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HISTÓRIA DO BRASIL: DA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA AO GOLPE DE 1930

LORENA ZOMER

Código Logístico Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-6371-0

57122 9 788538 763710


História do Brasil: da
Proclamação da República
ao Golpe de 1930

Lorena Zomer

IESDE BRASIL S/A


2018
© 2018 – IESDE BRASIL S/A.
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SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
Z77h Zomer, Lorena
História do Brasil : da Proclamação da República ao Golpe de 1930
/ Lorena Zomer. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE Brasil, 2018.
160 p. : il. ; 21 cm.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-6371-0

1. Brasil - História - Proclamação da República, 1889. 2. Brasil -


História - Revolução, 1930. I. Título.
CDD: 981
18-48604
CDU: 94(81)

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Lorena Zomer
Lorena Zomer é doutora e mestre pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), espe-
cialista em Educação Especial pela Faculdade Iguaçu e graduada (Licenciatura) em História pela
Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). É professora universitária e tem experiência em
docência em História nos ensinos Fundamental, Médio e EJA.
Sumário

Apresentação 7

1. A crise no Império e a emergência do discurso republicano 9


1.1 O Brasil de meados do século XIX 10

1.2 Resistência de escravos e luta abolicionista 17

1.3 As ferrovias e o interior do Brasil 20

2. Republicanismo no Brasil Imperial  25


2.1 Partido Republicano 26

2.2 O fim do regime monárquico e a construção de mitos e símbolos 32

2.3 A Constituição de 1891 37

3. Movimentos urbanos e sociais  41


3.1 A organização e a estruturação da República 42

3.2 Socialistas e anarquistas no Brasil 47

3.3 Trabalhadores de 1890-1910 51

4. O sertão e o interior do Brasil 55


4.1 O Cangaço 55

4.2 Canudos 59

4.3 Contestado 64

5. República civilizatória e resistência 69


5.1 Revolta da Armada 69

5.2 Revolta da Vacina 74

5.3 Revolta da Chibata 77

6. Reforma urbana e questão social na capital da República 83


6.1 Formação das elites, coronelismo e disputa pelo poder 83

6.2 Movimento grevista de 1917 87

6.3 Belle Époque: urbanização das capitais 89

7. Literatos, literatura e vida intelectual na Primeira República 97


7.1 Da Belle Époque ao modernismo: a Primeira República narrada 97

7.2 Semana de Arte Moderna 100

7.3 Dimensões da República: vida privada, intimidade e cotidiano 105


8. Discursos eugênicos no Brasil 109
8.1 Eugenia no Brasil 109

8.2 Discursos latinos sobre a eugenia 115

8.3 Imigração e teorias raciais (1920) 116

9. 1920 e as efervescências sociais e políticas 121


9.1 A imigração e a identidade nacional 122

9.2 Movimento operário 124

9.3 A onda feminista 126

10. “Revolução” de 1930: história e historiografia 133


10.1 A crise da República do café com leite 133

10.2 Tenentismo 135

10.3 Getúlio Vargas no poder 139

Gabarito 143

Referências 153
7

Apresentação

No Brasil, a República – proclamada em 15 de novembro de 1889 – não alterou de imediato e de


modo significativo a vida da população, mas foi resultado de muitas ações políticas e sociais. Nessa
mesma época, os impérios se estabeleciam na Europa, prática política que também atingiu decisões
tomadas na América Latina, inclusive no Brasil.

É nesse contexto de alterações mundiais que se inicia a abordagem desta obra, que pretende es-
clarecer aspectos históricos da formação do Brasil-Nação, desde a construção do Estado Nacional
Republicano até a ascensão da chamada República do café com leite, na década de 1930, culminan-
do com a “revolução” que levou Getúlio Vargas ao poder.

Essa longa trajetória do país é esclarecida nesta obra, subdividida em dez capítulos.

O Capítulo 1 aborda a crise no Império e a emergência do discurso republicano no território


brasileiro, com as contradições evidentes entre o litoral e o interior e compreendendo os deba-
tes político-sociais trazidos pelo processo abolicionista. No Capítulo 2, reflete-se sobre os debates
políticos surgidos com o fim do regime monárquico e a ascensão do Partido Republicano, até o
estabelecimento da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, em 1891.

O Capítulo 3 aborda os movimentos sociais e urbanos no Brasil da época, principalmente as


primeiras manifestações socialistas e anarquistas. O Capítulo 4 caracteriza o sertanismo e a segre-
gação social, apresentando os importantes movimentos do Cangaço, de Canudos e do Contestado.

No Capítulo 5, o foco são as contestações e resistências do período de 1900-1917, em especial a


Revolta Armada, a Revolta da Vacina e o Movimento Grevista de 1917.

Por sua vez, o Capítulo 6 analisa as novas organizações do cotidiano, a formação das elites, o
coronelismo e as dimensões culturais e sociais desse novo contexto, inclusive com a insurgência da
Revolta da Chibata. No Capítulo 7, é feita uma reflexão sobre a efervescência cultural e a renovação
dos grandes centros, indo da Belle Époque ao modernismo, incluindo a Semana de Arte Moderna de
1922. O Capítulo 8 trata da eugenia no Brasil, da imigração e das teorias raciais da década de 1920.

No Capítulo 9, são abordados a identidade nacional, o movimento operário e a onda feminista


do país. Por fim, o Capítulo 10 apresenta as questões políticas da República do café com leite, o
tenentismo e a entrada de Getúlio Vargas no poder.

Boa leitura!
1
A crise no Império e a
emergência do discurso republicano

No Brasil, a República – proclamada em 15 de novembro de 1889 – não alterou de ime-


diato e de modo significativo a vida social e política da população, mas foi resultado de muitas
ações políticas e sociais.
Nessa mesma época, os impérios se estabeleciam na Europa, criando uma prática po-
lítica que chegaria a influenciar decisões tomadas na América Latina e, inclusive, no Brasil.
O imperialismo na Europa refere-se a
um período histórico específico, que abrange de 1875 a 1914, quando a
Europa Ocidental passou a exercer intensa influência sobre o restante do
mundo. O conceito designa também o conjunto de práticas e teorias que
um centro metropolitano elabora para controlar um território distante
[...]. Foi o momento do surgimento do Capitalismo monopolista, em
que a livre concorrência entre diferentes empresas gerou concentração
da produção nas mãos das mais bem-sucedidas, levando à formação de
monopólio. Rapidamente, os bancos passaram a dominar o mercado fi-
nanceiro, exportando capital, influenciando as decisões de seus Estados
e impelindo-os para a busca de novos mercados. Nascido, assim, da
formação dos monopólios, o imperialismo promoveu disputas por fon-
tes de matérias-primas entre trustes e cartéis que, já tendo dominado o
mercado interno em seus países de origem, precisavam se expandir para
além de suas fronteiras, defrontando-se com cartéis e trustes de países
concorrentes. (SILVA; SILVA, 2009, p. 218)

Neste capítulo, nosso intuito é tratar dos acontecimentos importantes que colaboraram
com o fim do Império brasileiro1 e resultaram no surgimento do Brasil republicano.
Com base nessa consideração, traçamos primeiramente ideias sobre questões políticas,
como a imigração e as consequências da Guerra da Tríplice Aliança (Guerra do Paraguai).
Posteriormente, nas duas últimas seções, objetivamos pensar a respeito do processo de abo-
lição e a situação social/política daqueles que deveriam ser inseridos na sociedade de modo
igualitário – premissa não muito respeitada –, assim como sobre o desenvolvimento do sistema
de transporte ferroviário.
Importa ressaltar que, no início do século XIX, o Brasil ainda era uma colônia portugue-
sa, situação que se transformou após a Proclamação da Independência, no ano de 1822. Depois
disso, o Brasil vivenciou conflitos importantes, como a Revolução Farroupilha (1835-1845), a
Sabinada (1837-1838), a Balaiada (1839-1841) e a Revolução Praieira (1848-1850), que ques-
tionavam a organização política e social do país, incluindo o Poder Moderador (presente na
Constituição de 1824).

1 Nome dado ao período pós-independência, em que o Brasil era uma monarquia e não se relacionava com a
perspectiva “imperialista” europeia.
10 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

A Revolução Farroupilha e a Sabinada foram conflitos elitistas e da classe média. No caso


do primeiro, por exemplo, a elite gaúcha questionava o valor dos impostos pagos sobre o charque.
Contudo, ambos os conflitos defendiam uma “descentralização” do poder.
A Revolução Praieira e a Balaiada, por sua vez, foram movimentos contra as elites locais em
Pernambuco e no Maranhão, respectivamente, símbolos da opressão e da miséria vividas pelo povo.
Com tudo isso, a partir de 1860, Dom Pedro II viu seus prestígios e privilégios serem cada
vez mais questionados, tanto pelas discussões relacionadas ao tráfico negreiro quanto pela escra-
vidão mantida no país, temas que vinham sendo debatidos desde 1830. Além disso, oposições po-
líticas à monarquia colaboraram para a formação das campanhas republicanas, apoiadas também
pelo desgaste ocasionado pela Guerra do Paraguai.
As características do Brasil, em meados do século XIX, já eram diversas daquelas do início
do mesmo século. Do mesmo modo, ocorriam mudanças globais, permitindo ao Brasil buscar
outras posturas políticas para que pudesse fazer parte das transformações sociais vividas em
outros países. É sobre essas mudanças e algumas das discussões do período que falaremos nas
próximas seções.

1.1 O Brasil de meados do século XIX


Vídeo
As transformações e as revoluções mais profundas no mundo social, po-
lítico, econômico e cultural não ocorrem em um período, mas gradualmente e
vêm cercadas de vários acontecimentos. São mudanças paulatinas, processadas
ao longo dos anos, que ocasionam as “grandes” transformações. O Brasil do fim
do século XIX foi resultado de muitas reivindicações e de novos comportamentos
e sentimentos, que foram maturando ao longo desse mesmo século.
Nesse sentido, o historiador Eric Hobsbawm, assim caracteriza o período compreendido en-
tre 1880 e 1914: “Era muito provável que uma economia mundial cujo ritmo era determinado por
seu núcleo capitalista desenvolvido ou em desenvolvimento se transformasse num mundo onde os
‘avançados’ dominariam os ‘atrasados’; em suma, num mundo de império” (HOBSBAWM, 2010,
p. 98). O que o historiador destaca é a alteração do panorama sociopolítico de muitos países. Fosse
o Brasil um país “avançado” ou “atrasado”, com base no entendimento de Hobsbawm, ele também
teria sido atingido. Apesar de ter recebido diversas influências exteriores, as principais perspectivas
foram fomentadas por acontecimentos do âmbito interno do Brasil.
Dom Pedro II, após o período regencial, preparou várias estratégias para organizar e dar
tranquilidade ao seu próprio reinado. Segundo Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling:
Na falta de uma classe burguesa, capaz ela própria de regular as relações sociais
por meio de mecanismos do mercado, coube ao Estado a consolidação do co-
mando nacional e do protecionismo econômico. [...]
As elites brancas entenderiam a corte como um clube, onde conviviam sócios
sortudos; independentemente das facções políticas. Com efeito, luzias e saqua-
remas, como eram chamados conservadores e liberais, partilhavam a mesma
origem social; formação educacional em Coimbra; carreira voltada para a me-
dicina e em especial para o direito; titulação, e relações pessoais. Divididos por
A crise no Império e a emergência do discurso republicano 11

ideias que privilegiavam ora a centralização do Estado ora a sua descentrali-


zação, fechavam, porém, em uníssono quando o negócio implicava manter a
escravidão e a estrutura vigente. (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 280)

Para a manutenção da política régia do Estado brasileiro, uma das estratégias utilizadas para
manter a ordem social vigente foi dar/consolidar privilégios sociais à classe produtora. Como já
mencionado, Dom Pedro II teve de se posicionar diante de algumas rebeliões e conflitos impor-
tantes, processos questionadores da estrutura política do Brasil naquele momento. Para isso, ele
precisou centralizar em suas mãos a ordem, cuja estratégia foi delegar a administração e as políticas
regionais a homens que o apoiavam, a fim de evitar que tais revoltas se repetissem e continuassem a
questionar o seu próprio governo. Somado a isso, outra medida foi manter a escravidão, tanto pela
mão de obra oferecida pelos escravizados quanto pela rentabilidade do tráfico, visto que as fazen-
das de café utilizavam essa força de trabalho, assim como boa parte do restante do país.
Segundo a historiadora Beatriz Mamigonian, os questionamentos acerca da escravidão
vinham já desde o início do século XIX. De acordo com ela, o primeiro acordo para diminuir
a escravidão foi firmado em 1810, entre Inglaterra e Portugal. Em 1815, após o Congresso de
Viena, a Inglaterra conseguiu o compromisso de intensificar a campanha, porém tal medida
somente foi efetivada em 1822, em territórios acima da linha do Equador. A rede de acordos
sempre partia da Inglaterra.
Em 1827, foi firmada a total proibição do tráfico de escravizados, que deveria ser colocada
em prática até 1830, o que gerou um grande debate político. Em 1831, o primeiro e o segundo arti-
gos da Lei Feijó diziam que todos os escravizados encontrados em barcos brasileiros deveriam ser
soltos e que os responsáveis seriam presos e multados. Entretanto, o regente Diogo Feijó, em 1834,
defendeu a revogação dessa lei por considerá-la inexequível, ou seja, contraditória e injusta para a
população (MAMIGONIAN, 2017, p. 90-130).
Leis, políticas e especialmente a educação seriam os únicos meios para mudar aquele con-
texto. Se a realidade social era difícil para os escravos, para a elite era promissora. Nesse período, a
educação era para privilegiados e, em geral, conduzida por tutores pessoais. Posteriormente, esses
alunos eram enviados a Portugal para estudar, de onde retornavam ao Brasil bacharéis e em busca
de emprego público, de modo a fazer com que os cargos administrativos e políticos continuassem,
na maioria das vezes, com a elite.
No entanto, na primeira metade do século XIX, foi criada a escola primária. Segundo Circe
Bittencourt, “desde o início da organização do sistema escolar, a proposta de ensino de História
voltava-se para uma formação moral e cívica, condição acentuada no decorrer dos séculos XIX e
XX” (BITTENCOURT, 2009, p. 61).
Após as revoltas da primeira metade do século XIX, foram buscadas reformas escolares e
a centralização educacional, a fim de se formar cidadãos de acordo com o esperado pelos grupos
mais fortes do período: o de Dom Pedro II e o do Partido Conservador.
Do mesmo modo, o setor político público retomou o Conselho de Estado, que era o Poder
Legislativo e espécie de “cérebro da monarquia”. Agora chamado de Novo Conselho, que havia sido
12 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

extinto em 1834, permaneceu vigente até 1889, mantendo cargos vitalícios cujos lugares eram ocu-
pados por escolhidos de Dom Pedro II (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 281).
A influência do grupo mais conservador na educação, na política e nos cargos públicos per-
mite-nos entender a dificuldade em estabelecer mudanças sociais mais profundas. Mamigonian
ressalta que a polêmica sobre o fim da escravidão ou do tráfico de escravizados se acentuou na
década de 1840. Os argumentos contrários a essa prática tinham por objetivo criar uma ideia de
que tal decisão traria prejuízos ao Brasil, além de lançar dúvidas sobre o que fazer com os libertos
(MAMIGONIAN, 2017, p. 209-280). É preciso considerar que a formação do Brasil, seja enquanto
colônia ou já como império, justificava a escravidão como uma instituição e a protegia legalmente.
Levando em consideração que o Poder Moderador permitia a D. Pedro II – junto àqueles
que mantinham cargos administrativos e políticos indicados pelo rei – decidir sobre várias deman-
das políticas, inclusive intervindo em conflitos regionais, entendemos que seu poder era amplo. No
entanto, ainda restava ao imperador e a seu grupo político conseguir ou construir uma ideia de na-
ção para o país. Para Dolhnikoff, o resultado disso era o interesse em uma unidade que tinha como
base a “autonomia” tanto do governo central quanto do governo regional (DOLHNIKOFF, 2003, p.
433). Essa perspectiva pode ser compreendida em diversas ações do grupo político de Dom Pedro
II, que desejava ter o Brasil reconhecido como um local de cultura tropical, e não de escravidão.
Para tanto, era preciso criar imagens simbólicas, heróis nacionais, selecionar imagens e pai-
sagens idealizadas como naturais. Sobre isso, as historiadoras Schwarcz e Starling (2015) apontam
que o Romantismo foi uma das escolhas:
Procurar por homogeneidades num Estado de proporções continentais e
caracterizado por uma população tão heterogênea era tarefa complicada.
A saída foi “esquecer” a escravidão e idealizar os indígenas, os quais, dizi-
mados sistematicamente nas florestas, reapareciam em romances e pinturas
oficiais ou semioficiais. A representação do país como indígena (e mascu-
lino) juntava as concepções de um Brasil americano, mas também monár-
quico e português. Ou seja: uma mistura da cultura da velha metrópole com
a identificação com a América, que nos faz independentes. (SCHWARCZ;
STARLING, 2015, p. 283-4)

A imagem do Brasil trazia ideias sobre uma “ex-colônia” tropical, com aspectos de sua me-
trópole, porém modificada. Isso também possibilitou novas formações culturais ao recente país,
mesmo que “branqueando” o indígena.
Além disso, Dom Pedro II também se tornou protetor do Instituto Histórico Geográfico
Brasileiro (IHGB) em 1838, bem como conviveu nesse espaço com o historiador Francisco Adolfo
Varnhagen e os escritores Joaquim Manuel de Macedo e Gonçalves Dias2. O instituto e homens
como Varnhagen inauguraram a escrita da história brasileira, com o objetivo principal de criar
uma ideia de nação para o país. A premissa era de que as histórias narradas pelo IHGB deveriam
ter como fonte documentos e memórias oficiais.

2 Para um maior aprofundamento do tema, sugerimos a leitura de Julio Bentivoglio (2015).


A crise no Império e a emergência do discurso republicano 13

Um dos pontos ressaltados por Julio Bentivoglio é justamente o prêmio recebido por Carl F.
von Martius, por um artigo em que
defendia a escrita de uma história para o país que seria uma síntese do encon-
tro das três raças que a compunham: brancos, negros e índios; superando um
tipo de história que vinha sendo combatida na Alemanha, porque cronológica,
filosófica e universalista; [...]. Essa nova história [...] visava o particular, a com-
preensão dos nexos entre os eventos, o encontro com o espírito do povo e da
nação. (BENTIVOGLIO, 2015, p. 293)

Cabe ressaltar que as relações entre Dom Pedro II e os historiadores do período determi-
navam as ideias do que seria narrado sobre a memória nacional, de acordo com os interesses do
imperador e das classes mais privilegiadas (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 285-6). Segundo
as historiadoras, um dos ápices da relação do Romantismo como movimento estético, cultural e
político e das estratégias e relações de Dom Pedro II, foi a escrita de Iracema e O Guarani, ambos
de José de Alencar.
Figura 1 – Iracema

Fonte: MEDEIROS, José Maria de. Iracema. 1884. Óleo sobre tela: 168,3 cm × 255 cm. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.

A pintura datada de 1884, de José Maria de Medeiros, retrata Iracema, a indígena idealizada
pelos padrões do Romantismo brasileiro. A imagem sugere um lugar bucólico, pois traz cores ao
fundo, em perspectiva, revelando um pôr do sol. Além disso, demonstra a riqueza da flora, que leva
à ideia de um “paraíso tropical”. Do mesmo modo, a seminudez da indígena mostra que o mundo
não era assim tão “selvagem”.
A prática de relacionar os indígenas à ideia de selvagem faz parte da própria catequização
direcionada a eles. Quando catequizados, geraram uma miscigenação própria no Brasil tropical,
substituindo o imaginário de uma colonização repleta de diferenças sociais (baseada na escravidão
e na opressão indígena) por uma nação americana próspera.
De acordo com Schwarcz e Starling, após 1848, alguns acontecimentos já mostravam que
nem tudo era homogêneo e a favor de Dom Pedro II. Naquele período, embora a proporção fosse de
14 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

110 políticos conservadores na Câmara para apenas um liberal, algumas questões começaram a ser
debatidas e foram motivo de desgaste para a imagem do imperador: o problema da estrutura agrá-
ria, a questão escravagista e o incentivo ao início da imigração (SCHWARCZ; STARLING, 2015,
p. 274). Tais questões já vinham ganhando corpo desde o início da Guerra do Paraguai (1864-1870).
O trabalho escravo era um dos temas mais espinhosos, visto que, desde a Lei Feijó
(de 7 de novembro de 1831), o debate sobre esse assunto já havia sido levantado e, aos poucos,
ganhava mais defensores para o fim do tráfico, mesmo que isso se desse de maneira lenta e gradual
(MAMIGONIAN, 2017).
É importante considerar que os debates não tratavam apenas do trabalho escravo como fon-
te de mão de obra ou do prestígio social em ostentar a posse de escravizados, mas dos valores
financeiros muito vantajosos desse tipo de atividade.
Essa discussão interna se acirrou na década de 1850, tanto pela pressão de alguns grupos
brasileiros quanto pela pressão estrangeira que buscava encarecer o valor dos produtos agrários no
Brasil, visto que os de suas colônias também estavam mais caros devido à proibição do tráfico ou
ao fim da escravidão. Somado a isso, a Inglaterra também desejava matéria-prima da África, bem
como desenvolver um comércio com o continente, mas, para isso, precisava diminuir o tráfico de
africanos escravizados (BETHELL, 2002, p. 14).
Com a intenção de extinguir o tráfico, algumas iniciativas começaram a ser realizadas ainda
na década de 1850, a fim de trazer mão de obra imigrante. Uma delas, a Lei n. 601, de 18 de setem-
bro de 1850 (a Lei de Terras) desencadeou mudanças, visto que um de seus objetivos era norma-
tizar o controle das terras, para que se pudesse passar a falsa ideia de que os imigrantes poderiam
adquiri-las, quando, de fato, ela acabava impedindo o acesso à posse da terra tanto por parte dos
imigrantes quanto dos escravizados, uma vez que as terras só poderiam ser vendidas, e não doadas.
Tal perspectiva tornava o Brasil bastante atraente para esses estrangeiros que buscavam uma vida
melhor, fugindo de crises e dificuldades em seus países de origem. Sobre esse processo, além de
limitar o número de terras que poderia ser comprada,
a Lei de Terras instituiu no Brasil a terra como mercadoria e permitiu a vinda de
imigrantes para promover a grande e a pequena lavoura [...]. E, ao impedir que
desde o início esses camponeses pudessem se tornar proprietários, reafirmava o
que deles se esperava: colonos morigerados e laboriosos como força de trabalho
para as propriedades agrícolas do Estado ou Particulares. Portanto, a Lei de
Terras, ao dificultar o acesso à propriedade ao conjunto da população campesi-
na, ao mesmo tempo colocava este coletivo aos ditames do capital. (SANTOS,
2001, p. 36)

Além de reforçar a posse das terras pelas elites, por meio dessa lei os imigrantes tinham seus
lugares demarcados, assim como os negros. Embora a Lei de Terras não tivesse muitos recursos
para controlar a demarcação, foi uma estratégia para manter a ordem social no Brasil, mesmo com
a proibição do tráfico.
Diante do descontentamento de conservadores escravocratas, a Guarda Nacional foi refor-
çada, para que se cumprisse a lei.
A crise no Império e a emergência do discurso republicano 15

Nesse período, foram construídas as primeiras estradas de ferro e algumas escolas, fo-
ram estruturados o serviço de iluminação pública e o sistema de telégrafos e foi criado o Código
Comercial, a fim de estimular o comércio interno. Entretanto, se considerarmos todos os proble-
mas políticos e sociais para que o país se desenvolvesse de fato, seria necessária uma transformação
profunda. Só isso faria com que o Brasil fosse respeitado e visto como um país “em desenvolvi-
mento”. E tal transformação era necessária porque os interesses dos grupos dominantes do período
visavam ao desenvolvimento econômico e político, porém não ao social.
Toda a verba investida na estrutura considerada “modernizante” era proveniente do que
vinha do tráfico de escravos (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 274-275). Mesmo com tantas
mudanças e com a alta do café na década de 1860, a imigração só seria acentuada após a abolição e
com o incentivo da “política de branqueamento”.
O que percebemos das medidas mencionadas é que, enquanto algumas delas trouxeram
as transformações econômicas esperadas, geraram também novas críticas acerca da condução
política de Dom Pedro II. Um desses elementos foi a Guerra da Tríplice Aliança, ou, como é mais
conhecida, a Guerra do Paraguai, entre os anos de 1864 e 1870, considerada o maior conflito
armado da América do Sul.
Durante a guerra, presenciou-se a permissão, por parte dos López, de outras vertentes po-
líticas para a reorganização política e social do Paraguai. Entretanto, esses capítulos contidos na
Constituição paraguaia de 1844 e de 1856 nunca foram efetivamente postos em prática e, vale
dizer, aqueles que deveriam fomentar olhares diferentes, ou mesmo serem opositores à política
dos López, eram os próprios representantes e/ou indivíduos pertencentes às famílias relacionadas
aos já dirigentes do país (SOUZA, 2006a, p. 128-129). A organização política do Paraguai diferia
da brasileira, pelo fato de o Brasil apresentar um governo imperial e “centralizador”, enquanto o
Paraguai tinha uma perspectiva mais “nacionalista” e de desenvolvimento econômico.
Além disso, o período político dos López contou com um crescimento econômico, com in-
centivo da indústria local, subsidiada pela venda da erva-mate, de fumo e de madeiras. Essa situa-
ção destacou o Paraguai dos demais países, oferecendo a possibilidade (mas não necessariamente
a efetivação) de ser um país socialmente melhor (SOUZA, 2006a, p. 126).
Também houve o direcionamento de verbas públicas à educação primária e até mesmo o en-
vio de alunos a outros países por meio de fomento público e arrendamento de terras (antes perten-
centes aos representantes da Coroa espanhola ou da Argentina) (SOUZA, 2006a, p. 305-306). Esses
fatores favoreceram o crescimento econômico do país e a independência em relação à Inglaterra,
embora ele ainda se mantivesse em quase total isolamento em relação aos países vizinhos.
Essas características exemplificam como a realidade econômica, social e política do Paraguai
era diversa daquela do Brasil. Ao mesmo tempo, não havia um motivo contundente para que o nos-
so país tivesse receio do vizinho, mesmo que ele ameaçasse dominar o Rio Paraná, com o objetivo
de chegar à Bacia do Rio da Prata.
Foi com base nessas possíveis ameaças que ocorreu a Guerra do Paraguai, na qual foram
vitoriosos o Brasil e os demais países (Argentina e Uruguai), apoiados pela Inglaterra, a qual tinha
16 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

como objetivo reduzir a autonomia paraguaia, um dos únicos países a não depender de seus inves-
timentos e empréstimos. Enquanto isso, o Brasil contraía mais empréstimos para poder se armar
durante esse período bélico.
Cabe observarmos que, mesmo com uma postura arrogante de Solano López em querer
dominar o Rio da Prata e o Brasil não aceitando a intromissão ou o crescimento paraguaio, o único
país beneficiado pela guerra foi a Inglaterra.
Tal acontecimento causou um desgaste político ainda maior para Dom Pedro II, além de
dificuldade econômica para toda a nação. A principal consequência política foi o fortalecimento
do Exército, uma das instituições que mais questionou as ações do imperador. Entre as exigências
militares estavam a autonomia política e a manutenção da hierarquia após a guerra3.
Isso fortaleceu também as discussões sobre o fim da escravidão, já que muitos soldados eram
escravos e foram à guerra diante da promessa de ganharem a liberdade. Ao retornarem, não apenas
queriam a liberdade, mas também o avanço do movimento abolicionista.
Além disso, muitos cargos mais altos da hierarquia militar já mantinham discussões sobre
ideais republicanos, que questionavam diretamente o Poder Moderador de Dom Pedro II e a estru-
tura política legitimada por ele e seu grupo.
Como dito anteriormente, a Guerra do Paraguai causou endividamentos do governo brasi-
leiro, visto que “o Tesouro Real indicou um gasto de 614 mil contos de réis. Para se ter uma ideia da
magnitude desses gastos, basta comparar com o orçamento do império disponível para 1864, que
era de 57 mil contos de réis” (DORATIOTO, 2002, p. 462). Por outro lado, no contexto da guerra,
o Paraguai perdeu sua autonomia política e territorial.
O historiador José Murilo de Carvalho traz uma ideia do significado da Guerra do Paraguai
para o contexto brasileiro e a situação política posterior:
De repente havia um estrangeiro inimigo que, por oposição, gerava o sentimen-
to de identidade brasileira. São abundantes as indicações do surgimento dessa
nova identidade, mesmo que ainda em esboço. Podem-se mencionar a apresen-
tação de milhares de voluntários no início da guerra, a valorização do hino e da
bandeira, as canções e poesias populares. Caso marcante foi o de Jovita Feitosa,
mulher que se vestiu de homem para ir à guerra a fim de vingar as mulheres bra-
sileiras injuriadas pelos paraguaios. Foi exaltada como a Joana d’Arc nacional.
Lutaram no Paraguai cerca de 135 mil brasileiros, muitos deles negros, inclusive
libertos. (CARVALHO, 2002, p. 38)

A citação constata de que forma um processo histórico tão polêmico e complexo como a
Guerra da Tríplice Aliança pôde trazer outras perspectivas para o Brasil, entre elas, a ideia do
Brasil como um país de povo unido para a luta. Isso traria mais que a exigência da liberdade para
os escravizados que haviam lutado, e a busca do reconhecimento do exército na hierarquia política.
A Guerra do Paraguai suscitou sentimentos de participação cívica e de cidadania.

3 O site da Biblioteca Nacional oferece diversas fontes para análise da Guerra do Paraguai. Entre elas, trazemos o
seguinte “dossiê”, disponível em: <http://bndigital.bn.gov.br/dossies/guerra-do-paraguai>. Acesso em: 19 fev. 2018.
A crise no Império e a emergência do discurso republicano 17

Carvalho (2002) aponta que a escravidão estava tão enraizada em nossas características so-
ciais e políticas que apenas após a Guerra do Paraguai a questão voltou a ser debatida. Além do
desejo de liberdade suscitado durante o período de 1864 a 1870, o Brasil foi alvo de críticas por
manter e ter em combate escravos, um constrangimento diante de seus aliados e inimigos.
No que se refere à segurança nacional, por que o Brasil manteria um exército permanente
com escravos? Então, foi nesse período (1871) que a Lei n. 2.040, de 28 de setembro de 1871 (Lei
do Ventre Livre) foi sancionada por Dom Pedro II, abrindo oficialmente precedentes para a aboli-
ção total da escravatura. Pensar em nuances desse contexto, tanto em seus aspectos sociais quanto
políticos, é o objetivo da próxima seção.

1.2 Resistência de escravos e luta abolicionista


Vídeo havia mistura social, mas também não faltava hierarquia e respeito por ela.
Nessa sociedade de perfil aristocrático (ou que se queria aristocrática), todos
podiam conviver lado a lado, e apesar disso nunca deixariam de saber, cada
qual, o seu lugar. A hierarquia era dada por uma série de marcas sociais e raciais
– roupas, locais de residência, círculos de amizades, viagens, festas – claramente
discriminadas a despeito da convivência num mesmo espaço. (SCHWARCZ,
2017, p. 23)

Esse é o panorama social do bairro de Laranjeiras, no Rio de Janeiro, onde vivia Afonso
Henriques de Lima Barreto, escritor e neto de duas escravas. O ano aproximado descrito pela his-
toriadora é o de 1881, mesmo do nascimento do escritor. Embora Lima Barreto fosse filho de uma
professora e de um tipógrafo, sua vida ainda seria marcada pelas consequências de um período
quase não vivido por ele (tinha 7 anos quando ocorreu a abolição).
Por que um país que logo teria o fim da escravidão e seria uma República, sinônimo de
igualdade e de cidadania, viveria um futuro com diferenças sociais bem demarcadas e baseadas
em raça, etnia e classe? Para Schwarcz (2017), a questão ia muito além da econômica ou mesmo se
ligava apenas às regiões mais produtoras. Para ela,
De tão naturalizada, a escravidão não era privilégio de grandes proprietários.
Os monarcas, mas também pequenos roceiros, negociantes, taberneiros, profis-
sionais liberais, padres, comerciantes, e por vezes até escravos possuíam cativos.
A escravidão entrou em cheio nas casas privadas e nos negócios públicos do
Estado [...]. O escravismo era, sobretudo, um bom negócio. Mas era mais do
que isso; ele moldou condutas, definiu desigualdades sociais, fez de raça e de
cor dois marcadores de diferença fundamentais, ordenou etiquetas de mando e
obediência, e criou uma sociedade condicionada pelo paternalismo e por uma
hierarquia estrita. (SCHWARCZ, 2017, p. 29)

A historiadora traz a ideia de naturalização e de normalização da escravidão para centenas


de gerações do Brasil colonial. Entretanto, embora seja um argumento bastante aceitável, ainda
não é suficiente para justificar a permanência desses princípios racistas tanto no tempo de Lima
Barreto quanto nos séculos XX e XXI.
Nesse caso, outro aspecto a se pensar tem como base ideias da historiadora Beatriz
Mamigonian. Para ela, mesmo com as tentativas de proibir o tráfico logo após a independência,
18 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

com a promulgação da Lei de 7 de novembro 1831 (a Lei Feijó), o Brasil não debatia o fim da escra-
vidão pensando em igualdade e cidadania para os escravizados. As pautas de discussão acabavam
sendo apenas sobre o peso econômico da decisão e reiterando o que esse trabalho e seu tráfico
sustentavam no Brasil.
Ou seja, a maioria da população brasileira do século XIX de maneira alguma pensava que
oferecer ao escravizado a liberdade era uma necessidade de justiça. O que pressionava nesse senti-
do eram apenas os interesses ingleses, que exigiam o fim do tráfico negreiro para o Brasil visando a
benefícios próprios. Em paralelo, outros países da América davam liberdade aos escravos.
Então, esse modelo escravagista não combinava com uma nação moderna, muito menos se
o Brasil caminhasse para o republicanismo (MAMIGONIAN, 2017, p. 9-29).
Dessa forma, apenas pelas independências de países da América Latina e da pressão exterior
é que o governo desse período passou a obedecer ou discutir algumas das leis anteriores à Áurea.
Isso não significa que o surgimento dos discursos republicanos, ou mesmo os desdobramentos da
Guerra do Paraguai e da própria campanha abolicionista, não foram ouvidos; pelo contrário, foi
pelos meandros que a política brasileira não conseguiu contornar que esses acontecimentos laterais
encontraram força e espaço para se instituir como políticas universais.
A questão abolicionista certamente foi uma das mais polêmicas e caras para o período pos-
terior a 1850. Tendo em vista a sua proibição em breve, o tráfico cresceu muito nas décadas que
antecederam 1850. A liberdade, que deveria ser dada àqueles que foram traficados ilegalmente,
muitas vezes teve de ser defendida por juristas e advogados (MAMIGONIAN, 2017, p. 430-433).
Isso demonstra que ferir a lei não era algo grave, visto que moralmente uma maioria não se impor-
tava com a vida dos escravizados.
Além disso, podemos pontuar outras características sobre a alforria desse período – quan-
do ela ocorria. Schwarcz (2017), ao falar sobre a vida de Lima Barreto, menciona a avó dele da
seguinte forma:
A avó de Lima, Geraldina Leocádia, fora alforriada quando a família se mu-
dou para o Rio [de Janeiro]. Os Pereira de Carvalho parecem ter se adiantado
ao movimento que seria mais geral apenas na década de 1880, concedendo
alforria condicional, mas preservando os libertos por perto. [...] Os motivos
para receber a tão desejada carta de liberdade eram vários, porém não poucas
vezes razões simples, pautadas em desígnios do coração, falavam mais alto. [...]
Geraldina e os filhos permaneceriam próximos de seus ex-proprietários. Havia
muita ambivalência, de lado a lado, nessas trocas de favores; elas auxiliavam na
inserção social futura dos “ingênuos”, mas igualmente mantinham laços de ser-
vidão e novas formas de dependência. (SCHWARCZ, 2017, p. 37)

A passagem referente à família de Lima Barreto demonstra que, quando a lei era aplicada,
alguns acabavam cedendo à alforria. Ou seja, por pressões políticas ou sociais, os proprietários re-
solviam manter-se perto de seus ex-escravos. Esse gesto era baseado em um processo hierárquico,
racista e classista, no qual práticas clientelistas eram estendidas a negros com a promessa de uma
inserção social, já que, após a alforria, não eram mais propriedade, e isso significava também que
não era mais obrigação de seus donos defendê-los.
A crise no Império e a emergência do discurso republicano 19

Além disso, o trabalho de Geraldina era o de doméstica, muito comum para mulheres ne-
gras no mundo pós-escravidão. Esse foi um trabalho considerado inferior e subestimado por mui-
tas casas ao longo de um século4.
O caso da mãe de Lima Barreto também se relacionava com essa prática de dependência. Ao
adquirir o “nome social” Pereira Carvalho, ela pôde estudar e se tornar professora (SCHWARCZ,
2017, p. 37).
Nesse sentido, podemos entender que, por lei ou por vontade própria, negros e negras re-
ceberam suas alforrias, mas, em geral, não tiveram seus futuros planejados, muito menos uma
inserção social que visava à igualdade. Um argumento para isso é o próprio estímulo à vinda de
imigrantes europeus, a fim de substituir o trabalho escravo negro, mesmo que em geral fosse muito
mais caro e menos rentável em relação ao primeiro.
O Brasil foi o último país ocidental a abolir a escravidão – cerca de um ano após o feito em
Cuba. O historiador José Murilo de Carvalho mostra que a discussão só veio à tona em 1884 no
Senado. Segundo ele:
O Brasil era o último país de tradição cristã e ocidental a libertar os escravos.
E o fez quando o número de escravos era pouco significativo. Na época da
independência, os escravos representavam 30% da população. Em 1873, ha-
via 1,5 milhão de escravos, 15% dos brasileiros. Às vésperas da abolição, em
1887, os escravos não passavam de 723 mil, apenas 5% da população do país.
(CARVALHO, 2002, p. 47)

Ou seja, dentro de processos de alforria – baseados em leis, como a dos Sexagenários e do


Ventre Livre, ou mesmo por meio de fugas para quilombos – a quantidade de escravos já estava re-
duzida. Desse modo, é preciso que nos perguntemos: se o número de escravizados já era tão menor,
por que houve (e ainda há) um problema tão sério em relação ao racismo e à desigualdade social,
se considerada a categoria de raça?
José Murilo de Carvalho pondera sobre tal questionamento. Para ele, próximo à guerra civil
dos Estados Unidos, havia ao menos 4 milhões de escravos, ou seja, um grande obstáculo para a
construção de uma ideia de igualdade. À época, esse país era dividido entre Norte e Sul, e a escra-
vidão só era permitida na parte austral. Tal perspectiva se difere do Brasil, visto que em nosso país,
embora a escravidão fosse distribuída de maneira desigual, “havia escravos no país inteiro, em
todas as províncias, no campo e nas cidades” (CARVALHO, 2002, p. 48).
Nesse caso, um diferencial entre a escravidão brasileira e a estadunidense, especialmente
se considerarmos os problemas sociais vividos após a abolição, é o fato de existirem grandes e
pequenos proprietários de escravos. Esses escravizados poderiam ser usados para trabalho árduo
nas lavouras, mas também ser de ganho. Outro aspecto é o fato de os libertos também terem a
possibilidade de comprar ou incentivar a escravidão de alguém da sua cor. Nesse caso, Carvalho
aponta que até mesmo escravos tinham escravos, assim como existiam 78% de libertos na Bahia
(CARVALHO, 2002, p. 48).

4 Para mais informações, ver o trabalho de Joaze Bernardino Costa (2015), que trata do trabalho doméstico e das
mudanças que ocorreram apenas no século XXI, com o reconhecimento por lei do trabalho doméstico no Brasil.
20 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

Um dos aspectos que mais pesam sobre essa discussão e que podemos pontuar sobre essa
questão social – uma consequência de séculos de escravidão e da falta de igualdade e de cidada-
nia – é que, mesmo aqueles que lutavam pela própria liberdade, quando a alcançavam, acabavam
legitimando a escravidão. Para o autor,
embora repudiassem sua escravidão, uma vez libertos admitiam escravizar os
outros. Que os senhores achassem normal ou necessária a escravidão, pode en-
tender-se. Que libertos o fizessem, é matéria para reflexão. Tudo indica que os
valores da liberdade individual, base dos direitos civis, tão caros à modernidade
europeia e aos fundadores da América do Norte, não tinham grande peso no
Brasil. (CARVALHO, 2002, p. 49)

Portanto, longe de normatizar ou justificar o racismo presente no Brasil pela própria cul-
pabilidade de ex-escravizados, o que queremos, ao trazer tal citação, é demonstrar o quanto essa
questão social é complexa, ainda mais ao ser refletida e discutida ainda nos séculos XIX e XX.
Se estudarmos a vida e a obra do escritor Lima Barreto, é possível perceber que os escraviza-
dos que antes cuidavam de fazendas e faziam outros trabalhos semelhantes passaram, na sua maio-
ria, a ocupar lugares marginais em cortiços e assumiram empregos apontados como subalternos,
não somente nos anos seguintes, mas durante o século XX também.
Podemos destacar que a modernização no Brasil (empreendida na segunda metade do
século XX) não foi acompanhada de preceitos sociais ou de igualdade para negros. Ela era de-
sejosa de imigrantes brancos, a fim de deixar a “República Tropical” mais branca. Sobre isso, o
historiador Carvalho aponta a seguinte ideia:
O argumento da liberdade individual como direito inalienável era usado com pouca
ênfase, não tinha a força que lhe era característica na tradição anglo-saxônica. Não o
favorecia a interpretação católica da Bíblia, nem a preocupação da elite com o Estado
nacional. Vemos aí a presença de uma tradição cultural distinta, que poderíamos
chamar de ibérica, alheia ao iluminismo libertário, à ênfase nos direitos naturais, à
liberdade individual. Essa tradição insistia nos aspectos comunitários da vida religio-
sa e política, insistia na supremacia do todo sobre as partes, da cooperação sobre a
competição e o conflito, da hierarquia sobre a igualdade. (CARVALHO, 2002, p. 51)

Nesse caso, fica claro que as ideias de liberdade e de igualdade não tinham o mesmo peso
para todos. A tradição e os costumes mantiveram-se junto ao fraco debate político, após 1888.
Afinal, políticos que acreditavam que o país deveria indenizar os donos de escravos após a abolição
não discutiriam como dar aos ex-escravos uma cidadania plena (SCHWARCZ, 2017, p. 60-63).

1.3 As ferrovias e o interior do Brasil


Vídeo
A cultura do café, que se desenvolveu a partir de 1830, proporcionou mui-
tas riquezas ao Brasil, o que permitiu o acúmulo de capital que, futuramente, foi
responsável por parte do investimento industrial do eixo São Paulo-Rio de Janeiro
(CARVALHO, 1981, p. 56).
A primeira estrada de ferro foi construída pelos ingleses ainda em 1854, no
Rio de Janeiro, por iniciativa do Barão de Mauá (com investimento próprio de 10%), embora a lei
que a tenha permitido ainda fosse de 1835, a Lei Feijó (PINTO, 1977, p. 22).
A crise no Império e a emergência do discurso republicano 21

A ordem de construção dessa estrada foi de Dom Pedro II, cujo objetivo central era interli-
gar o Rio de Janeiro a São Paulo e Minas Gerais. O pagamento do empréstimo foi feito apenas na
década de 1870, porém, antes disso, as relações do Brasil com a Inglaterra se estreitaram, após a
resolução da questão Christie.
A empresa que se instalou a partir de 1860 foi a The São Paulo Railway Company, que cons-
truiu ferrovia de Santos até Jundiaí. Além do desenvolvimento maior ainda dessa região, logo
migrantes do Brasil começaram a se aproximar de onde se projetavam as novas ferrovias, au-
mentando o povoamento do interior e estimulando o desenvolvimento da Politécnica do Rio
de Janeiro, visto que em geral a mão de obra engenheira era inglesa (TELES, 1994, p. 471).
Após 1870, foram logo construídas as ferrovias paulista (1872), a mogiana (1875) e a sorocabana
(1875). O mapa a seguir permite-nos entender a interiorização e o desenvolvimento causados
pelo aumento das ferrovias:
Mapa 1 – Ferrovias do Brasil em 1876

Imperial Instituto Artístico/Wikimedia Commons


22 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

Entendemos que o interior do Rio de Janeiro e especialmente o de São Paulo foram os


maiores beneficiados pela chegada das ferrovias ao Brasil, devido à presença das fazendas de café.
Entretanto, é importante salientar que o interior do Brasil continuou ainda pouco conhecido.
No que se refere à economia do período, além do próprio café, outros segmentos começaram a
despertar o interesse daqueles que estavam relacionados ao café e às ferrovias, como o abastecimento
de água, o saneamento, os portos, as máquinas a vapor, a navegação, a eletricidade, a telegrafia e a
telefonia. É perceptível que ainda no império de Dom Pedro II uma rede de transportes e de comu-
nicação dava sinais de crescimento. O progresso parecia chegar à nação tropical, ao passo que nela
ainda persistiam tantos problemas sociais e políticos, especialmente se considerarmos que as políticas
públicas eram direcionadas para manter os segmentos econômicos de uma minoria.
Dessa forma, é possível perceber que os investimentos eram realizados de acordo com os in-
teresses de uma classe privilegiada. Contudo, é importante considerar que esse acúmulo de capital
financiou parte do crescimento industrial de 1920 a 1940.

Considerações finais
O objetivo deste capítulo foi trazer alguns debates vividos no século XIX que criaram as con-
dições para que o poder monárquico, a escravidão e a ordem social vigente fossem questionados e
para compreender como algumas práticas políticas e econômicas, como a imigração e a construção
das ferrovias, mudaram o cenário brasileiro do interior (a começar por São Paulo). Esses processos
também estão diretamente ligados ao modo como se deu a Proclamação da República no país,
por meio da tomada do poder pelos militares, instituindo uma política republicana e sem grandes
transformações – o que trouxe consequências para as primeiras décadas do século XX.

Ampliando seus conhecimentos


O trecho a seguir, de autoria de Márcia Janete Espig, faz referência ao período em que a
estrada de ferro entre o Estado de São Paulo e o Estado do Rio Grande do Sul foi construída, ou
seja, a partir de meados do século XIX. Para isso, tanto o trabalho de imigrantes europeus quanto o
de migrantes brasileiros foi contratado. As mudanças ocasionadas pela construção das estradas de
ferro desencadearam transformações sociais e políticas nas regiões envolvidas e no país, conforme
podem ser percebidas no decorrer do texto.

A construção da Linha Sul da Estrada de Ferro São Paulo-Rio


Grande (1908-1910): mão de obra e migrações
(ESPIG, 2012, p. 852-862)

Foi em seus momentos finais que o Império brasileiro aprovou um projeto há muito acalen-
tado pelo poder público, assinando-se o decreto que autorizava a construção de um caminho
de ferro que faria a ligação da província de São Paulo ao sul do Brasil. Em 9 de novembro de
1889, através do Decreto n. 10.432, o engenheiro João Teixeira Soares recebeu do Governo
Imperial autorização para “construcção, uso e goso” da ferrovia que passou a ser denominada
A crise no Império e a emergência do discurso republicano 23

Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande (EFSPRG). No dia 14 de novembro, Teixeira Soares
assinou o contrato com o Governo Federal, e apenas seis dias após a assinatura do decreto e um
dia após a assinatura do contrato, caía a Monarquia e com ela o compromisso entre as partes.
[...]
A questão da imigração recebeu destaque no Decreto Imperial. As Cláusulas 39 a 46 organiza-
vam a colonização nas terras servidas por suas linhas férreas. A Companhia deveria estabele-
cer em terras a serem demarcadas até dez mil famílias de agricultores nacionais e estrangeiros,
no prazo máximo de quinze anos. Cada família teria direito a um lote de terras de dez hectares
e uma casa construída. Enquanto tivessem seu sustento provido pela Estrada de Ferro, os colo-
nos trabalhariam 15 dias por mês em seus lotes e os demais dias para a Companhia, mediante
um salário acordado entre as partes. [...] O governo estabelecia também que 15% das famílias
poderiam ser nacionais; as outras seriam compostas de imigrantes europeus ou das possessões
portuguesas e espanholas que chegassem ao país por conta própria ou por conta do governo.
Neste sentido, colocava a Cláusula XLIV, o único compromisso do Governo seria o de encami-
nhar os imigrantes para as localidades, onde seriam recebidos pelos agentes dos contratantes.
[...] Permaneceu, portanto, um dos problemas que se tornariam centrais na construção da
EFSPRG: a carência de mão de obra considerada adequada para a dura tarefa de abertura de
caminhos para a ferrovia. A noção do que seria “adequado” incluía preconceitos contra a mão
de obra nacional e especialmente contra os trabalhadores do interior da região, os caboclos.
[...]
As referências a imigrantes e migrantes evoluem paulatinamente na documentação durante
1908. Fontes como jornais e relatos memorialísticos de descendentes ou imigrantes atestam o
fornecimento de passagens para imigrantes de zonas pobres da Europa para a colonização das
zonas contíguas ao caminho de ferro e para sua construção.

Sugestão complementar
Como sugestão complementar, indicamos o blog do Instituto Moreira Salles5, que tem um
variado acervo iconográfico, principalmente do século XIX. Disponível em: <https://blogdoims.
com.br/categorias/>. Acesso em: 27 fev. 2018.

Atividades
1. Elabore uma ideia que considere duas perspectivas políticas diferentes sobre as consequên-
cias da Guerra do Paraguai para o Brasil.

2. Quais relações podemos estabelecer entre a abolição da escravidão em 1888 e as consequên-


cias sociais para aqueles que foram libertos?

5 O Instituto Moreira Salles é uma organização sem fins lucrativos que dispõe de um vasto acervo de obras de arte.
Possui sedes em Poços de Caldas (MG), São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ).
24 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

3. De que forma é possível estabelecer uma relação entre a construção das ferrovias em São
Paulo e o processo de interiorização no século XIX? Além disso, qual era a estratégia econô-
mica envolvida no estímulo das ferrovias?

