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Foi um livro escrito com o apoio e o estímulo do economista e professor Caio Prado
Júnior, um dos maiores autores de todos os tempos, e visando a analisar as relações de
trabalho no meio rural nordestino, sugerindo caminhos a reformas e soluções para os
mesmos. As idéias nele expostas foram, depois, aceitas pelos movimentos sociais ru-
rais, como os da Contag e dos Sem-Terra (STÉDILE; FERNANDES, 1999), e vêm sendo
objeto de discussão durante todo esse tempo.
O título da conferência que me foi oferecido sugere uma análise do que ocorreu nestes
últimos quarenta anos, quais as modificações que ocorreram na região e o que elas
significaram para a sua população. Para fazer estas reflexões tivemos de procurar
determinar o que é o Nordeste, qual a sua área territorial, no momento em que o
desenvolvimento tecnológico vem provocando a aceleração dos processos de territoria-
lização, de desterritorialização e de reterritorialização; analisar se essas modificações
ocorridas representam um desenvolvimento ou, ao contrário, um crescimento sem me-
lhoria da qualidade de vida da população; e quais os benefícios ou prejuízos que elas
trouxeram.
AS GRANDES REGIÕES
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Professor Doutor e Emérito da UFPE. Professor honoris causa da UFRN, UFAL, UFS e Universidade Católica de
Pernambuco. manoel.candrade@terra.com.br
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Conferência pronunciada na 55ª Reunião Anual da SBPC, a 15 de julho de 2003, em Recife, Pernambuco.
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É interessante que se faça uma reflexão sobre o que ocorreu nessas sub-regiões nos
quarenta anos de atuação da Sudene, que, por inspiração do economista Celso Furtado,
procurava desenvolvê-la; e da política dos governos militares, que desejavam apenas o
crescimento econômico e a manutenção do “sentido de colonização”. Assim dizemos
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AS MUDANÇAS
Ainda usando como ponto de apoio e referência essas cinco sub-regiões, procuraremos
analisar as transformações ocorridas no processo de territorialização e de reterritoria-
lização nordestino.
No Litoral e Mata, a primeira área ocupada a partir da primeira metade do século XVI,
observa-se que a cultura dominante era a da cana-de-açúcar, estando nela localizadas
centenas de engenhos de açúcar e destilarias de aguardente. Na Bahia, porém, observa-
se o desenvolvimento da cultura do cacau, do fumo e, em menor escala, da piaçava e de
especiarias como o cravo da Índia. Os coqueirais também aparecem nas grandes por-
ções das restingas litorâneas, sobretudo na Bahia e em Sergipe. Nestas sub-regiões
encontram-se duas das três maiores cidades da região – Salvador e Recife –, algumas
capitais de estados – Natal, João Pessoa, Maceió e Aracajú – e uma série de cidades
geralmente conurbadas às capitais e com população superior a 300.000 habitantes.
Elas eram, nos meados do século XX, cidades situadas em municípios com uma impor-
tante extensão rural, onde já se localizavam algumas indústrias, sobretudo a têxtil e de
produtos alimentícios.
Este crescimento urbano desenfreado acarretou uma série de conseqüências que piora-
ram a qualidade de vida da população, em face da aglomeração, de uma população sem
qualificação profissional para os setores secundário e terciário, além da ocupação das
colinas terciárias, os chamados morros, por favelas de difícil acesso e que, na estação
de chuva – de maio a agosto –, estão sujeitas a deslizamentos e ao soterramento das
populações que vivem nas encostas. Este crescimento populacional vem também provo-
cando o aterro dos manguezais, fazendo desaparecer ou reduzir a fauna que vive nessas
áreas cobertas pelo mar durante a maré alta e descobertas na maré baixa.
O turismo, apresentado como uma grande opção para a região, vem provocando uma
série de transtornos ao desenvolvimento da mesma. Há realmente uma certa queda da
região em se tornar área de atração turística, por dispor de clima quente durante quase
todo o ano, de possuir extensas praias de areia, onde a água do mar tem temperatura
elevada durante oito a nove meses por ano, e coqueirais que dão grande beleza à paisa-
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gem. A região dispõe de uma culinária típica bem diversificada; de um folclore muito
rico que demonstra tanto a influência européia como a indígena e a africana; de um
Carnaval muito animado, sobretudo em algumas cidades como Salvador, Olinda e Reci-
fe, que oferecem ritmo, música e colorido; de cidades onde há também uma grande
riqueza histórico-arquitetônica e outros eventos bem planejados, como a Paixão de
Cristo em Nova Jerusalém. O crescimento provocado pelo turismo se faz sentir forte-
mente nas praias do sul da Bahia, cantadas por Jorge Amado em seus romances, e onde
se situam também capitanias seiscentistas com belos monumentos históricos, como as
de Ilhéus, Santa Cruz de Cabrália e, sobretudo, Porto Seguro.
xelita, da gipsita, da magnesita, dos calcáreos, do granito, do caolim etc. Foram dados
incentivos à pesquisa científica, não só possibilitando a expansão de diversas culturas
xerófilas, como a organização da produção econômica de produtos nativos. Foi importan-
te naquele momento o papel desenvolvido por empresas estatais, como a Embrapa e a
Codevasf, e por organizações não governamentais. Procurou-se ainda desenvolver várias
formas de preservação e conservação da água, evitando que o processo de escoamento
superficial concentrado ou difuso se acentuasse. Grande parte da água dos rios da região,
como o São Francisco, foi armazenada em represas, a exemplo de Sobradinho, com a
finalidade de produzir energia elétrica e desenvolver a agricultura irrigada (ANDRADE,
1983). Até para projetos mirabolantes e faraônicos, como o da transposição das águas do
São Francisco para os altos cursos dos rios Jaguaribe, no Ceará, e Piranhas-Açu, na
Paraíba, foram feitos, antes, estudos de hidrologia e de ecologia para saber das conseqü-
ências que poderiam advir da mesma. Esperamos que na Sudene que está sendo recriada
haja uma maior preocupação com os problemas ecológicos, com o meio natural, não se
atendo apenas aos cálculos matemáticos e às elaborações de econometria.
