado, em que uma renún-
cia faria Jânio voltar com a força popular, para que pudesse pairar acima de todas
as pressões. Entretanto, a demissão era um fato consumado e com ela um novo
problema criado, o de garantir a posse do vice-presidente João Goulart.
Não era nova a resistência a Jango. Em 1953, no último governo de Getúlio
Vargas, ele assume o posto de Ministro do Trabalho. No ano seguinte, é respon-
sável pelo aumento de 100% do salário mínimo, medida que desagradou às elites
e parte do exército ligado à oposição a Vargas, que tentavam associar tanto Jango
quanto Getúlio ao comunismo.

capítulo 5 • 123
Agora, os mesmos setores antigetulistas conspiravam para impedir, inclusive com
ameaças de ataques, a posse de Jango. No Sul, a resistência de Leonel Brizola, subia o
tom da resistência, fazendo aumentar a temperatura de um conflito civil pela legalidade.
A fim de se evitar derramamento de sangue, o Congresso encontrou uma saída
mediada. Jango assumiria como presidente, mas o Brasil passaria a ser parlamenta-
rista. Desse modo, o governo estaria nas mãos de Tancredo Neves, que constituiria
um gabinete de governança. As eleições de 1962, a calmaria quanto às posturas
políticas de Jango e a dificuldade de se governar no modelo proposto fizeram
surgir um plebiscito que seria realizado juntamente com as eleições gerais. Nele, o
Brasil voltaria a ser presidencialista.

CONCEITO
No sistema presidencialista, o governante é o presidente, eleito pelo voto direto da
população e que exerce o Poder Executivo. O Parlamento e o Judiciário exercem poderes
complementares e fiscalizadores. No caso do Parlamentarismo, o chefe do Executivo é o
primeiro-ministro, eleito de modo indireto pelos deputados do Parlamento.

Com o governo efetivamente em mãos, Jango compõe sua equipe de ministros


e convoca Santiago Dantas e Celso Furtado para a constituição de um plano eco-
nômico e de desenvolvimento conhecido como “Plano Trienal”. A missão era am-
biciosa. Nesse período, a inflação alcançava a casa dos 70%. Assim, as premissas
principais do plano eram a diminuição dos índices inflacionários e o crescimento
nacional no patamar de 7% ao ano. Para isso, o governo faria investimentos e in-
centivos na indústria nacional, substituindo gradativamente o produto importado
pelo nacional. Para os teóricos, isso proporcionaria um aquecimento da economia,
a valorização da moeda e o aumento da renda do trabalhador.
Entretanto, o plano fracassou e a inflação disparou para mais de 90% e o PIB atingiu
a ínfima marca de 0,6% de crescimento. Os péssimos resultados econômicos se sucede-
ram e o governo foi perdendo apoio político interno. A oposição sobe o tom das críticas.
Assim, Goulart vai gradativamente se isolando nos setores mais à esquerda do seu go-
verno, assumindo a pauta de um conjunto de reformas, agrária, universitária, bancária,
administrativa, urbana e fiscal, que passaram a ser conhecidas como “Reformas de Base”.
Entretanto, a pauta progressista foi associada habilmente pela oposição como
adesão do governo ao radicalismo socialista. Isso foi ampliado pelo modo como

capítulo 5 • 124
o governo propusera a reforma agrária, sem compensações pelas terras retomadas
pelo Estado e pela aproximação do presidente aos setores mais baixos da hierar-
quia militar. As palavras “subversão” e “comunismo” voltam ao cenário e se tor-
nam o pano de fundo para um novo golpe. Ele já havia sido gestado para os anos
de Vargas, mas a comoção de seu suicídio o adiaria por dez anos. Mas naquele
momento, só o presidente poderia convocar as forças para a resistência. No entan-
to, Jango opta por não deflagrar uma guerra civil.

