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Companhia das
Letras, 2021
INF, P. 30: Guerra dos Trinta Anos. Brasil como “vaca de leite de Portugal”
P. 31: “ De maneira mais global, o conflito luso-holandes demonstra, nos seus
fronts do Atlantico e do Pacifico, as diferenças geopolíticas entre o sistema de
feitorias asiático e o sistema escravista sul-atlantico.”
P. 229: “ No momento em que o plano de revolta escrava foi descoberto, Campinas era
uma das principais áreas produtoras de cana-de-açucar da província de São Paulo. Sua
população escrava ultrapassava a casa dos 5 mil indivíduos e superaa o numero de
habitantes livres (a localidade contava, em 1830, com 5087 escravos e 4158 habitantes
livres). A região começou a ser colonizada no inicio do século XVIII, mas a fundação da
vila data oficialmente de 1774. Durante muito tempo, a região permaneceu como uma
parada para tropeiros, provenientes do sul do país, que se dirigiam à região
mineradora de Minas Gerais e Goiás. Esse cenário começou a mudar apenas na década
de 1790, quando a revolução de escravos de São Domingos fez disparar o preço do
açúcar no mercado mundial.”
P. 230: “ No começo da década de 1830, por exemplo, 80% da população escravizada
era de origem africano, sendo que enre os homens o numero passava de 90%./ O
plano de revolta de 1832 possuia ramificações em quinze grande fazendas de
Campinas, localizadas principalmente no bairro conhecido como Ponte Alta. Das
quinze propriedades, apenas quatro não se encontravam nesse bairro. As
investigações das autoridades locais revelaram que em cada uma dessas propriedades
existia um escravo ‘capitao’, que tinha a função de convidar outros parceiros para a
revolta e também de arrecadar dinheiro. (...) Os encontros dos conspiradores ocirriam
sobretudo durante a noite nas terras do engenho Ponte Alta, pertencente a d. Ana de
Campos.(...) Diogo Rebolo, pertencente ao senhor de engenho Joaquim Jose dos
Santos. Diogo Rebolo, segundo o depoimente de vários escravos, era o responsável
por presidir todas as reuniões e também por exercer a função de caixa principal do
dinheiro arrecadado pelos capitães. “
P. 231: “ (...) pela capacidade de elaborar as chamadas ‘mezinhas’, a partir de um
combinado de raízes. As tais mezinhas constituíam elemento fundamental do plano,
sendo vendidas pelos capitães do movimento em troca de dinheiro, armas e outros
objetos.”
P. 231-2: “ Ao serem interrogados sobre a função das mezinhas, os cativos
responderam que serviam para fechar o corpo durante a revolta, evitando ferimentos
e mortes, e também para tornanr mais lenta a reação senhorial, ou para ‘amansa-los’,
como se dizia dos efeitos de certas ervas conhecidas pelos pretos herbolarios. Em
depoimento, Tristao Cabinda revelou de maneira clara o significado dos preparados do
pai Diogo Rebolo: ‘ iam recebendo mezinhas para casar aos brancos, e amansa-los para
não ofenderem a eles pretos com as suas armas e chumbo, e depois eles pretos se
levantarem [e] matarem aos brancos afoitamente, e ficarem libertos’”
P. 232: “ O silencio das fontes sobre o que ocorria nas reuniões noturnas dos escravos
foram em grande parte resultado do desinteresse senhorial pelo que consideravam
meros ‘feitiços’ dos negros.”
P. 232: “ O dinheiro conseguido com a venda das mezinhas, segundo revelaram, os
depoimentos dos escravos, era enviado ao liberto Joao Barbeiro em São Paulo. Os
contatos entre as duas localidades eram feitos por um cativo tropeiro de nome
Marcelino, morador na mesma fazendo onde vivia Diogo Rebolo. De acordo com as
investigações, Marcelino Tropeiro levava o dinheiro para Joao Barbeiro investir na
compra de pólvora e zagaias, em São Paulo.”
