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POVOAMENTO INTERIOR
CORRENTES DE POVOAMENTO
P. 73-4: “ A primeira, que se inaugura com a colonização e vai ate fins do século XVII,
representa o período de ocupação inicial, os primeiros passos do estabelecimento dos
portugueses no território da sua colonia. Compreende sobretudo a ocupação do
extenso litoral, desde o Amazonas (1616) ate o rio da Prata- onde a Colonia do
Sacramento é fundada em 1680; para o interior, as penetrações dos sertões do
Nordeste pelas fazendas de gado, e a ligeira infiltração já realizada pelo vale acima do
rio Amazonas. Afora isso, apenas a modestíssima ocupação do bordo oriental do
planalto meridional em São Paulo e no Paraná. Não me refiro aqui à penetração das
bandeiras e entradas, que embora devassassem uma área interior, extensa, não são
povoadoras e não passam de expedições. Não interessam diretamente à historia do
povoamento. / O século XVIII abre-se com a revolução demográfica que provoca a
descoberta do ouro no centro do continente: nas Minas Gerais, seguidas logo por
Mato Grosso e Goiás. Em pouco decênios, redistribui-se o povoamento da colonia que
tomará nova estrutura e feição. Formam-se aqueles núcleos de origem mineradora
referidos no capitulo anterior, e neles se concentra uma das maiores parcelas da
população colonial. (...) Para o fim daquele período eles vao serenando, e o
povoamento mais ou menos se estabiliza num equilíbrio precário. Alias de mínima
duração, pois logo depois começa o esgotamento das aluviões e depósitos auríferos, e
a decadência da mineração ao mesmo tempo, circunstancias varias, que analisarei no
seu devido lugar, favorecem a agricultura.”
P. 75: “ Os deslocamentos correspondem ai a ensaios, tentativas, novas experiencias, a
procura incansável do melhor sistema de vida. No Brasil, esse fato é particularmente
sensível pelo caráter que tomara a colonização, aproveitamento aleatório em cada um
de seus momentos, como veremos ao analisar a nossa economia, de uma conjuntura
passageiramente favorável. Cultiva-se a cana como se extrai o ouro, como mais tarde
se plantara algodão ou café: simples oportunidade do momento, com vistas para um
mercado exterior e longiquo, um comercio instável e precário sempre. Veremos esses
pontos adiante; o que interessa aqui é notar que a colonização não se orienta no
sentido de constituir uma base econômica solida e organiza, isto é, a exploração
racional e coerente dos recursos do território para a satisfação das necessidades
materiais da população que nela habita.”
P. 76: “ O Rio de Janeiro principalmente. Essa capitania gozara ate então, sobretudo,
do fato de ser a porta de saída dos centros mineradores da colonia para o exterior. Na
segunda metade do século XVIII afirmar-se-á sua importância própria como grande
centro produtor.”
P. 77: “ A Seca Grande de 1791-3 foi o ultimo e quase mortal golpe sofrido, no século
XVIII, pelos sertões do Nordeste. Já referi que é esta a causa principal por que a região
perdeu seus mercados nos grandes centros agrícolas do litoral norte, que passam, em
proporções crescentes, a consumir o charque do Rio Grande do Sul. Ali se verificará
por isso, concomitante e paralelamente, um grande surto econômico e adensamento
da população.”
P. 78: “ Foi por isso possível renovar e reconstituir, parcialmente pelo menos, o
perdido setor da mineração com outros elementos de vitalidade: a pecuária e a
agricultura. Mas não, a não ser excepcionalmente, nos principais centros mineradores,
onde a natureza do solo não se prestava às atividades agrarias. E como aqueles se
localizam sobretudo na parte central da capitania, assistimos em Minas Gerais a um
movimento demográfico centrifugo, daquela parte central, em que dantes se adensara
a população, para a periferia; invadindo mesmo em certos pontos o território de
capitanias vizinhas. Alguns setores daquela periferia já tinham sido ocupados, vimo-lo
anteriormente, por pequenos núcleos mineradores; eles se renovarão e começarão
outra vida em bases diferentes. Outros achavam-se inteiramente desertos, e serão
ocupados pela primeira vez. Somente o noroeste da capitania, nos sertões do São
Francisco, onde se estabelecera desde longa data, como vimos, uma atividade pastoril
primitiva, do tipo sertanejo, não receberá nenhum influxo sensível dessa renovação
periférica da capitania.”
