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Universidade Federal de Jataí

Curso: Direito

Docente: Dr. Andre Felipe Soares de Arruda

Discente: Matheus Prado Menezes

Análise do documentário “O mundo global visto do lado de cá – Milton


Santos”

Jataí-GO

2019
Matheus Prado Menezes

Análise do documentário “O mundo global visto do lado de cá – Milton


Santos”

Análise pessoal feita de acordo


com aspectos do documentário de Milton
Santos, baseando-se em fenômenos
geopolíticos e sociais para compreender
o os efeitos da globalização, como
requisito parcial para a aprovação na
matéria de Introdução ao Estudo do
Direito do curso de direito da
Universidade Federal de Jataí

Professor: Dr. Andre Felipe


Soares de Arruda

Jataí-GO

2019
I. Globalização

É preciso explicar porque o mundo de hoje, que é horrível, é


apenas um momento do longo desenvolvimento histórico e
que a esperança sempre foi uma das forças dominantes das
revoluções e das insurreições. E eu ainda sinto a esperança
como a minha concepção de futuro. (SARTRE, Jean Paul.
Prefácio de “Os Condenados da Terra” de Frantz Fanon.
1963)

O documentário inicia-se comentando que “descolonizar é olhar o mundo com


os próprios olhos, pensa-lo de acordo com um posto de vista próprio”. A visão que se
tem de mundo, é, muitas vezes, derivada daqueles que a constroem. Nessa perspectiva,
Milton Santos começa desmistificando a visão de que a globalização começa nos
tempos modernos, com a tecnologia avançada e as indústrias. Essa, na verdade, é a
segunda globalização. A primeira começou um pouco antes, por volta de 1400 e 1500
(séculos XIV e XV): foram as grandes navegações.

É durante esse período, com a expansão do poderio naval e surgimento dos


mercados internacionais – o mercantilismo – que os Europeus se jogaram ao globo para
buscar matéria prima e territórios para aumentar seu domínio. Em função dessa
globalização, como o documentário mostra, mais de 70 milhões dos povos nativos dos
territórios explorados pela colonização foram dizimados. A religião cristã foi imposta, a
língua nativa foi abandonada e a cultura dos povos indígenas foi substituída por pela
europeia à base da coerção. Além disso, esses povos nativos, assim como os negros
trazidos da África, foram submetidos à escravidão para exploração do pau-brasil, do
ouro, da cana-de-açúcar e do café ao longo do desenvolvimento das colônias. Tudo para
nutrir os interesses dos países europeus. “A primeira globalização se caracterizou pela
ocupação territorial” ( O Mundo global visto do lado de cá. 3:07 min)

A segunda globalização, por sua vez, começa no fim do século XX e é marcada


pela fragmentação dos territórios. Esse século, conforme o documentário pontua, foi o
século das revoluções, tanto tecnológicas como sociais, políticas e econômicas. É nesse
período que o welfare state começa a entrar em declínio, em função das novas correntes
neoliberais e o surgimento de transnacionais. “O humanismo é rapidamente substituído
pelo consumo voraz”. Paralelo à discussão, Milton Santos chega a comentar as
dificuldades de ser um intelectual negro no Brasil. Para ele, é tão difícil ser um, quanto
o outro. O racismo presente historicamente no Brasil que cerceia os direitos e locais de
espaço do negro, e, segundo o autor, a dificuldade da nação em ser ouvinte ás
mudanças, ambos esses fenômenos são obstáculos que ele pontua em sua carreira.