4. Com base na leitura do capítulo e do trecho do artigo de Márcia Janete Espig, na seção
“Ampliando seus conhecimentos”, estabeleça uma relação entre a construção das ferrovias e
a imigração no Brasil.
2
Republicanismo no Brasil Imperial

Vertigem e aceleração do tempo. Essa seria, sem dúvida, a sensação mais


forte experimentada pelos homens e mulheres que viviam ou circulavam
pelas ruas do Rio de Janeiro na virada do século XIX para o século XX.
Ainda que, de forma menos contundente, o mesmo sentimento parecia estar
presente nas principais cidades brasileiras, que, tal como a c­ idade-capital,
cresciam como nunca [...] haviam crescido, complexificavam suas funções
e recebiam levas de imigrantes europeus [...] Marasmo. E um tempo que
parecia transcorrer tão lentamente que sua marcha inexorável mal era per-
cebida. Assim, nas fazendas, nas vilas do interior e nos sertões do país, essa
mesma virada do século seria percebida. (NEVES, 2008, p. 14)

A citação acima representa parte da realidade brasileira após a Proclamação da República,


na virada do século XIX para o XX. O interior do país era marcado pelos trabalhos da agri-
cultura e pelas relações sociais: coronelistas e escravistas. Nesse mesmo período, chegavam
imigrantes1 aos portos brasileiros, novos bairros começavam a ser formados, com novas opções
de lazer e de transporte, junto com a influência da moda europeia.
Se a Proclamação da República pouco havia transformado o cenário brasileiro no ano
de 1889, esse novo tempo que se abria permitiu que, aos poucos, mudanças sociais e políticas
alcançassem mais partes do país e fossem realizadas transformações relacionadas às exigências
do capitalismo ocidental.
Se na virada do século havia a promessa de uma nova política para o Brasil, por que en-
tão permaneciam tantos problemas sociais e políticos? Para compreender parte dessa questão,
é preciso refletir sobre como aconteceu a Proclamação da República e quais interesses incenti-
varam tal processo.
A partir da segunda metade do século XIX, as propostas políticas do Partido
Republicano ganharam novos limites e debates, tanto dentro de sua própria formação quanto
no que se refere à política imperial de Dom Pedro II. Questões como a Guerra do Paraguai
e a abolição da escravatura foram influenciadas pelos entraves políticos daquele tempo, ou
seja, consequentemente colaboraram para que o governo imperial e suas medidas fossem
contestadas e deslegitimadas.
Os símbolos e mitos, criados após a Proclamação da República, visavam à aceitação do
ideal republicano, de modo que esse novo sistema fosse aceito, defendido e vivido por aquele
que deveria dar apoio político necessário para a estruturação da República – o povo.
Dessa forma, neste capítulo, além de tudo isso, abordaremos também as características da
Constituição de 1891, a fim de discutir a forma como o Brasil estava se reestruturando pelos ca-
minhos republicanos, assim como estabelecer as principais diferenças da Carta anterior, de 1824.

1 Sobre a política de imigrantes direcionada pelo governo brasileiro, sugerimos a leitura de Biondi (2010).
26 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

2.1 Partido Republicano


Vídeo
Para o Partido Republicano Paulista, o ano de 1870 não é o princípio de sua
história, mas um marco. Nessa data aconteceu a fundação do partido na capital do
Império brasileiro (Rio de Janeiro), acontecimento que está atrelado a mudanças
que ocorriam no Brasil, como a diminuição da produção de açúcar no Nordeste
(que não conseguia manter a mão de obra escrava ocupada) e o aumento do poder
econômico e político do Sudeste com a produção cafeeira. Porém, para que fosse possível conquis-
tar mais poder, o partido precisaria relacionar-se com os ideais republicanos e enfrentar a questão
da abolição da escravatura no Brasil.
Nesse mesmo período, entraves contra o governo de Dom Pedro II se intensificaram, prin-
cipalmente devido ao fim da Guerra do Paraguai, que convocou escravos sob a promessa de serem
alforriados após o conflito – motivo pelo qual o movimento abolicionista ganhou mais apoio na
década de 1870.
No Exército, coronéis e soldados passaram a defender a estruturação da instituição,
assim como o discurso de um partido que se coloca a favor de princípios tão diversos à auto-
ridade do imperador.
Portanto, ao fim da Guerra do Paraguai, somado ao desgaste da imagem de Dom Pedro II,
o Exército e o movimento abolicionista, embora em posições sociais diferentes, tinham interesses
políticos contrários às ações do grupo aliado ao imperador.
Além disso, o mundo ocidental caminhava para um período de disputas entre os países da
Europa, em especial estabelecendo impérios, fortalecidos por grandes nações, cujo capitalismo não
aceitava mais o trabalho escravo, principalmente porque este já não existia nas colônias inglesas
– entretanto, com o trabalho escravo no Brasil, a produção tornava-se mais barata, o que desagra-
dava a concorrente Inglaterra.
As ideias referentes à ciência, à tecnologia, ao ideal de civilidade e de progresso afirma-
vam-se nesses países. Desse modo, aqueles que mais se adaptassem a esses princípios alcançariam
destaque na corrida imperialista e novos mercados consumidores.
Apesar do que ocorria no mundo, as práticas econômicas e as políticas do contexto brasilei-
ro eram diversas. Os que regiam a política imperial tinham divergências na postura que deveriam
adotar. O Partido Republicano, por exemplo, que era diferente politicamente da ordem vigente no
Brasil (a Monarquia), não seria aceito sem relutância.
Antônio da Silva Jardim, a respeito dos ataques sentidos pelo Partido Republicano nas déca-
das de 1870 e de 1880, aponta problemas políticos internos ao partido:
Penso que o Partido Republicano, sob pena de covardia, deve, ao menos, não
recuar da atual fase de agitação política, em que por vezes não cedeu, mesmo
diante das armas [...] conservando o sólido princípio fundamental do Partido
Republicano, e as suas gloriosas tradições guerreiras e pacíficas, já é tempo de
dar-lhe uma melhor direção política, mais científica e mais patriótica, quan-
to à doutrinação e processos; direção não vazada unicamente nos moldes
Republicanismo no Brasil Imperial 27

democráticos, que o confundiram no passado com o Partido Liberal e no pre-


sente revelam o perigo de fazê-lo absorvido por este Partido, o que obriga os
republicanos a não aceitarem o modo por quê, por falta de estudo conveniente,
o sr. Quintino Bocaiúva concebe a República; modo vago, estéril, anárquico,
atrasado e utópico. (JARDIM apud BASTOS, 1986, p. 191)

A citação deixa evidente que não havia homogeneidade de pensamento, visto que Silva
Jardim criticou duramente Quintino Bocaiúva – também republicano, mas de cunho mais liberal.
De modo geral, ressaltamos que essa perspectiva heterogênea pode ser considerada importante
para a construção de uma política mais democrática no Brasil.
Bocaiúva tinha como proposta uma revolução “mais branda”, sem armas e/ou conflitos, e só
foi eleito por ter:
falseado o regime republicano de fiscalização, de discussão pública, falseado
o regime representativo, para que se desse a ditadura de um pequeno grupo
paulista, descubro na sua eleição, o que eu sentia de longos meses: uma cons-
piração de alguns velhos elementos do Partido Republicano gastos para a ação
patriótica, somente capazes da intriga para a cobiça do poder, aliada à falta de
compreensão da situação política atual, com o pretenso fim de paralisar a ação
republicana, por medo dos perigos que ela continuasse a trazer; pela incerteza
do gozo do poder, e pela aspiração mesquinha das posições que possa dar um
eleitorado republicano dentro do regime monárquico; e ainda, o que tem mais
importância do que pudera parecer, pelo receio do predomínio moral dos novos
elementos republicanos em ação. (JARDIM apud BASTOS, 1986, p. 191)

Com base nisso, é possível afirmar que Silva Jardim mantinha ideias mais diretas impostas
pelo ideário republicano. Tal perspectiva apoiava uma mudança clara, diferentemente dos liberais,
que eram reconhecidos por oscilarem entre seus interesses e os de Dom Pedro II.
Silva Jardim defendia que o movimento fosse revolucionário no sentido maior do termo,
ou seja, com ampla participação popular, com o intuito de que o sistema, após implementado, não
fosse apenas de acordo com os interesses de um grupo mais privilegiado.
Outras ideias de Silva Jardim também corroboram com essas afirmações:
Por que razão o 7 de abril [de 1831 – o movimento que obrigou D. Pedro I a
abdicar] degenera em movimento monárquico? – indagava. “Porque o grupo
dos exaltados deixou-se vencer pelo dos moderados... É mister evitar a nossa
entrega ao liberalismo, sequioso de poder, tornando-se republicano de um dia
para outro. É preciso tirar o Partido Republicano deste perigo: que a República
seja a Monarquia sem o Imperador! [...] O momento é o mais oportuno para a
instituição da república no Brasil, é o mais adequado para a sua instituição sem
grande abalo social. A nação inteira está mesmo à espera de um novo estado de
coisas, sente-se nas vésperas de uma reorganização. O partido dito conservador
invade o terreno das reformas liberais. O partido liberal arvora a bandeira da
federação, que bandeira arvoraremos nós? Certo que a da república imediata, e,
pois, a da revolução [...] apelamos para todos que a pátria habitam, a fim de que
nos auxiliem no trabalho e na regeneração da pátria. Pedimos o concurso da
mulher, porque sabemos que sem o impulso do seu coração, jamais revolução
gloriosa ou reforma eficaz o homem realizou; pedimos o concurso dos moços
porque sabemos que na mocidade alia-se o entusiasmo científico ao entusiasmo
28 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

patriótico; pedimos o concurso dos velhos porque sabemos que a sua inflexão
consagra e santifica o denodo cívico, o impulso rebelde e a audácia política.
Pedimos o concurso de todos, qualquer que seja a sua nacionalidade: – dos es-
trangeiros – se é que essa palavra estrangeiros existe nos nossos dicionários – a
que colaborem conosco na reorganização da terra que adotaram... (JARDIM
apud BASTOS, 1986, p. 192-195)

O discurso do jornalista Silva Jardim deixa evidente que os liberais percebiam no republi-
canismo um meio de permanecer no poder, pois, mesmo com as diferenças em relação a Dom
Pedro II, sempre estiveram ao seu lado. Silva Jardim traz em suas palavras a disputa entre liberais
e conservadores desde a independência do país. Esses grupos, em geral, eram diferentes, mas em
diversos momentos tinham pautas comuns2.
Ricardo Salles afirma que liberais e conservadores eram entendidos como integrantes de
grupos políticos que ocupavam lugares, por vezes, opostos. O primeiro estava relacionado às clas-
ses médias e urbanas, com profissionais de todas as áreas; o segundo dizia respeito, em sua maioria,
aos produtores rurais.
Na década de 1860, emergia com mais força a questão abolicionista, assim como o argu-
mento liberal da descentralização do poder. Esses interesses entre as propostas dos conservadores
(SALLES, 2012, p. 5-9).
Do mesmo modo, a federalização é apontada como uma resposta ao conturbado período
político por parte dos conservadores. O que se destaca, entretanto, é o pedido de apoio das mais
diversas camadas sociais. Para Silva Jardim, elas traziam interesses também diversos aos dos libe-
rais e aos dos conservadores: entre eles, estavam especialmente os estrangeiros e as mulheres, algo
bastante atípico para esse tempo, visto que elas não tinham o direito de votar.
O apoio da ciência, isto é, do conhecimento que reflete sobre a sociedade e acrescenta ou-
tras perspectivas políticas e sociais, também está presente na fala de Silva Jardim, quando ele diz
“o entusiasmo científico ao entusiasmo patriótico”. Essas correntes ou teorias científicas chegaram
ao Brasil e seus debates estavam relacionados ao progresso, ao ideal de modernidade, bem como à
formação e ao futuro do povo. Por isso, podemos entender que uma nação moderna, que visa ao
progresso e ao crescimento, deve aliar sua política às novas perspectivas.
Percebemos ainda no discurso de Silva Jardim diversas propostas que não são conserva-
doras nem comuns a esse período brasileiro, especialmente se lembrarmos que o coronelismo, o
clientelismo e a escravidão eram as práticas mais em voga, de modo que pouco estava sendo deba-
tido para que elas fossem transformadas. Coronéis recebiam cargos por meio da política regional
ou federal e eram nomeados em um posto imperial que se manteve na República (SCHWARCZ;
STARLING, 2015, p. 322).
Em um governo oligárquico e com influência federalista, coronéis tinham o controle da
região e faziam trocas políticas com o governo federal. Durante a República, os coronéis depen-
diam de uma rede complexa de poder para se manter nesse status, o que desmitifica a ideia de
poder absoluto.

2 Para saber mais, sugerimos a leitura de Salles (2012).


Republicanismo no Brasil Imperial 29

O clientelismo, por sua vez, refere-se ao uso do que é público para interesses privados – no
caso, de acordo com o que propunham os coronéis. À medida que a República cresce e o poder
oligárquico diminui, as práticas clientelistas e coronelistas também, tornando-os intermediários
entre o poder e o povo3.
O fim da escravidão era um dos maiores embates da época, visto que uma parte dos repu-
blicanos ou defendiam sua protelação, ou sua manutenção. Enquanto decisões na justiça usavam
como argumento a proibição de 1831, assim como o aumento de quilombos e o fim da Guerra do
Paraguai, o discurso republicano ia se aproximando cada vez mais da defesa do fim do escravismo
(FERNANDES, 2006, p. 182).
Nesse caso, precisamos considerar que nem todo republicano era abolicionista ou, ao me-
nos, defendia de imediato o fim da escravidão, já que alguns protelavam tal ideia, por serem eles
mesmos conservadores ou donos de escravos.
Ainda assim, de acordo com o historiador Sérgio Buarque de Holanda, “foram os repu-
blicanos os que, retomando a bandeira caída por terra, se dispuseram a levar às consequências
últimas os princípios que outrora tiveram em comum com os liberais genuínos” (HOLANDA,
1985, p. 261).
Na época, para que o Brasil prosperasse como outras nações no mundo ocidental, ele não
poderia mais ser sinônimo de país escravagista. Por isso, o republicanismo em geral defendia a abo-
lição, visto que não era possível propor um regime republicano e, ao mesmo tempo, manter escravos.
É nesse sentido que positivistas, ou militares influenciados pelo positivismo, quando pas-
savam a fazer parte do partido, acabavam levantando suspeitas sobre os republicanos, já que es-
ses nem sempre eram abolicionistas. Corrobora essa ideia o Manifesto do Congresso do Partido
Republicano, feito na cidade de Itu, em 1873:
“Fique, portanto, bem firmado que o Partido Republicano, tal como considera-
mos, capaz de fazer a felicidade do Brasil, quanto à questão do estado servil, fita
desassombrado o futuro, confiando na índole do povo e nos meios de educação,
os quais unidos ao todo harmônico de suas reformas e de seu modo de ser hão
de facilitar-lhe a solução mais justa, mais prática e moderada, selada com o
cunho da vontade nacional”.
Parece que esta declaração seria suficiente para apagar todas as dúvidas.
A questão não nos pertence exclusivamente porque é social e não política: está
no domínio da opinião nacional e é de todos os partidos, e dos monarquis-
tas mais do que nossa, porque compete aos que estão na posse do poder, ou
aos que pretendem apanhá-lo amanhã, estabelecer os meios de seu desfecho
prático. E se os nossos contrários políticos pressagiam para um futuro de-
masiadamente remoto o estabelecimento, no país, do sistema governamental
que pretendemos, o que vem interpelar-nos hoje e desde já sobre esses meios?
(Manifesto do Congresso do Partido Republicano Paulista apud PESSOA,
1973, p. 65)

É evidente no trecho a falta de homogeneidade em relação ao tema da abolição. Também é


perceptível que esse assunto se tornou uma das principais pautas de discussão do grupo republicano.

3 Para saber mais, recomendamos a leitura de Carvalho (2010).


30 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

Do mesmo modo, no discurso percebemos que a monarquia é mencionada por ter “criado”
o problema, já que a escravidão era algo recorrente na história do Brasil desde os tempos coloniais,
não sendo, portanto, de responsabilidade exclusiva do Partido Republicano.
Entretanto, enquanto o Império se negava a sanar o problema, o movimento abolicionista
crescia. Isso fez com que o Partido Republicano se aproximasse da defesa do fim da escravidão,
devido à demanda social ou à cobrança de atitude coerente com o ideário republicano.
É importante pontuarmos também em que condições ocorreu a Convenção de Itu, em 1873:
Assim, se essa não era com certeza a primeira ocasião em que se formavam
movimentos republicanos, a alternativa começou a se revelar mais viável a par-
tir de 1870. A cisão do Partido Liberal levou, então, à formação do Partido
Republicano Paulista, em 18 de abril de 1873, que se reuniu na hoje famosa
Convenção de Itu. O grupo criticava, sobretudo, o centralismo do trono e da
administração, e propunha uma reforma pacífica, através da implementação de
uma república federativa. O manifesto de 1870 começava assim: “Centralização
– desmembramento; descentralização – unidade”, mostrando com a ideia de fe-
deração e sua união com um regime político definido como “americano e para a
América” faziam parte da ementa inicial do partido. (SCHWARCZ; STARLING,
2015, p. 301-302)

Com base nas afirmações das historiadoras Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling, os gru-
pos que até então oscilavam entre o apoio a Dom Pedro II e a oposição a ele, como era o caso dos
liberais, passaram a apoiar novas posturas políticas, as quais, com base em ideias constitucionais e/
ou republicanas, colaboraram para o fim do governo imperial.
Esse período marcava o ápice da produção de café, gerando riquezas. Em contrapartida, o
discurso republicano, por mais que se colocasse contra a autoridade e a interferência do imperador,
era composto daqueles que defendiam o trabalho escravo ou concordavam com as elites políticas
de províncias como São Paulo e Minas Gerais.
Na citação, também é notável a discussão sobre o modo como a República deveria ser discu-
tida e como chegaria ao poder, ou seja, uma reforma pacífica. A possibilidade de federalização tam-
bém estava entre as opções, isto é, cada Estado independente e respondendo a um poder central.
A abolição não era somente um tema de discordância entre os republicanos. Positivistas, em
maioria militares, também se aproximaram do republicanismo após as décadas de 1860 e 1870.
Nesse contexto, o Exército passou a ter problemas com o sistema monárquico do país, especial-
mente após a Guerra do Paraguai.
Esse problema intensificou-se pela insistência dos militares em terem uma instituição mais
organizada, acompanhada de uma carreira hierarquizada e de maior participação política. Dom
Pedro II e seu grupo político, porém, pouco negociavam sobre as novas demandas sociais e políti-
cas decorrentes da Guerra do Paraguai.
O positivismo – idealizado por Auguste Comte – chegou ao Brasil ainda na década de 1860.
É desse tempo, portanto, o início das influências positivistas que, no caso do Exército brasileiro,
tinham em Benjamim Constant e Deodoro da Fonseca dois expoentes. No Brasil, os seguidores
Republicanismo no Brasil Imperial 31

dessa corrente filosófica defendiam uma união firmada por meio da ideia de nação, a fim de se ter
o progresso do país.
Comte preocupou-se em pensar na organização e na ordem social de um contexto para
obter progresso. Suas ideias foram concebidas no século XIX, em meio às grandes transfor-
mações sociais e políticas após as décadas de 1840 e 1850. Nesse caso, tanto ele quanto Émile
Durkheim, Karl Marx e Max Weber foram os responsáveis pela difusão do pensamento sobre as
mudanças que colaboraram para a institucionalização das disciplinas ligadas às ciências sociais,
especialmente a sociologia.
Comte, em um escrito chamado Curso de filosofia positivista, de 1842, defendia que o espí-
rito humano teria passado por três fases: a primeira era o momento em que sociedades baseadas
em princípios transcendentais e militarismo iriam diminuir; a segunda era aquela em que todos
os fenômenos atribuídos a seres sobrenaturais seriam contestados e, posteriormente, as sociedades
teriam na metafísica suas explicações. Ainda na segunda fase, o ser humano passaria a observar os
fenômenos sociais no decorrer do tempo, a fim de decidir o que era melhor, uma ideia que deveria
ser coletiva (incluindo sacrifícios individuais) (ARON, 2002) e relacionada ao uso da tecnologia,
bem como do domínio da natureza. Na terceira fase, a organização humana estaria na relação, or-
ganização e domínio da natureza e da história.
A França do século XIX, tempo e lugar de Comte, era marcada por uma sociedade capitalista
industrial, e o crescimento econômico dessa modalidade política e econômica era defendido pelo
positivista como exemplo a ser seguido.
Nesse caso, a união do espírito humano, livre de guerras e de violência, em nome de um bem
maior (unido pela história humana e pelo domínio da natureza), chegaria a um estágio final de
desenvolvimento da humanidade, que teria apenas um pensamento, no qual seu “espírito” estaria
baseado apenas nas ideias positivistas.
José Murilo de Carvalho afirma que, para Comte, uma boa pátria seria uma boa mátria
(CARVALHO, 1990, p. 13), visto que era nas ideias do gênero feminino para humanidade e
República que o filósofo encontrava seus argumentos – que estavam baseados na representação
da República na imagem feminina (no caso de Comte, em Clotilde de Vaux) –, um imaginário que
colaborava para legitimar um poder político.
Utópica ou filosófica, a corrente positivista chegou ao Brasil como uma promessa que en-
dossaria os ânimos republicanos, fossem eles abolicionistas, liberais ou militares. Pregava a sepa-
ração entre religião e Estado, visto que a principal responsável pelo desenvolvimento deveria ser a
ciência. Nesse período, havia influências oligárquicas do clero e da própria elite cafeicultora mais
conservadora e monarquista. São exemplos: Benjamim Constant, que era positivista; Bocaiúva, que
era liberal; e Silva Jardim, abolicionista e republicano (CARVALHO, 1990).
Existiam discussões e divergências sobre o fim da monarquia e do futuro do Brasil, caso a
proclamação ocorresse. Contudo, havia uma disputa política e econômica de pequenos grupos so-
ciais, sempre privilegiados ao longo de nossa história. Manter o interesse desses grupos tornou-se
uma das principais premissas dos embates políticos do período.
32 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

Mesmo mudando a história política do Brasil, o ato conduzido pelos militares foi também um
golpe, o que colabora para o entendimento sobre o porquê da dificuldade de implementação de um
sistema político republicano. Nesse contexto, embora o Partido Republicano tenha sido responsá-
vel por boa parte da discussão e do desgaste da imagem da monarquia, o novo governo iniciou com
Deodoro da Fonseca, restando ao Partido Republicano dois importantes ministérios: o da justiça e o
da agricultura.
Nesse contexto, Campos Salles, chefe da pasta da justiça, emitiu, entre outros, dois decretos
importantes: o n. 85-A, de 23 de dezembro de 1889 (BRASIL, 1889), e o n. 295, de 29 de março de
1890 (BRASIL, 1890). Neles, as determinações eram as seguintes:
“todos aqueles que derem origem a falsas notícias e boatos alarmantes dentro
ou fora do país ou concorrerem pela imprensa, por telegrama ou qualquer outro
modo de pô-los em circulação”. O Decreto nº 295, feito para preservar o gover-
no “da injúria e dos ataques pessoais que visavam ao desprestígio da autoridade
e tinham por fim levantar contra ela a desconfiança para favorecer a execução
de planos subversivos”. (RAMOS, 2010, p. 5)

Essas leis serviram para instaurar a censura em um período (início da República) que deve-
ria ser de inauguração de uma participação mais cidadã e democrática.
Outra questão que destoa bastante do que desejavam muitos republicanos consta na se-
guinte citação:
organização de um partido republicano construtor, preliminarmente revolu-
cionário, em que realmente se deseje para a pátria uma presidência poderosa,
instituída pela vontade popular, a princípio por aclamação, sujeita em seguida
ao sufrágio universal, – capaz de ser autoridade, na qual se deposite uma cau-
telosa confiança, inteiramente fiscalizada pela Assembleia Nacional, câmara
financeira, e pela opinião pública, por meio de todos os seus órgãos, – tornada
assim o delegado representativo da pátria, síntese da liberdade; e pois Governo,
na combinação feliz dos dois elementos que esta palavra resume: – Poder e Povo.
(JARDIM apud BASTOS, 1986, p. 191, grifos nossos)

As principais características levantadas por Jardim são a participação do povo na escolha


de seu presidente, bem como o respeito que este deveria ter com seus eleitores. Contudo, se con-
siderarmos o contexto, o voto era direcionado a alguns grupos de homens, excluindo mulheres e
classes mais simples, pois era exigida a alfabetização.
Percebemos que o modo como a República brasileira foi proposta e o seu início são bastante
diversos. Sabemos também que a ideia de República triunfou, mas, para que o povo aderisse a ela
– como queria Antônio da Silva Jardim –, era preciso buscar laços identitários e ter uma memória
forjada, para que elos coletivos existissem.

2.2 O fim do regime monárquico e a construção de mitos e símbolos


Vídeo
O símbolo feminino ilustrado na Figura 1 traduz parte do que foi a
Proclamação da República, baseada nos ideais positivistas. A mulher, representan-
te da liberdade e da República, parece ter um ar vitorioso. Ao mesmo tempo, a
Republicanismo no Brasil Imperial 33

imagem enaltece a participação do Exército, ao trazer no fundo Deodoro da Fonseca, como se fosse
o principal responsável pela Proclamação da República.
Figura 1 – Imagem feminina dada à República no Brasil

Revista Illustrada/Wikimedia Commons

A figura deixa evidente as características em que se basearam a nossa Proclamação da


República, visto que ela traz a influência do Exército de maneira bastante representativa.
O Brasil desse contexto é apresentado pela historiadora Margarida Neves como um local que
conhecia o telefone, a fotografia, o telégrafo e o fonógrafo, que dispunha de uma malha ferroviária
em desenvolvimento e participava de feiras internacionais, levando seus produtos exóticos (madei-
ras, pedras preciosas e peles de animais) (NEVES, 2008, p. 25).
Esse mesmo país, na noite de 15 de novembro de 1889, na voz de militares, proclamou a
República, expulsando o imperador e sua família. Neves utilizou a segunda parte do trecho a se-
guir, do escritor Machado de Assis, para representar esse momento:
34 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

– É verdade, conselheiro, vi descer as tropas pela Rua do Ouvidor, ouvi as acla-


mações à república. As lojas estão fechadas, os bancos também, e o pior é se não
abrem mais, se vamos cair na desordem pública; é uma calamidade.
Aires quis aquietar-lhe o coração. Nada se mudaria; o regime, sim, era possí-
vel, mas também se muda de roupa sem trocar de pele. Comércio é preciso.
Os bancos são indispensáveis. No sábado, ou quando muito na segunda-fei-
ra, tudo voltaria ao que era na véspera, menos a constituição. (ASSIS apud
NEVES, 2008, p. 26)

As ideias de Machado de Assis demonstram o que muitos esperaram ou encontraram nos


dias e anos seguintes à Proclamação da República: a mesma realidade social, política e econômica
anterior, mas com um diferencial: uma nova Constituição. Nesse contexto, Deodoro da Fonseca foi
um dos principais responsáveis pela articulação da Proclamação da República, bem como de sua
organização nos primeiros anos.
Figura 2 – Proclamação da República

Fonte: CALIXTO, Benedito. Proclamação da República. 1893. Óleo sobre tela: 123,5 cm × 200 cm. Pinacoteca Municipal de São Paulo,
São Paulo.

A pintura de Benedito Calixto, de 1893, registra Deodoro da Fonseca no centro do quadro,


em destaque, embora saibamos que a base que incentivou a Proclamação da República não tenha
sido somente militar, mas de grupos civis republicanos, como os que apoiavam a abolição.
Tão logo passou o dia 15 de novembro de 1889, já era preciso um nome que seria o respon-
sável por representar o patriotismo da República. Nesse caso, foi o de Tiradentes. Contudo, apesar
de não existirem muitos dados biográficos sobre ele, era um exemplo de como a monarquia e o
Império já haviam sido questionados anteriormente.
Republicanismo no Brasil Imperial 35

Sobre esse assunto, José Murilo de Carvalho explica: “A formação do mito pode dar-se
contra a evidência documental; o imaginário pode interpretar evidências segundo mecanismos
simbólicos que lhe são próprios e que não se enquadram necessariamente na retórica da narra-
tiva histórica” (CARVALHO, 1990, p. 58).
O historiador chama atenção para o fato de não importar tanto a intensidade ou as evidên-
cias diretas sobre a relação de Tiradentes com a ideia de República, ou mesmo sobre os desejos
relacionados à inconfidência mineira. Nesse caso, muito antes da Proclamação da República, em
1789, Tiradentes já questionava sobre a possibilidade de maior representatividade política no país.
Essa perspectiva também está relacionada à criação de um imaginário fundamental para que o
novo regime político fosse afirmado (CARVALHO, 1990, p. 10).
A historiadora Thaís Nivia de Lima e Fonseca (2002) traz em seu trabalho uma análise his-
toriográfica sobre a construção da imagem de Tiradentes. Ela não se deve apenas aos interesses
republicanos, mas conforme a recepção do público de seu tempo e das décadas que se seguiram.
O caráter exaltador, nacionalista e patriótico marcou a historiografia até os anos de 1960, principal-
mente reforçando o caráter extremamente revolucionário que teria tal movimento4.
Posterior a esse período, a influência da História Cultural e de ideias ligadas às representa-
ções colaboraram para que relações sociais também fossem analisadas, a fim de perceber nuances
sobre Tiradentes, para além do “mito”. Para Carvalho,
A luta em torno do mito de origem da República mostrou a dificuldade de se
construir um herói para o novo regime. Heróis são símbolos poderosos, en-
carnações de ideias e aspirações, pontos de referência, fulcros de identificação
coletiva. São, por isso, instrumentos eficazes para atingir a cabeça e o coração
dos cidadãos a serviço da legitimação de regimes políticos. Não há regime que
não promova o culto de seus heróis e não possua seu panteão cívico. Em alguns,
os heróis surgiram quase que espontaneamente das lutas que precederam a nova
ordem das coisas. Em outros, de menor profundidade popular, foi necessário
maior esforço na escolha e na promoção da figura dos heróis. A falta de envolvi-
mento real do povo na implantação do regime leva à tentativa de compensação,
por meio da mobilização simbólica. Mas, como a criação de símbolos não é
arbitrária, não se faz no vazio social, é aí também que se colocam as maiores
dificuldades na construção do panteão cívico. Herói que se preze tem de ter, de
algum modo, a cara da nação. (CARVALHO, 1990, p. 55)

Então, um herói era necessário para que houvesse identificação popular e apoiasse aqueles
que instituiriam uma nova forma política. Na Figura 3, é representado Tiradentes no momento de
sua execução.

4 A historiadora aponta que ainda persistem as ideias sacralizadoras. Para uma análise historiográfica do tema, su-
gerimos a leitura de Fonseca (2002).
36 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

Figura 3 – Martírio de Tiradentes

Fonte: MELO, Aurélio de Figueiredo e. Martírio de Tiradentes. 1893. Óleo sobre tela: 57 cm × 45 cm. Museu Histórico Nacional,
Rio de Janeiro.

Na pintura, Tiradentes parece olhar para cima, provavelmente aos céus, como “filho de
Deus”. O padre, ao lado de Tiradentes, clama por sua vida aos céus, ao mesmo tempo em que o
carrasco faz um gesto que parece de não conformação com a situação vivida. Além disso, o cabelo
está alongado e claro, o que o aponta como “semelhante” a Jesus Cristo, ou seja, Tiradentes não era
mais o subversivo de outrora, morto e enterrado como o inimigo da Coroa. Ao contrário, em 1893,
a sua representação é heroica.
Se a imagem de Tiradentes como símbolo republicano nos lembra Jesus Cristo, é possível in-
dagarmo-nos sobre a Constituição de 1891, que declarava a laicidade do Estado. Nesse caso, como
aponta José Murilo de Carvalho, o Cristo era cívico (CARVALHO, 1990, p. 67).
Apesar do agito das capitais e do marasmo do interior – e, com base nas ideias de Machado
de Assis, ressaltadas por Margarida Neves –, o que soou de fato diferente foi a Constituição de
1891. A organização de alguns de seus interesses políticos será debatida na próxima seção.
Republicanismo no Brasil Imperial 37

2.3 A Constituição de 1891


Vídeo
A primeira Constituição do período republicano brasileiro teve duas influên-
cias significativas: o positivismo e a Constituição dos Estados Unidos da América.
A primeira escolha de regime político foi, portanto, o presidencialismo e
o federalismo (criação das leis estaduais em consonância com as nacionais), cujo
voto era masculino e não secreto, tanto para o Executivo quanto para o Legislativo.
A Constituição de 1891 determinava o seguinte sobre o voto e a participação popular:
Art 70 [...]
§ 1º – Não podem alistar-se eleitores para as eleições federais ou para as dos
Estados: 1º) os mendigos; 2º) os analfabetos; 3º) as praças de pré, excetuados
os alunos das escolas militares de ensino superior; 4º) os religiosos de ordens
monásticas, companhias, congregações ou comunidades de qualquer denomi-
nação, sujeitas a voto de obediência, regra ou estatuto que importe a renúncia
da liberdade individual.
§ 2º – São inelegíveis os cidadãos não alistáveis. (BRASIL, 1891)

Em relação aos estrangeiros, poderiam votar aqueles que estavam no Brasil em 15 de no-
vembro de 1889 e não exigiam a manutenção de sua cidadania original. Porém, a ideia de sufrágio
universal é bastante frágil, visto que diversos grupos, inclusive mulheres, permaneceram excluídos
do processo eleitoral. Dessa forma, além dos decretos que cerceavam a população, a lei não garan-
tia a permissão para que todos tivessem voz.
De acordo com Tércio Sampaio Ferraz Júnior, coube à União organizar a legislação em geral,
visto que ela reunia os tópicos criminais e de processos da justiça federal, enquanto dava à esfera
estadual apenas a jurisdição sobre o direito privado (FERRAZ JÚNIOR, 1989, p. 21).
Ferraz Júnior aponta ainda que a Constituição defendia o direito de “ir e vir” e deu base para
a ideia de habeas corpus, a fim de que qualquer acusado pudesse ter o seu direito pessoal de defesa,
o que trazia alguma perspectiva de igualdade (FERRAZ JÚNIOR, 1989, p. 21).
Outra proposta radical, ao menos na tessitura da Constituição, foi a laicidade, ou seja, a de-
terminação de o Estado não ser governado sob a doutrina ou os interesses diretos da Igreja católica,
ou mesmo de outras religiões. Junto a essa perspectiva vieram outras, entre elas:
a) vedava aos estados e à União estabelecer, subvencionar, ou embaraçar o exer-
cício de cultos religiosos (art. 11, n. 2);
b) vedava o alistamento eleitoral (aos pleitos federais e estaduais) dos religiosos
de ordens monásticas, companhias, congregações, ou comunidades de qualquer
denominação sujeitas a voto de obediência, regra ou estatuto, que importe re-
núncia da liberdade individual (art. 70, n. 4);
c) assegurava a liberdade religiosa a todos os indivíduos e confissões, que po-
deriam exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e
adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum (art. 72, n. 3);
d) dispunha que a República reconheceria apenas o casamento civil, cuja cele-
bração seria gratuita (art. 72, n. 4);
e) determinava a secularização dos cemitérios, que viriam a ser administrados
pela autoridade municipal, ficando livre a todos os cultos religiosos a prática
38 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

dos respectivos ritos em relação aos crentes, desde que esses não ofendessem a
moral pública ou as leis (art.72, n.5);
f) dispunha que o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos deveria ser
leigo (art. 72, n. 6). (LEITE, 2011, p. 40)

Como podemos perceber, são muitas as mudanças que poderiam ser feitas. Mas, como
aponta Fábio Carvalho Leite, a instabilidade do momento após a Proclamação da República (e o
que se esperava dela), junto a ideias tão diferentes, não permitiu que, em um primeiro momento – e
talvez em qualquer outro –, a maioria dessas mudanças fosse cumprida (LEITE, 2011).
Para o autor, os espíritas ou evangélicos, no começo do século XX, ainda encontravam di-
ficuldades para vivenciar sua fé, pois eram vistos como “perturbadores da ordem” (LEITE, 2011,
p. 56). A Constituição de 1891, mesmo não sendo tão transformadora, proporcionou mecanismos
de defesa aos cidadãos, ou seja, liberdade de culto, de expressão e direito de defesa.
Ainda, havia a extinção do Senado Vitalício, do Conselho de Estado, “decretada” a liberdade
da palavra e a descentralização de poder em nome dos Estados, prática que mais tarde favoreceu
grupos específicos na vigência da “política dos governadores”.
O federalismo da forma como foi concebido beneficiou apenas os Estados que estavam mais
desenvolvidos naquele período, por exemplo São Paulo, que já tinha estrutura econômica mais
avançada no que se refere ao desenvolvimento econômico e industrial, enquanto outros depen-
diam dos interesses das oligarquias regionais. Com isso, os abismos sociais aumentavam.
De uma monarquia com poderes e privilégios sobre seus súditos, passamos a ter ferramentas
de construção de cidadania, de igualdade, mesmo que algumas delas fossem muito distantes de
um ideal. Entretanto, no que se refere a esses aspectos, reformas radicais que as garantissem foram
rechaçadas. Levaria ao menos 20 anos para que diversos movimentos começassem a debater em
conjunto sobre questões sociais, enquanto mudanças econômicas e políticas passariam a ruir os
alicerces da primeira República.
Os historiadores Kalina Silva e Maciel Silva definem uma ideia de democracia sobre a qual
podemos pensar na contemporaneidade:
Esse projeto democrático ideal seria o regime em que a sociedade civil organi-
zada fizesse ouvir seus múltiplos discursos (liberdade de expressão); em que os
indivíduos não confundissem a coisa pública com a coisa privada; em que os
valores morais e políticos não estivessem voltados para a satisfação das necessi-
dades puramente materiais, mas que se preocupassem com a melhor forma de
governo; em que a administração do que é público não estivesse nas mãos de
“cientistas” e “técnicos”, controlando de fora o que diz respeito aos cidadãos; em
que o exercício da palavra e o exercício da ação não se contradissessem; em que
as leis pudessem coincidir com os anseios dos destinatários; uma sociedade, en-
fim, em que as pessoas tivessem o sentido de comunidade a inspirar suas ações.
(SILVA; SILVA, 2009, p. 90)

A citação sugere, valendo-se de princípios da Grécia Antiga, da Modernidade e do mundo


contemporâneo, que a ideia de democracia atual seria ouvir e respeitar a voz de uma maioria; o
governo e suas instituições deveriam ser reflexos da vontade do povo, sem intromissão em assuntos
particulares e que a lei cumprisse suas próprias imposições.
Republicanismo no Brasil Imperial 39

Precisamos considerar que quem participava da política, em geral, eram pessoas de classes
mais abastadas. Se considerarmos que a Constituição previa não existir veto parcial, apenas total,
verificaremos que muitas emendas foram aprovadas legitimando os interesses das elites (FERRAZ
JÚNIOR, 1989, p. 24).

Considerações finais
O objetivo principal deste capítulo foi trazer ideias sobre o período da Proclamação da
República. Podemos perceber que havia divergências e a própria ideia de República – em relação à
conhecida no século XXI – sofreria ainda muitas intervenções e debates. Isso ocorreu porque de-
fender a abolição da escravatura ou mesmo a existência de um governo republicano é algo diferente
de prezar pela igualdade social e racial no país.
Esses dois aspectos foram a base de muitas revoltas e problemas enfrentados nas duas pri-
meiras décadas do regime republicano, ou seja, mesmo que um ideal de memória coletiva tenha
entrado na pauta política, trazendo símbolos e figuras nacionais, ainda assim não foi o suficiente
para que o povo aderisse aos interesses daqueles que haviam proclamado a República.
Parte do povo, excluído das intenções de poder, foi protagonista de diversas ações que bus-
caram outras percepções sobre a República. Nesse caso, a própria Constituição de 1891 não foi
satisfatória para que aqueles que defendiam a igualdade universal conseguissem se respaldar na lei.

Ampliando seus conhecimentos


O texto a seguir faz parte de um artigo cujo interesse é debater a historicidade da ideia de
Constituição no Brasil.
A Constituição, ou Carta Magna de um país, é o documento que “firma os direitos e deveres”
entre o Estado e seus cidadãos. Perceber o processo de construção desse documento e como ele
pode se tornar alvo de disputas entre grupos sociais diversos permite-nos debater sobre os proble-
mas e as desigualdades tanto sociais quanto políticas em nosso país.

A evolução constitucionalista do Brasil


(BONAVIDES, 2000, p. 155-156)

O Brasil desta análise histórica corresponde assim a um modelo de país constitucional que até
aos nossos dias se busca construir, numa longa travessia de obstáculos.
[...] Projeto bloqueado inumeráveis vezes pelas resistências absolutistas, pelo continuísmo e
vocação de perpetuidade governista, bem como pelos interesses representativos comprometi-
dos com um status quo de dominação que a classe política busca manter inalterável, debaixo
de seu jugo, insensível por inteiro ao rápido senão vertiginoso agravamento das desigualdades
sociais e regionais, cujo quadro é sobressaltante enquanto prelúdio de uma tragédia de sangue
e guerra civil, de consequências imprevisíveis.
Vemos iminentes, na senda da política recolonizadora em execução, as batalhas de emancipa-
ção do segundo período colonial de nossa História.
40 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

Mas essas batalhas hão de ferir-se unicamente se tivermos fibra, coração e alma para arros-
tar, com as energias do espírito nacional, rememorativo das páginas heroicas do passado, a
soberba imperialista dos invasores silenciosos, que ora nos ameaçam dissolver a identidade de
povo, apagando os traços, as cores e as raízes de nossa cultura, ou seja, de nossa brasilidade.
O constitucionalismo europeu teve por premissa de luta e contradição o absolutismo de uma
sociedade já organizada e estruturada, a saber, a sociedade feudal do ancien régime. [...]
O nosso constitucionalismo, ao revés, levantou-se sobre as ruínas sociais do colonialismo,
herdando-lhe os vícios e as taras, e ao mesmo passo, em promiscuidade com a escravidão tra-
zida dos sertões da África e com o absolutismo europeu, que tinha a hibridez dos Braganças
e das Cortes de Lisboa, as quais deveriam ser o braço da liberdade e, todavia, foram para nós
contraditoriamente o órgão que conjurava a nossa recaída no domínio colonial.
Sem embargo desses pressupostos negativos, que significaram desníveis qualitativos de inicia-
ção constitucional, tanto de portugueses quanto de brasileiros, houve um processo até certo
ponto comum de introdução de instituições representativas e constitucionais no que toca à
velha metrópole e à nascente nacionalidade, quando esta estreou os primeiros passos da cami-
nhada para a independência imperial e a criação do Estado.
Com efeito, a fonte doutrinária fora a mesma: o constitucionalismo francês, vazado nas garan-
tias fundamentais do número 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26
de agosto de 1789. Nesse documento se continha a essência e a forma inviolável de Estado
de Direito.

Atividades
1. Estabeleça uma relação entre Exército, República e positivismo.

2. O trecho da defesa de Antônio da Silva Jardim sobre o modo como deveria ocorrer a Pro-
clamação da República pode ser uma fonte de análise sobre os diversos aspectos e visões da
política do período, especialmente entre liberais/conservadores e republicanos/abolicionis-
tas, como Silva Jardim. Traga argumentos para fundamentar tal afirmação.

3. Cite duas ideias inovadoras que estejam presentes na Constituição de 1891.

4. Para Paulo Bonavides, desde a Proclamação da República havia diferenças sociais e políticas
em relação ao contexto revolucionário francês, para além das divergências comuns em pe-
ríodos tão diferentes. Explique em que consistia essas diferenças.
3
Movimentos urbanos e sociais

Vemos o quanto é forte esta alavanca – a palavra – que alevanta sociedades in-
teiras, derruba tiranias seculares... (CUNHA apud SEVCENKO, 1999, p. 130)

Neste capítulo, trataremos sobre o modo como o modelo brasileiro de república foi ques-
tionado na passagem do século XIX para o XX. Esse período ficou marcado pelas tentativas de
centralização de poder do novo regime político, enquanto tinha de enfrentar as iniciativas da
oposição, seja dos monarquistas, seja dos republicanos de perspectivas divergentes.
Deodoro da Fonseca chegou a fechar o Congresso Nacional, causando a Revolta da
Armada (que será discutida no Capítulo 4), por não conseguir conduzir um debate tão acirra-
do com a Marinha, último reduto da monarquia. Esse fato, que levou à sua renúncia em 1891,
permitiu que seu vice, Floriano Peixoto, assumisse a presidência. Floriano reabriu o Congresso,
consoante os princípios da Constituição de 1891, recém-promulgada.
Gabriel Terra Pereira afirma que o período em que Floriano Peixoto assumiu o gover-
no foi marcado por uma forte crise econômica e pela falta de entendimento entre os poderes
Executivo e Legislativo. Floriano Peixoto rompeu com os governadores – atitude contrária à de
Deodoro da Fonseca – e, com isso, conseguiu o apoio do Congresso Nacional.
Após Floriano Peixoto assumir o governo, o conflito maior se deu por sua permanência
no poder, enquanto campanhas em jornais clamavam por sua saída. Essa postura, em geral de
militares, devia-se ao “artigo de número 42 da Constituição Federal de 1891: ‘no caso de vaga,
por qualquer causa, da Presidência ou Vice-Presidência, não houverem ainda decorrido dois
anos do período presidencial, proceder-se-á nova eleição’” (PEREIRA, 2009, p. 110).
Gabriel Pereira afirma que a resposta de Floriano Peixoto foi buscar apoio do Congresso
e “aposentar” aqueles que estavam contra sua permanência (PEREIRA, 2009, p. 110). A rea-
ção militar se deu especialmente pela segunda Revolta da Armada, enfrentada por Floriano
Peixoto, que teve de combater outras revoltas, como a Revolução Federalista, em que líderes
rivais intencionavam outras direções políticas para o Rio Grande do Sul.
Após Floriano Peixoto assumir o governo, o conflito maior se deu por sua permanência
no poder, enquanto campanhas em jornais clamavam por sua saída. Essa postura, em geral de
militares, devia-se ao “artigo de número 42 da Constituição Federal de 1891: ‘no caso de vaga,
por qualquer causa, da Presidência ou Vice-Presidência, não houverem ainda decorrido dois
anos do período presidencial, proceder-se-á nova eleição’” (PEREIRA, 2009, p. 110).
O alto custo da Revolução Federalista fez com que Floriano Peixoto tivesse sua imagem
mais desgastada ainda, especialmente por conta da liderança de Custódio de Melo – líder da
Revolta da Armada de 1891 e Ministro da Marinha de Floriano. Custódio, porém, discordando
do presidente, demitiu-se e levantou mais debates sobre a posição dos militares em relação à
condução econômica do país. Antes disso, foi preciso desconstruir a ideia de que a Revolução
42 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

Federalista era também composta pela participação de monarquistas. Entre os anos de 1893 a 1894,
Floriano Peixoto utilizou a imprensa para se firmar no poder e procurou combater e eliminar a
presença de monarquistas (PEREIRA, 2009, p.111-2).
Naqueles tempos conturbados, os primeiros presidentes permaneceram no poder sem serem
eleitos, contrariando a Constituição para cuja elaboração eles tinham colaborado (SCHWARCZ;
STARLING, 2015, p. 319-21).
Neste capítulo, nosso intuito é apresentar o modo como alguns setores da recente República
foram organizados. Trazemos, ainda, perspectivas sobre os ideais de cidadania e de igualdade
e sobre ideias socialistas e anarquistas importantes para o movimento operário desse período.
Além disso, apresentaremos a organização trabalhista da primeira década republicana, a fim de
demonstrar como direitos adquiridos apenas no século seguinte já estavam em pauta nessa épo-
ca, reivindicados por operários e operárias.

3.1 A organização e a estruturação da República


Vídeo
Havia muita divergência sobre o modo como a República deveria ser insta-
lada e organizada. Porém, como vimos no capítulo anterior, não houve uma rup-
tura total em relação aos grupos que comandavam a política. Na França, após a
Revolução de 1789, por exemplo, as famílias nobres e aristocratas, em sua maioria,
foram destituídas do poder ou até mesmo mortas. No entanto, no Brasil, a configu-
ração social não sofreu grandes transformações, especialmente se consideramos a república uma
forma política de inclusão e de representação da maioria.
No caso brasileiro, de imediato, a República foi proclamada devido às divergências do
Exército em relação à monarquia e pelo apoio recebido dos produtores de café de São Paulo, que
não concordavam com a abolição da escravidão e consideravam “descaso” de Dom Pedro II a falta
de preocupação com relação à importância econômica da mão de obra escravizada. Além disso,
é preciso considerar a conjuntura política no mundo Ocidental, já em direção à industrialização,
produção em massa, no campo e na cidade, uma situação não vivida no Brasil imperial.
Na Academia Militar, ensinava-se tanto matemática e elementos de engenharia quanto fi-
losofia. Benjamim Constant pertencia à Escola Militar e foi um dos principais responsáveis pela
preparação da proclamação, no entanto, o componente mais importante na hierarquia do Exército
daquele período era o Marechal Deodoro da Fonseca. Devido a isso, a Proclamação da República
dos Estados Unidos do Brasil foi realizada por ele, na sala do conselho dos ministros.
Para se manter no poder, de acordo com Gabriel Pereira, os militares utilizaram duas
estratégias, uma interna e outra externa: na primeira, eles se colocaram contra a organização
dos monarquistas; na segunda, buscaram o apoio dos Estados Unidos, por exemplo, para o
reconhecimento da República (PEREIRA, 2009, p. 111-12).
A figura anterior representa uma das preocupações que se seguiram ao acontecimento de
1889: a criação de símbolos nacionais. Na bandeira brasileira republicana, vemos a influência do
federalismo, inspirado na Constituição norte-americana.
Movimentos urbanos e sociais 43

Além do federalismo e do presidencialismo, a Constituição trouxe o sistema bicameral1,


a separação entre a Igreja e o Estado e a introdução do registro civil (SCHWARCZ; STARLING,
2015, p. 319-20). Estas duas últimas práticas influenciaram mudanças na estrutura social da
população, bem como sua relação com a Igreja. A Igreja católica reagiu por meio da criação de
escolas confessionais, novas dioceses, paróquias e uniões de jovens, homens e mulheres. Seu
lugar cresceu bastante com o governo de Getúlio Vargas, mas antes disso já haviam sido cria-
dos o Centro Dom Vital e a revista A Ordem, com objetivo de reaver um lugar na sociedade
(RODRIGUES, 2005, p. 112)2.
Nos primeiros anos da República, os lugares ocupados por civis, militares e marinheiros
eram disputados. Se por um lado o governo de Floriano Peixoto buscou reconhecimento dos
Estados Unidos, até mesmo nos elementos representativos e no próprio apoio à compra de uma
esquadra daquele país para combater a segunda Revolta da Armada, por outro, teve nove ministros
das Relações Exteriores em apenas três anos.
Nesse contexto, uma das preocupações foi a criação de símbolos nacionais. Uma bandeira
contendo 21 estrelas em quadro escuro, com listras verdes e amarelas ao lado, semelhante à ban-
deira dos Estados Unidos. Esse modelo agradava aos liberais de São Paulo, visto que se inspiravam
na Constituição norte-americana (CARVALHO, 1990, p. 111). Entretanto, quatro dias depois, uma
nova bandeira era necessária, para que representasse o momento vivido, como também incentivas-
se o apoio popular, já que boa parte de todo o acontecimento nem se quer era conhecido pelo povo
ou não tinha o seu entusiasmo, como afirma o historiador José Murilo de Carvalho:
as bandas tocaram a Marselhesa e marchas militares sem despertar o entusias-
mo da pequena multidão que se aglomerava em frente ao palácio. Estabeleceu-
se um clima de expectativa. [...] Decidiu-se na hora que fosse tocado o hino e
que ele continuasse como hino nacional. As bandas militares, como se esperas-
sem pelo resultado, irromperam com o popular Ta-ra-ta-ta-tchin, para delírio
da assistência, segundo depoimentos de testemunhas oculares. (CARVALHO,
1990, p. 124-125)

Podemos inferir a ideia de que os militares e sua organização tentaram motivar o povo, po-
rém foi preciso mais tempo para que a população entendesse o que a República poderia oferecer.
O hino escolhido ainda era o de 1831, cuja letra foi reescrita em 1908 e oficializada em 1922.
Ambos os símbolos – o hino e a bandeira – foram criações militares, com influências positivistas,
assim como a própria heroicização de Tiradentes.
A obra de arte de Manoel Lopes Rodrigues (Figura 2), simboliza a alegoria da República.
A República na maioria das vezes é representada por mulheres, como na França ou na Argentina.
No Brasil dos militares positivistas, a pintura traz a ideia de paz, com o vestido branco, porém com
a espada ao lado. Ao mesmo tempo, a coroa é de ramos de café, simbolizando a riqueza econômica
mais significativa do período. Atrás, está a representação da bandeira do país.