P. 81: “ A agricultura e a pecuária ai se instalaram com grande sucesso, tornando-se,
entre outro, fornecedores do importante e próximo mercado do Rio de Janeiro.”
P. 84: “ Em suma, o movimento centrifugo da população mineira, em direção
sobretudo de leste, sul e oeste, acha-se, no momento que nos ocupa, em franco
progresso. A importância do fato é tanto maior que ele constitui correntes que se
perpetuarao no correr do século XIX, formando o traço essencial da evolução
demográfica desta parte do país. As zonas marginais da província, e além delas, as
faixas fronteiriças dos territórios vizinhos, continuarão sendo assim alimentadas ate os
dias que correm.”
P. 84: “ Analisei acima a evolução do povoamento de São Paulo e a decadência que
atinge a capitania no correr do século XVIII. Mas, no ultimo quartel dele, a crise da
aventura mineradora estará passada, e São Paulo se vai refazer de novo. Como outras
regiões da colonia, a decadência das minas o favorece, inversamente ao que ocorrera
com a descoberta delas, que paradoxalmente aniquiliara seus principais promotores. O
progresso da colonização do seu território, interrompido durante meio século, se
reenceta, e o povoamento se desenvolve. Já vimos alguns casos desse
desenvolvimento, que se devem aos ‘generalistas’. No conjunto, a população paulista
ascende de 116. 975 habitantes em 1777 para 192 729 em 1805. Tal crescimento se
verifica particularmente na área central da capitania entre os rios Mogi, Piracicaba e
Tietê, grosseiramente o quadrilátero compreendido entre as vilas de Mogi Guaçu,
Jundiai, Porto Feliz e Piracicaba (esta ainda simples freguesia).”
P. 85: “ A expansão paulista invadira territórios que embora desocupados pertenciam
a essa ultima capitania.”
P. 87: “ O eixo econômico do Brasil se desloca definitivamente para este setor. A
mineração o levara do Norte açucareiro para o Centro do território da colonia. Ele se
fixara agora neste setor que compreende as capitanias do Rio de Janeiro e São Paulo, e
as regiões de Minas Gerais limítrofes destas.”
AGRICULTURA DE SUBSISTENCIA
MINERAÇÃO
P. 177: “ Não fosse por consideração simples ordem na exposição, deveria ter-me
ocupado da mineração logo depois da grande lavoura. É que participa do mesmo
caráter econômico desta ultima e pertence à mesma categoria. Ambas se
destinam à exploração de produtos que tem por objeto unicamente a exportação,
em função da qual se organiza e mantem a exploração; são atividades que se
desenvolvem à margem das necessidades próprias da sociedade brasileira.”
P. 182: “ Ao contrario do que se dá na agricultura e em outras atividades da
colonia, a mineração foi submetida desde o inicio a um regime especial que
minuciosa e rigorosamente a disciplina.”
P. 187: “ A esse sistema, que corresponde ao período áureo da mineração, quando
ainda havia grandes recursos e produção abundante, tornando possível empresas
em larga escala e obras de vulto, opõe-se a pequena extração realizada por
indivíduos isolados que não empregam senão a bateia, o carumbê e umas poucas
ferramentas. Em regra não se fixam num ponto determinado, como na lavra: são
moveis e nômades, indo catar o ouro indiferentemente neste ou naquele lugar
não ocupado por outro.”
PECUÁRIA
P. 195: “ Pelo contrario, o que se verifica sempre é uma falta completa. A cerra critica
que Vilhena faz ao comercio da carne em um grande e importante centro como a
Bahia dos últimos anos do século XVIII é para edificar o mais tolerante historiador.”
