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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

RESENHA do livro “ Revoltas escravas no Brasil”

Alana Marchioro Drapcynski

RA00318761

Antônio Rago Filho

Diáspora I e II

HIS-MBA 2
Introdução:

Revoltas escravas no Brasil é uma coletânea de artigos desenvolvidos por diversos


historiadores e organizada por João José Reis e Flavio dos Santos Gomes. Esta obra
discute movimentos de resistência escravista que acontecerem entre o período do Brasil
colonial até o Império, propondo uma visão sobre o desenvolvimento social e econômico
da sociedade brasileira que difere com aquela propagada pela historiografia oficial.
No livro, se foca na problematização da interpretação sobre as revoltas escravistas.
Se reanalisa as motivações que levaram à resistência dos escravizados na sociedade
brasileira; se observa também as repercussões mentais e sociais que estas tiveram tanto
para os escravizados como para os escravizadores.
A pauta geral desta coletânea se resume na análise do imaginário, da memoria e
da realidade dos escravizados enquanto um grupo de pessoas que interagiram fortemente
com a sociedade na qual elas estavam inseridas.
Mesmo enquanto grupo oprimido e muitas vezes mal sucedido em suas
reivindicações, as sociedades africanas encontraram uma forma de resistir; da mesma
forma, fizeram que suas origens se inserissem no desenvolvimento da sociedade brasileira
por uma série de fortes relações interpessoais, étnicas, religiosas e familiares.
Nesta resenha focaremos na revolta dos Palmares abordada no livro. Decidi focar
especificamente nesta, porque Palmares é uma imagem de resistência pré-colonial, pré-
europeia e pré-sul-atlântica dos escravizados em um esforço contínuo de reviver suas
heranças culturais em um local onde podiam ser livres.

A revolta dos Palmares, por Luiz Felipe de Alencastro

Luiz Felipe de Alencastro é um historiador e cientista social especializado na


história do Atlântico sul. Ele é membro do corpo docente de instituições como a Unicamp,
a Universidade de Sorbonne e a Fundação Getúlio Vargas.
Em seu artigo de 41 paginas, ele foca, sobretudo, nos acontecimentos da política
mundial da metrópole para explicar as motivações dos colonizadores e colonos no
combate de Palmares. A sua análise de Palmares parte, primeiramente, da visão do
colonizador sobre este ambiente de resistência e revolta permanente dentro da América
portuguesa, para depois abarcar o significado que Palmares possuía para os africanos
escravizados transplantados por força do seu território natal para uma terra estranha e
hostil.
Ele coloca que após a invasão holandesa do Brasil e a batalha dos Guararapes, há
um esforço por parte da metrópole de consolidar a Pax Lusitana no Atlantico Sul. Ou seja,
o território, antes negligenciado pela metrópole, agora precisava ser consolidado como
uma forma de prevenir futuras ameaças externas.
Com isso, surge uma nova necessidade para a política colonizadora lusitana: a
exterminação de quaisquer forças que simbolizavam uma oposição à conquista europeia
definitiva do território americano. No texto ele aponta o seguinte:
“ Dado o papel-chave do sistema escravista-açucareiro na
sobrevivência do Portugal bragantino, era preciso consolidar a Pax
Lusitana no Atlântico Sul. Comunidades ameríndias, afro-brasilicas ou
africanas insurretas ou propensas a se aliar com rivais europeus passam
a ser frontalmente combatidas.” (p. 33)
Portanto, podemos concluir com base no enxerto, que Palmares nasce aos olhos
do colonizador como uma força anticolonial. Os quilombos são, afinal, um meio de
resistência continua, pois neles reside, para os escravizados, uma constante opção de fuga;
uma alternativa dentro da sociedade colonial que garante a igualdade, o fim do sofrimento
imposto pela escravização e, mais importante, a volta (mesmo que mimética) à terra natal
da qual haviam sido tão brutalmente e subitamente retirados.
Não poderia haver o Brasil, ou ao menos, o Brasil branco, colonizado e
europeizado, se houvesse Palmares. Os quilombos representavam tudo que a colonização
se opunha: estes eram tudo a maior forma de resistência anticolonial.
Observa-se, portanto, a força tremenda de libertação (para os escravizados) e de
medo (para os colonizadores) que qualquer congregação de africanos livres simbolizava
para a colonização lusitana no Brasil. Como Alencastro pontua mais a frente no texto: “
(...) se os escravos mulatos não fossem alforriados, restavam-lhes duas opções: o suicídio
ou Palmares. Pairava no horizonte o apelo à subversão da ordem escravista.” (p. 55)
O autor coloca o surgimento em maior número dos quilombos, e sobretudo de
Palmares, como um evento de fuga e resistência ocasionado após a guerra holandesa. Em
seu texto, explica o seguinte:

