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O Estado Novo e o discurso de manutenção das colónias na Adesão à


ONU, segundo os livros de Franco Nogueira.

Trabalho desenvolvido no âmbito da Unidade Curricular Temas de Filosofia Social e


Política orientada pelo Professor Alexandre Guilherme Barroso Matos Franco Sá da
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e pelo discente José Miguel Mota.
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Índice
Introdução ......................................................................................................................... 3
Breve contexto histórico sobre Portugal e a Organização das Nações Unidas ................ 4
Anticolonialismo e as suas contradições .......................................................................... 5
Se o conceito de colónia não resiste a uma análise fria e objetiva, então porque é
geralmente aceite? ............................................................................................................ 7
Considerações da minha análise ....................................................................................... 9
Conclusão ....................................................................................................................... 11
Bibliografia ..................................................................................................................... 12
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Introdução

No âmbito da Unidade Curricular Temas de Filosofia Social e Política, com a


orientação do docente Professor Alexandre Guilherme Barroso Matos Franco Sá,
realizei o presente trabalho.

Este consiste numa abordagem histórica e numa tentativa de interpretação filosófica da


argumentação de Portugal, relativamente à sua política colonial, na adesão à
Organização das Nações Unidas.

Para alcançar o objetivo deste trabalho, apliquei os conhecimentos obtidos e debatidos


no decorrer das aulas, assim como no auxílio, através da leitura atenta e mais obliqua
possível, das obras Terceiro Estado e As Nações Unidas e Portugal de Franco
Nogueira, assim como de outros recursos auxiliares mencionados na bibliografia.

Num primeiro momento, o autor, através de uma análise fria e objetiva, desconstrói o
conceito de colónia.

De seguida, aponta e sustenta o principal objetivo político do conceito colonial


concebido pelas grandes potencias mundiais (bloco socialista e capitalista): fazer
Portugal abrir mão dos seus territórios ultramarinos, para, posteriormente, os
instrumentalizar, como nações autodeterminadas e aparentemente independentes, no
palco das Organização das Nações Unidas.

Numa análise final, o autor apresenta o novo discurso, visando a manutenção das
colónias portuguesas, face à pressão internacional, num contexto geopolítico de guerra
fria, impotência e jogo de influência no seio da ONU.

Por último, a compreensão da estratégia portuguesa assente num discurso e, de certa


forma, de um projeto sociológico, reunindo todos os territórios e cidadãos numa pátria
só - «Portugal uno e indivisível do Minho a Timor».

Palavras-chave: colónia; anticolonialismo; terceiro mundo; neocolonialismo


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Breve contexto histórico sobre Portugal e a Organização das


Nações Unidas

«Portugal é admitido como membro das Nações Unidas numa sessão especial da
Assembleia Geral realizada em 14 de dezembro de 1955.

A declaração de aceitação para Portugal das obrigações constantes da Carta foi depositada
junto do Secretário-Geral a 21 de fevereiro de 1956.»

«A entrada de Portugal na ONU significava uma exposição internacional à sua política


ultramarina, que passou a ser motivo de constante fricção e crítica por parte da
comunidade internacional.

A Carta das Nações Unidas previa a autodeterminação dos territórios administrados por
potências coloniais. Portugal tentara esquivar-se a estas cláusulas, transformando as
“colónias” em “províncias ultramarinas” de uma única nação, do Minho a Timor.

O surgimento do movimento dos Não-Alinhados, formado em grande parte por ex-


colónias europeias, e a independência de vários países africanos, em 1960, teve como
consequência a formação de um bloco, na Assembleia Geral, que questionava
constantemente as políticas portuguesas em África e exigia a autodeterminação dos
territórios.»

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Anticolonialismo e as suas contradições

O que é uma colónia?

Todo o território que, geograficamente separado do território em que se acha o governo


central, seja habitado por uma população de diferente raça e cultura e que esteja numa
condição de subdesenvolvimento social e económico.

Como se define uma colónia?

Através de critérios geográficos, raciais, culturais e de desenvolvimento entre a metrópole


e a sua extensão territorial.