P. 233: “ Fato é que no ano de 1831 Joao Barbeiro estava livre, morando na região do
atual bairro do Bixiga, na capital da província, e habia retomado ainda o contato com
os cativos de Campinas. (...) Segundo o relato de Marcelino Tropeiro, o liberto iria de
São Paulo para Campinas levando novos cativos para a insurreição. (...) Fica claro,
dessa forma, que para Joao Barbeiro sua condição de liberto não foi obstáculo
suficiente para evitar que ele se envolvesse em um projeto de luta contra a ordem
escravista no país.”
P. 234-5: “ A data prevista para a eclosão do movimento, segundo os depoentes, seria
‘na ocasião da quaresma’ daquele ano de 1832, um dia de grande ‘festa e ajuntamento
dos brancos’. Apesar de a documentação não especificar o exato significado da
expressão ‘na ocasião da quaresma’, é possível que o caracter festivo e de
aglomeração de ‘brancos’, associados à data, se referisse ao domingo de Páscoa. O
inicio da revolta coincidindo com feriados e festas religiosas não chega a ser uma
particularidade do caso campineiro. Os estudos sobre as insurreições escravas no
Brasil têm mostrado que, de fato, o domingo e os dias santos eram os momentos
prediletos dos escravos para iniciar um rebelião. Nessas datas os escravos ficavam
dispensados de suas funções nas propriedades senhoriais e aproveitavam a folga para
trabalhar em suas próprias roças ou para participar das celebrações locais. Tambem os
senhores costumavam se dirigir à igreja matriz da vila, onde ouviam a missa e
participavam das festividades organizadas pela comunidade. Tratava-se, portanto, de
um momento de menor vigilância senhorial nos engenhos e de maiores possibilidades
de transito dos escravos pela localidade sem despertar grande desconfiança./ O
principal objetivo dos escravos no ano de 1832, segundo seus testemunhos, era
conseguir a liberdade. O escravo Felizardo, crioulo, foi muito direto quando lhe
perguntaram sobre a finalidade dos ajuntamentos noturnos que faziam escondidos
dos brancos: ‘ se levantarem afoitamento com os mesmos brancos, mata-los, e ficarem
eles pretos todos forros’”
P. 235: “ A organização da revolta não deixa duvidas sobre as intenções dos escravos.
Buscaram armamentos para a batalha, articularam diferentes fazendas de Campinas,
conseguiram estabelecer ramificações em outra cidade, escolheram uma data em que
pudessem surpreender os senhores distraídos e invocaram forças espirituais para
ajudar na rebelião. Tudo estava sendo preparado com muito cuidado para conseguir a
liberdade./ O momento politico decerto colaborou para que os cativos acreditassem
mais firmemente nas suas possibilidades de vitória. O Imperio passava, naquelas
primeiras décadas do século XIX, por um período agitado de sua historia. Os trinta
primeiros anos do Oitocentos presenciaram a independência do Brasil, os motins
antilusos, a abolição do trafico atlântico de escravos, as constantes discussões a
respeito da politica do Primeiro Reinado e a instituição da classe dirigente brasileira.
Tudo isso, é claro, não passava despercebido pelos escravos. O cativo Francisco
Crioulo, por exemplo, contou em seu depoimento no processo-crime de 1832 que
certa vez, indagara Joaquim Ferreiro sobre a proibição do trafico atlântico: ‘ ora tio
Joaquim, o Imperador [decretou que] os negros já não vêm para o Brasil, não seria
justo que nos desse também a liberdade? Ao que respondera o Joaquim, que alguma
coisa disso há de acontecer’./ Os escravos Francisco Crioulo e Joaquim Ferreiro foram
inocentados de envolvimento com a conspiração de 1832, mas seus depoimentos
demonstram que o fim do trafico atlântico provocou questionamentos a respeito da
continuidade da própria escravidão.”
