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GEOPOLÍTICA HÍDRICA GLOBAL

ENERGIA E HIDRO-HEGEMONIA EM DISPUTA

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DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO
NA PUBLICAÇÃO (CIP)

Marcelino, Fernando

Geopolítica Hídrica Global: Energia e hidro-


hegemonia em disputa / Fernando Marcelino
Pereira. – Curitiba, 2023.

1. Geopolítica energética 2. Hidro-hegemonia 3.


Conflitos por água

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SUMÁRIO

1. GEOPOLÍTICA CONTEMPORÂNEA DA ENERGIA

1.1. Contexto Geopolítico: entre conflito e cooperação p. 05

1.2. O Poder da Energia e a diplomacia energética p. 09

1.3. Nova geopolítica das energias renováveis p. 19

1.4. Referências p. 23

2. GEOPOLÍTICA HÍDRICA GLOBAL

2.1. Hidro-hegemonia p. 26

2.2. Platô Tibetano p. 33

2.3. Ásia Central e Oriente Médio p. 45

2.4. Bacia do Nilo p. 54

2.5. Cooperação e conflito p. 60

2.6. Ampliando a noção de hidro-hegemonia p. 70

2.7. Contra-hegemonia e nacionalismo hídrico p. 71

2.8. Hidro-hegemonia Oceânica p. 74

2.9. Água virtual e o sistema alimentar global p. 75

2.10. Referências p. 80

SOBRE O AUTOR p. 87

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1. GEOPOLÍTICA DA ENERGIA

1.1. CONTEXTO GEOPOLÍTICO

Para controlar ou influenciar os fluxos globais de energia é ser necessário ser


capaz de projetar energia em várias regiões, inclusive possuir o poder militar para
conduzir operações em várias regiões, por exemplo, forças navais capazes de garantir
rotas marítimas vitais.

Desde o século XIX, o petróleo tem sido a pedra angular da geopolítica


energética global. Ambos as hegemonias, o Império Britânico e os EUA, aspiraram a
controlar a energia global fluxos. Durante o século 19, o Reino Unido, sua hegemonia
tinha como base ser um grande produtor e exportador de carvão, na época a mais
importante fonte de carvão (MANSSON, 2014). A decisão do então Primeiro Lorde do
Almirantado Winston Churchill de mudar a fonte de combustível dos navios de
guerra da Royal Navy de carvão para petróleo, a fim de tornar a frota mais rápida do
que sua contraparte alemã, marcou o início de uma nova era. A mudança de
suprimentos seguros de carvão do País de Gales para suprimentos incertos de
petróleo do que era então a Pérsia levou o Oriente Médio a se tornar um importante
epicentro da geopolítica global e o petróleo a se tornar uma questão fundamental para
a segurança nacional (TAGLIAPIETRA, 2019). Na Segunda Guerra, o petróleo foi
decisivo na Guerra do Pacífico, desencadeada pelo ataque japonês a Pearl Harbor, em
1941, e foi o motivo central do ataque alemão à União Soviética, em 1941, que se
propunha chegar ao Azerbaijão, conquistando o petróleo do Cáucaso e do Mar Cáspio.
Mais tarde, à medida que o petróleo ganhou importância no mix de energia, o Reino
Unido também estabeleceu uma presença mais intensa na região rica em petróleo do
Oriente Médio, com um engajamento diplomático e militar com os EUA, assumido à
medida que o equilíbrio global de poder mudou sobre o Atlântico. Nesse processo,
fatores motivaram os EUA a empreender envolvimento militar no Oriente Médio
visando garantir que o petróleo seja cotado em dólares para proteger o dólar supremacia
como moeda de reserva mundial (MANSSON, 2014).

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No contexto pós-Segunda Guerra, os EUA perceberam que para manter seu
poder no mundo, deve ser capaz de ter um suprimento abundante de recursos. Até 1950,
os EUA eram o principal produtor mundial de petróleo. Naquele ano, os EUA
produziram aproximadamente 270 milhões de toneladas métricas de petróleo, ou cerca
de 55% da produção total mundial. Mas com a recuperação do pós-guerra a todo vapor,
o mundo precisava de muito mais energia, enquanto os campos de petróleo mais
acessíveis dos EUA ainda pudessem crescer, estavam se aproximando dos níveis
máximos de produção sustentável. A produção líquida de petróleo bruto dos EUA
atingiu um pico de cerca de 9,2 milhões de barris por dia em 1970 e depois entrou em
declínio (até a disparada do xisto dos anos 2010). Isso levou as gigantescas empresas
petrolíferas, que já haviam desenvolvido sólidas bases na Indonésia, Irã, Arábia Saudita
e Venezuela, a varrerem o Sul Global em busca de novas reservas para explorar. Uma
atenção especial foi dada à região do Golfo Pérsico, onde em 1948 um consórcio de
empresas estadunidenses – Chevron, Exxon, Mobil e Texaco – descobriu o maior
campo de petróleo do mundo, Ghawar, na Arábia Saudita. Em 1975, os produtores do
Sul Global produziam 58% da produção mundial de petróleo, enquanto que a
participação dos EUA caiu para 18% (YERGIN, 2008).

Após a Segunda Guerra Mundial, a indústria petrolífera internacional foi


dominada por companhias petrolíferas multinacionais dos Estados Unidos, Grã-
Bretanha e outros países ocidentais, com a exploração do petróleo concentrada em um
pequeno número de países menos desenvolvidos, pois sua hegemonia global tem como
base a preservação de seus próprios suprimentos de petróleo. Conforme José Luis Fiori,
é a visão do petróleo como uma “commodity geopolítica” que explica a utilização de
todo e qualquer meio que seja necessário para assegurar o controle dos novos recursos e
mercados que apareçam, mesmo que seja necessário mudar regimes e governos, ou
corromper governantes, políticos e executivos, ou mesmo juízes, procuradores,
religiosos e quem quer que seja necessário para a realização de seus objetivos
estratégicos (FIORI, 2021).

Relembremos apenas alguns casos mais recentes e divulgados pela imprensa


internacional, de compra de favores e de promoção de mudança de governos, ou mesmo
de guerras civis, motivadas por questões petroleiras, ou financiadas diretamente pelas
grandes corporações do petróleo. Nos anos 1990, a Mobil e outras petrolíferas
americanas teriam pago um suborno de US$ 80 milhões para a conta bancária suíça do
presidente do Cazaquistão, Nursultan Nazarbaev, numa operação casada com a Agência
Central de Inteligência (CIA) dos EUA. De 2000 a 2002, a Chevron teria pago
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sobretaxas para corromper o Programa Petróleo por Comida, da ONU, na época em que
Condoleezza Rice era conselheira daquela empresa. Em 2003, a Exxon teria pago US$
500 milhões ao presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguem Mbasogo,
depositados numa conta bancária privada e pessoal nos Estados Unidos. Ainda em 2003,
a norueguesa Statoil (agora Equinor) teria pago US$ 2,9 milhões para garantir contratos
no Irã. Entre 2004 e 2006, Gazprom, a maior empresa de gás natural da Rússia, teria
pago suborno em conexão com a construção do gasoduto Yamal, que liga a Sibéria à
Alemanha. Em 2005, um inquérito independente liderado por Paul Volcker denunciou
um sistema regular de propinas, sobretaxas e pagamentos a indivíduos com acesso ao
petróleo iraniano, dentro do Programa Petróleo por Comida, incluindo a francesa Total,
que foi acusada de suborno, cumplicidade e tráfico de influência no período 1996-2003,
apesar de ter sido depois inocentada por um tribunal criminal de Paris, tão francês
quanto a própria empresa. Em 2006, a mesma Total teria comprado o apoio de políticos
e empresários italianos para garantir concessões a preço abaixo do mercado, num golpe
avaliado em 15 milhões de euros. Em 2009, a Exxon teria vencido uma concorrência na
Nigéria com uma proposta muito inferior a dos seus concorrentes, mediante suborno das
autoridades locais. Em 2011, a Exxon teria se enredado na corrupção do setor petroleiro
da Libéria para a compra de um bloco petrolífero envolvendo outras empresas,
incluindo a de Visconde Astor, sogro do ex-primeiro ministro da Inglaterra, David
Cameron. Também em 2011, a Shell e a ENI teriam pago mais de US$ 1 bilhão como
suborno a executivos nigerianos do petróleo. Nesse mesmo ano, 2011, a Statoil foi
denunciada por ter feito pagamento sistemático de propinas para consultores da Líbia e
de Angola, no valor de US$ 100 milhões, pagos desde o ano de 2000. Em 2017, na
própria Arábia Saudita, uma longa investigação de corrupção no mundo do petróleo
prendeu dezenas de príncipes e empresários proeminentes. Mais recentemente, em
2019, na Guiana, segue avançando uma investigação sobre o uso de suborno de
autoridades governamentais, pela ExxonMobil e a Tullow Oil, para obter o direito de
exploração da mais nova região petrolífera de águas profundas do mundo. Voltando um
pouco atrás, ainda em 1994, a Halliburton teria pago um suborno de US$ 182 milhões a
governantes da Nigéria, para participar do Projeto de Gás Natural Liquefeito de Bonny
Island. E já se pode acrescentar nesta lista a importante confissão do senhor Pedro
Barusco, que foi gerente de Serviços da Petrobras, entre 1995 e 2010, e que participou
das negociações com a empresa Halliburton para a entrega das plataformas P-43 e P-48
(FIORI, 2021).
Nesse sentido, o “mercado mundial” do petróleo nunca teve nada a ver com o
que os economistas ortodoxos e liberais chamam de “livre concorrência”, e sempre foi
um “campo de guerra” entre grandes corporações e grandes potências (FIORI, 2021).
Com os campos de petróleo domésticos secando, as gigantes energéticas foram
naturalmente atraídas para áreas produtoras do Oriente Médio, África e América Latina,
onde as reservas de petróleo eram abundantes.

Desde a segunda metade do século XX, o controle dos recursos petrolíferos


desempenhou um papel central em várias guerras, como a Guerra de Biafra (1967-
1970), a Guerra Irã-Iraque (1980-1988), a Guerra do Golfo (1990- 1991), a Guerra do
Iraque (2003-2011), Líbia (2011), Síria (2011), no Delta do Níger (desde 2004), na
Guerra Civil Sudanesa de 1983-2005. As tensões geopolíticas ligadas ao petróleo
também está ligado ao Golpe de Estado no Irã, em 1953, patrocinado pelos EUA e pela
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Inglaterra, na ofensiva golpista contra Getúlio Vargas no Brasil, em 1954, na Crise do
Canal de Suez em 1956, na Guerra do Yom Kippur, em 1973, e processos de
desestabilização na Líbia (2011), Síria (2011-2020), Venezuela (2002 e 2013-2022) e
Brasil (2013-2016). Conforme Michael Krane:

Iraque, Síria, Nigéria, Sudão do Sul, Ucrânia, Mares do Leste e do Sul da China: onde
quer que você olhe, o mundo está em chamas com conflitos novos ou intensificados. À
primeira vista, essas convulsões parecem ser eventos independentes, impulsionados por
suas próprias circunstâncias únicas e idiossincráticas. Não deveria surpreender ninguém
que a energia desempenhe um papel tão significativo nesses conflitos. Petróleo e gás
são, afinal, as commodities mais importantes e valiosas do mundo e constituem uma
importante fonte de renda para governos e corporações que controlam sua produção e
distribuição. De fato, os governos do Iraque , Nigéria , Rússia , Sudão do Sul e Síria
obtêm a maior parte de suas receitas das vendas de petróleo, enquanto as principais
empresas de energia (muitas estatais) exercem imenso poder nestes e em outros países
envolvidos. Quem controla esses estados, ou as áreas produtoras de petróleo e gás
dentro deles, também controla a arrecadação e a alocação de receitas cruciais. Apesar da
pátina de inimizades históricas, muitos desses conflitos, então, são realmente lutas pelo
controle da principal fonte de renda nacional. Como esses conflitos e outros como eles
sugerem, lutar pelo controle sobre os principais ativos de energia ou a distribuição das
receitas do petróleo é um fator crítico na maioria das guerras contemporâneas. Embora
as divisões étnicas e religiosas possam fornecer o combustível político e ideológico para
essas batalhas, é o potencial de lucros gigantescos do petróleo que mantém as lutas
vivas. Sem a promessa de tais recursos, muitos desses conflitos acabariam por se
extinguir por falta de recursos para comprar armas e pagar tropas. Enquanto o petróleo
continuar fluindo, no entanto, os beligerantes terão tanto os meios quanto o incentivo
para continuar lutando. Em um mundo de combustíveis fósseis, o controle sobre as
reservas de petróleo e gás é um componente essencial do poder nacional. Algum dia,
talvez, o desenvolvimento de fontes renováveis de energia possa invalidar esse
ditado. Mas em nosso mundo atual, se você vir um conflito se desenvolvendo, procure a
energia. Estará em algum lugar deste nosso planeta movido a combustíveis fósseis
(KRANE, 2021).

Mesmo assim, a questão energética, no centro de interesses geopolíticos, é vista


normalmente como um fator secundário. Poucas vezes é visto como um motivo real na
ação dos países. Na obra Por que os Líderes Mentem: Toda a Verdade sobre as
Mentiras na Política Internacional", John Mearsheimer apresenta a justificativa
utilizada pelo governo de George W. Bush de que Saddam Hussein possuiria grande
arsenal de armas de destruição em massa com o intuito de justificar a invasão do Iraque.
Para que a investida no Oriente Médio se fundamentasse, o governo norte-americano se
utilizou de falsas motivações: figuras-chave do governo alegaram a existência de armas
de destruição em massa sob domínio iraquiano, afirmaram existir fortes evidências de
que Saddam Hussein era aliado estratégico de Osama Bin Laden, sustentaram que o
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líder iraquiano tinha participado dos ataques ao World Trade Center em 11 de setembro
de 2001 e que o objetivo principal da incursão norte-americana era a solução pacífica do
conflito, apesar da decisão pela invasão armada já estava tomada. Em nenhum momento
foi possível dizer o óbvio: havia forte interesse no petróleo do Iraque.

Mearsheimer argumenta que a razão de governantes e diplomatas mentirem no


cenário internacional reside na tentativa para ganharem alguma vantagem estratégica
para seus países, já que, em um mundo anárquico, esta estratégia acaba por ser uma das
poucas ditas para garantir a própria segurança nacional. Para Mearsheimer nenhuma das
mentiras contadas pelos integrantes do governo foi para a obtenção de ganho pessoal,
mas por acreditar estarem agindo em consonância com os interesses nacionais. Assim, a
mentira se torna um importante instrumento de manipulação da opinião pública interna
e das relações entre países em âmbito global. É comum que líderes se utilizem de
mecanismos de falseamento da verdade, que se constituem como invenção (criação de
um fato inexistente), torção (inversão de um acontecimento que ensejou a ação) ou
omissão (o não dizer de algo relevante para as relações dos países). As mentiras são
direcionadas para outras nações com o objetivo de obtenção de superioridade estratégica
(domínio na produção de alimentos, hegemonia das matrizes energéticas, dependência
econômica ou domínio militar).

Apesar do falseamento, desde o final do século XIX, impérios estão obcecados


em garantir o abastecimento de energia, mesmo que isso signifique colonizar
continentes, tratar aliados como vassalos, aplicar golpes de Estado e forças mudanças de
regime e povoar ou despovoar regiões inteiras.

1.2. O PODER DA ENERGIA

A geopolítica mundial tem apresentado como característica a disputa pela base


material energética como um dos aspectos que mais tem impulsionado o quadro político
mundial de instabilidade e conflitos. Mesmo assim, embora existam numerosos estudos
de segurança energética e política internacional, poucas pesquisas no campo das
relações internacionais se dedicada a explicar o conflito internacional ou a política
externa como produto direto ou indireto de considerações energéticas. Essa falta de

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atenção à geopolítica energética é impressionante, dada a importância substantiva da
energia na economia mundial.

Hans Morgenthau já identificava o controle sobre os recursos naturais como um


elemento central do poder nacional tanto na guerra quanto na paz. Porém, um dos
primeiros que estudou geopolítica energética é Melvin A. Conant. Ele cooperou com
Fern Gold em 1978 para analisar a situação energética mundial e o impacto político e
publicou The Energy Geopolitics, considerada literatura fundamental sobre estudos
geopolíticos de energia. Ele enfatiza que, “o acesso às matérias-primas, especialmente o
acesso à energia é um dos principais prioridade das relações políticas internacionais.
Produtos essenciais não está mais sujeito ao tradicional regime colonial relações ou
proteção militar, mas depende de fatores geográficos e a tomada de decisões políticas
dos governos com base em condições políticas diferentes. E existem controlam os
recursos e aqueles que dependem dos recursos, o que levará a uma profunda
transformação das relações internacionais” (CONANT, M., & GOLD, F., 1978).

O poder económico do estado depende do seu poder nas várias áreas de


produção de recursos energéticos, indústria e mineração. O setor industrial representa a
espinha dorsal do poder do estado. O poder abrangente do estado e seu poder
econômico dependem em grande medida na extensão de seu progresso industrial.
Mesmo aqueles países que dependem da agricultura ou riqueza mineral como potência
econômica precisam de energia como motor principal no campo da extração ou refino
mineral ou no campo da agricultura e indústrias agrícolas, e isso indica que a energia é o
verdadeiro poder econômico.

Os recursos mais importantes da riqueza natural são os recursos energéticos, que


geram a dinâmica da indústria, agricultura, transporte, equipamentos e armas de
combate por terra, mar e ar, bem como muitos serviços produtivos, como geração de
energia elétrica, obras de irrigação e drenagem, além de outros serviços improdutivos. É
evidente que o poder econômico depende quase inteiramente da energia das indústrias
agrícolas, e isso indica que a energia é o verdadeiro poder econômico. Dado que o setor
energético é um dos setores sensíveis dentro do estado, onde as capacidades energéticas
nacionais do estado afetam a determinação de sua posição e posição no sistema
internacional, a energia tornou-se um fator determinante no desenho das características
da política externa dos países, sejam exportadores ou importadores de energia.

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Não por acaso, grandes períodos de mudanças sociais, tecnológicas, políticas e
econômicas foram impulsionados por determinados insumos, a exemplo do carvão, no
século XIX, gás e petróleo, no XX, assim como muitos dos laços e conflitos
interestatais foram originados em torno da busca pela posse destes recursos. As
mudanças ocorrem através da chamada transição energética, que ocorre em longos
períodos de tempo - 40/130 anos - e está relacionada à transição de uma economia com
uma fonte dominante de energia e sua correspondente tecnologia para outra
(FOUQUET, 2012, p.3). As mudanças na civilização energética pelas quais a
humanidade tem passado implicaram, não só a disponibilidade de uma nova fonte de
energia, mas também a passagem de uma economia com uma fonte dominante de
energia e sua tecnologia para outra, com um país que a domina e exerce poder. Nessas
transições, observa-se o peso que os hidrocarbonetos tiveram, e ainda têm, como fonte
primária de energia, ao longo da história.

Não apenas a Ásia emerge como polo de expansão da oferta, mas também
emerge como polo de crescimento da demanda por petróleo e gás natural, alavancando a
Rússia como parceira estratégica nessa trajetória. Nesse quadro, ao que tudo indica,
deve haver o aumento da demanda por derivados e a consequente necessidade de
ampliação da capacidade de refino desses países. Segundo recente relatório da British
Petroleum (BP), até 2040 deve ocorrer uma demanda incremental de até 12 milhões de
barris de petróleo/dia no mundo, estando um terço dela concentrada apenas na China e
na Índia. De acordo com um levantamento realizado pela consultoria IHS Cera, se
considerarmos as 35 maiores descobertas de hidrocarbonetos com mais de 1 bilhão de
barris, além dos países americanos supracitados, encontraremos avanços significativos
em países como Rússia, China, Índia e Turcomenistão, o que coloca a Ásia também no
radar das novas transformações estruturais da geopolítica do petróleo. Parte dessas
cobertas corresponde a petróleo tradicional, além do xisto, cujo vigor de oferta não é de
longo prazo, mesmo assim a Eurásia emerge como importante ofertante e o Sudeste
asiático como relevante demandante.

Guerreiro identifica três principais transições energéticas ocorridas até os dias


atuais (GUERRERO, 2016). A primeira teve início no século XVIII e envolveu a
passagem da lenha para o uso do carvão no século XIX como fonte dominante de
energia e coincide com a Primeira Revolução Industrial, centrada na Grã-Bretanha. A

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segunda foi a mudança para o uso do petróleo no século XX como base da atividade
econômica, coincidindo com a Segunda Revolução Industrial, centrada nos Estados
Unidos, que permitiu o deslocamento da Alemanha e da Inglaterra do poder. O Oriente
Médio fortaleceu sua posição em escala global já que ali estão localizados os principais
países fornecedores de hidrocarbonetos, com preços fixados através da Organização dos
Países Exportadores de Petróleo (OPEP) desde 1960, que podem influenciar o mercado
de petróleo, caso decidam reduzir ou aumentar seu nível de produção. A última
transição energética do século XXI mostra 1) uma tendência ao uso do gás como bem
substituto, mais abundante, com preço inferior ao do petróleo e o menos poluente dos
hidrocarbonetos. É considerado uma ponte ou combustível de transição até que um uso
massivo de recursos renováveis possa ser desenvolvido. Este recurso há muito
subestimado pelas empresas petrolíferas torna-se um elemento fundamental no processo
de descarbonização à escala global; 2) tecnologia que permitiu aos Estados Unidos, por
meio do fracking, extrair hidrocarbonetos não convencionais, como óleo de xisto e gás
de xisto (de forma incipiente também está sendo desenvolvido na Argentina); 3)
extração de hidrocarbonetos em águas profundas e ultraprofundas do pré-sal, por meio
do desenvolvimento de tecnologia própria no caso do Brasil; 4) transporte crescente
mercado de gás natural liquefeito (GNL) via marítima com o aumento do número de
navios metaneiros e regaseificadores que permitam aos países reduzir sua
vulnerabilidade e/ou dependência de um único fornecedor (GUERRERO, 2016).