O Sertão tem também grande potencial turístico, tanto por suas cidades, como Fortale-
za, Crato e Juazeiro do Norte, quanto pelas paisagens que o São Francisco oferece, com
belas cachoeiras, corredeiras e grutas – como a de Ubirajara –, e, ainda, pelo seu
artesanato, rendas e bordados – redes de Tacaratu, imagens de madeira de Ibimirim e
as carrancas de Petrolina e Juazeiro. São atrações turísticas, também, as peregrina-
ções religiosas a Juazeiro do Norte, que vive em torno do mito do Padre Cícero, e a
Canindé, no Ceará.
Enquanto o Piauí foi sempre uma área de criação de gado, o Maranhão, no século
XVIII, fez grandes investimentos, graças às reformas pombalinas, no baixo curso dos
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Finalmente, a Guiana Maranhense é uma estreita faixa situada entre o Meio-Norte, com
suas florestas de babaçu e a própria floresta amazônica. A rigor, é uma extensão desta
formação vegetal em território maranhense. Habitada por indígenas até a primeira meta-
de do século XX, foi sendo ocupada por migrantes nordestinos pobres, que derrubavam a
mata com a coivara e faziam avançar lavouras de arroz e, em seguida, de mandioca,
quando as terras já estavam cansadas. Depois dos agricultores, avançavam os criadores
de gado que plantavam pastagens nas áreas drenadas pelos rios Turiassu e Pindaré.
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Após a abertura de estradas para a passagem das linhas telegráficas para as pesquisas
da Petrobrás, e em seguida às rodovias asfaltadas, a região foi sendo ocupada por
pecuaristas vindos da Bahia e do Sudeste, com a criação de gado de corte. Estes novos
ocupantes ignoravam o povoamento primitivo, feito desde o início da colonização, a
partir do litoral. Também perderam importância as explorações de ouro, que criaram
arraiais de garimpagem na primeira metade do século XX. Hoje se encontra, no local,
uma estação espacial de Alcântara, de onde são lançados foguetes brasileiros e estran-
geiros, havendo entendimentos para que esta estação seja colocada sob o controle nor-
te-americano.
Costuma-se dizer, quando se tem uma posição mais otimista, que o Nordeste tem um
crescimento anual percentualmente mais elevado do que o do país, o que indicaria que
ele tenderia, em médio prazo, a suplantar os seus problemas de subdesenvolvimento.
Mas o que se observa é que o simples crescimento não está comprometido com o desen-
volvimento e que, se em número de pontos relativos o Nordeste cresce mais do que o
país, em números absolutos, ao contrário, o país, por já estar em um nível muito supe-
rior, vai a cada ano se distanciando mais.
Observa-se ainda que o poder político da região Nordeste é muito inferior ao de outras
regiões do país, já que é controlado por uma oligarquia que procura trazer vantagens
para ela própria, como ocorre com a exploração das verbas das secas, que deu origem
à famosa expressão de “indústria da seca”, explorada nos anos sessenta e divulgada em
livro de Antônio Calado (1960), famoso romancista.
A série de mapas do Atlas da Exclusão Social (POCHMANN, 2003) pode indicar que
existe uma inferioridade do Nordeste e do Norte do país em relação às demais regiões,
como se pode constatar naqueles mapas referentes aos próprios índices de exclusão
social, de escolaridade, de pobreza e de desigualdade social, contrastando com os de
concentração de jovens e de violência.
Observa-se também que, ao se aplicar o conhecido IDH nas várias sub-regiões e nas
mesorregiões e microrregiões, o referido índice é mais elevado nos municípios em que
se situam as capitais dos Estados e as cidades grandes, mostrando uma desigualdade
expressiva de qualidade de vida – renda per capita, instrução e longevidade – entre as
populações urbanas e rurais. Isto indica ainda que as pessoas que trabalham na indús-
tria, no comércio e nos serviços têm melhor qualidade de vida que os agricultores que,
sem serem médios e grandes proprietários, trabalham na agricultura.
Apesar de tudo, existem no Nordeste áreas com atividades econômicas mais dinâmicas,
enquanto outras estão paralisadas ou decadentes. Na Bahia, por exemplo, encontramos
um certo dinamismo na área em torno de Salvador, devido à produção de petróleo e à
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Enfim, este é, em linhas gerais, o Nordeste em que vivemos neste início do século XXI.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Manuel Correia de. L’elevage le Nord-Est du Bresil: lês cahiers d’outre mer revue de
geographie. Bordeaux. França, 1969.
_______. Tradição e mudança: a organização do espaço na área rural e urbana e na área de irrigação
do Sub-Médio São Francisco. Rio de Janeiro: Zahar, 1983.
_______. A terra e o homem no Nordeste. 6ª ed. Recife: Ed. Universitária UFPE, 1998.
POCHMANN, Marcio et all. Atlas da exclusão social no Brasil. São Paulo: CortezPereira, 2003. 2 v.
STÉDILE, João Pedro; FERNANDES, Bernardo Monçene. Brava gente: a trajetória do MST e a luta
pela terra no Brasil. São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo, 1999.