“ ‘ Há opinião que (desde o) tempo que houve negros cativos nestas


capitanias, começaram a ter habitadores os Palmares [...]. No tempo que
a Holanda ocupou estas praças engrossou aquele número, porque a
mesma perturbação dos senhores era a soltura dos escravos.’” (p. 56)
Correlacionando os dois trechos citados acima, o da página 55 e 56, percebe-se
que após a guerra brasílica os escravizados que participaram desta sentiam-se agora
intitulados à libertação. Quando este direito não foi correspondido por parte dos
escravizadores, restava-se apenas – tirando o suicídio – a fuga. Palmares supriu essa
necessidade.
Neste ponto da história brasileira, é importante lembrar, que a diáspora africana
para o Brasil já acontecia fazia ao menos quarenta anos, senão oitenta (levando em
consideração que a escravização em larga escala de pessoas para a colônia brasileira
começa concomitantemente com a implementação da cultura açucareira em 1580 até
1600).
Nesta análise, percebe-se que há uma geração de pessoas escravizadas que haviam
nascido no Brasil. Por meio da miscigenação, grande parte das pessoas nascidas nesta
época eram provavelmente fruto das relações sexuais abusivas entre senhores e suas
escravizadas. Fruto disto é o mestiço: primeiro integrante da sociedade brasileira que de
fato era completamente integrado e conectado ao território americano.
Entretanto, é vital compreendermos que também as heranças culturais
transmitidas por parte do lado materno e africano eram provavelmente muito mais
marcantes para a formação do individuo do que a incorporação cultural entre pai colono
e filho mestiço.
Com isso, temos a formação de uma pessoa que embora tenha nascido no território
americano, ainda não é aceita pela sociedade racista do mundo colonial. Este individuo
se torna uma pessoa essencialmente sem pátria (nem africano, nem português); mas não
é muito difícil assumir que em face a opressão sofrida, seria muito mais atraente a esta
primeira geração de pessoas nascidas pelo concubinato forçado entre mulheres africanas
escravizadas e homens portugueses escravizadores, a se basear mais no lado materno em
sua formação identitária do que com o paterno.
Neste ambiente mental, após a invasão holandesa e as guerras brasílicas, nasce
uma reivindicação natural por direitos. Afinal, na batalha de Guararapes houve uma alta
participação forçada de pessoas escravizadas.
Depois da expulsão holandesa, devido ao envolvimento de escravizados, estes
últimos se sentiram justamente intitulados à alforria. Quando estas demandas não foram
concedidas, Palmares representou um meio de libertação do jugo colonial.
Da mesma forma, durante a invasão holandesa, como Alencastro pontua no
segundo trecho, este contexto político representou uma oportunidade de escapatória para
os africanos. Utilizando este momento instável, muitos conseguiram fugir e se estabelecer
em Palmares. Afinal, e isto é um contexto recorrente a diversas revoltas escravas,
qualquer momento de conflito entre os colonizadores era uma chance de libertação dos
colonizados.

Após o crescimento do número de quilombos na colônia portuguesa, houve


também um alto crescimento demográfico dentro das sociedades quilombolas. Alencastro
explica o mesmo a seguir:

“ Na circunstancia, nas décadas de 1670 e 1680 crescera a proporção de


mulheres e de indivíduos nascidos nos Palmares. O aumento
demográfico endógeno, o adensamento de laços de parentesco e a maior
presença de mulheres e crianças configuravam uma mudança estrutural
da população quilombola.” (p. 56)

Diante este aumento, no contexto da Pax lusitana de consolidação da conquista


portuguesa, surge a necessidade de exterminar quaisquer símbolos anticoloniais que
desafiam a implementação do regime colonizador. Houve também, entretanto, uma
motivação econômica por detrás das expedições à Palmares.