Governo militar

A imprensa e a mobilização popular saudaram o golpe dado pelos militares


do exército, com amplo apoio da oposição, sobretudo a UDN, que acreditavam
poder utilizar os militares como aríetes. Uma vez derrubadas as portas do castelo,
eles reinariam. Mas as pretensões de Adhemar de Barros, Magalhães Pinto e Carlos
Lacerda seriam muito em breve dissolvidas. O golpe viera para ficar.
Entre os militares era uma corrida contra o tempo. O general Humberto
Castello Branco, juntamente com o general Artur da Costa e Silva já davam os
passos políticos para a queda do regime. Entretanto, a manobra isolada do general
Olímpio Mourão Filho de marchar com suas tropas para o Rio de Janeiro, fez a
corrida pelo controle do processo acelerar-se. Em 1o de abril de 1964, a República
brasileira seria novamente governada por militares do exército. João Goulart reti-
ra-se para o exílio no Uruguai e, juntamente com as forças progressistas, que fo-
ram sendo aos poucos perseguidas pelo novo sistema, formaria a Aliança Nacional
Libertadora. Mas o regime endureceria ainda mais.
O início do governo Castello Branco foi marcado pela introdução de um
dispositivo de governança que driblava os preceitos e ritos constitucionais: os Atos
Institucionais. Os primeiros, em linhas gerais, suspenderam os direitos políticos
dos cidadãos e dissolveram os partidos políticos, permitindo apenas que todas
as correntes de situação de oposição se aglutinassem em duas únicas legendas,
a Aliança Renovadora Nacional (ARENA), favorável ao regime e o Movimento
Democrático Brasileiro (MDB), de oposição.
No princípio, Castello Branco fazia crer tanto a imprensa quanto as forças
políticas que o jogo democrático seria restabelecido. Entretanto, com progressivos
adiamentos das eleições, prometidas para 1965 e proteladas nos anos seguintes,
somado ao fato de que os mandatos de parlamentares começaram a ser cassados
a partir dos Atos Institucionais, bem como suspensos os direitos políticos das

capítulo 5 • 125
principais lideranças, ficou evidente que o regime não iria se abrir novamente. Ao
contrário, legitimava-se com a promulgação da Constituição de 1967.
A Lei de Remessa de Lucros, que colocava freios às práticas financeiras das
multinacionais e à estabilidade no emprego foram suspensas. Com a subida ao po-
der do sucessor de Castello Branco, Costa e Silva, o regime começa seu processo de
endurecimento. Nesse momento, a proibição das organizações populares, sobre-
tudo as estudantis, não foi suficiente para impedir o surgimento de organizações
de resistência armada ao regime. A resposta veio tanto pelo Ato Institucional no 5
que restringia ainda mais as liberdades individuais e ampliava o poder discricioná-
rio do Estado quanto pela colaboração internacional para o combate à oposição.

Jornal do Brasil – Edição de 14 de dezembro de 1968.

Com o afastamento de Costa e Silva, por razões de saúde, e findo o mandato curto
da junta militar provisória (Augusto Rademaker, Márcio de Souza e Lira Tavares), foi
escolhido pelos militares o general Emílio Garrastazu Médici. Com todo o aparato
legal, policial e militar a disposição, o regime passou a ser implacável no combate a
guerrilhas, movimentos e oposição em geral. Seja por meio do DOPS (Departamento
de Ordem Política e Social), DOI-CODI (Destacamento de Operações e Informações
– Centro de Operações de Defesa Interna), ou dos próprios serviços de inteligência de
cada uma das forças armadas, as práticas de tortura, prisões, exílio, censura e investiga-
ções passaram a ser rotina. Ao final do mandato de Médici, a máquina repressora do
governo já praticamente aniquilara a oposição armada.

capítulo 5 • 126
CURIOSIDADE
A Operação Condor (também conhecida como Carcará, no Brasil) foi uma aliança políti-
co-militar entre os vários regimes militares da América do Sul: Brasil, Argentina, Chile, Bolí-
via, Paraguai e Uruguai com a CIA dos Estados Unidos, levada a cabo nas décadas de 1970
e 1980 – criada com o objetivo de coordenar a repressão a opositores dessas ditaduras,
eliminar líderes de esquerda instalados nos países do Cone Sul e para reagir à OLAS, (Orga-
nização Latino-Americana de Solidariedade), criada por Fidel Castro. Montada por iniciativa
do governo chileno, a Operação Condor durou até a onda de redemocratização, na década
seguinte. A operação, liderada por militares da América do Sul, foi batizada com o nome do
condor, abutre típico dos Andes que se alimenta de carniça, como os urubus.
Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Opera%C3%A7%C3%A3o_Condor>.
Acesso em: jan. 2019.