1 Nome dado ao regime político em que o poder Legislativo é exercido por duas câmaras – no caso do Brasil, pela
Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal.
2 Para saber mais sobre esse período da história brasileira, acesse o site da Biblioteca Nacional: <www.bn.gov.br>.
Acesso em: 27 fev. 2018. Nele, Além de fontes e diversos documentos é possível ter contato com pesquisas que vem
sendo desenvolvidas na Biblioteca, assim como exposições.
44 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

Figura 2 – A República
De acordo com Valéria Salgueiro, é também desse pe-
ríodo diversas pinturas que exploravam o tema da “fundação”
de diversas instituições do Brasil, como São Paulo, Rio de
Janeiro e a região amazônica, muitas delas com pinturas de
temas que valorizavam a República. Ainda nos primeiros anos
da República houve um forte investimento em reformas de
prédios já existentes, bem como novas construções. Segundo
Valéria Salgueiro, em instituições como IHGB (Instituto
Histórico Geográfico do Brasil) prevalecia temas relativos à
monarquia até o fim dela, prática que pode ser entendida ao
considerarmos o contexto da fundação do IHGB por Dom
Pedro II, em 1838, com o objetivo de escrever a história da
nação brasileira, forjando sua “identidade” e características
mais salientes (SALGUEIRO, 2002, p. 3-5).
No entanto, de acordo com Valéria Salgueiro, após a
Proclamação, temas como a Revolta de Filipe dos Santos,
a Inconfidência Mineira e a Conjuração Baiana, que antes
causavam desconforto, passaram a ser parte das principais
obras encomendadas pelo governo. Muitas das pinturas re-
Fonte: RODRIGUES, M. L. A República. 1896.
Óleo sobre tela: 228 × 118,5 cm. Museu de tratando esses acontecimentos, bem como o território brasi-
Arte da Bahia, Salvador.
leiro, eram realizadas em viagens dos artistas, como no caso
de Antônio Parreiras3.
José Murilo de Carvalho afirma que, com a criação desses símbolos, uma pequena eli-
te se intitulou representante do povo no processo de “passagem” do Império para a República
(CARVALHO, 1990, p. 73), ou seja, evidencia-se aí um ponto importante sobre a concepção de
República que estava sendo forjada no Brasil, a de que a participação de uma maioria antes e depois
da Proclamação não importava tanto.
Um dos interesses daqueles que declararam o fim do Império era criar símbolos que sus-
tentassem seu poder, cujo objetivo era dar mais poder ao próprio Exército, sob a égide positivista.
Entendemos que essas estratégias não foram suficientes para manter o Exército no Executivo, visto
que sua representatividade diminuiu após 1895, desgaste causado também pela Revolução Federalista
e pela segunda Revolta da Armada.
No entanto, os símbolos nacionais por si só não resolveriam o problema das adaptações
políticas do início da República, visto que ainda na década de 1890, no governo de Prudente de
Morais, a Guerra de Canudos (que será tratada no Capítulo 4), no interior da Bahia, abalaria as
estruturas republicanas.
No que se refere à participação popular, é preciso lembrar que a nova Constituição definia
que apenas jovens alfabetizados, com mais de 21 anos e com determinada renda poderiam votar.

3 Para saber mais sobre a pintura como fonte para entendimento desse período, ver o trabalho de Salgueiro (2002).
Movimentos urbanos e sociais 45

Isso significava que ao menos 82,9% da população brasileira não votava, visto que era analfabeta. Os
outros 17% não correspondem ao número de votantes, visto que poderiam ser alfabetizados, mas não
tinham renda suficiente (FERRARO; KREIDLOW, 2004, p. 182). Porém, é preciso que observemos:
se o povo não participou da Proclamação, também não defendeu o retorno da monarquia.
Segundo José Murilo de Carvalho, muitos representantes da elite tinham o direito de votar
devido às suas posses, entretanto eram analfabetos (cerca de 85% da população carecia de educação
primária) (CARVALHO, 2002, p. 33-5). Além disso, havia ainda o risco de votar e de ser recrimi-
nado pelos cabos eleitorais dos candidatos regionais por sua escolha. O voto, nesse caso, era muito
mais uma obediência à vontade de coronéis do que um ato de liberdade de escolha por um governo
ou outro.
Grupos de intelectuais já vinham debatendo ideias sobre liberdade de escrita, formação
identitária e patriótica do Brasil, entre outras, muitas vezes vindas dos círculos abolicionistas e
republicanos. A historiadora Silvia Gomes de Bento Mello, em sua tese, afirma que a Proclamação
da República foi um momento chave para que esses grupos, que ela chama de moços, passassem a
ter o direito de escrever e debater ideias de formas diferentes das que eram impostas no Império
(MELLO, 2008, p. 12).
No estado do Paraná, que já tinha clubes de leitura nos anos de 1870 na capital Curitiba,
proliferaram dezenas de novos grupos de intelectuais, utilizando a Biblioteca Pública do Paraná,
mas também sedes de revistas do período. Como afirma a historiadora:
No Paraná da instalação e consolidação da República, despontava uma mocida-
de que se atrelava aos circuitos da palavra, acreditando com ela poder delinear
as características e as condições necessárias para a prosperidade paranaense.
Assim, a constituição de um Paraná autônomo e autêntico ganhava corpo atra-
vés da escrita de moços que se envolviam em atividades de leitura, escrita e
oratória. Moços que se dedicaram ao jornalismo e à literatura, valendo-se da
palavra para defender as causas nas quais acreditavam. (MELLO, 2008, p. 10)

Esse grupo divergia da perspectiva que os militares tinham sobre a construção da República
no Brasil. Isso demonstra que estávamos longe de um ideal de democracia, mas que fomentou a
participação de intelectuais, muitas vezes diferentes daqueles já estabelecidos na política brasileira.
Mello aponta em sua tese uma relação de reciprocidade entre esses novos intelectuais do
Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo, ou seja, as discussões ganharam espaço nas décadas seguintes
e, ao mesmo tempo, tal fato demonstra que não ocorriam apenas no eixo São Paulo-Rio de Janeiro.
Ainda, é importante considerar que muitos desses moços, apesar de não serem militares,
também defendiam ou discutiam ideias positivistas, conforme podemos perceber na citação a se-
guir, em um debate sobre os indígenas:
Em linhas gerais, os moços embasavam-se no Positivismo e no ideal de consti-
tuir uma República soberana e autônoma. E ainda afirmavam o anticlericalismo
através de textos marcados pela crítica à catequese e aos Jesuítas. Estaria a cargo
do Estado ocupar-se do gentio, incutindo-lhes o sentido e o valor da pátria, da
República, da família e do trabalho, formando, assim, cidadãos [...].
A cidadania implicava em certos atributos, como a liberdade e a autonomia e se-
ria garantida pelo trabalho, pela educação. Neste quadro, em que se montavam
46 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

as referências necessárias para a efetivação de um Estado republicano na exce-


lência da palavra, o aborígine, elemento autóctone, encarnava uma possibili-
dade ímpar para iluminar e propiciar a constituição de um país [...]. (MELLO,
2008, p. 225-226)

A discussão é do ano de 1896 e surpreende pela consciência acerca da necessidade de prote-


ção e do lugar social dos indígenas do país, embora saibamos que tal tema ainda persiste nas pautas
brasileiras. A citação também nos permite entender que ao limitar os poderes da Igreja era preciso
criar ideais de persuasão sobre a formação identitária nacional, ou seja, encontrar elementos que
colaborassem com os discursos nacionais, forjados a partir daquele período.
O indígena, elemento “mais natural” da paisagem brasileira ainda era preterido nesse
contexto, mesmo com a presença de imigrantes, que logo ocupou espaço nos discursos mais
“modernistas”. Do mesmo modo, a educação passou a ocupar uma centralidade nas discussões,
afinal, para formar cidadãos, lugar algum seria melhor do que a própria escola.
Os significados mais comuns dados à República, nesse caso, são apontados como argumen-
tos essenciais, por exemplo, liberdade e autonomia. Além disso, o tema referente ao ensino laico
recebeu destaque, assim como as consequências da escravização africana e da doutrinação jesuíta
e católica.
Um dos temas centrais de Silvia Mello é que o direito de escrever e de ter a palavra foi uma
das maiores inovações e contribuições para o desenvolvimento social, cultural e político do país,
embora muitas vezes fosse permitido unicamente à elite ou a quem estivesse associado a ela. Nesse
caso, a historiadora Angela de Castro Gomes traz em suas discussões uma informação que corro-
bora a ideia de que a República, embora bastante cerceada, também trazia novidades:
Em janeiro de 1890 surgiu, na capital da República, o primeiro jornal que pode
ser considerado um instrumento de organização operária no Brasil, com um
programa de assumida inspiração socialista. Sugestivamente, chamava-se A Voz
do Povo. Embora suas ideias tivessem antecedentes em publicações do período
imperial, após a Proclamação era a primeira vez que a “palavra” estava sendo
usada para a orientação e a organização do povo, identificado como a população
trabalhadora. (GOMES, 2005, p. 38)
Observamos nessa citação o estabelecimento de uma relação entre a ideia de povo e a po-
pulação trabalhadora, em uma perspectiva socialista. Para além da questão polêmica e política
envolvida, o que evidenciamos é a dinamização política, ou seja, uma vertente diferente de Partido
Republicano ou mesmo do que restava do governo imperial.
A escolha econômica e política na Constituição de 1891 foi um liberalismo com pouca in-
tervenção do Estado e na relação entre trabalhadores e empregadores. Portanto, a relação desses
se tornou cada vez mais conflituosa ou um “caso de polícia”, enquanto surgiam grupos, como os
socialistas e os anarquistas, para debater esses problemas também sociais.
Gomes afirma que O Paiz – periódico oficioso4 republicano –, saudou de forma “simpática”
a publicação de A Voz do Povo. Ambos os jornais, embora tenham origem em grupos de operários
diferentes, visavam o ideal de República. No caso do Voz do Povo:

4 Mesmo sem caráter de publicação oficial, apoiava o governo.


Movimentos urbanos e sociais 47

A República era o reverso da Monarquia, diagnosticada como a “era do tradicio-


nalismo”, isto é, dos preconceitos e privilégios aristocráticos [...] o grande senti-
do da República era abrir as portas da existência ao trabalhador brasileiro. [...]
O terceiro ponto do discurso do jornal era finalmente sua proposta política: ser
a voz desta parcela do povo, até então simplesmente ignorada pela sociedade ou
vista como um somatório de valores negativos. [...]
A República, esta revolução regeneradora que tinha como corolário a igualdade,
reservava um espaço às aspirações populares de participação e cidadania políti-
ca. (GOMES, 2005, p. 39-40)

Nesse sentido, a República deveria acabar com os privilégios sociais, dando lugar aos grupos
mais simples, em especial, aos trabalhadores, aqueles que, de fato, faziam a fortuna do país e que não
desfrutavam do valor do próprio trabalho. O jornal, por sua vez, era um dos lugares em que as classes
mais simples estariam representadas, a fim de que a participação política fosse buscada. Várias notí-
cias veiculadas nele, ou em espaços como o dele, não eram comuns por volta de 1860-1870.
Parte dessas discussões passaria a fazer parte do debate político que se iniciava, devido à orga-
nização partidária política de 1893, no que se refere às características e aos procedimentos necessários
para a criação de partidos, após a dissolução dos partidos monárquicos (LESSA, 1988, p. 75).
Desse modo, ao mesmo tempo em que se discutia no Brasil os melhores símbolos para criar
uma identificação popular, havia a disseminação de opiniões e temas até então proibidos.
A República proclamada era, para muitos, algo a se descobrir e a se definir, isto é, era preciso
pensá-la como um novo regime político que seria organizado e a que grupos sociais ele se estende-
ria. Essas respostas viriam a ser debatidas nas décadas seguintes. Alguns desses grupos poderiam
ser os de trabalhadores e operários das primeiras fábricas maiores ou mais organizadas do Brasil
desse período, cujos desejos, baseados nos ideais socialistas e anarquistas, eram de buscar efetivar
a igualdade prometida pelo termo república.

3.2 Socialistas e anarquistas no Brasil


Vídeo
A historiadora Angela de Castro Gomes afirma que foi no fim do século XIX
e no início do século XX que as discussões socialistas se tornaram mais comuns no
meio do operariado (GOMES, 2005, p. 18), principalmente nos estados do Rio de
Janeiro e de São Paulo, onde se concentravam muitos trabalhadores que tinham
contato com essas ideias.
Os imigrantes que não iam para o Sul ou aqueles que antes se instalavam em fazendas de
café distantes, mas acabaram deixando esses locais nas décadas seguintes, passaram a morar nas
capitais do Rio de Janeiro e de São Paulo. Também chegavam aos grandes centros os diversos ex-es-
cravos que, apesar de não ocuparem o mesmo lugar dos operários, em razão do preconceito racial,
buscavam empregos nas cidades.
De acordo com Francisco Iglésias, foram muitos os partidos socialistas e comunistas desse perío-
do, cerca de 20, os quais sobreviviam por alguns meses ou até anos. Para Iglésias, não havia tanto apoio
popular, justamente pelo desconhecimento da importância dessas ideias (IGLÉSIAS, 1993, p. 219).
48 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

O socialismo surgiu em virtude das consequências da Revolução Industrial no século XVIII,


processo em que operários eram expostos à exploração mediante excessivas horas de trabalho, ausên-
cia de direitos trabalhistas, salários baixos e condições precárias de trabalho. Portanto, o socialismo
significava uma resposta à miséria imposta pelo capitalismo industrial e agrário, que tomou conta do
mundo nos últimos séculos (SPINDEL, 1995, p. 15).
A ideia de Pianciola (2004) completa esse pensamento, porque, para ele, o socialismo está
relacionado a um conjunto de teorias que visam promover a transformação desses contextos de
miséria, alterando o processo econômico, político e o direito à propriedade, permitindo que ela
seja mais dinamizada e esteja nas mãos de operários (PIANCIOLA, 2004, p. 1196-1197).
Por sua vez, Gomes aponta que o socialismo daquele período nem sempre estava preo-
cupado em ocupar a rua ou organizar manifestações, embora não as descartasse. Ele objetivava
ganhar lugares políticos, mas de forma moderada (GOMES, 2005, p. 69). A historiadora também
considera o aumento de greves (entre os anos de 1902 a 1903) um aspecto importante que per-
mitiu às ideias socialistas abrirem espaço para as anarquistas. Além disso, a “política dos gover-
nadores” de Campo Salles – processo no qual havia uma troca de apoio político para manter a
ordem no país, sob a tutela daqueles que já detinham o poder antes da Proclamação – fez com
que as negociações entre os operários e o patronato diminuíssem (GOMES, 2005, p. 73).
Já o anarquismo foi acolhido pelos operários durante a realização do I Congresso Operário,
no ano de 1906, no Rio de Janeiro. A Figura 3, de A Voz do Trabalhador, mostra com que objetivo
lutavam os operários:
Figura 3 – Capa do Jornal A Voz do Trabalhador Wikimedia Commons
Movimentos urbanos e sociais 49

A imagem, de 1915, traz a representação de um trabalhador forte, o que sugere justamente


a força dessa “mão de obra” e que, por sua vez, deveria ser respeitada e ter direitos trabalhistas.
A cor branca do trabalhador, talvez pela forte influência dos imigrantes operários, excluía dessa
representação a maioria de negros e ex-escravos. Os crânios na parte de baixo da ilustração são
as diversas instituções condenadas ou negadas pelos anarquistas, como o clero, o Estado e o
próprio capitalismo.
De acordo com a leitura de Gomes, outros acontecimentos colaboraram para uma maior
aceitação anarquista, como a greve paulista de 1907, a formação da Federação Operária do Rio de
Janeiro e a publicação do jornal A Voz do Povo. Os congressos e publicações de materiais tinham
por finalidade a difusão de suas ideias nos principais centros urbanos. Além disso, os anarquistas
colaboraram nos principais pontos da atuação sindical da época (GOMES, 2005, p. 78-82).
O anarquismo entendia que apenas com o fim do capitalismo e do Estado haveria a igual-
dade e a liberdade, ou seja, os operários não deveriam ficar satisfeitos em negociar com patrões,
pois o ideal era não haver mais essa divisão de classes5 (COSTA, 1980, p. 17). Para isso ocorrer, era
preciso greve, consciência, uso da força/embate e apoio popular e rejeição ao sistema político, que
vinha sendo construído desde 1889, já que ele apenas legitimava os mesmos privilégios e diferenças
de classe anteriores. Angela Gomes define a ação dos anarquistas:
O grande objetivo dos anarquistas era banir a violência das relações sociais, o
que só conseguiria através de um longo processo de luta, entendido como um
processo de conquista da liberdade. Havia consenso quanto à ineficiência das
medidas defendidas pelos socialistas, consideradas ilusórias e por nada con-
quistarem ou assegurarem realmente. [...] Contudo, aceitar o emprego de ações
violentas não significava rejeitar a utilização de ações pacíficas e sobretudo não
significava utilizar o expediente do terrorismo. (GOMES, 2005, p. 90)

Nesse sentido, é importante considerar que a “fama” de violência relacionada aos anarquis-
tas, construída ao longo do tempo, colaborou para que suas intenções fossem desconsideradas.
Aqueles contra quem “lutavam” continuaram a obter benefícios submetendo operários e operárias
à exploração.
Havia conflitos também entre anarquistas e socialistas, especialmente no que se refere às
relações com o Estado e o direito ao voto. Na citação seguinte, José Murilo de Carvalho evidencia
tal aspecto:
Os setores operários menos agressivos, mais próximos do governo, chamados
na época de “amarelos”, eram os que mais votavam, embora o fizessem dentro
de um espírito clientelista. Os setores mais radicais, os anarquistas, seguindo a
orientação clássica dessa corrente de pensamento, rejeitavam qualquer relação
com o Estado e com a política, rejeitavam os partidos, o Congresso, e até mesmo
a ideia de pátria. O Estado, para eles, não passava de um servidor da classe capi-
talista, o mesmo se dando com os partidos, as eleições e a própria pátria. Ao en-
cerrar um Congresso Operário, em 1906, no Rio de Janeiro, um líder anarquista
afirmou que o operário devia “abandonar de todo e para sempre a luta parla-
mentar e política”. O voto, dizia, era uma burla. A única luta que interessava ao
operário era a luta econômica contra os patrões. (CARVALHO, 2002, p. 60)

5 Para mais informações sobre as mudanças no mundo do trabalho no Brasil na virada do século XIX, ver Gomes (2005).
50 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

Anarquistas acusavam o Estado de ser um “fantoche” que agia de acordo com os interesses
dos donos das fábricas ou, em geral, de qualquer empregador. Diziam que a administração política
do Estado criada após a Proclamação da República foi estabelecida com a finalidade de manter no
governo muitos que já estavam lá.
Nesse sentido, para os anarquistas os sindicatos existentes funcionavam com caráter assis-
tencialista ou eram cooperativas que buscavam atender à demanda popular, em detrimento aos
interesses dos patrões. Por esse motivo, chamavam os integrantes dos sindicatos mais tradicionais
de amarelos. Nessa conjuntura, portanto, os operários que queriam ter mais destaque, ou mesmo
voto, precisavam aliar-se aos amarelos, em uma prática clientelista, algo muito recorrente no perío-
do ou mesmo na história do Brasil.
Compreendemos que o movimento anarquista no Brasil foi crucial para que os operários
passassem a perceber a importância da união entre eles, a fim de que as pautas semelhantes ti-
vessem, nessa unidade, mais força para vencer. José Murilo de Carvalho resume a importância do
período de atuação dos anarquistas:
Na indústria e na construção civil, encontravam-se as posições mais radicais,
influenciadas pelo anarquismo trazido por imigrantes europeus. O auge da
influência dos anarquistas verificou-se nos últimos anos da Primeira Guerra
Mundial, quando lideraram uma grande greve que incluía planos de tomada do
poder. Em São Paulo, o peso do anarquismo foi maior devido à presença estran-
geira e ao pequeno número de operários do Estado. (CARVALHO, 2002, p. 59)

A citação deixa evidente que as relações entre o patronato e os operários, mediadas pelo
Estado, que era uma representação em geral do próprio patronato, não eram suficientes para aten-
der às necessidades dos operários. Dessa forma, a ação anarquista abalou essas certezas, fazendo
com que partidos ou organizações operárias e socialistas começassem a se manifestar de maneira
mais enfática, conquistando mais direitos, como descanso semanal remunerado, o direito de se or-
ganizar como grupos e a redução de jornada de trabalho – este último era um dos principais pontos
da pauta anarquista e socialista.
Tais ações anarquistas foram malvistas pelos dirigentes de Estado (e das fábricas), que toma-
ram diversas medidas:
O governo federal aprovou leis de expulsão de estrangeiros acusados de anar-
quismo, e a ação da polícia raramente se mostrava neutra nos conflitos entre
patrões e operários. O anarquismo teve que enfrentar ainda um opositor in-
terno quando foi criado o Partido Comunista do Brasil, em 1922, formado
por ex-anarquistas. O Partido Comunista vinculou-se à Terceira Internacional,
cujas diretrizes seguia de perto. A partir daí a influência anarquista declinou
rapidamente. (CARVALHO, 2002, p. 59-60)

Muitos imigrantes que trouxeram ideais socialistas e anarquistas acabaram sendo expulsos
do Brasil, muitas vezes acusados de “baderneiros”. A citação de Carvalho, ao afirmar que a polícia
não era predominantemente neutra (o que entendemos por “estar ao lado dos patrões”), demonstra
a ausência de direitos dos operários, bem como a liberdade de contestação em um país que já era
uma república. Junto a isso, os ideais comunistas chegaram ao Brasil e acabaram com as últimas
forças anarquistas.
Movimentos urbanos e sociais 51

3.3 Trabalhadores de 1890-1910


Vídeo
Após a abolição da escravatura (1888), o número de migrantes para as zonas ur-
banas aumentou, fazendo com que as cidades inflassem. De acordo com Lilia Schwarcz
e Heloisa Starling, entre 1877 e 1903, foram cerca de 70 mil imigrantes que entraram
no Brasil, a maioria italiana. Porém, nos 30 anos seguintes, as nacionalidades que aqui
chegaram foram as mais diversas (SCHWARCZ, STARLING, 2015, p. 323).
Diante disso, podemos perceber que muitos grupos, embora todos operários, estavam se
formando, mas com características diversas em razão de questões étnicas, raciais ou de prática
política. Em relação a essas diferenças, os historiadores Antônio Negro e Flávio Gomes apontam
especialmente o modo como se encontravam os ex-escravos nesse mundo do trabalho. Segundo
ele, desde meados do século XIX, escravos ou ex-escravos eram vistos como de ganho ou venden-
do o que podiam quando livres. Sendo assim, houve nas cidades um maior controle por meio de
estratégias e força policial (GOMES; NEGRO, 2006, 226-232).
Com a liberdade, a partir de 1888, muitos ex-escravos já viviam nas cidades e também fi-
zeram parte tanto de movimentos de greve, quanto da formação operária6, enquanto as cidades
começavam a receber imigrantes em uma proporção maior ao período anterior.
Carvalho aponta que a maioria dos imigrantes era proveniente da Itália, porém havia uma
presença significativa da nacionalidade espanhola. Além deles, havia os migrantes do interior ou
de outras capitais do Brasil. Poucos trabalhavam para o Estado ou eram funcionários públicos (es-
tradas de ferro, marinha mercante, arsenais).
Além disso, segundo o historiador, os operários recebiam orientações diferentes conforme
o lugar que escolhiam (CARVALHO, 2002, p. 59). No caso do Rio de Janeiro e dos empregos pú-
blicos, havia menos liberdade de voto e de manifestação, diferentemente de outras situações: “Os
operários do porto não se negavam a dialogar com patrões e com o governo, mas eram bem orga-
nizados e mantinham posição de independência” (CARVALHO, 2002, p. 59).
A partir de 1890, o movimento operário se intensificou, apoiado pelas discussões socialistas,
visto que a República proclamada não havia feito o que era esperado. Segundo Claudio Batalha, foi
nesse contexto que os operários buscaram associar direitos sociais e políticos (BATALHA, 2003, p. 174).
Entretanto, para que isso ocorresse, era preciso ter renda ou começar a disputar cargos políticos. Apesar
dos muitos partidos socialistas surgidos nesse período, Gomes aponta que o primordial nesse contexto
era: “a revalorização do trabalho e do trabalhador e a crença na possibilidade de os direitos operários
serem defendidos dentro das regras do sistema representativo de corte liberal” (GOMES, 2005, p. 41).
Mesmo os grupos que agiram com comportamentos hostis ou colaboraram com situações
contrárias às ideias iniciais, havia uma diversidade se formando, e essa foi uma das vantagens ofere-
cidas por um regime republicano: a democracia. Tal perspectiva, mais comum a partir dos anos de
1930, não está dissociada das primeiras lutas operárias da República brasileira, que ficaram muito
mais intensas nos anos de 1920.

6 Para um debate historiográfico de como questões de classe e a inserção dos ex-escravos se deu após a Proclamação
da República no mundo do trabalho, ver Negro e Gomes (2006).
52 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

Para Carvalho, o movimento operário permitiu grandes avanços em relação aos direitos
civis e à cidadania, isto é, garantiu conquistas maiores mesmo que seus reflexos viessem a des-
pontar somente a partir de 1930, no governo de Getúlio Vargas. O ato de pedir visibilidade nas
leis trabalhistas (em busca de horário de trabalho adequado, manifestação de interesses e defesa
dos direitos básicos) permitiu que, aos poucos, seus espaços fossem mais respeitados, alcançando
direitos como o descanso remunerado e as indenizações por acidentes de trabalho (CARVALHO,
2002, p. 59-60).

Considerações finais
A frase de Euclides da Cunha (CUNHA apud SEVCENKO, 2015, p. 130), jornalista e escritor
brasileiro, que abre este capítulo está relacionada aos movimentos sociais, que começaram nos anos
de 1890 no Brasil. Ou seja, enquanto as autoridades militares regiam o Brasil com práticas ditato-
riais, outros grupos fizeram o que de mais importante poderia ser ocasionado pela “liberdade de
uma República”: o direito à palavra.
Portanto, se a República organizada logo após a Proclamação era o resultado de interesses
de militares, bem como de classes privilegiadas, ela também lançou as ideias de igualdade e de
cidadania, mesmo que de forma bastante sutil, permitindo o surgimento de novos movimentos
urbanos e sociais.
Com as reflexões aqui expostas, fica claro que cidadania ou um governo do povo não era o
objetivo da República de Deodoro da Fonseca e seu grupo. Vários grupos, porém, entenderam que
um pequeno espaço havia sido aberto e, nas décadas seguintes, muitas conquistas seriam buscadas
por meio de rebeldia e de questionamentos políticos intensos após essa abertura.

Ampliando seus conhecimentos


O texto a seguir refere-se à área de estudo do trabalho, na qual historiadores buscam com-
preender como é afetada a vida social e cultural dos trabalhadores pelos tipos e modos de trabalho.

Mundo ou mundos do trabalho?


(CIAVATTA, 2012, p. 34-35)

A comparação não se faz em abstrato, ela ocorre sempre entre seres ou fenômenos relaciona-
dos, situados em um tempo e espaço, em um determinado contexto de relações sociais. Para
tanto, é preciso, distinguir o trabalho tanto na sua forma ontológica, fundamental, estruturante
de um novo tipo de ser, o homem, ser social; quanto nas suas formas históricas, penosas,
alienantes, desintegradoras dos melhores valores da pessoa humana. Na primeira forma, a
delimitação entre a reprodução estritamente biológica e a produção/reprodução própria dos
homens é constituída não apenas pelo produto do trabalho, mas pela consciência, pela capaci-
dade de representar o ser, o produto, de modo ideal, na sua imaginação criadora (CIAVATTA
FRANCO, 1990, p. 43).
Movimentos urbanos e sociais 53

O conceito de mundo de trabalho, portanto, inclui as atividades materiais, produtivas, assim


como todos os processos de criação cultural que se geram em torno da reprodução da vida.
Queremos, com isso, evocar o universo complexo que, à custa de enorme simplificação,
reduzimos a uma das suas formas históricas aparentes, tais como a profissão, o produto do
trabalho, as atividades laborais, fora da complexidade das relações sociais que estão na base
dessas ações.
[...]
No sentido historicizado da própria noção, Hobsbawm (1987) amplia a noção de classe traba-
lhadora, de um conteúdo meramente econômico (proprietários e não proprietários dos meios
de produção), para suas dimensões sociais e culturais. O autor propõe caracterizar a classe
operária, observando as especificidades do contexto ao qual pertencem. Identifica algumas
forças que contribuem para a especificação do conceito: a economia nacional, o Estado, as leis,
as instituições, as práticas e a cultura de um país. Além disso, o pertencimento a um grupo
social, político ou religioso pode se constituir em elemento importante dessa especificação.
[...] (HOBSBAWM, 1987, p. 79-98).
E. P Thompson (1981) nos convida a um duplo movimento: de crítica à dimensão reducio-
nista de trabalho como emprego e seu vínculo linear com os processos educacionais escola-
res, para compreender o trabalho na sua relação necessária com a produção da vida. Como
historiador das classes trabalhadoras e de suas lutas na Inglaterra, ajuda-nos a compreender
o trabalho vinculado à experiência humana e à cultura. Superar a visão meramente economi-
cista do trabalho significa pensá-lo a partir dos sujeitos sociais, “como pessoas que experi-
mentam suas situações e relações produtivas determinadas, como necessidades e interesses
e como antagonismos e, em seguida, tratam essa experiência em sua consciência e em sua
cultura”. Assim, por meio da experiência de trabalho, homens e mulheres refazem, continua-
mente, a sua própria natureza.

Atividades
1. Sobre o início da República, explique por que foi um momento tão conturbado, embora
promissor.

2. Considere as diferenças entre o socialismo e o anarquismo no Brasil no fim do século XIX e


no início do XX e estabeleça uma relação com o movimento operário e as leis trabalhistas.

3. Explique sobre o tratamento dado aos anarquistas e sobre quem eram os “amarelos”.

4. Diferencie as propostas de Edward Thompson e Eric Hobsbawm em relação aos “mundos do


trabalho”, tomando como base a leitura do texto complementar.
4
O sertão e o interior do Brasil

Neste capítulo discutiremos sobre o modo como a República foi organizada no fim do
século XIX e no início do XX, no que se refere às movimentações populares e contestações
sociais. Em um primeiro momento, buscamos entender como o Cangaço1, mesmo que carre-
gado de violência, está relacionado a uma perspectiva de reação diante da miséria social e do
descaso político.
O cangaço, nesse caso, vai além de uma caricatura tradicional em que a violência é re-
tratada como casual, gratuita e vinculada a interesses de enriquecimento. Ressaltamos que tal
movimento está relacionado a Canudos, que ocorreu no fim do século XIX, de cunho messiâ-
nico, mas também social.
Canudos formou seu arraial por meio das promessas de Antônio Conselheiro, por uma
vida melhor e por medo, visto que os cangaceiros “assustavam” as populações do interior, que
muitas vezes viviam sem nenhuma proteção.
Do mesmo modo, o Contestado2 foi uma disputa entre coronéis e fazendeiros da região
dos planaltos catarinense e paranaense, posseiros, sertanejos e mateiros, cuja liderança era do
curandeiro José Maria, da comunidade Taquaruçu (MACHADO, 2012b).
Objetivamos, com essa abordagem, destacar problemas sociais que estavam eclodindo
no Brasil, cuja centralidade estava na ineficiência do discurso republicano: o de prover cidada-
nia e igualdade a todos.

4.1 O Cangaço
Vídeo
Não existe uma data exata que define o início do Cangaço no Nordeste,
porém temos um indício dos princípios desse movimento na lenda sobre O
Cabeleira. O personagem lendário do século XVIII foi a inspiração da obra
homônima, de Franklin Távora, lançada em 1876. José Gomes, a pessoa que
inspirou o Cabeleira, foi responsável por inaugurar o termo banditismo rural 3,
empregado para se referir ao Cangaço e aos movimentos de Canudos e Contestado.
O historiador Durval Muniz de Albuquerque Júnior, ao analisar a estrutura da obra,
afirma que o romancista colaborou com os movimentos literários realista e naturalista:
[A obra] remete para o caráter compósito e de fronteira que teriam esses
escritos, eles oscilariam entre “composições literárias” e “estudos históricos”
(TÁVORA, 1973, p. 22), escritos que respondiam, assim, às novas regras

1 Movimento social rural típico do sertão do Nordeste.


2 A região que recebeu esse nome atualmente refere-se ao Planalto Norte, ao Vale do Rio do Peixe e ao Meio-
-Oeste de Santa Catarina.
3 Sobre o termo banditismo rural, ver Wiesebron (1996).
56 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

trazidas para o campo literário pelo que veio a ser chamado de realismo e de na-
turalismo, que articulavam o propriamente ficcional ao imperativo de se figurar
o que seria a realidade. (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2017, p. 229)

Sem comprometimento com a realidade, assim como qualquer livro literário, o conto par-
tia de um contexto muito real, com nuances sociais e políticas em que alguém como Cabeleira
praticava ações violentas, por vezes apenas como mercenário e, em outras, como justiceiro. Para
Albuquerque Júnior,
Essa literatura visaria, assim, dar a ver e conhecer [...] todo o Norte, já que de-
veriam lutar não somente contra a ignorância da realidade dessas terras pelos
centros cultos do país, mas contra o falso juízo e o desprezo que a elas eram
devotadas, lançando mão, para isso, da “rica mina das tradições e crônicas” das
províncias setentrionais do país [...]. O romance em que materializa esse proje-
to, O Cabeleira, se apoia em narrativas orais, algumas delas na forma de versos,
que circulavam na província de Pernambuco, em torno desse bandido lendário.
Em várias passagens do romance, Távora vai buscar nesses textos as imagens
com que figura o corpo, os gestos, as ações do lendário criminoso, seu entor-
no social, os costumes e paisagens de seu tempo. (ALBUQUERQUE JÚNIOR,
2017, p. 229-230)

Albuquerque Júnior reafirma que Franklin Távora traz em suas notas de rodapé os trechos
que seriam suas fontes, semelhante a escritores e etnógrafos do período. Dessa forma, o escritor
trouxe o regional e suas tradições orais, expressões e acontecimentos, tratando-os muitas vezes
como memória, testemunho e documento (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2017, p. 229).
O discurso de Távora é referente à década de 1870, na qual se discutia, além de princípios
literários – que seriam os genuínos do território nacional –, a “brasilidade” que o Sul estava per-
dendo devido à presença de imigrantes.
Além disso, uma das grandes contribuições da literatura de Távora é colocar em evidência
o tema da literatura das secas, termo que designa um contexto social e político que nos permite
avançar na compreensão da situação do Nordeste no fim do século XIX. Junto à ideia de literatura
da seca, o cangaço é mencionado no livro como sinônimo de “voz sertaneja” ou de “complexo de
armas”, portadas abaixo do cangaço4 (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2017, p. 233).
Tal perspectiva deu base para vários estereótipos formados com base nessa leitura, ou seja,
dos cangaceiros apenas como homens “fora da lei” que aterrorizavam o interior do Nordeste.
Entretanto, é preciso considerar o lugar e o contexto social ocupado por esses homens. Para
Petrônio Domingues:
O aparecimento do cangaço está relacionado ao sistema político, jurídico, eco-
nômico e social do Nordeste brasileiro; à decadência e reveses da cadeia produ-
tiva ligada à agricultura e pecuária, à vida de penúria da população sertaneja, às
penosas secas, à ausência do poder público, às injustiças advindas dos “coronéis”

4 Nesse caso, o termo refere-se a uma roupa vestida pelos “criminosos”, conforme Albuquerque Júnior (2017, p. 233).
O sertão e o interior do Brasil 57

e seus jagunços, às rivalidades e brigas fratricidas entre clãs familiares, aos abu-
sos e truculência da polícia, aos códigos de honra, vingança e violência do ser-
tão, à fragilidade das instituições responsáveis pela lei, ordem e justiça, à falta de
perspectivas e esperanças de dias melhores. No entanto, essa explicação adquire
sentidos e significados mais complexos quando cruzada com a própria história
dos bandoleiros, chamados de cangaceiros. (DOMINGUES, 2017, p. 4)

O “exemplar” mais temido e respeitado do Cangaço foi Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião.
Ele matava por qualquer motivo, seja por interesse, seja por vontade ou, até mesmo, por vingança.
Também tinha acordos e relações com políticos importantes, bem como com famílias tradicionais.
Lampião foi entrevistado, filmado e fotografado por Benjamim Abrahão, como demons-
tram os exemplos a seguir5:
Figura 1 – Lampião no sertão nordestino, próximo ao Rio São Francisco.

Benjamin Abrahão/Instituto Moreira Salles/Wikimedia Commons

Figura 2 – Benjamin Abrahão ao lado de Maria Bonita e Lampião.

5 Benjamin Abrahão Calil Botto (1901-1938) fotografou e compôs uma das maiores coleções de Virgulino Ferreira
da Silva, o Lampião (1898-1938). Por meio desse acervo fotográfico, o Cangaço se tornou mais conhecido, além de ter
passado ao imaginário popular, em lendas, canções e cordéis. Para saber mais, acesse o site “Brasiliana Fotográfica”, da
Biblioteca Nacional. Disponível em: <http://brasilianafotografica.bn.br/?tag=conflito>. Acesso em: 28 fev. 2018.
58 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

Benjamin Abrahão/Instituto Moreira Salles/Wikimedia Commons


Trata-se das décadas de 1920-1930, auge do domínio de Lampião. Isso demonstra que os
problemas representados na obra de Franklin Távora, no século XIX, persistiam ainda no XX.
Esse contexto de Virgulino Ferreira da Silva expõe como a miséria social em que se encon-
trava boa parte do interior do Nordeste, assim como a ação do Cangaço, não estava dissociada
da realidade política do país. Isto é, a mesma nação que projetou a República, sem assumir seu
significado político, permitiu que os grupos sociais ficassem sob a tutela de coronéis regionais,
que, pela política dos governadores e o federalismo do período, manipulavam medidas políticas e
econômicas, muitas vezes relegando ao cangaço a culpa pelo medo e pelos problemas econômicos.
Porém, trabalhos como o de Benjamin Abrahão e de escritores como Euclides da Cunha,
Franklin Távora ou Graciliano Ramos demonstram que o Cangaço era apenas o reflexo de uma
política econômica de muitos séculos. Nesse caso, segundo Petrônio Domingues,
a falta de alternativas interessantes talvez tenha sido um elemento importante
para a opção de viver nos brigands. De acordo com o historiador Luiz Bernardo
Pericás, o Cangaço se converteu num “negócio”, num “emprego”, enfim, num
“meio de vida”, chegando a ser visto como uma profissão. Os “novos” cangaceiros,
em grande medida, à parte de motivos pessoais e entreveros com as volantes ou
com membros de outras famílias, “entraram nas fileiras do Cangaço vendo nelas a
possibilidade de liberdade, prestígio e fortuna”. (DOMINGUES, 2017, p. 7)

Entre a lenda do Cabeleira até a vida e morte de Virgulino Ferreira da Silva, o Nordeste foi
cada vez mais deixado de lado, do Império à República. O fim da escravidão aumentou a massa que
se acumulava nas cidades maiores, bem como a miséria já “natural” do sertão.
O sertão e o interior do Brasil 59

De acordo com as historiadoras Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling, a escrita de Euclides


da Cunha deixou evidente o quanto o semiárido teve o seu espaço geográfico deteriorado depois
de seguidas secas e queimadas: a narrativa dele apresentou “imagens de medo, solidão, abando-
no; [e] reconheceu no mundo sertanejo uma marca do esquecimento secular e coletivo do país”
(SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 332).
Petrônio Domingues deixa tal perspectiva evidente ao afirmar que o Cangaço se tornou
uma alternativa, para o bem ou para o mal. Se esse movimento era temido pelos fazendeiros, pelos
políticos ou pela população, não importa. Era uma possibilidade de vingança, de se ter comida ou
prestígio (DOMINGUES, 2017, p. 7). A miséria, o medo e a falta de proteção por parte do governo
republicano fez com que indivíduos passassem a seguir o movimento e suas promessas.
Além disso, o Cangaço ganhou lendas e versões na literatura de cordel. Por isso, os cangacei-
ros eram temidos por uns e respeitados por outros.

4.2 Canudos
Vídeo
A situação da Igreja católica apostólica romana não era muito cômoda após
a Proclamação da República, especialmente ter perdido boa parte de seu poder po-
lítico. Nesse contexto, foram lançadas diversas estratégias para que ela continuasse
ampliando seu horizonte de domínio e, ao mesmo tempo, lutasse contra ideologias
e correntes que surgiam, como o socialismo, o liberalismo, o positivismo, o cienti-
ficismo, o protestantismo e a maçonaria (HERMANN, 2008, p. 124).
A romanização, incentivada pelo Vaticano, também instituiu o aumento de trabalho missio-
nário (incluindo escolas), com a finalidade de reforçar a moralização e a hierarquia no interior da
Igreja (HERMANN, 2008, p. 124).
Esses apontamentos demonstram as reações da Igreja católica mediante a proibição de sua
participação política. Entretanto, segundo a historiadora Jaqueline Hermann, a Igreja não pôde
controlar todas as inquietações e manifestações contra si, por isso movimentos como Canudos e
Contestado são também vistos como messiânicos (HERMANN, 2008, p. 125).
Hermann aponta que o messianismo pode ser entendido como um movimento reformador
e restaurador ocorrido em um contexto de ausência de leis e regras de organização. Para a autora,
“A instabilidade habitual dessa sociedade rústica, baseada em solidariedades de parentesco e com-
padrio, tornava-a suscetível a arranjos e laços de compromisso e dependência que estruturavam
alianças sempre provisórias, conformando o chamado ‘coronelismo’” (HERMANN, 2008, p. 127).
Além disso, também é preciso considerar a marginalização tanto do interior do Brasil quan-
to das relações de classe peculiares a cada região. O movimento de Canudos tornou-se um meio de
expressão fanático e de marginalizados, conforme evidencia parte da historiografia (HERMANN,
2008, p. 127).
Portanto, à medida que conflitos locais ocorriam (e considerando o poder dos coronéis),
propostas messiânicas buscavam ganhar espaço, para além da interferência da Igreja. Ressaltamos
que o regime republicano já havia instituído a “política dos governadores”, cuja máxima era a
60 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

autonomia regional. Em troca, São Paulo e Minas Gerais deviam deixar o governo federal agir
livremente em seus territórios.
Foi nesse contexto que Antônio Conselheiro começou a apregoar pelo interior do sertão
promessas religiosas de salvação, de proteção contra cangaceiros e coronéis e o fim da miséria
social em que vivia uma maioria. Conforme Hermann (2008, p. 127), por meio do “catolicismo
popular, os sertanejos construíram uma identidade ao mesmo tempo marginal e autônoma”.
Antônio Conselheiro nasceu no Ceará, em uma família letrada, mas falida. Após dar aulas
e vender o que herdou, passou a ser caixeiro-viajante. Com a traição e fuga da mulher, começou a
perambular pelo interior do sertão nordestino, fazendo e estimulando construções, como cemité-
rios e igrejas, ao passo que conquistava a confiança dos primeiros companheiros que formaram o
grupo que o acompanhava (HERMANN, 2008, p. 140).
As historiadoras Schwarcz e Starling apontam como era a região na qual Antônio Conselheiro
e seus seguidores se estabeleceram e como se deu a escolha pelo local:
A região fora ocupada por uma série de latifúndios decadentes, era assolada por
crises cíclicas de seca e desemprego crônico, e contava com milhares de sertane-
jos que peregrinavam pelo sertão baiano. Em maio de 1893, Conselheiro e seus
seguidores chegaram a Bom Conselho, Bahia. Ali assistiram a uma cobrança de
impostos que haviam aumentado muito com o advento da República e, diante
do povo reunido num dia de feira, Antônio Conselheiro arrancou os editais pre-
gados nas paredes e os queimou. Ao saber do ocorrido, Rodrigues Lima, enviou
soldados para prender o beato e sertanejos. Esse combate levou Conselheiro
a pôr fim à peregrinação e se estabelecer na fazenda de Canudos. Da data de
chegada até o fim da guerra, a comunidade cresceu de 230 para cerca de 24 mil
habitantes e, batizado de Belo Monte, o arraial se tornou um dos mais populosos
da Bahia. (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 333)

Diversos elementos possibilitaram a formação desse grupo que seguia as ideias de um reli-
gioso pregador de dias melhores a uma multidão que vivia na precariedade. A República piorou
essa situação em consequência do aumento de impostos.
Além disso, o temor dos coronéis, como representantes da República, aumentava com a
possibilidade de não pagamento desses impostos. Com o ato de rebeldia – e de vitória – de Antônio
Conselheiro, o grupo acreditou que poderia “vender” aquela dita República que os oprimia, viven-
do em um local livre do domínio dela. Nesse sentido, o arraial de Belo Monte adquiriu três inimi-
gos: a República, a Igreja e os coronéis.
Longe de idealizar Canudos, é preciso, no entanto, considerarmos que o cotidiano nessa
comunidade era muito melhor do que o conhecido pela maioria. Isso se deve em especial ao uso
coletivo da terra para plantio e colheita, assim como a criação de animais diversos e a produção de
couro curtido. Do total da produção existia uma divisão, nem sempre igualitária, mas bem mais
vantajosa em relação à que era comum antes do arraial (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 333).
O governo do período era o de Prudente de Morais, o primeiro regime republicano civil após à
Proclamação da República, ou seja, um tempo conturbado, visto que os militares tinham se mantido
por pouco tempo no poder, mas objetivavam voltar ao governo, e o republicanismo parecia ainda não
ser o suficiente para as demandas políticas brasileiras (HERMANN, 2008, p. 139).
O sertão e o interior do Brasil 61

Antes de o governo começar a se preocupar de fato com a existência de Canudos, a Igreja


católica já havia debatido o assunto:
[...] em 1895, o arraial recebeu a visita de frei João Evangelista de Monte
Marciano, enviado pelo Arcebispo da Bahia, dom Macedo Costa, preocupado
com o ajuntamento em Belo Monte e com a explícita resistência dos conse-
lheiristas à República, o arcebispo pediu que o frei os fizesse ver que era er-
rada a posição que tomavam, contrariando a ordem de Deus e dos homens.
(HERMANN, 2008, p. 141)

Embora Antônio Conselheiro tenha recebido o frei e permitido que ele fizesse até mesmo
missas, acabou por expulsá-lo, pois o religioso insistiu que os conselheiristas obedecessem às leis
republicanas. Por esse motivo, acabou sendo acusado de maçom e protestante.
O frei, por sua vez, além de dizer que se tratava de uma seita política, colocou em seu relató-
rio que o arraial de Antônio Conselheiro representava um cisma6 na Igreja católica baiana.
A partir de 1896, sobretudo em razão de alguns problemas ocasionados na região, o arraial
de Antônio Conselheiro começou a sofrer incursões do Exército. Essas batalhas foram facilmente
vencidas no início, mas martirizaram toda a região, em especial os fiéis de Conselheiro.
De acordo com Schwarcz e Starling, foi com a morte do comandante do Exército, Moreira
César, que o arraial de Belo Monte passou a ser a notícia mais veiculada nos principais jornais do
país, tratado como o “mal que manchava a República”. Tal perspectiva pode ser resumida do se-
guinte modo:
No Rio de Janeiro, capital da República, os jornais divulgavam que Canudos era
um reduto monarquista e tinha que ser destruído. Mesmo assim, o arraial resis-
tia a ataques cada vez mais violentos da quarta expedição enviada pelo governo,
composta de 421 oficiais e 6.160 soldados, armados até os dentes. Em outubro
de 1897, o Exército garantiu que quem se rendesse sobreviveria. Mas o acordo
não foi cumprido, e muitos dos homens, mulheres e crianças que se entregaram
foram degolados. No dia 5 do mesmo mês, por fim, o arraial foi invadido, quei-
mado com querosene e dinamitado. (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 334)
A degola, a dinamite e o desejo de destruir Canudos, um povoado pobre no meio do sertão
baiano, representa a situação social do país, ocasionada por anos de colonização e da presença por-
tuguesa, ao passo que também nos mostra que a República não foi proclamada para dar igualdade
social ou participação política à maior parte da população.
Canudos precisava ser apontado como exemplo do que se faz com a rebeldia e com a sub-
versão, desconsiderando o que levou o lugar a ser um reduto considerado como fuga da República.
Existem diversos debates sobre o peso da história de Canudos e as razões que ocasionaram
esse movimento. Hermann traz o debate de modo objetivo. Para a historiadora, a primeira versão
interpretativa para explicar Canudos, a de Euclides da Cunha, trata do tema como algo evolucional,
visto que o escritor se preocupa com o espaço geográfico, as dificuldades e a organização estrutu-
rada até o ápice do problema, o próprio homem, na ideia exposta a seguir:
Tal como a natureza, inóspita e acuada por agressões permanentes, seculares, o
homem do sertão nasceu desse “martírio” e da luta cotidiana pela sobrevivência,

6 Trata-se de um desacordo de opiniões ou separação de um grupo de pessoas de um coletivo.


62 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

tendo por isso uma força física extraordinária e uma capacidade “inata” para
domar as dificuldades geográficas e climáticas. Mas, esse homem viril, possuía
uma degenerescência primordial, uma formação racial nefasta, que o torna fra-
co moralmente. Só por isso pôde se afeiçoar a uma religião tipicamente mestiça,
“deixando-se facilmente arrebatar pelas superstições mais absurdas e crendo no
que já não existe sequer em Portugal, como o misticismo político do sebastia-
nismo” (CUNHA, 1975). (HERMANN, 2008, p. 145)

As ideias de Euclides da Cunha, portanto, sugerem que o povo do sertão, em especial o de


Canudos, era racialmente complexo em relação aos demais, a ponto de ser controlado, excluindo
qualquer perspectiva social e política de análise do problema inicial. Tal perspectiva foi debatida
nas décadas posteriores aos anos de 1950, quando outros historiadores, antropólogos e sociólogos
passaram a discutir a relação entre posse de terra e a vida sertaneja como uma reação aos proble-
mas sociais regionais, e não uma exclusiva negação à “novata” República brasileira.
A historiadora Hermann, por sua vez, ao analisar os escritos de Antônio Conselheiro, afir-
ma que ele não se colocava como um representante de Deus, mas apenas em relação à República.
Por isso, entendemos que Canudos ganhava confiança e era bastante populosa devido à pobreza,
à violência, entre outros elementos, porém o que sustentava essa comunidade era a convicção de
Antônio Conselheiro na fé católica.
Tal ideia evidencia também que os moradores de Canudos não tinham receio em obedecer
a uma ordem, apenas entendiam que a República havia “logrado” o poder natural da monarquia.
Contudo é preciso considerar que tanto Canudos quanto Contestado (tema da próxi-
ma seção) representam um “monarquismo sertanejo” e são “parte da experiência traumática da
República que, no Brasil, significou para a população pobre do interior do país maior tributação,
guerras e aumento do poder político dos terratenentes” (MACHADO, 2012a, p. 7). Ou seja, defen-
der a monarquia era um “grito” de socorro, o que não significava, porém, pedir o retorno da família
real portuguesa.
Com base nessas reflexões, mesmo admitindo-se a presença do fanatismo misturado às su-
perstições, o movimento não pode ser visto unicamente como messiânico, pois diversas questões
sociais/políticas levaram à sua formação. Antônio Conselheiro liderava Canudos como um homem
letrado, que sofria privações e dificuldades como os demais (HERMANN, 2008, p. 145-149).
As figuras a seguir são representativas do Arraial de Canudos e de Antônio Conselheiro.
A Figura 3 expõe o tamanho da comunidade, que foi resistente às investidas governamentais por
anos, enquanto a Figura 4 representa o que era para Conselheiro a causa da situação social que
levava tantos a buscarem Canudos: a República.
O sertão e o interior do Brasil 63

Figura 3 – Arraial de Canudos

Wikimedia Commons
Figura 4 – Cartum da Revista Ilustrada (c.1896), representando a imagem de Antônio Conselheiro tentando
“barrar” a República.