A segurança estratégia engloba vários campos, como econômico, político,


estratégico e militar. Ela busca manter a estabilidade doméstica. As ameaças à
segurança energética podem ser causadas por interrupções repentinas, desintegração,
volatilidade dos preços, acordos de parceria. Está relacionado não apenas com a
produção de energia, mas também seu armazenamento e transmissão. As fontes
energéticas fazem parte da agenda da segurança econômica e nacional, e como tal, deve
ser conduzida como política de Estado, relativizando, portanto, que devam ser tratadas
como meras commodities.

A energia pode ser a causa primária e o objetivo de um conflito, um instrumento


usado como meio em um conflito ou uma causa secundária. Em particular, a
Geopolítica da Energia busca analisar e compreender os conflitos que surgem no uso
dos recursos energéticos, com base em fatores geográficos associados à disponibilidade

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para o desenvolvimento de rotas de transporte e construção de infraestrutura, além de
fatores políticos e econômicos (HUTSCHEREUTER, 2008).

A teoria da geopolítica energética teve um impacto significativo em círculos


políticos e estratégicos internacionais nos Estados Unidos. Kessinger, Brzezinski,
Huntington e outros fizeram análises da política energética dos Estados Unidos do
ponto de vista geopolítico. Todos eles atribuem grande importância ao controle da
energia mundial e insistir que os EUA usem a geopolítica energética como perspectiva
para considerar a situação geopolítica mundial e determinar a estratégia geopolítica dos
Estados Unidos.

A Doutrina Obama-Hillary tinha como base a reorientação estratégica da política


externa para um cerco político e militar da China, promovendo a “Revolução do Xisto”,
levando à queda no preço do Petróleo para impactar principalmente Rússia, Irã,
Venezuela e Brasil. As tecnologias de perfuração do xisto permitiram a extração de
grandes volumes de petróleo das formações de xisto dos EUA também permitiram um
aumento substancial na produção de gás doméstico. Inicialmente, a maior parte do gás
adicional teve de ser consumida nos EUA ou nos seus vizinhos imediatos, uma vez que
em 2016 os EUA não tinham capacidade para exportar o seu excedente por navio, sob a
forma de gás natural liquefeito (GNL). Depois que a produção doméstica começou a
aumentar, no entanto, os formuladores de políticas dos EUA procuraram instalar várias
instalações para a exportação de GNL. Sob o presidente Trump, a construção de novas
instalações de GNL tornou-se uma grande prioridade, sendo as exportações para a
Europa o objetivo principal. Embora Trump estivesse relutante em adotar uma postura
especialmente hostil em relação a Moscou, ele defendeu uma expansão das exportações
de GNL dos EUA.

Com Trump, os EUA adotam uma nova doutrina estratégica: a Grande


Competição de Potências. No cerne dessa política, explicitada pela primeira vez na
Estratégia de Defesa Nacional (NDS) de fevereiro de 2018, está a crença de que os EUA
e seus aliados estão travados em uma luta implacável por vantagem geopolítica com a
Rússia e a China. E que a próxima década é crucial. Para evitar que esses estados
expandam seu alcance global, o Ocidente deve se unir para resistir a qualquer
movimento agressivo de Moscou e Pequim, com o aumento das capacidades militares

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dos EUA e a mobilização de seus recursos econômicos e tecnológicos, dos quais a
energia é um componente chave (KRANE, 2022).

Essa perspectiva foi totalmente adotada pelo governo Biden, que vê a luta global com a
Rússia e a China como o princípio governante da política externa e militar dos
EUA. Dos dois, a China é amplamente vista como o principal adversário dos Estados
Unidos, e muitos em Washington continuam a manter essa visão. Mas desde janeiro a
Rússia monopolizou a atenção dos formuladores de políticas dos EUA e, ao elaborar
estratégias para conter a agressão da Rússia na Ucrânia, eles se concentraram na energia
como um fator especialmente crítico.

O conflito militar OTAN-Rússia na Ucrânia pela Rússia desde fevereiro de 2022


eleva as preocupações com a segurança energética de diversos motivos, aumentando a
pressão sobre os suprimentos de petróleo e gás, ganhando um nível de proeminência
não visto desde a década de 1970.

O pano de fundo da ofensiva da OTAN para desestabilização da aliança


energética Rússia – União Europeia já vinha desde 2014, com a mudança de regime na
Ucrânia, porém permanecia por meio do North Stream I e II. Os gasodutos eram uma
parte crucial da infraestrutura de energia da Europa, fornecendo bilhões de metros
cúbicos de gás da Rússia.

Para Raymond e Rimbert (2022), erro da UE é o alinhamento da Alemanha e da


Comissão Europeia com os EUA. É fácil para Washington proibir as importações de
hidrocarbonetos russos porque não será afetado diretamente. E os EUA não têm
capacidade de exportação suficiente para substituir o gás russo, as contas do Catar estão
cheias de pedidos da Ásia até 2026 e o Egito envia a maior parte de sua produção para a
China e Peru. A instabilidade da Líbia e os conflitos entre a Argélia e Marrocos, que
levou ao encerramento do Gasoduto Maghreb-Europa, também não têm solução para o
Norte de África.

Depois que a Rússia invadiu a Ucrânia, a Alemanha tomou algumas decisões rápidas:
alinhar-se com os EUA e abandonar o Nord Stream 2; reduzir rapidamente sua
dependência do gás russo; assinar acordos de energia com Holanda, Noruega, Estados
Unidos, Catar e Polônia; alugar quatro terminais flutuantes de GNL e construir dois
terminais fixos; e concordar com um embargo ao petróleo russo. Qualquer chefe de
Estado preocupado em proteger os interesses estratégicos de seu país ficaria horrorizado
com a ideia de sacrificar algo tão vital quanto a segurança energética em questão de
semanas. Os embarques extras de GNL que os EUA prometeram representarão apenas
10% das importações alemãs da Rússia e a nova infraestrutura para lidar com o aumento
do volume não estará pronta antes de 2026.

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As sanções dos Estados Unidos levaram ao Nord Stream I não transportar gás
russo para a Alemanha no final de agosto de 2022. O par de gasodutos Nord Stream II,
que teria dobrado a quantidade de gás que estaria disponível para a Alemanha e a
Europa Ocidental, nunca estiveram operacionais, pois a Alemanha suspendeu seu
processo de certificação pouco antes da operação militar da Rússia na Ucrânia, em 24
de fevereiro de 2022.

Em 26 de setembro de 2022, uma série de explosões abalou os oleodutos Nord


Stream 1 e 2 no Mar Báltico, na costa da Dinamarca. As autoridades dinamarquesas e
suecas determinaram rapidamente que os danos causados aos oleodutos não foram
causados por terremotos ou outras atividades sísmicas, mas por “explosões”. O
presidente Biden, em 7 de fevereiro de 2022, antes do conflito militar entre Rússia e
Ucrânia, declarou: “Se a Rússia invadir, não haverá mais um Nord Stream II. Vamos
acabar com isso”. Em 25 de março, Biden e a presidente da Comissão Europeia (CE),
Ursula von der Leyen, anunciaram um esforço conjunto para reduzir a dependência da
Europa dos combustíveis fósseis russos. De acordo com o plano, a Europa acelerará a
construção de novas instalações de importação de GNL, enquanto os EUA expandirão
sua capacidade de exportação de GNL, permitindo entregas à Europa de até 50 bilhões
de metros cúbicos (bcm) de gás por ano - quase 150% a mais do que a quantidade
enviado em 2021. O plano EUA-CE não vai, por si só, livrar a Europa da dependência
do gás russo: isso exigirá um esforço muito maior, envolvendo expansão massiva de
infraestrutura, maior conservação de energia e aquisição de GNL e gás canalizado de
vários fornecedores estrangeiros. Mas constituirá uma grande mudança geopolítica,
ligando a Europa muito mais perto dos EUA (KRANE, 2022). Durante uma audiência
no Senado, Victoria Nuland, subsecretária de estado para assuntos políticos, disse
que “o governo está muito satisfeito em saber que o Nord Stream II é agora, como você
gosta de dizer, um pedaço de metal no fundo do mar”.

O plano apresenta ambições para uma transformação fundamental do sistema


energético global, impulsionado em grande parte pelas forças do mercado para um
dividido ao longo de linhas geopolíticas - com os EUA, a Europa e seus “amigos”
controlando uma vasta rede de distribuição de energia, e o resto do mundo fragmentado
em redes menores (KLARE, 2022). Mesmo que essas ambições sejam apenas

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parcialmente realizadas, podemos esperar que a energia desempenhe um papel cada vez
mais fundamental na geopolítica das grandes potências. A ação militar russa e as
subsequentes sanções ocidentais criaram uma enorme pressão sobre os mercados de
petróleo e gás, forçando as nações a reavaliar as relações de abastecimento de longo
prazo e reformulando profundamente a geopolítica econômica global de energia.

O conceito de "poder energético" definido como a exploração das vantagens do


país na produção e tecnologia de energia para promover seus interesses globais e minar
e enfraquecer seus concorrentes. (KLARE, 2015) Isso significa fornecer países amigos e
aliados com energia, um método de influenciar o comportamento dos outros e o método
de persuasão que é um dos métodos claros de utilização do poder na política externa.
Assim, os países que controlam suas fontes de energia podem proteger melhor seus
interesses nacionais e, paralelamente, exercer influência econômica e política em nível
internacional. Se sugere que os recursos energéticos são um poder incluído na política
externa dos estados quando os estados buscam expandir a influência no exterior. Por
outro lado, economias dependentes de importações de combustíveis fósseis podem
sofrer problemas de segurança energética (KLARE, 2015). Conforme Leonam dos
Santos Guimarães, Diretor de Planejamento, Gestão e Meio Ambiente da Eletrobrás
Eletronuclear:

O Poder da Energia, Energy Power, é a capacidade de uma nação em empregar suas


vantagens em tecnologia e produção de energia para promover seus interesses globais e
contrariar os de seus rivais. Apesar de não ser tão duro como o Poder Militar, Hard
Power, o Energy Power pode implicar políticas muito mais duras do que o Poder
Brando, Soft Power, de natureza política, diplomática, ideológica e cultural. O que torna
a situação diferente hoje é que o Energy Power passou a ser visto como uma alternativa
viável ao Hard Power num momento em que o uso da força militar entre as principais
potências parece altamente improvável. Há uma série de razões pelas quais o Energy
Power está se tornando cada vez mais importante, começando com a relutância de
recorrer ao Hard Power, especialmente entre as grandes potências. Ao mesmo tempo,
muitos se tornaram insatisfeitos com Soft Power apenas e assim buscam ferramentas
mais potentes de influência. A estas considerações se adicionam os crescentes temores
sobre a segurança das cadeias de suprimento de energia mundiais. O uso deste Energy
Power, que não é novidade, tem se exacerbado nos últimos tempos, o que nos permite
afirmar que a Geopolítica da Energia está se tornando cada vez mais relevante,
impulsionada pela (r)evolução tecnológica1.

1
A nova geopolítica da energia. Coluna Opinião FGV. Disponível em
https://fgvenergia.fgv.br/sites/fgvenergia.fgv.br/files/_leonam_dos_santos_-_geopolitica_0.pdf
16
Na economia mundial, os países aproveitarão sua vantagem energética
comparativa sobre outros. O acesso à energia (ou a falta dela) determinará a posição de
um país na hierarquia regional e global.

Até agora, a autoridade mais famosa na teoria da diplomacia energética é o


estudioso russo Stanislav Zhiznin, que é o principal estudioso da política energética e
diplomacia energética do governo russo, com rica experiência no estudo teórico dos
problemas energéticos do mundo e da Rússia. introduziu três obras-primas da análise
sistemática da diplomacia energética, nomeadamente Fundamentos da Diplomacia
Energética (2003), Diplomacia Energética da Rússia (2006) e Diplomacia Energética: a
Rússia e o Mundo (2007), estabelecendo os fundamentos teóricos da diplomacia
energética russa, tornou-se um mestre único na pesquisa da teoria da política energética
do mundo contemporâneo. Através da análise da economia energética internacional, ele
construiu um sistema completo de teoria da diplomacia energética.

A energia é um fator-chave da influência geopolítica e econômica externa não só


em escala regional, mas também global. Historicamente, o desenvolvimento da
geopolítica como ciência política está conectado com pesquisa sobre o papel dos fatores
geográficos e, entre eles, as configurações territoriais e a posição de determinado país
na região. São usados para explicar a política externa de um país em relação a outros
países situados, via de regra, na mesma região ou em região vizinha - o acesso ao mar,
rios navegáveis, estreitos, depósitos minerais, ou terras industriais, etc (ZHIZNIN,
2010). Pesquisadores apontam que “geopolítica energética” carece de uma única
definição direta.

Zhiznin define a geopolítica da energia abrangendo fatores geográficos


relacionados à energia com as questões de abastecimento, demanda e transporte de
fontes de energia, incluindo oleodutos. Segurança de abastecimento, pois os países
importadores residem na garantia de abastecimento de energia a longo prazo e constante
de fontes externas a preços razoavelmente baixos. Segurança da demanda, pois a
experiência internacional mostra que os interesses dos importadores e países
exportadores, em primeiro lugar, os preços nem sempre coincidem. E a segurança do
trânsito, que está intimamente ligada aos interesses dos países de trânsito que visam
obter o lucro máximo com a oferta de serviços de trânsito envolvendo o transporte de
energia através de seus territórios.

17
Zhiznin analisou que a diplomacia oficial está cada vez mais envolvida na
realização das tarefas políticas energéticas internacionais. Na prática diplomática
energética, os interesses dos países nas relações internacionais podem ser divididos em
interesses econômicos estrangeiros e interesses políticos estrangeiros. A política
energética externa e a diplomacia energética dos países contêm dois aspectos
específicos: 1) o objetivo das atividades políticas externas é garantir os interesses
econômicos do país no campo do desenvolvimento, transporte e consumo de energia e
2) fins políticos através do aproveitamento de fatores energéticos. Para evitar
competições de destruição e caos crescentes no mercado mundial de energia e garantir a
segurança energética nacional, regional e global, a colaboração internacional deve ser
fortalecida gradualmente no campo energético.

Ao examinar e explorar sistematicamente tanto a prática quanto a teoria na


diplomacia energética dos países, especialmente da Rússia, ele chegou às seguintes
conclusões:

1) O fortalecimento das tendências de internacionalização e globalização da


energia mundial e a crescente interdependência entre os consumidores e produtores de
energia, todos

2) As tarefas básicas da diplomacia energética dos países importadores de


energia são promover a diversificação das importações de energia, garantir que as
empresas entrem na base de matérias-primas no exterior, pesquisar e implementar
medidas políticas e econômicas estrangeiras integradas para garantir a segurança de
importações de energia de longo prazo.

3) O objetivo comum da diplomacia energética dos países exportadores é manter


os altos preços dos produtos energéticos em uma faixa razoável e evitar a volatilidade
dos preços. A política energética externa e a diplomacia energética desses países têm
uma influência crescente sobre a situação do mercado mundial de energia, bem como a
política energética mundial.

4) O tamanho do comércio mundial de energia no século 21 se expandirá


significativamente. as questões de transporte de trânsito internacional aparecerão com
frequência na prática da diplomacia energética. Para estabelecer as bases para o direito
internacional relevante em estruturas bilaterais e multilaterais é a garantia da operação

18
confiável das rotas de transporte de trânsito internacional de energia. As relações de
jogo entre corporações multinacionais estão ligadas à segurança energética
multinacional, portanto, manter a cooperação mútua entre as principais multinacionais
de energia no mercado mundial de energia é de grande importância para a diplomacia
energética do governo.

A energia é um recurso estratégico insubstituível para a política internacional, a


segurança nacional e o jogo diplomático, que sem dúvida consolidarão sua moderna
posição internacional extraordinária na economia política. diplomacia energética
contemporânea. É importante para a segurança energética nacional e mesmo para a
estratégia global nacional perseguir os interesses econômicos e políticos na alocação
global de recursos energéticos por meio da diplomacia energética e fornecer uma
garantia poderosa para o desenvolvimento econômico do país e status internacional.
para todos os países.

Se durante os séculos XIX e XX as leis geopolíticas eram aplicadas na conquista


de novas colônias, guerras, conquistas de novos territórios, ocupações, acordos
estratégicos entre as grandes potências, agora no século XXI a ênfase da geopolítica está
na economia e energia. A energia está cada vez mais moldando o sistema internacional,
determinando as grandes potências, prevendo possíveis alianças e resultados de
guerras. Os países ainda dependem de energia, ou seja, combustíveis fósseis, petróleo e
gás, e estão determinando seu poder, independência e hierarquia nas relações
internacionais. A energia e as fontes energéticas assumem cada vez mais a primazia de
um fator geopolítico nas relações internacionais. A busca por uma geopolítica
energética exitosa será um imperativo para o Estado moderno no cenário internacional,
se quiser sobreviver como entidade independente (MASAVSKI, 2022).

1.3. NOVA GEOPOLÍTICA DAS ENERGIAS RENOVÁVEIS

Os séculos XX e XXI foram profundamente marcados pela geopolítica


energética, que pode ser definida como a forma como os países se influenciam
mutuamente por meio da oferta e demanda de energia. Se há mais de meio século o
petróleo e o gás natural estão no centro da geopolítica da energia, cabe investigar
19
como isso mudará a geopolítica global em função da transição energética, processo
impulsionado pelo desenvolvimento de energias renováveis e descarbonização.

Na geopolítica da energia tradicional, há claros centros de poder tanto no lado da


oferta, onde dominam a OPEP liderada pela Arábia Saudita, a Rússia e os Estados
Unidos, quanto no lado da demanda, onde a China, a União Européia e, novamente, os
Estados Unidos são os mercados mais importantes. Os participantes estão familiarizados
com o comportamento esperado dos principais atores. A geopolítica da energia
renovável, por outro lado, é um assunto muito mais complicado com numerosos atores
descentralizados. Além disso, em vez de se concentrar em apenas dois recursos
principais, petróleo e gás natural, a geopolítica de energia de baixo carbono pode
depender de muitos fatores adicionais, como acesso à tecnologia, linhas de energia,
materiais de terras raras, patentes, armazenamento e despacho (PALTSEY, 2016).

A transição para energias renováveis está ocorrendo em uma escala massiva,


mas desigual, em todo o mundo. A ascensão da energia renovável também pode criar
novos centros de poder geopolítico. À medida que os recursos renováveis se tornam
amplamente distribuídos, espera-se que a geopolítica do lado da oferta seja menos
influente do que na era dos combustíveis fósseis. Apesar dessa incerteza, grandes
consumidores de energia como a China, a União Européia e os Estados Unidos estão
desenvolvendo rapidamente suas fontes de energia não fósseis. Reduzir a demanda por
combustíveis fósseis também reduz os preços que os produtores de carvão, petróleo e
gás recebem por seus produtos. Essa tendência reduzirá o poder geopolítico de
fornecedores tradicionais de combustíveis fósseis, como Oriente Médio e Rússia, e
aumentará a vantagem tecnológica de grandes players do setor de energia renovável,
como China. Klare aponta uma mudança geopolítica:

Até recentemente, a geopolítica da energia era amplamente governada por percepções


de escassez – a suposição de que o petróleo e outras reservas de energia eram
relativamente limitadas e que a competição por sua exploração levaria a crises e
conflitos recorrentes. No entanto, a utilização recente de tecnologias extrativas
avançadas - incluindo perfuração em alto mar e fraturamento hidráulico - resultou em
ganhos inesperados de produção e promoveu uma sensação de que a abundância, ao
invés da escassez, irá governar o quadro energético futuro. Essa percepção, por sua vez,
levou a expectativas de que o conflito sobre energia diminuirá. Mas a implantação das
novas tecnologias gerou novos conflitos próprios, como nas disputas sobre depósitos

20
offshore de petróleo e gás natural no Oceano Ártico e nos mares do leste e do sul da
China2.
Muitos acreditam que tecnologias alternativas, como energia eólica e solar,
reduzirão o poder geopolítico dos produtores de energia tradicionais porque alternativas
de baixo carbono fornecerão diversificação e maior segurança energética, especialmente
para os países que dependem fortemente das importações de combustíveis fósseis.
Atenta-se que a difusão das energias renováveis aumentará a eletrificação e
estimulará o comércio transfronteiriço de eletricidade. Fontes de energia como solar e
eólica requerem sistemas de energia flexíveis que possam lidar com a variabilidade
das condições climáticas. As redes elétricas inteligentes desempenharão, portanto,
um papel cada vez mais importante na mitigação dessa variabilidade e na garantia da
estabilidade do sistema. No cenário energético mais globalizado, os gasodutos de gás
natural e as interconexões de eletricidade entre fronteiras oferecem a perspectiva de
cooperação internacional – e tensão.