Serão estes critérios precedentes?

Franco Nogueira, através de uma análise objetiva, procurou as incoerências do conceito


e paradoxos de quem o criou.

- Critério Geográfico

1. Deverão todos os territórios distanciados ser considerados colónias?


2. A que distancia se converte em colónia um dado território?

É um critério irrelevante e que nem dá nem nega direitos, aos olhos de Franco Nogueira.
Para além disso, não pode ser critério objetivo ou literal, tendo em conta os exemplos de
Porto Rico, Havai, Alasca, Indonésia e Japão.

- Critério Racial e Cultural

1. Aceitar diferenças de raça e cultura denunciam a existência de colónias?


2. Será a unidade racial e cultural sinonimo de uma unidade política distinta?

Era necessário considerar a discriminação racial como um conceito válido para conseguir
responder a estas duas questões. Teríamos quase de recuperar à Polis Grega, o conceito
de Etnos que diferenciava gregos de todos os outros povos, considerando estes bárbaros
e naturalmente inimigos (Polemos – guerra entre gregos e bárbaros) separados pelo mar.
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Se todos os Estados Nação com várias culturas e raças devessem ser fragmentados por
este critério, então o próprio conceito de Estado estaria em causa. Além disso,
despoletava-se vários conflitos entre raças e culturas.

Esquematizando, podemos retirar daqui as seguintes considerações:

1. Não existe cultura fechada nem existe uma raça pura no Estado, porque as nações
são habitadas por várias raças e tem diversas culturas (são a título de exemplo: os
Estados Unidos, a União Soviética, a China e o Brasil).

«apenas são grandes nações aquelas em que raças variadas se tem misturado e integrado cada uma
completando as demais, e só essas tem contribuído para o progresso da humanidade »

2. A segregação racial e a supremacia de uma raça sobre outra deveriam ser


universalmente rejeitadas.

- Critério do Estado de Desenvolvimento

1. Será um território social e economicamente subdesenvolvido uma colónia?


2. Deveremos considerar como colónias as áreas subdesenvolvidas de países
desenvolvidos?

Se a resposta for positiva, então teremos colónias no âmbito de países geograficamente


unidos.

Se a resposta for negativa, não se denota nenhuma situação colonial.


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Se o conceito de colónia não resiste a uma análise fria e objetiva,


então porque é geralmente aceite?

1. A resposta é oportunismo e política.

É exemplo a influência dos blocos socialista e capitalista, tendo em conta a dinâmica


parlamentarista da ONU, durante a guerra fria.

• As Nações Unidas são assumidamente anticolonialistas, mas são instrumento


usado pelas duas superpotências que procuravam conquistar a maioria da
assembleia da ONU. Para tal, ganham, indispensavelmente, influência no Terceiro
Mundo neste jogo de poderes.

«Estamos assim face, dentro da organização, de uma pluralidade ideológica; e a luta pelo poder, e,
portanto, a tendência para romper o equilíbrio ou a procura intencional desse rompimento em favor de
uma potencia ou grupo de potencias, são acompanhadas ou tem por causa, além de outros fatores, um
conflito ideológico»

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Quem fazia parte do Terceiro Mundo?

a. Povos que não estão ligados direta ou indiretamente ao Tratado Atlântico Norte
(Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, França, Suíça, Áustria, Suécia, Espanha
e outros);
b. Povos que não estão ligados direta ou indiretamente ao bloco socialista (União
Soviética, Polonia, Jugoslávia e outros);
c. Povos do hemisfério sul, numa análise final (inicialmente com exceções
geográficas tanto da China marxista e da India demo-socialista);
d. Povos que se autodeterminavam do Terceiro Mundo;
e. Povos que se enquadram na nova conceção de neutralismo ou não alinhamento.