Angelo Agostini/Wikimedia Commons

Entendemos que o governo republicano não estava (e continuou a não estar) preocupado
em negociar ou sanar os problemas que levaram Antônio Conselheiro a ter tantos seguidores. Se
estes, por sua vez, seguiam-no para fugir da violência e desmandos dos coronéis, da brutalidade
de cangaceiros e da pobreza ocasionada também pela seca, os que não o seguiam não tiveram vida
melhor que a do arraial.
Canudos era muito menor que a capacidade do Exército para destruí-la, mas sua força em
resistir tantos anos demonstra que era grave a miséria social brasileira naquele tempo, e mostra-
-nos de que forma grupos religiosos já estavam alterando a ordem social do século XX.
64 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

4.3 Contestado
Vídeo
O território abrangido pelo Contestado (1912-1916) foi uma região de carac-
terísticas bastante diversas às condições de Canudos, porque envolveu um territó-
rio maior (Figura 5), próximo à divisa entre Santa Catarina e Paraná.
Figura 5 – Mapa histórico do Contestado

Museu do Contestado/Wikimedia Commons


O conflito do Contestado ocorreu em um período no qual a República já estava mais or-
ganizada. Na liderança desse movimento, havia José Maria, herdeiro do carisma do monge João
Maria (c.1886-1908) – Anastás Marcaf – e seu substituto, cujo papel foi equivalente ao de Antônio
Conselheiro em Canudos.
João Maria, que havia lutado na Revolução Federalista (1893-1895), costumava fazer críticas
à Igreja católica. Aos fiéis, asseverava que, quando cumprida sua missão, iria refugiar-se em Taió,
um lugar encantado, “cumprindo a ordem que recebera de Deus, para dali voltar ou mandar um
emissário para voltar a pregar e consolar ‘seu povo’” (HERMANN, 2008, p. 150).
Paulo Pinheiro Machado afirma que ainda no século XIX houve uma aproximação entre as
práticas de João Maria e as práticas políticas federalistas. No caso de Maria, o objetivo era formar
um espaço cultural autônomo, entre o Estado e o clero. Já os federalistas, do antigo Partido Liberal
do Império, representavam uma vertente mais popular, cuja intenção era lutar contra a opressão
exercida por políticos importantes das capitais (MACHADO, 2012a, p. 4).
Após o falecimento de João Maria, José Maria tomou o seu lugar, aceitando adeptos de sua
fé, bem como doações, a fim de estruturar um lugar “de acolhimento”. José Maria instalou-se em
O sertão e o interior do Brasil 65

uma área de disputa litigiosa entre os estados de Santa Catarina e do Paraná, em um local conhe-
cido como Taquaraçu, depois de passar pela cidade de Campos Novos (MACHADO, 2012a, p. 1).
O problema entre os estados já existia desde o fim do século XIX e foi acentuado no início do
XX. Sua principal consequência era a falta de regulação de terras, causando problemas entre ser-
tanejos e fazendeiros. Dessa forma, problemas como grilagem e disputas de terra já eram comuns
nessa região, aumentando as desigualdades sociais e de classe.
Não obstante, a presença da companhia ferroviária Brazil Railway, que já atuava na re-
gião desde 1908, causou mais problemas, visto que o acordo de construção permitia a explora-
ção da madeira das margens, atuando sobre terrenos de fazendeiros e posseiros (MACHADO,
2012a, p. 1-2).
Em Taquaruçu, por volta de 1912, José Maria passou a dar aulas militares, estabelecendo re-
lações com posturas religiosas e afirmando que a República não conseguia atender às necessidades
locais – e, portanto, a monarquia deveria retornar.
Sobre esse período, o historiador Paulo Pinheiro Machado (2011) narra o contexto de for-
mação de Taquaruçu:
A partir da formação da “Cidade Santa” de Taquaruçu, vários outros sertanejos
passaram a agrupar-se no núcleo inicial. Havia um grande número de veteranos
da Guerra Federalista (1893-1895), maragatos descontentes com o domínio
dos republicanos, opositores políticos dos Coronéis da Guarda Nacional que
governavam os municípios serranos de Santa Catarina. Taquaruçu e, depois, os
novos redutos recebiam também muitos sertanejos expulsos de suas posses com
a construção da estrada de ferro ao longo dos rios do Peixe, Iguaçu e Negro.
(MACHADO, 2011, p. 178-179)

Soldados que haviam lutado contra e a favor do governo na Revolução Federalista, grupos
que estavam descontentes com o governo republicano e, principalmente, a construção da estrada
de ferro São Paulo-Rio Grande do Sul – que constituía a principal diferença entre Contestado e
Canudos – foram causas dessa concentração de pessoas em Taquaruçu. Esta era uma região prós-
pera devido à construção da estrada de ferro, mas a falta de regulamentação em relação à posse da
terra gerou um acúmulo de problemas sociais.
Paulo Pinheiro Machado (2012a) aponta que, por muito tempo, a historiografia tratou a
Guerra como uma reação do governo federal a “sertanejos fanáticos” que não sabiam porque luta-
vam. Ou seja, apenas obedeciam a José Maria, cujo objetivo era tomar terras. O historiador afirma
que tal perspectiva foi problematizada na década de 1970:
[O historiador] Duglas [Teixeira Monteiro, na obra Os errantes do novo século:
um estudo sobre o surto milenarista do Contestado, de 1974] consegue, com os
instrumentos teóricos disponíveis em sua época, entender o processo interno de
reelaboração mística e de construção da linguagem e da visão de mundo rebel-
de. O trabalho deste autor teve grande impacto na historiografia seguinte, por
ajudar a demolir o muro da intolerância e da arrogância urbanas, que só conse-
guia ver “ignorância”, “fanatismo” e “carências” no mundo sertanejo. A partir da
obra de Duglas, o mundo sertanejo passa a ser visto pelo que efetivamente foi,
pelo que construiu e pelo que acreditava. (MACHADO, 2012a, p. 4)
66 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

A tese desconstruiu a ideia de que o Contestado foi “vencido” por militares federais com
muita força, especialmente depois de 1914 (até 1916), e que era um local de fanáticos que lutavam
em nome de um monge.
Segundo Machado, a obra mencionada traz para o movimento a perspectiva da luta pela
posse de terras, para além do discurso sobre fanatismo e superstição, que está mais relacionado a
uma estratégia de desqualificação do poder pelos coronéis e pelo próprio governo federal do perío-
do, o que o autor chama de quadro santo. Para ele, o que ocorreu no Contestado entre 1912 e 1916
foi o resultado de décadas de conflitos com base em experiências “missioneiras” desde o século
XIX, com mais ou menos força. Com a ação mais contundente de fazendeiros e grileiros, e os inte-
resses econômicos da companhia de ferro, o problema foi extremamente acentuado (MACHADO,
2012a, p. 5).
Desse modo, a partir de 1912, tanto as forças federais quanto estaduais começaram a preo-
cupar-se com a atuação de José Maria, visto que, para elas, os camponeses – desempregados e com
suas terras griladas – estavam sendo incentivados a essa revolta.
Com enfrentamentos entre esses grupos, a Guerra do Contestado durou cerca de quatro
anos, com períodos de menor e maior repressão militar. Aliás, na mesma medida em que os cam-
poneses resistiam às investidas oficiais ou dos coronéis, estes os reprimiam.
Machado (2011), em outro trabalho sobre as memórias do Contestado7, busca entender
como as táticas e o cotidiano do conflito ocorreram e, assim, explicar por que os redutos “rebeldes”,
quando destruídos por tropas oficiais, eram substituídos por novos. Armadilhas, “emboscadas”, as-
sim como problemas de fome e abastecimento foram cruciais para o enfraquecimento dos sertane-
jos. Nas memórias analisadas por ele, a crueldade empregada por rebeldes também foi recorrente,
especialmente no fim.
O que percebemos com o conflito do Contestado é que a situação de guerra agravou os pro-
blemas sociais e políticos da região entre os estados do Paraná e de Santa Catarina. Se fosse feita a
regulação de terra, de normas e regras para atuação da Brazil Railway – que deixou desempregados
e tomou terras para extração de recursos florestais – e de políticas sociais (por parte da República)
para atender à carência da região, a revolta não teria ocorrido.
A Guerra do Contestado deixou milhares de mortos, traumas incontáveis de todos os
lados, e, ainda hoje, de acordo com Machado (2012a, p. 12), a região onde habitam sertanejos e
caboclos remanescentes apresenta os piores Índices de Desenvolvimento Humano do estado de
Santa Catarina.

Considerações finais
Personagens da literatura ou a representação de pessoas reais em páginas literárias demons-
tram a complexidade dos primeiros 25 anos de República no Brasil.

7 Sugerimos a leitura do artigo “Guerra, cerco, fome e epidemias: memórias e experiências dos sertanejos do Contes-
tado”, de Machado (2011).
O sertão e o interior do Brasil 67

Do Nordeste ao Sul, o que podemos perceber, brevemente, é que o regime político escolhido
apenas por alguns não correspondia às demandas sociais da época. Entretanto, é preciso observar
que, dotados de interesses religiosos ou não, influenciados por ideologias políticas ou não, muitos
grupos contestaram a ordem e a hierarquia vigentes.
Os movimentos tratados aqui não são e não devem ser vistos apenas “como subversivos,
fanáticos ou violentos”. Eles são gritos de marginalizados desejosos de justiça social, são reflexos da
miséria brasileira do período, reafirmada pela questão da posse de terra.
Efetivamente, se temos problemas com esses na atualidade, exigir da República práticas que
sanassem tais questões naquele período é cometer anacronismos. Mas foi com base em ações como
de Canudos e do Contestado que novas posturas políticas foram tomadas, para que revoltas como
essas não se repetissem.

Ampliando seus conhecimentos


O texto a seguir é parte do artigo do historiador Vanderlei Sebastião de Sousa, cujo objetivo
é debater sobre a obra Os sertões, de Euclides da Cunha, repleta de elementos do sertão nordestino
e considerada uma das principais fontes para compreensão do movimento de Canudos.
A obra também pode ser compreendida em uma perspectiva realista e/ou naturalista e, além
disso, Cunha, em meio ao seu relato, propagou algumas das ideias positivistas.

O naturalismo de Euclides da Cunha: ciência, evolucionismo e raça


em os ­sertões
(SOUZA, 2010, p. 2-4)

Pode-se dizer que em Os sertões, a literatura é dominada pela ciência sem deixar de ser lite-
ratura, enquanto a imaginação artística, apoiada no gênero narrativo das grandes epopeias,
ganha as formas da objetividade científica e da busca por leis gerais de funcionamento do
mundo. Para Roberto Ventura, a narrativa literária de Euclides também incorporou e dia-
logou com a tradição dos relatos de viagem e das expedições científicas, dando expressão
artística e científica ao universo natural e social observado. Neste sentido, embora Euclides
adentre o sertão nordestino como jornalista e militar, é o cientista que se impõe com vigor
no momento de descrição da natureza, do homem e do cenário que compõe a vida e a luta
no sertão. Fortemente apoiado sobre as teorias científicas da época, as páginas de Os sertões
procuram desvendar os enigmas da natureza agreste do sertão e a sua força na formação da
psicologia do homem sertanejo.
Embora Euclides da Cunha seja mais frequentemente associado ao movimento pré-moder-
nista, na medida em que emerge de sua narrativa uma forte crítica à realidade brasileira, sua
obra pode ser associada à literatura naturalista do final do século XIX. O movimento natura-
lista, como é sabido, tinha como característica principal uma íntima ligação com o cientificismo
positivista de Auguste Comte e uma forte crença segundo a qual o mundo social poderia ser
explicado a partir das forças da natureza. De acordo com o escritor francês Émile Zola (1840-
1902), um dos fundadores do romance naturalista, seria possível criar leis gerais de compreen-
são dos fenômenos humanos do mesmo modo que o médico e fisiologista Claude Bernard
68 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

(1813-1878) aplicou o método experimental ao estudo da fisiologia. O literato francês, autor


do célebre Germinal (1883), entendia que a literatura deveria trabalhar com as condutas, as pai-
xões e os fatos humanos e sociais com o mesmo rigor que o químico e o físico trabalham com os
corpos brutos, ou de maneira semelhante ao fisiologista, que lida com os corpos vivos. Em suas
palavras, “há um determinismo absoluto para todos os fenômenos humanos” de modo que “é
a investigação científica, é o raciocínio experimental que combate, uma por uma, as hipóteses
dos idealistas, e substitui os romances de pura imaginação pelos romances de observação e
de experimentação”.

Dicas de estudo
• GUERRA de Canudos. Direção de Sérgio Rezende. [S.l.]: Columbia Pictures do Brasil,
1997. 165 min.
O filme apresenta a história do Arraial de Canudos, local em que viveram os fiéis e segui-
dores de Antônio Conselheiro. Evidencia todas as lutas e as investidas do governo federal
a fim de destruir o local, além de tomar por base a obra de Euclides da Cunha, Os sertões.
• O MATADOR. Direção de Marcelo Galvão. [S.l.]: Netflix Brasil, 2017. 100 min.
Esse filme evidencia e/ou representa o que seria parte do sertão nordestino na primeira
metade do século XX.
• CPDOC – Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil,
2012. Guerra do Contestado: 100 anos. Disponível em: <http://cpdoc.fgv.br/contestado>.
Acesso em: 22 fev. 2018.
Nesse site é possível encontrar um “dossiê” reunindo diversas leituras, fontes, sugestões
e entrevistas sobre o Contestado. Tal material foi organizado em comemoração aos 100
anos do fim do conflito.

Atividades
1. Que relação podemos estabelecer entre o Cangaço e a situação social do sertão nordestino?

2. Canudos se mostrou um reduto de forte representação contra a República. Em que circuns-


tâncias tal afirmação está correta e de que modo o movimento foi descaracterizado para a
população brasileira civil em sua totalidade?

3. Quais relações podem ser estabelecidas entre Canudos e Contestado, apesar de ambas não
terem ocorrido na mesma década nem em estados próximos geograficamente?

4. Com base no texto complementar de Vanderlei Sebastião de Sousa, explicite como a litera-
tura produzida por Euclides da Cunha expõe o sertão nordestino e quais eram as influências
do escritor.
5
República civilizatória e resistência

As revoltas da República foram além da não aceitação de uma ou outra determinação


política. Elas estavam relacionadas tanto ao contexto político, no que se refere à mudança de
forma de governo (monarquia para república), quanto ao que diz respeito à perspectiva social
do período, ou seja, do que se esperava e se conhecia do cotidiano.
Movimentos como o de Canudos (1896-1897), após a Proclamação da República, bem
como o do Contestado (já no século XX), demonstram como diversos problemas sociais passa-
ram a ser motivo de conflitos no Brasil. Eles poderiam ter sido solucionados se fossem discuti-
dos em uma perspectiva mais democrática, republicana e menos autoritária.
Esses dois movimentos ocorreram no interior do país, porém o que entendemos por
“centro” também vivenciou seus próprios problemas naquele período.
As revoltas da Armada, da Vacina e da Chibata aconteceram na capital da República e
ajudam-nos a entender o panorama social e político de um ambiente urbano no período repu-
blicano. Ressaltamos essas revoltas ou, como também as entendemos, manifestações, pois elas
tiveram consequências e influenciaram medidas decisivas no modo como a República seria
guiada e entendida. Convidamos você a ler e a refletir sobre a noção e os pilares da República
que estava sendo construída nesse tempo.

5.1 Revolta da Armada


Vídeo
O historiador José Murilo de Carvalho afirma que o Rio de Janeiro conti-
nuou a ser cenário, após o Império, de manifestações contra o poder presiden-
cial. Nesse caso, a população reuniu-se e revoltou-se pelo preço da passagem do
transporte urbano. Segundo Carvalho (2002, p. 72-73): “A multidão quebrou
coches, arrancou trilhos, espancou cocheiros, esfaqueou mulas, levantou barri-
cadas. Os distúrbios duraram três dias”.
Embora não houvesse perspectivas de cidadania no período, podemos perceber que,
quando a República foi proclamada, o Brasil já conhecia movimentos reivindicatórios,
como era o caso da própria discussão abolicionista.Sobre essa afirmação, Carvalho faz o
seguinte apontamento:
Em todas essas revoltas populares que se deram a partir do início do
Segundo Reinado verifica-se que, apesar de não participar da política ofi-
cial, de não votar, ou de não ter consciência clara do sentido do voto, a
população tinha alguma noção sobre direitos dos cidadãos e deveres do
Estado. O Estado era aceito por esses cidadãos, desde que não violasse um
pacto implícito de não interferir em sua vida privada, de não desrespeitar
seus valores, sobretudo religiosos. Tais pessoas não podiam ser considera-
das politicamente apáticas. (CARVALHO, 2002, p. 75)
70 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

A citação de Carvalho sugere-nos que, mesmo com a realidade política do Império, que não
permitia manifestações em prol de igualdade ou algo semelhante, a falta de criticidade política não
era algo que atingia a todos. Esse tipo de conhecimento, mesmo não sendo cotidiano, passou a ser
comum após a proclamação, visto que foram muitos os movimentos: a Revolta da Chibata e da
Armada, Canudos, bem como a Revolta da Vacina e o Contestado.
A República, formada a partir de 1889, era “objeto” de disputa entre os militares, os monar-
quistas e outros sujeitos cujo entendimento divergia acerca da postura política a se tomar. Lilia
Schwarcz e Heloisa M. Starling trazem esse contexto da seguinte forma:
A República foi produto da ação de um grupo de oficiais social e intelectualmente
antagônico à elite civil do Império, insatisfeito com a situação do país e com o seu
próprio status político. Mas esses oficiais estavam divididos internamente, e não
conseguiram chegar a um acordo sobre o significado do republicanismo ou quan-
to aos objetivos institucionais do novo regime [...]. Além disso, o grande prestígio
que a República emprestava aos militares estimulava a ambição política dos oficias
e a desunião interna, aliada ao desacordo entre as elites civis acerca do papel do
Exército na nova sociedade. (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 320)

As historiadoras deixam evidente: a questão principal refere-se à república e à “construção”


de seu significado, algo político em seu início. Além do desconhecimento do que isso significava,
havia ainda a disputa pelo poder tão comum nesse âmbito. Junto a tal impasse, algumas transfor-
mações já estavam em curso, como a busca pelo equilíbrio entre os três poderes.
Além disso, houve a supressão do Poder Moderador, a permissão da liberdade religiosa e o
voto universal, destinado aos homens com mais de 21 anos e alfabetizados, o que, na prática, impe-
dia as mulheres, os analfabetos, os mendigos, os padres, os soldados e sargentos de votar (FAUSTO,
1995, p. 251).
Dessa forma, no governo provisório (1889-1891), os ânimos sobre o rumo do país eram
complexos e sem certezas futuras, especialmente porque muitas das medidas citadas não viabiliza-
vam perspectivas de igualdade nem de cidadania, restringindo a ideia de República “a um governo
de alguns” (oligarquia). Além disso, havia a promessa de se publicar a Constituição e convocar uma
nova eleição.
A Constituição, de fato, foi promulgada, no início de 1891. A partir disso, consideramos que
o governo passou a ser constitucional. No entanto, embora Deodoro da Fonseca tenha permaneci-
do no poder até o fim de 1891, um de seus gestos também colaborou para o desgaste militar: o de
não convocar uma nova eleição naquele ano, como estava previsto. As discussões ainda durante a
Assembleia Constituinte acirraram os ânimos entre Deodoro da Fonseca e o Congresso.
Apesar do conflito, Deodoro foi eleito presidente por voto indireto, como previa a
Constituição de 1891, e deveria dividir o poder com o Congresso. O conflito entre os poderes se
exacerbou a ponto de Deodoro sentir-se ameaçado e fechar o Congresso. Ao fechá-lo, violou a
constituição, cujo conteúdo dispunha que qualquer atentando contra a República deveria ser pe-
nalizado imediatamente (FLORES, 2008, p. 56-58).
Essa situação causou uma das primeiras manifestações do período, a Revolta da Armada, que
pode ser compreendida em dois momentos: o de 1891 e o de 1893 (no governo de Floriano Peixoto).
República civilizatória e resistência 71

No contexto do governo de Deodoro da Fonseca, a Armada, como era chamada a Marinha,


além de estar descontente com a política do período e com a crise econômica, causada pela decisão
do ministro Rui Barbosa de emitir moeda sem lastro, também não aceitava a falta de habilidade dos
militares, que não discutiam com a oposição (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 320). Por isso,
o líder da revolta, Custódio de Mello (ex-ministro de Deodoro da Fonseca e futuro de Floriano
Peixoto), ameaçou bombardear o Rio de Janeiro com os navios aportados na Baía de Guanabara.
Nessa conjuntura, Deodoro da Fonseca renunciou ao governo.
A postura tomada por Deodoro da Fonseca demonstrou quão frágil e incipiente era a ideia
do republicanismo no Brasil, ou seja, trouxe para o debate uma perspectiva de democracia muito
limitada. Mas isso não ocorreu antes do golpe militar de 1889, assim como não aconteceu após,
nem em períodos de crise, como na primeira Revolta da Armada.
O governo militar tratava o Brasil tal como um quartel, com hierarquias e silêncios. O que se
seguiu não foi muito diverso, visto que o seu vice, Floriano Peixoto, assumiu o cargo. Entretanto, a
nova Constituição previa que, nesse caso, deveria ocorrer uma eleição, o que não se sucedeu.
Embora a estratégia de Floriano Peixoto não tenha sido democrática, iniciou-se o período
que chamamos de florianismo:
O florianismo foi o primeiro movimento político espontâneo da República,
centrado na figura de uma liderança capaz de galvanizar setores expressivos das
camadas médias urbanas e da população em geral, e de fornecer-lhes uma pos-
tulação igualitária para o novo regime, a qual, no entanto, só poderia implan-
tada pelo autoritarismo militarizado do marechal. (SCHWARCZ; STARLING,
2015, p. 321)

Desse modo, percebemos que o discurso utilizado pelo presidente para obter o apoio popu-
lar, assim como para controlar a crise política instituída, manteve uma postura rígida, necessária
para que o equilíbrio político se tornasse comum na República. Tal postura gerou a expressão flo-
rianismo, em analogia ao jacobinismo da Revolução Francesa (SCHWARCZ, 2017, p. 102).
A ação ditatorial era compreensível para Floriano Peixoto, especialmente porque, após
assumir o cargo, encontrou resistências, não somente da população civil, mas de partidários de
Deodoro da Fonseca. Naquele período, as eleições para presidente e para vice-presidente eram
separadas, e os eleitos podiam ser de grupos políticos distintos. Portanto, quando Floriano Peixoto
assumiu, as rivalidades políticas se acentuaram. Ele renomeou os presidentes dos estados (cargos
que correspondem, na atualidade, ao de governador) e confrontou resistências locais do próprio
governo e de jornalistas (FLORES, 2008, p. 58-60).
O historiador Elio Flores traz em sua análise o debate defendido pelo lado mais conser-
vador do Senado e do Congresso. Naquele período, apesar da resistência a Peixoto, era preciso
que o poder legislativo o apoiasse em medidas extremas, a fim de “salvar” a República (FLORES,
2008, p. 60).
Em abril de 1892, um acontecimento agravou a instabilidade política:
No dia 6 [abril de 1892], 13 generais, nove oficiais superiores do Exército e
quatro da Armada enviam carta, datada de 31 de março, na qual pediam elei-
ções presidenciais. Eles reclamavam da substituição dos administradores dos
72 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

estados, da morte de inúmeros cidadãos e do “estado de desorganização geral


do país”. No mesmo dia, os signatários foram demitidos dos cargos [...]. No dia
9 de abril surge, na imprensa oposicionista do Rio de Janeiro, a convocação para
manifestação de homenagem a Deodoro que seria realizada no dia seguinte.
(FLORES, 2008, p. 61)

Novamente, são apontadas divergências e forte oposição ao governo militar de Floriano


Peixoto, que em momento algum possibilitou negociação com os revoltosos.
Para além de defender Deodoro da Fonseca ou os generais que se colocavam contra Peixoto,
o governo da República não era entendido como um ambiente propício para discussão, mesmo que
por razões institucionais (no caso da Armada ou mesmo do Exército).
Floriano Peixoto tornou evidente essa perspectiva ao decretar estado de sítio por 72 horas,
estratégia para prender aqueles que participariam ou organizaram a manifestação em favor de
Deodoro da Fonseca (FLORES, 2008, p. 61).
Nesse contexto, Rui Barbosa emitiu um habeas corpus (instituído na Constituição de 1891)
para os envolvidos que foram presos sumariamente por ordem de Peixoto. O Supremo Tribunal
Federal, além de demorar dias para responder, acabou por declarar negativa ao habeas corpus, ação
que corroborou a prática ditatorial de Floriano Peixoto (FLORES, 2008, p. 62). Esse fato demonstra
que a estrutura política e legislativa da República em “ascensão” por si só denunciava os acordos
políticos entre o Executivo e o Judiciário, desconstruindo qualquer possível equilíbrio na política
republicana brasileira.
Ao mesmo tempo, Floriano Peixoto mantinha seu discurso popular, ou seja, de que precisa-
va do apoio do povo a fim de tornar a República uma realidade possível e sólida (FLORES, 2008,
p. 63-64). Mais do que isso, ganhou incentivo também da pequena classe média e das classes mais
baixas do período, pregando contra o aumento do custo de vida.
Diante disso, o ideal de república tornou-se ainda mais confuso, visto que uma democracia
não deve calar a oposição nem deixar de escutá-la, prática recorrente nos anos de 1892 e 1893. Em
tal contexto, o Brasil passou a vivenciar outros problemas:
Entre junho e setembro, as sedições explodem no Brasil meridional onde fede-
ralistas, adeptos do senador imperial Silveira Martins, e republicanos radicais,
sob a liderança de Júlio de Castilhos, assassinam-se mutuamente num prelúdio
de guerra civil. (FLORES, 2008, p. 65)

O governo do estado do Rio Grande do Sul foi tomado por federalistas. Os republicanos,
sob a liderança de Júlio de Castilhos, pediram o apoio de Floriano Peixoto, tornando a chamada
Revolução Federalista (1893-1895), uma guerra civil sangrenta no Sul do país.
Republicanos, como Júlio de Castilhos e Pinheiro Machado, opunham-se diretamente aos
federalistas de Silveira Martins. Estes, como republicanos mais radicais, objetivavam o federalismo,
a autonomia municipal e a centralização do poder federal; já os republicanos positivistas rio-gran-
denses desejavam uma ditadura positivista (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 321).
República civilizatória e resistência 73

Diante desses problemas, em setembro de 1893, aconteceu uma nova revolta, que ficou co-
nhecida como Revolta da Armada. Nela, os marinheiros exigiam uma eleição imediata, alegando
que Floriano Peixoto assumiu o governo em um momento no qual novas eleições deveriam ter sido
convocadas, ou seja, afirmava que ele estava usurpando um lugar que não era seu.
Além disso, seu líder principal, Custódio José de Melo, fez a seguinte declaração ao
Jornal do Brasil:
Concidadãos,
Contra a Constituição e contra a integridade da própria Nação, o chefe do
Executivo [Floriano Peixoto] mobilizou o Exército discricionariamente, pô-lo
em pé de guerra e despejou-o nos infelizes estados de Santa Catarina e Rio
Grande do Sul. Contra quem? Contra o inimigo do exterior, contra estran-
geiros? Não. O vice-presidente armou brasileiros contra brasileiros; levantou
legiões de supostos patriotas, levando o luto, a desolação e a miséria a todos os
ângulos da República [...]. Sentinela do Tesouro Nacional como prometera, o
chefe do Executivo perjurou, iludiu a Nação, abrindo com mão sacrílega as ar-
cas do erário público a uma política de suborno e corrupção. [...] Viva a Nação
Brasileira! Viva a República! Viva a Constituição!
Capital da República, 6 de setembro de 1893.
Contra-Almirante Custódio José de Melo. (MELO apud JANOTTI, 1986, p. 68)

A Revolução Federalista, que já era considerada cruel e arbitrária por parte de Floriano
Peixoto, é apontada como um dos motivos para que o presidente renunciasse. Ao fim, Custódio
José de Melo reafirma sua “obediência” à Constituição, argumentando, portanto, sobre a convo-
cação de uma eleição. Segundo Flores, nesse período, Floriano Peixoto também articulava uma
mudança na Constituição, a fim de conseguir um segundo mandato.
Rui Barbosa, jurista liberal que se colocava notadamente contra Floriano Peixoto por meio
do Jornal do Brasil, além de veicular diversas reportagens, antes da Revolta da Armada, a favor da
oposição dirigida a Peixoto, acabou exilado (FLORES, 2008, p. 68-70).
O movimento foi “contido” apenas no início de 1894, devido à falta de água e alimentos
(tática de Floriano Peixoto), bem como pelo discurso legalista do chefe do Poder Executivo con-
tra a imagem dos “revoltosos”. A estes restou apenas a possibilidade de fugir navegando para o
sul do Brasil.
Entretanto, a historiadora Lilia Moritz Schwarcz afirma que o conflito não se manteve ape-
nas na capital federal, estendendo-se à Ilha do Governador (SCHWARCZ, 2017, p. 103).
Floriano Peixoto, que já estava envolvido no combate à Revolta Federalista, também é
apontado pela historiadora como alvo de manifestações, primeiras greves, protestos e críticas
dos jornais operários (SCHWARCZ, 2017, p. 102), ou seja, o povo com suas várias associações
estava começando, em tempos de República, a reivindicar o seu espaço.
A política nos anos seguintes e a Revolta da Vacina são os temas da próxima seção.
74 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

5.2 Revolta da Vacina


Vídeo
Em 1894, teve início o primeiro governo civil no país, o de Prudente de
Morais (1894-1897). A partir dessa década, o Partido Republicano Paulista, com
forte influência econômica e política no país, começou a criar uma tendência de
governo: a República oligárquica, que praticamente se reduzia às decisões de go-
vernos estabelecidas em comum acordo entre Minas Gerais e São Paulo. Com o
tempo, outros grupos regionais espalhados pelo Brasil iam ganhando autonomia e conquistando
mais espaço.
Para os dirigentes políticos do período, era a maneira de garantir seus poderes e acalmar
as revoltas locais (teoria refutada, se considerarmos o movimento ocorrido em Canudos e no
Contestado). Essa estratégia foi reafirmada por Campos Sales ao institur a política dos governa-
dores. Para Lilia Schwarcz e Heloisa Starling, essa medida foi suficiente para várias décadas, visto
que ela mantinha nos estados os problemas regionais, devido à sua autonomia (com exceção de
Canudos e do Contestado) e a um sistema eleitoral que garantia o interesse de coronéis (posto
imperial mantido na República) e políticos regionais ou federais (SCHWARCZ; STARLING,
2015, p. 322).
Nesse sentido, como afirmam as historiadoras, com exceção do Rio de Janeiro – capital fe-
deral –, o restante do “país não passava de uma grande fazenda” (SCHWARCZ; STARLING, 2015,
p. 322). Nesse período, diferentemente da centralizadora república militar, estavam começando a
acontecer processos e fatos históricos mais próximos de uma ideia social, com formação de resis-
tências, como as operárias e a de sindicatos (em busca de direitos).
A Revolta da Vacina ocorreu entre os dias 10 a 16 de novembro de 1904, período em que
a capital decretou estado de sítio, prendendo e reprimindo diversos civis. Esse processo, porém,
não é algo aleatório ou um ato alienado daqueles que se recusavam a receber uma vacina ou cau-
savam motim diante da vacinação. Tratava-se de um processo mais amplo, o de tornar a capital da
República mais limpa, saudável e livre de pestes e doenças.
O historiador Nicolau Sevcenko (2010) afirma que as ações urbanísticas objetivavam colo-
car o Brasil dentro da ordem capitalista burguesa ocidental. Mas, ao mesmo tempo, os números
epidêmicos na capital federal eram alarmantes, especialmente os referentes à varíola.
Em geral, de acordo com Sevcenko (2010, p. 15-31), a oposição não era pela vacinação, mas
pela forma como ela foi imposta pelo presidente Rodrigues Alves (1902-1906) e pelo caráter de
obrigatoriedade que, naquele contexto, foi entendido de modo arbitrário (e republicano).
Ainda segundo o historiador, um dos ápices da recusa pela vacinação deu-se em razão da
morte de uma mulher, cujo motivo, de acordo com o legista, seria a vacina recebida dias antes.
Oswaldo Cruz, o responsável pela campanha de vacinação, fez uma nova autópsia, alegando que o
primeiro médico era positivista, portanto, agia de “má-fé” (SEVCENKO, 2010, p. 9).
Podemos compreender que havia uma disputa política pela República, enquanto essa nova
forma de governo continuava em processo de “formação”. É preciso lembrar também que os dis-
cursos vendidos nos jornais apoiavam aqueles que os grupos políticos desejavam.
República civilizatória e resistência 75

Os setores populares já haviam sido duramente atingidos pelas reformas de Pereira Passos
(tema do Capítulo 6)1, sendo excluídos de seus lares e, muitas vezes, despejados nas primeiras vilas
das periferias. As casas, consideradas insalubres, também eram apontadas como construções que
não condiziam com uma urbanização moderna e bela.
Após a reforma, o centro estava “embelezado” e livre daqueles que não deveriam ser vistos
(prática que aumentou a marginalização desses grupos). Entretanto, a não aceitação da vacina, nos
meses após junho e julho de 1904, não está relacionada apenas com a revolta pela perda de suas
casas, visto que:
A oposição à vacina apresentou aspectos moralistas. A vacina era aplicada no
braço com uma lanceta. Espalhou-se, no entanto, a notícia de que os médicos
do governo visitariam as famílias para aplicá-la nas coxas, ou mesmo nas náde-
gas, das mulheres e filhas dos operários. Esse boato teve um peso decisivo na
revolta. A ideia de que, na ausência do chefe da família, um estranho entraria
em sua casa e tocaria partes íntimas de filhas e mulheres era intolerável para a
população. Era uma violação do lar, uma ofensa à honra do chefe da casa. Para
o operário, para o homem comum, o Estado não tinha o direito de fazer uma
coisa dessas. (CARVALHO, 2002, p. 75)

Nesse caso, as condições de não aceitação da vacina são morais, visto que a honra da família
– e de suas mulheres – poderia ser “maculada”.
Gilberto Hochman (2011, p. 378) também aponta as práticas religiosas afrodescenden-
tes como expressivas nesse contexto, as quais explicavam e curavam doenças de acordo com
seus princípios.
Diante disso, como afirma José Murilo de Carvalho, não podemos reduzir a Revolta da
Vacina como um mero gesto irracional por desconhecimento da ciência, visto que ela
foi um protesto popular gerado pelo acúmulo de insatisfações com o governo.
A reforma urbana, a destruição de casas, a expulsão da população, as medidas
sanitárias (que incluíam a proibição de mendigos e cães nas ruas, a proibição de
cuspir na rua e nos veículos) e, finalmente, a obrigatoriedade da vacina levaram
a população a levantar-se para dizer um basta. O levante teve incentivadores
nos políticos de oposição e no Centro das Classes Operárias. Mas nenhum líder
exerceu qualquer controle sobre a ação popular. Ela teve espontaneidade e dinâ-
mica próprias. (CARVALHO, 2002, p. 74)

Portanto, tratou-se de um movimento mais orquestrado do que algo aleatório. Além dos
aspectos econômicos, de mobilidade e de estrutura social, havia o apoio dos setores operários, da
oposição política contra Hermes da Fonseca. Não obstante, Carvalho também considera a reivindi-
cação do povo como um motim2 que, em sua complexidade, era uma reação baseada nos princípios

1 Campanhas de saneamento e de urbanização aconteceram no Rio de Janeiro, mas foram estendidas a outras ca-
pitais. Esses processos desencadearam problemas para as comunidades mais pobres que, em geral, foram deslocadas
para a periferia dos grandes centros.
2 Na historiografia, Edward Thompson (2008, p. 105-202) reflete sobre a ideia de motim quando se refere às manifes-
tações inglesas, na ocasião em que o povo se indignou contra o preço do pão e do trigo. Não necessariamente se tratava
de uma consciência de classe, ao menos de uma que tivesse entendimento de si, mas cuja dinâmica era muito própria.
O caso estudado também não se aproxima do contexto mencionado no texto de Thompson, entretanto, pensamos da
mesma forma a fim de não diminuir a reação popular do período.
76 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

daqueles que o fizeram. As figuras a seguir demonstram a Revolta da Vacina, imagens que expli-
citam a desorganização causada pelos receios da população em ser vacinada, devido às notícias
espalhadas e ao desconhecimento médico da população.
Figura 1 – Cartum publicado em O Malho, em 1904, fazendo uma sátira à Revolta da Vacina.

Leonidas Freire/Wikimedia Commons


Figura 2 – Bonde virado na Praça da República, no Rio de Janeiro, durante uma manifestação da Revolta
da Vacina em 1904.

Wikimedia Commons
República civilizatória e resistência 77

É evidente a revolta popular, atacando o que seriam os bens públicos e aquilo que pertencia à
equipe médica. Gilberto Hochman tem afirmações semelhantes às de Carvalho, porém, frisa que a
resistência à vacinação também era uma união da oposição (positivistas, militares, elites políticas e
monarquistas), que objetivavam desqualificar as medidas públicas estatais, as quais se estenderiam
à própria ideia de República, a qual ainda era o alvo de sindicatos em busca de melhores salários
(HOCHMAN, 2011, p. 378).
Podemos entender, com base em ideias de José Murilo de Carvalho (2002), que o Estado
fazia parte do entendimento social e político do povo, o qual, no entanto, não permitia violações
de sua vida privada, de suas práticas religiosas, sociais e culturais. Carvalho expõe esse argumento
ao trazer uma reportagem do período:
Como disse a um repórter um negro que participara da revolta: o importante
era “mostrar ao governo que ele não põe o pé no pescoço do povo”. Eram, é
verdade, movimentos reativos e não propositivos. Reagia-se a medidas raciona-
lizadoras ou secularizadoras do governo. Mas havia nesses rebeldes um esboço
de cidadão, mesmo que em negativo. (CARVALHO, 2002, p. 75)

Com base na citação, é possível dizer que aquela não era uma situação apática e fazia
parte de um processo de formação social e de compreensão sobre o que o Estado tem dever e
direito de executar.
Havia o desconhecimento sobre o modo de ação da ciência, da saúde e, conforme Hochman
(2011, p. 178), apenas quatro anos depois (em 1908) houve um novo surto de varíola, no qual mil
pessoas entre cem mil faleceram. Nesse ano, porém, não houve registros de recusa à vacinação. Ao
longo de duas décadas subsequentes o número diminuiu, confirmando a medida implementada
por Oswaldo Cruz (HOCHMAN, 2011, p. 178).
Apesar da eficiência da vacina posteriormente, esse movimento demonstrou a insta-
bilidade política no que se refere ao entendimento e à aceitação de um governo republicano,
aliado à ideia de que o povo não era apático para ter suas vidas tão modificadas sem ao menos
questionar a situação.

5.3 Revolta da Chibata


Vídeo
A Revolta da Chibata, embora tenha ocorrido também no meio da Marinha,
é bastante diversa das chamadas revoltas da Armada, que tinham relação com as
questões de oposição política, tanto com a postura presidencial quanto com a ideia
de República.
A Chibata foi liderada por João Cândido Felisberto, André Avelino, Francisco
Dias Martins e Manoel Gregório do Nascimento e durou quatro dias (22 a 26 de novembro de
1910). O objetivo era expor as condições humilhantes e segregacionistas às quais os marinheiros
negros eram expostos, assim como denunciar as condições de trabalho deles.
Esses marinheiros ameaçaram lançar bombas na capital federal e culpavam a República
pela ausência de direitos efetivos e de proteção. Segundo Álvaro Pereira do Nascimento (2016), o
78 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

processo abolicionista trouxe a liberdade aos escravos, porém, mesmo com diversas reportagens e
notícias indicando que tal passado deveria ser esquecido, a igualdade entre negros e brancos não
foi discutida estrategicamente.
No caso dos marinheiros negros envolvidos na Revolta da Chibata,
Antes de tomarem a extrema decisão, viram frustradas suas tentativas de melho-
rar as condições de trabalho, fosse na solicitação realizada ao então presidente
Nilo Peçanha, quando lhe entregaram um quadro desenhado a carvão com seu
perfil, em maio de 1910, ou mesmo por reclamações à imprensa [...]. Tempos
depois, um dos cabeças da futura revolta sinalizou – mediante carta anônima
endereçada ao comandante do “scout Bahia” –, em setembro daquele ano, que
a situação explodiria caso nada fosse realizado. Arrependido, meses depois, o
mesmo comandante reconheceu o erro de cálculo, pois “não demos à ameaça
maior importância. Hoje, seria o caso de acreditar ser um apelo justo, feito às
autoridades contra a chibata!...” [...]. Impedidos de votar por lei, não tinham
como eleger um representante que os defendesse [...] restou-lhes o caminho das
armas, da ameaça. (NASCIMENTO, 2016, p. 153)
Tais iniciativas demonstram como o movimento, mesmo que curto, era consciente quanto
aos seus motivos. Essas ações sugerem que há muito tempo os marinheiros, vítimas de chibatadas,
estavam reivindicando direitos e, ao menos, integridade física. Também não desejavam mais ser
tratados como seus pais e avós, antes escravizados.
Além disso, as relações estabelecidas com o presidente Nilo Peçanha (1909-1910) e, posterior-
mente, com Hermes da Fonseca (1910-1914) denunciam o descaso público para com as questões
raciais, mesmo que elas fossem reduzidas naquele tempo a uma ideia de igualdade. Esse aspecto é
mais grave ainda se considerarmos a postura de Nilo Peçanha3, visto que a historiografia o classifica
como um presidente “mulato”. Ele, por sua vez, não teria se importado com as demandas das pessoas
da mesma raça.
Ao tomarem o navio em que estavam, os revoltosos mataram seis pessoas do alto comando
da Marinha, inclusive o comandante, que era o principal responsável pelos castigos físicos destina-
dos aos marinheiros, em especial, aos negros.
Além da extinção das penalidades físicas e da exigência de participação nas decisões, tal
como os marinheiros brancos, Álvaro Nascimento afirma o seguinte:
Os marinheiros sabiam que não adiantava extinguir a chibata e expulsar oficiais
que castigavam mais que o permitido por lei. Afinal, como garantir a própria
segurança a bordo dos navios ou nas unidades em terra, havendo marinheiros pe-
rigosos que, após uma dose de cachaça, uma pisada no calcanhar ou uma rejeição
amorosa, perdiam a razão, puxavam o canivete e se punham a ameaçar a vida de
todos? Como resolver esse grave problema? É nesse momento que entra a terceira
reivindicação: o governo havia de “educar os marinheiros que não [tinham] com-
petência para vestirem a orgulhosa farda”. (NASCIMENTO, 2016, p. 155)

Além de uma formação mais adequada, os marinheiros também pediam o direito de apren-
der a guiar os novos navios, pois somente os brancos recebiam o curso. E, por último, denunciavam

3 Nilo Peçanha era descendente de negros, conforme afirma Almeida (2013).


República civilizatória e resistência 79

a falta de cumprimento de alguns decretos, visto que estes (dos anos de 1890) já determinavam o
fim dos castigos físicos.
Durante os quatros dias, lançaram algumas bombas, causando mortes, porém logo foram
rendidos sob a promessa de serem enviados a outro estado e de terem seus argumentos discutidos
em assembleia do Senado. Passadas algumas semanas, oficiais retornaram aos navios e, depois de
mais uma revolta na prisão da Ilha das Cobras, os marinheiros negros que tinham participado do
levante tiveram o seguinte destino:
a Marinha, a Polícia e o Exército começaram a agir, prendendo, torturando,
desterrando ou matando os envolvidos. Dezesseis morreram asfixiados ina-
lando a cal utilizada para higienizar os detritos dos presos, numa cela da Ilha
das Cobras, ao tornar-se pó logo após a evaporação da água. As chaves esta-
vam nos bolsos do oficial comandante da ilha, que se ausentara no momento
da fatalidade. [...] Outros 11 foram fuzilados no navio Satélite, que levava 97
ex-marinheiros extraditados para o Norte do país, a fim de trabalharem na
construção da ferrovia Madeira-Mamoré e na extração da borracha. Os 11
foram acusados de estarem organizando um motim [...]. A “carga” era com-
posta por 200 homens (ex-marinheiros e detentos) e 44 detentas da Casa de
Correção. Mulheres chegaram aos destinos maltrapilhas e famélicas como
seus colegas de travessia. Submeteram-se ou foram vendidos a empreendedo-
res locais. O navio Satélite, um paquete comercial, parecia mais o último navio
negreiro em pleno século XX. (NASCIMENTO, 2016, p. 158-159)

A citação deixa evidente que, apesar das fotos e reportagens feitas com os marinheiros par-
ticipantes do movimento de 1910, eles logo foram tratados de outra forma. O futuro deles foi ba-
seado na morte, em exílio e uma situação análoga à escravidão, o que muito justifica a urgência da
Revolta da Chibata, liderada por João Cândido.
A revolta demonstrou como negros só poderiam ocupar cargos considerados inferiores ou
subestimados, ao mesmo tempo que não eram tratados de forma igual aos brancos que ocupavam
esses mesmos lugares. Tal fato ainda aponta que a República não estava tão preocupada com a
questão de igualdade ou mesmo de proteção aos negros, tanto por sua ação antes da revolta – de
“descaso”, – quanto pela maneira como puniu diversos dos sujeitos que participaram dela.
O líder João Cândido Felisberto acabou internado em uma ala psiquiátrica por alguns meses
e, depois, foi preso por dois anos na Ilha das Cobras (CARVALHO, 1995). Foi classificado pelos
meios institucionais como louco, visto que apenas alguém assim poderia querer apontar armas e
matar devido às condições de trabalho. É importante ressaltar que a questão racial ou de falta de
igualdade não era considerada pela imprensa, ou mesmo pelo Estado.
Posteriormente, o líder da revolta foi solto e exonerado da Marinha do Brasil. O jornal Gazeta
de Notícias, de 31 de dezembro de 1912, reportou esse fato e reproduziu a sentença dada pelo juiz:
Considerando, finalmente, que não existe nos autos nenhuma prova de que os
réus tenham praticado qualquer ato que, autorizando a suspeita de participação
na referida revolta, revista a figura jurídica do art. 93 do Código Militar, e que
as faltas que lhes são imputadas constituem simples infrações disciplinares,
cujo conhecimento escapa da competência do Conselho de Guerra, art. 219,
do Regimento citado, por unanimidade de votos julga não provada a acusação
para o fim de absolver, como absolve, os réus João Cândido, Ernesto Roberto
80 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

dos Santos, Deusdedit Teles de Andrade, Francisco Dias Martins, Raul de Faria
Neto, Alfredo Mala, João Agostinho, Vitorino Nicácio de Oliveira, Antônio de
Paula e Gregório do Nascimento, ficando, porém, suspensa a execução desta
sentença em virtude da apelação necessária, interposta para o Supremo Tribunal
Militar, na forma da lei. (NASCIMENTO, 2008)
Figura 3 – Notícia revelando que João Cândido fora solto.

Gazeta de Notícias/Wikimedia Common

Embora a imagem e a sentença proferida representem a liberdade de João Cândido, ele não
a teve por completo no restante de sua vida. Um negro que resiste, que confronta a República – e
os seus princípios – poderia até não ser punido pelo resto de sua vida, mas também não poderia
desfrutá-la como se fosse um branco.

Considerações finais
Com base nas reflexões expostas, entendemos que enquanto as medidas republicanas de-
veriam estar voltadas a um equilíbrio e uma saudável divisão de poderes, monarquistas, civis e
República civilizatória e resistência 81

militares disputavam o poder entre si. O Rio de Janeiro e outras capitais que foram urbanizadas nas
primeiras décadas do século XX viam mulheres, crianças e homens buscando seu espaço social/
político e resistindo à marginalização recorrente às suas classes.
O Brasil, nesse caso, estava definindo sua ideia de República, de como ela funcionaria e traria
a “civilização” aos trópicos. Entretanto, ao mesmo tempo, grupos políticos de oposição e populares
resistiram, fazendo com que acontecimentos se tornassem símbolos dessa República oligárquica.
Eles estavam também, em conjunto, buscando uma cidadania plena e universal.