As tecnologias de energia não-fósseis competem não apenas com os


combustíveis fósseis, mas também entre si. Os recursos de baixo carbono são bastante
diversos. Enquanto em alguns lugares, principalmente na União Européia, energia limpa
é igual a eólica e solar, em outras partes do mundo tecnologias como nuclear,
bioenergia, fusão e captura e armazenamento de carbono (CCS) também recebem
atenção. A exceção é a China, que está tentando se tornar líder no fornecimento de
tecnologias nucleares, solares e eólicas, tanto usando-as domesticamente quanto
construindo sua capacidade de exportá-las. A China continua a desenvolver seu
ambicioso programa de energia nuclear. Entre 2011e 2016, conectou 22 novos reatores
à sua rede e mais 20 estão atualmente em construção.

A Rússia é o maior exportador mundial de gás natural, o segundo maior


exportador de petróleo e o terceiro maior exportador de carvão. No entanto, a energia
nuclear também é vital para postura geopolítica da Rússia. A Rosatom - a Corporação
Estatal Russa de Energia Atômica - é a herdeira direta do Ministério Soviético de
Energia Atômica, que foi estabelecido após o acidente nuclear de
Chernobyl. Reorganizada como uma corporação estatal em 2007, a Rosatom é de

2
Michael T. Klare, Da Escassez à Abundância: A Mudança da Dinâmica do Conflito de
Energia , 3 P ENN . St. _ _ JL & I NT'L A FF . 10 (2015).
Disponível em: https://elibrary.law.psu.edu/jlia/vol3/iss2/4
21
propriedade integral do estado russo e o presidente da Federação Russa determina os
objetivos da empresa. A construção de até dez unidades de reatores começou entre 2007
e 2017 e, entre 2009 e 2018, a empresa respondeu por 23 dos 31 pedidos feitos e cerca
de metade das unidades em construção em todo o mundo. Por meio de sua subsidiária
TVEL, a Rosatom também fornece suprimentos de combustível, controlando 38% da
conversão mundial de urânio e 46% da capacidade de enriquecimento de urânio além do
descomissionamento e disposição de resíduos. A Rússia foi o fornecedor de cerca de
metade de todos os acordos internacionais sobre construção de usinas nucleares, reator e
fornecimento de combustível, descomissionamento ou resíduos entre 2000 e 2015. O
portfólio de encomendas estrangeiras da Rússia, incluindo construção de reatores,
fornecimento de combustível e outros serviços, abrange 54 países. Sua principal
vantagem reside na sua capacidade de ser uma “loja nuclear única” para todas as necessidades,
sendo o único fornecedor a fornecer um “pacote completo”: know-how de construção de
reatores, treinamento, suporte relacionado à segurança, requisitos do regime de não proliferação
e opções de financiamento flexíveis, incluindo linhas de crédito de origem governamental. A
empresa também é capaz de descarregar combustível nuclear usado de clientes no exterior. Por
isso, a energia nuclear pode ser cogitada por países para os quais antes era inatingível,
principalmente no Oriente Médio, na África subsaariana e na América do Sul (REYMOND,
2022). Seus principais concorrentes de energia nuclear - China, França, Japão, Coréia e
Estados Unidos — responderam por outros 40%, combinados.

Embora pareça que a energia eólica e solar estão ganhando a competição


tecnológica, o desenvolvimento dessas energias renováveis pode ser mais
desafiador. Apesar de recursos energéticos renováveis estarem disponíveis de forma
generalizada, possíveis de serem desenvolvidas em diversas escalas, sua energia não
pode ser estocada. Eles têm um problema de intermitência, o que significa que não
podem fornecer energia de forma consistente em todos os momentos do dia.

Porém, é certo que, assim como água, terra e ar, a energia não é apenas uma
commoditie, mas a precondição de todas as commodities. E a nova geopolítica da
energia inclui um mix de energias que possuem necessidades e capacidade de projeção
de poder. Ter reservas de recursos energéticos renováveis ou não renováveis, bem como
sua produção e consumo, gera dependências complexas e dinâmicas entre os países,
com interações entre ordens geopolíticas em diferentes escalas. Se alteram suas cadeias
produtivas, as relações entre produção e demanda, bem como a origem da energia, com
22
a expansão de outras matrizes além do petróleo. Mas, como no passado, o poder da
energia terá um papel maior do que qualquer outro fator determinante nas relações entre
as nações. As alianças geopolíticas do futuro continuarão a ser sustentado pelos
diferentes interesses energéticos.

1.4. REFERÊNCIAS

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and economics). Baltic Region, 1, 7-17, 2010. https://nbn-
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25
2. GEOPOLÍTICA HÍDRICA GLOBAL

2.1. HIDRO-HEGEMONIA

Nas últimas décadas, a água vem sendo cada vez mais valorizada como como
recurso geopolítico e geoeconômico estratégico. Os vales dos rios e as bacias fluviais
foram berçários das civilizações e constituem elemento do território no qual convivem
diversas populações e comunidades. Os rios, lagos, aquíferos e bacias fluviais que
transbordam ou atravessam limites e fronteiras territoriais estão sujeitos à jurisdição de
vários Estados e são considerados peças-chave para manutenção da paz, a segurança
internacional e a realização do desenvolvimento sustentável diante de um cenário
mundial caracterizado por múltiplas crises econômica, financeira, alimentar, energética,
mudanças climáticas e pela degradação ambiental provocada pela ação antrópica
(WWAP, 2015). Cerca de 40% da população mundial vive no território de 263 bacias
fluviais compartilhadas que correspondem a quase metade da superfície terrestre e
aproximadamente 60% do fluxo global de água doce (GIORDANO; WOLF, 2003;
WWAP, 2015). A Europa é a região que tem a maior quantidade de bacias
internacionais, seguida da África, Ásia e Américas. Estados Unidos, Canadá e Rússia
são hidricamente soberanos, pois as bacias passam em grande parte pelo interior do
país. Outras grandes bacias têm países tem relevante papel nas relações regionais. O
território de mais de trinta países é localizado quase completamente dentro dos limites
de bacias hidrográficas compartilhadas e algumas dessas bacias estendem-se por um
grande número de países, como por exemplo a bacia do rio Danúbio que é
compartilhada por 14 países, a bacia do Nilo que banha 11 países africanos e a bacia
Amazônica que está sujeita à jurisdição de 9 países da América do Sul (PNUD, 2006;
UN-WATER, 2008).

Mario Neto (2017) aponta o contraste na sobreposição da distribuição das águas


continentais e a ordem geopolítica mundial, pois a circulação das águas continentais
desafia as fronteiras e a soberania territorial.

26
Elaboração Neto (2017)

No caso da Rússia e dos Estados Unidos, as bacias estão, em grande medida, no


interior do país. A geografia norte-americana tem mais milhas de navegação hidrovias
internas do que o resto do mundo combinado. Dois vastos oceanos isolaram os Estados
Unidos das potências asiáticas e européias, desertos separando com o México ao sul,
enquanto lagos e florestas separam os centros populacionais do Canadá. Uma das vias
fluviais mais estratégicas do mundo é o sistema do rio Mississippi, nos Estados
Unidos. Dois grandes rios, o Missouri e o Ohio, junto com vários rios menores correm
para o Mississippi. Este sistema fluvial é navegável e deságua no Golfo do
México. Nesse caso, os EUA adquiriram essas terras principalmente por meio da
Compra da Louisiana, seguida por uma guerra com o México e a anexação do
Texas. Isso levou à expansão de uma zona tampão a oeste do rio Mississippi. A
cabeceira do Rio Mississippi começa ao norte de Minneapolis. A rede consiste em seis
sistemas fluviais distintos: Missouri, Arkansas, Red, Ohio, Tennessee e o Mississippi.
Existem diversos recursos – todos de natureza marítima -- que alavancaram o poder
bruto que a Grande Bacia do Mississippi fornece. Em primeiro lugar, o transporte de
mercadorias por água é muito mais barato do que enviá-los por terra. Este simples fato
torna o país com opções robustas de transporte marítimo, sendo um diferencial quando
comparado para países limitados a opções apenas de terra. Em segundo lugar, o divisor
de águas da Grande Bacia do Mississippi recobre amplamente o Norte e as terras
aráveis, baixando o custo de produção e o envio da produção para mais regiões
densamente povoadas. Uma grande parte das principais terras agrícolas fica a 200
milhas de um trecho de rio navegável. Estradas e ferrovias ainda são usadas para coleta,
27
mas os portos fluviais permitem que todos os agricultores da bacia enviem de forma
fácil e barata. Em terceiro lugar, existem várias reentrâncias no litoral da América do
Norte, conferindo à região Baías protegidas e portos naturais de águas profundas. O
Golfo de St. Lawrence inclui, Baía de São Francisco, Baía de Chesapeake, Baía de
Galveston e Long Island Sound/Baía de Nova York. Em quarto lugar, a unidade da rede
fluvial facilita muito a questão da integração política. Povos da bacia fazem parte de um
mesmo sistema econômico, garantindo contato constante e interesses comuns. Isso se
tornou ainda mais premente com obras hidroviárias nos Grandes Lados. Eles não eram
navegáveis naturalmente devido ao congelamento do inverno e obstáculos como a
Cataratas do Niágara, mas obras foram realizadas para permitir a plena navegação nos
lagos. Desde 1960, penetrando no meio continente, os Grandes Lagos forneceram um
sistema secundário de transporte de água que abriu ainda mais terras para uso produtivo,
integrando grande parte do país pela via fluvial.

Em seu tratado “A Riqueza das Nações” (1776), Adam Smith postulou que o
sucesso relativo dos estados dependia do alcance de seu sistema fluvial, que – ele
pensava – definia tanto o tamanho dos mercados quanto a complexidade da divisão do
trabalho. Ele acreditava que o antigo Egito, China e Índia foram sociedades duradouras
em seu tempo por causa de suas vastas redes fluviais nativas. Não surpreendentemente,
os britânicos e depois os norte-americanos investiram de acordo.

O acesso e o controle sobre cursos d'água e corpos d'água podem fornecer uma
posição estratégica para um país. Em alguns casos, pode aumentar essa posição em
termos de projeção militar, comércio, estabilidade doméstica e influência sobre outros
países. Por esta razão, a água tem uma importância geopolítica subjacente. O acesso e
controle sobre a água pode ser uma fonte séria de conflito entre as nações, inclusive
com potencial de chegar ao nível de guerra. Barragens hidrelétricas podem exacerbar os
temores de escassez de água e o potencial de conflito sobre os recursos hídricos
compartilhados entre os países a montante e a jusante.

Globalmente, existem 286 bacias transfronteiriças de rios e lagos que cobrem


mais de 50% da superfície terrestre total do globo e respondem por quase 60% do fluxo
mundial de água doce. A maioria dessas bacias tem alguma forma de acordo sobre
vários aspectos da gestão do rio na bacia internacional. Alguns acordos tratam de
energia hidrelétrica, outros de enchentes e secas, alguns enfocam a poluição e cerca de
28
117 têm algum componente relacionado ao compartilhamento de água. Dentro de cada
bacia transfronteiriça, as demandas para vários usos têm aumentado constantemente
devido ao aumento da população e às necessidades do desenvolvimento econômico,
embora a quantidade total de reservas de água doce permaneça quase constante
historicamente (SHAMS; MUHAMMAD, 2023).

A hidropolítica avançou com o desenvolvimento da noção de “hidro-


hegemonia”, concebido por pesquisadores do London Water Research Group (LWRG)
– Grupo Londrino de Pesquisa Hídrica. Esse grupo de pesquisadores originou-se no
departamento de geografia da Escola de Estudos Orientais e Africanos (SOAS) da
Universidade de Londres e do King’s College e estabeleceu uma rede de acadêmicos e
profissionais que realiza seminários periódicos para debater o conceito de
hidrohegemonia. Esse conceito vem sendo aprimorado desde 2004, com o primeiro
artigo esboça uma estrutura analítica para o estudo das relações entre Estados
ribeirinhos em bacias fluviais compartilhadas, publicado em 2006 por Mark Zeitoun e
Jeroen Warner na revista Water Policy, sendo revisado por diversos autores em artigos e
seminários (WARNER; ZEITOUN, 2008). O arcabouço conceitual da hidro-hegemonia
foi concebido como uma ferramenta de análise da hidropolítica com o propósito de
compreender como o poder, a economia política e os discursos determinam o controle, a
utilização e alocação da água nas bacias fluviais, bem como identificar quem se
beneficia dessa situação. A estrutura da hidro-hegemonia está assentada em três pilares:
posição geográfica, poder tridimensional (capacidade militar e econômica, incentivos e
discurso) e o potencial de exploração dos recursos hídricos por meio da infraestrutura e
maior capacidade técnica (ZEITOUN; ALLAN, 2008). Nessa perspectiva, o poder
possui três dimensões: estrutural, de negociação e ideológico ou ideacional. A primeira
face do poder é a mais visível e corresponde à capacidade material que um Estado
possui de submeter os outros pela força em virtude de sua superioridade econômica ou
militar. A segunda dimensão do poder refere-se ao controle das “regras do jogo”, ou
seja, o poder de definir quais são as alternativas que podem ser perseguidas e é
identificada também como o poder de barganhar ou negociar. A terceira face do poder
atua em conferências internacionais e organizações multilaterais e diz respeito à
habilidade de produzir conhecimento, ideias e discursos que moldam a visão de mundo
dos sujeitos para que eles aceitem e não se rebelem contra a ordem estabelecida
(ZEITOUN; ALLAN, 2008). As duas últimas faces do poder correspondem ao que
29
Joseph Nye definiu como soft power (poder brando) e pode ser percebido na politização
e securitização dos discursos hídricos internacionais (ZEITOUN; MIRUMACHI;
WARNER, 2011; KEHL, 2011).

A hidrohegemonia é a hegemonia no nível da bacia hidrográfica, alcançada por


meio de estratégias de controle dos recursos hídricos, como captação, integração e
contenção de recursos. As estratégias são executadas por meio de uma série de táticas
(por exemplo, coerção-pressão, tratados, construção de conhecimento, etc.) que são
possibilitadas pela exploração das assimetrias de poder existentes em um contexto
institucional internacional fraco. Hidro-hegemonia se refere às táticas e estratégias
relacionadas ao poder usadas por estados mais fortes em disputas transfronteiriças de
água que priorizam seu acesso à água e obrigam entidades mais fracas a se submeterem
a essas condições. Hidro-hegemonia refere-se ao controle de bacias hidrográficas por
meio de várias estratégias de controle, como captação de recursos, integração e
contenção. As estratégias hidro-hegemônicas são implementadas através de um
conjunto de táticas como coerção, tratados, etc., que são possíveis através da exploração
das assimetrias de poder dentro dos marcos internacionais que funcionam de maneira
fraca. Essas rivalidades geralmente terminam a favor do país a montante. Os processos
políticos fora do setor hídrico configuram as relações hidropolíticas em toda a bacia de
uma forma que vai desde os benefícios derivados da cooperação sob liderança
hegemônica até os aspectos desiguais da dominação. O resultado da competição pelo
controle do recurso é determinado pela forma de hidro-hegemonia estabelecida,
tipicamente em favor do ator mais poderoso. Os hydro-hegemons têm um poder de
liderança tanto em formas positivas quanto negativas, o que pode levar à cooperação e
interação, por um lado, ou conflito e tensão, por outro.

O Estado hegemônico em uma bacia fluvial pode alcançar o controle dos


recursos hídricos por meios materiais e normativos, exercendo a liderança sobre os
demais ribeirinhos tendo em vista favorecer os interesses nacionais na exploração das
águas compartilhadas (ZEITOUN; WARNER, 2006). A maior capacidade relativa de
um Estado ribeirinho hegemônico em relação aos outros é empregada nas negociações
entre as partes para influenciar os discursos, estabelecer instituições por meio de
acordos e regimes internacionais, bem como definir a forma como os recursos hídricos
são utilizados e distribuídos, impedindo o acesso dos outros ribeirinhos, cuja

30
complacência seria obtida sobretudo com a distribuição de recompensas (WARNER;
ZEITOUN, 2008). A definição de princípios do direito internacional fluvial e a
institucionalização das regras de cooperação em nível regional por meio de acordos
bilaterais e multilaterais pode ser utilizado pelos Estados hegemônicos como
instrumento de manutenção de uma ordem que favorece seus interesses. Por outro lado,
o estabelecimento de princípios e regras do direito internacional também pode ser
utilizado como estratégia de contestação da hidro-hegemonia por Estados subordinados
(DAOUDY, 2008; WOODHOUSE; ZEITOUN, 2008; WARNER; ZAWAHRI, 2012;
FARNUM; GUPTA, 2016).

A análise da hidro-hegemonia evidencia que a cooperação nem sempre é


desejável para as partes que compartilham um sistema hídrico, na medida em que os
acordos podem resultar numa divisão injusta dos benefícios proporcionados pelos
recursos hídricos compartilhados. Nesse caso, a dominação exercida por uma das partes
poderia ser “travestida” de cooperação, perpetuando assim uma situação injusta que
favorece a parte mais forte. Contudo, os Estados em posição de desvantagem em relação
ao poder hegemônico, insatisfeitos com o regime hídrico vigente, podem recorrer a
diversas estratégias contra-hegemônicas, utilizando táticas similares de poder,
negociação diplomática e construção de conhecimento e discursos para alcançar seus
objetivos.

O arcabouço conceitual da hidro-hegemonia evidencia que a análise das


interações interestatais de conflito e cooperação ao longo do tempo não é suficiente para
compreender a hidropolítica regional em sua totalidade, visto que as assimetrias entre os
Estados ribeirinhos e a competição pelo acesso, controle e exploração dos recursos
hídricos podem refletir interesses e antagonismos históricos que são determinados pela
estrutura econômica e política da ordem mundial (BECKER, 2003; WILLIANS, 2003).
Na medida em que as interações políticas entre Estados ribeirinhos são determinadas
tanto pelo que ocorre no âmbito doméstico quanto na arena internacional, é importante
assinalar o reflexo da economia política da água nos interesses nacionais e nas relações
entre os Estados. Warner aponta que a hidro-hegemonia deve ser compreendido como
um fenômeno em camadas, com hegemonias nos níveis nacional, de bacia, regional e
global (WARNER, 2008). A hidropolítica internacional é um processo que ocorre
dentro de um determinado contexto socioeconômico e em múltiplas escalas espaciais,

31
de tal modo que a compreensão do seu funcionamento não pode ser divorciada do
contexto mais amplo da economia política regional e global da água (CASCAO;
ZEITOUN, 2010; ZEITOUN; MIRUMACHI, 2010).

A competição pelo controle do acesso as fontes e cursos de água e a


concorrência na utilização das múltiplas propriedades da água entre diferentes usuários
e setores econômicos pode originar conflitos. O compartilhamento dos recursos hídricos
e a degradação das fontes da água doce tem o potencial tanto de suscitar tensões e
conflitos entre países vizinhos quanto servir como estímulo à cooperação tendo em vista
a mitigação e adaptação aos efeitos das mudanças climáticas em face do aumento da
demanda hídrica global (UN-WATER, 2008; WWAP, 2015).

Partindo do pressuposto de que os conflitos hídricos internacionais variam de


intensidade e podem ocorrer mesmo em situações onde existem acordos de cooperação,
a análise da hidro-hegemonia pretende demonstrar que, em contextos assimétricos, isto
é, nas situações nas quais o reconhecimento da igualdade formal dos Estados soberanos
coexiste com a estrutura geopolítica e econômica mundial desigual e hierárquica, o
controle da alocação das águas é determinado por relações de poder que envolvem a
construção de consensos tendo em vista a obtenção da complacência dos atores
subordinados e, em última instância, o uso da força militar (WARNER; ZEITOUN,
2008; ZEITOUN; MIRUMACHI, 2010).

Os conflitos hídricos em nível internacional podem ter diversas intensidades,


fisionomias e origens que variam conforme as distintas condições climáticas e
características biogeográficas regionais e trajetórias históricas das relações entre os
Estados ribeirinhos. Esses conflitos podem assumir a forma de disputa pela demarcação
de fronteiras fluviais, pelo controle do acesso a mananciais e fontes de água potável ou
pela distribuição equitativa dos usos e benefícios da água em regiões onde esse recurso
é escasso. Os conflitos também podem originar-se da concorrência entre interesses
antagônicos na alocação da água, de externalidades das atividades econômicas e da
repartição injusta dos custos e prejuízos provocados pela deterioração ecológica causada
pela contaminação e poluição. Tais conflitos ainda podem envolver o choque entre
diferentes culturas, identidades nacionais, visões de mundo, valores éticos e ideologias
relacionadas à água. Além disso, os mananciais de água potável e instalações
hidráulicas, como por exemplo sistemas de abastecimento urbano ou barragens, podem

32
ser alvo ou utilizados como instrumentos em conflitos militares e atentados terroristas
(GLEICK, 1993).

