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Nicholas Alves da Cunha Ribeiro

Oficina de Comunicação e Expressão


31/05/2023

Por uma outra compreensão da globalização


Nicholas Alves da Cunha Ribeiro1
POR uma outra globalização. Direção: Silvio Tendler. Produção: André
Alvarenga. Brasil: Caliban, 2004. 55’. Disponível em:
https://youtu.be/sdSwEezXrAk. Acesso em: 26/05/2023.

O processo de globalização econômica, iniciado a partir dos anos 1970, a partir


do aumento dos fluxos internacionais de capital, de tecnologia, de bens e
serviços e de pessoas, e da assinatura de diversos tratados de livre-comércio e
de redução de barreiras comerciais, teve diversos impactos em esferas para
além da econômica, como a política, a social e a cultura. Além disso, ele se deu
de maneira heterogênea em diferentes regiões e países, de modo que seus
efeitos, a longo prazo, mostraram-se também distintos. Se, por um lado, essa
nova forma de organização do sistema econômico mundial é associada à
crescente interdependência e integração econômica entre diferentes regiões,
setores produtivos e empresas, por outro, segundo diversos analistas, também
está na origem de processos de exclusão e de marginalização de países que,
incapazes de adentrar nessa nova ordem global, não participam desse
movimento de crescimento e integração econômicos e de melhoria dos
padrões de consumo e de bem-estar. Nesse sentido, há duas visões
conflitantes, que caracterizam, uma, a globalização como um processo de
convergência dos níveis de desenvolvimento econômico e social de diferentes
regiões, por meio da diminuição das barreiras à integração, e outra, que a
qualifica como um processo cujos benefícios são concentrados em
determinados países, de modo a aprofundar as desigualdades
socioeconômicas que separam cidadãos de diferentes regiões.

Milton Santos (1926-2001), geógrafo brasileiro tido como um dos


responsáveis pela renovação desse campo de conhecimento no Brasil e que se

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Graduando em Ciências Sociais pelo FGV CPDOC e bacharel em Economia pela FGV EPGE.

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destacou, sobretudo, pelos estudos sobre a urbanização nos países
subdesenvolvidos e sobre a globalização, teceu considerações críticas a esse
fenômeno, destacando o seu caráter excludente com relação a diversos países
menos desenvolvidos do chamado Terceiro Mundo, em especial no caso das
populações mais pobres. Baseando-se em trechos de entrevistas e
conferências dadas por Milton Santos ao longo da carreira e em entrevistas
com geógrafos e especialistas na sua obra, o documentário Por uma outra
globalização, de 2004, traça a biografia de Milton, a sua escolha pela geografia
e o que ele entende como o seu objeto, a sua trajetória acadêmica e
profissional e, como o próprio nome da obra revela, as reflexões científicas e
filosóficas do acadêmico a respeito do processo de globalização,
compreendendo seus aspectos históricos, suas contradições presentes e as
perspectivas para o seu futuro.

Para Milton Santos, o advento da globalização implicou, nos países


subdesenvolvidos, como o Brasil, uma série de crises, que vão desde o
domínio econômico ao político, passando por aspectos culturais e morais. A
crise urbana, que se define pelas disfuncionalidades das cidades dos países
em desenvolvimento, seja da perspectiva do capital, seja da dos cidadãos, é,
nesse sentido, ao mesmo tempo reflexo e síntese desse conjunto de crises e,
em perspectiva histórica, é resultado do modelo econômico e político que
caracterizou o processo de formação brasileiro, marcado pelo autoritarismo,
pela violência e pela expropriação. A partir dos anos 80 e 90 do século
passado, num contexto internacional marcado pelo fim da Guerra Fria, houve a
ascensão, nos países desenvolvidos e em organismos multilaterais de
financiamento e de desenvolvimento, em termos do que se entendia como o
ideal de política econômica, de políticas de cunho liberalizante, processo que
tem no Consenso de Washington um de seus símbolos.

A partir daí, essas políticas, que incluíam a diminuição de barreiras


alfandegárias, a abertura dos mercados de capitais, a privatização de
empresas estatais e a adoção de restrições dos gastos públicos, começaram a
ser adotadas nos países menos desenvolvidos, o que, segundo Santos,
intensificou o conjunto de crises nessas regiões, provocando aumento do
desemprego, e, como consequência, dos índices de pobreza e da violência nos

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grandes centros urbanos. Além disso, o processo de globalização e as
mudanças de política econômica provocaram, nessa perspectiva, também, o
aumento da concentração de empresas em diversas áreas, produzindo uma
série de oligopólios nos campos da produção, da informação e das finanças, de
modo que o poder dessas grandes corporações frente ao dos governos
aumentou, de forma que o mercado se sobrepõe ao Estado, tornado impotente,
a exemplo do que mostra Mattei (2004). O autoritarismo antes exercido pelo
Estado em diversos países passa para a esfera das empresas, desorganizando
territórios socialmente e moralmente, o que se manifesta na mudança de
concepção em relação aos cidadãos, que passam a ser vistos, antes, como
consumidores, a exemplo do modelo estadunidense, o que provoca aumento
da competitividade, que se generaliza para as diversas esferas da vida social, e
do individualismo, destruindo as bases da solidariedade nessas sociedades. E
é justamente a esse fenômeno, em que o consumo se torna o novo
fundamentalismo que Santos chama de globalitarismo, caracterizado pela
produção de novas formas totalitárias de vida, cujo principal instrumento é a
informação e que, justamente, são impostas pela mídia.