Ampliando seus conhecimentos


O trecho do artigo de Álvaro Pereira do Nascimento, intitulado “Sou escravo de oficiais da
Marinha” expõe as principais reivindicações da Revolta da Chibata que nos permitem pensar as
questões sociais da época para além do âmbito da Marinha.

Sou escravo de oficiais da Marinha


(NASCIMENTO, 2016, p. 155-156)

A primeira das reivindicações da marujada exigia que fossem retirados “os oficiais incompe-
tentes”; indivíduos que, na hora de exigir dos comandados o cumprimento dos serviços diá-
rios, não levavam em conta a diferença entre o acúmulo de tarefas e o número de marinheiros
disponíveis para realizá-las. Havia poucos homens para executar tantas tarefas. Como não
viam ou nem queriam ver essa diferença, esses oficiais “incompetentes” preferiam entender
o não cumprimento dos serviços como “provenientes da desídia costumeira e da impossi-
bilidade de compreensão dos deveres de pontualidade, boa vontade, e boa predisposição ao
trabalho” – como disse o oficial Alberto Durão Coelho (1911, p. 39).
A segunda delas exigia a extinção da base legal utilizada por oficiais que cometiam excessos
correcionais: “reformar o código imoral e vergonhoso a fim de que desapareça a chibata, o bolo
e outros castigos semelhantes”. Desde o Império, era praxe entre muitos oficiais castigar com
uma quantidade de chibatadas superior àquela permitida pelo código disciplinar da Armada
(conhecido por Artigos de Guerra), mas registravam um número bem menor (Nascimento,
2008, p. 217). Se os marinheiros desejavam o fim dos castigos físicos, dever-se-ia eliminá-los
enquanto letra da lei (Decreto-Lei n.328, de 12 abr. 1890). Durante a revolta, o disciplina-
mento mediante castigo foi discutido e condenado na Câmara dos Deputados e no Senado, e
seu uso suspenso até que uma nova legislação fosse aprovada.
Até aqui relatei as motivações mais exploradas pela historiografia para explicar a revolta. Em
minhas pesquisas, percebi que faltou outra, somente citada pelos autores, mas que fora regis-
trada por Dias Martins como reivindicação coletiva da marujada. Os marinheiros sabiam que
não adiantava extinguir a chibata e expulsar oficiais que castigavam mais que o permitido por
lei. Afinal, como garantir a própria segurança a bordo dos navios ou nas unidades em terra,
havendo marinheiros perigosos que, após uma dose de cachaça, uma pisada no calcanhar ou
uma rejeição amorosa, perdiam a razão, puxavam o canivete e se punham a ameaçar a vida de
todos? Como resolver esse grave problema? É nesse momento que entra a terceira reivindica-
ção: o governo havia de “educar os marinheiros que não [tinham] competência para vestirem
a orgulhosa farda”. Vários processos criminais mostravam as rivalidades entre marinheiros nos
82 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

navios, terminadas em brigas, lesões corporais e até homicídios (Nascimento, 2001, Cap. 1).
O castigo físico e oficiais durões punham algum freio nos brigões. Era urgente que a Marinha
fosse capaz de educar e preparar seus marinheiros para o trabalho e a vida em grupo, dimi-
nuindo as tensões.

Atividades
1. Quais são os argumentos que motivaram a Revolta da Armada?

2. A Revolta da Vacina não foi um movimento apenas ocasionado pelo medo popular de ser
vacinado contra a varíola, especialmente se considerarmos que ela era uma das maiores
causadoras de epidemias do período. Sendo assim, registre alguns elementos que incitaram
a revolta.

3. Diferencie a Revolta da Armada da Revolta da Chibata, considerando que ambas acontece-


ram ou foram lideradas por indivíduos da Marinha.

4. Estabeleça uma relação entre as questões raciais e políticas no que se refere à Revolta da
Chibata, a fim de analisar os argumentos com os quais os “revoltosos” justificaram seus atos.
6
Reforma urbana e questão social na capital da República

Olhei com tristeza as casas do Mangue, as da “Cidade Nova” nas ruas trans-
versais; as do morro da Favela eu apenas entrevia. Pensei de mim para mim:
por que não se acabava com “aquilo”? Seria necessário aquele repoussoir
para afirmar a beleza dos bairros chamados chics? Pus-me a pensar na sorte
daqueles que residiam naquelas casas pobres. Certamente, imaginei, pagam
aluguéis exorbitantes! (BARRETO, 1987, p. 161-162, grifos do original)

O trecho citado é de Lima Barreto, escritor fluminense, que aponta as mudanças ocasio-
nadas pelas reformas urbanísticas no Rio de Janeiro. Barreto está questionando a República,
que deveria ser responsável por todos, e não apenas por uma ou outra classe. As classes mais
baixas foram penalizadas e obrigadas a mudar para regiões periféricas da cidade, permanecen-
do distantes das regiões centrais.
Podemos perceber a melancolia do narrador, quando afirma: “Olhei com tristeza as ca-
sas do Mangue” e “Por que não se acabava com ‘aquilo’?”. Era necessária tanta exclusão para se
tornar bonitos ou elegantes os bairros de poucos?
Neste capítulo trazemos reflexões a respeito de parte da formação social do Brasil e das
resistências encontradas nas primeiras décadas do século XX. Analisamos as relações sociais e
culturais modificadas pelas interações e novas organizações no cotidiano, nas casas e no mun-
do do trabalho.
Apresentamos perspectivas da organização social e política instituída no Brasil, de-
monstrando de que modo a federalização colaborou com a não discussão sobre os deveres da
República perante seus cidadãos.
Para além dessa questão, expomos também de que forma a participação política, que
ocorria por meio de indicação no período imperial, passou a ser organizada durante as primei-
ras décadas da República.
Não obstante, diante da estagnação social e da participação cidadã comuns a esse perío-
do, veremos o movimento grevista dos anos de 1910, assim como o movimento da capital da
República, que começava a perceber novos comportamentos e demandas sociais após o proces-
so de urbanização do Rio de Janeiro.

6.1 Formação das elites, coronelismo e disputa pelo poder


Vídeo
Uma das expressões mais comuns para caracterizar as primeiras décadas do
período republicano é liberalismo oligárquico (RESENDE, 2008, p. 91). Para a his-
toriadora Maria Efigênia Lage de Resende, as apropriações das ideias individuais fi-
caram circunscritas ao pensamento liberal relativo à federalização, transformando,
ainda nos anos de 1890, a recente República em uma política de interesses elitistas.
84 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

Para Resende (2008), a Constituição de 1891 determinou uma prática individualista nas
políticas públicas direcionadas à economia e à própria política. O direito ao voto era apenas para
homens, acima de 25 anos e alfabetizados, condições que excluíam boa parte da população. Assim,
poucos tinham acesso à política e, consequentemente, às discussões e aos embates, os quais diziam
mais a respeito dos interesses das classes dominantes.
Além disso, como ressaltado anteriormente, o federalismo foi uma política lançada e firma-
da por intermédio de Campos Sales, que governou entre 1898 e 1902, ao fim da década de 1890.
O entendimento dessa estratégia pode ser assim definido:
Sobre esse princípio edifica-se a força política dos coronéis ao nível municipal
e das oligarquias nos níveis estadual e federal. A centralidade conferida aos di-
reitos individuais, deixando de lado a preocupação com o bem público, ou seja,
a virtude pública ou cívica que está no cerne da ideia de República, funciona
como barreira no processo de construção de cidadania no Brasil. (RESENDE,
2008, p. 93)

Esses coronéis espalhados pelo Brasil eram eleitos e, portanto, detinham o poder nas pró-
prias mãos ou conforme o grupo político que representava sua imagem.
É importante considerarmos que a Constituição de 1891 atribuía aos estados a organiza-
ção dos municípios, incluindo autonomia aos interesses das duas instituições, em seu art. 68: “Os
Estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a autonomia dos Municípios em tudo
quanto respeite ao seu peculiar interesse” (BRASIL, 1891)1. Ao analisarmos esse artigo, bem como
a condição de liberdade política e de interesses dos governantes, podemos perceber que, além do
entrave entre estados e municípios, já que ambos deviam ter autonomia (prática federalista), havia
uma questão maior: todos os municípios ou estados se encontravam reféns dos governos locais,
isentando a República de intervir ou de ser responsável pelos “cidadãos” de seu território.
A República oligárquica, ou do “café com leite”, havia transformado a estrutura imperial em
republicana. Entretanto, é preciso lembrar que as formações partidárias nos anos de 1890, o con-
flito de Canudos e as Revoltas da Chibata, da Armada, do Contestado e, até mesmo, a da Vacina se
posicionavam de acordo com suas questões particulares, reivindicando uma postura mais republi-
cana ou criticando a existência daquela República.
Embora a República não oferecesse cidadania e o povo fosse contrário ao poder de coronéis
locais e/ou regionais, construíam-se à época ideais ou movimentos que lutariam por uma nova
perspectiva republicana.
Nesse contexto, Resende (2008) faz uma importante diferenciação entre as famílias tradicio-
nais dos tempos da Colônia e do Império e em relação aos coronéis. Para a historiadora, o período
de maior atuação deles, entre 1889-1930, deve ser analisado da seguinte forma:
Embora também uma forma de exercício de poder privado, ele não é uma
prática, constitui um sistema político e é um fenômeno datado [...] é um fe-
nômeno que só pode ser entendido a partir da marca histórica do antigo e
exorbitante poder privado; da estrutura agrária latifundiária que fornece a

1 A Constitiuição de 1891 encontra-se disponível na íntegra em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/


constituicao91.htm>. Acesso em: 18 fev. 2018.
Reforma urbana e questão social na capital da República 85

base de sustentação para as diferentes formas de manifestação do poder pri-


vado; da superposição de forma de sistema representativo a uma estrutura
econômica e social, basicamente rural, que permite o controle de uma vas-
ta população em posição de dependência direta do latifúndio; e de um sis-
tema de compromissos, uma troca de proveitos, entre um poder público
fortalecido e um poder privado já em fase enfraquecimento. (RESENDE,
2008, p. 95-96)

Os coronéis, valendo-se do exercício do poder local ou regional, da dependência instituída à


população em seu entorno (uma troca de votos por medidas políticas), passavam a ter mais poder
e reconhecimento do governo federal, especialmente quando conseguiam os primeiros cargos po-
líticos locais e, posteriormente, os de nível federal (deputados ou senadores).
Dessa forma, surgiam as oligarquias estaduais, cuja união se dava por partidos estaduais,
bem como pelo apoio de profissionais liberais. Entre os diversos exemplos, podemos citar: os po-
sitivistas no Rio Grande do Sul, os cafeicultores pertencentes ao Partido Republicano Paulista e os
representantes do Partido Republicano Mineiro, que eram mais fortes na atuação política federal.
Quando um local era disputado por grupos antagônicos, a violência era comum, bem como
a utilização de forças, como “peões”, capangas, entre outros nomes representativos. Percebemos
que, novamente, a República era disputada por interesses privados, restando ao povo apoiar muitos
desses coronéis locais, a fim de conquistar algum direito ou de apenas sobreviver.
Se o sistema de coronéis e de autonomia das regiões foi parcialmente estruturado nesse con-
texto, não podemos deixar de estabelecer, segundo o historiador Miguel Arias Neto, uma relação
com o período anterior à República (ARIAS NETO, 2008). Para ele, as ideias de liberdade de mer-
cado e de investimentos vindos do Império sempre estavam direcionadas ao mundo do café ou do
açúcar, a depender da região e do contexto histórico.
Os liberais brasileiros descartavam qualquer espécie de protecionismo às ma-
nufaturas e indústrias e defendiam que os novos capitais desviados do tráfico de
escravos deveriam ser aplicados na consolidação da lavoura. Em outras palavras,
reforçava-se o pensamento quase fisiocrata que, contrário à intervenção estatal
na economia e, consequentemente, ao protecionismo à manufatura e à indústria,
defendia a ideia de “vocação agrária do Brasil”. (ARIAS NETO, 2008, p. 200)

Conforme demonstra o autor, embora tenha ocorrido um novo arranjo social e político após
o fim do Império, é possível estabelecer relações com o estilo econômico e social anterior. Ao mes-
mo tempo, Arias Neto (2008) aponta a intromissão em assuntos relativos ao capital, cujo objetivo
era direcionar as verbas, que, por vezes, foram aplicadas em atividades manufatureiras, transportes
e até especulação financeira (especialmente ligada ao café) no fim do Império.
Com o desenvolvimento da cultura cafeeira, houve o investimento estrangeiro, comum entre
1860 e o início do século XX, em tempos de corrida imperialista, injetando capital para a constru-
ção de ferrovias, portos e empreendimentos industriais ligados à produção agrária (ARIAS NETO,
2008). Essas condições foram suficientes para motivar os primeiros movimentos de urbanização e
empregos livres (de forma bastante precária) a partir de meados do século XIX.
86 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

Embora houvesse produção de açúcar, de borracha ou de outros produtos em menor escala


no território brasileiro, foi no eixo São Paulo-Rio de Janeiro que o desenvolvimento foi maior no
fim do século XIX. Essa região também passou a dominar a direção política do país. Nesse período,
discussões sobre imigração, república, abolição e incentivos para a indústria surgiram, remodelan-
do o que seria a ideia de liberalismo no Brasil (ARIAS NETO, 2008).
Após a Proclamação da República, muitos estados almejaram maior representação, vendo
na Constituição uma forma de obtê-la. O golpe dado pelos militares, as revoltas da década de 1890
e a falta de uma política republicana mais socialmente estruturada, entretanto, coincidiram com a
queda bruta dos rendimentos do café:
A despeito do valor econômico, o café é um “produto de sobremesa” e seu con-
sumo tende a estabilizar-se. Por outro lado, os altos lucros provocaram a expan-
são contínua do cultivo e terminaram por gerar o fenômeno da superprodução.
Em 1893, uma recessão que se iniciou na Europa e atingiu os Estados Unidos,
o principal consumidor brasileiro, provocou uma queda nos preços do café.
(ARIAS NETO, 2008, p. 212)
Nesse período, o Brasil tinha no café o seu principal rendimento, perspectiva que não ocor-
reu naquela década (1890). Além disso, outra forma de recebimento significativo para o país eram
as taxas alfandegárias dos produtos importados. Com a diminuição do poder de compra, menos
taxas eram recolhidas para o pagamento da dívida externa.
É preciso ainda considerar que, em 1893, no período do governo de Floriano Peixoto, ainda
havia resquícios da crise do governo de Deodoro da Fonseca, além de estar ocorrendo a Revolução
Federalista e, ao mesmo tempo, um movimento dos estados e cidades em busca de suas coligações
e de seus interesses próprios.
Nesse contexto, quando assumiu o poder, em 1898, Campos Sales realizou uma negociação
denominada funding loan, uma moratória estabelecendo empréstimos e novos prazos de pagamen-
to. Além desse problema, a situação política encontrada pelo então presidente pode ser resumida
da seguinte forma:
[Havia a] ausência de uma base objetiva capaz de dar sustentação a um presi-
dente para implementação das políticas governamentais. Para isso contribuem
a fragilidade do Partido Republicano Federal [...] um Congresso fracionado em
bancadas estaduais [...] um sistema partidário já basicamente estadualizado;
o militarismo manifesto nas posições das Forças Armadas, que se pretendem
depositárias do poder; as lutas de facções oligárquicas pelo poder nos estados; e
a anarquia, tropelias e correrias de bandos armados no interior dos estados sob
as ordens dos poderosos coronéis. (RESENDE, 2008, p. 112)

As regras e leis instituídas pela federalização permitiram que o poder fosse bastante descen-
tralizado e, principalmente, que ficasse à mercê de interesses particulares nas mais diversas regiões.
Isso impedia políticas conjuntas maiores entre estados e governo federal, além de manter a violên-
cia empregada na disputa entre coronéis. Nesse contexto, a situação econômica era marcada pela
inflação e por uma dívida externa vertiginosa, além de o café, principal produto de exportação,
estar com o preço em queda (RESENDE, 2008).
Reforma urbana e questão social na capital da República 87

Campos Sales iniciou um processo de estabelecimento de alianças entre o governo federal


e os estados da Bahia, de Minas Gerais, de São Paulo e do Rio Grande do Sul, cujo representante,
Pinheiro Machado, era um dos principais articuladores das oligarquias estaduais menores.
Com esses acordos e as relações estreitas entre os estados e os governos municipais, que, por
sua vez, elegiam as chapas “desejadas”, o governo federal iniciou um processo de fortalecimento de
leis e de demandas políticas.
É possível compreender que a produção brasileira agrária estava em queda. Além disso, ha-
via as dívidas externas acordadas no funding loan de 1898. Assim, enquanto o endividamento im-
pedia ou dificultava as importações, a produção de bens de consumo e de subsistência aumentava.
Entre fazendeiros e importadores, o mercado interno estava em desenvolvimento, mesmo que de
forma mais rude em relação a outros países produtores industriais.
No Brasil, os centros mais importantes eram compostos de fábricas e pequenas empresas,
apontadas como oficinas, que vinham crescendo desde 1890, empregando familiares ou operários,
mas que tiveram um período de estagnação entre 1897 e 1904 (ARIAS NETO, 2008), devido à crise
internacional e brasileira, porém com crescimento retomado a partir de 1905.
Nesse período não houve somente simples produções. A indústria têxtil cresceu muito entre
os anos de 1853 e 1905, de 8 fábricas para 110, assim como o número de operários passou de 424
para 39.159. Essa quantidade dobrou nos dez anos seguintes e, em 1915, havia 240 fábricas em que
trabalhavam 82.257 operários (ARIAS NETO, 2008). Trazemos esses dados para demonstrar que,
apesar da instabilidade política, econômica e social do início da República, assim como a ausência
de uma política mais direta por parte do Estado, havia um crescimento econômico para além das
perspectivas agrárias.
Essas alterações ocasionaram, por sua vez, novas demandas nas cidades, como questões ur-
banísticas, de saneamento e de direitos sociais e políticos, especialmente vindas de grupos de ope-
rários e de seus sindicatos. Além disso, segundo Arias Neto (2008), 46% desses operários e 39% das
indústrias maiores estavam concentrados no Rio de Janeiro e em São Paulo.

6.2 Movimento grevista de 1917


Vídeo
Nos principais centros do Brasil, crescia o número de fábricas, em decor-
rência do processo de urbanização. Por esse motivo, forros, imigrantes e outros
trabalhadores vieram do campo em busca de emprego.
O trabalho livre no Brasil, embora recorrente desde a década de 1850, não
era comum. O que o diferenciava do trabalho escravo era a liberdade e um salário
– nem sempre significativo. A experiência brasileira no que se refere a direitos trabalhistas ainda
era iniciante. Como afirmamos no Capítulo 3, desde os anos de 1890, após a Proclamação da
República, já existiam novos partidos, assim como ideários anarquistas e socialistas.
Schwarcz e Starling (2015) afirmam que, entre 1880 e 1884, foram abertas 150 fábricas na
Região Centro-Sul do país. Em 1907, porém, o número já era de 3.410. A base social do operariado
era em grande parte brasileira e italiana, especialmente nas indústrias têxteis. Os italianos, muitas
88 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

vezes conhecedores das ideias anarquistas, formavam associações e clubes de luta, argumentando a
necessidade de direitos trabalhistas – ainda incipientes no Brasil –, melhores condições de trabalho
e o direito à educação (SCHWARCZ; STARLING, 2015).
O historiador Claudio Batalha trata da participação nacional na formação operária, citando
o exemplo de Pelotas, no Rio Grande do Sul. Os imigrantes italianos, muitas vezes, vinham do cam-
po, sem experiência sindical ou operária. No Brasil, enfrentavam problemas étnicos e identitários,
porém havia um ponto que fazia eles se verem como um grupo, segundo o historiador: a escolha
de vir ao Brasil em busca de melhores condições sociais, para o que a ação sindical ou de união era
um caminho possível (BATALHA, 2008).
Nesse sentido, Batalha (2008) rejeita o “mito” do italiano imigrante que chegava ao Brasil já
politizado. Sobre essa ideia, o historiador também considera que as diferenças instituídas no Brasil,
em momentos de decisão sobre participar ou não da greve, voltar ou não para Itália, eram tangen-
ciadas por questões étnicas, interferindo na atuação operária sindical.
É importante ressaltar que, com a representatividade por meio de sindicatos ou revoluções,
os anarquistas italianos contestavam a existência do Estado. No caso brasileiro, isso fazia ainda
mais sentido, visto que a República até aquele momento não havia instituído leis regulamentando
o trabalho operário.
Por conta de uma representação sociocultural, quando falamos em operário, pensamos na
imagem de homens. No entanto, era comum o emprego de crianças e de mulheres. Batalha aponta
que, devido às características culturais, mulheres não estavam nas organizações nem participavam
dos primeiros movimentos; apenas em 1919 é que surgiram as primeiras uniões das costureiras
(BATALHA, 2008). Tratavam-se, portanto, de grupos considerados inferiores, por isso, receptores
de um pagamento menor.
Segundo Schwarcz e Starling (2015), entre 1906 e 1908, ocorreram diversas greves, que co-
meçaram após a criação da Confederação Operária Brasileira (COB), em 1906. Porém, é de 1902
a primeira greve multiprofissional, em que chapeleiros, gráficos, pintores, entre outros trabalha-
dores pediram redução de jornada de trabalho e o direito à organização operária (SCHWARCZ;
STARLING, 2015). Após, seguiram-se as primeiras greves de estivadores e de ferroviários.
Nesse contexto, Gomes (2005) reitera a importância da atuação de diversos jornais socia-
listas, como O operário, A tribuna, A gazeta operária e A tribuna do povo2. Esses periódicos eram
importantes devido aos debates e apoios políticos, assim como sugestão de leis, até então mu-
nicipais, que deveriam ser consideradas em âmbito federal a fim de que o trabalho de operários
fosse respeitado.
Nos anos seguintes, apesar da grande atuação desses primeiros operários anarquistas e/ou
sindicalizados, as ideias socialistas ficaram desgastadas, o que, para Gomes (2005), não diminuiu a
importância desse período para os movimentos que ocorreriam em 1917.

2 Angela de Castro Gomes fez uma importante pesquisa sobre a trajetória das primeiras organizações sindicais e
socialistas até os anos de 1930. Para compreender melhor esse período, sugerimos a leitura da obra A invenção do tra-
balhismo (GOMES, 2005).
Reforma urbana e questão social na capital da República 89

Gomes (2005) ressalta também a importância da atuação dos estivadores do porto do Rio
de Janeiro entre 1903 e 1905, por meio da União dos Foguistas e da Associação dos Marinheiros e
Remadores, que tinham como advogado Evaristo de Moraes3. Este era um rábula4 conhecido pela
defesa do assassino de Euclides da Cunha e por ter atuado na defesa do marinheiro João Cândido,
durante a Revolta da Chibata. Moraes também atuou, posteriormente, no Ministério do Trabalho
do governo de Getúlio Vargas, nos anos de 1930 (GOMES, 2005).
As reivindicações dos estivadores do porto do Rio de Janeiro foram bastante importantes,
o que fez o patronato perceber a força desses homens quando reunidos e, por isso, iniciar suas
formações policiais, que começaram a agir, então, com represálias. Para além dos problemas e con-
flitos ocasionados, os operários passaram a defender a união entre grupos, ou seja, ambos os lados
perceberam a importância das negociações. Gomes (2005) descreve as negociações e greves como
violentas até o ano de 1908 e após a Greve Geral de 1917.
Nesse sentido, a Greve Geral de 1917 não está dissociada do contexto anterior, visto que es-
sas associações, as panfletagens e os debates políticos permitiram aos grupos que se manifestavam
incentivar outros – com trajetória sindical ou não. Nessa revolta, de 50 a 70 mil pessoas, no Rio de
Janeiro e em São Paulo, estavam envolvidas.
Schwarcz e Starling apontam que, apesar da grande participação operária, bem como de pi-
quetes e conflitos armados (que causaram inclusive uma morte), os resultados não vieram de ime-
diato (SCHWARCZ; STARLING, 2015). Porém suscitaram diversos levantes nos anos seguintes e
foram fundamentais para a formação sindical, na década de 1920, bem como para a fundação do
Partido Comunista, em 1922, mesmo com uma repressão policial maior nesse período.

6.3 Belle Époque: urbanização das capitais


Vídeo
O historiador Nicolau Sevcenko afirma que o Rio de Janeiro, “a maior cidade
brasileira, veria sua população no período de 1890 a 1900 passar de 522.651 habi-
tantes para 691.565 habitantes, numa escala impressionante de 33% de crescimento
(3% ao ano)” (SEVCENKO, 1999, p. 36).
Crescida ao redor de um cais e com suas principais bases no Monte Castelo,
o Rio de Janeiro já não comportava, ou não conseguia organizar, ao menos em parte, esse cresci-
mento vertiginoso. Ademais, era a capital da República e precisava se mostrar como tal.
Marins (1998) descreve a situação de grandes centros à época, como Rio de Janeiro e São
Paulo, do seguinte modo:
Casas e ruas fundiam-se numa dinâmica plasmada e difusa, em que os limites
espaciais se constituíam historicamente ao sabor da ambição fundiária dos pro-
prietários e da complacência sonsa das autoridades. O “desleixo”, descrito em
um estudo notável, parecia comandar a prática de justapor casas e alinhar as
ruas – quadro em que as autoridades se situaram, num equilíbrio sutil. Nesse
“aparente” desleixo esgueiravam-se as aparentes desordens funcionais, num

3 Sobre Evaristo de Moraes, sugerimos a leitura do livro de Mendonça (2007).


4 Advogado sem formação acadêmica em direito, mas que obtinha autorização para advogar.
90 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

torvelinho de diluições e mimetismos em que escravos, forros e seus descen-


dentes, miseráveis e remediados, logravam obter mais facilmente as condições
de sua sobrevivência, e de seus próprios padrões culturais e de sociabilidade.
(MARINS, 1998, p. 133)

A cena descreve a ausência de limite entre as casas e os acontecimentos da rua. Em algumas


residências, começava a ser comum a preocupação com “separar” os espaços públicos dos priva-
dos, mas ainda era preciso dar mais intimidade às famílias e às diversas relações sociais existentes.
O ideal era não poder ouvir na rua o que se escutava também nos lares. Cidades como Salvador,
Recife e Curitiba também viveram esse processo de mudanças.
Curitiba (PR) já vivia desde 1885 alterações em seu espaço, com a construção da estrada
de ferro que ligava o litoral à capital paranaense. Com isso, houve um estímulo a outras fábricas e
produções, para além da erva-mate, que já era um produto importante. Bancos, fábricas de gasosas
e de tecidos se misturavam aos armazéns, moinhos e charutarias (DENIPOTI, 1999).
Diante desse estímulo populacional e econômico, acompanhando os acontecimentos no
Brasil, Curitiba também fez parte de um processo de saneamento, de higienização e de reformas:
construiu calçadas e as alargou, assim como trouxe linhas de bonde, alterou as fachadas das casas e
novos bairros surgiram, como o Alto da Glória e o Alto da XV. Já a periferia se encheu de migrantes
e de novos imigrantes, como italianos, portugueses e poloneses (DENIPOTI, 1999).
Havia no discurso nacional uma ideia de que as mazelas sociais eram justificadas por essa
situação de “falta” de saneamento e de urbanização. Do mesmo modo, é preciso lembrar que
imigrantes, forros e toda a sorte de gente chegava aos grandes centros, como o Rio de Janeiro.
Esses lugares poderiam oferecer sobrevivência, por meio de empregos, bicos ou mesmo com a
mendicância. Quem recorreu à última, passou a ser perseguido pelas autoridades, afinal o lugar
privado dessas pessoas, mesmo que simples e pestilentas, era também do “interesse da República”
(MARINS, 1998, p. 136).
Para Carvalho (1987), o Rio de Janeiro aparentava ter problemas sociais graves. É preciso
considerar que muitos “ex-escravos” se acumulavam nos morros, já que sua inserção social após
a abolição nunca foi devidamente pensada ou respeitada, e, junto a isso, havia o êxodo rural de
diversos grupos, a chegada de imigrantes e a falta de estrutura mínima urbana. Sendo assim, essa
população que chegava aos grandes centros
poderia ser comparada às classes perigosas ou potencialmente perigosas de
que se falava na primeira metade do século XIX. Eram ladrões, prostitutas,
malandros, desertores do Exército, da Marinha e dos navios estrangeiros, ciga-
nos, ambulantes, trapeiros, criados, serventes de repartições públicas, ratoeiros,
recebedores de bondes, engraxates, carroceiros, floristas, bicheiros, jogadores,
receptores, pivetes (a palavra já existia). E, é claro, a figura tipicamente carioca
do capoeira, cuja fama já se espalhara por todo o país e cujo número foi calcu-
lado em torno de 20 mil às vésperas da República. Morando, agindo e traba-
lhando, na maior parte, nas ruas centrais da Cidade Velha, tais pessoas eram
as que mais compareciam nas estatísticas criminais da época, especialmente
as referentes às contravenções do tipo desordem, viadagem, embriaguez, jogo.
(CARVALHO, 1987, p. 18)
Reforma urbana e questão social na capital da República 91

A classificação dessas realidades como as mais sujeitas à criminalização diz respeito às pró-
prias condições de sobrevivência desses espaços ocupados. Existiam roubos e outros problemas
diante da falta de oportunidade de trabalho, ausência da representação do Estado e, ainda, das
precárias condições de moradia, que eram responsáveis pela propagação de diversas doenças, as
quais, por sua vez, provocavam epidemias, mortes e contaminação de alimentos.
Marins (1998) explica que o comércio dividia paredes com casas mais ou menos luxuosas.
As moradias populares obedeciam ao mínimo de leis necessárias. Nesse período, havia poucas
regras para instalação de novas residências ou estabelecimentos comerciais.
A Figura 1, a seguir, traz a representação do que seria o Monte Castelo, destruído totalmente
em 1922, como parte do processo de urbanização do início do século XX no Brasil. A Figura 2 mostra
uma área de cortiços, em que os varais, e provavelmente o esgoto, tomavam as ruas da cidade. Já a
Figura 3, traz outro debate, ainda do ano de 1893.
Figura 1 – Estudo para Panorama do Rio de Janeiro

Wikimedia Commons

Fonte: MEIRELLES, Victor. Estudo para Panorama do Rio de Janeiro. 1885. Óleo sobre tela: color., 105 x 104 cm. Museu
Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.
92 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

Figura 2 – Cortiço em rua do Rio de Janeiro

Augusto Malta/Wikimedia Commons


Figura 3 – Capa da Revista Illustrada, de fevereiro de 1893.

Angelo Agostini/Biblioteca Nacional


Reforma urbana e questão social na capital da República 93

A capa de uma importante revista da época, na Figura 3, faz uma referência ao prefeito do
Rio de Janeiro, Barata Ribeiro, cuja ação foi “desmontar” o cortiço Cabeça de Porco no ano de 1893.
A prefeitura foi vitoriosa ao retirar a população daquele espaço. Porém foi derrotada, muito antes
da Belle Époque, já que, ao permitir à população recolher as madeiras restantes da demolição, pro-
porcionou que construíssem suas novas casas no futuro Morro da Providência, que era próximo ao
cortiço. Essa prática foi repetida muitas vezes nas décadas seguintes. Como bem lembra Marins, a
República inaugurou no Rio de Janeiro os seus morros e favelas como moradia (MARINS, 1998).
É desse período também a influência sofrida pelos eugenistas (tema que aprofundaremos no
Capítulo 8). Segundo Sevcenko,
os navios europeus, principalmente franceses, não traziam apenas os figu-
rinos, o mobiliário e as roupas, mas também as notícias sobre as peças e li-
vros mais em voga, as escolas filosóficas predominantes, o comportamento,
o lazer, as estéticas e até as doenças, tudo enfim que fosse consumível por
uma sociedade altamente urbanizada e sedenta de modelos de prestígio [...].
(SEVCENKO, 1999, p. 37)

Sevcenko (1999) não se refere, portanto, apenas à moda, ao cinema (recém-chegado), aos
instrumentos musicais ou às revistas cujo conteúdo era referente ao cotidiano de Paris, mas às
ideias, concepções de vida e de ciência que esses navios atracados também traziam.
Quando Pereira Passos5, prefeito e engenheiro civil, reformou o centro da cidade, criando
viadutos, pavimentando calçadas e ruas, assim como melhorando mercados públicos e, especial-
mente, a zona portuária, em sua leitura, estava modernizando a cidade do Rio de Janeiro. Isso,
porém, não está relacionado à ideia de desenvolvimento social, mas de melhoria nas condições
sanitárias, viárias e estéticas da região central.
Fazer a cidade ver o seu fluxo de carros em constante movimento, assim como sanear os
problemas mais relevantes, foi o objetivo central dessa reforma. É preciso, porém, considerar que
ruas alargadas ou criadas ocuparam lugares já estabelecidos. Além disso, pessoas que viviam em
prédios, cortiços ou velhas casas foram expulsas. Nesse sentido, Sevcenko explana:
Desencadeia-se simultaneamente pela imprensa uma campanha, que se pro-
longa por todo esse período, de “caça aos mendigos”, visando à eliminação de
esmoleres, pedintes, indigentes, ébrios, prostitutas e quaisquer outros grupos
marginais das áreas centrais da cidade. (SEVCENKO, 1999, p. 34)

O objetivo era eliminar qualquer vestígio ou pessoa que lembrasse a pobreza ou mesmo os
“perigos do centro”. A modernização, nesse caso, referia-se a um processo de civilização no enten-
dimento daqueles homens; por isso, sanar o problema muitas vezes era afastá-lo dos olhos daqueles
que vislumbravam as novas criações.
O historiador afirma que a região mais central da cidade do Rio de Janeiro estava reservada
para o novo (avenidas, calçadas) e de modo elegante (SEVCENKO, 1999). Essa visão de novo e ve-
lho, tendo em vista a reconfiguração da cidade, também é apontada por Schwarcz em sua análise da

5 Prefeito do Rio de Janeiro entre 1902 e 1906 e responsável pelo projeto de reurbanização da capital da República.
Tratava-se de um projeto com bastante influência europeia, especialmente francesa, visto que Passos fez seus estudos
em Paris.
94 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

vida e obra de Lima Barreto. O trecho a seguir traz a ideia de alguém que “corta” a cidade de trem
e visualiza a sua nova composição social. A historiadora, valendo-se dessa ideia, explica:
O trajeto do trem era pretexto, ademais para assinalar diferenças sociais que de-
limitavam classe, raça, gênero e região, singularidades que ficavam ainda mais
claras quando comparadas com as da população do centro do Rio. [...] A lite-
ratura de Lima pode ser considerada, portanto – e sobretudo a partir de 1903,
quando ele aceita o emprego amanuense e vai residir nos subúrbios –, como
uma “obra em trânsito”. (SCHWARCZ, 2017, p. 163-164)

O subúrbio, o caminho distante das casas em que moram os trabalhadores, assim como as
disputas pelo bairro “suburbano” melhor, aqueles que conseguiram se preservar próximo dos chi-
ques, ou mesmo as definições do próprio recenseamento da prefeitura do Rio de Janeiro de 1906,
que aborda moradores da cidade e moradores dos subúrbios, são as novas configurações do Rio de
Janeiro (SCHWARCZ, 2017). A República, governo político repleto de privilégios para alguns,
fazia-se com base em novas divisões sociais evidentes e de sociabilidades. Essa última perspectiva
é evidente na observação de Lima Barreto, quando aponta os novos comportamentos e adaptações
do cotidiano:
Na vida dos subúrbios, a estação da estrada de ferro representa um grande pa-
pel: é o centro, é o eixo dessa vida. Antigamente, quando ainda não havia por
aquelas bandas jardins e cinemas, era o lugar predileto para os passeios domin-
gueiros das meninas casadouras da localidade e dos rapazes que querem casar,
com vontade ou sem ela.
Hoje mesmo, a gare suburbana não perdeu de todo essa feição de ponto
de recreio, de encontro e conversa. Há algumas que ainda a mantêm te-
nazmente, como Cascadura, Madureira e outras mais afastadas de resto, é
em torno da “estação” que se aglomeram as principais casas de comércio
do respectivo subúrbio. Nas suas proximidades, abrem-se os armazéns de
comestíveis mais sortidos, os armarinhos, as farmácias, os açougues e é pre-
ciso não esquecer a característica e inolvidável quitanda. (BARRETO apud
SCHWARCZ, 2017, p. 173)

O Méier era ponto de encontro entre as estações e o local onde trabalhadores também en-
contravam o que precisavam. Faziam ali mesmo suas compras de suprimentos básicos, em arma-
zéns e armarinhos, e de carne e remédio, caso pudessem comprar.
A vida distante do centro fazia com que as pessoas aproveitassem seutempo. Assim, o Méier
se tornou um bom lugar – de subúrbio – para morar, diante de seu comércio desenvolvido. O lugar,
antes desabitado, ganhou novas memórias e relações sociais.
Lima Barreto confirma a passagem no local de mulheres, não somente as trabalhadoras
ou desacompanhadas – motivo de sussurros –, mas as meninas com seus instrumentos musi-
cais: “Pobre Moça [...] No instituto, só têm talento musical as moças ricas e bem aparentadas”
(BARRETO apud SCHWARCZ, 2017, p. 173). Entre o violino e o piano, as diferenças sociais tam-
bém existiam, mas diferentemente de outrora, quando as classes mais simples sequer poderiam
pensar na possibilidade de tê-los ou de literalmente tocá-los.
Arias Neto (2008), no que se refere à formação das cidades desse período, aponta um
crescimento populacional de 203% entre 1872 e 1920, de 9.903 milhões de pessoas para 30.635
Reforma urbana e questão social na capital da República 95

milhões, bem como aponta que o número de cidades com mais de 30 mil habitantes passou de
67 para 265, totalizando aproximadamente 15,7 milhões de pessoas. Junto a isso, no processo
modernizador autoritário, além da expulsão e do reordenamento social nos centros, como o do
Rio de Janeiro, surgiu uma nova disciplina de trabalho e de comportamento nas relações sociais
(ARIAS NETO, 2008).

Considerações finais
São Paulo e Rio de janeiro concentraram, em parte, os altos rendimentos a partir da metade
do século XIX até o início do século XX. Embora boa fração dessa riqueza tenha vindo do mercado
do café, é preciso considerar que havia também investimento estrangeiro. Ao mesmo tempo, com
o café, pôde-se investir em outras áreas que não a agrária.
Dessa forma, a indústria e a modernização brasileira não foram determinadas apenas por
um produto agrário, mesmo que indiretamente. Além disso, se 46% de toda a indústria estavam
nos dois estados centrais do período, significa que 54% estavam espalhados pelo país. Esses outros
estados também encontraram na Constituição de 1891 um modo de exercer poder, mesmo que de
forma local ou estadual e, até mesmo, autoritária.
O Brasil que se configurou nesse período era o início de nossa República e, ainda que o
liberalismo oligárquico fosse a política instituída, as mudanças sociais, no cotidiano, de resis-
tências e lutas de classes fizeram com que um ideal republicano mais igualitário passasse a ser
desejado, muitas vezes utilizando o instituto do habeas corpus presente na nova Constituição
(ARIAS NETO, 2008).
Podemos dizer que o processo modernizador e de crescimento econômico, mesmo não con-
centrado em ideais de igualdade e de democracia, demonstrou que o ideal de República (ainda não
existente) estava sendo buscado.

Ampliando seus conhecimentos


O texto que apresentamos a seguir se refere à Greve Geral de 1917 e traz dois possíveis desdo-
bramentos sobre esse momento tão importante da história operária e da luta por direitos trabalhistas.

Greve geral de 1917 em São Paulo


(BIONDI, 2015)

[...] Dois debates principais atravessam a análise histórica da greve: espontaneísmo ou organi-
zação? Greve anarquista ou radicalização ocasional de uma greve de reivindicações de melho-
rias que tomou tamanha amplitude por causa do contexto de empobrecimento progressivo?
Os dois debates estão entrelaçados, uma vez que, ao colocar a ênfase no papel dos anarquistas,
se destaca também a ideia de greve organizada. Os anos de enfraquecimento, quase de aniqui-
lação, das organizações classistas em São Paulo que precederam a greve levam a considerar
que o movimento de 1917 surgiu espontaneamente, sem prévia organização. Realmente, os
sindicatos paulistanos, com exceção de alguns poucos (gráficos e chapeleiros, por exemplo),
96 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

voltaram a se estruturar paralelamente ao desenvolvimento da greve ou até em seguida à greve


para firmar direitos conquistados. A estrutura sindical que surgiu em agosto – em 26 de agosto
houve a refundação da Federação Operária de São Paulo (FOSP) –, após a experiência da greve
geral, era do tipo de transição das organizações de ofício para as de categoria: renasceram
todas as ligas de ofício do período anterior a 1914 e surgiu, nos bairros populares (Mooca,
Brás, Belenzinho, Água Branca e Lapa, Cambuci, Ipiranga, Bom Retiro, Vila Mariana), uma
série de ligas operárias, com centenas de filiados, que agregavam os trabalhadores do local
independentemente de sua profissão.
[...] é correto afirmar que os processos de organização sindical já estavam encaminhados havia
algum tempo quando explodiram as greves de junho na Crespi e na Antarctica, prólogo dos
eventos de julho: a declaração de greve na Crespi, por exemplo, foi decidida depois de uma
reunião na Liga Operária da Mooca e por ela foi coordenada. Ao mesmo tempo, era comu-
mente reconhecido o papel de militantes e sindicalistas que havia anos atuavam em São Paulo
e que ao longo da primeira metade de 1917 tinham-se empenhado a reconstituir movimentos
e organizações de classe. A greve geral foi a expressão de um processo dialógico entre um
movimento de reorganização dos trabalhadores paulistanos e a explosão de uma agitação de
massa de reação à piora das condições de vida e de trabalho.
Certamente, o papel desenvolvido no processo pelos militantes anarquistas, não somente
aqueles mais próximos do sindicalismo, foi notável, o que, conjuntamente com as dinâmicas
de ação direta e a quase inexistente estrutura sindical inicial, levou à conclusão interpretativa
da feição anarcossindicalista da greve geral de 1917, contrastando a ideia de uma inserção
interessada e posterior dos militantes num movimento popular espontâneo. A autoconstitui-
ção das organizações operárias foi um aspecto marcante do movimento de 1917, mas desde o
início da constituição das ligas a presença de militantes libertários no seu seio foi importante,
coincidindo com seu papel organizativo na campanha contra a carestia de vida.

Atividades
1. Com base nas ideias expostas sobre as decisões tomadas no âmbito político e econômico,
após a Proclamação da República, busque diferenciar a prática liberalista de antes da Repú-
blica e após 1890, assim como em que aspectos a Constituição de 1891 não favorecia uma
política igualitária.

2. O “mito” do imigrante italiano sindicalizado é refutado por Claudio Batalha (2003). Expli-
que de que forma o historiador argumenta sobre isso.

3. Como podemos estabelecer uma relação entre os movimentos operários na década de 1910
e a Greve Geral de 1917?

4. No texto da seção “Ampliando seus Conhecimentos”, há uma relação entre o


movimento operário, o anarquismo e o sindicalismo do período. Explique qual é a
importância para os trabalhadores da relação que se estabeleceu naquele momento entre
esses três grupos diferentes.
7
Literatos, literatura e vida intelectual
na Primeira República

O fim do século XIX e o início do XX foi um período de transformações políticas, eco-


nômicas, sociais e culturais. O estilo de vida cotidiana e a atuação e participação na sociedade,
especialmente nos grandes centros, foram alterados.
Nesse sentido, refletir sobre a efervescência cultural do período e sobre alguns dos de-
bates ocasionados por escritores e pintores da época é importante para perceber problemáticas
levantadas por esses “lugares” de conhecimento. É possível perceber a resistência e a margina-
lização daqueles que questionavam esses processos de uma maneira bastante complexa, além
do sentido dualista comum à história brasileira.

7.1 Da Belle Époque ao modernismo: a Primeira República narrada


Vídeo
A República trouxe a ideia de liberdade, e esse conceito também foi aplica-
do à escrita. A concepção de que poderíamos proferir novas perspectivas e vivên-
cias se tornou possível. A historiadora Sílvia Gomes Bento de Mello lembra que,
desde o decorrer da segunda metade do século XIX, grupos e confrarias já exis-
tiam e divulgavam, por meio de revistas e clubes literários, seus ideais (MELLO,
2008). Esses espaços tinham foco em discussões positivistas, republicanas, abolicionistas, entre
outras, demonstrando que estavam vivendo um processo que almejava caminhos diversos aos
conhecidos até então: “O poder falar está imbricado [...] na prerrogativa de ser ouvido: apenas na
medida em que conquistam legitimidade e autoridade para falar, tornam-se efetivamente seres
falantes, reconhecidos como tal” (MELLO, 2008, p. 118).
Assim, entendemos que esses grupos, além de buscarem ser ouvidos, fizeram parte de
um processo de mudanças no Brasil; eram demandas, necessidades do novo, que romperiam
com diversas tradições e criariam outras.
Ao mesmo tempo, acontecia na Europa, desde meados do século XIX, a Belle Époque.
Esse processo, bastante cultural e artístico, demonstrava um florescimento de novas práticas cul-
turais, como a literatura, os ritmos de dança, o apreço por artes plásticas ou mesmo o cinema.
Esses segmentos criaram novas formas comerciais e, principalmente, novos comportamentos.
Essas demandas estavam relacionadas com outros padrões de consumo, devido à aceleração da
industrialização, pela vinda da eletricidade; aos meios de transporte, como o bonde e o carro; à
diversificação de produtos; e, ainda, à “venda” de novos estilos de vida. Um mundo moderno e
civilizado parecia ter surgido no século XIX e o Brasil, já republicano, poderia ter alguns desses
elementos, mesmo que de maneira restrita1.

1 Para uma leitura mais ampla sobre esse processo na Europa, com elementos que o diferenciam da preocupação
no Brasil referente à Belle Époque, sugerimos a leitura dos capítulos 9, 10 e 11 do livro de Hobsbawm (2009).
98 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

Nesse contexto, o conceito de moderno ou de ideal estava sendo questionado. Quais eram as
raças ou etnias mais representativas, que direção dar à República ou mesmo a representação por-
tuguesa eram as questões do momento.
Segundo Carvalho (1998), no início do século XX, havia um questionamento sobre os
portugueses e seus descendentes, que até algumas décadas antes eram heroicizados. O portu-
guês poderia significar também o atraso, devido ao modo como se deu o desenvolvimento do
país, firmando sua cultura com preceitos coloniais, que insistiam em permanecer no Brasil.
Um exemplo de escritor defensor dessa ideia era Raul Pompeia. Para ele, uma vez que todos
os portugueses fossem retirados de qualquer emprego ou instituição do Brasil, a República se
estabeleceria. Tratava-se, portanto, de um debate amplo: a perspectiva identitária brasileira
estava sendo forjada em busca do progresso e não poderia carregar ou ser composta de ele-
mentos notadamente portugueses (CARVALHO, 1998).
Mello (2008) assinala o despontar de um movimento nas capitais e nos grandes centros,
ainda na virada do século:
O surgimento de tais bibliotecas vincula-se às chamadas sociedades literárias:
associações que se alastravam pela Província e que tinham por finalidade, em
linhas gerais, difundir e fomentar a instrução e a cultura, responsabilizando-se
pela fundação de teatros e bibliotecas, em modelo que se assemelhava ao que
acontecia na Corte e em outras partes do país. (MELLO, 2008, p. 91)

A palavra passa a ser partilhada, buscada e discutida. Diversos clubes literários e bibliotecas
fomentaram ideais e os fizeram circular pelo país, tanto via correspondência entre escritores e jor-
nalistas quanto por viagens que muitos deles faziam, especialmente para São Paulo e Rio de Janeiro.
Portanto, assim que a estrutura política da República começou a dar sinais de desgaste, devido à
ação e à resistência de movimentos na rua, no âmbito político, as ideias ganharam mais espaço.
A criação da Academia Brasileira de Letras (ABL) era reflexo da efervescência literária do
fim do século XIX. Seus fundadores, em um primeiro momento, não objetivavam debater assun-
tos políticos, especialmente Machado de Assis e José Veríssimo. Esses escritores entendiam que
literatos não deveriam se envolver – ao menos diretamente – com os acontecimentos da República
(RODRIGUES, 2001). Tal perspectiva, porém, não diminuiu a relação dos escritores com as ques-
tões sociais ou o comportamento a se esperar deles, conforme a ideia de Oswald de Andrade:
“[...] Como bom preto, o grande Machado o que queria era se lavar das mazelas atribuídas à sua
ascendência escrava. Fazia questão de impor rígidos costumes à instituição branca que dominava”
(ANDRADE, 1976, p. 77).
Essa ideia foi presente e comum à ABL até a década de 1910, quando faleceu Machado de
Assis e retirou-se da Academia José Veríssimo, devido à indicação de um político a uma cadeira.
Segundo Mello (2008), isso ocorreu no momento em que políticos começaram a perceber que
concepções ligadas ao progresso de um país estão estritamente relacionadas à formação cultural
de um povo (MELLO, 2008). Desse modo, atrelar os interesses políticos aos literários, utilizando
seus movimentos, correntes e debates, permite que um povo seja compreendido, guiado e até
mesmo manipulado.
Literatos, literatura e vida intelectual na Primeira República 99

Da ABL aos diversos clubes, revistas e até mesmo aos representantes culturais da Igreja ca-
tólica, entendemos que a palavra, ou a disputa por ela, tornou-se uma prática mais comum no de-
correr do século XX. Um exemplo de como essa premissa é fundamental é considerar que Getúlio
Vargas fazia discursos constantes por meio de rádios e jornais e, principalmente, passou a controlar
com mais veemência o que era ensinado nas disciplinas ligadas à memória nacional.
Se a palavra passou a ser comum, a disputa por ela era maior ainda, o que podemos perceber
pela existência de grupos diversos, como escritores que eram ligados a uma ideia de boemia, de
forte relação com as ruas, e outros, como os da ABL. Ambos os tipos ainda são diversos daqueles
que incentivariam o movimento modernista. As centenas de clubes e academias que surgiam pelo
país lançavam correntes e ideais, cujos objetivos eram se tornar os mais comuns ou representantes
de um período. Escritores famosos ou reconhecidos, como Lima Barreto, não conseguiram sempre
seu lugar na ABL ou em outros centros, devido à concorrência e ao interesse de muitos.
Além dos documentos e discussões oficiais das ABL, há outros escritos e declamados nos
bares mais boêmios das cidades:
Os tempos mudaram, meu caro. Há vinte anos um sujeito para fingir de pensa-
dor começava por ter a barba por fazer e o fato cheio de nódoas. Hoje, um tipo
nestas condições seria posto fora até mesmo das confeitarias, que são e sempre
foram a colmeia dos ociosos. Depois, há a concorrência, a tremenda concorrên-
cia do trabalho que proíbe romantismos, o sentimentalismo, as noites passadas
em claro e essa coisa abjeta que os imbecis divinizam chamada boêmia, isto é, a
falta de dinheiro, o saque eventual das algibeiras alheias e a gargalhada de troça
aos outros com a camisa por lavar e o estômago vazio [...]. (RIO, 1994, p. 294)

Para Rio (1944), uma discussão boa entre escritores era marcada pela objetividade, assim
como por publicar e conquistar leitores de acordo com os temas que estavam em voga. A institu-
cionalização dos escritores, embora houvesse diversas academias, não era mais comum. Mas eles
estavam conquistando um novo espaço, o profissional, pois vendiam seus trabalhos.
Liberdade de escrita e novos ideais de modernidade passaram a ser propagados nesse perío-
do, com a colaboração desses autores. Esse processo ia sendo acentuado à medida que as relações
oligárquicas se desgastavam, entre 1915 e 1930. Resistências e mudanças sociais também faziam
parte desses acontecimentos, que não ocorriam apenas em grandes centros, como afirma Sevcenko
(2009, p. 256): “O pioneirismo de São Paulo talvez se devesse à forte tensão social, sobretudo a
partir da Guerra, conjugando as forças emergentes da fronteira agrícola e da economia urbana,
contra uma elite assentada, porém declinante [...]”. Ou seja, São Paulo vivenciava mudanças sociais
e políticas mais profundas porque reunia diversos aspectos sociais, perspectiva que não anulava
outros centros.
Além disso, na medida em que se declinava o poder mais hegemônico das oligarquias, os
governos buscavam no moderno o envolvimento do povo com a política e, evidentemente, com
seus interesses:
[...] Washington Luís organizou, financiou e realizou uma temporada de con-
certos sinfônicos no Teatro Municipal, a preços populares, com um programa
variado, composto exclusivamente de compositores brasileiros e modernos.
No Rio de Janeiro, no final daquele ano (1921), foi organizada, no salão da
100 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

Biblioteca Nacional, para um público composto da elite da burguesia carioca,


uma conferência sobre “Arte Moderna”. (SEVCENKO, 2009, p. 256)

É perceptível o estreitamento de instituições públicas com a propagação do que era arte,


literatura e o envolvimento delas com a política. Do mesmo modo, com as mudanças e a crise
política dos anos de 1920, esses escritores obtiveram mais espaço, a fim de debater sobre a ordem
vigente. Um desses movimentos, a Semana de Arte Moderna, ocorreu na década de 1920, como
veremos a seguir.