A abordagem realista da hidropolítica assinala a potencialidade do surgimento


de “guerras hídricas”, pois pressupõe que os Estados, ao serem dotados de soberania
absoluta, exercem o controle sobre os recursos naturais situados em seu território
(TROTTIER, 2004). Já a abordagem da interdependência considera a característica
fluida e renovável da água e, portanto, a necessidade de coordenação entre os Estados.
A situação de interdependência hidrológica que decorre do fluxo das águas na natureza,
do ponto de vista geopolítico, sugere a necessidade de avaliação das vantagens e
desvantagens da posição geográfica do território controlado ou sujeito a jurisdição de
um determinado Estado em relação ao curso fluvial e o espaço das bacias hidrográficas
(HOEKSTRA; CHAPAGAIN, 2008). No caso de recursos renováveis, normalmente
não aparecem conflitos relacionados à competição por recursos, pois utilizam fluxos em
vez de estoques, tendo altos custos iniciais e sendo usados localmente em um grau mais
alto do que os não renováveis, o que limita a capacidade de exportação. Recursos
tendem a ser dispersos e requerem uma grande área de terra como a densidade de
energia é baixa, tornando difícil e caro para um intruso capturar e manter o controle de
recursos e a tecnologia de produção (MANSSON, 2014).

As disputas geopolíticas das bacias hidrográficas, seja numa perspectiva realista


ou liberal, criando relações fronteiriças mais ou menos conflituosas ou cooperativas,
podem ser observadas atualmente de forma mais intensa em torno de algumas grandes
regiões: o platô tibetano, conhecida como “Caixa d’água da Ásia”, nos países da Ásia
Central e Oriente Médio e na bacia do Rio Nilo. Depois vamos trazer análises
comparativas, bem como explorar a ampliação da noção de hidro-hegemonia.

2.2. PLATÔ TIBETANO

O Tibete concentra as nascentes de vários dos mais importantes rios da Ásia,


incluindo o Brahmaputra, Indus, Mekong, Yangtsé e Rio Amarelo. Estes rios fluem por
países como China, Índia, Paquistão, Nepal, Butão, Bangladesh, Burma, Tailândia,

33
Laos, Vietnã e Camboja. A disponibilidade de água doce no Tibete coloca-o entre os
maiores depósitos do mundo.

Cerca de dois terços do potencial hidrelétrico da China estão dentro ou


imediatamente ao redor do Tibete e existem dezenas de projetos de construção de usinas
hidrelétricas. A construção de barragens alteraria o fluxo destes rios e também a
quantidade de sedimentos à jusante, fator essencial para a agricultura de vários países,
como Índia, Bangladesh e Vietnã, que experimentam os regimes de monções. Apesar de
boa parte do país ser assolada por secas e escassez de água, a China também ostenta
uma malha de rios importantes que correm do alto platô tibetano. As nascentes e o
relevo acentuado do Tibete, com os rios correndo em profundas gargantas, gera um
potencial gigantesco para a geração de energia elétrica. Em toda região existe em
potência algumas dezenas de Itaipus.

Situado a uma altitude média de mais de 4000 metros, o planalto tibetano é o


maior e mais alto planalto do mundo. Com uma área total de 2,5 milhões de quilômetros
quadrados e mais de 46.000 geleiras cobrindo uma área de 1.05.000 quilômetros
quadrados, o planalto tibetano é frequentemente conhecido por muitos nomes, incluindo
a terra da neve, Teto do Mundo, o Terceiro Pólo, Torre de Água de Ásia, entre outros. É
a maior fonte de água doce do mundo e possui as maiores reservas de mantos de gelo
34
fora dos dois pólos. O planalto tibetano é também a fonte da maioria dos principais rios
da Ásia, incluindo Indus, Brahmaputra, Sutlej, Karnali, Yangtze, Rio Amarelo,
Mekong, Salween, etc. Esses rios se originam no planalto tibetano e correm para vários
países do sul e sudeste da Ásia, como Paquistão, Vietnã, Nepal, Bangladesh, Birmânia,
Tailândia, Laos e Camboja, bem como Índia e China, os dois países mais populosos do
mundo. Mais de um bilhão de pessoas nesses países a jusante dependem desses rios
originários do Tibete para sua subsistência e sustento. Como a nascente dos principais
rios da Ásia, o planalto tibetano é a chave para a segurança econômica, ecológica e
geopolítica na Ásia.

Chamado “teto do mundo”, é o maior e mais elevado planalto do mundo. A sua


formação deve-se à colisão ocorrida entre a placa Indiana e a placa euroasiática durante
o período Cenozóico (há cerca de 55 milhões de anos), um processo que todavia
prossegue. Os rios que se formam desempenham um papel importante no
desenvolvimento cultural e social de muitas dessas nações. O rio Amarelo é considerado
o berço da civilização chinesa. Da mesma forma, o rio Yangtze é o rio mais longo da
Ásia. Originário dos picos nevados da cordilheira Nyechen Tanglha, no Tibete central,
flui através da China para o mar da China Oriental. Este rio também desempenhou um
papel importante na história, cultura e economia da China. O rio Brahmaputra é
extremamente importante tanto para a Índia quanto para o Tibete. No Tibete, o
Brahmaputra é conhecido como rio Yarlung (ཡར་ཀླུང་གཙང་པོ་), nascendo perto do Monte
Kailash e do Lago Mansarovar no oeste do Tibete. Para a Índia, o Brahmaputra é
crucial, pois representa 30% dos recursos de água doce do país e é importante tanto para
a irrigação quanto para o transporte local. O rio Karnali também se origina perto do
Monte Kailash e do Lago Mansarovar, sendo o maior afluente do rio Ganga, talvez um
dos rios mais sagrados da cultura hindu. No Nepal, o Karnali é um dos três principais
sistemas fluviais do país. Diz-se que o rio é mais antigo do que o Himalaia e é
conhecido por sustentar não apenas a economia agrícola, mas também uma grande
variedade de fauna, como o leopardo das neves, o tigre real de Bengala, o rinoceronte de
um chifre, o peixe dourado, a enguia de água doce Longfin, o golfinho do rio Ganges,
etc. O rio Mekong origina-se nos altos picos de Dzachuka no Tibete oriental. Do Tibete,
flui para seis países, incluindo China, Birmânia, Laos, Camboja, Tailândia e Vietnã.
Diz-se que fornece comida, água e meios de subsistência, ganhando o apelido de “o rio

35
de 60 milhões”. O rio Salween origina-se nas cordilheiras Nyechen Tanglha no centro
do Tibete e flui para a Birmânia e Tailândia através da China. O rio Indo flui do Tibete
para Ladakh, Caxemira e depois para o Paquistão antes de entrar no mar da Arábia a
partir de Karachi. Este rio é conhecido por sustentar uma das sete civilizações antigas
inovadoras do mundo, a Civilização do Vale do Indo (3300 a.C a 1300 a.C). O rio tem
um enorme significado cultural, econômico e histórico na Índia e no Paquistão.

Hoje, os problemas de água na Ásia são graves – um em cada cinco pessoas


(700 milhões) não tem acesso a bebida segura água e metade da população da
região (1,8 bilhão) não tem acesso a saneamento básico. À luz da crescente escassez
de água potável e sua demanda crescente, a Índia e a China estão nas cabeceiras de
vários dos rios mais importantes da Ásia, compartilhando importantes sistemas
fluviais transfronteiriços com diversos vizinhos.

Como um país a montante, a China compartilha mais de 50 grandes cursos de


água internacionais com 14 vizinhos a jusante. O volume de água que flui da China para
outros países é de cerca de 730 bcm (bilhões de metros cúbicos), o que é 30 vezes o
volume que flui para a China. A China tem uma história de projetos para controlar a
água por meio da “domesticação” dos rios, que remonta a quase 5.000 anos (SINHA,
2012). Depois que os comunistas tomaram o poder e a República Popular foi fundada
em 1949, vários projetos de água em grande escala foram promovidos. Seu controle
tornou-se parte da consciência política popular (SINHA, 2012). A era de construção de
barragens na China começou na década de 1950, logo após o Partido Comunista ter
assumido o poder, mas atingiu o auge nas últimas duas décadas. Depois que a usina de
Baihetan operar com capacidade total no final de 2022, a China terá construído cinco
das 10 maiores usinas hidrelétricas do mundo em apenas 10 anos. As represas da China
geram mais eletricidade do que a oferta total de todos os outros países, seguida dos
EUA e da Índia. Com as 87.000 barragens dentro de suas fronteiras, a China tem
financiado projetos hidrelétricos internacionais que abastecerão suas próprias redes do
sul (evitando os custos ambientais e sociais da energia hidrelétrica). Empresas
hidrelétricas chinesas estão investindo pesadamente em outros países do sul da Ásia,
sudeste da Ásia, África e América Latina.

36
Pequim aumentou a construção de barragens hidrelétricas ao longo dos
principais rios da Ásia, todas as quais começam dentro das fronteiras chinesas. Dois
grandes rios fluem da província chinesa de Xinjiang para o Cazaquistão: o Ili, no sul,
alimenta o maior lago do país, Balkhash; o Irtysh atravessa o coração industrial do norte
do Cazaquistão antes de continuar na Sibéria. A China usa até metade da água em cada
um. Os dois lados compartilham alguns interesses em garantir que a água dos rios seja
usada economicamente.

A China, até a década de 1990, não foi um ator importante nas interações
hidropolíticas da bacia do Mekong no Tibet: os seus principais centros econômicos
estão situados no litoral do mar da China e o Sudeste Asiático foi, durante décadas, uma
região de forte influência das potências ocidentais. Porém, o crescimento econômico da
China, com o consequente aumento da demanda de água para a produção de alimentos e
de eletricidade, associado à melhoria nas condições técnicas para a transmissão de
energia a partir de locais distantes dos grandes centros industriais no litoral, tornaram o
rio Mekong uma alternativa viável para o atendimento das necessidades chinesas
(HIRSCH, 2011). Em território chinês, ao longo do rio Lancang, estão sendo
construídas 14 barragens, todas na província de Yunnan, uma região onde a maior parte
da população vive na área rural (MEGLIO et.al., 2013).

37
China passou décadas construindo uma série de represas hidrelétricas no alto
Mekong na China. Até o momento, a China construiu onze grandes represas e tem
planos para mais doze. Esse controle dos níveis de água do Mekong equivale a uma
hidro-hegemonia, na qual a China pode usar a água para seu próprio desenvolvimento
econômico ou como uma poderosa ferramenta de alavancagem em seu envolvimento
diplomático com as nações da Bacia do Baixo Mekong.

Estima-se que o Laos tenha potencial para gerar 26.500 MW de energia


hidrelétrica, dos quais 18.000 MW são tecnicamente exploráveis. Para desbloquear esse
potencial hidrelétrico e transformar o Laos na “bateria do Sudeste Asiático”, o governo
do Laos tem planos ambiciosos de construir 140 barragens ao longo dos afluentes do rio
Mekong. Muitos deles estão sendo ou serão construídos por empresas hidrelétricas
chinesas.

O canal principal do rio Mekong não cruza o território da Tailândia, mas forma o
seu limite internacional com o Laos, na sua região mais pobre, o nordeste. Para atender
à crescente demanda por energia, a Tailândia só pode utilizar rios tributários ao Mekong
ou desenvolver projetos em conjunto com o Laos, como é o caso de uma das principais
hidrelétricas sendo construída no rio Mekong, a de Xayabouri, feita com capital
tailandês (HIRSCH, 2011).
Estas obras preocupam o Vietnã, que está situado a jusante da Tailândia na
bacia. O Vietnã possui duas áreas inseridas na Bacia do Mekong. A primeira está

38
situada no centro do país, em uma área montanhosa, predominantemente rural e que
possui um grande potencial para o desenvolvimento hidrelétrico. A segunda é o delta do
Mekong, área com mais de 20 milhões de habitantes e que depende do ciclo de cheias e
de vazantes do rio para manter a sua produção de arroz e a renovação do seu estoque de
peixes de água doce que são, respectivamente, os principais gêneros alimentícios de
origem vegetal e animal. Por estes motivos, qualquer alteração significativa na dinâmica
hidrológica do rio Mekong é sensível, em função da variabilidade anual das chuvas. A
preocupação do Vietnã pode causar tensões diplomáticas na região, ainda mais com o
histórico de conflitos com a Tailândia e a China (ELHANCE, 1999; HIRSCH, 2011).

Os EUA lutam para evitar a hidro-hegemonia chinesa no Mekong, estimulando


uma grande competição de poder. A introdução de hegemonias concorrentes em uma
questão regional de água apresenta desafios para todos os países ao longo do Mekong –
especialmente o Vietnã, que enfrenta significativa insegurança alimentar e econômica.
39
As barragens e a seca reduzem a quantidade e a qualidade do fluxo do rio que chega ao
território vietnamita. Localizado no final do Mekong, o Vietnã é o último da fila para
beber do rio.

Além do Mekong, a China está aproveitando o curso inferior do Yarlung


Tsangpo, ou Brahmaputra, como é conhecido na Índia. Muitos desses projetos
planejados relacionados à água, sob o novo plano quinquenal da China (2021-2025),
serão construídos perto da fronteira com a Índia.

O gigantesco projeto hidrelétrico Mutou proposto para ser construído pela China
na Grande Curva do rio Yarlung-Zangbo deve gerar um gigantesco 60-70 GW de
energia - mais de três vezes o projeto hidrelétrico de Três Gargantas localizado no rio
Yangtze na China, que é conhecido como a maior instalação hidrelétrica do mundo. O
projeto faz parte da estratégia conhecida como “Abrindo o Oeste”, visando atender as
províncias de Qinghai, Gansu, Shaanxi, Sichuan, Yunnan, Guizhou e Chongqing, por
meio de um extenso programa econômico. reduzindo a economia de eletricidade no
leste em Guangdong, Xangai e Pequim. De acordo com o Plano de Desenvolvimento
Hidrelétrico da China para 2005-2020, 13 bases foram identificadas: Nordeste, Rio
Amarelo principal (norte), Rio Amarelo Acima, Rio Daduhe, Rio Yalongjiang , Yangtze
River Up atinge, Jinshajiang River, Nujiang (Salween) River, Wujiang River, West
Hunan, Fujian, Zhejiang e Jiangxi, e Lancangjiang (Mekong) Rio. Até 2020, a
capacidade instalada de energia hidrelétrica terá como objetivo atingir 300 GW, 275
GW dos quais serão provenientes dessas bases hidrelétricas. No entanto, de acordo com
o novo Décimo Segundo Plano Quinquenal, a China deu prioridade ao desenvolvimento
40
das cinco bases seguintes : o rio Jinshajiang (59 GW), o rio Yalongjiang (25 GW) , Rio
Daduhe (24,5 GW) 13, Rio Lancangjiang (Mekong) (25,6 GW), Rio Nujiang (Salween)
(21,4 GW) e Rio Yarlung-Tsangpo (79 GW). Atualmente, menos de 0,6% dos recursos
hidrelétricos do Tibete foram associados em uma região que produz aproximadamente
200 GW de energia hidrelétrica natural anualmente, o que representa cerca de 30% do
total da China.

A China avançou no aproveitamento do potencial hidrelétrico da Grande Curva


em Motuo. Os trabalhos preliminares para a construção da barragem já seguiram com a
construção da Rodovia Motuo com 117 km, atravessando seis rios e vários túneis antes
de conectar o interior tibetano à China continental. Com a construção da Ferrovia
Qinghai-Tibet e da Rodovia Motuo, a China conseguiu instalar a infraestrutura
necessária para aproveitar a energia do rio e ter acesso aos mercados de exportação de
eletricidade dos seus vizinhos. Além de estradas e ferrovia, a China vem linhas de
transmissão de energia de ultra-alta tensão para fornecer uma base para a construção de
Motuo. Além da gigantesta hidrelétrica, na região, existem nove projetos hidrelétricos
menores em seus dois principais afluentes, o Yiwong-Tsangpo e o Parlung-Tsangpo:
Sangba (480 MW), Lhari (340 MW), Nyewo (300 MW), Drakke (632 MW MW),
Yiwong (640 MW), Sothang (840 MW), Pome (580 MW), Sumdzom (320 MW) e
Palong (2760 MW). A energia hidrelétrica gerada por essas barragens menores
provavelmente será utilizada para atender às necessidades de energia e executar a
construção da barragem de Motuo (SVENSSON, 2012).

A Índia tem levantando preocupações sobre os planos de barragens em


andamento no Yarlung-Tsangpo pela China ao mesmo tempo que está planejando pelo
menos 168 grandes projetos hidrelétricos na região, aclamada como potencial “futura
casa de força” da Índia. O projeto Siang I e II, com capacidade de geração de energia de
750 MW e 2.700 MW, respectivamente, são dois dos grandes projetos hidrelétricos
indianos na região (SVENSSON, 2012).

Fora a China, a Índia supera significativamente seus vizinhos – Nepal, Butão,


Bangladesh e o Paquistão - em termos de poder material relativo e é o ribeirinho
superior, e tem uma capacidade pronunciada de explorar os fluxos de seus
rios. Portanto, a Índia é considerada o hidro-hegemônico e os outros são estados
hegemonizados, com uma capacidade limitada de maximizar seus interesses.

41
O Nepal, apesar de ter um rio ribeirinho superior, não desfruta da influência
geopolítica. A assimetria de poder afeta diretamente a configuração hidropolítica indo-
nepalesa, ficando o Nepal à mercê da exploração de seus recursos hídricos com a
pressão indiana para construção de vários projetos de hidrelétricas. O Nepal fica com
destaque no Himalaia no sul da Ásia. Possui mais de 6.000 rios, 5.358 lagos e um
escoamento anual de mais de 200 bilhões de metros cúbicos. Lar das cordilheiras do
Himalaia, os rios do Himalaia alimentados por geleiras contribuem com 70% da água
do Ganges durante a estação seca (dezembro a maio). Segundo algumas estimativas,
tem capacidade para gerar 42.000 MW de hidroeletricidade. A geografia e a topografia
do Nepal, com suas encostas íngremes e o gradiente de seus rios, são vistas por alguns
funcionários do governo no Nepal e na Índia como ideais para projetos hidrelétricos. No
entanto, apesar de seus abundantes recursos hídricos, o setor hidrelétrico do Nepal é
amplamente subutilizado, tanto que importa eletricidade da Índia para atender às suas
necessidades domésticas.

Em 1953, o Nepal recebeu seu primeiro aeródromo em um local em Kathmandu


chamado Gauchar. Este aeródromo foi construído com a assistência indiana ao
desenvolvimento e se tornaria um aeroporto internacional, mais tarde renomeado como
Aeroporto Internacional de Tribhuvan. O aeródromo facilitou a aviação internacional
para o Nepal. No entanto, engenheiros indianos projetaram a pista curta o suficiente
42
para que voos através das montanhas da China não pudessem pousar no aeródromo. Nos
sete anos seguintes, a Índia continuou a administrar e manter o aeroporto com um
controle tão rígido que as ligações para a torre de controle do aeroporto eram
encaminhadas pela central telefônica da embaixada indiana. Ao fazer isso, Nova Déli
assegurou-se de manter sua centralidade na geografia e na política do Nepal. Após a
guerra de 1962 entre a Índia e a China, a Índia forçou o Nepal a retirar a licitação da
Estrada Kohalpur-Banbasa, financiada pelo Banco Asiático de Desenvolvimento, de um
empreiteiro chinês. Da mesma forma, no setor de recursos hídricos do Nepal, a
geopolítica regional desempenha um papel influente. Na década de 1960, os projetos
hidrelétricos Trishuli e Phewa da Índia competiam com os projetos Sunkoshi e Seti da
China. Mais recentemente, a hidrelétrica de Budhi Gandaki, de 1.200 MW, foi
rescindida duas vezes após ser concedida a uma empresa de desenvolvimento chinesa.
Da mesma forma, o projeto West Seti entregue à China Three Gorges Corporation em
2011 não conseguiu operacionalizar e foi entregue à National Hydroelectric Power
Corporation da Índia em setembro de 2022 (VASANI, 2023).

As relações entre Índia e Butão são mais cooperativas. O Butão tem um


potencial hidrelétrico estimado em 24.000 MW, aproveitou 2.500 MW de potencial
existente. O Butão exporta 45% de sua energia para Índia. A parceria começou com a
assistência indiana com o Acordo de Jaldhaka, em 1961 e passou à hidrelétrica Chukha,
que foi totalmente financiada pela Índia e a hidrelétrica de Mangdechuu, inaugurada em
2019. Porém, além do atraso na conclusão dos projetos, outros fracassaram, como a
hidrelétrica Pnatsangshu e Kholongchu, que não cumpriram prazos e foram marcados
por falta de consenso sobre a viabilidade da barragem a divisão de responsabilidades. E,
assim como o Nepal, o Butão não consegue negociar com eficiência a tarifa de energia,
com o preço de mercado comprada pela Índia sendo muitas vezes mais barato do que a
energia hidrelétrica disponível na Índia, gerando graves desiquilíbrios comerciais.