P. 236-7: “ Enfim, o momento politico era de fortes tensões e disputas no interior da
própria classe senhorial, representada no Parlamento, abrindo espaço para os cativos
questionarem a continuidade da escravidão. (...) O cativo Marcelino Tropeiro, m
especial, comentou que ouvira de Jao Barbeiro que ‘no Rio de Janeiro os escravos já
estavam libertos, e em São Paulo já se tinha dado baixa, aos vermelhos e que se iam
assentar praça nos pretos, ficando todos libertos’. Não sabemos ao certo a qual
acontecimento o liberto Joao Barbeiro se referia quando comentou com Marcelino
Tropeiro que, no Rio de Janeiro, os escravos já haviam sido libertados. Talvez fosse
uma estratégia para conseguir maior mobilização dos cativos, justo quando se
aproximava o momento de eclosão do movimento. Mas pode ser também
consequencia da maneira pela qual as noticias sobre os debates políticos e as
transformações que agitavam a Corte no começo da decade de 1830 chegavam a São
Paulo . Nesse sentido, é preciso levar em conta que o encontra de ambos ocorreu em
dezembro 1831. Nesse ano em especial, o Rio de Janeiro presenciou importantes
mudanças politicas, como a queda do imperador d. Pedro I, o aparecimento de
movimentos insurrecionais de militares e as acaloradas discussões sobre a lei de
proibição do trafico transatlântico de escravos. Pode ser, portanto, que as noticias de
todas essas possíveis mudanças na Corte tivessem chegado aos ouvidos de Joa
Barbeiro em São Paulo como anúncios da libertação dos escravos. “
P. 237: “ Maria Thereza Petrone reporta, por exemplo, dois projetos de insurreição
escrava, um na vila de Porto Feliz e outro em Itu, ambos na província de São Paulo,
planejados no ano de 1821. Em ambos, os cativos pretendiam se rebelar contra seus
senhores embalados pelas discussões a respeito da Independencia do Brasil. Os
escravos, comentou Petrone, acreditavam que a escravidão havia sido abolida, mas
seus senhores ocultaram esse fato.”
P. 237-8: “ Situações semelhantes, em que noticias de abolição da escravidão serviram
como elemento impulsionador de revoltas, são encontradas ainda em outras regiões
da America. Em Demerara, por exemplo, no ano de 1823, os escravos se revoltaram
achando que os senhores escondiam a abolição decretada pelo rei. Da mesma forma,
escravos na Jamaica, em 1831, acreditavam que a escravidão já havia sido abolida pela
Inglaterra, apesar de seus senhores insistirem em mantê-los em cativeiro.”
P. 239: “ O cativeiro, aos olhos dos escravos, dava sinais de que poderia estar com os
dias contados./ Por fim, o depoimento de Marcelino Tropeiro fez referencias ainda ao
fato de que ‘se iam assentar praça nos pretos, ficando todos libertos’. Essa expressão
no século XIX era normalmente utilizada para se referir aos recrutamentos militares e
à formação de guardas civis. No começo da década de 1830, no Rio de Janeiro, a
agitação politica pode ter levantado boatos de convocação de escravos para formar
guardas locais, como chegou a ocorrer durante o período da Independência. Segundo
Gladys Sabina, no ano de 1822 d. Pedro I prometeu a liberdade aos escravos que
assentassem praça, a fim de que pudessem colaborar nas lutas contra as tropas
portuguesas. Assim, a queda do imperador e as disputas militares no começo da
década de 1830 podem ter gerado expectativas de que medida semelhante pudesse
ser de novo adotada. É possível ainda que a ideia de que se assentariam praça aos
negros fosse consequencia dos alistamentos realizados para formar a Guarda Nacional.
Em outubro de 1831, por exemplo, começaram a ser feitas, em São Paulo, as primeiras
listas de indivíduos que comporiam os grupamentos dessa corporação, nos quais so
poderiam ser alistados os cidadãos que tinham direito a voto, que a noticia tenha
chegado ao conhecimento do liberto – ou reelaborada por ele – como se a convocação
valesse também para os escravos.”
Um plano de ladinos
P. 240: “ Manolo Florentino e Jose Roberto Góes, por exemplo, propõem que o
parentesco escrvo era o ‘cimento da comunidade cativa’, que permitia estabelecer a
paz das senzalas com a casa-grande. Ao cativo, o casamento tornava possível
esconjurar a ‘anomia’ pelo estabelecimento de regras através das quais a vida poderia
ser vivida. Ao senhor, avido de homens pacificados, permitia auferir uma renda politica
porque apaziguava conflitos e desestimulava revoltas escravas. (...) Devido às altas
taxas de masculinidade, o acesso ao casamento pelo escravo, e por conseguinte, a
todos os benefícios provenientes dele- espaço mais privativo nas senzalas, acesso à
exploração de uma roça própria e ainda o aumento das chances de alforria- era
reservado, sobretudo, a africanos ladinos e escravos crioulos. Assim, a família escrava
(com todos os seus benefícios) levava à formação de uma ‘comunidade diferenciada’
dentro das senzalas. Nessa abordagem, tal comunidade, com maiores chances que os
demais de alcançar a alforria e outros privilégios, buscaria se aproximar do mundo
senhorial em detrimento dos laços de solidariedade com a senzala.”