7.2 Semana de Arte Moderna


Vídeo
A Semana de Arte Moderna aconteceu há quase cem anos, porém a repre-
sentação e a importância desse evento cresceu nas últimas décadas, devido ao
seu caráter de resistência e crítica política às características do período. Sevcenko
(2009) cita que os ares culturais estavam alterados na cidade de São Paulo no início
do século XX, muito além de uma perspectiva dualista de poder político, ou seja,
os diversos acontecimentos e marcos do período estavam transformando a ordem conservadora
oligárquica do Brasil.
Dias (2009) afirma que a privatização do público e a politização do privado tangenciaram
as criações partidárias e os novos programas ou meios de comunicação. Uma massa complexa e
de diversas etnias compunha São Paulo, e a “ordem” cívica já não ocorria mais de acordo com a
oligárquica (DIAS, 2009). Assim, a cidade de São Paulo é apresentada do seguinte modo:
O ano de 1922 se iniciou em São Paulo com um terremoto. A terra tremeu, o
pânico se difundiu pela cidade e as ideias se desarvoraram [...]. As condições
tumultuosas em que se operava a metropolização de São Paulo, acrescidas da
aguda tensão social e política, mais a vertigem irrefreável das novas tecnologias,
eram de monta a deixar todos e cada um dos seus habitantes em palpos de ara-
nha. Se por acaso, apesar disso tudo, alguém por si próprio não se achasse tenso
o suficiente, lá estavam então os estimulantes, os esportes, as diversões mecâni-
cas, os cinemas, os automóveis [...]. (SEVCENKO, 2009, p. 224-225)

O trecho descreve um centro alvoroçado, em que o tempo parece correr depressa, ruas em
que se podia escutar conversas, cochichos e, principalmente, lugares onde muitas novidades esta-
vam passando ou acontecendo. Era esta a São Paulo dos anos de 1920: viva, colorida e em processo
de modernização, mesmo com a relutância das oligarquias. Ressaltamos também que, até o fim do
século XIX e o início do XX, o Rio de Janeiro foi reconhecido por envolver muito do processo de
industrialização, o que não ocorria nos anos anteriores a 1920.
Além disso, os imigrantes (que eram muitos) trouxeram sua força de trabalho e suas ideias
anarquistas, ou qualquer coisa política ou de representação econômica; eles trouxeram práticas
culturais, línguas e formas de expressão e formaram bairros, ou seja, alteraram a representação
identitária e de formação do Brasil (tema do Capítulo 9 deste livro).
Podemos entender que o processo de modernização estava acontecendo em São Paulo e
em outros grandes centros por meio de mudanças de comportamento. No entanto, Sevcenko
Literatos, literatura e vida intelectual na Primeira República 101

(2009) apresenta um pensamento de Sérgio Buarque de Holanda, a fim de criticar a ideia homo-
gênea de que o modernismo se colocava contra as instituições conservadoras e tradicionais do
Brasil já em seu início:
Parece claro que o próprio impulso que levou os primeiros homens a gravar
desenhos nas paredes das cavernas participa muito, não de um desejo de li-
bertação como já se tem dito (isto é, libertação no sentido de exaltação, corres-
pondendo a uma expansão de vitalidade), não de esforço de resistência contra
o aniquilamento, mas ao contrário, e acentuadamente, ao desejo invencível de
negar a vida em todas as suas manifestações. (HOLANDA apud SEVCENKO,
2009, p. 312, grifo nosso)

A noção de liberdade, de algo novo, de um ponto de vista sobre os temas do período e a in-
fluência de outras vanguardas, é o que sustenta a ideia de que a São Paulo dos anos de 1920 estava
em um processo de transformação para apresentar uma nova perspectiva ao Brasil.
Na virada do século XIX para o XX, a expressão artística não era tão significativa, com ex-
ceção de nomes como Lima Barreto, Machado de Assis e Euclides da Cunha. No que diz respeito
aos movimentos, apenas o parnasianismo e o simbolismo tinham destaque em algumas regiões
do Brasil (NASCIMENTO, 2015).
Quando algumas exposições começaram a ser realizadas, como a de Anita Malfatti, em
1917, elas faziam parte de um processo amplo, o de trazer ideais de modernidade da Europa para o
contexto brasileiro. O que essa e outras exposições traziam era princípios cubistas, futuristas e ex-
pressionistas, ou seja, preceitos artísticos bastante diversos do habitual. Nascimento (2015) reitera
que, embora muitas dessas exposições tenham passado despercebidas, provocaram reações:
No caso Anita [Malfatti], estão, pela primeira vez, defrontados publicamente no
Brasil dois valores radicalmente distintos. Um é o valor representativo do conserva-
dorismo cultural da época; as palavras de Monteiro Lobato reproduzem os parâme-
tros de uma estética acadêmica que entendia a pintura como reprodução direta da
natureza. Outro é o valor absolutamente novo, expresso nos quadros de Anita, de
uma arte que atende a seus próprios princípios, não tendo um compromisso foto-
gráfico com os objetos da realidade natural. (NASCIMENTO, 2015, p. 380)

Monteiro Lobato acusava Anita Malfatti de ter uma atitude estética forçada, sob a influência
de Picasso e outros. Nascimento (2015) tem o entendimento de que uma corrente estava buscando
seu espaço, com pensamentos ou comportamentos de um novo período, motivo pelo qual se deu
o debate do trabalho de Anita Malfatti. No ano de 1917, essa artista teve pouco apoio, e apenas
Oswald de Andrade teria feito um artigo em sua defesa. Oswald de Andrade, já amigo de Mário
de Andrade, aproxima este de Anita Malfatti e, nos cinco anos seguintes, os três passam a discutir
sobre a estética brasileira e suas relações com o contexto (NASCIMENTO, 2015, p. 381).
Schwarcz e Starling (2015) afirmam que foram várias as ideias sobre modernidade nesse pe-
ríodo, buscando-se uma nova imagem sobre o Brasil. Nesse caso, a experiência paulista da semana
de 11 a 18 de fevereiro de 1922, no Theatro Municipal, foi a catalizadora do que estava acontecendo
no país. Homens e mulheres como Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Anita Malfatti, Tarsila
do Amaral e Heitor Villa-Lobos levaram sua arte para a exposição, a fim de trazer a ela movimen-
tos europeus, porém com traços brasileiros (SCHWARCZ; STARLING, 2015).
102 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

Embora o movimento não tenha alcançado repercussão imediata, ele incentivou novas pu-
blicações nos anos seguintes. No ano de 1924, Oswald de Andrade lançou o Manifesto da poesia
pau-brasil, cujo objetivo era reforçar a ideia de formar e discutir sobre poemas brasileiros:
O trabalho da geração futurista foi ciclópico. Acertar o relógio império da litera-
tura nacional. Realizada essa etapa, o problema é outro. Ser regional e puro em
sua época. O estado de inocência substituindo o estado de graça que pode ser
uma atitude do espírito. O contrapeso da originalidade nativa para inutilizar a
adesão acadêmica. A reação contra todas as indigestões de sabedoria. O melhor
de nossa tradição lírica. O melhor de nossa demonstração moderna. Apenas
brasileiros de nossa época. O necessário de química, de mecânica, de economia
e de balística. Tudo digerido. Sem meeting cultural. Práticos. Experimentais.
Poetas. Sem reminiscências livrescas. Sem comparações de apoio. Sem pesquisa
etimológica. Sem ontologia. Bárbaros, crédulos, pitorescos e meigos. Leitores
de jornais. Pau-Brasil. A floresta e a escola. O Museu Nacional. A cozinha, o
minério e a dança. A vegetação. Pau-Brasil. (ANDRADE, 2017, grifos nossos)

Nessa parte do manifesto, Oswald de Andrade traz diversos elementos do que seria uma cor-
rente literária ideal e significativa sobre o Brasil. Há uma crítica à ausência de uma atuação maior
da ABL, quando sugere “o contrapeso da originalidade nativa para inutilizar a adesão acadêmica”.
Do mesmo modo, reafirma que os movimentos modernos devem ser conduzidos por aqueles que
representam a “atualidade” do Brasil, em “apenas brasileiros de nossa época” e em “meeting cultu-
ral”, diminuindo o lugar das influências europeias e norte-americanas.
Tal como as vanguardas europeias, o que muitos desses artistas defendiam era a valorização
da cultura e dos traços próprios ao seu país e, por isso, propositalmente o nome do manifesto con-
tinha o termo pau-brasil, certamente um dos elementos mais representativos e originais do Brasil.
Mário de Andrade é lembrado tanto por sua intensa participação em todo o movimento
quanto por sua obra Macunaíma, cujo objetivo era frisar um estilo de escrita mais livre, mas que, ao
mesmo tempo, trazia outros princípios. Durante a busca de um amuleto, Macunaíma, personagem
da obra, tem diversos comportamentos e passa por inúmeras regiões brasileiras, com indígenas,
brancos e negros sendo retratados. Assim, Macunaíma
representava [...] o resultado de um período fecundo de estudo e dúvidas
sobre a cultura brasileira, incorporando traços de uma cultura não letrada,
em que se inseriam indígenas, caipiras, sertanejos, negros, mestiços e bran-
cos, muitos deles até então esquecidos nas artes nacionais. (SCHWARCZ;
STARLING, 2015, p. 339)

Mário de Andrade, autor de Pauliceia desvairada (1921), mostra em sua obra um Brasil
ainda desconhecido, o qual começaria a fazer parte de um projeto de nação no período de governo
de Getúlio Vargas, tanto pelo interesse do presidente quanto pelas influências de representantes do
movimento modernista, que ocuparam cargos nos ministérios desse governo. O autor não chegou
a sair do Brasil, mas para o seu projeto nacional havia o mais importante:
A foz do Amazonas é uma dessas grandezas tão grandiosas que ultrapassam
as percepções fisiológicas do homem. Nós só podemos monumentalizá-las
na inteligência. O que a retina bota na consciência é apenas um mundo de
águas sujas e um matinho sempre igual no longe mal percebido das ilhas.
O Amazonas prova definitivamente que a monotonia é um dos elementos
Literatos, literatura e vida intelectual na Primeira República 103

mais grandiosos do sublime. É incontestável que Dante e o Amazonas são


igualmente monótonos. Pra gente gozar um bocado e perceber a variedade
que tem nessas monotonias do sublime carece de limitar em molduras mirins
a sensação. (ANDRADE, 1993, p. 61)

Tal percepção de Mário de Andrade vinha das viagens feitas por ele pelo interior do Brasil,
a fim de conhecer o país. A citação deixa evidente o tom “de grandiosidade” e de sua diversidade,
que, para ele, deveriam ser molduradas, ou seja, pintadas, narradas ou retratadas. Tratava-se de um
apelo ao que era belo no Brasil, ressaltando-se belezas naturais muito além de qualquer caracterís-
tica europeia, uma postura comum dos artistas do período imperial.
Do mesmo modo, nos anos subsequentes, Oswald de Andrade declamou e publicou o
Manifesto antropofágico ou antropófago. Parte do texto afirma o seguinte:
A luta entre o que se chamaria Incriado e a Criatura – ilustrada pela contradição
permanente do homem e o seu Tabu. O amor cotidiano e o modus vivendi capi-
talista. Antropofagia. Absorção do inimigo sacro. Para transformá-lo em totem.
A humana aventura. A terrena finalidade. Porém, só as puras elites consegui-
ram realizar a antropofagia carnal, que traz em si o mais alto sentido da vida
e evita todos os males identificados por Freud, males catequistas. O que se dá
não é uma sublimação do instinto sexual. É a escala termométrica do instinto
antropofágico. De carnal, ele se torna eletivo e cria a amizade. Afetivo, o amor.
Especulativo, a ciência. Desvia-se e transfere-se. Chegamos ao aviltamento. A
baixa antropofagia aglomerada nos pecados de catecismo – a inveja, a usura, a
calúnia, o assassinato. Peste dos chamados povos cultos e cristianizados, é contra
ela que estamos agindo. Antropófagos. Contra Anchieta cantando as onze mil
virgens do céu, na terra de Iracema, – o patriarca João Ramalho fundador de
São Paulo. A nossa independência ainda não foi proclamada. Frape típica de
D. João VI: – Meu filho, põe essa coroa na tua cabeça, antes que algum aven-
tureiro o faça! Expulsamos a dinastia. É preciso expulsar o espírito bragantino,
as ordenações e o rapé de Maria da Fonte. Contra a realidade social, vestida e
opressora, cadastrada por Freud – a realidade sem complexos, sem loucura, sem
prostituições e sem penitenciárias do matriarcado de Pindorama. (ANDRADE,
2017, grifos nossos)

O sentido dado por Oswald de Andrade nesse manifesto é o de retirar das culturas que
formaram a brasileira o seu melhor, ou seja, transformar o que foi trazido de bom em uma cul-
tura própria.
A antropofagia, estudada pelo escritor, seria um ritual ou gesto que retém a parte boa do seu
“inimigo”, que toma as suas forças. Nesse sentido, Oswald de Andrade também reitera o que deve-
ria ser deixado de lado, devido à dominação comum e à manipulação cultural que havia ocorrido:
“Peste dos chamados povos cultos e cristianizados, é contra ela que estamos agindo. Antropófagos.
Contra Anchieta cantando as onze mil virgens do céu, na terra de Iracema” (ANDRADE, 2017).
Esses povos eram representados pelos portugueses, os bragantinos, os quais impuseram sua cultura
cristianizada à “terra de Iracema” (a indígena idealizada em José de Alencar), era, portanto, preciso
expulsar os espíritos que não respeitavam a predominância de uma cultura indigenista e própria
ao Brasil, uma brasilidade.
104 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

A antropofagia se referia à ideia de “deglutir” a cultura, no caso, todas aquelas que com-
punham a brasileira, e dar um lugar especial aos indígenas, afrodescendentes e aos descendentes
europeus, porém não deveria mais permitir que a Europa e os Estados Unidos tivessem supremacia
cultural nas terras tropicais brasileiras.
O Abaporu2, por exemplo, foi uma das pinturas mais representativas desse momento.
O nome da obra tem o sentido de “o homem que come carne humana”, por isso, está diretamente
relacionado ao movimento antropofágico e à Revista de Antropofagia. Para além das questões es-
téticas, o sol e o cacto que estão presentes na obra podem lembrar nossas paisagens dos sertões e
do interior do Brasil, assim como podem ser elementos de denúncias sociais, devido à miséria que
existe nesses espaços. O sujeito pensativo da pintura pode nos sugerir o mesmo, pensar sobre o
Brasil, e, além disso, seus pés e mãos nos lembram os trabalhos de tantos, desenvolvidos e desco-
nhecidos pelo Brasil.
Ainda que os manifestos acabassem desencadeando interesse em publicar a Revista de
Antropofagia, a publicação teve em seu primeiro número o manifesto de Oswald de Andrade,
que era de família abastada e havia circulado bastante pela Europa e conhecido, além de artistas,
diversas teorias, como a da psicanálise. Ao voltar ao Brasil, o escritor se juntou a outros artistas,
como Mário de Andrade e Anita Malfatti, e lançou tal revista (SCHWARCZ; STARLING, 2015).
Nela, havia
Referências a Rousseau, Montaigne, Picabia, Freud, e em destaque aparecia
exposta a contradição entre duas culturas distintas e coetâneas: a primitiva
(ameríndia e africana) e a latina (europeia). Diferentemente do indigenismo
romântico do XIX, a ideia era apresentar não um processo de assimilação
pacífico, mas a tensão inerente a esse encontro, que levaria à deglutição crítica
do outro. “Tupi or not tupi, that is the question” [...] “uma língua literária e
não catequizada”. (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 339)

A crítica estabelecida ao indigenismo romântico do século XIX não tinha por objetivo
desqualificar os indígenas, mas os movimentos artísticos do período imperial. Ao mesmo tempo,
havia uma valorização do indígena, do afrodescendente e da cultura europeia (em menor parte),
cujo interesse era criar um produto novo, com uma face mais moderna. Este não se relacionava
com uma perspectiva tão harmoniosa, como foi o romantismo indigenista, o qual acabou por
legitimar boa parte da herança colonial e europeia; a expressão tupy or not tupy diz respeito a esse
limite, que não deve ser considerado; apenas um movimento antropofágico conseguiria fazer a
distinção do que “poderia ser aproveitado”.
Percebemos, assim, que a Semana de Arte Moderna de 1922 – e seus desdobramentos – não
se tratava apenas de exposições de arte, mas de um momento em que críticas e debates políticos
foram levantados também relacionados às questões de ordem social e política instituídas no Brasil.
Se a Semana de Arte Moderna de 1922 levou alguns anos para repercutir de modo mais amplo, o
Brasil se encontrava à época vivendo outros movimentos e ideias – conservadoras ou não – que

2 Para saber mais sobre a obra, acesse a página Enciclopédia Itaú Cultural: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/
obra1628/abaporu>. Acesso em: 2 mar. 2018.
Literatos, literatura e vida intelectual na Primeira República 105

ocasionariam novas mudanças (temas dos próximos capítulos). Essas transformações também fo-
ram possíveis devido aos novos comportamentos da virada do século.

7.3 Dimensões da República: vida privada, intimidade e cotidiano


Vídeo
Cidades como São Paulo sentiram de modo contundente as mudanças no
fim do século XIX. Aliás, desde meados desse século, São Paulo já estava crescendo,
tanto pela chegada de imigrantes quanto por ter se tornado um centro econômico
para o período. Esse fenômeno na década de 1890 é descrito por Saliba do seguinte
modo: “A imigração estrangeira demandada pela cafeicultura, sobretudo de italia-
nos, sofreu alterações de gestão que permitiram uma migração gigantesca de populações para a an-
tiga capital, a qual quadruplicou sua população durante a década de 1890” (SALIBA, 1998, p. 172).
Com o fluxo populacional aumentando desproporcionalmente, os problemas de saneamento
e moradia começaram a ficar igualmente evidentes, entrando, assim, na pauta da reforma urbana.
Além da própria urbanização, a realidade cotidiana da falta (e/ou instabilidade) de empregos
fez com que os recém-chegados e os pertencentes à elite se estabelecessem em regiões diferentes.
Em São Paulo, bairros como Liberdade ou Higienópolis passaram a ser de classes mais abastadas,
assim como a Avenida Paulista, que já era ocupada pelos barões do café desde 1860 e pelos imi-
grantes enriquecidos.
Havia um distanciamento entre as casas que não era sem propósito. O historiador Elias
Saliba (1998) aponta que jardins frontais ou laterais serviam exatamente para dar intimidade às
casas; do mesmo modo, a divisão delas se dava em diversos cômodos: halls de entrada, corredores,
salas para receber, quartos íntimos, salões para ler ou ouvir música eram novidades cuja conse-
quência foi a normatização do privado.
As calçadas e as ruas alargadas também proporcionavam leveza aos bairros (SALIBA, 1998).
Em outros cantos da cidade, esses novos comportamentos eram mais complexos, com casas e nú-
cleos habitacionais extremamente lotados e sem condições sanitárias. A partir de 1911, projetos de
“cidades-jardim” foram incentivados pela Companhia City, empresa liderada por engenheiros in-
gleses que atuavam de forma pioneira em projetos de urbanização em São Paulo, a fim de resolver
os problemas urbanísticos dos bairros suburbanos (SALIBA, 1998).
Com o passar do tempo, tais projetos foram abandonados em prol de investimentos em ou-
tros, para os mais abastados, que garantiam em contrato o modo como as ruas e as casas deveriam
ser construídas para assegurar a privacidade, não permitindo, inclusive, comércios variados, com
o intuito de não haver indivíduos de outras classes econômicas circulando nos bairros.
Ressaltamos que o próprio espaço público (jardins, praças e pequenos parques) passou a ser
alvo de interesses privados, porém apenas para uma parte de privilegiados (SALIBA, 1998). Esses
novos bairros também passaram a ser a direção para a qual se dirigiam às elites, tornando, então,
os mais antigos obsoletos.
Além das transformações relativas à infraestrutura, Sevcenko (2009) afirma que os com-
portamentos também se modificaram em relação à música, aos encontros em parques, bailes e
106 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

cafés. O historiador traz a seguinte perspectiva sobre os anos de 1910 a 1920 em São Paulo: “[...]
A democratização do acesso à música; a proliferação dos bailes e ambientes de dança pagos como
parte polpuda da emergente indústria do lazer e a proliferação dos ritmos frenéticos [...] o maxixe,
o tango, o fox trotter [...]” (SEVCENKO, 2009, p. 89-90).
Com a indústria fonográfica e a do cinema norte-americano (especialmente pelos proble-
mas decorrentes da Primeira Guerra Mundial), os encontros e sociabilidades movidos à música
em cafés dançantes, assim como saraus e sessões de cinema marcadas, tornaram-se práticas mais
comuns à parte da população.
Nesse tempo, o centro estava transformado, com ruas bonitas “aos olhos” dos muitos que o
frequentavam, fosse para trabalhar, fosse para ter um encontro, para ver uma exposição ou ler em
bibliotecas e clubes de escritores/leitores.

Considerações finais
Neste capítulo refletimos sobre as mudanças ocasionadas pela Proclamação da República,
isto é, sobre o que significa uma República ser o tipo de governo escolhido do período. Mesmo com
todos os problemas e a resistência ocorridas nas primeiras décadas no Brasil com relação a instalar
um governo mais democrático ou que atendesse à população, foram perceptíveis transformações
no cotidiano e na possibilidade de falar ou escrever sobre outras demandas, que permitiram aos
escritores – e a seus leitores – estabelecer reflexões culturais e políticas sobre o Brasil oligárquico.
É preciso considerar que a economia, quando deu liberdade para que novos segmentos in-
dustriais se instalassem ou se propagassem, permitiu que tradições e novos costumes fossem con-
testados. Imigrantes e migrantes passaram a buscar lugares tanto no campo quanto nas cidades,
alterando esses espaços sociais.
Tais características nos fazem compreender que processos tão complexos – como a instala-
ção de uma República – somente são entendíveis quando analisamos a ruptura diante dos peque-
nos e grandes desdobramentos.

Ampliando seus conhecimentos


O texto a seguir traz considerações sobre as mudanças políticas, culturais e sociais ocasio-
nadas pelo movimento modernista. Convidamos você a lê-lo a fim de responder, posteriormente,
questões sobre esse movimento.

Urbes industrializada: o modernismo e a pauliceia como ícone da


brasilidade
(PINTO, 2001, p. 439-450)

Ao definir a cidade de São Paulo como berço do modernismo porque era “espiritualmente
muito mais moderna”, o autor da Pauliceia Desvairada conclui que no Rio [de Janeiro], a
“grande camelote acadêmica”, “sorriso da sociedade”, “corte imperialista”, seria impossível a
Literatos, literatura e vida intelectual na Primeira República 107

eclosão desse movimento devido ao seu atraso cultural. O exotismo folclórico do samba e a
falta de um espírito aristocrático negavam à capital federal o espaço da modernidade já ocu-
pado pela metrópole bandeirante.
Para essa linha de interpretação converge a avaliação de Antônio Cândido, para quem o
modernismo, tal como o romantismo, seria um “momento paulistano”, quando a capital ban-
deirante se projetara sobre a nação buscando “dar estilo às aspirações do país todo”.
Através de seus intelectuais, principalmente os modernistas, a capital paulista pretendia alcan-
çar a liderança cultural, reivindicando para si a direção da inteligência brasileira. Filiados a
agremiações político-partidárias, articulistas de jornais claramente identificados com essas
agremiações, membros da administração pública estadual, impregnados de um forte senti-
mento de paulistanidade entendida na sua dimensão identificadora, esses intelectuais associa-
riam às tarefas políticas as lutas no campo artístico-literário.
Temos aqui, diante dessa análise, uma das contradições dos modernistas de São Paulo,
pois se de um lado rejeitavam todos os outros regionalismos taxando-os de passadistas e
antimodernos, por outro lado queriam colocar no lugar um novo regionalismo, só que este de
matriz paulista.
Vale a pena salientar uma mudança de atitude de boa parte dos autores modernistas com rela-
ção ao nacionalismo, fato que, segundo Eduardo Morais, vai estar diretamente relacionado com
os acontecimentos da Revolução Paulista de 1924, originados na onda crescente do tenentismo.
Essa insurreição militar teve início do dia 5 de julho de 1924, quando os revoltosos toma-
ram os quartéis do Exército, força pública, estações de trem, bem como grande parte da área
urbana da cidade. O presidente do estado, Carlos de Campos, retirou-se da cidade ordenando
um bombardeamento indiscriminado, pois era incapaz de detectar a posição dos revoltosos.
Dessa forma, a capital foi sistematicamente alvejada, sendo especialmente visados os bairros
operários e populosos, embora não escapassem também escolas, hospitais e igrejas [...].
Assim, se no primeiro momento modernista a preocupação era combater o passado em nome
da atualização/modernização, a partir de 1924 ocorreu uma mudança de perspectiva, ou seja,
colocou-se a óptica do nacionalismo como processo de renovação: “só seremos modernos se
formos nacionais”. Neste sentido, o “Manifesto Pau-Brasil”, de Oswald de Andrade, lançado
em 1924, pode ser considerado uma obra inaugural. Aqui “não é o passado genérico que é
negado, mas parte concreta deste passado, o lado bacharelesco, aquele que escondia, em fun-
ção do processo de transplantação cultural, o verdadeiro passado brasileiro que deveria ganhar
visibilidade. [...]

Atividades
1. A Proclamação da República permitiu que novas ideias fossem debatidas sobre diversos
temas, inclusive a política. Escreva a respeito de como essa “possibilidade” ocasionou novos
“olhares” sobre o Brasil, mesmo em um mundo oligárquico.

2. Indique um exemplo em que espaços públicos foram construídos de acordo com interesses
privados no início do século XX, motivo pelo qual podemos afirmar que houve uma priva-
tização do público em São Paulo.
108 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

3. O texto encontrado na seção “Ampliando seus conhecimentos” estabelece uma relação entre
o modernismo e o tenentismo. Com base nele, responda qual foi a mudança ocorrida no
movimento modernista após esse último acontecimento.

4. A ideia de antropofagia pode ser considerada rude se analisada grosseiramente. Aponte em


que medida a palavra estava relacionada aos interesses dos modernistas da década de 1920.
8
Discursos eugênicos no Brasil

Não há solução para os males sociais fora das leis da biologia. Não há polí-
tica racional, independente dos princípios biológicos, capaz de trazer paz e
felicidade aos povos. Política econômica, conservadora, democrática, socia-
lista, fascista, comunista, todas essas políticas e formas de governo falham
se não se inspirarem nos ditames da ciência da vida. Eis, por que, a polí-
tica por excelência, é a política biológica, a política com base na eugenia.
(KEHL, 1933, p. 24)

O texto citado é de Renato Kehl, um dos farmacêuticos mais importantes à época e um


dos defensores da eugenia no Brasil. Para ele, apenas uma compreensão profunda de questões
genéticas, biológicas e naturais poderia sanar os problemas sociais de um país, oferecendo
progresso a ele. Temas abordados por Kehl em perspectivas fascistas, comunistas ou mesmo
democráticas demonstram o momento vivido no Brasil, entre os anos de 1910 e 1930. Políticas
nacionais variadas estavam sendo forjadas, e a eugenia estava relacionada a algumas delas.
Dessa forma, este capítulo tem por objetivo compreender mais a respeito da relação
entre a teoria eugênica e suas consequências para o contexto brasileiro. Para isso, precisamos
considerar que foram buscadas justificativas para as profundas diferenças étnicas e raciais.
Trazemos, então, nesta parte da obra, o debate de sociólogos e cientistas do período sobre o
Brasil, pois, de acordo com Shapin, é preciso “[...] expor a elaboração e a posse do conhecimen-
to como processos sociais” (SHAPIN, 1999, p. 30).
Desse modo, em um primeiro momento, analisaremos a forma como essas discussões
e argumentações chegaram ao país. Para isso, é importante entendermos o contexto do país
naquele período, visto que as condições sociais, políticas, culturais e econômicas, de algum
modo, colaboraram para que a eugenia fosse discutida. Para finalizar, apresentaremos algumas
relações da eugenia com a América Latina e com as políticas de imigração para o Brasil.

8.1 Eugenia no Brasil


Vídeo Renato, tu és o pai da eugenia no Brasil e a ti devia eu dedicar meu Choque,
grito de guerra pró-eugenia. Vejo que errei não te pondo lá no frontispício,
mas perdoai a este estropeado amigo. […] Precisamos lançar, vulgarizar
estas ideias. A humanidade precisa de uma coisa só: poda. É como a vinha.
(LOBATO apud DIWAN, 2007, grifo do original)

O mesmo Renato Kehl que aponta a compreensão biológica como solução


para os problemas sociais de qualquer país, especialmente o Brasil, é o elogiado por Monteiro Lobato.
O trecho de Lobato, certamente defensor dos princípios eugenistas, demonstra o entusiasmo
de alguns intelectuais do período. Segundo ele, era preciso podar, cortar os galhos velhos, mais
pesados e feios, para que novos trouxessem um futuro mais promissor.
110 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

O início do século XX foi um tempo de transformações sociais e de profundas mudanças


políticas no Brasil. A abolição da escravatura trouxe graves problemas sociais ao país, devido à
ausência de preocupação com a inserção social dos negros, dando-lhes condições de vida mais
igualitárias. Alguns teóricos, a fim de justificar tais problemas, estabeleceram relações com as
teorias eugenistas, apontadas também como portadoras de um “racismo científico”, pois eles
afirmavam que a desigualdade se dava pelas condições intelectuais, físicas, psicológicas e bioló-
gicas inferiores dos negros e mestiços (BASTOS, 1987).
Nesse sentido, o Brasil desenvolveu sua própria versão do darwinismo social, uma sele-
ção natural do povo que mais se adaptou às condições encontradas nos trópicos. Schwarcz (2009)
aponta que, para muitos desses homens, a superioridade de brancos, assim como sua predomi-
nância na realidade brasileira, deveria ser o objetivo do início do século XX, se o progresso e o
reconhecimento do mundo ocidental fossem o intuito do país.
O historiador Vanderlei Sebastião de Souza afirma que a eugenia se desenvolveu em meados
do século XIX, quando Francis Galton, primo de Charles Darwin, passou a defender que
a inteligência e as habilidades humanas não eram funções da educação e do
meio, mas sim da hereditariedade [...] dando origem às discussões sobre o
controle da reprodução humana e o papel da seleção social na preservação das
“boas gerações”. [...] Galton introduziu um conjunto de ideias que, em 1883,
ele denominou de eugenia, “a ciência da hereditariedade humana”. Suas con-
cepções eugênicas sobre o melhoramento racial se associaram intimamente às
discussões sobre evolução, seleção natural e social, progresso e degeneração,
conceitos fundamentais que constituíram as ideias científicas e sociais no final
do século XIX. (SOUZA, 2006b, p. 9)
É importante considerarmos que esse período se refere ao crescimento das nações e, conse-
quentemente, dos nacionalismos na Europa. Os países já disputavam entre si territórios e, muito
além de uma perspectiva linguística ou de práticas religiosas, quanto mais forte fosse o sentimento
nacional, mais a subordinação de outros povos seria tolerada. Não obstante, lembramos ainda a
formação das diversas disciplinas, como Sociologia, História e Antropologia, as quais encontravam
também entre seus discursos espaços para teorias evolucionistas e ligadas à ideia de progresso.
Observe, na Figura 1, como tal perspectiva se torna evidente.
Figura 1 – Logotipo da Segunda Conferência Internacional de Eugenia, que ocorreu em 1921.
Harry H. Laughlin/Wikimedia Commons
Discursos eugênicos no Brasil 111

O slogan traduzido pode ser entendido da seguinte forma: “Eugenia é a direção correta para
a evolução humana”. Para a defesa desse argumento, é possível notar na imagem da árvore (cuja re-
presentação contém fortes raízes e muitos galhos bem apresentados, remetendo às suas bases), no
lado esquerdo, as disciplinas já citadas e outras como Etnologia, Geografia, Psicologia, Anatomia
e Direito, e, no lado direito, as palavras política, economia, estatística, religião, evolução e medicina,
termos que reúnem áreas de conhecimento em voga e em desenvolvimento durante o século XIX e
o início do XX. A imagem sugere que esses campos de estudo, quando dominados e incentivados,
poderiam trazer progresso àqueles que os detivessem.
Portanto, a ideia de eugenia pode ser entendida como um movimento científico relacionado
à discussão sobre raça, gênero, saúde e nacionalismo no início do século XX no Brasil, cujo fim
seria uma regeneração racial. De acordo com Silva e Silva (2009),
foi a Antropologia Física a primeira ciência a estudar a variedade de raças e de
seres humanos, levando ao surgimento de uma disciplina especializada na de-
terminação das diferenças biológicas entre as raças, a Frenologia. Criada ainda
no final do século XVIII, a Frenologia teve grande desenvolvimento no século
seguinte, influenciando muitos pensadores sociais, entre os quais o criador do
positivismo, Auguste Comte. Tal disciplina – hoje totalmente desacreditada –
pretendia estabelecer as características psicológicas de cada raça com base nas
medidas e no tamanho do cérebro. Ela influenciou as teorias eugênicas sobre ra-
ças superiores nos séculos XIX e XX, assim como a Medicina e a Criminologia,
que tiveram na obra do italiano Lombroso sua maior influência. (SILVA; SILVA,
2009, p. 346-347)

No século XIX, a ideia de raça passou a fazer parte dos interesses das ciências sociais e hu-
manas, especialmente após a publicação dos estudos de Charles Darwin, em 1859, sobre a teoria
evolucionista. Esta, além de frisar as diferenças entre as raças (racialismo), justificava algumas
como superiores (SILVA; SILVA, 2009). Por isso, para os eugenistas, cada raça tinha um grau de
importância na escala natural da evolução, sendo a mais superior a raça branca.
A eugenia, como corrente, ganhou espaço no Brasil devido ao contexto da época, em que o
número de ex-escravos e de imigrantes chegando às capitais era imenso. Como visto nos capítu-
los anteriores, não houve uma preparação sanitária ou de urbanização nas cidades que buscasse
atender a maioria da população, embora desde o fim do século XIX já existisse uma preocupação
maior. Contudo, em geral, os centros das cidades e os bairros destinados às classes mais superio-
res estiveram no centro dos projetos de saneamento. Ao mesmo tempo, é preciso lembrar que a
pobreza imperava por meio de cortiços, empregos informais e ausência de direitos, ocasionando
problemas urbanos e rurais de todos os tipos.
A Revolta da Vacina, ocorrida em 1905, também pode ser analisada pelo viés do discur-
so eugênico que chegava ao Brasil nos anos de 1910. Na Figura 2, observe um cartum retratan-
do Oswaldo Cruz1, cientista do período e responsável por análises clínicas que buscavam sanar

1 Ressaltamos a importância desse cientista, cujo instituto de pesquisa criado no ano de 1900 foi transformado na
Casa Oswaldo Cruz, em 1986. Ele foi um dos responsáveis por boa parte das principais pesquisas de História da Saúde
e de outras ciências ligadas a esta. Para mais informações, fontes e pesquisas relacionadas, acesse o site: <www.coc.
fiocruz.br>. Acesso em: 20 fev. 2018.
112 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

problemas de saúde decorrentes de todo tipo de mazelas sociais. A busca por focos de todo tipo
de larvas, o estudo da peste bubônica e da febre amarela, a criação de soros e o estímulo à análise
e criação de institutos de pesquisa no Brasil estão entre as realizações de Oswaldo Cruz. O cartum
representa a atuação do cientista, durante a reforma urbana e a Revolta da Vacina, em 1905.
Figura 2 – Cartum de O Malho, com Oswaldo Cruz passando o pente-fino da “Delegacia da Higiene” no
morro da favela.

Wikimedia Commons
Para além dos problemas ocasionados pela Revolta da Vacina, bem como pelo desconhe-
cimento da população sobre os interesses de Oswaldo Cruz e de sua equipe, esse acontecimento
demonstra como o Brasil estava começando a se preocupar com preceitos higiênicos e de saúde.
A reforma urbana e de saneamento nas principais capitais e as influências de princípios diversos,
como o positivista (que apontava que o uso da ciência deve ser aprimorado para haver progresso),
podem ser apontados pela historiografia.
June Hahner, por exemplo, afirma que educadoras sanitaristas foram contratadas pelo
estado do Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século XX para difundir nas escolas conhe-
cimentos e regras de higiene, a fim de combater doenças e a mortalidade infantil. Dessa forma,
a família brasileira poderia ter filhos saudáveis e, de acordo com os princípios do período, re-
generaria a raça e a nação (HAHNER, 2003). Um dado que representa a preocupação com a
moral, a ideia de nação e de higiene a partir dos anos de 1920 e 1930 é o de que 1% de todo o
recolhimento de impostos deveria ir para o atendimento das crianças e de suas mães – porém
apenas para aquelas que tivessem o casamento reconhecido pelo Estado, segundo a Constituição
de 1934 (HAHNER, 2003).
Essas estratégias e ações apenas ganharam espaço devido ao entendimento de muitos
cientistas, os quais afirmavam de que o Brasil se tratava de um país não civilizado e com raças
inferiores, com indígenas, negros, caboclos e mestiços. Nesse sentido, algumas instituições e
cientistas brasileiros tentaram, sob a influência de correntes europeias, fazer propostas sobre um
“melhor” progresso ao Brasil (CARRARA, 2004), bem como sobre a absorção das raças aponta-
das como inferiores.
Discursos eugênicos no Brasil 113

Schwarcz traz a seguinte expressão de João Batista Lacerda, diretor do Museu Nacional do
Rio de Janeiro, durante o primeiro Congresso Internacional das Raças, na cidade de Londres, em
1911: “O Brasil mestiço de hoje tem no branqueamento em um século sua perspectiva, saída e so-
lução” (LACERDA apud SCHWARCZ, 2009, p. 11). Tal premissa evidencia o que estava em jogo: o
Brasil só teria progresso no século XX se fosse reconhecido como um país miscigenado, entretanto
com predominância da cor branca. Schwarcz aponta ainda que a tese de Lacerda trazia a seguinte
pintura como representação de sua ideia:
Figura 3 – A Redenção de Cam

Wikimedia Commons

Fonte: BROCOS, Modesto. A Redenção de Cam. 1895. Óleo sobre tela: 199 cm × 166 cm. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.

Essa obra representa a família ideal para a proposta eugenista: aparentemente simples, po-
rém com um futuro promissor, visto que a criança é branca. Note que a avó, ou matriarca, é negra,
provavelmente uma ex-escrava, enquanto sua filha já é miscigenada, em razão de ser parda. Do
casamento desta com um branco, nasceu uma criança branca.
Os olhares dos pais e as mãos da matriarca direcionados ao céu demonstram uma satisfação
por tal característica, ou uma redenção, e alegria por parte das negras em deixarem como herdeiros
crianças brancas. Em outra análise da obra, Lotierzo e Schwarcz trazem mais uma afirmação de
Lacerda, assim como sua conclusão sobre a necessidade da branquitude no país:
“os brancos, cuja consciência desperta com a ideia do dever, convidam os negros
e os amarelos, seus irmãos, a estreitar mais os liames de amizade” [...] Segundo o
cientista brasileiro, por efeito da evolução e da entrada de imigrantes europeus,
levaria três gerações ou um século para que o país se tornasse evidentemente
branco. (LOTIERZO; SCHWARCZ, 2013, p. 3)
O trecho entre aspas se refere ao discurso de Lacerda e deixa evidente o pensamento dele de
que, embora as três raças “convivessem” no Brasil, a supremacia e a liderança vinham da branca, o
114 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

que ele intitula de “consciência sobre um dever”. Mais direta é a ideia de Lotierzo e Schwarcz, que
trazem a perspectiva futura de Lacerda: em três gerações, o país seria “branco”.
Ainda sobre a análise da pintura, Lotierzo e Schwarcz fazem observações sobre a “esperança”
estar na criança branca, com um pai branco, e que o fato de as mulheres serem as negras ou pardas
denota um problema de gênero, pois o lado mais “fraco” estava nas mulheres. Não obstante, é pre-
ciso considerar que Cam, filho de Noé, segundo relata a Bíblia, foi escravizado e, depois, isolado
pela própria família, sendo sua descendência apontada por muitos teóricos como a responsável
pela povoação da Europa, a partir da África. Em virtude disso, os negros eram então vistos por
esses teóricos como descendentes de alguém com moral degradante.
O sociólogo Richard Miskolci entende que havia um desejo no Brasil por direcionar o país
em um projeto de hegemonia política, o qual entendia a sociedade como uma realidade biológica
e que só teria sucesso econômico e político para si – e para o mundo – quando embranquecida.
O sociólogo aponta ainda que relações sexuais e uniões que poderiam ou não acontecer deveriam
ser controladas, de acordo com a boa moral e os valores do período (MISKOLCI, 2012).
Entretanto, as medidas eugênicas no Brasil foram menos agressivas que em outros países,
como nos Estados Unidos, onde elas tiveram como marco o ano de 1907, em que milhares de pes-
soas foram esterilizadas de forma obrigatória, sendo a maioria delas negra e com doença mental.
No caso brasileiro, predominou uma política de projetos sociais, em que a educação sexual, exames
pré-nupciais e os conflitos familiares eram mediados buscando sanar os problemas, e não “elimi-
nar” a sua origem (STEPAN, 2004).
Assim, ainda que a Sociedade Eugênica de São Paulo tenha sido criada em 1918, já no ano de
1914 uma primeira tese abordou o tema. O título era justamente Eugenia, apresentada na Faculdade
de Medicina do Rio de Janeiro, cujo orientador foi Miguel Couto. Pouco antes, um artigo de Renato
Kehl – um dos principais responsáveis no Brasil e na América Latina pela propagação dos ideais
eugênicos – foi publicado. Kehl afirmava ser necessário estudar os preceitos sobre hereditariedade
com base na ciência de Francis Galton, a fim de que o país evoluísse (SOUZA, 2012).
Souza aponta que a eugenia menos agressiva obteve mais espaço no Brasil, em relação à
forma como ocorreu nos Estados Unidos, pela ideia de sanar, curar e incentivar a higiene dos mais
variados grupos por meio de políticas sociais, a fim de que tivessem filhos sadios, em vez de proibir
ou tornar essas pessoas “inférteis” (SOUZA, 2006).
Ao mesmo tempo que havia intelectuais que apoiavam os preceitos eugenistas no país, al-
guns os repudiavam, perspectiva que colaborou para o enfraquecimento do movimento. Um deles,
o sociólogo Sérgio Buarque de Holanda, rebateu diretamente Oliveira Vianna, autor que defendia
a ideia de eugenia com a expressão capital eugênico. Esta se refere ao princípio de que o desenvol-
vimento de uma raça é condicionado por sua biologia, o que, segundo Oliveira Vianna, atingia
diretamente os brancos, cujo “capital” era maior. Nesse caso, o Brasil só seria um país moderno se
estimulasse a imigração de mais representantes arianos (PAIVA, 1978).
Sérgio Buarque de Holanda afirma que a influência dos negros e indígenas se deu de dife-
rentes formas, inclusive domésticas, as quais não foram passivas. Além disso, a miscigenação não
poderia ser vista como um problema para os portugueses (e seus descendentes), visto que eles
Discursos eugênicos no Brasil 115

também eram resultado de relações com árabes e judeus, não somente no aspecto racial, mas cul-
tural e étnico (HOLANDA, 1995).
O problema maior do debate entre aqueles que tinham como influência a eugenia e os que
não a defendiam é o mito de democracia racial. Se a teoria evolutiva racial não ganhou toda a elite
ou intelectuais do período, ela ganhou uma substituta, a de que as três raças haviam se miscigenado
(como representado no livro Casa-grande e senzala, de Gilberto Freyre), assimilando-se mutua-
mente e vivendo em uma “quase” harmonia social (OLIVEIRA, 2015).

8.2 Discursos latinos sobre a eugenia


Vídeo
Stepan aponta que o discurso eugênico na América Latina estava mais
relacionado a questões sociais que a biológicas. A ênfase se encontrava nas ca-
racterísticas sociais herdadas, tangenciadas por questões políticas, históricas e
culturais (STEPAN, 2004).
Para a autora, diferentemente da eugenia dos Estados Unidos, houve no
Brasil um movimento para adaptação das ideias eugênicas, isto é, elas deveriam ser aplicadas de
forma mais suave. Para a pesquisadora, a eugenia latino-americana foi fortemente influenciada
pela biologia francesa neolamarckiana, cuja essência estava em considerar as características adqui-
ridas pelos indivíduos ao longo de sua existência.
Souza, em relação ao que seria a questão social, entende que essa expressão é referente ao
século XX e que o interesse e uso do termo eram de intelectuais. Seu significado era utilizado
para definir os problemas nacionais que mais preocupavam as elites brasileiras:
como a pobreza, a subnutrição, a mortalidade infantil, o analfabetismo, as pés-
simas condições de saúde e do estado sanitário em que se encontrava a grande
maioria da população, além da própria composição racial, predominantemente
miscigenada. Segundo Nancy Stepan, essa expressão foi empregada, por exem-
plo, por Rui Barbosa, em 1919, em uma de suas palestras, intitulada A questão
social e política no Brasil. No entanto, como ressalta esta autora, a expressão
aparecia com muita frequência não somente no Brasil como em todos os países
da América Latina. (SOUZA, 2006b, p. 22)

Portanto, entendemos que as determinações e as decisões econômicas eram consideradas


em relação às questões nacionais. Além disso, as relações políticas coloniais e/ou imperiais pouco
haviam sido alteradas após a Proclamação da República, ou não o suficiente para se pensar em
ideais de igualdade social. No caso da América Latina, não era muito diverso. Além disso, se a re-
gião já era independente, ela precisava ser controlada, visto que seu mercado consumidor, mão de
obra e matérias-primas continuavam sob os interesses das nações imperialistas do início do século.
Para Stepan, os eugenistas objetivavam direcionar aos países da América Latina uma ideia
de “raça nacional”, baseada em miscigenações com a raça branca como majoritária. De todo modo,
as nações latino-americanas não poderiam ser reconhecidas de maneira tão pejorativa, ou como
Stepan afirma,
os argentinos eram vistos, na melhor das hipóteses, como europeus pobres. O
México, com seus índios e mestiços, jamais foi considerado próximo à norma
116 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

branca dos racistas. No Brasil, o clima tropical era visto como fator adicional de
deterioração de sua população mestiça [...]. (STEPAN, 2004, p. 149-150)
O que ocorreu foi uma apropriação de cada país às ideias influenciadas pelas teorias da euge-
nia, porém de acordo com os princípios nacionalistas de seu tempo. Muitos desses países estavam
buscando construir uma república democrática ou, pelo menos, havia uma disputa nesse sentido.
Nesse contexto, Souza (2006b, p. 82) afirma:
A eugenia pode ser definida, inclusive – especialmente no Brasil e na América
Latina –, exatamente como uma ciência polimorfa. Ou seja, como uma forma
de conhecimento cuja constituição se processou a partir da relação direta com
outros ramos do pensamento científico e social, sem perder, no entanto, a
sua natureza e seus objetivos. Como os próprios eugenistas a classificavam, a
eugenia se caracterizava como uma “ciência biossocial”, orientada tanto pelo
conhecimento biológico e pelas diferentes disciplinas médicas, quanto pelo
conhecimento social e político, como a sociologia, a pedagogia, a demografia
e a antropologia.

A “eugenização” da América ocorreira a partir do momento em que cada um de seus paí-


ses buscasse soluções para seus problemas, sendo que o fortalecimento por meio de uma rede
internacional tornaria a América Latina uma região mais próspera (SOUZA, 2006b). Apesar da
observação sobre a formação ou o fortalecimento dessa América Latina, precisamos recordar que
muitos preceitos debatidos na região tinham uma origem bastante eurocêntrica, ou seja, alguns de
nossos intelectuais mais importantes acabaram colaborando com a formação de países latinos que
pensavam sobre si aquilo que seus antigos colonizadores desejavam.