Em relação ao outro vizinho, Paquistão, a disputa pelos rios fronteiriços é ainda


mais intensa. O rio Indo é o principal recurso de abastecimento de água para o
Paquistão. 80% do abastecimento de água do Paquistão vem do rio Indo e outros 20%
da demanda de recursos hídricos são atendidos pelo rio Cabul, Afeganistão. O rio Indo
se origina da região tibetana e flui da China, Caxemira e Paquistão e eventualmente cai
no Mar Arábico, com comprimento total de 3180 quilômetros.
43
Após a independência do Paquistão e da Índia em 1947, ambos os estados
recém-criados submergiram em muitas tensões que levaram à competição em muitas
áreas. Uma dessas áreas é a competição hidrelétrica entre os dois estados vizinhos.
Como resultado, o sistema de água da bacia do rio Indo, que funcionou em unidade
durante os tempos coloniais, foi separado por fronteiras nacionais recém-
definidas. Além disso, como afirma Robert Wirsing, a “fresca fronteira
internacional separou as principais obras de irrigação no lado indiano da
infraestrutura do canal e terras irrigadas no lado do Paquistão” (WIRSING et al,
2013, p. 47). A desunião do sistema hídrico levou cada estado a maximizar sua
segurança hídrica, muitas vezes às custas do outro. Isso criou uma norma
competitiva que contrastava com o acordo regional que caracterizava o domínio
colonial. Durante o Raj britânico, os interesses políticos, incluindo os das
instituições de água, foram conduzidos no interesse de todo o subcontinente.

Embora a partição de terras da Índia britânica tenha ocorrido em 1947,


foram necessários mais treze anos para que se chegasse a um acordo formal sobre a
partição de água. Com apoio significativo do Banco Mundial, o Tratado das Águas
do Indo (IWT) foi assinado em 1960. Ele concedeu ao Paquistão o uso exclusivo
dos três rios ocidentais, Indo, Jhelum e Chenab. A Índia recebeu o uso exclusivo
dos três rios orientais, Beas, Ravi e Sutlej, antes de entrarem na fronteira com o
Paquistão. Efetivamente, isso alocou 80% do Indo para o Paquistão e 20% para a
Índia. Isso se baseou nos usos históricos do rio Indo e na dependência particular do
Paquistão para obter água (CHELLANEY, 2011). No entanto, os formuladores de
políticas que criaram o IWT não poderiam ter previsto a enormidade da atual crise
de água doce na região. Quando o tratado foi assinado, a região tinha água em
abundância (CHELLANEY, 2011) Agora, com ambas as nações enfrentando
estresse hídrico e, posteriormente, escassez de alimentos, o IWT está sob imensa
pressão.

Projetos de barragens pelo Rio Indu vem deteriorando as relações Índia e


Paquistão. A barragem de Baglihar é um projeto de energia hidrelétrica projetado
pela Índia, no entanto, é uma “barragem a fio d'água” e requer “pondage”, dando
assim à Índia a capacidade de reter e liberar água de acordo com seus
interesses (AHMAD, 2012) Isso é obviamente alarmante para o Paquistão, pois
44
“desestabilizaria seu abastecimento de água, particularmente em um período de
hostilidade ou durante anos de seca” (AHMAD, 2012). E a barragem de
Kishanganga em Jammu e Caxemira reitera muitas das questões rompidas pelo
Projeto de Energia Hidrelétrica de Baglihar. O Paquistão ficou desapontado com
seu projeto, pois pretendia desviar os afluentes do rio Kishanganga (rio Neelum no
Paquistão) para a bacia do rio Jhelum.

Como mostraram as disputas, o hidrohegemon preocupa-se mais com seus


próprios interesses nacionais do que com os da região. A crescente mentalidade de
soma zero está encorajando o nacionalismo de recursos, pois beneficiará muito mais
a Índia do que o Paquistão (KEIR, 2016). A Índia está se comportando hidro-
hegemonicamente por três razões. Em primeiro lugar, por causa da vantajosa posição
geográfica indiana na parte superior do rio; em segundo lugar, devido ao potencial
técnico superior da Índia e à capacidade de construir muitas barragens; em terceiro
lugar, existe assimetria de poder entre a Índia e o Paquistão. A Índia, por causa dessas
três razões principais, deseja obter o “Controle consolidado da água” sobre três rios
ocidentais atribuídos ao Paquistão pelo Tratado de Água do Indo. Os esforços indianos
para obter o domínio da água complicariam suas relações com o Paquistão. A hidro-
hegemonia indiana impactaria a economia do Paquistão, os projetos domésticos de
geração de energia hidrelétrica e os setores agrícolas (HUSSAIN; KHALID, 2021). E,
além da Índia, o Paquistão também tem forte dependência hídrica do Afeganistão.

2.3. ÁSIA CENTRAL E ORIENTE MÉDIO

O Afeganistão é um país sem litoral com quantidade significativa de recursos


hídricos, que têm raízes nas características topográficas especiais do país. Como centro
hídrico da região, quatro dos seis vizinhos dependem de recursos hídricos do
Afeganistão, desempenhando um papel crucial no desenvolvimento econômico e na
estabilidade política dos vizinhos. Devido à sua localização geográfica única, o
Afeganistão é uma ponte entre o Sul e a Ásia Central.

45
Os recursos de água doce do Afeganistão fornecidos por suas cinco bacias
hidrográficas são consideráveis. O rio Cabul contribui com um quarto da água doce do
Afeganistão. O rio Cabul nasce no Hindu Kush, recebe fluxos substanciais do Kunar e
de vários rios menores originários da região de Chitral no Paquistão, flui para o leste
passando por Cabul e Jalalabad antes de entrar no Paquistão. No Paquistão, o rio Cabul
é aumentado pelo rio Swat e seus afluentes antes de desaguar no Indo em Attock. Cinco
milhões de residentes de Cabul e Jalalabad dependem dele para todas as suas
necessidades de água. No Paquistão, o rio Cabul e seus afluentes são indispensáveis
para atender às necessidades de água potável e saneamento dos mais de dois milhões de
residentes da cidade de Peshawar, irrigação no pequeno mas fértil vale de Peshawar e
nas sub-regiões de Tank, DIKhan, Banuri e Waziristão do Norte. O rio Cabul sustenta a
barragem hidrelétrica de 250 MW em Warsak, construída em 1960 e posteriormente
ampliada, produzindo quantidades adicionais de eletricidade (SHAMS; MUHAMMAD,
2023).

O Afeganistão sofre de uma grave escassez de eletricidade, com apenas 28% dos
lares afegãos estão conectados a sistemas de fornecimento de energia. Barragens
construídas durante 1950-1970 e reabilitadas recentemente produzem menos de 300
megawatts de eletricidade. O Afeganistão importa 80% de sua eletricidade de seus
vizinhos da Ásia Central . Cabul concluiu estudos de viabilidade de mais de 20 projetos
hidrelétricos de pequeno e médio porte, incluindo uma dúzia de barragens na Bacia de
Cabul, mas não conseguiu garantir os grandes fundos necessários para construí-los
(SHAMS; MUHAMMAD, 2023).
46
Enquanto o Paquistão está em um estágio muito mais avançado no
desenvolvimento de seus recursos hídricos, o Afeganistão está nos estágios iniciais de
planejamento de novas instalações de armazenamento para irrigação e energia
hidrelétrica e reabilitação das instalações existentes. Além disso, a dependência
comercial do Paquistão torna o Afeganistão em posição menos vantajosa em termos de
assimetria de poder econômico. O Afeganistão está em guerra e conflito nas últimas
quatro décadas, enquanto o Paquistão tem estado relativamente estável política e
economicamente (SHAMS; MUHAMMAD, 2023).

Após a derrota do Talibã pelas forças de coalizão lideradas pelos EUA em 2001,
as organizações internacionais de financiamento se concentraram no desenvolvimento
de infraestrutura no Afeganistão, com destaque à construção de barragens.

O rio Amu Darya, localizado a oeste e noroeste, é formado pela confluência dos
rios Vakhsh e Panj, que se originam das geleiras das montanhas Pamir, Tienshan e
Hindu Kush, a leste. O rio Amu Darya tem 1.415 km de extensão, que, se medido a
partir de sua nascente original (o rio Panj nas montanhas Pamir), atinge o número de
2.450 km, dos quais cerca de 1.126 km corre ao longo das fronteiras do norte do
Afeganistão com o Tadjiquistão, Uzbequistão e Turquemenistão. O fluxo médio anual

47
de água (descarga) do rio Amu Darya é estimado em 73,6 quilômetros cúbicos com uma
capacidade de armazenamento de 24 bilhões de metros cúbicos.

O rio Helmand é o maior rio localizado na distância entre o rio Tigre e o rio
Indo, que se origina nas regiões próximas ao rio Cabul com uma altitude de 3.000
metros. Este rio começa nas áreas montanhosas de Hazarajat e segue para o sudoeste, e
depois para as terras férteis de Zamindawar. Ao redor do deserto de Registan, o rio
Arghandab, que é o maior sub-ramo deste rio, junta-se à corrente principal e
gradualmente segue em direção ao oeste nos desertos do sul do país. O rio segue para o
norte perto da fronteira com o Irã e, antes de desaguar em uma enorme lagoa chamada
Hamun Helmand, forma cerca de 65 km ou 80 km da fronteira afegã-iraniana. Todo o
rio Helmand tem cerca de 1130 km de comprimento. Este rio, junto com seus afluentes,
cobre toda a região sul do Afeganistão

O rio Hari é um dos rios internacionais localizados na fronteira do Afeganistão,


Irã e Turquemenistão. O rio nasce nas montanhas Hindu Kush, no Afeganistão, e depois
atinge a fronteira afegã-iraniana perto da cidade de Taybad depois de passar 650 km. No
Irã, vários rios sazonais se juntam a ele, e então esse rio forma a linha de fronteira de
107 km entre o Irã e o Afeganistão até chegar ao Estreito de Zulfiqar (que é a interseção
das fronteiras do Irã, Afeganistão e Turquemenistão). Kashafru em Khatoun Bridge e é
chamado de Tajan a partir de então. Tajan forma 117 km de fronteira entre o Irã e o
Turquemenistão. A área total da bacia hidrográfica de Hari é de 84.387 quilômetros
quadrados, dos quais 45% estão localizados no Afeganistão, 35% no Irã e 20% no
Turquemenistão.

O Irã via a presença dos EUA no Afeganistão como uma ameaça à segurança
nacional e à integração regional. Irã e o Turquemenistão construíram uma barragem no
rio Hari chamada Barragem da Amizade. O Afeganistão também anunciou que
pretendia construir pelo menos duas barragens no rio: Barragem de Salma e Jedvad. A
construção destas duas barragens poderia ter um impacto negativo na Barragem da
Amizade e na qualidade da sua água. Com a redução do fluxo na barragem, o
armazenamento de água e o fornecimento de água para agricultura na planície de
Sarakhs enfrentarão limitações. Enquanto isso, a grave escassez de água potável em
Mashhad, no Irã, que muitos esperavam ser resolvido com a exploração da barragem,
entra novamente em situação crítica, ameaçando a segurança política da região.

48
As ações do Afeganistão ocorrem quando o país não mostra interesse em
participar de reuniões com seus vizinhos, abrindo caminho para a deterioração das
relações. O Afeganistão, como país a montante desses rios aponta que tem o direito de
explorar as águas superficiais construindo barragens e canais. Se prevalecer ações
descoordenadas do Afeganistão, Irã e Turcomenistão, implementando planos
unilaterais, problemas complexos surgirão na região que não beneficiariam nenhum
desses países.

Com a retirada das forças dos EUA do Afeganistão, o Talibã capturou


oficialmente a capital do Afeganistão, a cidade de Cabul, em 15 de agosto de 2021,
declarando o estabelecimento do Emirado Islâmico do Afeganistão. A retirada rápida
das forças estrangeiras lideradas pelos EUA do Afeganistão afetou os interesses
geopolíticos do estrangeiro da bacia, abrindo caminho para ribeirinhos a jusante
fortalecerem sua configuração hidro-hegemônica na Bacia do Rio Harirud.

O fim da União Soviética reconfigurou profundamente o contexto regional da


gestão dos recursos hídricos na Ásia Central. Criou cinco estados independentes –
Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão, Turcomenistão e Uzbequistão – todos
compartilhando os recursos hídricos da bacia do Mar de Aral. Os recursos hídricos da
Ásia Central são compostos por dois grandes rios, o Syr Darya e o Amu Darya, que se
originam dos picos nevados do Tian. As montanhas Shan e Pamir, correm cruzando as
fronteiras de sete países (Afeganistão, República Islâmica do Irã, Cazaquistão,
Quirguistão, Tadjiquistão, Turcomenistão e Uzbequistão) e terminam no Mar de Aral.

As geleiras das montanhas com picos nevados são uma importante fonte de
água. O Amu Darya passa principalmente no Tajiquistão (cerca de 80%), Afeganistão
(12%), Uzbequistão (6%) e Turquemenistão (3,5%). Contribui com cerca de 74,2 % do
fluxo do rio, seguido pelo Cazaquistão, 12 %, Uzbequistão, 11,1 %, e Tajiquistão, 1,1 %
(IBATULIN, 2013).

49
O conflito na bacia de Amu Darya começa com o Tajiquistão, que gera até 80
por cento do rio recursos hídricos, mas não é bem dotado de combustíveis fósseis,
queria construir a usina hidrelétrica mais alta do mundo no afluente Amu Darya - o rio
Vakhsh – para alcançar a segurança energética. Após a independência, o Tajiquistão
tentou atrair investimentos externos para construção completa, porém,
desentendimentos e forte oposição dos Estados ribeirinhos inferiores efetivamente
bloquearam o financiamento do projeto. O Tajiquistão argumentou que a construção
permitiria uma melhor regulação do fluxo do rio, o que beneficiaria igualmente as
necessidades de irrigação dos estados a jusante. Estudos sugeriram que a usina “não
desempenha um papel significativo em ajudar a melhorar o verão fluxos para uso na
irrigação a jusante” (BEKCHANOV, 2015, p. 869) e que a construção da barragem
resultaria em um aumento significativo na produção de energia hidrelétrica com
impactos adversos relativamente menores na irrigação a jusante se for implementado
através de uma “gestão cooperativa ótima em toda a bacia” (idem, p. 869). O
Uzbequistão está preocupado porque o Tajiquistão tem o maior consumo do rio Amu
Darya, e o Uzbequistão, onde 75% da população vive nas áreas rurais, está preocupado
com suas consequências.

50
A expansão das terras agrícolas, com o objetivo de garantir a segurança
alimentar da região e aumentar a geração hidrelétrica, levou os países ribeirinhos do rio
Amu Darya a buscar maior aproveitamento. Isso levou a muitas disputas entre países,
incluindo Tajiquistão - Uzbequistão e Quirguistão - Uzbequistão sobre a construção de
barragens. Por exemplo, a barragem Rogun, com uma capacidade potencial de geração
de 3.600 MW, bem como as usinas Sangtuda 1 e 2 e a usina Narek estão em construção
na região. O Tajiquistão pode usar a represa Rogun como uma alavanca contra o
Uzbequistão.

Os uzbeques argumentam que a distribuição da água de Amu Darya entre o


Turcomenistão e o Uzbequistão é injusta porque 14 milhões de pessoas no Uzbequistão
dependem da água do rio Amu Darya, enquanto esse número no Turcomenistão chega a
apenas 4 milhões. Além disso, o Uzbequistão deve irrigar mais terras. Nos últimos anos,
acredita-se que a situação tenha se alterado muito para um Uzbequistão, que se opôs aos
projetos hidráulicos para mudar sua política de apoio a esses projetos, e chegou a
manifestaram interesse em participar deles (SULEIMENOVA, 2020).

No sul do Cáucaso, 6 os rios Kura e Araks são as principais artérias aquáticas.


Aproximadamente 65 por cento da bacia está nos países do Sul do Cáucaso, enquanto o
restante é dividido entre a República Islâmica do Irã (19,5 por cento) e Turquia (15,1
por cento). Postkhovi, originário da Turquia, e o Debet e o Agstay, da Armênia. O rio
Araks nasce na Turquia, mas continua como fronteira entre a Armênia e Turquia,
Azerbaijão e Turquia, Armênia e República Islâmica do Irã, e Azerbaijão. A
distribuição de água é desigual, com a Geórgia sendo o país com maior abundância de
água país, sendo o Azerbaijão o mais escasso em água, com suas fontes de fora do país
(SULEIMENOVA, 2020).

51
A Turquia, com grandes projetos de barragens nas cabeceiras dos rios Eufrates e
Tigre, se projeta como hidro-hegemonia, com controle físico sobre o fluxo de água para
a Síria e Iraque. Adotou uma estratégia unilateral (autointerpretativa) no padrão de
relações hidropolíticas com outros países da bacia, se firmando num forte nacionalismo
hídrico. A Turquia está totalmente engajada em sua “missão hidráulica”,
extensivamente e rapidamente “desenvolvendo” os recursos hídricos em todo o seu
território. As extensas tentativas de desenvolvimento hidráulico conduzidas pelo
governo turco criam contestações locais, nacionais, interestaduais e transnacionais entre
os diferentes grupos de interesse. Uma grande quantidade de literatura acadêmica
analisou a lógica por trás do desenvolvimento hidráulico em grande escala da
Turquia. A missão hidráulica da Turquia está ligada à seu nacionalismo histórico,
objetivando a segurança energética e alimentar bem como resolução de conflitos
domésticos e fronteiriços.

Desde a fundação do estado, a Turquia tinha uma compreensão profunda do


impacto que seus recursos hídricos poderiam ter dentro do país, bem como
regionalmente, mas foi somente nas décadas de 1960 e 1970 que começou a investir na
infraestrutura necessária. No centro dos desenvolvimentos estratégicos para a utilização
dos recursos hídricos do país estava o Projeto Sudeste da Anatólia (GAP), com o
objetivo final de construir vinte e duas barragens e dezenove usinas

52
hidrelétricas. Embora o projeto ainda não esteja totalmente implementado, grande parte
dela já foi concluída, principalmente as partes relacionadas à energia hidrelétrica, ao
contrário daquelas que serão utilizadas para fins de irrigação. Uma das peças mais
importantes (concluídas) do projeto é a barragem de Ataturk e a usina hidrelétrica a ela
ligada, com capacidade para fornecer 2.400MW de eletricidade (para colocar em
perspectiva, a capacidade máxima para a República do Chipre é de aproximadamente
1.200 MW).

O comportamento da Turquia para controlar o fluxo dos rios está de acordo com
sua estratégia de longo prazo de se tornar uma superpotência hidrológica regional,
aumentando assim suas capacidades regionais de hard power. Como o estado a
montante com a capacidade de controlar o fluxo de água, a Turquia desfruta de uma
assimetria de poder em relação aos estados vizinhos, que poderia ser facilmente
utilizada como um poderoso instrumento político e, se necessário, como uma arma em
seu arsenal militar. Da mesma forma, também poderia ser usado para aumentar o poder
político e militar do governo em relação às ameaças domésticas e, mais
especificamente, à população curda. Localizados no sudeste – e dominados pelos curdos
– parte da Turquia, os projetos de infraestrutura do Tigre e do Eufrates podem
potencialmente levar a mais empregos regionais e oportunidades econômicas que devem
ser, teoricamente, muito benéfico para a região.

Por outro lado, a Síria manteve sua posição hidro-hegemônica na bacia do rio
Orontes sobre o Líbano e a Turquia e como a mudança do ambiente político regional e o
uso de vínculos de questões pelo Líbano impactaram o poder assimetria na região para
desalojar a Síria de sua hidro-hegemonia na região (CONKER; HUSSEIN, 2020).

O impacto da economia política mundial e das assimetrias econômicas e


políticas na hidro-hegemonia é visível nas relações entre Israel e Palestina sobre as
águas compartilhadas nos territórios ocupados (ZEITOUN, 2008). Nesse sentido, Allan
(2001) observou que a ausência de conflitos militares nas regiões do Oriente Médio e no
Norte da África causados pela água estaria ligada ao comércio internacional de “água
virtual”, isto é, a troca de fluxos hídricos embutida na produção de mercadorias
(ALLAN, 2001).

Como hidro-hegemonia, Israel controla a governança da água do Vale do Jordão,


o que gera deliberadamente insegurança hídrica para palestinos e jordanianos. Israel
53
estabeleceu um plano claro para expropriar a água árabe e, em particular, a parcela dos
países participantes na bacia do rio Jordão. A crise política surgiu com o início dos
planos de assentar seis milhões de israelenses na terra da Palestina e de pressionar os
seus recursos hídricos. Além disso, o deslocamento de refugiados palestinos para a
Jordânia com escassez de água intensificou a crise hídrica.