O período de seu governo ficaria igualmente conhecido pelo “Milagre


Econômico”. Em verdade, foi um conjunto de investimentos massivos nas áreas
de infraestrutura, com a construção de portos, hidrelétricas, estradas, rodovias,
ferrovias e na estruturação de estatais estratégicas que proporcionaram ao país
alcançar altíssimos níveis de emprego e marcos de crescimento econômico do
PIB em 12%. Mas o milagre era um “gigante com pés de barro”. Como foi sus-
tentando por uma ampla política de captação externa de recursos, sobretudo de
empréstimos, a enorme dívida externa gerada praticamente paralisou o Estado,
impedindo-o de prosseguir com novos investimentos. Mas ainda assim o governo
faria seu sucessor sem maiores problemas.

MULTIMÍDIA
Pra Frente Brasil (1982)
Lançado ainda durante a ditadura militar, o filme mostra os anos de chumbo e o período do
milagre econômico. Enquanto os brasileiros vibravam com a seleção brasileira de futebol na Copa
do Mundo no México, prisioneiros políticos eram torturados e desapareciam nas mãos dos militares.

O que é isso companheiro? (1997)


Filme dirigido por Bruno Barreto, concorreu ao Oscar de melhor filme estrangeiro no seu
ano de lançamento. A obra conta a história verídica do sequestro do embaixador dos Estados

capítulo 5 • 127
Unidos no Brasil, em setembro de 1969 por integrantes de grupos de esquerda que lutavam
contra a ditadura militar. Em troca do embaixador, o grupo conseguiu a liberação de diversos
prisioneiros políticos.

Batismo de Sangue (2007)


Baseado no livro homônimo de Frei Betto, conta a história de um convento de frades
dominicanos do final da década de 1960 que se torna uma forte resistência à ditadura mi-
litar. Movidos por ideais cristãos, os frades colaboram e apoiam o grupo Ação Libertadora
Nacional, à época comandado por Carlos Marighella. O apoio não passa despercebido e os
religiosos passam a ser perseguidos por autoridades policiais.
Disponível em: <https://guiadoestudante.abril.com.br/estudo/5-filmes-para-estudar-a-
ditadura-militar-no-brasil/>. Acesso em: jan. 2019.

O novo governante, Ernesto Geisel, inicia seu mandato enfrentando as crises


derivadas do colapso do “Milagre”. Com a economia mundial igualmente em cri-
se, não havia mais a saída pela captação de recursos externos. Além desse fator, o
preço do petróleo aumentara vertiginosamente e como era essa a principal matriz
energética do Brasil, as dificuldades ficaram ainda maiores. No plano político, o
crescimento eleitoral do MDB havia sido igualmente expressivo.
Geisel nota que o regime cobrava um preço alto. Tanto em relação à necessidade
de investimentos cada vez maiores para que o aparato monumental de administra-
ção e repressão funcionassem, quanto à progressiva perda do controle das estruturas
capilares de repressão. Antes que tudo saísse definitivamente do controle dos gene-
rais, mergulhando o país em uma crise sem precedentes, optou-se pela abertura do
regime de forma gradual. Era a retomada do caminho da redemocratização.

SAIBA MAIS
Um dos maiores e mais completos projetos que reúne acervos variados constituídos a
partir dos trabalhos da Comissão da Verdade (instituída no governo Dilma Rousseff para
abertura de arquivos e investigações do período militar brasileiro) está a disposição no site:
<www.memoriasdaditadura.org.br>. Acesso em: jan. 2019.

capítulo 5 • 128
Aos poucos a repressão foi diminuindo sua marcha e as organizações populares
voltam a se reorganizar. O AI-5 é revogado e o direito ao habeas corpus, restituído.
Seu sucessor, o último general do regime João Batista de Oliveira Figueiredo será o
responsável pela Lei da Anistia, possibilitando o retorno dos presos políticos exilados
para o Brasil, bem como o perdão tanto para os envolvidos em atividades de guer-
rilha rural e urbana quanto para os envolvidos nos aparatos de tortura do regime.
O pluripartidarismo foi restituído e com ele surgem novas siglas, pulverizando
as tendências políticas que estavam concentradas no bipartidarismo imposto pelo
governo. Ao mesmo tempo em que enfrentou resistências internas (inclusive com
prática de atentados realizados pela “linha-dura” do regime como a bomba no
Riocentro), o final do governo Figueiredo viu surgir o maior movimento nacional
pela restituição da democracia, que ficou concentrado no slogan “Diretas Já”.