P. 241: “ Isto é, a presença maciça dos centro-africanos nas senzalas favoreceu a
formação de uma identidade escrava, delimatada pelos marcadores culturais e
religiosos trazidos do outros lado do Atlantico, que reforçava a construção de laços
horizontais entre os cativos e facilitava a união em momentos coletivos de rebelião. “
P. 241: “ A maioria dos 32 escravos acusados de envolvimento com o plano de
insurreição chegou a Campinas no final da década de 1810. Apenas três haviam
nascido nas fazendas produtoras de cana-de-açucar da cidade; todos os demais foram
trazidos pelo trafico transatlântico de escravos. O local de origem desses cativos era,
sobretudo, o Centro-Oeste africano, mais especificamente a área ao norte do rio
Congo (atual rio Zaire). Os dados indicam que 71% dos africanos envolvidos na
conspiração tinham origem nessa mesma região daAfrica, sendo oito identificados
como congos, oito como monjolos e quatro como cabindas. Outros revoltosos vieram
de Angola, sendo um cativo proveniente de Rebolo (norte de Angola) e outro vindo do
porte de Benguela (sul de Angola)”
P. 241-2: “ A predominância dos escravos provenientes da área ao norte do rio Congo
na elaboração do plano de revolta não passou despercebida pelas autoridades
campineiras. (...) ‘naçao Monjolo e Congo eram os mais influentes’. Isso fica nítido
também quando identificamos as procedências das principais lideranças. Dos dez
escravos apontados como lideres (incluindo aí nove capitães e o pai/mestre Diogo
Rebolo), cinco eram monjolos, um cabinda, um congo, um rebelo e dois de origem
desconhecida. (...) Agrupando as origens por grandes regiões de importação do trafico
de escravo, percebemos que, entre as lideranças com origem identificada, a quase
totalidade vinha da região ao norte do rio Congo. (...) A partir de um estudo dos
inventários abertos na localidade entre 1831 e 1835, identificamos que os cativos
provenientes do norte do Congo representavam 45% dos escravos africanos na região.
Já o segundo grupo mais numeroso era formado pelos provenientes de Angola, com
cerca de 25% do total. Na terceira posição estavam empatados os da Africa Ocidental
(os chamados minas) e os da Oriental (moçambiques), com cerca de 8% cada. Por
ultimo, temos que lembrar ainda os crioulos, que representavam cerca de 7% da
população adulta dos escravos dos engenhos campineiros. (...) o que se destaca é a
forte presença de gente do norte do rio Congo entre os rebeldes (repito os dados: 71%
na conspiração contra 45% entre os escravos)> Ao mesmo tempo, percebe-se que os
cativos de Angola participaram do plano com presença menor do que a que tinham em
Campinas (7% e 25%, respectivamente), enquanto os da Africa Ocidental estiveram
ausentes.”
P. 243: “ No que se refere aos escravos da Africa Ocidental, podemos explicar sua
ausência como resultado da sua baixíssima representatividade em Campinas, de
eventuais diferenças culturais e ate de animosidades com os demais africanos. Nas
fazendas do proprietário que mais teve cativos envolvidos na trama, Floriano de
Camargo Penteado, por exemplo, não encontramos nenhum escravo da Africa
Ocidental, ou mina. Alem disso, muitos minas professavam a religião muçulmana, o
que os diferenciava da grande maioria dos africanos que seguiam outras tradições
religiosas. Outros, mesmo não sendo adeptos da religião de Maome, possuíam línguas
e tradições culturais bem distintas das dos povos provenientes do Centro-Oeste
africano. Em revoltas organizadas por uma maioria de escravos da Africa Ocidental,
por exemplo, como no caso das rebeliões baianas da primeira metade do século XIX, a
participação de outras nações africanas era muito baixa, refletindo, possivelmente,
suas diferenças de origem./ Já com relaçao aos angolas, sua menor representatividade
no plano em comparação com a população local tende a refletir mais um elemento
circunstancial do que eventuais diferenças culturais com relaçao aos demais grupos,
em especial com os cativos oriundos da região ao norte do Rio Congo. De fato, a
bibliografia sobre a Africa Central tem mostrado que os africanos de Angola e do norte
do Congo compartilhavam uma serie de elementos culturais, tais como a língua, os
fundamentos da religião e a visão cosmológica.”