Apesar de todas essas circunstâncias, o documentário enfatiza a


posição otimista de Milton Santos frente ao futuro da globalização, baseada no
fato de que, na sua visão, pela primeira vez na história, o mundo convive com o
futuro possível, de modo que tal otimismo se funda na história do presente, nas
ferramentas e nos avanços técnicos que já existem, de modo que não há
incerteza quanto à necessidade de se inventar algo. Nesse sentido, apesar das
dificuldades de oposição, em função da internet e de outros meios de
comunicação serem manejados eficazmente apenas por parcela pequena da
atores, seria possível observar a formação uma resistência dos países do sul
global, caracterizada pela nova emergência do fenômeno de massas, com
movimentos e manifestações sociais, em um mundo marcado pela
globalização. A despeito disso, no caso particular da América Latina, essas
mudanças seriam mais lentas, em função, segundo o autor, da forma como
essa região enxerga a si própria e, a partir dessa visão, da forma como tenta se
projetar no mundo. Assim, ao insistir em se caracterizar como europeus, os
latino-americanos recusam-se a apensar de forma independente, a partir de

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suas circunstâncias e peculiaridades, de forma que a compressão do mundo e
de suas transformações é significativamente dificultada.

Nesse contexto, quando Milton Santos defende uma nova forma de


globalização, não está se colocando contra esse processo, uma vez que esse
movimento de universalização é, segundo ele, fundamental e não
inerentemente ruim, de modo que, antes de qualificá-lo, é necessário avaliar o
fenômeno da globalização, entendido como ainda incompleto e em construção.
Fundado numa visão otimista quando ao futuro, seu prognóstico não é
negativista, de modo que refuta a afirmação fácil de que o mundo estaria cada
vez pior. Haveria, ao invés disso, potência, mas que estaria sendo usada, até
então, de forma perversa. Assim, para Santos, é urgente a necessidade de
substituir o modelo de globalização financeira, que expropriaria recursos dos
países do Terceiro Mundo, e que produziu o globalitarismo, cuja função é
reproduzir a globalização, por um que tenha como centralidade o ser humano,
de forma a quebrar o ciclo vicioso. Reforçando a sua interpretação otimista do
futuro, a carência de liberdade, que prejudica o exercício da cidadania e que
seria uma marca da globalização excludente, sobretudo para as populações
mais pobres dos países subdesenvolvidos, é vista como algo insuportável, no
sentido de que o autor considera que o globalitarismo, assim como foram as
demais formas de totalitarismo, caminha necessariamente para o colapso.

Por outro lado, quando se leva em consideração a proposta central do


documentário, evidenciada pelo seu nome, ou seja, a de apresentar a proposta
intelectual e política de Milton Santos quanto a um novo modelo de
globalização, deixa alguns pontos sem esclarecimento. Um primeiro diz
respeito aos fundamentos sob os quais seria possível afirmar que o modelo de
globalização então vigente, e marcado por forte caráter excludente quanto aos
países e sociedades mais pobres, e, portanto, gerador de desigualdades,
estaria condenado ao colapso e, mais ainda, a ser substituído por um modelo
alternativo, caracterizado pela criação de mecanismos políticos mais
democráticos e pela adoção de políticas de distribuição de renda e de redução
de desigualdade. Um segundo se refere aos mecanismos pelos quais essa
mudança de modelo se daria, uma vez que é enfatizada a necessidade de
mudança de modelo e de paradigmas e quais seriam esses novos paradigmas,

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mas as formas de ação política necessárias e a sua viabilidade, seja política,
cultural ou econômica, não são postas em relevo. Processos de mudança
social enfrentam, como se sabe, diversos desafios em seus movimentos de
organização e de contestação da ordem vigente; quando se pensa em
transformações a nível global, que afetariam diferentes sociedades de
diferentes formas, torna-se ainda mais importante refletir sobre as formas pelas
quais essa mudanças podem ser levadas a cabo, a sua viabilidade e as
negociações e conceções que, muito provavelmente, iriam se impor como
necessárias durante o percurso.

Referências

MATTEI, Lauro. A Globalização Econômica como fator de exclusão social.


Katálysis, Florianópolis, v. 7, n. 1, p. 85-98, jan./jun. 2004.

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