«Mas o neutralismo do terceiro mundo consiste na faculdade, que se arroga, de apoiar sucessiva e
alternadamente um ou outro dos grandes blocos de força mundiais consoante o que, em cada momento, for
julgado mais favorável aos interesses do terceiro mundo»

Alguns pontos para melhor compreensão do exemplo da influência dos blocos socialista
e capitalista e a subordinação do terceiro mundo:

• o terceiro mundo afirmava a sua posição somente através do jogo que conduzia
entre o mundo ocidental e o bloco socialista;
• não podia ter uma política que afetasse os interesses fundamentais de cada um dos
polos de força;
• o seu papel político só assumia relevo quanto aos problemas em que não havia
acordo ou compromisso entre blocos ocidental e socialista, ou quando qualquer
destes tenha interesse em utilizar aquele para fins específicos próprios;
• a noção que esta posição do terceiro mundo, desapareceria no dia em que, por
conveniência entre as potencias que contavam, fosse estabelecida uma ordem
nova e em que, redistribuídas as esferas de influência, o terceiro mundo ficaria
subordinado inevitavelmente a estas.

Este último aspeto coincide precisamente como um angulo político do


neocolonialismo económico.
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E era na sombra do princípio de autodeterminação dos povos, que as


supramencionadas usavam estes países, muitos sem bases políticas de carácter
precário e artificial (como é o caso das linhas tribal dos povos africanos), a seu favor
político e económico.

Algumas considerações

A meu ver, Franco Nogueira apresenta bem aquele que foi o discurso de Portugal
relativamente à manutenção das colónias portuguesas.

Em primeiro lugar, para este fim, é questionado e dissecado o conceito de “colónia”,


inviabilizando-o. Depois, é criada a ideia de que Portugal detinha províncias ultramarinas
e não colónias para o efeito.

Em segundo lugar, a ONU é tida como o palco, onde EUA e USSR, criadores do conceito
de anticolonialismo, delegam as suas políticas aproveitando-se da vontade da
autodeterminação dos povos do terceiro mundo.

Posteriormente, este caminho acaba por se revelar ainda mais comprometedor: uma vez
independentes dos seus colonizadores, acabam por se tornar ainda mais dependentes de
outros tidos como anticoloniais. Isto é, livres das antigas metrópoles, mas reféns da
influência dos blocos socialista e capitalista. Surge outro conceito: neocolonialismo

Noutras palavras, os esforços de anticolonialismo por parte das grandes potencias


mundiais deram, efetivamente, a autodeterminação destes povos. Contudo, estes estão,
mais do que nunca, dependentes das políticas e economia dos países do hemisfério norte.
Além disso, a suposta voz que tinham nas N.U. e assembleia não passam de uma
“miragem” e convenção política, uma vez sempre dependente do Conselho de Segurança.

Recuperando ainda o primeiro parágrafo, passamos a ter territórios ultramarinos que são
tão portugueses como Lisboa ou Coimbra, assim como cidadãos portugueses de origem
africana ou asiática como iguais aos de origem europeia. Daí a origem do slogan
«Portugal uno e indivisível do Minho a Timor». Aqui, a meu ver, recriam-se alguns
conceitos do Imperio Romano, onde existe um território bem delimitado organizado a
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partir de Lisboa – Portugal Insular e Ultramarino – e a unidade política está ligada com a
multiplicidade cultural e étnica de todo este espaço.

Em terceiro lugar, notar que Portugal não consegue resistir às pressões e achegas à sua
política ultramarina por parte da comunidade internacional, representada na assembleia
da ONU e até no próprio Conselho de Segurança. Franco Nogueira considera que, as
grandes potencias, querem Portugal a abrir mão das colónias, para, depois, as poder
instrumentalizar no seu jogo político no plano internacional.

«Temos de ver qual era a realidade das coisas, quer dizer: nós estávamos perante uma luta entre impérios.
O ultramar português estava incluído no Terceiro Mundo. Estávamos numa luta entre potências pela
conquista do Terceiro Mundo e a conquista tinha de ser total […]»

«E foi assim que desta amalgama internacional de novas ambições, de idealismos hostis,
de interesses antagónicos em choque permanente, de lutas pela hegemonia e pela
influência e poder políticos, se forjou uma nova política colonial das Nações Unidas.» 7
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Conclusão

A meu ver Portugal tenta esquivar-se às pressões internacionais sobre a sua política
colonial, apresentando uma estratégia lógica num novo discurso e, de certa forma, com
base num projeto sociológico – o ultramar.

