Entre as diversas heranças trazidas pelo final da Segunda Guerra
Mundial (1939-1945), a mais influente e mais determinante foi o fim da ordem do imperialismo e do equilíbrio de poder baseado no poder europeu. Conforme o conflito chegava ao fim, diversos movimentos que se caracterizavam nacionalistas se expandiram e auxiliaram no combate ao Eixo, buscando de diferentes formas acabar com a existência de um domínio colonial. Porém essa não era uma questão acordada de forma consensual pelas lideranças dos países aliados, pois distintos temas combinavam os interesses, nem sempre expressos de forma clara, nas estratégias feitas e nos combates implícitos no interior da aliança feita contra o Eixo. Com o início dos atritos que culminaram na existência da Guerra fria, os países influentes buscaram formar bases sólidas em suas regiões, afim de preservar seus próprios interesses.
Nesse período, os Estados Unidos, em sua política externa,
presenciavam questões problemáticas que muitas vezes levavam a ações não tão compreensíveis. Primeiramente, há uma questão relacionada ao interesse do complexo industrial militar na expansão da máquina de guerra do país, em decorrência aos lucros propiciados pelas crescentes encomendas do Estado, de forma a gerar um aumento na produção de arma. Concomitantemente, o desvirtuamento, provocado pelos interessados nessa política agressiva, do sentido das lutas anti-imperialistas e de libertação nacional, sobretudo, aqueles em expansão na África e na Ásia, usando como pretexto a ameaça comunista, quando na maioria das vezes se situavam no campo das lutas anticoloniais. Portanto, a ameaça comunista era usada como justificativa da defesa dos interesses das grandes corporações, visando o controle de riquezas e mercados em diferentes regiões do planeta, especificamente, na venda de armas.
Durante os quase 30 anos do pós guerra, tanto Estados Unidos quanto
URSS aproveitavam da comum condição de tensão mundial histórica que as duas grandes potências protagonizavam. Tais tensões transcorriam por um processo de transição pelo qual o mundo experimentava, sendo este liderado, sobretudo, pelo ocidente democrático. Uma estrutura arcaica baseada em dogmas como religião e família dava espaço à um mundo cada vez mais baseado na ciência, racionalismo, progresso e individualismo. Porém essa transição ainda era frágil, pois durante o abandono dessas questões arcaicas, as novas ideias ainda não possuíam bases sólidas, logo, segundo os ideais norte-americanos, brechas perigosas poderiam ser aproveitadas pela ameaça comunista. Usando esse argumento, as potências democráticas começaram a defender o processo de modernização acelerada, pois assim estreitar-se-ia as janelas para essa ameaça não aproveitar o caos causado pelas transições de ideias presentem na sociedade naquele momento.
A política democrática presente no ideal norte-americano correlaciona-
se aos crescentes ideais liberalistas que citamos, sendo vista até mesmo como uma vertente naturalmente desenvolvida através do Estado Liberal, porém apenas se for vista por sua formulação política, ou seja, pela sua crença na soberania popular.
“Ideais liberais e método democrático vieram gradualmente se
combinando num modo tal que, se é verdade que os direitos de liberdade foram desde o início a condição necessária para a direta aplicação das regras do jogo democrático, é igualmente verdadeiro que, em seguida, o desenvolvimento da democracia se tornou o principal instrumento para a defesa dos direitos de liberdade. Hoje apenas os Estados nascidos das revoluções liberais são democráticos e apenas os Estados democráticos protegem os direitos do homem: todos os Estados autoritários do mundo são ao mesmo tempo antiliberais e antidemocráticos.” ( BOBBIO, 1998, p.44) Assim, os Estados Unidos assumiam um papel de auxiliar a tal modernização nos países em que o capitalismo não estava em seu exercício pleno, seja por meio de planos de desenvolvimento, incentivo às lutas armadas ou até mesmo revoltas contra líderes políticos, questões que administradas corretamente afastariam o ideal comunista e tornaria a sociedade mais segura, democrática e liberal nessas regiões consideradas instáveis, fazendo assim com que o capitalismo prospere. Essa tese não se apoiava apenas como um argumento defensivo de combate ao comunismo e sim como uma necessidade de se modernizar visando melhorar positivamente a nação auxiliada.
Em contrapartida, a gradual entrada dos ideais socialistas na história
preenche um cenário antitético aos ideais liberais, de forma não desagregadora do método democrático, desencadeando um movimento, também, de contradição entre liberalismo e democracia. A relação entre o liberalismo e o socialismo, ao contrário, foi desde o início claramente uma relação de antítese, isso devido ao caráter de liberdade econômica baseada na propriedade privada que a democracia defendia e que o socialismo fielmente criticava.