A redemocratização do Brasil

Pela lei proposta por Dante de Oliveira, o país teria novamente eleições livres
para presidente. O governo, por meio de sua base parlamentar, usou de todos
os mecanismos possíveis para barrá-la, a revelia da intensa mobilização popular.
Com a manutenção das eleições indiretas, o colégio eleitoral votou pela eleição de
Tancredo Neves, antigo político da ala moderada do PMDB, derrotando o can-
didato oficial, o civil Paulo Maluf. Entretanto, a saúde de Tancredo rapidamente
se deteriora e o impede de iniciar o novo mandato presidencial. Com sua morte
repentina, assume em seu lugar José Sarney.
O maior desafio de Sarney era o de consolidar a transição política e a efe-
tividade do novo governo civil. Para tal, foi convocada uma nova Assembleia
Constituinte, cujo fruto foi a Constituição de 1988, apelidada de Constituição
Cidadã, por trazer de modo pormenorizada todas as garantias de liberdade, cida-
dania, direitos dos cidadãos e as obrigações do Estado.
Em termos econômicos, o país estava em uma grave espiral inflacionária. Como
os planos de ajustes iniciais implementados pelo governo não surtiram resultado, o
ministro da fazenda Dilson Funaro, proporia uma ação mais ampla, com um pacote
de medidas que previa o congelamento de preços e salários e a criação de uma nova
moeda que proporcionasse a recuperação da capacidade de investimentos do estado.
Era o Plano Cruzado. Para auxiliar o governo, Sarney conclama a população a fisca-
lizar os estabelecimentos que não estivessem cumprindo o tabelamento.

capítulo 5 • 129
A propaganda atingia até as crianças, com adesivos de “fiscalzinho do Sarney”
distribuídos em revistas em quadrinhos. Em contrapartida, muitos estabelecimen-
tos passaram a não oferecer os produtos nas prateleiras na quantidade necessária o
que fez novamente a inflação alcançar patamares alarmantes.

LEITURA
Em fevereiro de 1987, o Brasil deu um susto no mercado internacional. No dia 20, o
presidente José Sarney anunciou a suspensão do pagamento dos juros da dívida externa
por tempo indeterminado – o montante principal já não era pago havia anos – além do corte
da emissão de moeda e da adoção de um plano de austeridade. A declaração – na prática,
uma moratória – caiu como bomba nos países e bancos credores: temia-se que a decisão do
Brasil, o maior devedor do mundo entre os países em desenvolvimento (US$ 107 bilhões),
fosse copiada. Os grandes devedores da América Latina (México, Argentina e Venezuela,
além do Brasil) somavam débitos de US$ 285 bilhões. Defendida pelo ministro da Fazenda,
Dilson Funaro, a moratória surgia quando não havia muita escolha: desde o fracasso do Plano
Cruzado, os superávits comerciais minguavam. Em janeiro de 1987, o saldo da balança foi
de apenas US$ 129 milhões, o pior desde 1983. Desse modo, não havia como fazer frente
ao pagamento dos juros – que tinham consumido US$ 55,8 bilhões em cinco anos. As re-
servas se aproximavam da raspa do tacho: US$ 3,9 bilhões, segundo dados oficiais, embora
muitos acreditassem que o número real fosse ainda mais magro. O Brasil estava quebrado. A
moratória e o repúdio ao Fundo Monetário Internacional, velhas bandeiras da esquerda nacio-
nalista, não sofreram de falta de apoio interno. Até setores da oposição aplaudiram Sarney.
O problema é que tocar a economia dentro da nova realidade mostrou-se inviável. Enquanto
se temia o esgotamento das linhas de crédito internacional de curto prazo, que financiavam
boa parte da produção e da exportação brasileiras, o secretário do Tesouro dos EUA, James
Baker, condenava os “gestos dramáticos” dos países devedores do Terceiro Mundo e classi-
ficava de lamentável a moratória de Sarney. Em março, a recessão dava sinais, com salários e
empregos em queda e inflação em alta. A tensão só terminou em novembro de 1987, quando
se chegou a um acordo para a retomada do pagamento. Na véspera do Ano Novo, o Brasil
pagou US$ 1,1 bilhão de dólares e recebeu dos bancos credores um empréstimo-ponte (de
curto prazo) no valor de US$ 3 bilhões.
Disponível em: <https://acervo.oglobo.globo.com/fatos-historicos/brasil-declara-
moratoria-9948414#ixzz5TxMAK3BP>. Acesso em: jan. 2019.