P. 244: “ A maioria das lideranças também chegou às fazendas de Campinas no final da
década de 1810 e começo da década seguinte. Dos dez lideres, foi possível identificar
para seis deles o ano em que apareceram pela primeira vez no censo populacional da
cidade: um chegou em 1811, outro em 1816, e quatro entre os anos de 1819 e 1822./
O fato de chegarem em datas próximas talvez tenha posto grande parte dos rebeldes
em situações semelhantes nos engenhos de cana-de-açúcar. Os obstáculos
enfrentados, por exemplo, no aprendizado da língua dos senhores, nas tarefos do
campo, no ritmo de trabalho podem ter colaborado para a identificação e aproximação
desses cativos uns com os outros, desde o primeiro momento em Campinas. (...) Fato,
porem, é que os revoltosos passaram por experiencias semelhantes em datas
próximas. A convergência de interesses e a superação de certas diferenças de origem
muito provavelmente foram favorecidas não apenas pela proximidade cultural dos
africanos, mas também pela experiencia compartilhada enquanto escravos no Brasil.”
P. 245: “ Foram registradas as idades de 22 cativos (os mesmo que tiveram suas datas
de chegada identificadas). Dividindo os rebeldes em quatro faixas etárias (15-19, 20-
29, 30-39, 40-49), notamos que apenas um escravo (4,5%) estava inserido na faixa de
15-19, catorze (63,3%) na de 20-29, cinco (22,7%) na de 30-39 e, por fim, dois
escravos (9%) estavam na faixa de 40-49.”
P. 245: “ Em primeiro lugar, é possível notar que os escravos muitos jovens (faixa de
15-19 anos) e os muito velhos (mais de cinquenta anos) estavam praticamente
ausente do plano de rebelião. Esses dois grupos somados compunham apenas 4,5%
dos rebeldes. Em segundo lugar, os escravos na faixa de 20-29 anos tiveram uma
participação no plano de revolta bem maior do que peso na população cativa em geral
– 63,6% contra 25%, respectivamente. (...) Os escravos na faixa de 30-39
corresponderam a 22,7% dos revoltosos, sendo a proporção na população das
fazendas de 20,9%. Já os cativos na faixa de 40-49 anos representavam 8,1% da
população das propriedades de Campinas, mas no plano rebelde contribuíram com
apenas cerca de 10%. Assim, a maior proporção de rebeldes na faixa de 20-29anos se
fez, sobretudo, em detrimento da presença dos muito jovens e dos muitos velhos.”
P. 246: “ (...) este não surgiu da ação de alguns escravos recém-chegados à cidade,
tentando resistir imediatamente às agruras do cativeiro no ‘Novo Mundo’. Nem foi
resultado da ação de jovens impulsivos, buscando um meio rápido de sair da
escravidão. O plano estava sendo preparado por um grupo de escravos ladinos, com
mais de dez anos de residência em Campinas, que conheciam bem diversos aspectos
do mundo senhorial e de suas formas de controle e repressão. Tal característica se
mostra bastante visível na própria estrutura e organzaçao do plano de revolta./
Podemos citar, em primeiro lugar, que os revoltosos conheciam a língua de seus
senhores. (...) A percepção de varias mudanças politicas que marcaram o país em 1831
decerto foi facilitada pela capacidade dos cativos de entender a língua portuguesa.
Esses escravos também dominavam e conheciam muito bem o cenário local.
Conseguiram esconder de seus senhores as armas e o dinheiro arrecadado. (...) A
escolha da data de eclosão do movimento também demonstra o conhecimento de
vários aspectos do controle senhorial. (...) Ao contrario, todo o controle da cultura
local serviu para que os escravos preparassem um bem elaborado plano de
insurreição.”