Nesse contexto político, durante o começo da década de 1960, os
Estados Unidos viam na emergência dos países pós coloniais uma oportunidade de confrontar a URSS, além de estimular a modernização e desenvolvimento desses países, afim de garantir um bloqueio a qualquer influência soviética. Já na década 1970 e nas seguintes, as disputas ocorridas devido a esse embate entre Estados Unidos e URSS representaram um desafio ao modelo à ordem bipolar que vigorava desde o início da Guerra fria, pois esses ideais de sociedade continuaram a se chocar em diferentes partes do planeta.
A ordem mundial que se formou a partir da crise do imperialismo teve
início com a divisão da Europa em dois blocos, sendo estes um ocidente capitalista e o outro oriente socialista. Essa divisão da ordem mundial foi consequência da própria maneira como os países ocuparam a Europa no final da Segunda Guerra, de forma à bipolarizar o poder entre os Estados Unidos da América e a União Soviética. Essa bipolarização levou a um quadro de constante tensão e conflito diplomático, do qual há oposições que, durante anos, culminaram em um conflito presente em todos os domínios, salvo o das armas, assumindo um caráter de uma verdadeira guerra. Configura-se assim a Guerra Fria, a qual atinge um caráter político, militar e ideológico que contaminou todas as relações internacionais e a própria evolução da política interna dos países.
A disputa ideológica era travada pela defesa da democracia capitalista
liberal pelos Estado Unidos, a qual tinha na liberdade individual o valor máximo de uma sociedade que busca o desenvolvimento social como um todo, e pela defesa do socialismo da União Soviética que cultuava o interesse coletivo, sendo este a prioridade do planejamento de um Estado centralizador. Portanto, a vitória soviética na Segunda Guerra Mundial representava uma ameaça aos interesses norte-americanos, devido ao seu desenvolvimento e da denominada “ameaça comunista”.
Apesar de nunca terem se enfrentado de forma direta e declarada, os
Estados Unidos e a União Soviética investiram enorme volume de riqueza em desenvolvimento e fabricação de armamentos, com destaque para bombas e mísseis nucleares. Essa disputa armamentista influencia no desenvolvimento de um temor antissoviético dentro dos Estado Unidos, sobretudo, devido ao intenso crescimento industrial, voltado diretamente para o setor militar, da União Soviética. Uma das grandes conquistas da indústria bélica soviética nesse período foi o desenvolvimento da bomba atômica, símbolo máximo do poderio militar e do terror que marcou o período em questão.
Durante treze dias do mês de outubro de 1962, o mundo ficou bem
próximo da ocorrência de um conflito direto entre as potências em questão, devido ao avançado processo de construção de uma plataforma de lançamento de armas nucleares em Cuba. Assim era estabelecido a Crise do Mísseis, incidente diplomático entre Estados Unidos e União Soviética, considerado o momento mais tenso da Guerra Fria. No filme “Os treze dias que abalaram o mundo”, produzido em 2000 por Roger Donaldson, é notório que para os Estados Unidos era inadmissível conviver com a constante ameaça de ter mísseis nucleares tão perto do seu território, enquanto que para Cuba, as armas serviam como uma proteção contra novas invasões em seu território.
O presidente dos Estados Unidos, John Kennedy (1917-1963), toma
partido no controle e decisões do desenrolar da crise, empenhando-se para solucionar pacificamente o conflito. Por outro lado, o Estado-Maior americano é tendencioso à uma invasão na ilha caribenha ou um ataque aéreo preventivo contra a União Soviética. Kennedy não segue o plano de seus conselheiros militares de lançar um ataque para destruir os mísseis e depois invadir Cuba, direcionando-se à um caminho diplomático. O presidente anuncia uma “quarentena naval” e apela à União Soviética a remoção dos mísseis de Cuba sob a supervisão da Organização das Nações Unidas (ONU), em troca de uma garantia de que os Estados Unidos não invadiriam Cuba. Os países negociam então, a secreta retirada dos mísseis, evitando assim uma guerra nuclear.
Já no filme Dr. Fantástico (Dr. Strangelove, 1964) de Stanley Kubrick, o
período histórico em questão é tratado de forma irônica, tendo como objeto principal a ação desmedida proporcionada pela paranoia anticomunista de um general americano, Jack D. Ripper. Ao longo do filme, o enredo entrelaça alguns momentos de loucura de um general à obsessão de um major com sua missão, correlacionando o contexto político, de forma critica, às tentativas de negociação entre o presidente americano e o líder soviético, finalizada com uma proposta de solução por um cientista germânico. Kubrick constrói uma imagem satírica de todos os elementos importantes da Guerra Fria, e utiliza da ironia para discutir a paranoia e a crescente insegurança presente na sociedade. Dr. Strangelove, protagonista da sátira, tinha como objetivo reacender os ideais nazistas em um período adjacente ao término de uma Grande Guerra. Assim, é mostrado e ironizado seus planos de fazer esse desejo se concretizar, enquanto criava e estudava as possibilidades de destruição mundial ocorrer e o retorno à um momento no qual haveria um vácuo de poder vir à tona, assim o nazismo poderia ser reedificado.
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