capítulo 5 • 130
O governo tentaria ainda mais dois planos econômicos nos anos de 1988
(Plano Bresser) e em 1989 com o Plano Verão. Em ambos os casos, a inflação
bateu, respectivamente, cerca de 1000 e 1700% ao ano. Ao final de seu mandato,
inicia-se efetivamente o novo ciclo democrático, com as eleições de 1989.
Elas são vencidas de modo surpreendente por Fernando Collor de Melo. De
antiga tradição familiar na política de Alagoas, tendo inclusive antepassados que
participaram de governos de relevância, como o de Vargas, Collor tinha profunda
ligação com os setores mais conservadores da sociedade. O seu partido, o PRN
(Partido da Reconstrução Nacional) fora montado praticamente em função das
eleições, pois anteriormente era o precário PJ, o Partido da Juventude, que mudara
o nome e ganhara nova estrutura.
Seu adversário, o sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, o Lula do Partido dos
Trabalhadores, foi duramente atacado durante a campanha eleitoral, gerando des-
confiança sobretudo por parte dos setores ligados ao capital. A despeito das suas
bases políticas, Collor conseguiu estruturar sua campanha de maneira eficiente se
colocando com a imagem de um presidente jovem, com histórico familiar tradi-
cional na política e com um compromisso no combate aos privilégios (apresenta-
va-se como o “Caçador de Marajás”) e quanto à sensibilidade pela causa dos mais
pobres (a quem chamava de “descamisados”).
O governo Collor duraria apenas dois anos, mergulhado em escândalos de
corrupção e em ampla resistência por parte da população, sobretudo da juventu-
de organizada que foi às ruas encabeçando o movimento dos “Caras Pintadas”.
Apesar de ter sido aberto um processo de impeachment (impedimento e retirada
do cargo pelo Parlamento), Collor renunciara antes da sua conclusão, deixando o
mandato para seu vice, Itamar Franco. Entretanto, o processo deu continuidade e
deixou o ex-presidente inelegível por oito anos.
No âmbito econômico, o Plano Collor I e o Plano Collor II visavam ao combate
à inflação. Entretanto, as medidas foram consideradas controversas e problemáticas,
pois envolviam o confisco temporário de valores nas cadernetas de poupança das
pessoas físicas com ativos superiores a 50 mil, além de uma explosão de tarifas nos
bens e serviços como telefonia, combustíveis e gás de cozinha. Além disso, o Brasil
deu início a um amplo processo de privatizações de estatais e abertura de seu merca-
do às importações, como forma de frear o avanço dos preços internos.
Em 1991, o Brasil torna-se signatário do Tratado de Assunção, que institui o
Mercado Comum do Sul, o Mercosul, bloco econômico que previa tarifa externa
comum, além avanços nas áreas de cooperação científica, tecnológica, comercial e

capítulo 5 • 131
com perspectivas de se estruturar uma moeda única. Preconizava a livre circulação
de pessoas e serviços, sendo um dinamizador das economias sul-americanas.
Itamar Franco inicia o novo governo com o cumprimento de um dispositivo
constitucional que mandava realizar um plebiscito sobre a forma e o sistema de
governo. Os brasileiros foram então novamente às urnas para escolher a República
como forma (66% contra 10% da Monarquia) e o Presidencialismo como sistema
de governo (55% contra 25% do Parlamentarismo).
Itamar procurou ampliar a sua base de apoio, primando pela maior transpa-
rência possível e com maior proximidade aos partidos de esquerda. Essas medidas
garantiram uma relativa tranquilidade no plano político. Na economia, conseguiu
realizar o mais bem-sucedido plano de controle inflacionário. Com a criação da
URV, a Unidade Real de Valor (indexada ao Dólar a 1 URV = 1 Dólar), que pas-
sou a ser a referência de valor para os produtos de modo desvinculado da moeda
vigente, o Cruzeiro Real. Essa medida gerou uma nova moeda e uma nova estrutu-
ra econômica que controlaria de modo estável e duradouro a inflação e recuperaria
o valor dos salários e o poder de compra da população, reaquecendo a economia.
Nascia o Plano Real e sua nova moeda, o Real.
O sucesso do plano alavancou a eleição de Fernando Henrique Cardoso do
Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB) em 1994. Apesar de não ter sido
o responsável único e direto pela concepção do plano econômico, ganhou notorie-
dade por ser o Ministro da Fazenda que o executou. Na esteira do sucesso do Real,
Fernando Henrique derrotaria por duas vezes o candidato Lula, do PT em 1994 e
em 1998, ambas em primeiro turno, mesmo com as crises internacionais que atingi-
ram em parte as conquistas adquiridas, como a Crise do México e a Crise da Rússia.
Em ambos os governos, FHC (como era conhecido politicamente Fernando
Henrique Cardoso), tinha como meta a adequação do Brasil ao ideário neoliberal.
Para tal, ampliou ainda mais o processo de privatização de empresas estatais (como
a mineradora Vale do Rio Doce, a Companhia Siderúrgica Nacional e a Embratel) e
ampliação da entrada de capital estrangeiro. Sua reeleição foi garantida graças a uma
emenda constitucional aprovada em seu governo, que permitia a todos os chefes do
Executivo a reeleição por um mandato consecutivo. O modo como o Congresso
aprovara essa proposta gerou na época fortes especulações sobre corrupção.
Entretanto, durante o mandato de FHC, o Brasil criaria o Sistema Único
de Saúde, o SUS, reorganizando e melhorando o atendimento na saúde pública,
integrando as redes. Essa reorganização proporcionaria ao país se tornar em pouco
tempo referência no combate ao HIV/aids e de redução da mortalidade infantil.