Os bandeirantes, principais encarregados da exterminação deste quilombo, eram


os principais interessados. Paulistanos se envolvem nesta expedição devido a experiencia
que tinham em se aventurar pelos pontos mais ermos do desconhecido território
americano. O autor explica isto no trecho a seguir: “ Segundo, os paulistas têm uma
presença marcante na serra da Barriga. Juntando sua prática de redes anti-indigenas aos
veteranos de guerras contra sobados angolanos, índios e quilombos, eles fecharam o cerco
de Palmares.” (p. 64)

Citando Domingos Jorge Velho, Alencastro pontua a motivação bandeirante na


expedição à Palmares. O sertanejo fala o seguinte: “ E eu vou me meter dentro dos
Palmares e morar neles”. (p. 65)

Qual o sentido desta afirmação? Por que se “meter dentro dos Palmares”?

O principal interesse residia nas sesmarias abandonadas das vizinhanças dos


quilombos. Para os paulistas, o interesse estava na expansão de seu latifúndio. O mesmo
bandeirante citado acima, explica o mesmo na citação usada pelo autor:

“Contudo, ao enumerar os documentos que lhe prometiam a


posse das terras vacantes ameaçadas pelos quilombolas, Jorge Velho
deu uma pista interessante: ‘ a não ser assim, que razão haveria, que
largassem os suplicantes [paulistas] as terras maiores e melhores sem
comparação, se se lhes tirar a longitude das praças marítimas, cuja posse
logravam sem nenhum impedimento nem oposição, para virem
conquistar outras?’” (p. 66)

As motivações para essa necessidade terras são avaliadas por Alencastro no trecho
que segue:
“Diferentemente dos milicianos de Pernambuco e da Bahia, em busca
de soldo, e às vezes embarcados à força para Angola, os paulistas
possuíam terras em São Paulo e no sertão nordestino. Mas haviam
empobrecido após a perda dos mercados do Rio de Janeiro e das
capitanias nordestinas, no final da guerra holandesa, quando as
importações de mantimentos europeus e escravos africanos voltaram a
reabastecer o Brasil Ilhados no Sul, eles migram em busca de terras
mais próximas das praças marítimas. Acrescente-se que os paulistas
sempre combatiam com seus índios, cuja adaptação em Angola e ao
ambiente epidemiológico africano, era problemática.” (p. 68)

Ou seja, nas diferentes vertentes que compuseram as motivações para o


enfrentamento dos Palmares, há também uma motivação econômica marcante. Com a
conquista dos quilombos, os paulistas que estavam em uma posição mercantil mais
fragilizada após o fim da guerra holandesa, poderiam reconquistar a sua relevância
econômica no mercantilismo da colônia.

Com isso, há a diferença presente entre as motivações do colonizador e do colono


na invasão dos Palmares. Os colonos, sobretudo os paulistas, inseridos economicamente
e socialmente no território, buscavam por condições materiais melhores como uma forma
de reviver sua própria economia. Os colonizadores, estavam interessados na consolidação
da conquista americana e por isso utilizaram as motivações dos sertanejos ao seu
benefício.

Nisto, temos uma motivação externa relacionada à política mundial por parte da
metrópole, e uma motivação interna correlacionada as consequências econômicas que a
guerra com os holandeses implicou para a vida dentro da colônia americana e para os seus
colonos paulistas.

Considerando, as três vertentes abordadas no texto até então, observamos na


guerra dos palmares uma motivação que proveio do colonizador, uma por parte do colono
e outra por parte do colonizado.

Um outro nome para Palmares era Angola Janga que pode ser interpretado como
“Angolinha”. Palmares era, para os africanos escravizados, uma forma de reviver sua
terra natal; uma forma de escapatória da realidade colonial que os oprimia; uma maneira
de reivindicar pela própria individualidade e liberdade dos povos africanos forçados a
virem para o território americano.

Com todos estes fatos abordados durante a resenha, podemos voltar a nossa
afirmação inicial de que Palmares era uma força pré-colonial, pré-europeia e pré-sul-
atlântica.
Estes conceitos se correlacionam diretamente a realidade que foi
desenvolvida em Palmares. Para encerar esta análise do texto de Felipe Luiz de
Alencastro, cito o mesmo que explica a característica fortemente anticolonial de
Palmares:

“ Para todos os que ali viveram, Palmares pode ter significado a


refundação da comunidade ancestral angolana – anterior ao cataclismo
da deportação transatlântico e do escravismo americano – organizada
em torno de palmerais que garantiam a moradia, o trabalho comunitário,
os remédios, a roupa, o sustento, o azeito, o vinagre, a bebida, o poder
e o gozo da liberdade. Liberdade pré-colonial, pré-europeia, pré-sul-
atlântica.” (p. 72)

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