De volta à pauta da globalização, o documentário aponta para alguns outros


aspectos dessa nova configuração global:  A divisão do planeta em dois mundos, Norte
e Sul, onde ao norte encontram-se os países desenvolvidos e ao sul do globo os países
subdesenvolvidos ou países de terceiro mundo, ficando claro a desigualdade entre os
dois mundos. Os países do Norte exercem sua hegemonia sobre os do Sul, seja por meio
de coerções políticas ou pela logística econômica de introdução de transnacionais que
comandam a economia e enriquecem cada vez mais as grandes nações. Tal divisão fica
ainda mais clara quando, em determinada parte do documentário, é colocada em jogo
uma imagem via satélite da Terra à noite; os países do Norte, industrializados e
enriquecidos esbanjam um “show de luzes” do espaço, os do Sul, por outro lado, não
gozam de tal privilégio. Essa globalização, apesar de ter influências nos Estados,
favorece ainda mais as grandes corporações que lucram em cima da exploração de
terceiros e corroboram para acentuar ainda mais essa divisão em 2 polos do globo. Para
o próprio Milton Santos, essa nova globalização permite 3 percepções de mundo: “deve-
se considerar a existência de pelo menos três mundos em um só: o primeiro seria a
globalização como fábula, o segundo como ele é, e o terceiro o mundo como ele pode
ser”. Através dessa concepção, podemos afirmar que, conforme o prisma social, político
e econômico de cada país e povo, a globalização pode ser encarada de distintas formas.

II. O Consenso de Washington

Dentro dessa nova globalização analisada no documentário, o Consenso de


Washington, uma organização de grandes medidas - que se compõe de dez regras
básicas - formulado em novembro de 1989 por economistas de instituições financeiras
situadas em Washington D.C (uma espécie de bula para colocar nos trilhos o
desenvolvimento humano) mostrou, de maneira perversa, como essa globalização
regulava regras que ditavam os meios de retomar o desenvolvimento dos países da
América Latina. Por meio da elevação de impostos, aumento de juros e privatizações, a
iniciativa privada e o credo no neoliberalismo foram dominando aos poucos os
instrumentos de governo. Países como o Equador e Argentina, por exemplo, foram
vítimas de grandes recessões que, sucessivamente, provocaram uma onda de levantes
por parte da população Na Bolívia, o governo, junto de outras empresas, tentou
privatizar a água, o que terminou em um levante e em protestos que, por sorte,
conseguiram evitar tal ato. A dolarização da moeda nesses países também provocou
graves consequências. Fábricas fecharam, níveis altos de inflação surgiram e o número
de desemprego cresceu proporcional ao nível de revoltas. No Brasil, os efeitos das
privatizações, como o da Vale do Rio Doce, entretanto, foi encarado por protestos
isolados, uma vez que o a ilusão de uma moeda forte e o consumo fácil aquietavam a
população insatisfeita. Como comentado por Milton Santos, essas grandes empresas
privadas, diferente do que alguns pensam, não tem responsabilidade social.

Em meio à tantas insatisfações, a única preocupação dessa nova globalização


se dava com as crises financeiras; as crises sociais, por sua vez, são omitidas. Isso, no
entanto, não impedia as lutas sociais. Como Milton Santos analisa, muitos haviam
pensado que a globalização havia retirado a capacidade de manifestação. Ao contrário,
ela fomentou, com exímio, a necessidade de lutas sociais e a solidariedade dos
indivíduos para lutar pelos seus direitos.

“A humanidade se divide em dois grupos: - O grupo dos que


não comem; E o grupo dos que não dormem – com receio da
revolta dos que não comem.” (CASTRO, Josué De.
Geopolítica da fome)

Outro fator marcante dessa nova globalização são os efeitos remanescentes da


divisão do trabalho internacional, nessa ocasião, uma divisão do trabalho internacional
injusta. Ao invés de distribuir riquezas e permitir maior produtividade e acesso ao
emprego, essa nova divisão contribuiu para a distribuição de mais riqueza aos
dominantes e acentuação de pobreza à aqueles que já se viam nelas. É a globalização,
mais uma vez, se impondo como fábrica de perversidade, na qual a pobreza e o
desemprego se tornam normalidades criadas nesse meio e as desigualdades sociais são
acentuadas.

III. As muralhas do capitalismo

Nessas circunstâncias, os muros criados pelo capitalismo são alçados,


apontando, sobre seus alicerces, a falsa ideia de globalização harmoniosa que muitos
tem. Tais muros separam condições sociais e econômicas e expressam, em meio uma
logística neoliberal, a hipocrisia da livre circulação de bens e serviços, e a proibição do
livre movimento de pessoas, como no caso dos refugiados que são ignorados e evitados
em países europeus. Esses mesmos imigrantes que uma vez foram explorados e tiveram
seus países invadidos por esses mesmos europeus são, agora, impedidos por buscarem
abrigo nessas nações que destroçaram suas terras natais. E dinheiro que alimenta esse
muros, tornou-se, num mundo movido por grandes corporações, no centro das relações
internacionais. É a lógica financeira se sobrepondo a lógica de solidariedade e,
simultaneamente, criando mais e mais muros manchados pela barbárie da ignorância e
do preconceito.