8.3 Imigração e teorias raciais (1920)


Vídeo
Até aqui, compreendemos que a eugenia foi uma teoria cujo objetivo era in-
fluenciar o modo como as sociedades estavam compostas e organizadas. Pelas rela-
ções entre a ciência e o mundo social, com base no conhecimento sobre a heredita-
riedade, as raças dos mais variados lugares poderiam ser “melhoradas”. O contexto
brasileiro era composto de negros libertos e de imigrantes de várias nacionalidades
que cheganvam ao país, ao mesmo tempo que o Brasil organizava a sua própria política – que tam-
bém caminhava para uma perspectiva nacionalista.
Schwarcz (2009) frisa a ideia de “degeneração da raça”, do teórico Conde de Gobineau, po-
rém com uma apropriação diferente. Para Schwarcz, a teoria darwinista, em seu caráter evolucio-
nal, influenciou muito a eugenia, que, no caso brasileiro, enfrentou limites em razão do caráter
mestiço comum à história do país. Assim, não havia como condenar uma das principais premissas
da eugenia, a mestiçagem. Ao mesmo tempo, o Brasil estava fadado a não ter progresso, visto que
não era mais possível ser composto de uma raça “pura”.
Nesse caso, o que ocorreu foi a substituição da eugenia pela ideia de “degeneração”, cuja
intenção era explicar o porquê do atraso e da falta de progresso no país, de acordo com Gobineau
e outros intelectuais relacionados. Com base nessas observações, bem como em outras correntes,
como a de Hipólito Taine, Schwarcz aponta que o conceito de raça passou a ser sinônimo também
de nação (SCHWARCZ, 2009).
Discursos eugênicos no Brasil 117

No caso brasileiro, Souza aponta que, entre os anos de 1910 e 1920, intelectuais passaram a
empregar os termos raça amarela, raça branca, entre outros, para falar sobre a população do país.
Renato Kehl, responsável por vários ideais eugenistas, apoiava a miscigenação racial, por acreditar
que o Brasil estava vivendo um processo de branqueamento e, portanto, de melhorias genéticas.
Entretanto, Souza afirma que, após décadas, Kehl passou a duvidar de que isso estivesse de fato
ocorrendo, ou seja, o farmacêutico passou a acreditar que tantas raças e imigrantes chegando esta-
va apenas ocasionando o que chamava de degeneração (SOUZA, 2006b).
Um dos argumentos para essa ideia era a crítica ao casamento inter-racial, entre brancos e negros:
Entendemos que a mestiçagem é dissolvente, desmoralizadora e degradante,
prejudicando, portanto, o espírito superior visado pela procriação eugênica. É
indiscutível o antagonismo e mesmo a repulsa sexual existente entre os indi-
víduos de raças diversas. Só motivos acidentais ou aberrações mórbidas fazem
unir-se um homem branco com uma negra ou vice-versa. E o produto deste
conúbio nasce estigmatizado não só pela sociedade, como, sobretudo, pela na-
tureza; está hoje provado, não obstante o grito de alguns cientistas suspeitos,
que o mestiço é um produto não consolidado, fraco, um elemento perturbador
da evolução nacional. (KEHL apud SOUZA, 2006b, p. 181, grifos nossos)

O farmacêutico, líder e representante de diversos grupos eugênicos no Brasil e na América


Latina, é bastante enfático em sua defesa à não união de raças diferentes, quando afirma que esta
ocorreria apenas por motivos acidentais ou aberrações mórbidas. Para além do problema bioló-
gico, ele também considera que um casal composto dessa maneira já inicia sua vida de maneira
estigmatizada e que não traria evolução para o país.
Ao mesmo tempo, observamos que Kehl menciona que, caso outros cientistas aceitem tal
comportamento, fazem-no sem respaldos ou argumentos científicos. Isso ocorre, segundo Souza,
pelo debate do período, em que projetos nacionais estavam sendo forjados, e com opiniões dife-
rentes. Nesse caso, entendemos que, apesar da violência empregada às diferentes raças, culturas e
etnias presentes no Brasil, o país estava presenciando um período de construção de ideias e movi-
mentos, nem sempre excludentes.
No livro Lições de eugenia, Renato Kehl também defendia o controle de natalidade aos
grupos considerados inferiores, nomeados por ele como parasitas: os negros, mestiços e indíge-
nas. Esses seriam os grupos responsáveis por vários problemas ocasionados às elites (brancas)
que traziam riqueza ao país desde o século XIX (SOUZA, 2006).
A política de inferiorizar ou justificar as diferenças raciais ocorreu concomitantemente a no-
vas tentativas de sua dizimação. Schwarcz e Starling relembram que foi em 1880, no oeste paulista,
que se deu a demarcação das terras de guaranis, xavantes e caingangues. As duas primeiras tribos
foram “englobadas” e aculturadas e a última, resistente, foi destruída. Em 1905, com a chegada da
estrada de ferro, outras tribos foram extintas por Cândido Mariano Rondon, a fim de interligar e
modernizar o Brasil, com telégrafos e estradas de ferro (SCHWARCZ; STARLING, 2015).
Nesse caso, de acordo com Souza (2006b), a escolha de quais grupos de imigrantes deveriam
ter permissão para viver no Brasil precisava ser criteriosa, a fim de evitar que “alienígenas” entrassem.
Questões de saúde, sanitárias, aptidão para o trabalho e etnia eram condições passíveis de análise.
118 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

Schwarcz e Starling salientam um tema específico da década de 1920. Elas afirmam que o
antropólogo Edgard Roquette-Pinto, presidente do primeiro Congresso Internacional de Eugenia
(1929), previa que no ano de 2012 o Brasil seria 80% composto de brancos e 20% de mestiços, ou
seja, não haveria negros e indígenas (SCHWARCZ; STARLING, 2015). Considerando o período
e até mesmo o desconhecimento do mapa brasileiro, entendemos que as ideias de Roquette-Pinto
correspondiam ao seu tempo e ao seu grupo, que defendia uma mestiçagem eugênica (SOUZA,
2006). Porém, o que mais interessa apontar sobre tal afirmação é que o debate no Brasil após a
abolição da escravatura deixou de discutir igualdade e cidadania, para concentrar sua atenção nos
respaldos biológicos da diferença racial e social.
Assim, justificava-se a hierarquia social brasileira e se escondiam os pilares em que tais di-
ferenças foram instituídas. O ex-escravo deveria conviver com o preconceito por ter sido escravo,
assim como com a vergonha por pertencer a uma raça “inferior”.
Nesse contexto, a imigração, portanto, era pauta de análise de intelectuais e teóricos, que
emitiam suas opiniões nos jornais de boa circulação e nos boletins das instituições. Stepan (2005)
aponta que as ideias eugênicas desse período estavam mais relacionadas a questões sanitárias que
a qualquer tentativa de “mudança genética”. Ao mesmo tempo, a partir de 1920, a discussão sobre
eugenia envolveu questões como raça, imigração e formação nacional, ou seja, políticas imigrató-
rias também projetavam o seu “imigrante ideal” (STEPAN, 2005).

Considerações finais
A eugenia foi uma prática científica e de intenso debate entre os anos de 1910 e 1940 no
Brasil. Seu eixo eurocêntrico era comum, além da tendência a ideias e correntes que acompanha-
vam os preceitos europeus desde os séculos do Período Moderno. As principais consequências das
ideias eugenistas ao Brasil é que as diferenças étnicas e raciais, presentes desde quando o país era
colônia, apenas se acentuaram. Isso se devia ao fato de elas não terem sido vistas como culturais e
resultado de um modus operandi colonial. Nesse mesmo contexto, importantes instituições de estu-
do e pesquisa surgiram ou cresceram como o Museu Paulista (São Paulo), o Museu Emilio Goeldi
(Belém) e as Faculdades de Medicina (em Salvador e no Rio de Janeiro). Todas essas instituições
tiveram seus próprios pesquisadores, cujas ideias colaboraram para a formação do pensamento
brasileiro da época.

Ampliando seus conhecimentos


O texto a seguir é parte das ideias de Gustavo Kern, o qual discorre sobre a relação entre
raça, eugenia e educação no início do século XX no Brasil. Convidamos você a ler e a refletir sobre
essas ideias.
Discursos eugênicos no Brasil 119

Racialismo, eugenia e educação nas ­primeiras décadas do século XX


(KERN, 2013, p. 2-3)

Quando, em Os Sertões, publicado originalmente em 1902, Euclides da Cunha exultava


“Estamos condenados à civilização. Ou progredimos, ou desaparecemos” (2001, p. 157), já
era consenso nos círculos intelectuais brasileiros a necessidade de clamar por desenvolvi-
mento científico. A ciência, naquele contexto, era vista como condição para o progresso e a
modernização do país um processo civilizador vislumbrado, ainda que idealmente, em moldes
eurocêntricos [...] Para Gobineau, o maior empecilho para o progresso seria a miscigenação
racial, na medida em que o avanço da mistura de sangues se constituía em perigo para as raças
puras. A mestiçagem teria por produto a degeneração racial, vista como o grande castigo da
civilização. A terminologia darwinista, associada às teses racialistas de Gobineau, ultrapassou
com certa rapidez os limites de sua disciplina de origem, favorecendo “o fortalecimento de
uma interpretação biológica dos comportamentos humanos, que passam a ser crescentemente
encarados como resultado de leis biológicas e naturais” (SCHWARCZ, 1993, p. 48). [...]
Para Schwarcz, os darwinistas sociais partiam de três pressupostos básicos: a afirmação da
realidade das raças, com a condenação da miscigenação; a afirmação da continuidade entre
caracteres físicos e morais, definindo a diversidade cultural observada entre os grupos huma-
nos; a afirmação da preponderância do grupo social sobre o indivíduo (1993, p. 59-60). [...]
Não se tratou, contudo, de uma aplicação automática e absoluta das teorias raciais europeias,
mas de uma utilização interessada. Intelectuais como Sílvio Romero, Nina Rodrigues e Oliveira
Viana, considerados precursores das Ciências Sociais no Brasil, produziram teorizações ori-
ginais a partir da utilização seletiva do racismo científico europeu. Para esses homens de seu
tempo, que viveram um processo de ruptura política sem precedentes até então na história do
Brasil, marcado pela abolição da escravatura em 1888 e a inauguração da República em 1889,
a solução do problema racial surgia como chave para o futuro do país.
Como apontou Schwarcz, aos intelectuais brasileiros interessou “adaptar o que ‘combinava’ [...]
e descartar o que de certa maneira soava estranho” (1993, p. 41). Seduzidos pelo racialismo, os
estudiosos locais procuraram compreender a formação do Brasil através da composição racial
de sua população, produto da miscigenação entre as três matrizes étnico-raciais: lusitana, afri-
cana e indígena. A mestiçagem racial ora era encarada como o maior empecilho, como em
Rodrigues, ora como a solução redentora, como em Romero [...].

Dicas de estudo
Para um debate mais aprofundado sobre a relação entre o mito da democracia racial, a histo-
riografia brasileira e as teorias sociais e raciais do século XX, sugerimos as leituras a seguir:
• FREYRE, G. Casa-grande e senzala. Campinas: Global, 2012.
Essa obra tem por objetivo debater as origens da composição e miscigenação brasileira,
cujo foco de análise é a casa senhorial no Brasil Colônia. A “casa-grande” é vista como um
símbolo de uma monocultura econômica açucareira que, por sua vez, não dinamizou as
relações sociais.
120 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

• HOLANDA, S. B. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.


Essa obra analisa as consequências na formação social do brasileiro. Características
históricas, políticas, econômicas, bem como culturais são enfatizadas por Sérgio
Buarque de Holanda. Ao fazer tal análise, o antropólogo demonstra como parte de
nossa realidade colonial foi influenciada e definida por padrões europeus.

Atividades
1. Diferencie a eugenia mais agressiva (EUA) da mais suave (Brasil) e explique como se deu sua
apropriação no Brasil.

2. No que se refere à eugenia no Brasil, explique em que medida ela se relaciona com a reforma
urbana e sanitária.

3. Estabeleça relações entre a política de imigração e a segregação racial no Brasil no início do


século, argumentando sobre suas consequências.

4. O texto de Gustavo Kern da seção “Ampliando seus conhecimentos” expõe uma crítica da
eugenia à miscegenação de raças. Com base no que abordamos neste capítulo e na leitura
do texto de Kern, descreva uma relação possível entre a eugenia e perspectivas intelectuais
do período.
9
1920 e as efervescências sociais e políticas

Mas então que é o tempo? É a brisa fresca e preguiçosa de outros anos, ou


este tufão impetuoso que parece apostar com a eletricidade? Não há dúvida
que os relógios, depois da morte de López, andam muito mais depressa.
Antigamente tinham o andar próprio de uma quadra em que as notícias de
Ouro Preto gastavam cinco dias para chegar ao Rio de Janeiro [...] [Antes]
Não tínhamos ainda esse cabo telegráfico, instrumentos destinado, ins-
trumento destinado a amesquinhar tudo, a dividir novidades em talhadas
finas, poucas e breves. (ASSIS, 1894)

Analisar como as pessoas percebem o tempo e a si é o maior interesse do historiador.


O tempo e a sua percepção alteram a maneira como os indivíduos organizam e entendem a
própria vida. A citação anterior, de Machado de Assis, revela-nos um pouco do sentimento do
século XIX.
Se a Guerra do Paraguai alterou a história do Brasil, a Europa já sentia, desde a organiza-
ção da República francesa e dos desdobramentos da Revolução Industrial, muitas transforma-
ções nos hábitos sociais, culturais, políticos e econômicos.
O Brasil republicano, apesar das diversas legitimações dos velhos moldes políticos, não
poderia ser o mesmo depois de tantas revoltas, conflitos e reivindicações vividos entre os anos
de 1889 e 1920. O tempo já não era o mesmo, nem no calendário, nem pelos sentimentos novos
que nasciam nesse período.
A historiadora Monica Velloso considera a virada do século XIX como um período
com diversos acontecimentos que transformaram o Brasil. O país, após a Guerra do Paraguai,
teria tido sua “linha do tempo” marcada e, segundo a historiadora, o próprio Manifesto
Republicano, de 1870, já demonstrava áreas de modernização no país (VELLOSO, 2008). Se
as ideias republicanas e de abolição presentes nesse manifesto demoraram algumas décadas
para alterar de modo significativo as relações sociais, ao menos lançaram novas perspectivas
ainda no século XIX.
As reformas e seus debates, a liberdade de escrita e a criação de novas instituições, as
políticas para imigrar ou formar um novo Brasil, as contestações das revoltas e outros acon-
tecimentos deram aos anos de 1920 possibilidades novas de configuração e de ordem social.
Assim, este capítulo trata de três mudanças bastante significativas, cujos desdobramentos são
sociais e políticos: a pluralidade cultural e identitária dos imigrantes, o movimento operário
dos anos de 1920 e o movimento feminista. As possibilidades de análise sobre a imigração são
muitas e, nesse caso, escolhemos estabelecer uma relação entre o Brasil que se formava republi-
cano, discutia sobre a ideia de raças e recebia, ao mesmo tempo, milhares de imigrantes.
122 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

9.1 A imigração e a identidade nacional


Vídeo
Sevcenko (2009) aborda a relação entre identidade, as transformações urba-
nas e a imigração no país, especialmente na cidade de São Paulo. A questão central
é a transformação das cidades em consequência dos processos migratórios e, ao
mesmo tempo, buscaram formar uma identidade. As fábricas, os operários, as no-
vas etnias e os novos comportamentos urbanos trouxeram outras experiências para
o contexto cultural e social, ao mesmo tempo que tradições deveriam “ser forjadas”.
Durante o ano de 1919, era possível perceber diferentes entusiasmos e mudanças na vida de
São Paulo, tanto que Sevcenko aponta o seguinte: “Um novo ano anuncia o fim dos três flagelos
que atingiram a cidade, submetendo-a a aflições terríveis em 1918, os chamados (cinco) “Gês”: a
Gripe (espanhola), a Geada e os Gafanhotos [...] a Guerra (Primeira Guerra Mundial) e as Greves
(as grandes greves de 1917-1918)” (SEVCENKO, 2009, p. 24).
A continuidade das greves não se tratava de um grande problema, afinal elas eram um meio
que operários encontraram para defender seus direitos. Além disso, o fim da Primeira Guerra
Mundial trouxe novos ânimos e percepções sobre o tempo não somente na Europa, mas também
no Brasil. Sevcenko afirma que o novo ano (1919) foi saudado com clima de paz, com fogos nos
bairros Brás, Belenzinho e Mooca. O autor evidência esse clima, citando um trecho de uma crônica
do jornal O Estado de S. Paulo:
Por que essa diferença? Não me parece falsa a observação, que ocorreu a minha
gente, atribuindo-a à necessidade de um atordoamento que tivesse a virtude de
fazer esquecer um pouco o mal-estar e as apreensões que anuviam o espírito
público num momento delicado como o atual, em que o sopro revolucionário
sacode toda a superfície da terra e a questão social constitui o problema de
maior importância, para a qual todos os homens de governo e todos os esta-
distas dignos deste nome voltam o melhor de seus cuidados, de sua atenção e
de seus estudos. O carnaval deste ano foi, mais do que nunca, um derivativo
necessário para este povo enigmático, que assiste impassível à consumação de
todas as usurpações. (O ESTADO DE S. PAULO apud SEVCENKO, 2009, p. 25)

Nesse trecho, percebemos que, ainda que se esperassem novidades relacionadas a um tempo
de paz, de movimentos pacifistas, havia a ideia de um povo “enigmático” e que assistia “impassível”
ao seu contexto. Longe da ideia de um povo que aceitava e apenas assistia aos acontecimentos,
o cronista, segundo Sevcenko, expõe em sua crônica sentimentos ambivalentes e perceptíveis na
realidade paulistana.
Sobre esse período, Schwarcz e Starling (2015) afirmam que, entre 1914 e 1918 (época da
Primeira Guerra Mundial), o Brasil viveu uma série de novos acontecimentos – como flutuação do
preço do café, secas e mudanças devido à entrada de imigrantes – que ocasionaram a formação de
um grupo de liberais nos grandes centros, além da expansão das fábricas menores, em virtude do
abalo no abastecimento dos produtos importados.
Sevcenko (2009) afirma que, nos anos de 1920, elementos fundadores de São Paulo ou de
seus comportamentos identitários foram buscados. Geralmente ligados às fábulas ou aos mitos,
o bandeirante, antes apontado como malvestido, violento e sem grandes ambições, passou a ser
1920 e as efervescências sociais e políticas 123

representado como um herói colonial, o que “venceu” tempos difíceis. Velloso, por sua vez, apre-
senta o bandeirante como um herói repleto de epopeias, patriota e sério, tendo o século XVI como
essência ou vivendo “uma espécie de Eldorado” (VELLOSO, 2008, p. 375).
Sevcenko recorre ao mito da torre de Babel, a fim de explicar a quantidade de povos que
chegavam à capital paulista, afirmando que havia uma fusão entre os índios, os brancos e os negros:
Tudo leva a crer que o movimento aluvial das ádvenas, egressos do velho mundo
e das velhas opressões secularmente organizadas, tende a crescer prodigiosa-
mente, rumo das nossas plagas. E começaremos então a penetrar no coração do
maravilhoso encargo que nos foi cometida pela Providência. [...] a realizar uma
gloriosa inversão do mito de Babel – a tornada dos povos dispersos pela terra
ao seio de uma pátria humana, [...] onde [...] surgirão como num encantamento
as novas arquiteturas da sociedade futura [...]. (NOGUEIRA apud SEVCENKO,
2009, p. 37)

A citação deixa evidente o acolhimento defendido por alguns no que diz respeito aos imi-
grantes (povos dispersos pela terra) por uma pátria cuja formação estava sendo buscada e forjada.
No trecho, percebe-se uma promessa de contextos melhores, nas expressões velho mundo e velhas
opressões. Nesse caso, como em um presente da providência divina, os mais variados grupos sabe-
riam se unir e fazer crescer essa pátria, invertendo o mito original de Babel.
A rápida urbanização e a industrialização dos grandes centros ocasionaram problemas
sociais e o aumento populacional. Do mesmo modo, a abolição da escravatura e a imigração
alteraram os costumes e as tradições. No caso de São Paulo, a cidade precisava ter sua história
representada e narrada pelo coletivo. Assim, ganharam espaço os clubes literários e de lazer. Se
eram novos os grupos sociais e as experiências, era preciso também criar novas sociabilidades
(SEVCENKO, 2009).
Nesse caso, o ideal de modernidade era reafirmado com os princípios de ordem e progresso
da pátria. Para gerar um sentimento de pertencimento e de patriotismo, em uma terra de tantas
raças e línguas, o esporte foi uma ferramenta utilizada. Grandes clubes do futebol da atualidade
foram fundados naquele período, como Corinthians (1910), Palmeiras (1914) e Portuguesa (1920),
os dois últimos por imigrantes, assim como ocorreram disputas no atletismo e nas regatas. Nestas,
os clubes dos anos de 1920 tiveram destaque. O futebol se tornou uma paixão, junto ao entusias-
mo pela ocorrência da primeira Olimpíada após a Grande Guerra, a qual ocorreu em 1922, na
Antuérpia (SEVCENKO, 2009).
Ao mesmo tempo, esses esportes se tornaram especiais para o período porque, em sua tor-
cida, sentimentos de pertencimento e de coletividade eram incentivados. Também os entendemos
da seguinte forma: “Nesse desempenho físico, em que o corpo é a peça central, os agentes da ‘ideia
nova’ se expõem a um intenso bombardeio sensorial e emocional, que se torna a substância ener-
gética em si mesma da ação [...]” (SEVCENKO, 2009, p. 68) – ou seja, na disciplina do corpo, novos
ideais eram fortalecidos.
Da mesma forma, como afirma Sevcenko (2009), estimulavam-se o exercício, o cuidado
com o corpo e a exaltação dos hábitos de higiene, práticas muito comuns em tempos de sanita-
rismo, de eugenia e de reformas urbanísticas. A regeneração da “raça” encontrou no esporte uma
124 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

ferramenta. No caso de São Paulo, além dos esportes, colaboraram a ocorrência de movimentos e
de exposições, como as modernistas de Mário de Andrade e Tarsila do Amaral.
Velloso (2008) faz algumas ponderações sobre o ideal modernista no Brasil e no caso espe-
cífico do Rio de Janeiro, onde era diferente. Para a autora, nessa cidade era preciso desvincular o
modernismo da ideia de um movimento cultural baseado em vanguardas, como foi em São Paulo.
Isso porque as elites não se misturavam às camadas populares nem mesmo para festividades e,
desse modo, elementos culturais ligados a um ideal de modernidade se deram mais pela atuação
de intelectuais boêmios. João do Rio, Emílio de Meneses, Pixinguinha, Prudente de Morais Neto,
Sérgio Buarque de Holanda, Lima Barreto, entre outros são alguns dos homens que frequentavam
bares e cafés, estabelecendo contatos e firmando interesses em lançar revistas (VELLOSO, 2008).
Portanto, eram outros os espaços de vinculação de ideias, mas que também colaboraram para a
formação de novas tradições e elementos de união identitária, entre eles o samba.
É importante diferenciar um aspecto entre o Império e essa fase da República: a imagem
do indígena forte, idealizado e apontado como representante da cultura brasileira, já não era mais
aceita. Nesse novo tempo, são o português da venda, o literário do café, a mulata sensual, o malan-
dro e o Jeca Tatu de Monteiro Lobato os personagens que fazem parte dos almanaques, revistas e
caricaturas. A modernidade do Brasil veio com outros comportamentos, mais branca, europeizada,
formando outra nacionalidade.

9.2 Movimento operário


Vídeo
O movimento operário, muitas vezes, foi apontado como uma consequên-
cia direta da industrialização no Brasil, desde o seu início, no fim do século XIX
(BATALHA, 2008). Do mesmo modo, não pode ser tido como um movimento ho-
mogêneo, visto que ideias socialistas e anarquistas formaram a base de vários desses
grupos.
Para além das ideias políticas, também podemos ponderar sobre a composição social dos
movimentos operários, uma vez que, por muito tempo, a historiografia os tratou como decorrentes
das ideias dos imigrantes (BATALHA, 2008). Nesse sentido, é preciso lembrar que, diferentemente
do Norte e do Nordeste, havia no Sul e no Sudeste, além de negros e mestiços, muitos imigrantes.
Como explica Batalha (2008), esses imigrantes eram, em sua maioria, pessoas pobres e oriundas de
zonas rurais, ou seja, desconheciam organizações fabris ou operárias.
Nesse sentido, o movimento operário, carioca ou paulistano, não pode ser homogeneizado,
assim como deve ser lembrado no debate socialista e comunista dos anos de 1920. Ressaltamos que
os sindicatos (variados) já tinham destaque nessa época, especialmente após as greves de 1917 e
1918. Gomes reitera que esse período foi complexo para o movimento operário:
Do ponto de vista da ação política e sindical continuavam conseguindo vitórias,
mas sofriam derrotas nos episódios, mas sofriam derrotas nos episódios de
maior vulto e publicidade, o que enfraquecia a imagem do movimento entre
os trabalhadores [...] do ponto de vista doutrinário, iniciava-se um momento
de grande confusão sobre o significado do bolchevismo, que era entendido de
várias maneiras. (GOMES, 2005, p. 130)
1920 e as efervescências sociais e políticas 125

Com sindicatos ferroviários, do porto, do comércio, entre outros era perceptível que os
grandes centros estavam mais organizados nesse período, a ponto de sofrerem violência policial
e de terem publicidade “investida contra” suas ideias. Não menos importante na época era o bol-
chevismo, que devido à situação complexa na Rússia tornou as palavras anarquistas e socialistas
mais polêmicas.
Nesse período, além da repressão policial, o patronato, a Igreja católica e uma classe política
e intelectual colaboraram para o fim do anarquismo no Rio de Janeiro. E foi nesse contexto que
comunistas começaram no Brasil a buscar apoio entre os sindicatos, com mais intensidade após a
criação de um partido.
O Partido Comunista do Brasil foi fundado no ano de 19221, acirrando as diferenças entre
anarquistas2 e socialistas, visto que os primeiros eram contra uniões de classe ou partidárias. Por
isso, muitos foram extraditados devido às participações em greves entre os anos de 1910 e 1920.
Além disso, era preciso conviver com o desemprego, a baixa sindicalização e a recusa por parte
dos anarquistas em estabelecer alianças com outros setores. Ainda assim, essa classe não deixou
de atuar e passou a competir mais com socialistas e comunistas. Chamamos atenção aqui ao fato
de que é comum desqualificar aqueles que lutavam (ou lutam) por direitos sociais e trabalhistas.
Essa tem sido a tônica da ideologia burguesa em relação ao movimento operário:
isolar a luta de classes como um fenômeno artificial, obra de agitadores vindos
de fora, infiltrados nas fábricas e associações, germes contaminadores da “boa
alma” do ordeiro operário nacional. [...] A burguesia falava em “fantasmas” e
“invasores”, mas, como boa crente, desenvolvia intenso exorcismo dentro e fora
das fábricas. Era necessário extirpar o mal pela raiz: o alvo da repressão bur-
guesa não eram os “bandidos infiltrados”, mas indiscriminadamente, a classe
operária e o movimento como um todo. [...] Em relação ao Código de Menores,
por exemplo, os industriais paulistas lançaram mão de argumentos expostos na
recente legislação fascista do trabalho, os quais invariavelmente diziam que o
menor desocupado (jornadas menores) estava com as portas escancaradas para
o vício e para o crime. (HARDMAN; LEONARDI, 1989, p. 62-67)

Um dos principais elementos de disputa naquele período dizia respeito à criação de leis que
possibilitassem um espaço de luta legalizada aos operários. Expor crianças e adolescentes (embora
naquele contexto não houvesse lei que os defendesse) era um modo também de não incentivar po-
líticas educacionais. A ideia de trabalho, nesse caso, era reafirmada como formadora da boa moral
dos iniciantes no mundo do trabalho. Nesse contexto, alianças com o patronato eram buscadas
também devido às dificuldades encontradas, o que chamamos de sindicalismo amarelo (GOMES,
1979), cujas associações operárias podem ser exemplos.
No que se refere ao Partido Comunista, a partir dos anos de 1924 e 1925, aproveitou-se dos
tempos de eleições para eleger seus primeiros candidatos, ainda que fossem poucos. Sobre isso,
Batalha cita um trecho de um artigo publicado em fevereiro de 1928:

1 Para muitos pesquisadores, trata-se de um partido complexo, pela sua trajetória política. Para saber mais, sugeri-
mos a leitura de Santana (2001).
2 Para uma análise mais criteriosa da cultura anarquista no Brasil, é indispensável o estudo de Hardman (2003).
126 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

[...] só nos devem encher de satisfação as novas diretivas que vem adotando o
movimento proletário entre nós, arregimentando suas forças para futuras bata-
lhas eleitorais, que inaugurarão uma fase na política, fazendo com que o proleta-
riado entre em cena, independentemente dos chorrilhos políticos da burguesia,
manifestando sua vontade firme de afirmar-se numa classe forte e politicamente
capaz de escolher seus mais dedicados membros para as investiduras legislati-
vas. Será um dos muitos meios de alargar sua luta geral contra os exploradores,
criando uma nova frente de combate e preparando com ela novas bases para
um mais largo movimento de massas capaz de derrubar definitivamente os seus
exploradores e levá-los à definitiva vitória contra os seus inimigos seculares.
(LAVINSKY apud BATALHA, 2008, p. 181)

No trecho, são evidentes os bons ânimos para um novo tempo que parecia se formar no
horizonte da luta operária. A ideia de não precisar apenas se aliar, mas de criar suas próprias leis,
é perceptível em “criando uma nova frente de combate”. Não menos importante é a observação
de que a luta “de classes” era algo secular, ou seja, uma percepção – ainda que própria do Partido
Comunista, entre tantos outros que existiam ou existiram desde 1890 – de que era preciso união
entre iguais. Batalha reitera a importância de todos os partidos e as atuações municipais, porém
frisa o Partido Comunista, que foi o primeiro a alcançar mesmo que sua área de maior atuação
ainda fosse a capital federal (BATALHA, 2008).
O que podemos perceber no movimento operário é a sua pluralidade, tanto em sua organi-
zação quanto em sua postura ideológica. Bittencourt (2007) aponta que a historiografia afirma que,
das sociedades de “socorro-mútuo” de meados do século XIX, teriam surgido as associações de re-
sistência e, por último, destas teria nascido o Partido Comunista do Brasil. A trajetória seria então
de: mutualismo, socialismo, anarquismo e comunismo, em um caminho linear e de substituição.
Para Bittencourt (2007), o que existia era a convivência, nem sempre pacífica, entre diferen-
tes iniciativas, ao mesmo tempo que as doutrinas teóricas e políticas não eram tão rígidas ou fecha-
das em si mesmas. Isso se deve às apropriações devido ao contexto brasileiro e às consequências e
influências da Revolução Russa. Ideias positivistas e cientificistas cruzavam com as lutas internas e
as estabelecidas com o patronato (BITTENCOURT, 2007).
De todo modo, entendemos que diversos perfis de operários passaram a se ver como um
grupo (quiçá, como classe), perspectiva que começava a abalar a estrutura burguesa oligárquica
brasileira. Entretanto, não eram apenas os operários que buscavam novos direitos: as mulheres
também. E é sobre elas que tratamos na próxima seção.

9.3 A onda feminista


Vídeo
No Brasil, de acordo com Hahner (2003), foi ainda em meados do século
XIX, especialmente entre as décadas de 1860 e de 1870, que algumas mulheres fun-
daram jornais no Rio de Janeiro, como O Jornal das Senhoras, O Sexo Feminino e o
XV de Novembro do Sexo Feminino, a fim de divulgar suas ideias e suas reivindica-
ções, bem como de buscaram permissão às primeiras vagas em bancos das escolas e
o direito de alcançar a igualdade (HAHNER, 2003). Essas manifestações passaram a se identificar
1920 e as efervescências sociais e políticas 127

com o feminismo no início do século XX (1910-1920), período em que a chamada primeira onda
feminista chegou ao Brasil.
No que diz respeito ao termo onda, compreendemos como um sinônimo que representa os
momentos em que os ideais e as discussões daquele movimento foram mais divulgadas. Questões
políticas, sociais, trabalhistas e culturais se tornaram pauta do movimento desse período, porém,
enfatizamos que o termo não foi bem difundido e aceito em todo o contexto.
Muito antes de o feminismo ser visto como uma onda, diversas ações de mulheres deram
notoriedade às suas questões, o que motivou um movimento muito maior, tanto em outros con-
tinentes quanto na América. Ainda, no fim do século XVIII, na França, um dos marcos do femi-
nismo foi a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, de Olympe de Gouges, em 1791 – uma
reação à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a qual não incluía as mulheres. Para
Gouges, elas tinham o direito de votar e de serem votadas, representando, desse modo, uma chance
para conquistarem seus ideais. De acordo com Scott (2002), a própria exclusão das mulheres na
declaração de 1789 estimulou a luta por direitos iguais. Gouges foi punida com a guilhotina, porém
isso não diminuiu a sua importância e muito menos fez com que outras desistissem.
Após esse fato e com o crescimento da burguesia e das atividades industriais que exigiam o
trabalho feminino, mais mulheres encontraram brechas para, aos poucos, deixarem de ser apenas
responsáveis pela casa e pelos filhos. Ressaltamos que, na atualidade, muitas mulheres ainda acu-
mulam trabalhos dentro e fora do lar, assim como as mulheres que encontraram no capitalismo
uma oportunidade para sair de casa não eram as únicas, visto que há muito tempo já existiam em-
pregadas domésticas, agricultoras, vendedoras de rua ou mesmo servas e escravas.
O feminismo chegou ao Brasil em meados do século XIX, por meio de traduções de textos
como os de Mary Wollstonecraft, feitos por Nísia Floresta em sua estada na Europa no início do
século XIX. Mas o feminismo da primeira onda, representado no Brasil por Bertha Lutz e Maria
Lacerda de Moura, destacou-se no começo do século XX, cujas principais discussões diziam res-
peito à questão sufragista, aos direitos trabalhistas e ao acesso ao ensino.
Já a segunda onda feminista é posterior ao fim da Segunda Guerra Mundial, representado
especialmente por Simone de Beauvoir e por Betty Friedan, que enfatizaram questões relativas ao
corpo, ao prazer, ao divórcio, aos métodos contraceptivos, à contrariedade ao patriarcado e à vio-
lência contra as mulheres – ideias que foram mais fortes no Brasil a partir dos anos de 1970. É desse
tempo o incentivo das feministas ao uso do termo mulher – em contraposição ao termo homem,
considerado universal –, para firmar uma identidade de grupo, a fim de ganhar mais notoriedade
e força nos meios sociais, culturais e políticos (PEDRO, 2005).
Portanto, foi no início do século XX que o Brasil conheceu mais algumas ideias feministas.
Bertha Lutz e Maria Lacerda de Moura colaboraram com manifestos sobre o sufrágio universal, o
direito e acesso à educação e os direitos trabalhistas. Nesse período, as manifestações feministas
publicadas em jornais exigiam o sufrágio e desejavam um aumento no número de profissões des-
tinadas às mulheres, além de reivindicarem trabalhos no comércio e nas repartições. Ressaltamos
que, por meio da Constituição de 1934, as mulheres brasileiras conquistaram o direito ao voto.
128 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

Apesar de ser notório desse tempo um feminismo libertário que buscava os direitos traba-
lhistas, representado por Maria Lacerda de Moura, os objetivos de um feminismo sufragista, como
os de Bertha Lutz, foram os mais divulgados até meados do século XX. Ressaltamos ainda que
muitas dessas mulheres eram taxadas de sufragettes, termo pejorativo e visto como sinônimo de
vandalismo, desordem e falta de “boa moral”.
Essas mulheres já enfrentavam muitos preconceitos apenas por falarem de direitos, portanto,
lutavam para que suas reputações não caíssem tanto a ponto de perderem a guarda de seus filhos,
de serem abandonadas, entre outros aspectos importantes para elas no período (HAHNER, 2003).
Maria Lacerda de Moura e Bertha Lutz, no início, reivindicavam juntas direitos para as mu-
lheres, mas no decorrer da amizade elas seguiram trajetórias diferentes devido às questões de classe.
Lutz foi educada no Brasil, mas concluiu seus estudos de Licenciatura em Ciências na Universidade
Sorbonne, da França. Posteriormente, formou-se na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, assim
como publicou diversos trabalhos de sua área profissional e também sobre seus interesses femi-
nistas. Ainda no ano de 1918, passou a redigir semanalmente uma revista, em que convocava as
mulheres a compor uma “Liga de Mulheres Brasileiras” (HAHNER, 2003).
Já a educadora mineira Maria Lacerda de Moura vinha de uma família mais simples, com di-
ficuldades financeiras. Ela havia deixado um casamento infeliz e se mudado o Rio de Janeiro, onde
o custo de vida era alto e não havia creches para deixar o filho no período de trabalho. Portanto, sua
vida foi marcada pela defesa dos direitos relativos ao corpo, ao prazer e contra a moral burguesa,
na qual muitas mulheres eram subordinadas, com obrigações muitas vezes não escolhidas por elas
(HAHNER, 2003).
Maria Lacerda também se preocupou mais com a falta de direitos trabalhistas para as mu-
lheres, visto sua condição social, e, por isso, ela compreendia aquelas que sentiam em seus salários
e no abuso do patrão a falta de igualdade. Em contraposição, Bertha Lutz, de classe abastada, exigia
o sufrágio e, embora em um primeiro momento não fosse a solução para os problemas apontados
por Maria Lacerda, podemos perceber que ambos os objetivos de luta se complementaram, afinal,
se as mulheres tivessem o direito de estudar e votar (e de serem votadas) já naquele período, talvez
pudesse haver leis que apoiassem as ideias de Moura.
O que havia de comum entre essas duas mulheres que representaram muitas de suas ge-
rações e das futuras era o desejo por um mundo mais igualitário, um mundo em que mulheres e
homens pudessem ter a mesma liberdade, as mesmas oportunidades e o respeito de todos, inde-
pendentemente da natureza biológica.
Em relação ao acesso ao Ensino Superior, já existiam mulheres no Brasil em várias pro-
fissões no início do século XX, entretanto ainda havia muito preconceito. O próprio magistério
era um curso procurado justamente por ter sido relegado pelos homens, que o deixaram de lado
quando as primeiras mulheres se tornaram professoras e por ser caracterizado como “mais fe-
minino” (HAHNER, 2003), no qual as mulheres estendiam aos alunos os cuidados destinados
aos seus filhos.
1920 e as efervescências sociais e políticas 129

Não obstante, na medicina e no direito era comum as mulheres serem taxadas de masculi-
nizadas e fracassadas no que se refere ao casamento, pois para a sociedade da época só poderiam
ter sucesso profissional se ocupassem o lugar dos homens. As discussões de higienistas do Rio de
Janeiro e seus apontamentos determinando a maternidade como algo que tornava as mulheres
mais pacientes e altruístas foram comuns nesse período (SOIHET, 1996), o que caracterizava mu-
lheres intelectuais ou capacitadas como “perigosas” para os bons costumes.
Portanto, empregos que exigiam menos estudo, como os de datilógrafas e de telefonistas,
eram os mais aceitos para mulheres, pois para os homens essas funções não incomodavam os luga-
res ocupados por eles. Hahner afirma que as mulheres que ousaram adentrar a medicina, o direito
e a engenharia, nesse contexto, foram as que futuramente representaram o movimento sufragista,
justamente pelo seu maior acesso político e financeiro (HAHNER, 2003).
Essas mulheres, de camadas abastadas, tinham como pauta questões relacionadas aos in-
teresses de suas classes, ou seja, para elas seus problemas estavam relacionados à educação e ao
sufrágio. Se esses aspectos fossem alcançados, elas conquistariam a liberdade de escolha sobre a
direção de suas vidas e não mais seriam subestimadas.
Em relação ao contexto do feminismo da primeira onda, ainda no período de Getúlio Vargas,
as relações de gênero vigentes foram utilizadas para manter um governo autoritário e conservador.
A preocupação com o crescimento populacional e a indústria fez com que o governo de Vargas se
concentrasse na família. Nesse sentido, enquanto o ideal burguês era de que a mãe continuasse a
educar seus filhos, o próprio sistema capitalista instigava as mulheres (até mesmo de classes abas-
tadas) a irem às ruas trabalhar. Dessa forma, para não perder o controle sobre as mulheres, muitos
empregos e limites foram criados. Um deles foi a puericultura, um modo de cuidar da higiene e
da saúde de pessoas menos favorecidas, na qual as mulheres poderiam estar no mundo público,
entretanto desempenhando um papel “naturalmente feminino” (BESSE, 1999). Trabalhos como
floristas, secretárias, telefonistas, professoras de crianças e operárias foram alguns também comuns
a partir desse período, porém raramente de líderes (DUARTE, 2003).
Cada onda feminista ou reivindicação das mulheres está relacionada ao seu contexto, isto
é, em uma mesma sociedade existem muitas mulheres – termo plural, não singular – com objeti-
vos em comum e que variam de acordo com os interesses da época. Baseadas em ideias de Scott,
a partir da década de 1970, muitas feministas – acadêmicas ou não – passaram a utilizar o termo
mulheres, sem diminuí-lo a uma representação totalitária de todas as mulheres, isto é, sabemos que
as mulheres ou mesmo suas contemporâneas, em geral, não eram idênticas no que se refere aos
sentimentos e às personalidades. Entretanto, tendo em mente que a expressão mulheres abarca a
pluralidade, optaram por essa bandeira.
Nesse sentido, algumas feministas e historiadoras utilizaram o método para então com-
preender as diferenças, visto que a categoria mulheres não poderia ser analisada se não fosse vista
em relação aos demais que formam as sociedades, em questões de classe, etnia, raça e orienta-
ção sexual. Ainda que as feministas do início do século XX não tenham debatido esses aspectos,
130 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

porque não era a demanda de seu tempo, entendemos que os anos de 1920 inauguraram lugares e
desejos até então poucos aceitos no Brasil.

Considerações finais
Os anos de 1920 permitiram novos olhares sobre a sociedade brasileira. Se mulheres e ope-
rários estavam mais organizados, mesmo com relutâncias e limites impostos, juntos conquistaram,
nos anos de 1930, direitos até então desconhecidos. E essas vitórias não estavam dissociadas do
movimento operário ou da formação partidária socialista/anarquista dos anos de 1890, nem do
próprio movimento modernista. A República Velha, nem tão velha assim, já demonstrava grandes
sinais de desgaste, e as reivindicações e transformações mencionadas até aqui colaboraram para
estremecer a estrutura oligárquica comum ao Brasil.

Ampliando seus conhecimentos


O trecho a seguir tem por objetivo relacionar o “samba malandro” como símbolo nacional
durante os anos de 1910 e 1920 no Brasil. Desse momento, fazem parte as classes populares, tra-
zendo ideias de originalidade nacional e de juventude.

Gente do samba: malandragem e ­identidade nacional no final da


­Primeira ­República
(GOMES, 2004, p. 177-178)

Pode-se abrir esta seção respondendo a uma pergunta: se o samba malandro não era uma
tradição longínqua, qual teria sido efetivamente sua origem? Por certo ela deve ser procurada
em outro lugar muito específico: o teatro de revista. Tal gênero teatral, bastante popular na pri-
meira metade do século XX, era um espaço onde se dava um franco diálogo com o mundo da
música popular: não faltam provas de que nos palcos musicados da cidade do Rio de Janeiro
canções eram lançadas e/ou popularizadas e que artistas se moviam livremente entre os dois
meios [...].
Afinal, com a popularização do teatro de revista e a ausência de meios de divulgação de peso,
como um mercado discográfico e radiofônico forte, a colocação de músicas em peças era uma
chance importante para um compositor ou cantor popularizar seus produtos. Por outro lado,
nada melhor para um revistógrafo que aproveitar canções de sucesso para popularizar suas
peças, principalmente se estas canções fossem interpretadas por estrelas como Margarida Max
ou Araci Cortes.
Por outro lado, vários revistógrafos chegaram inclusive a ser coautores de sucessos populares,
já que as partituras sempre possuíam uma parte composta especialmente para determinada
peça, cabendo muitas vezes aos autores da mesma a tarefa de colocar a letra na música.
Assim, Luís Peixoto tornou-se um nome destacado na música popular, pois, embora fosse
fundamentalmente um homem do teatro de revista, assinou letras de muitas músicas que che-
garam ao sucesso. Outros autores de peças chegaram a grandes sucessos: Ari Pavão foi autor da
letra de Chuá, música composta pelo maestro Sá Pereira para a revista Comidas, Meu Santo!,
de 1925, e que se tornou um dos grandes sucessos da década, assim como Zizinha, música
1920 e as efervescências sociais e políticas 131

composta por Freitinhas para a revista Se a Moda Pega e que após receber letra de Carlos
Bittencourt e Cardoso de Menezes tornou-se um dos grandes sucessos de 1926. Assim, tor-
na-se claro que não se pode estudar o teatro de revista dos anos 1920 perdendo-se de vista a
música popular, e vice-versa.
Toda essa ligação entre o teatro de revista e a música popular apoia a ideia de que o samba
malandro tenha suas origens nos palcos da revista carioca, mesmo porque tanto o malandro
quanto os demais tipos de grande sucesso no teatro de revista decolariam, a partir dos anos
1920, para carreiras duradouras também no cinema e na música popular. Malandros, mulatas,
caipiras e portugueses se fazem presentes, por exemplo, nas chanchadas, no humor radiofô-
nico, televisivo e teatral, com muita frequência, principalmente a partir dos anos 1920 e até os
dias de hoje.
Em relação à malandragem, é possível identificar uma notável simetria entre sua popularidade
nos palcos e seu surgimento na música popular. As primeiras músicas de sucesso calcadas
nessa temática apareceram nos últimos anos da década de 1920. Já nos palcos, embora exis-
tente há muitos anos (VENEZIANO, 1991: 122-124), a malandragem ocupou um lugar mais
central a partir do mesmo período, uma vez que nos anos 1920 uma noção “malandra” do
Brasil assumiu grande importância no teatro de revista carioca (GOMES, 1998).

Atividades
1. Nicolau Sevcenko afirma que houve incentivo à formação de clubes/associações e ao esporte
em São Paulo no início do século XX, especialmente com a intenção de dar ideias de “per-
tencimento” em um período de intensa imigração. Explique o argumento do historiador.

2. Se consideramos que o movimento operário não tinha um destaque ou grupo homogêneo


no início da década de 1920 no país, por que motivos podemos entender que o Partido
Comunista do Brasil ganhou destaque em uma época em que os grupos anarquistas eram
“desmantelados”?

3. Estabeleça uma relação entre o movimento feminista dos anos de 1920 e o sufrágio universal
de 1934.

4. Com base no texto de Tiago de Melo Gomes, na seção “Ampliando seus Conhecimentos”,
analise os argumentos desse autor – e as fontes por ele utilizadas – sobre o “samba malandro”
ser um símbolo nacional.
10
“Revolução” de 1930: história e historiografia

Neste capítulo refletiremos sobre a relação dos fatos ocorridos nos anos de 1920 com a
ascensão de Getúlio Vargas ao poder. O intuito é perceber em que aspectos a República Velha
perdeu seus alicerces centrais, proporcionando lugares de contestação e resistência, tanto so-
ciais quanto políticos. Para tanto, analisaremos as relações políticas do período, o tenentismo e
a própria ideia da entrada de Vargas no governo como uma revolução, visto que esse é um dos
temas mais complexos na historiografia brasileira.