Israel assume o controle do rio Jordão, que produz mais da metade das fontes de
água na Jordânia. Israel começou a transferir parte da água do rio para o deserto de
Negev e o restante para o mar da Galiléia, que se transformou em uma bacia de água
natural. Israel tem procurado obstruir os projetos árabes de exploração dos rios Jordão e
Yarmouk sob o pretexto de que esses projetos afetarão o fluxo do rio e, assim, o
privarão da maior parte desses recursos. Israel trata o Mar da Galileia como uma fonte
de água israelense, por isso foi capaz de excluir o Mar de quaisquer negociações
futuras. Um futuro hídrico sombrio e perigoso para a Jordânia e faz com que ela sofra
uma verdadeira crise hídrica que ameaça sua segurança hídrica, tornando sua segurança
alimentar e nacional ao sabor do vento. A causa hídrica entre Israel e árabes é o
principal fator na natureza política do conflito entre os países da bacia do rio
Jordão. Este conflito político dos países da bacia do rio Jordão envolve diferentes
direções e caminhos, mas a água está no centro dele e é o principal motor na gestão do
conflito na região da bacia.

2.4. BACIA DO RIO NILO

A longa história hidropolítica do rio Nilo foi caracterizada pela dominação de


um único país ribeirinho, o Egito, por meio de sua reivindicação de discurso de direito
histórico e natural que é essencialmente inaceitável nas modernas leis internacionais de
água. No entanto, os países ribeirinhos do alto Nilo (Burundi, República Democrática
do Congo, Quênia, Ruanda e Tanzânia são normalmente chamados de região dos
grandes lagos, enquanto Etiópia, Egito, Eritréia, Sudão e Sudão do Sul são os países
ribeirinhos do Nilo Oriental) têm experimentado várias mudanças políticas e
econômicas que podem ser um dos principais motivos para promover mudanças
no status quo (GEBREHIWT, 2020).

54
O rio Nilo é o maior rio em extensão da África, nascendo no interior do
continente, em Ruanda e na Etiópia, desaguando no Mar Mediterrâneo. Sempre ouve-
se falar que o “Egito é a dádiva do Nilo” uma frase famosa do historiador
Heródoto. Porém, aproximadamente 85% de toda a água que chega ao rio Nilo no
Egito se origina na Etiópia dos rios Nilo Azul, Atbara e Sobat. Desses rios, o mais
importante é o Nilo Azul.
O Egito é um país extremamente dependente das águas do Nilo para a
manutenção da sua produção alimentícia e abastecimento de água. A taxa de
dependência do Egito de recursos hídricos provenientes de outros países é de 97%. A
hegemonia egípcia na bacia do Nilo foi construída com o apoio britânico, tanto no
período colonial como após a independência dos países da região. O suporte britânico
esteve baseado no apoio técnico e político às decisões do governo egípcio de como
aproveitar os recursos hídricos do rio para o seu desenvolvimento econômico. Na
década de 1870, o Egito invadiu a Etiópia através da Eritréia e travou uma guerra por
dois anos para obter o controle do Nilo. Mesmo após o fim oficial do protetorado
britânico no Egito, em 1922, engenheiros britânicos trabalhavam no serviço de
construção da rede de irrigação do país, que era articulada à administração colonial do
Sudão. Por este motivo, em 1929, foi firmado o primeiro acordo de desenvolvimento e
uso dos recursos hídricos da bacia, o Acordo de Águas do Nilo, cujos signatários eram
apenas o Egito e o Sudão. Este acordo foi refeito em 1959, ampliando ainda mais a
preferência do Egito e do Sudão ao uso das águas do Nilo, frente às necessidades dos
outros países da bacia. Neste acordo, do fluxo anual de 84 bilhões de m³ do rio Nilo, o
Egito teria direito a 55,5 bilhões de m³ e o Sudão a 18,5 bilhões de m³ (HULTIN, 1995;
BLANC, 2013).

Por estas razões, ao longo do século XX, todas as grandes obras de infraestrutura
foram formuladas e executadas com o aval político do Egito. Alguns exemplos foram a
barragem de Aswan, o maior reservatório regulador das enchentes do rio Nilo,
localizado na fronteira entre o Egito e o Sudão; e o canal Jonglei, projeto que seria
executado no Nilo Branco, no Sudão, para drenar os alagados do Sudd e, assim,
diminuir a evaporação da água superficial do rio e aumentar o fluxo de água, o que
benefecia o Egito. Outro fator que fortaleceu o poder egípcio foi a instabilidade política
e econômica de todos os outros países que compartilham a bacia do Nilo, inclusive o
Sudão. A complexa história de conflitos e guerras civis que marcam a formação dos
55
Estados nacionais africanos nos últimos anos impossibilitou o desenvolvimento de
projetos alternativos de uso e aproveitamento dos recursos da bacia do Nilo (HULTIN,
1995; ELHANCE, 1999). O aproveitamento dos recursos do rio Nilo pelo Egito, apesar
de diversos efeitos ambientais negativos, permitiu que a produção agrícola fosse
ampliada, pois toda ela depende da irrigação. Da mesma forma, houve o aumento da
produção de energia elétrica, já que a hidrelétrica de Aswan produz 20% da energia
elétrica consumida no país.

Vários desenvolvimentos foram fundamentais para facilitar o declínio da


hegemonia do Egito na bacia do Nilo. Destaca-se: 1) colapso da hegemonia material e
simbólica do Egito no Oriente Médio e na África após sua derrota na guerra de 1967
contra Israel fez com que vários estados questionassem os fundamentos do modelo de
desenvolvimento do Egito; 2) eventos internacionais que infligiram um pesado tributo à
posição do Egito como potência regional. Após a guerra com Israel em outubro de
1973, a política externa do Egito foi reorientada para o Ocidente, fazendo a paz com
Israel e rompendo com os mundos árabe e africano; 3) após os choques do preço do
petróleo na década de 1970, a riqueza mudou para os estados árabes do Golfo,
aprofundando o declínio econômico do Egito e a dependência externa.
Nesse processo, o Egito não estava entusiasmado com a União Africana e via a
África através de um prisma de segurança. Após uma tentativa de assassinato contra sua
vida durante uma visita à Etiópia em 1995, Mubarak não compareceu às cúpulas
africanas até a cúpula de Abuja em 2005. Depois de estabelecerem a Comunidade da
África Oriental (EAC) em 1999, Quênia, Tanzânia e Uganda, os membros fundadores
desta organização, empreenderam vários esforços para a integração
econômica regional e abordaram questões relativas ao desenvolvimento dos recursos
hídricos do Nilo. Nessas cúpulas, a Etiópia reuniu os estados ribeirinhos do Nilo para
revisar os acordos de água do Nilo de 1929 e 1959 e obter o reconhecimento de seu
direito de compartilhar e utilizar as águas do Nilo. Terceiro, uma nova ordem de
relações de poder emergiu na bacia do Nilo entre os estados a montante e a jusante
(DARWISHEH, 2023). Burundi e Ruanda também aderiram à organização em 2006 e o
escopo do programa de desenvolvimento de água na região aumentou. No leste do Nilo,
a Etiópia começava a aproveitar agressivamente seu potencial hidrelétrico , que
demonstrou grande comprometimento em atender à demanda de energia prioritária de
seu povo e países vizinhos (GEBREHIWT, 2020). O outro indicador importante da
56
utilização da água na região é a usina hidrelétrica de Bujagali, localizada ao longo do rio
Nilo, em Jinja, Uganda. Foi comissionado em outubro de 2012 e tem capacidade
instalada de 250 MW. Além disso, o projeto hidrelétrico planejado Karumawitha, com
sua capacidade instalada de 600 MW, é um dos projetos prospectivos ao longo do rio
Nilo programados para melhorar o fornecimento da eletricidade no país.

A Etiópia, o principal (único) contribuinte da água na sub-bacia, tem iniciado


novos planos e estratégias de utilização do recurso hídrico nos últimos tempos. O que
define o principal dilema na Bacia do Nilo é desequilíbrio entre a contribuição para o
rio e os benefícios dele. Enquanto a Etiópia, o país de onde se origina a maior parte da
água do rio, não se beneficiou do Nilo, os países a jusante se beneficiaram mais de seus
recursos.
Com base nessa visão, uma grande barragem no rio Tekeze foi concluída em
2009 com apoio financeiro chinês (Anyimadu, 2011, pp. 19-22). Os envolvimentos da
China na construção e financiamento de projetos de barragens nos países a montante do
Nilo e no Sudão na última década constituem uma alternativa às instituições
multilaterais e aos doadores bilaterais ocidentais que condicionaram o financiamento de
57
projetos de infraestruturas em rios compartilhados ao acordo entre os estados ribeirinhos
(Cascão, 2009, pp. 261-262). Os dois projetos enfureceram o Egito, que protestaram
contra a decisão do governo italiano de financiar o projeto Tana Beles.

A Grande Represa do Renascimento Etíope (GERD) é um dos indicadores atuais


da utilização potencial dos recursos hídricos do Nilo, desafiando a hidro-hegemonia do
Egito. Esta obra, que está em construção, prevê a independência energética da Etiópia,
com a produção de 6.000 MW, quase o triplo da barragem de Aswan. Além disso, com
este volume de energia elétrica, a Etiópia pode se tornar 66 um exportador de energia,
especialmente para o Sudão e o Egito. No entanto, as ameaças egípcias de retaliação à
Etiópia pelos seus projetos hidrelétricos não se concretizam, dada a instabilidade
política do governo e as indeterminações que existem sobre o futuro do seu principal
aliado na bacia do Nilo, o Sudão (AYEB, 2013).
O anúncio do GERD, apenas 2 meses após a queda de Mubarak no Egito e 3
meses antes da independência do Sudão do Sul,1 marcou uma mudança radical de poder
entre os estados ribeirinhos a montante e a jusante. Além disso, o apoio do Sudão ao
GERD em 2013 desequilibrou decisivamente a balança diplomática em favor da
Etiópia. Sem o apoio do Sudão, o Egito ficou isolado na bacia do Nilo, incapaz de
contrariar a posição da Etiópia. Além disso, uma crescente aproximação e convergência
de interesses na GERD entre o Sudão e a Etiópia forçou o Egito a assinar a Declaração
de Princípios (DoP) em março de 2015, dando à Etiópia o direito legal e a legitimidade
para continuar construindo a barragem (DARWISHEH, 2023).
Estados ribeirinhos e não ribeirinhos estão disputando recursos cada vez mais
escassos na bacia do Nilo. Envolvido em prolongadas guerras civis e incapaz de manter
um estado centralizado e estável, a segurança hídrica do Sudão tem sido frequentemente
influenciada pelo Egito. O Sudão tem terras férteis e vasto potencial agrícola, mas o
controle egípcio do Sudão sobre questões relativas à utilização das águas facilitou um
fluxo constante e contínuo do Nilo. Consequentemente, por décadas, o Egito manteve
uma aliança hidropolítica com o Sudão, apesar das diferenças e fricções dos dois
estados em outras áreas. Com base no Acordo de Paz Abrangente de 2005 entre o
regime de Bashir e as forças rebeldes do sul, o Sudão foi dividido em Sudão e Sudão do
Sul em janeiro de 2011. Para compensar a perda de receitas do petróleo após a sucessão
do Sudão do Sul, o Sudão acreditava que o GERD poderia aliviar a ameaça de
inundações anuais e melhorar o controle da seca para sustentar a agricultura durante
58
todo o ano e atrair investimentos estrangeiros do Oriente Médio e dos estados do Golfo
Árabe. Portanto, essa perspectiva preocupa mais o Egito do que a própria DRGE etíope
porque o Sudão aumentaria predominantemente seu consumo de água (DARWISHEH,
2023).
A perda pelo Egito do apoio incondicional do Sudão aos seus “direitos à água”,
contidos em acordos bilaterais sobre a água, mudou a posição hegemônica de longa data
do primeiro na bacia do Nilo em favor da Etiópia. A mudança da posição hidropolítica
do Sudão foi predominantemente impulsionada por três desenvolvimentos; primeiro, o
declínio do poder material e ideacional do Egito no Oriente Médio e na África; em
segundo lugar, a crescente dependência do Egito de assistência financeira substancial
dos países ricos em petróleo do Golfo, que buscam melhorar sua segurança alimentar
aumentando suas condições físicas, políticas, e presença econômica na bacia do Nilo; e
terceiro, o surgimento de novas relações de poder entre os estados a montante, a jusante
e não ribeirinhos reconfiguraram a paisagem hidropolítica da bacia do Nilo em favor
dos estados a montante (DARWISHEH, 2023).

59
Este processo de maior compartilhamento dos recursos do Nilo mostra quanto
problemático é qualquer controle unilateral e hegemônico dos recursos hídricos
transfronteiriços sem condições de exercer uma hegemonia positiva.

O uso da bacia do Nilo no século XX foi fortemente influenciado pela ação


colonial britânica no norte da África. O apoio britânico ao Egito e a sua atuação no
Sudão deram a esses países maior poder hidropolítico, frentes aos países situados na
cabeceira da bacia. No século XXI, empresas de construção de energia e instituições
financeiras da China estão apoiando principalmente o desenvolvimento de novas
instalações de geração de energia na África com seus grandes recursos hidrelétricos
inexplorados, sendo atraente para os construtores de barragens da China, que enfrentam
perspectivas limitadas de expansão doméstica.

A bacia transfronteiriça do Lago Vitória é compartilhada por cinco países:


Tanzânia, Quênia, Uganda, Ruanda e Burundi, embora metade da bacia e áreas dos
lagos estejam localizadas na Tanzânia. A bacia sofre de más práticas de pesca e
irrigação e a qualidade da água do Lago Vitória se deteriora, enquanto as concentrações
de resíduos químicos estão aumentando e evidências de atividades de mineração são
indicadas. Esse uso indevido da água pode gerar potenciais conflitos entre os usuários.

2.5. COOPERAÇÃO E CONFLITO

Nas últimas décadas foram registradas centenas de disputas de fronteiras entre


estados e a maioria permaneceu sem solução. Thomas Homer-Dixon aponta que a
escassez de água provoca conflitos indiretamente, uma vez que inflige efeitos
deletérios sobre outros fatores que podem causar guerra. Essas consequências
incluem uma redução na produção de alimentos, um aumento da pobreza e das
doenças e um maior fluxo de migração, todos os quais servem para minar a
capacidade do governo de governar o estado. (HOMER-DIXON, 1994) Essas
questões aumentam as tensões interestatais, tornando a região mais vulnerável a
conflitos por recursos. Contudo, também se afirma que um conflito ou guerra cujo
motivo é o acesso à água, deriva de uma má compreensão dos termos conflito e guerra.
60
WOLF (1998) mostra que apesar do aumento nas tensões sobre o uso da água, o acordo
é o fim mais comum destas rijas. Foram contabilizados somente sete pequenos
incidentes, dos quais três não tiveram sequer um tiro disparado, relacionados à água no
período entre 1870 a 1997; por outro lado, 145 acordos foram assinados no mesmo
período (WOLF, 1998: 251). Nesse sentido, a história das interações interestatais
voltadas ao tema da água pode ser mais bem caracterizada como “uma rica história com
tensões, relações exacerbadas e conflitos cujo interesse é a água, mas sem violência, ao
menos não entre nações ou a respeito da água como recurso escasso.” (UITTO e WOLF,
2002). Os autores concluem que a água é mais um tema de cooperação e
comprometimento entre países.
Sameh Al-Mugmadi apresenta oito fases para produzir uma teoria da
hidropolítica baseada no represamento de água e construção de barragens pelo país a
montante. Essas fases refletem a situação hídrica entre os países ribeirinhos em
diferentes aspectos: harmonia hídrica, controle hídrico, disputa hídrica, conflito hídrico,
extorsão hídrica, hegemonia hídrica, guerra hídrica e negociação hídrica, cada fase
representando um cenário específico que descreve as relações entre os países ribeirinhos
países sobre a água transfronteiriça, o nível de conflito, o equilíbrio de poder e as
consequências esperadas (AL-MUGDADI, 2022).
A primeira fase – harmonia hídrica – representa a situação ideal de excelente
cooperação entre os atores, relações hídricas harmoniosas e sem conflitos. Esta situação
é associada a um equilíbrio de poder simétrico. A boa comunicação entre os países
ribeirinhos e os interesses mútuos conduzem a acordos estratégicos que conduzem
coletivamente a um sistema de equilíbrio. Exemplos globais de cooperação hídrica são
Portugal e Espanha, que compartilham cinco bacias hidrográficas principais, onde
dezenas de barragens foram construídas nas bacias Espanha-Portugal. A Espanha, como
país a montante, contribui com ~70% da água da bacia. Em 1998, conseguiram chegar a
um acordo estratégico ao assinarem a Convenção de Albufeira visando a harmonia e o
equilíbrio. Outro exemplo é o Protocolo Revisto da SADC sobre Cursos de Água
Compartilhados assinado em 2000 por Moçambique e Zimbabwe para a Bacia do Rio
Sabi. Em 2014, fortes inundações causaram uma falha parcial na barragem de Tokwe
Mukorsi que colocou em risco a vida de aproximadamente 40.000 pessoas. Seguiu-se o
Acordo Bilateral da Bacia do Pungoé em 2016 para adotar uma estratégia de prevenção
de inundações e apoiar a gestão transfronteiriça institucional da água.

61
A segunda fase – controle hídrico – é quando um ator a montante decide
implementar projetos hídricos estratégicos dentro de uma bacia hidrográfica
compartilhada (por exemplo, construir uma barragem em um curso d'água), o ator a
montante geralmente justifica isso como parte do plano de desenvolvimento nacional,
sendo o desenvolvimento o principal impulsionador. Sob essa justificativa, os recursos
hídricos são controlados, levando a uma relação de hidrocontrole. O conflito é latente
neste estágio e os atores não sabem que o conflito pode existir. Independentemente das
intenções reais do ator a montante, é provável que o ator a jusante acredite que a
construção de barragens tem uma intenção negativa de controlar o fluxo natural de
água. Eventualmente, isso levará a uma crescente desconfiança, o que pode criar mais
complicações e um crescente sentimento de insegurança nacional e regional e aumentar
a probabilidade de anarquia nas relações hídricas. Seu caso é visto na barragem de Iliso,
construída pela Turquia na Bacia do Tigre e aberta para operação em 2018. Esta é uma
das preocupações mais críticas para o Iraque como um país a jusante. Embora a
barragem de Iliso produza aproximadamente 3.800 GWh/ano de energia hidrelétrica
limpa, espera-se que a barragem reduza o abastecimento de água do rio Tigre ao Iraque
em até 25%. Além disso, a construção da represa Rogun no Tajiquistão no rio Amu
Darya que estava paralisada desde 1976 por causa do colapso da União Soviética. Em
1998, uma parceria estratégica foi assinada pelo Governo do Tajiquistão com os
Governos do Cazaquistão, Uzbequistão e Quirguistão. O plano de construção foi
lançado novamente em 2016 na esperança de que a barragem ajudasse a aliviar a
escassez de energia do país, gerando 3.600 MW por ano. No entanto, a jusante, o
Uzbequistão teme que esta barragem reduza a água disponível para irrigação, o que tem
gerado desconfiança e medo nas relações entre os dois países. Isso foi amenizado
quando o presidente uzbeque anunciou que o projeto melhoraria as relações bilaterais,
destacando o grande poder das declarações políticas nesse contexto. Outro exemplo de
controle de água é a bacia do Nilo, onde o Egito acusa a Etiópia de refém do rio Nilo
através da Grande Represa Renascentista da Etiópia, que se torna uma fonte de tensão
entre os países ribeirinhos da bacia do Nilo.
A terceira fase – disputa pela água – acontece quando o controle da água por
meio de barragens maciças leva à escassez de recursos hídricos. Em particular, pode
perturbar gravemente os planos de irrigação dos atores a jusante, prejudicando o setor
agrícola. Assim, para os atores a jusante, essas barragens são percebidas como ameaças

