Você está na página 1de 3

Resenha do documentário: Encontro com Milton Santos ou O mundo global visto do

lado de cá, do cineasta brasileiro Sílvio Tendler.

No documentário do cineasta Sílvio Tendler, Milton Santos é o ator principal. O geógrafo se


considera um intelectual outsider, ou seja, ele não pertence a nenhum partido, não pertence a
nenhum grupo, inclusive de intelectuais, como também não possui nenhum credo e não
participa de nenhuma militância.
Para Milton Santos, a globalização é analisada pelo ponto de vista dos povos em países em
desenvolvimento, os quais foram severamente afetados pelas políticas neoliberais. Desse
modo, o Consenso de Washington foi ressaltado como uma espécie de bula para os países em
desenvolvimento, que possuía prescrições consensuais, austeridade fiscal, elevação de
impostos, juros altos para atrair investimentos estrangeiros e privatizações em nome da boa
administração do setor privado e da incapacidade dos estados.
Para o economista Joseph Stiglitz, ganhador do Prêmio Nobel de Economia e economista
chefe do Banco Mundial entre 1997 e 2000, o Consenso de Washington não provém de
análise econômica, mas de uma postura ideológica. Um dos exemplos – que representa
claramente essa ideia – citados foi a Bolívia que seguiu as prescrições e sofreu bastante em
termos financeiros. Por outro lado, a China não seguiu essas mesmas prescrições e obteve
crescimentos econômicos – é claro que existem inúmeras variáveis que afetam esse resultado.
Concluiu-se, portanto, que como muitos países da América Latina estão em fase de
desenvolvimento, o Consenso de Washington representou um “fruto envenenado”.
Em vários momentos são mostrados exemplos de como o capitalismo tem como finalidade o
lucro, mesmo que seja ao custo das vidas da população mais pobre. Barreiras são levantadas,
às vezes separando um mesmo povo, ou então para tirar o acesso das pessoas a coisas que
elas necessitam para viver, como recursos naturais. O documentário mostra vários exemplos
ao redor do mundo para elucidar a globalização, demonstrando claramente o desemprego e a
falta de perspectiva, além de uma visão um tanto quanto surreal de pessoas que não tem
acesso sequer a algo tão importante para a vida quanto a água, a qual tem sido tratada em
alguns casos como um bem econômico, não um direito.
Nesse caso, as corporações, visando o lucro, não possuem limites. A tentativa de privatizar a
água potável em alguns países, a exemplo da Bolívia, mostra o quanto essas corporações não
se preocupam com a humanidade. É uma tentativa de usar a pobreza em função do dinheiro e
do lucro. A água é um patrimônio da humanidade, é um patrimônio dos seres vivos, e
ninguém pode apropriar-se dela. Isso ocorre pelo fato das corporações não têm
responsabilidade social e moral.
Em um dos tristes casos revelados no documentário, alguns ternos que são vendidos por um
preço elevado, não custaram mais do que algumas dezenas de centavos em encargos
trabalhistas. Isso ocorre devido a ideia da busca incessante do lucro máximo, onde o
capitalismo global procura países com leis trabalhistas “flexíveis” para reduzir custos à custa
dos trabalhadores, colocando-os em situação análoga a da escravidão. Algumas empresas, por
exemplo, transferem suas produções industriais para países onde não há limites para a
exploração de mão-de-obra.
Milton Santos declara – e é verdade – que possuímos a capacidade de alimentar toda a
população mundial, mas, os problemas reais são a distribuição dos alimentos, as barreiras
impostas, e a desigualdade social. Essa ideia, provavelmente, provém do fato de que alguns
países produzem mais alimentos do que necessitam, concluiu-se, portanto, que a fome não é
uma questão de produção de alimentos, mas uma questão de distribuição. É escolhido quem
irá comer e quem irá passar fome.
Nunca na história da humanidade houve condições técnicas e científicas tão adequadas para
construir um mundo digno para a sociedade humana. Porém, essas condições foram
expropriadas por um punhado de empresas que decidiram construir um mundo perverso, cabe
a nós fazer dessas condições a produção de uma nova política, de um novo mundo.
Diante dessa perspectiva, vale citar Jean Paul Sartre, 1963, prefácio de ‘Os condenados da
terra', de Frantz Fanon: “[...] a esperança sempre foi uma das forças dominantes das
revoluções e das insurreições, e eu ainda sinto a esperança como minha concepção de futuro.”
Como também Milton Santos, pois foi brilhante ao dizer que:
Só a partir do Estado será possível promover o aumento do bem-estar social. O
Estado é indispensável. A tendência do Estado através do exercício da política é
cuidar de todos, apenas o Estado pode reduzir as desigualdades sociais. As
corporações não se responsabilizam socialmente e moralmente pela sociedade.
Assim, Milton Santos, de forma perfeita, considera a existência de pelo menos três mundos
em um só:
1. O mundo que nos é apresentado: a globalização como fábula;
2. O mundo tal como ele é: a globalização como perversidade; e
3. O mundo como ele pode ser: uma outra globalização.
O documentário demonstra, de forma clara, os efeitos dessa globalização, e cita algumas
revoltas populares que ajudaram a trazer de volta ao povo o controle e o poder de ditar os
rumos de suas vidas. Finalmente, fica a mensagem de que nós precisamos construir uma
verdadeira democracia, em que o povo tenha o poder, não as multinacionais e os bancos
mundiais, para que não sejamos vítimas do totalitarismo do capital, ou como diz Milton
Santos, Globalitarismo. Podemos construir uma outra globalização.
Pois, o mesmo sistema ideológico que justifica o processo de globalização, ajudando a
considerá-lo o único caminho histórico, acaba também por impor certa visão da crise e a
aceitação dos remédios sugeridos. Na verdade, porém, a única crise que os responsáveis
desejam afastar, é a crise financeira e não qualquer outra.
E para a engrenagem desse sistema funcionar, o uso da imprensa é fundamental, pois devido
a sua capacidade de propagar notícias e ou informações para o mundo inteiro de forma
simultânea, ela pode dar, de forma muitas vezes parcial, publicidade a certos fatos para
mover as massas populares com o intuito de alienar essa sociedade em prol dos interesses
financeiros das corporações, como também dos seus próprios interesses.
Conclui-se, portanto, que a globalização produz o globalitarismo – termo que faz alusão ao
totalitarismo, pois é colocado que existe apenas um único modelo a ser seguido –, e o
globalitarismo existe para reproduzir a globalização. É um ciclo vicioso que precisa ser
quebrado através de formas verdadeiramente democráticas. O sistema só consegue produzir
para o próprio sistema.

Você também pode gostar