capítulo 5 • 132
Outras conquistas importantes foram a quebra de patentes de medicamentos,
dando origem aos “genéricos” e as redes de distribuição em farmácias populares.
Na educação, foi criada uma nova Lei de Diretrizes e Bases que passou a reorgani-
zar o ensino, além de mecanismos de assistência social como o Bolsa-Escola. Nos
mandatos de FHC, o acesso à educação fundamental estava praticamente univer-
salizado. Em termos políticos, foi aprovada em 2000 a Lei de Responsabilidade
Fiscal, que responsabilizava e punia os governantes que gastassem além ou de
modo equivocado as verbas públicas.
Contudo, o desemprego se tornava crescente, assim como a progressiva perda sa-
larial dos trabalhadores e também a crise interna gerada pela estiagem que paralisou
o sistema elétrico gerando “apagões”. Esse cenário favoreceu finalmente a vitória do
candidato do Partido dos Trabalhadores, Luís Inácio Lula da Silva, que venceria o
candidato apoiado pelo presidente, o ex-ministro da saúde José Serra, do PSDB. Era o
início da “Era Lula” com dois mandatos consecutivos de 2002 a 2006 e 2006 a 2010.
No plano econômico, o governo Lula manteve os fundamentos gerais que ga-
rantiam a estabilidade, sobretudo a manutenção dos juros altos para a contenção
da inflação. Lula vai unificar e ampliar os programas sociais criados no governo
FHC, criando o Bolsa-Família. Por meio deste, e de ações do Programa Fome
Zero, conseguiu retirar milhões de brasileiros da linha da pobreza extrema, pro-
porcionando uma dinamização da economia interna.
O governo também investiria em programas de acessibilidade ao Ensino
Superior privado com financiamentos parciais como o Fies ou totais como o
ProUni. Paralelamente, ampliou a oferta de Universidades e Institutos Federais,
além de aprimorar os mecanismos de acesso e de controle da qualidade por meio
de avaliações periódicas dos alunos e das instituições.
No plano internacional, o governo ampliaria as parcerias comerciais, sobretu-
do com a China e os países africanos, cuidando igualmente da ampliação e forta-
lecimento do Mercosul. Dentre as aspirações governamentais também estavam o
assento no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas.
Os dois governos Lula alcançaram os melhores índices de crescimento econômi-
co em comparação com os de seu antecessor. Com esses superávits consegue quitar
as dívidas com o Fundo Monetário Internacional, ampliando as reservas nacionais.
Assim criou programas de investimentos em infraestrutura e habitação como o PAC,
Programa de Aceleração do Crescimento e o “Minha Casa, Minha Vida”.
Entretanto, mesmo com os avanços sociais e econômicos, o governo Lula so-
frerá em seu final com as denúncias relacionadas ao pagamento de propinas aos

capítulo 5 • 133
parlamentares, o chamado “Escândalo do Mensalão”, dentre outros relacionados
à ação direta ou indireta de ministros e apadrinhados políticos. Mesmo assim
termina seu mandato com ampla margem de aprovação popular, o que lhe rendeu
capital eleitoral suficiente para eleger sua ex-ministra, Dilma Rousseff.