62
à segurança alimentar nacional. Esse tipo de disputa entre os atores é comum nessa fase,
com a tensão aumentando devido ao desgaste emocional decorrente da desconfiança.
Como exemplo, a disputa de água na Bacia do Indo entre a Índia e o Paquistão que
remonta a 1948, quando a Índia controlava os fluxos no oeste de Punjab. Isso aumentou
a tensão entre os dois países e levou seis anos de negociação para assinar o Tratado das
Águas do Indo em setembro de 1960. Além disso, Índia e Bangladesh, que
compartilham 54 rios. A barragem de Farakka, estabelecida em 1975 no rio Ganges,
causou mudanças hidrológicas consideráveis na bacia a jusante e está sujeita a disputas
de água, que continuaram por 30 anos, até que o Tratado da Água do Ganges foi
assinado em 1996 após uma série de negociações. O Iraque e a Turquia têm uma longa
história de disputas de água sobre as bacias do Eufrates-Tigre; as disputas pela água
datam da década de 1920, após o colapso do Império Otomano. Iraque, Síria e Turquia
emergiram como estados independentes compartilhando rios, o que criou um ambiente
para conflitos potenciais. De volta à bacia do Nilo, os esforços diplomáticos falham em
resolver a disputa entre o Egito e a Etiópia sobre o compartilhamento das águas do Nilo.
A quarta fase – conflito pela água – é quando a possibilidade de conflito sempre
existe quando os atores têm requisitos, interesses ou perspectivas diferentes. Se as
negociações levarem a um beco sem saída, o próximo nível da relação entre os atores
será o conflito, e ambos os atores estarão cientes de que esse conflito existe. Ao
contrário da Fase 3, este conflito é um desacordo de longo prazo que não é
negociável. As consequências hidrogeológicas nesta fase são mais críticas, com os
atores a jusante susceptíveis de sofrer desertificação, degradação ecológica e problemas
de saúde. Depois de décadas de crescente tensão, Egito, Sudão e Etiópia chegaram a um
beco sem saída em suas negociações sobre a Grande Represa Renascentista Etíope na
Bacia do Nilo. Essa tensão mudou para um desacordo de longo prazo entre o Egito e a
Etiópia, e o conflito emergiu em momentos diferentes, incluindo declarações políticas
agressivas e potencial ação militar. No entanto, uma das razões pelas quais a Bacia do
Nilo não evoluiu para uma guerra de água foi o equilíbrio de poder, com a Etiópia (o
país a montante) sendo mais poderosa geograficamente e o Egito com maior capacidade
militar. Outro exemplo de conflito hídrico é entre o Irã e o Afeganistão (o país a
montante) sobre a bacia do rio Helmand e a bacia do rio Harirud-Murghab. Embora um
tratado de água sobre o rio Helmand afegão-iraniano tenha sido criado em 1973, o ato
unilateral de construção da represa Kamal Khan está estimulando o conflito de água

63
entre os dois países ribeirinhos. O controle da água pelo Afeganistão levou a
considerável seca e desertificação. Como resultado, nas últimas duas décadas,
aproximadamente 25 a 30% da população deixou a região do Sistan para se mudar para
as cidades devido à escassez de água Na África, o esgotamento do Lago Chade na
década de 1960, que era um ícone essencial do patrimônio agrícola, é outra face do
conflito hídrico entre quatro países vizinhos, ou seja, Chade, Nigéria, Níger e Camarões,
onde foram construídas hidrelétricas. As barragens de Tiga e Challawa Gorge
construídas pela Nigéria levaram a um conflito de água com o país a jusante do Níger.
A conclusão do Projeto do Sudeste da Anatólia (GAP) nas bacias do Eufrates-Tigre fará
com que a Turquia retire cerca de 70% da água do Eufrates, o que provavelmente
prejudicará as relações entre o Iraque, a Turquia e a Síria e colocará a região em perigo
de interdependência. escalada de conflitos entre estados.
Na quinta fase – extorsão de água - assume-se que a fase do conflito é motivada
pelo stress e pela ansiedade, especialmente se a relação da água com o interveniente a
montante for percebida como extorsão (isto é, usar a água como ferramenta para
negociar outras questões políticas ou económicas). Juntamente com a falta de
comunicação, a crença de que ocorre extorsão pode criar o pior cenário para as relações
hídricas entre os atores. Em 1992, em relação à bacia do Eufrates-Tigre, o ex-primeiro-
ministro turco anunciou: “Não dizemos que compartilhamos seus recursos petrolíferos e
eles não podem dizer que compartilham nossos recursos hídricos. Este é um direito de
soberania. Temos o direito de fazer o que quisermos”. Essa afirmação pode ser
interpretada como uma tentativa de abastecer uma região seca, mas também pode ser
percebida como uma forma de extorsão com o objetivo de trocar água por petróleo,
levando a objeções dos países a jusante do Iraque e da Síria. A bacia do rio Mahakali é
outro exemplo de extorsão de água, onde a Índia apreendeu os recursos hídricos do rio
Mahakali por meio de barragens, como a captação de água para geração de energia
hidrelétrica pela barragem Sarada, e negou o tratado de Mahakali assinado em 1996
entre a Índia e Nepal. Os países a jusante Nepal, Paquistão e Bangladesh acusaram
politicamente a Índia de usar os recursos hídricos do rio Mahakali como uma ferramenta
de chantagem.
A sexta fase – hegemonia da água – acontece quando a pressão interna das
repercussões sociais das disputas transfronteiriças pela água leva ao crescimento de
deslocados pode aumentar local ou regionalmente, com as grandes cidades ficando

64
lotadas e sua infraestrutura sobrecarregada. Isso representara um fardo crítico para a
economia nacional, levando a uma crise econômica se nenhum acordo estratégico for
alcançado entre os dois estados, onde indivíduos deslocados podem se tornar imigrantes
se a questão for negligenciada. O equilíbrio de poder entre os dois atores tende a ser
assimétrico, e o ator a montante ganha poder por meio do controle da água após obter
tempo suficiente para finalizar seus projetos hídricos. China e Mianmar usaram suas
posições geográficas estratégicas na bacia do rio Mekong para estabelecer a hegemonia
da água, controlando o fluxo de água através de dezenas de barragens, levando a
conflitos com os países a jusante Camboja, Laos, Tailândia e Vietnã. Em 1995, tanto a
China quanto Myanmar se recusaram a cooperar com a Comissão do Rio Mekong
depois que os países a jusante propuseram que a sustentabilidade fosse buscada e que a
exploração dos recursos hídricos fosse evitada. O hidrocolonialismo nos Estados Unidos
e no Canadá, que terminou com o Tratado de Águas Fronteiriças de 1909, envolvendo a
população indígena, é outro exemplo de relação hegemônica desenvolvida por meio do
controle dos recursos hídricos por meio de hidrelétricas. Nesse contexto, um ganho de
poder por hegemonia aparece quando o poder regional pode impor unilateralmente um
esquema de compartilhamento de água a outros. Em contraste, alguns estudos indicaram
que a hidro-hegemonia poderia ser relativamente diminuída se o estado ribeirinho
menos poderoso adotasse uma estratégia de resistência para combater a hidro-
hegemonia, ou seja, o rio Yarmouk (Síria-Jordânia) e o rio Nilo (Egito-
Etiópia). Diferentes níveis de hegemonia foram explorados, onde as ambições
hidráulicas turcas e a estratégia de poder nas bacias do Eufrates-Tigre são consideradas
como hegemonia doméstica e internacional aplicada ao setor de água
A fase sete – guerras da água – acontece com o crescente poder do ator a
montante sendo confrontado pela escalada do ator a jusante devido à pressão pública,
particularmente das partes interessadas na água. Esse ambiente competitivo reflete uma
abordagem de soma zero, que levaria a uma guerra inevitável. Isso não precisa
necessariamente ser uma guerra militar armada; em vez disso, pode ser uma guerra por
procuração ou guerra econômica. O Acordo de Argel entre Iraque e Irã foi estabelecido
para resolver o conflito em torno do rio Shatt Al-Arab, que tem importância estratégica
para transporte e exportação. O tratado bilateral assinado em dezembro de 1975 visava
um acordo político, com o Iraque querendo acabar com a rebelião curda apoiada pelo
Irã. No entanto, alguns anos depois, o rio Shatt al-Arab tornou-se um dos principais

65
motivos da guerra entre o Iraque e o Irã. A escalada começou com reivindicações de
soberania sobre o rio e finalmente levou à mais longa guerra convencional do século 20,
de 1980 a 1988. Depois de 2003, o Iraque foi atolado pela instabilidade política,
fazendo com que o equilíbrio de poder mudasse para o Irã. Na última década, o Irã
causou escassez de água no Iraque não apenas por desviar rios que abastecem o rio
Shatt Al-Arab sem consulta, mas também por construir um complexo de barragens
atualmente em operação, onde um plano estratégico foi definido para construir 109
barragens no oeste do Irã ao longo da fronteira com o Iraque dentro de dois anos. Essas
barragens são projetadas para uso em projetos de irrigação. A maioria dessas represas
são de pequena escala, mas podem interromper o fluxo natural do rio no Iraque; assim,
eles funcionam coletivamente como uma grande barragem. Consequentemente, há
preocupações de que outro conflito possa surgir. Além disso, o Projeto Turco do
Sudeste da Anatólia, que visava construir barragens maciças nas bacias do Eufrates-
Tigre, levou a potenciais guerras de água entre o Iraque e a Síria em 1975. Desde a
década de 1970, a Síria também usou a estratégia de vinculação de questões, apoiando
os rebeldes curdos (o Partido dos Trabalhadores do Curdistão) para exercer pressão
política sobre a Turquia para obter as cotas de água solicitadas. No entanto, a Bacia de
Orontes também testemunhou como a Síria usou uma estratégia de interação bilateral
para excluir os países ribeirinhos Turquia e Líbano. A Síria e a Turquia construíram a
barragem de Afrin e a barragem de Reyhanlı, respectivamente, enquanto a barragem de
amizade proposta entre a Turquia e a Síria foi suspensa devido ao levante sírio em 2011.
A oitava fase – negociação de água – leva em conta que embora a água possa
causar disputas, muitas vezes promove a cooperação em vez do conflito, mesmo entre
inimigos ferrenhos. Durante o período pós-conflito, as questões de água podem ser
resolvidas por mediação apropriada. Os atores são encorajados a explorar suas
semelhanças, compartilhar as lições aprendidas e garantir consistência em qualquer
compromisso futuro. Esta fase envolve a construção de confiança, onde o ator upstream
acredita em uma abordagem colaborativa (ou seja, um jogo de soma diferente de
zero). O ator a jusante aceitará projetos de água na bacia hidrográfica compartilhada sob
certas garantias e condições para garantir recursos hídricos suficientes. O conflito neste
estágio está em seu rescaldo, com os atores revisando o resultado e buscando uma
solução. O Acordo de Adana em 1998 representou um ponto de virada nas relações
Síria-Turquia e encerrou o conflito antes que ele se transformasse em guerra. Este

66
acordo estratégico foi alcançado após uma década de cooperação em diferentes níveis e
a duplicação do abastecimento de água para a Síria, devido às relações internacionais
resilientes adotadas por ambos os países naquele momento. Em 2021, após décadas de
disputa pela barragem de Illiso na bacia do Tigre, as autoridades do Iraque e da Turquia
anunciaram a assinatura de um protocolo de água para o rio Tigre e o estabelecimento
de um centro de pesquisa conjunto para a água; embora o protocolo mencione
brevemente que a Turquia concorda em liberar “parte justa da água do Tigre”, ele não
aborda um acordo sólido sobre a quantidade esperada de alocações de água. No entanto,
o protocolo ainda é considerado um progresso positivo entre os dois países em termos
de cooperação hídrica.
Pode ser introduzido um acordo estratégico que atue como trampolim para o
retorno à Fase 1 (harmonia e equilíbrio). No entanto, esta transformação da Fase 8 para
a Fase 1 depende da capacidade de liderança dos atores ribeirinhos, do tipo de doutrina
de relações internacionais adotada e do padrão do sistema de segurança internacional,
sendo o comportamento de um Estado também impulsionado por ameaças
transnacionais e globais. A governança global é caracterizada por problemas não
tradicionais que não devem terminar na fronteira política de um país, como mudança
climática, terrorismo, armas de destruição em massa e pandemias. Esses desafios
exigem esforços globais, colaboração regional e um conjunto específico de políticas. O
conflito pela água é um desafio global (AL-MUGDADI, 2022).
Várias hegemonias regionais impuseram relações hidro-hegemônicas negativas
em bacias hidrográficas transfronteiriças (como o Jordão, Tigre, Eufrates e Nilo), apesar
de estarem geograficamente em desvantagem devido à sua posição a jusante. Estados
como Israel e Egito sem dúvida compensam essa posição desvantajosa, valendo-se de
seus outros recursos de poder para manter o domínio (ZEITOUN; WARNER,
2006). Por exemplo, Israel usa 90% dos recursos hídricos compartilhados, embora os
direitos à água da Organização de Libertação da Palestina (atual Palestina) sejam
claramente reconhecidos por Israel no acordo de 1995 que moldou os acordos de Oslo
II. Estratégias de captura e contenção de recursos, pressão de coerção e exibição de
força militar e econômica ajudaram Israel a estabelecer uma forma de hidro-hegemonia
negativa (SELBY, 2005).

Comparando com as bacias do Tigres-Eufrates, a Turquia detém o maior poder


de intervenção no contexto regional e que está situado na cabeceira da bacia
67
hidrográfica, sendo aquele que produz as maiores mudanças no sistema hidrográfico da
bacia e intervém diretamente nas iniciativas dos outros países com que compartilha
diretamente os recursos: Irã, Iraque, Jordânia e Síria. Em razão da sua posição
geográfica, a Turquia busca estabelecer o controle das nascentes, com a construção de
barragens. No caso da bacia do Nilo, o país com o maior poder regional, o Egito, está
situado a jusante da bacia hidrográfica, o que o faz intervir nos investimentos feitos
pelos países a montante, atuando na esfera diplomática para tentar evitar a construção de
barragens e sistemas de irrigação pelo Sudão e pela Etiópia. Estes dois países, Egito e
Turquia, exercem o papel de hegemonias no contexto hidropolítico em que estão
envolvidos, mas se valem de diferentes expedientes para o exercício do poder.
Elhance (1999) faz um paralelo entre a hidropolítica do rio Mekong com a do rio
da Prata por meio da posição dos países na bacia hidrográfica, especialmente os outros
dois países do Mekong: o Laos e o Camboja. Estes dois países têm uma posição no
interior da bacia do Mekong comparável à posição ocupada pelo Paraguai na bacia do
Prata. Apesar de o Camboja possuir uma saída independente para o mar e ter áreas que
não estão inseridas na bacia do Mekong, estes três países têm os seus territórios situados
em posição intermediária nas suas bacias hidrográficas – não estão nas cabeceiras de
drenagem, mas também não estão na foz do rio –; assim como o Paraguai, eles não são
países com grande poder político e econômico regional. Esta situação cria uma relação
de certa ambiguidade na hidropolítica das suas bacias hidrográficas, pois estes países
são diretamente afetados por qualquer intervenção técnica de grande monta, como a
construção de grandes canais ou de barragens e atores fundamentais para o sucesso
destes projetos, mas eles possuem pouco poder para influenciar o planejamento de
longo prazo e a tomada de decisões na escala regional, o que os coloca sobre a
influência direta dos países com maior poder nas suas bacias hidrográficas.
A política desenrolada pelo Estado hegemônico não é necessariamente
prejudicial aos outros, mas as estratégias para exercer o seu poder podem variar deste a
intervenção e a criação de um fato consumado, como a construção de uma barragem ou
de um canal, sem o consentimento dos Estados mais fracos, como no caso da construção
da barragem de Aswan, pelo Egito, a formulação de um acordo que beneficie o
hegemon, mas que seja aceito e corroborado pelos mais fracos, como nos acordos entre
Israel, Palestina e Jordânia na década de 1990, sobre o uso do rio Jordão, até estratégias
mais integrativas de controle dos recursos hídricos, em que todos os países participem

68
efetivamente na formulação das políticas de gestão e desenvolvimento da bacia
hidrográfica, como é citado o caso do rio Orange, onde a África do Sul exerce a
hegemonia (ZEITOUN e WARNER, 2006). Todos estes casos servem para demonstrar
como um Estado hegemônico regionalmente pode definir as formas de interação política
dos recursos hídricos em uma bacia hidrográfica, assim como definir o volume de
recursos disponíveis aos Estados mais fracos.

Warner aponta que a hegemonia também denota qualidades positivas de


liderança, de vanguarda e guia (hegemon). Ela pode ter como marca a cooperação,
apesar de também poder exercer hegemonia de forma agressiva e conflitiva, com usos
destrutivos do poder hegemônico (bullying). A hegemonia positiva seria uma ordem
hegemônica da qual todos os ribeirinhos se beneficiariam: uma soma positiva em vez de
um resultado de soma zero ou negativa. Além disso, também aponta a mutabilidade das
hegemonias. Embora a hidro-hegemonia possa parecer determinante na política hídrica
transfronteiriça, certamente não é uma realidade concreta permanente. A dinâmica do
poder material pode mudar, numa balança em que os agentes redefinam suas estratégias
(WARNER, 2017).
Apesar de tal incerteza e ambiguidade, existem exemplos notáveis de repartição
de benefícios de rios internacionais globalmente, como nas bacias hidrográficas na
América do Sul, o rio Columbia na América do Norte, a bacia do Senegal na África e
mais recentemente o rio Mekong na Ásia. Ao mesmo tempo, existem desafios e
dificuldades consideráveis, especialmente riscos políticos, na implementação desta
abordagem para outras regiões e águas transfronteiriças.

No contexto do compartilhamento de rios internacionais, os quatro tipos de


benefícios identificados por Sadoff e Gray são: benefícios ambientais para o rio,
benefícios econômicos diretos do rio, benefícios políticos da redução de custos por
causa do rio e benefícios indiretos além do rio. Mais especificamente, os benefícios
ambientais promovem o desenvolvimento sustentável das bacias hidrográficas, os
benefícios econômicos diretos do rio enfatizam a água como um produto, mas não um
insumo, fornecendo commodities como eletricidade, alimentos e serviços ambientais. A
maximização dos benefícios econômicos é legítima apenas quando danos e perturbações
ambientais são evitados. Os benefícios políticos representam vantagens simbólicas e
reais para os países quando eles chegam a acordos sobre a melhor forma de se

69
beneficiar do uso coletivo dos recursos hídricos compartilhados. Os benefícios indiretos
além do rio incluem uma série de benefícios que muitas vezes superam os ganhos
ambientais e econômicos, incluindo, por exemplo, comércio e desenvolvimento
regional.

Zeitoum e Mirumachi acreditam que a troca de dados e informações entre os


ribeirinhos é um dos componentes do quadro institucional mais amplo para a
cooperação transfronteiriça de água. Para que as negociações avancem, os dois países
devem estar dispostos a trocar quaisquer dados técnicos disponíveis em ambos os
lados. Além disso, deve ser institucionalizado um método uniforme de medição dos
fluxos dos rios. O compartilhamento de dados e informações é vital durante a
negociação da cooperação transfronteiriça, bem como a operacionalização do modelo de
cooperação.

2.6. AMPLIANDO A NOÇÃO DE HIDRO-HEGEMONIA

Desde a década de 1990, a gestão da água transfronteiriça passou a desempenhar


um papel fundamental tanto nos debates sobre políticas ambientais globais quanto na
formulação de políticas de desenvolvimento internacional, especificamente no Sul
Global. Como consequência, surgiu um corpo crescente de literatura no quadro da
hidropolítica crítica, refletindo sobre o papel que o poder, os discursos e as estratégias
desempenham na formação de hegemonias hídricas transfronteiriças e na influência das
relações ribeirinhas.
Podemos identificar três novas vertentes que ampliam a noção de hidro-
hegemonia. Em primeiro lugar, permanecem dúvidas para encontrar um terreno comum
para os países estabelecerem mecanismos de repartição de benefícios. Diante de
hegemonias negativas, uma das estratégias de contra-hemegonia está no nacionalismo
da água, como uma ação política emergente que justifica a construção de barragens. Em
segundo lugar, nota-se também que hegemonias são exercidas e contestadas não apenas
em rios fronteiriços, mas também nos oceanos, cuja disputa tem grandes repercussões
geopolíticas. E, em terceiro, ampliando a noção de hidro-hegemonia, Sojamo e Keulertz
destacam a hidro-hegemonia “virtual” que o agronegócio ocidental exerce sobre as
comodities agrícolas na economia global (SOJAMO; KEULERTZ, 2012). Embora

70
muitas das principais bacias hidrográficas do mundo cruzem fronteiras geopolíticas,
conflitos e disputas sobre seus recursos hídricos não ocorrem apenas entre atores
estatais. Embora as análises de poder originalmente no quadro da hidro-hegemonia
sejam focadas em estados, questões de poder e privilégio, também é preciso
compreender ocorre o acesso das comunidades aos recursos da bacia hidrográfica além
e dentro dos estados.

2.7. CONTRA-HEGEMONIA E NACIONALISMO HÍDRICO

Cascão ampliou a discussão da literatura sobre hidro-hegemonia para examinar


os controles usados pelos não-hegemônicos para contestar a dominação dos poderosos.
Usando o caso do Nilo, ela argumentou que o fato de o poder entre os estados
ribeirinhos ser assimétrico não significa que a dominação do hegemon é incontestável.
Ela provou como a contra-hegemonia funciona na prática ao ilustrar os procedimentos
usados pela Etiópia, país a quantidade de onde se origina 86% da água do Nilo.
Segundo Cascão, a Etiópia combinou o “consentimento aparente” pela hegemonia do
Egito, que resultou da não priorização da água do Nilo nos planos de desenvolvimento
da Etiópia, com uma “disputa velada” dessa hegemonia por meio de uma série de
medidas reativas e ativas, formando alianças para contrabalançar o poder do Egito,
participando de esquemas cooperativos para mudar o status quo, mobilizando
financiamento internacional para projetos hidráulicos, desenvolver expertise nacional
em questões hidrológicas e hidráulicas, desafiar o discurso dominante no Egito sobre
segurança hídrica e enfatizar o princípio legal de “utilização equitativa” dos recursos
hídricos (CASCÃO, 2008).