P. 196: “ Recalcada para o intimo dos sertões, escondem-se à vista, a intensa vida do
litoral, os engenhos, os canaviais, as outras grandes lavouras. E não tem os atrativos
naturais do ouro e dos diamantes. Entretanto, já sem contar o papel que representa
na subsistência da colonia, bastaria à pecuária o que realizou na conquista de território
para o Brasil a fim de coloca-la entre os mais importantes capítulos da nossa historia.”
P. 197: “ A contingencia da falta de recursos, como alias o nível técnico geral da
economia colonial, que já vimos nos seus setores mais importantes, tinham de resultar
num tipo de pecuária simplista e de requisitos mínimos; pouco mais que uma
rudimentar indústria extrativa. O gado é mais ou menos deixado à lei da natureza.”
P. 198: “ A própria lei exclui a pecuária das dez léguas marítimas, que é a área
reservada para a agricultura./ O deslocamento das zonas criatórias para longe dessa
área se verifica desde o inicio da colonização. Observamo-lo muito bem nos dois
núcleos primitivos dela: o Norte (Bahia e Pernambuco) e São Vicente. No primeiro
caso, como já vimos, elas vao ocupar os sertões, inclusive o remoto Piauí; no segundo,
os Campos Gerais do Sul.”
P. 203: “ O cavalo tem no Norte o papel da besta no Centro-Sul; é o animal de carga e
de montaria.”
P. 205: “ Alem do gado em pe, fornece o sertão a carne-seca. A conservação e redução
do peso da carne sob esta forma, cerca de 50%, permitiu obviar ao problema do
transporte nas distancias enormes, servidas por meios precários de condução, que é o
caso do sertão. E a falta de unidade é naturalmente, para este fim, circunstancia
altamente favorável. O preparo da carne-seca tornou-se por isso, desde muito cedo,
uma indústria local importante.”
P. 206: “ A produção local de Minas Gerais já tirara aos sertões do Nordeste o mercado
de carne dos centros mineradores. A recorrência das secas, que se sucedem no século
XVIII em períodos mais ou menos espaçados, mas com regularidade dramática, vai
destruindo as fontes de vida destas infelizes regiões. Assenta-lhes o golpe final a
estiagem que durou três anos, de 1791 a 1793, e que pelas suas proporções ficou
conhecida como Seca Grande, lembrada ainda com horror muitos decênios depois. O
sertão não se refaria mais deste golpe.. Vegeterá dai por diante num estado crônico de
debilidade congênita que se prolongará ate os nossos dias. A sua função de
abastecedouro dos núcleos agrícolas do litoral norte se transferira para o Rio Grande
do Sul, cuja concorrência, apesar do afastamento desta capitania, nunca mais se
implantará.”
P. 207: “ Não é com este setor que me ocuparei aqui, mas com a parte meridional da
capitania, compreendida na bacia do Rio Grande e que constituía entra a comarca do
Rio das Mortes. O que caracteriza esta região, em confronto com os sertões do
Nordeste, é, em primeiro lugar, a abundancia de agua. Rios volumosos, como o rio
Grande e seus principais afluentes, Mortes, Sapucaí, Verde, ramificados todos nume
densa rede de cursos d’agua, todos ao contrario dos do Nordeste, perenes, e uma
pluviosidade razoável e bem distribuída fazem desta região, em oposição à outra, uma
área de terras férteis e bem aparelhadas pela natureza para as industrias rurais. Se
bem que o relevo seja ai mais desigual, grandemente recortada que é de serras quase
sempre ásperas e de difícil transito, o que sobra e se estende em terrenos apenas
ondulados é largamente suficiente para o cômodo estabelecimento do homem. A
vegetação também o favorece, particularmente para os fins da pecuária.”