À luz dos livros de Franco Nogueira, percebo a forma como é desconstruída os conceitos
“colonial” e “anticolonialismo” muito presentes na ONU.

Além disso, o autor sugere que estes conceitos são mesmo criados pelos principais blocos
(socialista e capitalista), para conseguirem afetar o equilíbrio político nas N.U e a sua
assembleia. Tudo isto à sombra do princípio da autodeterminação dos povos que, em
última análise, se revela ainda mais comprometedor para as ex-colónias
(neocolonialismo), muitas sem qualquer base nacional. Isto é, muitas delas ainda
sociedades baseadas em linhas tribais e rivais, levando ao poder a mais influente, gerando
conflitos internos ou guerras civis.

Por último, percebi a impotência tanto da ONU, subordinada ao Conselho de Segurança,


como do movimento dos não-alinhados. Torna-se evidente quando a organização é
confrontada com os grandes problemas do mundo - desarmamento ou experiências
atómicas. Isto significa que a solução destes problemas está diretamente ligada aos
interesses imediatos dos dois blocos, e, como são estes que dispõe do poder económico,
político e militar, à assembleia é vedado atravessar a linha desse poder sob pena de afetar
o equilíbrio existente, provocando assim a possibilidade ou perigo de guerra. Já este
último movimento, aparentava distanciar-se dos blocos, num contexto de guerra fria, mas
no fundo, estavam a eles direta ou indiretamente subordinados num jogo de influência.
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Bibliografia

A. Franco de Nogueira, Terceiro Mundo (2ª edição) ÁTICA, Rio de Janeiro, 1969.
A. Franco de Nogueira, As Nações Unidas e Portugal ÁTICA, Rio de Janeiro, 1961.
Portal Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, consultado em 12/05/2022,
URL: https://portaldiplomatico.mne.gov.pt/relacoesbilaterais/paises-geral/organizacao-
das-nacoes-unidas
P. Sousa Pinto, «Os Dias da História - Admissão de Portugal na ONU», Antena 2, RTP
Ensina, URL: https://ensina.rtp.pt/artigo/admissao-de-portugal-na-onu/
A. Franco de Nogueira, numa entrevista conduzida por Miguel Sousa Tavares, entre os
minutos 16:50 e 19:05, «Face a Face com Franco Nogueira», RTP Arquivos, consultado
no dia 29/05/2022, URL: https://arquivos.rtp.pt/conteudos/face-a-face-com-franco-
nogueira/

1 - Portal Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, consultado em


12/05/2022, URL: https://portaldiplomatico.mne.gov.pt/relacoesbilaterais/paises-
geral/organizacao-das-nacoes-unidas
2 - P. Sousa Pinto, «Os Dias da História - Admissão de Portugal na ONU», Antena 2,
RTP Ensina, URL: https://ensina.rtp.pt/artigo/admissao-de-portugal-na-onu/
3 - A. Franco de Nogueira, Terceiro Mundo (2ª edição) ÁTICA, Rio de Janeiro, 1969.
Capítulo I, I, página 19.
4 – A. Franco de Nogueira, As Nações Unidas e Portugal ÁTICA, Rio de Janeiro, 1961.
Capítulo III, III, página 56.
5 – A. Franco de Nogueira, Terceiro Mundo (2ª edição) ÁTICA, Rio de Janeiro, 1969.
Capítulo II, III, página 51
6 - A. Franco de Nogueira, numa entrevista conduzida por Miguel Sousa Tavares, entre
os minutos 16:50 e 17:04, «Face a Face com Franco Nogueira», RTP Arquivos,
consultado no dia 29/05/2022, URL: https://arquivos.rtp.pt/conteudos/face-a-face-com-
franco-nogueira/
7 – A. Franco de Nogueira, As Nações Unidas e Portugal ÁTICA, Rio de Janeiro, 1961.
Capítulo II, I, página 25

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