Assim, de acordo com o arcabouço da hidro-hegemonia, a construção unilateral


de barragens é considerada uma tática utilizada pelos não-hegemônicos para obter
vantagem em sua tentativa de contestar o poder do hegemon e estabelecer uma ordem
mais equitativa. Para Cascão, o objetivo das táticas contra-hegemônicas é “desafiar
configurações hidropolíticas desiguais e, eventualmente, contribuir para um regime de
água e repartição de benefícios mais sustentável e equitativo” para a Etiópia, cujo
principal objetivo é “propor uma nova agenda hidropolítica baseada em princípios mais
equitativos, incluindo uma redefinição de alocações de água” (CASCÃO, 2008). Se a
71
contra-hegemonia acontece quando “partidos não hegemônicos quebram parcial ou
totalmente o consentimento” sobre a liderança do hegemon, a questão que se coloca é
como garantir que essa quebra conduza a uma ordem mais justa e não do que produzir
novas assimetrias.

Foi apenas no final da década de 1990 que a Etiópia passou de sua “disputa
velada” pela posição privilegiada do Egito na bacia do Nilo para uma “disputa aberta”
por meio do desenvolvimento de políticas hídricas nacionais abrangentes (ARSANO,
2007). Esses planos não apenas forneceram alavancagem para as reivindicações antigas
da Etiópia sobre a água do Nilo, mas também moldaram uma narrativa que contraria o
foco do Egito em seus direitos adquiridos e na securitização das questões do Nilo. As
barragens aparecem claramente no discurso político da Etiópia em duas vertentes.

Em primeiro lugar, a construção de projetos de barragens é vista como central


para os empreendimentos de desenvolvimento da Etiópia, aumentando especialmente a
produção de energia e desenvolvendo a agricultura irrigada, e como um meio de exercer
seu direito de usar seus recursos naturais para aliviar a pobreza. construção após duas
décadas de guerra de guerrilha, e para a transição de desenvolvimento do partido
dominante. Dentro deste quadro, o programa de barragens da Etiópia pode ser visto
como parte integrante da missão hidráulica do regime, uma busca para modernizar a
economia e reduzir sua vulnerabilidade e como fonte de orgulho nacional para uma
sociedade etnicamente dividida em África (VERHOEVEN, 2013).

Em segundo lugar, os projetos de barragens não são apenas centrais para os


ambiciosos planos de desenvolvimento da Etiópia, mas também para sua concepção de
seu papel regional. Em seu discurso de lançamento do GERD, o falecido primeiro-
ministro etíope Meles Zenawi afirmou que os benefícios do projeto não se limitariam à
Etiópia, mas se estenderiam rio abaixo até o Sudão e o Egito. Através de fluxos
hidrelétricos promovem a proeminência regional do país e promovem a integração
econômica. financiamento para a implementação de linhas de transmissão entre a
Etiópia e o Sudão, bem como a Etiópia e o Quênia. De forma mais ampla, ao aproveitar
seu potencial hidrelétrico e agrícola por meio de projetos hidráulicos, a Etiópia busca
mudar sua imagem internacional como país de fome e inanição (VERHOEVEN, 2013).

Menga, em 2015, explorou a construção da nação e as intervenções entre água e


energia. O autor destacou como os tomadores de decisão poderiam usar o simbolismo
72
da barragem para ganhar legitimidade e aumentar o senso de identidade nacional e
patriotismo. A gigantesca represa Rogun no Tadjiquistão é usada como estudo de caso
para demonstrar o comportamento do governo tadjique em criar e fortalecer um discurso
nacionalista e promover a represa como um projeto patriótico. A Turquia emerge como
uma potência regional usando um megaprojeto de água Southeastern Anatolia Project
(GAP) como um elemento estratégico para fazer cumprir a agenda política regional. A
liderança etíope transformou o espaço físico ocupado por uma grande barragem em um
espaço geopolítico altamente polarizado (MENGA, 2015). A contestação transnacional
no âmbito da hidropolítica regional foi explorada por Conker no caso do projeto de
construção da barragem Ilisu pela Turquia, na bacia dos rios Tigre e Eufrates na região
do Oriente Médio, evidenciando que, embora os agentes não-estatais sejam despojados
do poder material dos Estados, eles podem recorrer a táticas e estratégias de negociação
e construção de discursos em negociações internacionais e no processo decisório para
alcançar seus interesses (CONKER, 2016).
Wheeler, em 2021, descreveu a noção de nacionalismo da água como um
“desejo dos estados de obter a máxima vantagem nacional da exploração de seus
recursos naturais”. O autor apresentou o impacto do nacionalismo da água e da
identidade da água na academia de estudos sobre a água afetada pela desinformação de
políticos, mídia de massa e livros didáticos. Enfatizou o crescente nacionalismo hídrico
por partidos nacionalistas reivindicando soberania e salvaguardando os recursos
hídricos, o que acabou influenciando as políticas hídricas. O resultado mostra que o
nacionalismo da água se estende muito além dos governos para a sociedade civil e
instituições acadêmicas impulsionadas pela identidade nacional e um senso de
competição por recursos comuns. Nos estudos de caso da bacia do Jordão e da bacia do
Nilo concluiu inclusive que o nacionalismo hídrico está arraigado e flagrante entre os
pesquisadores acadêmicos, ilustrando o papel da água e do poder na conformação das
dinâmicas regionais e como a posição geográfica, econômica e militar privilegiou os
países a montante.
Qualquer princípio de repartição de benefícios acordado em comum será
particularmente valioso para o desenvolvimento da hidrodiplomacia no Sul Global,
onde existem interesses conflitantes sobre o uso de recursos hídricos compartilhados.

73
2.8. HIDRO-HEGEMONIA OCEÂNICA

Outra vertente que poderia ampliar a noção de hidro-hegemonia é o tratamento


do controle geopolítico dos oceanos. Ela não está relacionada a rios fronteiriços, mas
países com maior ou menor importância no controle dos oceanos.

Ao final do século XIX, Alfred Mahan, um dos precursores da geopolítica


clássica, publica a obra A influência do poder marítimo na história (1890). Em suas
formulações, o almirante estadunidense desenvolve o conceito de “poder marítimo” e
exemplifica a eficácia de tal instrumento tomando como modelo o processo de
consolidação da hegemonia britânica. Sua abordagem leva em conta uma concepção
integrada das atividades relacionadas ao mar, fatores que seriam condicionantes para os
Estados desenvolverem e sustentarem um notável Poder Marítimo. Esses conceitos, que
foram por ele denominados como as “Fontes do Poder Marítimo” (PARET, 2001), são:
posição geográfica, configuração física, extensão territorial, população, caráter nacional
e governo (MAHAN, 1987). Para Mahan, a história do Poder Marítimo se confunde
com as tentativas de dominação desse ambiente de interesse, que geram conflitos entre
Estados e, em alguns casos, tem seu ápice materializado pelo uso da violência
(MAHAN, 1987).

O Poder Marítimo é, seguindo o conceito de Zeitoun, a hegemonia no nível dos


oceanos, alcançado por meio de controle da navegação. Aqui também hegemonia
refere-se para “como grupos com poder podem manter seu pólo posição (controle),
exceto por mera pressão” (Zeitoun e Warner, 2006:438). E o grau em que hidro-
hegemonia é realizada é determinada pela relativa poder, posição no oceano e potencial
para controlá-la.

O Oceano Atlântico Norte e Sul sob hegemonia dos Estados Unidos e Inglaterra,
com outros atores disputando espaço, como Brasil, França, Venezuela, Argentina. O
Oceano Índico sob uma disputa hegemônica entre Estados Unidos, Inglaterra, Índia,
China, Indonésia, Cingapura, Austrália, Paquistão, entre outros, com três grandes
estreitos – Bab el Mandeb, Hormuz e Malaca – cuja importância remete às grandes
navegações e ao Império Britânico. No Oceano Pacífico – maior da Terra -, China e
Estados Unidos e seus aliados travam uma disputa hegemônica. No Oceano Ártico,
compostos principalmente de oceano congelado, relações mais ou menos cooperadas
entre Canadá, Reino da Dinamarca, EUA, Finlândia, Islândia, Noruega, Rússia, Suécia,
74
China, entre outros. Em torno do Oceano Antártico, um continente rochoso coberto de
gelo, uma área rica em matérias-primas e maior reserva de água doce do mundo.
Diferentes países reivindicam áreas, como Argentina, Austrália, Nova Zelândia, França,
Noruega, Reino Unido, Alemanha, Brasil, China, Estados Unidos, Índia, Rússia. Muitos
tem bases permanentes.

2.9. GEOPOLÍTICA DA ÁGUA VIRTUAL E ASSIMETRIAS AGRO-


ALIMENTARES

A segurança hídrica é multidimensional, conectada com outros fatores, não


podendo ser vista de um ponto de vista isolado. É preciso uma estrutura analítica que
integre a análise geopolítica do capitalismo global com a política de desenvolvimento
dos rios e da água. Na governança global da água, a agricultura desempenha um papel
vital na dependência das nações umas das outras, e o agronegócio é administrado por
meio do controle virtual da água, que está com alguns conglomerados no mundo,
criando disparidades de poder no abastecimento agroalimentar global. Sendo a água o
elemento-chave, a hidropolítica também desafia as relações de poder econômico do
mundo (SOJAMO et al., 2012 ).

“Água virtual” refere-se à água necessária para produzir commodities. Países


podem comercializar “água” importando e exportando bens que fornecem água para
produção em vez de água real. E o sistema agroalimentar tende a estar sujeito a
poderosos atores do agronegócio, com consequências pouco identificadas para a
segurança hídrica global. Ao conectar os conceitos de hidro-hegemonia e água virtual,
apontam o domínio ocidental sobre a água virtual incorporada nos fluxos comerciais
internacionais de commodities agroalimentares (SOJAMO; KEULERTZ, 2012).

As principais decisões de gestão e segurança da água são tomadas no mundo


agroalimentar. Em princípio, essas decisões são tomadas pelos agricultores que
gerenciam a eficiência da irrigação com diferentes técnicas e dotações hídricas, pela
indústria de insumos agrícolas, oferta de fatores de produção como sementes e
fertilizantes para agricultores que conseguiram o uso da água, por comerciantes globais
de agronegócios, estabelecendo parâmetros de sustentabilidade para suas marcas e
produtos, pelos consumidores que escolhem os produtos e água virtual criada em

75
produtos de diferentes partes do mundo. No entanto, as cadeias se concentram e o poder
consolidado das corporativas no valor agroalimentar global e a economia política global
tornam esse cenário de tomada de decisão confusa e indiscutivelmente assimétrica.

Embora apenas cerca de 15% da produção agrícola global seja comercializada


internacionalmente, um sistema agroalimentar dominado pelas corporações surgiu após
a Segunda Guerra Mundial que influenciou quadros de produção agrícola, dinâmicas de
mercado e consumo em todo o mundo. Um pequeno grupo de agropecuárias ocidentais,
notadamente ADM, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus (Murphy et al., 2012), com laços
estreitos com as elites políticas e motivados nos principais setores de produção agrícola
regiões do mundo se tornaram os maiores comerciantes de água virtual criados em
commodities (Sojamo e outros, 2012). Os processos de produção e distribuição
agroalimentar são estruturas de rede altamente complexas e dinâmicas onde diversos
agentes além das corporativas, como consumidores e organizações governamentais e
não-governamentais, podem participar do estabelecimento de padrões de governança
(Henderson et al., 2002; Sexsmith e Potts, 2009).

O conceito de água virtual (ou invisível) “é a água doce necessária para a


produção de um produto em determinado lugar” (HOEKSTRA; CHAPAGAIN, 2008).
Os cálculos envolvidos nas estimativas do volume de comercialização da água virtual,
no entanto, são complexos. Para estimar estes valores, deve-se considerar a água
envolvida em toda a cadeia de produção, assim como, as características específicas de
cada região produtora, além das características ambientais e tecnológicas. Nesse
sentido, a concepção de água virtual está relacionada intimamente ao conceito de
“pegada ecológica” (ecological footprint), pois é necessário perseguir os passos e etapas
do processo de produção avaliando detalhadamente cada elemento, os impactos e os
usos dos recursos naturais envolvidos no processo como um todo, desde a sua matéria-
prima básica até o consumo energético.

Define-se o conceito de água virtual como o volume de água demandada para


produção de determinada commodity. Ou seja, o volume em m3 de água necessários
para a produção de x toneladas de soja, arroz, açúcar etc. Pode-se assumir que,
juntamente com as divisas geradas pela exportação destes produtos, existe um valor
adicionado que não é contabilizado e que, visto desta maneira, pode representar muito
mais do que apenas o equilíbrio da balança comercial de determinado país, mas,

76
sobretudo, a sua sustentabilidade ambiental a médio e longo prazo. Hoekstra e Hung
(2002) mapearam o fluxo mundial de água virtual dividindo o globo em países
exportadores e importadores, que se relacionam formando uma balança comercial.
Alguns países e regiões assumem a função central nessa balança e se destacam por sua
posição de exportadores. O Brasil é o país que mais detêm recursos renováveis de água
doce. Cerca de 13% de toda água doce do mundo pertence ao Brasil. Os 5 países que
mais detêm esse recurso são: Brasil, Rússia, Canadá, EUA e China. Somados esses 5
países possuem cerca de 40% de toda água doce do mundo. Também são exportadores
países na América Latina e do Sudoeste Asiático. Os fluxos entre importadores e
exportadores ocorrem com o Brasil tendo como seu maior mercado na Europa e a Ásia;
a América do Norte tem como maiores mercados a Europa, a Ásia, a África e também
uma parcela na América Central. Ainda como exportadores, mas com fluxos um pouco
menores, estão a América Latina, com seu mercado na região central e sul da Ásia, e o
sudoeste asiático, também como exportador para regiões da própria Ásia (especialmente
a área central e sul). Como importadores, destacam-se os continentes europeu e
africano, Oriente Médio e grande parte do continente asiático.

São dois os motivos que fazem com que os países recorram ao comércio
internacional para adquirirem produtos que demandam muita água em seu processo
produtivo: a) possuem poucos mananciais em seus territórios; b) possuem boa
quantidade de mananciais, porém, consomem muitos produtos de elevada pegada
hídrica (geralmente, esse é o caso dos Estados que têm densidade populacional e renda
per capita altas, sendo que alguns, inclusive, coincidem nas estatísticas como grandes
exportadores e importadores de água virtual (HOEKSTRA et al, 2011, p. 18-21). O
fluxo de água virtual (fonte externa de obtenção de água) torna-se mais relevante quanto
maior for a quantidade utilizada dela na cadeia produtiva pelo país exportador, o que
representa para este, consequentemente, uma impactante diminuição de suas reservas
hídricas em prol do importador (NEUBERT, 2008, p. 13). Dependendo do cenário, os
fluxos de água virtual são vantajosos. Por exemplo, um país abundante em água (e que
possui um consumo relativamente baixo) pode ser um exportador de água, por possuir
um excedente transferível, para aqueles que não possuem disponibilidade hídrica
suficiente. Entretanto, este deve ter cuidado para não esgotar suas reservas e, também,
para não privilegiar demasiadamente o "comércio" internacional da água, privando o
acesso de seus próprios habitantes e de seu meio ambiente natural a ela em prol do lucro
77
– afinal, a água não possui apenas um viés econômico, mas também (e principalmente
social e ambiental, sendo um direito humano e, até mesmo, da natureza) (CORTE,
2016). Por outro lado, deve-se considerar que, em alguns casos, se não realizadas as
transferências de água virtual através de produtos, como comida, muitas pessoas
também terão vários direitos humano-fundamentais negados – como o acesso à
alimentação, à vida digna, à saúde, à água (ainda que de forma indireta), entre outros.
Da mesma forma, não há mecanismos internacionais que regulamentem essa situação.
Os países importadores, no mesmo sentido, devem atentar para não ficarem dependentes
da água virtual de outros países, pois não há mecanismos que lhes assegurem o acesso
indireto à água (CORTE, 2016).

As trocas internacionais de água virtual são economicamente invisíveis e


politicamente silenciosas. A água, apesar de aparentemente abundante, possui apenas
pequena parcela de sua disponibilidade doce (e, portanto, potável), caracterizando-se,
assim, como um bem ambiental finito, renovável e com distribuição geográfica
desigual. Os fluxos invisíveis de água no mundo intensificarem-se nas últimas décadas,
levando à chamada globalização da água. Na teoria existe água suficiente no planeta
para a satisfação das necessidades vitais mínimas de todos os seres humanos. Contudo,
em 2015, 633 milhões de pessoas, não tinham acesso à água potável. Como causas desta
distorção destaca-se a orientação econômica voltada à exportação de água virtual e os
múltiplos usos da água doce, competindo entre eles, portanto, entre si. Entre os setores
da economia, a agricultura é o que possui maior demanda hídrica, com cerca de 70% da
água doce retirada dos mananciais no mundo sendo destinada para ela, principalmente
para irrigação. Em seguida estão as indústrias, que utilizam, aproximadamente, 20%
dela. E, por fim, somente 10% são consumidos pelo setor doméstico (CORTE, 2016).

Há, portanto, uma estreita relação entre a gestão da água (especialmente a


virtual) e a economia. Pode-se identificar a interdependência entre o Produto Interno
Bruto (PIB) de cada país e o seu consumo de água virtual (em outras palavras, o cálculo
do volume de água virtual de um Estado tende a corresponder à intensidade de suas
atividades produtivas). Em dados mundiais, o Brasil é o 4º maior exportador de água
virtual (112 trilhões/litro/ano), atrás dos Estados Unidos (314 trilhões/litro/ano), da
China (143 trilhões/litro/ano) e da Índia (125 trilhões/litro/ano). Já, são os maiores

78
importadores de água virtual: Estados Unidos, Alemanha, Japão, Itália, França,
Holanda, Reino Unido e China.

A internacionalização da agricultura brasileira, na transição do século XX para o


século XXI, decorrente de diversos fatores, a qual culminou com a inserção do leste
asiático nas transações de água virtual através da compra e da venda de commodities
alimentares, com destaque para a China, ao lado dos Estados Unidos e Europa, ilustra a
ampliação/mundialização das rotas hídricas indiretas. No Brasil, em razão da sua vasta
extensão territorial, além das transferências internacionais, ocorre, também, um grande
fluxo interno de água virtual, da seguinte forma: a) dentro de um mesmo Estado-
Membro ou região; b) dentre os Estados e as regiões mais industrializados ou agrícolas
para os menos industrializados ou agrícolas. A gestão das bacias hidrográficas, então,
passa a considerar, num país, além das demandas direta e indireta de água, seu fluxo de
importação e de exportação por meio do comércio estabelecido com diferentes Estados:
“a oferta e a demanda de água ajustam-se em nível global mais do que em nível de bacia
hidrográfica” (BARLOW, 2009, p. 149).

Não há normas jurídicas internacionais que regulamentem os fluxos de água


virtual, estando estes adstritos, atualmente, apenas, às normas econômicas do livre
mercado. Há, portanto, uma lacuna jurídica no que se refere aos fluxos globais de água
virtual (REIMER, 2012, p. 135). Evidencia-se assim a importância do estudo da água
virtual que é exportada para fora do País, tanto em termos de quantidade como também
em termos do valor monetário a ela atribuído. Como a escassez de água é algo iminente,
são cruciais políticas voltadas a esse recurso natural e que sejam estabelecidos critérios
para essas relações internacionais.

O valor geopolítico da água acabou ficando oculto, como se as sociedades


tivessem se emancipado das preocupações com a água. Entretanto, a água – e sua
energia renovável – será um dos núcleos da geopolítica mundial do século 21 – sejam
pela transição energética, pelas disputas fronteiriças e regionais, formação de alianças,
disputa pelo controle dos oceanos e assimetrias nas trocas de água virtual.

79
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SOBRE O AUTOR

Fernando Marcelino nasceu em Curitiba (1987), graduado em Relações


Internacionais pela UNICURITIBA, Mestre em Ciência Política e Doutor em
Sociologia pela UFPR. Especializado em China, tendo atuado no Escritório Paraná-
China junto ao IPARDES. Membro do Núcleo de Estudos Paranaenses (NEP),
produzindo diversas pesquisas sobre genealogias de famílias ligadas ao poder
econômico, político, judiciário, midiático e do tribunal de contas no Paraná e no Brasil.
Militante do Movimento Popular por Moradia (MPM). Membro do Mimesis Conexões
Artísticas e Samba da Resistência. Autor de: Desencontros e seus golpes (2016, poesia),
Classes Dominantes no Paraná Contemporâneo (2019), COVID e a nova geopolítica
global (2020), Revolta Paraná (2022, conto), Vivendo no Fim dos Tempos (2022,
teatro), 93 Haikais (2022, poesia), Oito Breves Amorosidades (2022, poesia), Última
Hora (2022), Profeta Joel (2022, teatro), Em Defesa do Projetamento: Ignácio Rangel e
os desafios do desenvolvimento brasileiro (2023), China: novos ensaios (2023), Marx
no século XXI: valor, crise e capitalismo financeiro (2023), Guerra Civil Brasileira –
1891-1894 (2023), Dialética do Planejamento Urbano em Curitiba (2003), entre outros
textos e artigos políticos.

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