ATIVIDADES
01. Sobre os anos iniciais da República é correto afirmar que
I. A maioria da população era analfabeta.
II. O voto censitário incluía quase a totalidade da população.
III. A economia continuava predominantemente rural.
IV. Analfabetos, mulheres, soldados e pobres ganharam direito ao voto.

São verdadeiras apenas


a) As afirmativas I e III. d) As afirmativas II, III e IV
b) As afirmativas II e IV e) As afirmativas I, II e III
c) As afirmativas I, II e IV

02. O governo de Vargas iniciou no Brasil uma fase conhecida como “populismo”. Dentre
suas características, marque a alternativa incorreta.
a) Geralmente, o populismo tinha como figura central líderes carismáticos.
b) No populismo, havia controle da atividade sindical, apelidado de pelegos.
c) A ideologia de fundo do populismo era de inspiração socialista/anarquista.
d) Era comum, em regimes populistas, o controle da imprensa e da opinião popular.
e) A concessão de direitos caracteriza, no populismo, uma cidadania tutelada.

03. Foi o momento mais duro do Regime Militar brasileiro, em que as liberdades civis foram
praticamente suspensas, além da intensificação da perseguição político-ideológica. Esse do-
cumento marcou o ano de 1968 como um divisor de águas no regime. Estamos falando do(a):
a) Ato Adicional. e) Assinatura da Lei da Anistia.
b) Ato Institucional n 5.
o

c) Ato Institucional no 1.
d) Nova Constituição Brasileira.

capítulo 5 • 134
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAVALCANTE, Berenice; STARLING, Heloisa; EISENBERG, José. Decantando a República:
inventário histórico e político da canção popular moderna brasileira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira &
São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004.
DELGADO, Lucília de Almeida Neves; FERREIRA, Jorge (Org.). O tempo da ditadura militar –
regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2009.
FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo: Edusp, 2002.
LOPEZ, Adriana e MOTA, Carlos Guilherme. História do Brasil: uma interpretação. 2. ed. São Paulo:
Editora Senac, 2008.
REGO, José Márcio e ROSA, Maria Marques. Economia Brasileira. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
REIS, Daniel Aarão; RIDENTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo Patto Sá (Org.). O golpe e a ditadura militar
40 anos depois (1964-2004). Bauru, São Paulo: EDUSC, 2004.

GABARITO
Capítulo 1

01. Aqui o aluno deverá dissertar sobras as características do mercantilismo como o metalis-
mo, a balança comercial favorável e o colonialismo, ressaltando o papel desempenhado pelo
comércio das especiarias, o controle das rotas e as medidas tomadas pelos países ibéricos,
sobretudo Portugal.

02. A

03. Aqui o aluno poderá utilizar elementos de análise como a centralidade e luminosidade
da pintura, privilegiando a referência ao cristianismo em contraste com as sombras onde
estão os nativos. Os indígenas são retratados como observadores, dóceis e curiosos e não
hostis à chegada dos colonizadores. Deverá mostrar como foram os contatos iniciais com os
indígenas e a estruturação das relações de escambo, bem como o papel central dos nativos
para a sobrevivência desse modelo de exploração. Por fim, deverá identificar as mudanças
advindas da transição do modelo de exploração extrativista para o de efetiva ocupação, com
a opção pelas capitanias hereditárias.

capítulo 5 • 135
Capítulo 2

01. B 02. B

03. Aqui o aluno deverá mostrar a necessidade de articulação com as tribos para o processo
de colonização, citando o cunhadismo e o reconhecimento dos indígenas aliados como súdi-
tos e vassalos do rei de Portugal, podendo ocupar, inclusive, posições nos meios militares e
receber títulos honoríficos. Os jesuítas reforçaram a proteção do indígena contra a escraviza-
ção indiscriminada, demarcando com mais nitidez os limites da guerra justa. Entretanto, em
sua ação catequética também vai utilizar o braço indígena em suas atividades econômicas,
sendo constantemente suas missões atacadas por colonos e bandeirantes.

Capítulo 3

01. A 02. B 03. C

Capítulo 4

01. B 02. A 03. C

Capítulo 5

01. A 02. C 03. B

capítulo 5 • 136

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