P. 214: “ O dos Campos Gerais ou de Curitiba serviu para o abastecimento de São
Paulo e do Rio de Janeiro. O do extremo Sul, pelo contrario, girou mais na orbita
castelhana, quase destacado que estava seu território do resto do país ate meados do
século XVIII. Procuram-no as expedições paulistas, chegam-lhe os primeiros
povoadores luso-brasileiros por Laguna e o litoral, e se estabelecem com fazendas de
gado que abastecerão os nascentes núcleos de Santa Catarina. Mas salvo estes
pequenos ensaios, o atual território do Rio Grande do Sul permanecia virgem da
colonização portuguesa. Pelo contrario, no extremo Oeste, as missões jesuíticas de
origem castelhana estavam ai reduzindo o gentio e formando os Sete Povos do
Uruguai, o grande pomo de futuras discórdias./ É so em 1737 que começa a
colonização portuguesa regular, oficial e intensa deste território que, depois das mais
ásperas e longas lutas da nossa historia, acabou tornando-se definitivamente
brasileiro. Estas lutas, ate 1777, são continuas. Portugueses contra espanhóis;
portugueses e espanhóis contra os jesuítas e índios rebelados das missões que não
queriam entregar o território aos lusos, como estipulava o tratado de 1750. (...) Segue-
se àquela data, em que se assina o Tratado de Santo Ildefonso, que, embora revogado
logo depois, firmou a paz entre os contendores, um longo período de tréguas que iria
ate as novas hostilidades dos primeiros anos do século passado. Neste período, os
rebanhos, algo dizimados pela guerra, se refazem rapidamente. “
P. 214-5: “ Distribuem-se aí sesmarias a granel; queria consolidar a posse portuguesa,
garantida ate então apenas pelas armas. O abuso não tardou apesar da limitação legal
(tres léguas), formam-se propriedades monstruosas. ‘ Requeriam-se sesmarias não so
em nome próprio, mas no das mulheres, filhos e filhas, de crianças que ainda estavam
no berço e das que ainda estavam por nascer’. Repetia-se a mesma coisa que, no
século anterior, se praticara com tanto dano no sertão do Nordeste, e enquistava-se
nas mãos de alguns poucos poderosos toda a riqueza fundiária da capitania.”
P. 215: “ O principal negocio foi, a principio, a produção de couros, que se exportam
em grande quantidade. A carne era desprezada, pois não havia quem a consumisse; a
parca população local e o pqueno mercado catarinense não davam conta dos imensos
rebanhos. A exportação de gado em pe não ia, ainda em princípios do século XIX, além
de 10 a 12 mil cabeças por ano que se destinavam a Santa Catarina e Curitiba.
Abatiam-se as reses e so para tirar-lhes o couro, e abandonava-se o resto. Não havia
mesmo organização regular alguma, e o gado, ainda semibravio e vivendo à lei da
Natureza, era antes ‘ caçado’ que criado. Dono dele era quem em cujas terras se
encontrava. Ate fins do século ainda, os couros formariam a maior parte da exportação
da capitania.”
P. 216: “ As industrias do charque, as ‘charqueadas’ localizam-se num ponto ideal
entre os rios Pelotas e São Gonçalo, nas proximidades, ao mesmo tempo, dos grandes
centros criatórios da ‘fronteira’ e do porto para o comercio exterior da capitania, o Rio
Grande, que embora muito deficiente, é o único possível. Esta localização da indústria
dará origem ao centro urbano que seria o primeiro da província depois da capital, mas
primeiro absoluto em riqueza e prestigio social: Pelotas.”
P. 219: “ As fazendas dos Campos Gerais – ‘fazendas’ e não ‘estancias’, como no Sul,
que adotou a designação castelhana- são grandes; mas longe das do Rio Grande.”
P. 219-220: “ Alias, como notei, não tem esta região a importância da do Sul. A
indústria da carne-seca é inexistente, e para o gado em pe, os únicos mercados
regulares são o litoral paranaense (Paranaguá), de expressão ínfima, e São Paulo,
também de pouco vulto.”
P. 220: “ Criava-se algum gado lanígero, mas não muares, pois isto era proibido ao
norte do rio Iguaçu para proteger a indústria similar do Rio Grande, que a metrópole
desejava ver povoado. Os Campos Gerais serviam apenas de invernada para as tropas
que vinham do Sul e ai repousavam antes de alcançar a feira de Sorocaba, onde então
se fazia a venda e distribuição das bestas.”