P. 246-7: “ A maioria dos condenados dia após dia nas lavouras e roçadas da rigao, e
apenas um numero menor tinha profissão especializada ou domestica. A
documentação indica que, dos 2 escravos condenados, cinco tinham uma ocupação
mais especifica (16%), sendo três tropeiros, um ferreiros e um cozinheiro. Alem disso,
o plano contava com o liberto Joao Barbeiro, que tinha sua ocupação inscrita no
próprio nome./ Esses dados mostram, em primeiro lugar, que a conspiração conseguiu
reunir tanto escravos da lavoura como escravos domésticos (cozinheiro) e também
aqueles com ocupação mais especializada (tropeiro e ferreiro). (...) Nos dois
documentos, os cativos adultos dedicados às tarefas do campo representavam perto
de 75% do total. Já os escravos com profissão especializada e domestica variavam de
21% ( propriedades de Floriano de Camargo) a 24% (fazendas de Francisco Ignacio) dos
escravos adultos.”
P. 247-8: “ De qualquer forma, não deixa de ser bastante significativo que 16% dos
principais articuladores não deixa de ser bastante significativo que 16%dos principais
articuladores e lideres da trama exercessem algum tipo de trabalho especializado ou
domestico. Essas tarefas com frequencia possibilitavam uma maior autonomia e
mobilidade dentro das próprias fazendas e, às vezes, dentro de uma grande região,
como era o caso das tarefas desempenhadas pelos tropeiros, facilitando o contato
com outros escravos, com libertos e com gente livre. Nesse sentido, representavam a
chance de acesso a informação antecipada a respeito de algumas decisões senhorias.”
P. 248: “ (...) além do conhecimento de determinadas mudanças nos rumos políticos
do país e, mais especificamente, da mobilização de policiais e tropas para reprimir ou
prender escravos rebeldes, quilombolas etc. Alem disso, tais ocupações ampliavam as
chances de acumulo de pecúlio e criavam boas possibilidades de trabalho em caso de
conquista da alforria.”
P. 248: “ Mesmo usufruindo de condições que os diferenciavam dos demais, esses
escravos com profissão especializada/domestica não viraram as costas para os
parceiros de senzala no momento de organização de uma revolta coletiva contra a
casa-grande. De fato, fizeram uso de seus ofícios para contribuir com a rebelião. Basta
lembrar, nesse sentido, do papel fundamental de Marcelino Tropeiro na ligação entre
as cidades de Campinas e São Paulo, e da atuação de Joaquim Ferreiro na produção de
alabardas para a revolta. De maneira semelhante, podemos pensar ainda que
Francisco Cozinheiro possa ter aproveitado sua ocupação para eventualmente
adicionar preparados medicinais na comida senhorial, como sói ocorrer em outros
planos de rebelião no século XIX. (...) Enfim, o plano de 1832 mostra que os escravos
especializados/domésticos, mesmo tendo um capital importante em risco, em
determinadas conjunturas se postaram ao lado dos demais para uma grande rebelião.
“
P. 249: “ Dos 32 escravos envolvidos, foram encontrados do estado civil de 22 deles,
catorze dos quais estavam classificados como solteiros e oito como casados. Entre os
capitães da trama cativa, a proporção dos casados é ainda maior. Das dez lideranças,
localizei informações para seis escravos, três solteiros e três casados.”
P. 250: “ Assim, se por um lado a constituição de família podia tornar o cativo mais
suscetível à repressão senhorial (por conta de uma eventual venda e separação da
família), por outro as relações familiares estavam na base da construção de laços de
solidariedade horizontais nas senzalas. A ligação entre os revoltosos de 1832 não se
formou para a urgência da revolta: já existia havia muito tempo por meio dos vínculos
de parentesco, além da parceria no trabalho, de laços de amizade e do pequeno
negocio. Nesse sentido, a família escrava não apenas não desmobilizou as senzalas
como pode ter desemprenhado seu papel na união de cativos pertencentes a diversas
propriedade. De fato, criou os fundamentos que conectavam as fazendas envolvidas
no plano de revolta na Campinas de 1832.”