IV. Mídia: a fábula da globalização

O que nós estamos vivendo hoje é que o homem deixou de


ser o centro do mundo. O centro do mundo hoje é o
dinheiro, mas o dinheiro no estado puro. O dinheiro em
estado puro só é o centro do mundo, por causa dessa
geopolítica que se instalou, proposta pelos economistas e
imposta pela mídia. (Milton Santos)

Num contexto globalizado como o atual, no qual a tecnologia e os meios de


comunicação ligam as nações de ponta à ponta do globo, cria-se a noção fabulosa de
que a mídia atende à todos. Contudo, como analisado no documentário, não é dessa
maneira que os meios de comunicação atuam. O monopólio da mídia mundial está
concentrado nas mãos de um pequeno grupo na qual a informação pode ser deturpada de
acordo com interesses político e econômico. Desse modo, as informações que chegam
às massas populares são deturpadas, não passando de apenas uma interpretação defasada
dos fatos, e aquela ilusão de que a grande mídia promove a inclusão e a formação de
espaços de diálogo à todos é derrubada. Esse é apenas mais um dos traços de que essa
nova globalização são só cria espaços seletivos nas camadas econômicas e sociais, mas,
segrega até mesmo os espaços de comunicação.

Por outro lado, essa segregação não impede a manifestação popular. Por meio
da massificação das mídias e da tecnologia, muitos indivíduos, como mostra o
documentário, utilizam-se desses meios para mostrar o outro lado da moeda que a
grande mídia não mostra. A internet, dentre essas outras ferramentas digitais, é o mais
novo meio de protesto e criação de espaços de luta e, até mesmo, caos. Como o próprio
Milton Santos pontua, é a primeira vez na história onde se é capaz de conviver com um
futuro visível e possível (as tecnologias). É a tecnologia, aproximando a periferia de
uma realidade inclusiva.

A própria arte, nessa nova configuração, passou a ocupar um papel mais


acentuado na manifestação popular. Há, dessa forma, uma possibilidade cada vez mais
crescente de uma revanche da cultura popular contra a cultura de massas, na qual, a
cultura popular, por meio da adesão de aspectos da cultura de massas dominantes,
alcança espaços de fala, como uma espécie de contracultura. É mais um indício de,
como propõe Milton Santos, de que os atores que mudarão a história, são os de baixo,
uma mudança que ocorrerá de baixo para cima.

V. Conclusão

Assim, por meio do documentário, fica evidente a necessidade de se


desmistificar o fenômeno da globalização, uma vez que essa por si só não promoveu
apenas mudanças de cunho positivo para as relações do globo. É imperativo que se
analise as consequências desse evento moderno por um prisma mais crítico, indo além
da visão rasa que enxerga apenas os incrementos tecnológicos e econômicos, como as
redes de comunicação, a robotização e o surgimento de grandes corporações, e passe a
compreender como tais circunstâncias se construíram. A resposta para essa pergunta,
pode ser encontrada ao visualizar as camadas sociais mais abastadas e marginalizadas
dos efeitos positivos. É essa camada que sofreu e ainda sofre com os efeitos dessa
globalização seletiva, que, por sinal, foi construída à base da suspensão de direitos
desses povos subalternos e da retirada de razoáveis políticas redistributivas dirigidas à
eles. Como resposta, essa parte do mundo, o “polo sul” do globo do desenvolvimento,
por assim dizer, encontrou em mídias alternativas a sua chance de luta contra as
situações injustas que esse fenômeno global os impôs. Mais uma vez, urge um espírito
de embate por parte dessas camadas e, o resultado desse confronto, por sua vez, há de
perdurar por mais alguns tempo, até que os resquícios prejudiciais dessa globalização de
muros sociais e econômicos sejam superados.

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