10.1 A crise da República do café com leite


Vídeo
Para as historiadoras Marieta de Moraes Ferreira e Surama Conde de
Sá Pinto, a República Velha se manteve vigente até a década de 1920 devido
a três características: a oligarquia liberal, a relação próxima entre os pode-
res Executivo e Legislativo e a integração entre o poder central e o regional
(FERREIRA; PINTO, 2008).
O federalismo, sistema implantado com a Constituição de 1891, possibilitou ampla au-
tonomia aos estados. Essa condição fez surgir um novo ator político: os governadores. Com
a instituição da “política dos governadores”, cujo objetivo foi relegar as disputas políticas ao
âmbito dos estados para que não transpusessem a esfera nacional, a alternância do poder entre
São Paulo e Minas Gerais se manteve por cerca de 30 anos.
A aliança entre esses dois estados causou insatisfação a outros, assim como a setores
da população que almejavam maior participação política ou políticas públicas na República
(FERREIRA; PINTO, 2008), representada principalmente nas Revoltas de Canudos e do
Contestado e na organização de operários em sindicatos, demonstrando a insatisfação popular
com o modo como a República estava organizada. Além disso, havia na própria política dos
governadores uma estratégia para ganhar o apoio dos estados que não participavam dessa troca
e que, ao ganharem autonomia, mantinham-se ausentes do governo federal.
Em meados da década de 1920, esse sistema começou a entrar em colapso à medida
que se tentou ampliar a participação de outras oligarquias, como as do Rio de Janeiro, de
Pernambuco, da Bahia e do Rio Grande do Sul. Esses estados formaram uma chamada rea-
ção republicana, lançando na campanha presidencial de 1922 Nilo Peçanha e José Joaquim
Seabra contra Artur Bernardes e Urbano Santos, representantes da República do café com leite.
Ferreira e Pinto trazem o seguinte registro sobre esse período:
O mundo não pode ser mais o domínio egoístico dos ricos, e [...] só teremos
paz de verdade, e uma paz de justiça, quando nas nossas propriedades [...]
e nas nossas consciências, sobretudo, forem tão legítimos os direitos do tra-
balho como os do capital. Não é mais possível a nenhum governo brasileiro
134 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

deixar de respeitar, dentro da ordem, a liberdade, a liberdade operária, o pensa-


mento operário. (PEÇANHA apud FERREIRA; PINTO, 2008, p. 397)

Nilo Peçanha defendia o fim do analfabetismo pelo incentivo às políticas públicas educa-
cionais e apontava nos movimentos operários questões a serem pensadas no âmbito jurídico e do
trabalho, temas que para ele não poderiam mais serem deixados de lado. De toda forma, também
dar prioridade ao movimento operário significava ganhar o seu apoio.
Artur Bernardes e Urbano Santos acabaram eleitos em 1922, e, além de outros políticos fi-
carem descontentes, o Exército também se incomodou, visto que diversos cargos do setor militar
foram dados a civis. Nesse tempo, a imprensa, favorável a Nilo Peçanha, passou a pedir a puni-
ção daqueles que estavam prejudicando os militares (FERREIRA; PINTO, 2008). Além disso, Nilo
Peçanha, no que seria chamado de reação republicana do Rio de Janeiro, trocou diversas cartas com
militares de todo o Brasil ainda antes da eleição. Essa relação foi estreitada quando cartas falsas
foram enviadas por Artur Bernardes subestimando as ações militares (FERREIRA; PINTO, 2008).
Após o término da eleição, parte da imprensa passou a defender o grupo representado por
Nilo Peçanha e, paralelamente,
as lideranças políticas de Minas e São Paulo não se deixaram, entretanto, inti-
midar diante das declarações alarmistas dos militares sobre a ameaça de revolta
das tropas [...] Carlos de Campos, líder da bancada paulista na Câmara Federal,
assumia posição semelhante ao declarar: “Não cogitamos de acordo, nem é pos-
sível aceitá-lo”. A atitude de São Paulo é definida e definitiva. Em conformidade
com essa orientação, ao ser realizada em maio de 1922 a eleição para a mesa da
Câmara Federal e para as diversas comissões parlamentares, foram excluídos
todos os deputados dissidentes. (FERREIRA; PINTO, 2008, p. 398-399)

Não houve discussão ou debate mais profundo. Aqueles que estavam no poder não lança-
ram estratégias para diminuir o “tom” de resistência da oposição, nem mesmo para mantê-la mais
controlada. E, ainda, retiraram dos cargos todos os deputados que haviam apoiado a reação repu-
blicana. Com base nessas considerações, podemos entender o porquê de se ter demorado cerca
de oito anos para uma nova resistência, visto que muitos opositores perderam seus cargos, assim
como tais fatos demonstram que a estrutura política vigente já estava sendo contestada, tanto no
âmbito político quanto no social.
Nos primeiros anos da década de 1920, o Brasil foi marcado por transformações de ordem
política e econômica. A expansão da cultura do café e da atividade industrial fez surgir uma bur-
guesia industrial (em São Paulo), além de alterações na classe operária e em outros grupos sociais.
A instabilidade política e seus conflitos, ocasionados pelos interesses políticos das oligarquias em
se manter no poder, e a Crise de 1929 foram elementos preponderantes para a ascensão de Getúlio
Vargas ao poder. Berutti, Farias e Marques explicam o contexto da crise:
A década de [19]20 foi marcada por um clima de euforia, especialmente nos
Estados Unidos. A produção total norte-americana aumentou em mais de 50%,
e a prosperidade podia ser medida pelo enorme movimento das bolsas de va-
lores. A busca do rendimento a curto prazo e em grandes proporções provocou
uma onda de especulação em larga escala, em torno das sociedades por ações.
Milhões de norte-americanos foram atraídos para o mercado de capitais, que
era movido pelo clima e confiança e pelo mito da eternidade do American way
“Revolução” de 1930: história e historiografia 135

of life. Com a economia europeia desorganizada e com esse clima de prosperi-


dade, o capitalismo norte-americano rumou em direção à superprodução [...].
(BERUTTI; FARIA; MARQUES, 2003, p. 155)

Nesse panorama, os Estados Unidos, em grande ascensão, influenciavam as nações que es-
tivessem com tal país. Lembramos que isso ocorria após a Primeira Guerra Mundial, momento
em que a Europa, ao menos no início da década de 1920, também dependia dos Estados Unidos.
No Brasil, o produto principal era o café, cujos maiores compradores eram os Estados Unidos e
a Europa. Desse modo, o que já era uma crítica ao governo, por não estimular outras produções
e setores econômicos, tornou-se um problema maior ainda com a quebra da bolsa de valores, em
1929. Operariado, burguesia industrial e setores liberais estavam entre os políticos que debatiam as
medidas da República do café com leite.
A burguesia industrial sentia-se prejudicada pelas medidas econômicas direcionadas ao
café, enquanto pressionava o governo pedindo apoio financeiro e proteção aos seus interesses.
Nesse contexto, “a classe média urbana contestava a Política dos Governadores e o coronelismo,
que lhe roubavam possibilidades de chegar ao poder, via eleições. Por isso ela reivindicava reformas
eleitorais, moralização nas eleições e voto secreto” (BASTOS; SILVA, 1986, p. 239).
Tal como no discurso de Nilo Peçanha, a reforma política no que se refere ao voto era também
uma das pautas desse grupo, visto que sua participação ou representação só aconteceria se a oligar-
quia mineira e paulista perdesse o controle do governo. Para isso, seria preciso fortalecer ainda mais
o Exército e outras oligarquias. Nesse sentido, um dos movimentos importantes foi o tenentismo.

10.2 Tenentismo
Vídeo
Schwarcz e Starling afirmam que, no ano de 1920, os oficiais de baixa patente
(segundos-tenentes ou primeiros-tenentes) formavam cerca de 65,1% do Exército e
mais 21,3% eram capitães (SCHWARCZ; STARLING, 2015). Em geral, esses tenen-
tes, embora fossem do Exército, também faziam parte de diversos grupos sociais,
sendo rígidos na política, mas liberais na economia.
O espaço de atuação desses tenentes não era amplo, mas, após alguns movimentos, ganha-
ram notoriedade. Segundo Lanna Júnior, o tenentismo teve uma
fase heroica, de 1922 a 1927, como movimento de conspiração, pegou em ar-
mas para lutar contra as oligarquias dominantes. Nesse período, surgiu como
única alternativa aos anseios das classes médias populares. As mudanças ti-
nham de ser feitas pelas armas, o que teria transformado os militares rebeldes
em vanguarda política da luta contra o domínio oligárquico [...] era elitista;
propunha a moralização política contra as oligarquias cafeeiras [...] pregava a
mudança a partir de cima, sem a participação das classes populares. (LANNA
JÚNIOR, 2008, p. 316)

Além disso, militares que haviam perdido o poder desde a saída de Floriano Peixoto ob-
jetivavam retornar. Para isso, precisavam questionar o poder vigente – a oligarquia cafeeira – e,
posteriormente, moralizar as instituições. Esse seria o objetivo inicial desses tenentes, porém sem a
136 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

participação popular. Nesse aspecto, devemos lembrar que o povo, ausente das participações polí-
ticas até a década de 1920, no entendimento desses tenentes, continuaria sem tal poder.
Primeiramente, diversos levantes aconteceram na cidade do Rio de Janeiro, em Niterói e no
estado de Mato Grosso, em espaços como vilas militares, fortes e em batalhões. No Rio de Janeiro,
os revoltosos se fecharam, em 5 de julho de 1922, no Forte de Copacabana e, do local, fizeram
alguns ataques estratégicos, porém logo ficaram cercados. Dezessete tenentes saíram do forte e
caminharam pela Avenida Atlântica em meio ao fogo das tropas legalistas. Apenas dois sobrevi-
vessem, entre eles Siqueira Campos, um dos principais líderes do movimento durante a década de
1920 (LANNA JÚNIOR, 2008).
Figura 1 – Revolta dos 18 do Forte de Copacabana

Wikimedia Commons
A Figura 1 traz a ideia de tomada da rua e da resistência que assumiram os tenentes quando
caminharam em direção às tropas republicanas, além das mortes e da rápida tomada da ordem por
parte do governo, que conseguiu fazer com que as oligarquias vissem tais tenentes apenas como
desordeiros em um primeiro momento. Dessa forma,
[foram] menosprezados como rebeldes, foram julgados como revolucionários.
Dois anos depois, foram sentenciados, pelo artigo 107 do Código Penal, “con-
siderados como pretendentes a mudanças violentas da forma de governo e da
Constituição do país”. Para os condenados, essa sentença era a “demonstração
de parcialidade do Judiciário e subserviência deste ao Executivo”, a gota d’água,
o “móvel imediato” das revoltas que ocorreram a partir de 1924, dois anos de-
pois do acontecimento de 1922. (FORJAZ apud LANNA JÚNIOR, 2008, p. 319)

Mesmo que o fim desses militares não tenha sido como heróis, a memória deles, assim como
a punição de alguns, serviu para inspirar os movimentos futuros, como os ocorridos no Mato
Grosso (12/07/1924), em Sergipe (13/07/1924), no Amazonas (23/7/1924), no Pará (26/7/1924) e
no Rio Grande do Sul (29/10/1924). Muitos movimentos nem chegaram a eclodir, visto que foram
logo controlados, entretanto, mesmo limitados, esses levantes demonstravam como os militares
estavam se organizando ao longo da década.
“Revolução” de 1930: história e historiografia 137

Os tenentes falavam em derrubar o governo de Artur Bernardes em nome da nação. Eles de-
sejavam o voto secreto, maior representação política, liberdade de pensamento, nova organização
do Poder Executivo e, especialmente, o equilíbrio entre os três poderes. No ano de 1924, a ação do
grupo foi organizada da seguinte forma:
Foi iniciada com a tomada de alguns quartéis. Apesar de os tenentes consegui-
rem se instalar na capital paulista, com a ação repressiva do governo, que não
distinguia rebeldes dos civis, os tenentes resolveram abandoná-la, deslocando-
-se para o interior de São Paulo, onde também eclodiam revoltas. Fixando-se
em seguida no Oeste do Paraná, as tropas vindas de São Paulo enfrentaram os
legalistas à espera dos “tenentes” provenientes do Rio Grande do Sul, onde as
revoltas tiveram à frente figuras como João Alberto e Luís Carlos Prestes e con-
taram com a oposição gaúcha do PRR. Em abril de 1925 as duas forças se jun-
taram, dando origem à Coluna Miguel Costa-Luís Carlos Prestes. (FERREIRA;
PINTO, 2008, p. 401)

O movimento cresceu à medida que se deslocava para o interior, onde provavelmente havia
menos tropas, em um primeiro momento. No mês de outubro, chegaram à Foz do Iguaçu e, ali,
encontraram outros grupos vindos do Rio Grande do Sul, estado que logo teve todos os grupos
controlados, restando apenas as tropas de Luís Carlos Prestes. Além disso, dois grupos se juntaram
(em abril de 1925), fortalecendo a resistência, dando origem à chamada Coluna Prestes1.
O objetivo maior da Coluna Prestes era fazer propaganda de seus ideais, a fim de ganhar
apoio e fazer com que outros se revoltassem contra o governo. Quanto mais marchava, mais a
Coluna Prestes se sentia vitoriosa, afinal, diferentemente de 1922, não foi calada por três anos pelo
governo. Ainda assim, Lanna Júnior faz a seguinte consideração:
[A Coluna] consista em uma minoria de civis comandados por uma minoria de
militares. Tornou-se lendária por seus feitos de coragem e bravura. Em situações
adversas, reverteu posições e conseguiu sair vitoriosa. Em Ramada “as linhas re-
volucionárias, não obstante serem continuamente varridas pela metralha, avança-
vam com uma bravura inaudita” [...]. (LANNA JÚNIOR, 2008, p. 329)

O historiador, no trecho, refere-se à luta travada em Ramada, no Rio Grande Sul, onde, após
quase serem controlados, os combatentes resolveram utilizar táticas de guerrilha para continua-
rem, antes da formação da Coluna Prestes.
Assim, os tenentes definiam suas rotas utilizando os caminhos menos conhecidos e com
rápida mobilidade, mudavam de planos para ter segurança e usavam munição das tropas legalistas.
Dessa forma, percorreram cerca de 24 mil quilômetros, atravessando diversos estados brasilei-
ros (Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Piauí, Paraná, Rio Grande do Norte,
Paraíba, Ceará e Pernambuco).

1 Para saber mais sobre todos os levantes, sugerimos a leitura completa do texto de Lanna Júnior (2008).
138 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

Figura 2 – Coluna Costa-Prestes, em que Costa é o quarto sentado e Prestes, o terceiro, da esquerda para
direita.

Wikimedia Commons
Ferreira e Pinto apontam que existem três correntes de entendimento sobre o tenentismo: a
primeira de que o movimento representava as classes médias e objetivava maior representação po-
lítica; a segunda (1960-1970) que entende o tenentismo como um movimento basicamente militar
que queria apenas o poder do Executivo novamente para si; e a terceira, que considera os militares
representantes tanto do Exército quanto da sociedade, ou seja, trata-se de uma corrente historio-
gráfica que defende uma análise mais global (FERREIRA; PINTO, 2008).
Lanna Júnior, por sua vez, traz diversas perspectivas sobre o tenentismo, duas delas referen-
tes aos historiadores Boris Fausto e José Murilo de Carvalho. Para o primeiro, embora com críticas
de Lanna Júnior, os tenentes teriam uma origem simples, por isso se colocavam contra o governo,
mas respondiam à hierarquia militar. Mesmo assim, o trabalho de Boris Fausto é apontado por
Lanna Júnior como interessante, do ponto de vista metodológico, visto que considera ideias e fon-
tes das ciências sociais (LANNA JÚNIOR, 2008).
José Murilo de Carvalho, segundo Lanna Júnior, traz uma versão que considera as mu-
danças dentro e fora das Forças Armadas. Nesse caso, o que ocorre principalmente após a
Proclamação da República é uma forte institucionalização do Exército, tendo como agentes os
tenentes. Ao mesmo tempo, o tenentismo de 1920 seria uma continuação da intervenção dos
tempos da Proclamação e, até mesmo, da tomada de poder por Deodoro da Fonseca e Floriano
Peixoto (LANNA JÚNIOR, 2008).
São muitas as possibilidades de interpretação do tenentismo. De qualquer forma, tratava-se
de um movimento que ganhou destaque ao combater o governo do período, o de Artur Bernardes,
que teve o mandato findado muito próximo ao fim da Coluna Prestes.
Quando o novo governo iniciou, o de Washington Luís, as oligarquias pareciam fortalecidas,
da mesma forma como havia ocorrido com o levante do Forte de Copacabana. Entretanto, dessa
vez, o prazo seria menor. A historiadora Anita Prestes define o período como “o início de uma nova
fase, em que as oposições, contando com a liderança da juventude militar rebelde, ingressariam
no caminho da revolução nacional, que terminaria por abalar os alicerces da República Velha”
(PRESTES, 1990, p. 86).
“Revolução” de 1930: história e historiografia 139

10.3 Getúlio Vargas no poder


Vídeo
No ano de 1929, o escolhido para a sucessão de Washington Luís deveria
ser um representante de Minas Gerais, porém o indicado foi outro paulista, Júlio
Prestes. Políticos do Partido Republicano Mineiro, descontentes, indicaram então
Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, mas para terem mais força aceitaram, por
meio da Aliança Liberal, apoiar Getúlio Vargas.
A Aliança Liberal ainda tinha o apoio da Paraíba, com a indicação de João Pessoa ao cargo
de vice, e do Partido Democrático Paulista, rival do Partido Republicano Paulista, de Washington
Luís e grupos liberais. Entre as pautas propostas pela Aliança Liberal, o historiador Boris Fausto
destaca algumas:
O programa da Aliança Liberal refletia as aspirações das classes dominantes
regionais não associadas ao núcleo cafeeiro e tinha por objetivo sensibilizar a
classe média. Defendia a necessidade de se incentivar a produção nacional em
geral e não apenas o café; combatia os esquemas de valorização do produto em
nome da ortodoxia financeira e por isso mesmo não discordava neste ponto
da política de Washington Luís. Propunha algumas medidas de proteção aos
trabalhadores, como a extensão do direito à aposentadoria, regulamentação do
trabalho do menor e das mulheres, aplicação da lei de férias. Em uma evidente
resposta ao presidente que afirmou ser a questão social no Brasil “uma questão
de polícia”, a plataforma da oposição dizia não se poder negar a sua existência,
“como um dos problemas que teriam de ser encarados com seriedade pelos
poderes públicos”. Sua insistência maior era a defesa das liberdades individuais,
a anistia (com o que se acenava para os tenentes) e a reforma política, para asse-
gurar a chamada verdade eleitoral. (FAUSTO, 2010, p. 319-320)

A Aliança Liberal, especialmente os representantes da oligarquia que eram filiados a ela,


entendiam que precisavam ter em seu discurso a promessa de direitos sociais e trabalhistas para
que tivessem mais apoio. Nesse sentido, tinham como propostas a regulamentação do trabalho
feminino e do horário de trabalho, assim como de aposentadoria e férias.
Além disso, o voto de fato universal e a anistia para tenentes condenados em virtude do
movimento também eram propostas defendidas pela aliança. Podemos depreender da ideia de
Boris Fausto que havia uma urgência em atender, ao menos em parte, às reivindicações relativas
ao campo social.
Junto às consequências da Crise de 1929 e ao desgaste político, no início de 1930, a chapa
paulista venceu. Entretanto, isso não foi o suficiente para frear a Aliança Liberal, que se aliou aos
tenentistas, especialmente após a morte de João Pessoa, que, mesmo tendo ocorrido por outros
motivos, foi apontada como uma “honra” a ser defendida.
Em meados de 1930, Getúlio Vargas tomou o poder, período intitulado como “Revolução de
1930”. Parte de seu discurso dizia:
Nem os elementos civis venceram as classes armadas, nem estas impuseram
àqueles o fato consumado. O Rio Grande do Sul, ao transpor as suas fronteiras,
rumo a Itararé, já trazia consigo mais da metade do nosso glorioso exército.
Por toda parte, como, mais tarde, na capital da República, a alma popular con-
fraternizava com os representantes das classes armadas, em admirável unidade
140 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

de sentimentos e aspirações. O trabalho de reconstrução, que nos espera, não


admite medidas contemporizadoras. Implica reajustamento social e econômico
de todos os rumos até aqui seguidos. (VARGAS apud BASTOS, 1986, p. 256)

O tom das palavras de Getúlio Vargas é de renovação, de reforma, de um futuro até então
desconhecido. Suas promessas estão relacionadas a uma nova administração, com programas de-
sejados e desconhecidos.
As discussões historiográficas acerca da Revolução de 1930 apontam que ela foi possível
após a cisão entre os setores da burguesia industrial com os setores médios e urbanos e sua chega-
da ao aparelho estatal. Para Boris Fausto, a Revolução de 1930 ocorreu por meio de conflitos entre
as oligarquias que tiveram o apoio de parte dos militares com o intuito de neutralizar o poder da
burguesia composta de cafeicultores. Nas palavras do historiador,
a partir de 1930 ocorreu uma troca da elite do poder sem grandes rupturas.
Caíram os quadros oligárquicos tradicionais; subiram os militares, os técnicos
diplomados, os jovens políticos e, um pouco mais tarde, os industriais. Desde
cedo, o novo governo tratou de centralizar em suas mãos tanto as decisões eco-
nômico-financeiras quanto as de natureza política. Desse modo, passou a ar-
bitrar os diversos interesses em jogo. O poder de tipo oligárquico, baseado na
força dos estados, perdeu terreno. As oligarquias não desapareceram, nem o
padrão de relações clientelistas deixou de existir. Um novo tipo de Estado nas-
ceu após 1930, distinguindo-se do Estado oligárquico. (FAUSTO, 2002, p. 182)

Segundo Fausto, permanecia no poder uma estrutura elitista, com o poder concentrado em
suas mãos, além de perpetuarem práticas clientelistas, porém sob novas organizações. Não obstan-
te, Fausto afirma que algumas estratégias foram logo definidas, o que caracteriza, para ele, o novo
governo como a Revolução de 1930. A primeira estratégia era uma economia voltada aos interesses
industriais, a segunda era o estabelecimento de uma aliança com a classe trabalhadora, em uma
espécie de proteção estatal, e, por último, era ter o Exército como uma “indústria de base” e de
proteção interna (FAUSTO, 2010).
Outro historiador, Edgar Salvadori De Decca, afirma que Getúlio Vargas, junto ao setor mais
conservador da Aliança Liberal, a burguesia industrial, teria liderado uma contrarrevolução, a fim
de controlar mudanças sociais mais profundas. Entre elas, estaria a ação do movimento operário
(DE DECCA, 2004).
De qualquer forma, podemos entender que a Revolução de 1930 trouxe um novo tempo
político ao Brasil.

Considerações finais
O movimento tenentista foi um dos principais responsáveis pelo desgaste do sistema políti-
co oligárquico ao fim dos anos de 1920. Isso porque, além de os militares demonstrarem resistên-
cia, também se fortaleceram com a oposição política dos representantes da aliança “café com leite”.
Além disso, é preciso considerar todas as resistências encontradas nas décadas anteriores,
isto é, as Revoltas da Chibata, do Contestado, da Armada e de Canudos, o movimento operário
com suas greves, o movimento feminista, entre outros. Todos esses, cada um ao seu tempo e com
“Revolução” de 1930: história e historiografia 141

suas reivindicações, tinham algo em comum: desejavam outra organização para a República que se
iniciava, fosse na direção do Executivo, fosse na simples declaração de igualdade social e de políti-
cas públicas que corroborassem com uma maior participação popular.
O movimento modernista, os representantes da eugenia e aqueles que almejavam mais hi-
giene e sanitarismo nas ruas, ainda que para poucos, faziam parte desse desejo por um Brasil re-
publicano e moderno.

Ampliando seus conhecimentos


O texto a seguir é parte de um artigo publicado pela historiadora Anita Leocádia Prestes. Seu
objetivo é aprofundar a análise sobre a Coluna Prestes, conduzida por seu pai, Luís Carlos Prestes.
Convidamos você à leitura, a fim de refletir sobre a historiografia desse período.

A Coluna Prestes: uma proposta de ­trabalho


(PRESTES, 1985, p. 30-31)

Fica evidente que a ausência quase completa da Coluna Prestes de nossa historiografia
(enquanto os levantes de 22 no Rio, 24 em São Paulo e a Revolução de 30 contam com uma
vasta bibliografia) não pode ser aceita como um fato casual e fortuito. Principalmente, quando
algumas das principais figuras da Marcha da Coluna permaneceram, durante anos, em posi-
ções de destaque na vida nacional. É impossível negar que houve o propósito deliberado de
relegar a Coluna e seus feitos ao esquecimento e, ao mesmo tempo, permitir que seu conteúdo
fosse esvaziado do seu verdadeiro sentido, deturpado e manipulado pelas classes dominantes
ao longo dos anos que se seguiram ao movimento de 30.
Indiscutivelmente, a ruptura de Prestes com os “tenentes” e sua adesão aos ideais comunistas
podem explicar muita coisa. A partir desse momento, praticamente todos seus antigos compa-
nheiros viram-lhe as costas e aderem, em maior ou menor grau, à chamada Revolução de 30 e
ao novo poder instalado sob a liderança de Getúlio Vargas. Entrementes, falar na Coluna e nos
seus feitos era impossível sem referir-se a Prestes e seu papel destacado. A Coluna estava iden-
tificada com Prestes. E Prestes, a partir de 30, estava identificado com o comunismo e a União
Soviética. Para as classes dominantes e seus mais novos colaboradores – os antigos “tenentes” –
era indispensável destruir o mito do “Cavaleiro da Esperança”, que haviam ajudado a difundir,
enquanto correspondia aos seus interesses.
As ideias comunistas encontravam no Brasil uma nova e original forma de propagação: por
intermédio de Luiz Carlos Prestes – indiscutivelmente a figura de maior destaque e a prin-
cipal liderança do movimento tenentista –poderiam atingir setores, como de fato aconteceu
em certa medida, que o débil PCB (Partido Comunista Brasileiro) não tinha possibilidade
de influenciar. Tratava-se, pois, para os vitoriosos de 1930, de travar o combate sem tréguas
contra o comunismo e contra Prestes. Para isso, era preciso silenciar a história da Coluna e,
pouco a pouco, ir transfigurando o seu verdadeiro sentido. Com o tempo, não só o sentido
da Coluna seria deturpado, como o do movimento tenentista em geral. Uma outra “história”
deveria aparecer, a história dos donos do poder.
Tratava-se de esquecer a verdadeira história da Coluna: uma história de luta revolucionária
contra as oligarquias personificadas pelo seu representante máximo na época – o presidente
142 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

Artur Bernardes; uma história de rebeldia, da qual participaram não só os “tenentes”, como
contingentes mais ou menos numerosos de homens e mulheres oriundos do povo, das massas
populares; uma história em que, diferentemente dos estereótipos insistentemente propagados
no Brasil pelas classes dominantes, verificava-se que o povo, quando encontra condições pro-
pícias, quando dispõe de lideranças em que confia e que se mostram capazes de mobilizá-lo e
quando é motivado por um determinado objetivo, é capaz de organizar-se e lutar, inclusive de
armas na mão, com infinita abnegação e desprendimento, pela causa abraçada.
[...]

Atividades
1. Qual a relação entre a reação republicana do Rio de Janeiro e o fim da República Velha?

2. De que forma podemos afirmar que há uma relação próxima entre o movimento tenentista
e a Revolução de 1930?

3. Por que, para Boris Fausto, houve uma revolução em 1930, mesmo com o poder centralizado
em poucas mãos no período posterior?

4. Para a historiadora Anita Leocádia Prestes, o tenentismo teve uma revisão historiográfica
complexa a partir de 1930. Estabeleça a argumentação da autora e explique o porquê das
diferenças.
Gabarito

1. A crise no Império e a emergência do discurso republicano


1. Os escravos que foram lutar na Guerra do Paraguai, mesmo que em condições infe-
riores aos “brancos”, puderam experimentar a liberdade. Desse modo, ao retornarem
ao Brasil e encontrarem as ideias abolicionistas, endossaram o movimento pelo fim da
escravidão. Da mesma forma, soldados rasos que foram contratados para lutar também
exigiram seus direitos de manter seus lugares no Exército, enquanto aqueles que ocupa-
vam altos postos nessa instituição reivindicavam o reconhecimento do Exército. Ambos
os processos acabavam questionando a ordem vigente, visto que, no caso dos escravos,
contestavam toda a moral e a política econômica. Ao mesmo tempo, o Exército mos-
trava-se como uma forte instituição (com alguns ideais republicanos) diante do Poder
Moderador de Dom Pedro II.

2. A abolição foi um processo longo, lento e gradual, iniciado ainda em 1831 (quando o
tráfico negreiro foi proibido), mas que, de fato, manteve-se por várias décadas. Apenas a
partir de 1860, com a participação de negros na Guerra do Paraguai, a campanha aboli-
cionista e o início do discurso republicano, intensificou-se a luta pelo fim da escravidão.
A existência da escravidão, entretanto, nunca foi um problema moral para uma maioria,
inclusive de negros libertos, pois era algo “naturalizado”. Desse modo, quando o pro-
cesso de abolição ganhou fôlego, tanto por pressões internacionais quanto nacionais, a
inserção social e a igualdade de direitos não fizeram parte da pauta política principal, e
as consequências para os libertos foram de marginalização e de ausência de uma política
eficiente de igualdade de direitos.

3. A construção das ferrovias teve início devido ao interesse de cafeicultores, que de-
sejavam transportar com mais rapidez seus produtos, além de baratear o transporte.
Desse modo, aproveitando-se da Lei Feijó, passaram a estimular a construção da primei-
ra estrada de ferro, a Santos-Jundiaí – construída em grande parte com dinheiro público,
o que demonstra um direcionamento privilegiado do uso desse dinheiro. Ao mesmo
tempo, o interior de São Paulo foi alvo de povoação, visto que era preciso montar vilas a
fim de sustentar as necessidades dos operários. Esse, certamente, foi um dos primeiros
processos de interiorização no período contemporâneo à História do Brasil.

4. A construção das ferrovias estava ligada à ideia de progresso, ou seja, um país só poderia
crescer e se desenvolver caso também pudesse escoar a sua produção do interior, bem
como povoá-lo. Por isso, trazer novos grupos sociais e étnicos para que trabalhassem na
construção das ferrovias foi uma prática comum durante a segunda metade do século
XIX e início do XX. Parte da mão de obra utilizada era também brasileira, porém nem
sempre eram os nativos que predominavam. Ao trazer mais grupos imigrantes e ao não
144 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

atender às necessidades daqueles que já viviam nessas regiões, isso fez com a desigualdade
social e racial aumentasse. Assim, podemos dizer que a bandeira de progresso, levantada
pela construção das ferrovias e com a vinda de imigrantes, trouxe crescimento ao Brasil, mas
também foi base para o aumento das desigualdades.

2. Republicanismo no Brasil Imperial


1. O Exército, após o retorno da Guerra do Paraguai, exigiu de Dom Pedro II mais autonomia
e poder político. O Imperador, por sua vez, não colaborou com os interesses dos militares.
Assim, eles passaram a apoiar as ideias republicanas, especialmente porque, se o Brasil fosse
uma República, poderiam participar mais das esferas de poder. Nesse contexto, as ideias
positivistas do filósofo Auguste Comte passaram a ser mais conhecidas. Elas defendiam a
observação e a união entre interesses de diferentes segmentos de uma sociedade, para que
ela prosperasse. Cabe ressaltar: a ideia de Comte era laica, isto é, separava religião e Estado,
e defendia a ciência como responsável pelo progresso de um país.

2. O jornalista Antônio Silva Jardim era republicano e abolicionista. Na citação referente


à pergunta, assim como nas demais, travava embates com conservadores e liberais, por
entender que estes, quando apoiavam a ideia republicana, faziam-no apenas pensando
nos seus interesses e privilégios de classe. Desse modo, caso a República fosse procla-
mada, não atenderia à demanda do povo em geral. Muitos liberais e conservadores não
tinham o objetivo de abolir a escravidão, mas, caso isso ocorresse, eram de acordo com o
pagamento de indenizações aos senhores, além disso, essa abolição só deveria acontecer
no tempo escolhido por eles. Para Silva Jardim, abolir a escravidão, como também ouvir
outros públicos, como mulheres e estrangeiros, eram premissas mais do que necessárias,
pois somente assim poder-se-ia construir um regime republicano em consonância com os
ânimos do fim do século XIX e do início do século XX.

3. A Constituição de 1891 foi a primeira que trouxe perspectivas de igualdade social e política
para um público maior. Um dos aspectos era permitir que as pessoas tivessem o direito de
defesa antes de serem punidas, e tal discussão culminou na prática do habeas corpus. Além
disso, foi defendido em sua escrita o direito de todos “de ir e vir”, ou mesmo de professar sua
fé, sem serem julgados ou punidos por isso. Entretanto, sabemos que as leis foram criadas
em um período de bastante instabilidade e em um país sem tradição de respeito aos direi-
tos. Desse modo, entendemos que essas leis estavam apenas iniciando a formação de uma
cultura da igualdade.

4. Para Paulo Bonavides, a França revolucionária encontrou um Estado-Nação (a sociedade


feudal do Antigo Regime) já organizado, independente, e, por meio dele, pôde escolher o
caminho a se tomar. No Brasil, o processo foi bastante diverso, visto que o país havia sido co-
lônia por muito tempo (três séculos) e, quando se tornou independente, com a continuidade
da família real portuguesa no poder, não desenvolveu ou conheceu outra prática política
ou perspectivas sociais diversas daquelas já conhecidas antes da independência. Portanto,
Gabarito 145

apesar de algumas instituições de representatividade e de constituição terem sido criadas, a


expectativa não poderia ser igual à francesa, não apenas pelas diferenças contextuais, mas
pela própria “base política” anterior.

3. Movimentos urbanos e sociais


1. A Proclamação da República ocorreu de acordo com os interesses de pequenos grupos,
mesmo que importantes, como o Exército, os positivistas e a oligarquia cafeicultora de São
Paulo. Desse modo, se olharmos para o sentido estrito do termo república (res publica), que
significa coisa pública, podemos perceber, já de início, que o processo ocorrido no Brasil
se diferenciava de outros processos históricos, visto que não foi o povo ou ao menos uma
maioria que liderou tal acontecimento histórico (tal como ocorreu na Revolução Francesa).
Porém, sob a ótica das discussões trazidas pelas historiadoras Angela de Castro Gomes e Sil-
via Gomes de Bento Mello, podemos perceber que, aos poucos, ideias vistas como inferiores
ou subversivas passaram a ser discutidas, ganhando espaço e conquistando direitos. Ao fim,
a ideia de república, por mais manipulada que tenha sido, trouxe à baila o questionamento
acerca da perspectiva de igualdade.

2. Anarquistas defenderam (entre os anos de 1906 a 1920), em especial e com intensidade, a


união de categorias e de operários (nem sempre) semelhantes para que, dessa forma, tives-
sem mais força diante das lutas. Ambos os grupos, socialistas e anarquistas (nem sempre
tão separados), colaboraram com a formação de uma consciência de “classe operária” no
Brasil, mesmo que o reflexo mais expressivo disso tenha se dado a partir dos anos de 1920,
culminando nos direitos trabalhistas, nas décadas seguintes. Entretanto, o anarquismo pre-
gava uma luta mais árdua e de resistência, ou seja, não era a favor de negociar com o Estado,
porque entendia que a maioria dos sindicatos já existente naquele período funcionava como
associações e cooperativas assistencialistas. Do mesmo modo, os anarquistas diziam que não
seria possível alcançar a igualdade e a liberdade enquanto o Estado existisse, apresentando
assim uma proposta diversa à do socialismo, que pregava a intervenção estatal para a condu-
ção de uma sociedade mais igualitária.

3. Os anarquistas eram chamados de “baderneiros”, visto que não aceitavam a autoridade es-
tatal e de suas instituições. Para eles, o Estado, assim como toda autoridade institucional,
era responsável pela legitimação da opressão e da falta de direitos dos operários. Por isso,
pregavam manifestações e greves, a fim de obterem negociações mais contundentes e bené-
ficas. Devido a essa postura arrojada, muitos anarquistas acabavam presos, e os que eram
estrangeiros chegavam até a ser expulsos do país. Os “amarelos” eram chamados dessa forma
pelos anarquistas, pois aceitavam apenas parte dos direitos necessários e eram persistentes
nas negociações com o patronato.

4. O historiador inglês Eric Hobsbawm afirma que é necessário analisar a classe operária de
acordo com o contexto a que pertence. Para isso, é preciso considerar a economia nacio-
nal, a classe, o Estado, as leis e as práticas comuns a um país. O historiador Edward Pal-
146 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

mer Thompson, por sua vez, argumenta que não é ideal reduzir o trabalho a uma simples
ideia de “emprego” e seu vínculo linear com os processos educacionais escolares, é preciso
compreender o trabalho na sua necessária relação com a vida. Dessa forma, defende que é
preciso criticar a visão meramente economicista do trabalho, para pensar esse tema com
base na experiência e nos sentimentos gerados pelos sujeitos sociais, a fim de perceber
como eles compreendem e mudam os seus espaços.

4. O sertão e o interior do Brasil


1. O cangaço pode ser apontado como um estilo de vida de diversos homens e mulheres
do sertão brasileiro que aliava a violência ao cotidiano de várias formas – como assaltos,
sequestros, roubos. Essa região era repleta de miséria social, intensificada pela falta de
políticas públicas e sociais, tanto por parte do Império quanto da República. O Cabeleira,
personagem lendário do romance regionalista de Franklin Távora, assim como do sertão
pernambucano, teria sido um dos primeiros cangaceiros. O último foi Virgulino Ferrei-
ra da Silva, o Lampião, com seu bando. Apesar da violência empregada, os cangaceiros
também defendiam outros pobres em relação à opressão mantida por coronéis e políticos
regionais. Dessa forma, é possível dizer que o cangaço era uma das poucas opções contra
a miséria, mesmo que lançasse mão da violência.

2. Canudos nasceu por meio da negação de Antônio Conselheiro e de seus seguidores em


obedecer ao pagamento de impostos, que eram cobrados do povo desde a fase imperial do
Brasil, sem se importar se a população passava por períodos de secas ou escassez, situação
comum no sertão nordestino. Além disso, era uma região que há muito estava abandonada
pelo poder público, situação que se agravou ainda mais após a Proclamação da República.
Essa região também era local de disputa entre coronéis e cangaceiros, cuja violência era
comum. Antônio Conselheiro, ao fundar Canudos, estava preocupado em contestar a Re-
pública, por entender que ela feria a ordem natural da monarquia, ao mesmo tempo em que
convivia com diversos problemas sociais. Porém, ao ser analisado pelo discurso jornalístico,
o Arraial de Canudos foi apontado como um local que simplesmente não aceitava uma nova
ordem política, sem que os problemas sociais e políticos (que fizeram com que milhares de
pessoas apoiassem Antônio Conselheiro) fossem considerados. Assim, não restava ao gover-
no federal outra opção, senão reprimir duramente o movimento e utilizá-lo como exemplo
para outros.

3. Os movimentos de Canudos e do Contestado aproximam-se por poderem ser classificados


como sendo de cunho “messiânico” pelas instituições oficiais do período, o que permitiu
que ambos fossem reprimidos de maneira dura e exemplar, para que outros não ocorres-
sem. Entretanto, apesar das características supersticiosas e, muitas vezes, dos discursos
contra a República, as questões maiores que os mobilizavam eram a falta de regulação
de terras e a opressão sentida pelas mãos de coronéis e por parte de uma República que
não defendia os interesses de camponeses. A fé movida por pregações de quem se dizia
Gabarito 147

curandeiro ou por um líder carismático – no caso de Conselheiro – era comum. Contudo,


não se pode reduzir a resistência de sertanejos e a diferença social e de classe a um simples
evento místico ou fanático.

4. A leitura do artigo de Vanderlei Sebastião de Sousa expõe o sertão euclidiano como um


espaço rude, seco, inóspito, ou seja, de difícil sobrevivência. Com base em ideias sociais e
científicas do período, Euclides da Cunha busca compreender a relação entre o homem da
terra – o sertanejo – e as condições geográficas nas quais ele lutava por sobreviver. Observa-
-se, portanto, uma influência naturalista, típica do fim do século XIX, e uma relação direta
com o positivismo de Auguste Comte, para quem o mundo social deveria ser compreendido
com base nas ciências naturais, buscando sua organização e sua lógica.

5. República civilizatória e resistência


1. A Revolta da Armada se desdobrou em dois momentos diversos: em 1891, sob o governo de
Deodoro da Fonseca, quando este fechou o congresso e se negava a ouvir a oposição e, em
1893, com Floriano Peixoto, quando este se recusou a discutir com representantes da Ma-
rinha. Em ambos, havia o desejo do retorno da monarquia ou de alguma postura diferente
da que viam acontecer em nome da República instituída. Os acontecimentos fazem parte,
portanto, da disputa política e militar dos primeiros anos que se sucederam à Proclamação
da República.

2. Junto ao desconhecimento sobre a eficácia e funcionamento da vacina, havia a disputa


política entre militares, monarquistas e civis. Aqueles que estavam contra o governo do
período, independentemente da importância da vacina, incentivaram o movimento a fim
de desqualificar as medidas tomadas pelo Executivo – já que era uma ordem direta –,
enquanto afirmavam que a escolha de ser vacinado deveria ser do povo, e não o contrário.
A oposição lançava sobre o governo um juízo de arbitrariedade, desqualificando a Repú-
blica. Além disso, operários e sindicatos também aproveitaram o momento de conflito
para negociar direitos.

3. A Revolta da Armada foi motivada por disputas políticas e desentendimentos internos na


Marinha. Os temas eram sobre o futuro do Brasil e da República. No movimento da Chibata,
liderada por marinheiros negros e pobres, além de culparem a República pela ausência de
igualdade entre brancos e negros (raças), também pediam revisão das penalidades sofridas,
assim como desejavam uma formação igualitária na Marinha. Um dos principais aspectos
era de que o alto comando em geral ordenava muitas chibatadas aos negros, como penalida-
des, tratando-os ainda como escravos, embora já tivesse passado 20 anos da abolição.

4. O principal elemento era o repúdio ao modo como os marinheiros negros eram tratados e,
para eles, a República também era culpada, visto que não tornava eficazes leis que os prote-
gessem e lhes dessem garantias de igualdade. Dessa forma, apenas um levante contra aqueles
que representavam essas instâncias seria respeitado ou ouvido.
148 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

6. Reforma urbana e questão social na capital da República


1. A Constituição de 1891, além de limitar aqueles que poderiam participar da política, de-
fendia a autonomia dos municípios e dos estados, permitindo que definissem políticas
locais. Dessa forma, o povo ficava à mercê dos interesses de quem controlava as coligações
e, embora, a “política dos governadores” tenha buscado um “acordo nacional”, acabou
centralizando o poder apenas para dois estados. Tal perspectiva demonstra que a ideia
de República ainda não havia alcançado seus princípios mais sociais. Em relação à prá-
tica liberalista, a não intervenção do Estado no mercado era comum ainda no Império,
especialmente dirigindo o montante arrecadado aos interesses do setor agrário. Com a
Proclamação da República e uma nova Constituição, novos arranjos foram necessários
para que o poder – disputado – fosse exercido.

2. Para o historiador Claudio Batalha, o imigrante que vinha ao Brasil em geral pertencia ao
campo, sem tradição ou participação sindical. Dessa forma, a ideia de que todos vinham
com conhecimento dos princípios anarquistas não seria válida; porém, ao mesmo tempo,
esses imigrantes chegavam ao Brasil com o objetivo de enriquecer, e essa escolha por vir
demonstra uma reação diante da opressão e pobreza sentidas anteriormente. Estas são cons-
tantes no Brasil e, diante disso, apenas uma ação coletiva poderia mudar.

3. Podemos perceber que os movimentos não foram unânimes, nem ao menos ocorreram ao
mesmo tempo. Mas entendemos que, à medida que a década de 1900 passava e as ideias so-
cialistas e anarquistas eram divulgadas, bem como associações e sindicatos atuavam, operários
passaram a perceber que a união deles poderia mudar. Se o patronato reagia com força, como
muito aconteceu após 1908 e, em especial, no ano de 1917, sindicalizados compreenderam que
reinvindicações poderiam ser atendidas mediante a insistência por meio de greves e negocia-
ções. Longe de um ideal, o que apontamos é a construção de uma consciência operária, notada
com evidência a partir dos anos de 1920.

4. O autor tem como principal preocupação demonstrar que, apesar da aparente diminuição
de movimentos e de formação de resistências até por volta do ano de 1914, a ideia de uma
espontaneidade baseada nas diferentes instituições significa uma consciência da importân-
cia da luta por direitos e do quanto as mais diversas realidades estavam relutando contra as
opressões sentidas. Dessa forma, embora sejam grupos ideologicamente diversos, o envol-
vimento dos três fez com o movimento operário, de modo geral, entendesse que as reivindi-
cações eram de todos.

7. Literatos, literatura e vida intelectual na Primeira República


1. A República do “café com leite” ou oligárquica instalada após a Proclamação da República
logo demonstrou que seus representantes não almejavam um governo democrático e com
políticas públicas para a maioria da população. Nesse contexto, diversos embates e resis-
tências aconteceram por parte do povo, objetivando um lugar menos desigual. Porém, não
somente pelo fato, mas essencialmente pelo que poderia significar a palavra República, di-
Gabarito 149

versos grupos começaram a debater questões sociais e até mesmo políticas sobre o futuro
da nação. Além disso, uma maior liberdade na economia permitiu que novos grupos se
instalassem no Brasil, junto a tantos imigrantes e forros, que colaboraram para que cidades
tivessem seus comportamentos e ideais transformados.

2. Os bairros novos, que deveriam atender à população suburbana, conhecidos como “cidades-
-jardim”, acabaram sendo construídos pela Companhia City às classes mais abastadas. Além
de o processo de construção das ruas e casas ter parâmetros superiores aos que os mais simples
poderiam pagar, o não incentivo do comércio nesses locais fez com que muitos não almejas-
sem essas moradias. Do mesmo modo, nesses bairros era comum a construção de praças e
­pequenos parques de acordo com os interesses dos moradores, e ainda os jardins, que tanto
deixavam os locais mais agradáveis, não eram organizados nos bairros mais simples.

3. O início do movimento modernista não tinha uma intenção geral de debate político, ou
seja, de envolver suas exposições e produções artísticas em temas de interesses maiores,
além dos estéticos. As questões centrais, no início, eram relativas às vanguardas europeias
como inspiração para a busca de uma brasilidade. Entretanto, com o tenentismo, cujo
questionamento era o sistema político oligárquico, o ideal modernista tornou-se eviden-
temente político, colaborando na proposta de mudança intencionada ao Brasil.

4. Os modernistas entendiam o termo antropofagia em seu sentido mais metafórico, o de que


toda cultura que havia passado ou contribuído, com mais ou menos evidência em relação à
brasileira, deveria ser “digerida” adequadamente, a fim de se perceber que elementos pode-
riam ser aproveitados, formando a brasilidade. Tal perspectiva era uma alusão aos rituais an-
tropofágicos, estudados pelos modernistas, em que a força ou as qualidades de um “inimigo”
seriam adquiridas à medida que sua “carne” fosse consumida.

8. Discursos eugênicos no Brasil


1. Para Souza (2012), a eugenia “positiva” de Francis Galton se refere a um controle racial e de
saúde por meio de estratégias sociais, políticas e culturais, isto é, para “melhorar” a qualida-
de e o modo de viver da população, a fim de evitar problemas epidêmicos ou sociais, como
violência urbana, fome, entre outros. Já a eugenia “negativa” dizia respeito a restringir ou
instituir medidas que impediriam pessoas pobres (tangenciadas por questões étnicas, raciais
e de gênero) de ­constituirem famílias. No caso brasileiro, ocorreu a eugenia positiva (menos
agressiva), buscando medidas que diminuíssem a miséria social. É importante ressaltar que
a miscegenação também era condenada, situação que não poderia ser evitada mais no Brasil,
devido à sua trajetória.

2. Para Stepan (2004), a discussão sobre eugenia no Brasil estava mais relacionada a mudanças
sanitárias e reforma urbanística dos grandes centros que a uma mudança ou proposta mais
radical de alteração genética, ou seja, de uma eugenia “negativa”. Dessa forma, podemos
entender que a eugenia não encontrou o seu espaço de forma mais radical, que é evitar o en-
150 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930

trelaçamento de raças (vistas como inferiores e superiores), tendo sido pensada mais como
uma política social e para justificar as diferenças já existentes.

3. Por meio do discurso de Renato Kehl, Souza (2006b) evidencia que a opinião de diversos
teóricos estava estampada nos jornais, trazendo números e argumentos sobre a escolha do
imigrante – como etnia, aptidão física e histórico de doenças –, bem como a sugestão de
proibição de casamentos entre raças diferentes. Por meio dessas fontes (jornais), é perceptí-
vel que alguns grupos sociais eram segregados, segundo o estabelecimento ou não de rela-
ções com outros.

4. Kern (2013) afirma que a miscigenação de raças era condenada pela eugenia, visto que
não poderia ser “equiparada” ou reconstituída uma raça superior após ser miscegenada.
Além disso, a miscigenação se mostrava como um limite ao progresso de um país, cau-
sando degeneração racial e “atrasos” à civilização. Kern traz ainda ideias de Schwarcz,
as quais reafirmam que as raças deveriam ser diferenciadas em aspectos físicas, morais
e culturais, assim como deveriam ser conhecidas e hierarquizadas. Portanto, na medida
em que as raças fossem analisadas, soluções para os problemas sociais do Brasil pode-
riam ser encontradas.

9. 1920 e as efervescências sociais e políticas


1. Naquele contexto, eram muitos os grupos que chegavam à cidade de São Paulo, enquanto
movimentos buscavam formar um ideal de modernidade. Para tanto, era preciso pensar que
as tradições e os costumes tinham sido alterados e, a fim de dar um “elo” a tantas línguas
e culturas diferentes, o incentivo ao esporte foi uma das estratégias. Sevcenko exemplifica,
nesse sentido, a torcida e a união pelas regatas e o futebol. Se antes os grupos não tinham
nada em comum, passavam a ter por meio dos clubes e associações.

2. Anarquistas defendiam a liberdade individual e, por isso, colocavam-se contra reuniões par-
tidárias e associações, especialmente se mantivessem alianças com o patronato. Dessa forma,
com a ausência de leis e direitos, o desemprego e a falta de sindicalização, os grupos (que
eram muitos) acabavam antes de ganharem espaço na política. Além disso, muitos anarquis-
tas também foram extraditados após as greves dos anos de 1910. Nesse sentido, o Partido
Comunista do Brasil, além de buscar na formação partidária uma força, também incentivou
os “seus” operários a se candidatarem e, por isso, não muito além das capitais, especialmente
da federal, ganhou destaque nos anos de 1920.

3. As feministas dos anos de 1920 no Brasil tinham interesses diversos entre elas. Bertha Lutz
liderava a reivindicação ao acesso ao Ensino Superior e ao voto universal. Acreditava que
as mulheres alcançariam a igualdade quando pudessem escolher seus representantes ou se
candidatarem. Além disso, a escolha por qualquer profissão também traria equidade e igual-
dade às mulheres. Maria Lacerda de Moura defendia os direitos trabalhistas essencialmente,
porém várias dessas reivindicações acabaram alcançando o status de lei na Constituição de
1934, atingindo até mesmo homens, visto que até então nem todos poderiam votar.
Gabarito 151

4. Tiago de Melo Gomes observa, por meio de várias fontes, a existência de elementos culturais
ligados ou presentes na boêmia, na dança ou mesmo no cotidiano carioca. Isso já era forte
nos anos de 1920 e sua origem seria uma espécie de teatro popular, com músicas que acaba-
vam se tornando comuns no dia a dia. Dessa forma, o “samba malandro” teve sua origem em
palcos e, desse lugar, foi também para os cinemas e rádios. Personagens malandros, mulatas,
caipiras e portugueses deram vida e continuidade para esses temas.

10. “Revolução” de 1930: história e historiografia


1. A reação republicana do Rio de Janeiro foi comandada por Nilo Peçanha, após ter sido der-
rotado nas eleições por Arthur Bernardes. Para ele, outras camadas sociais deveriam ser ou-
vidas, e o Executivo deveria passar por uma reforma, considerando também a participação
de outros estados. Após uma intensa troca de cartas com militares, que se sentiram lesados
por não conseguirem cargos no governo de Artur Bernardes, Nilo Peçanha recebeu também
o apoio deles. A reação republicana logo foi sufocada, especialmente pelo corte e exoneração
de cargos a deputados “dissidentes”. Entretanto, isso também desencadeou o tenentismo,
sendo essa uma reação que colaborou com a Revolução de 1930 nos anos subsequentes,
devido ao fortalecimento do Exército.

2. O movimento tenentista fortaleceu a imagem do Exército, que apoiou a Aliança Liberal


contra Washington Luís e Júlio Prestes. A Coluna Prestes, desdobramento do movimento te-
nentista, também conseguiu, por anos, percorrer o interior do Brasil sem ser definitivamente
derrotada. Nesse sentido, além da resistência e do apoio do Exército ao novo governo, mui-
tos desses tenentes estiveram presentes na Revolução de 1930, assim como conquistaram
lugares e funções políticas no governo de Getúlio Vargas.

3. Para o historiador, além da ruína da oligarquia da República Velha, houve mudanças radicais,
que o permitem entender tal processo como revolucionário. São eles: estreitamento de laços
do Estado com a classe trabalhadora, direção da economia para investimentos industriais e
fortalecimento do Exército como instituição e responsável pela segurança interna do país.

4. A historiadora Anita Leocádia Prestes se refere ao momento em que os tenentistas passaram


a apoiar mais as determinações de Getúlio Vargas. A fim de terem cargos ou qualquer tipo de
participação política, abandonaram vários de seus princípios da década de 1920. Nesse caso,
é possível dizer, com base no entendimento da historiadora, que esses tenentistas tiveram
gestos antes condenados, visto que Vargas também representava uma burguesia e oligarquia.
Para Anita Prestes, o caráter popular do tenentismo se perde, especialmente pela representa-
ção comunista que seu líder acaba alcançando posteriormente.
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HISTÓRIA DO BRASIL: DA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA AO GOLPE DE 1930
LORENA ZOMER

Código Logístico Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-6371-0

57122 9 788538 763710

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