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O livro a ser fichado é intitulado “Visões de liberdade: uma história das útimas
décadas da escravidão na corte”, sendo seu autor Sidney Chalhoub. Uma versão desse
livro foi defendida como tese de doutorado em História em 1989 justamente onde ele é
atualmente professor titular (Unicamp). A versão utilizada não se diferencia tanto da
original. O livro em si contém 287 páginas estruturadas e divididas em três capítulos.
Chalhoub vai ainda exaltar que o escravo era considerado coisa pela justiça, mas
isso não o impedia de tomar atitudes que defendiam sua liberdade. O autor vai nos
apresentar casos de escravos que tentavam comprar sua liberdade, mas o pecúlio do
escravo só passa a ter existência legal a partir da lei de setembro de 1871. Ou seja, as
economias dos escravos, assim como a alforria mediante indenização de preço, eram
práticas cotidianas relativamente comuns, porém não foram objeto de legislação
específica antes de 1871. Isto significa que os escravos que tentavam comprar sua
alforria antes de 1871, como no caso de Fortunata, não tinham rigorosamente direito a
economias, “ela não pode possuir coisa alguma — tudo que um escravo produz pertence
ao senhor —, e logo não pode arcar com o custo do processo” (CHALHOUB, 1990, p.
106). Assim, dentro do judiciário antes de 1871, havia juízes que cumpriam a lei e
tratavam os escravos como coisa, militando em favor da propriedade privada, e juízes
que são militantes da liberdade.” Era o problema da peteca, a dificuldade em arrancar
aos fatos um a significação” (CHALHOUB, 1990, p. 107).
Desse modo, podemos ver como era ainda mais difícil a luta dos escravos pela alforria
antes da década de 1870
Não é difícil imaginar os riscos que corriam os negros que tentavam obter a
liberdade na justiça e perdiam. Além da decepção da derrota, a volta para
“casa” podia incluir seu cortejo de sevícias por parte de um senhor irado e
vingativo. [...]O certo é que os cativos não podiam tentar nada sem o auxílio
de um homem livre, pois não tinham direitos civis e logo estavam legalmente
incapacitados de agir judicialmente sem a presença de um curador.
(CHALHOUB, 1990, p. 108-109).
O autor vai ainda nos mostrar como funcionava a alforria condicional destruíra a
ficção legal de que o escravo era “coisa”, pois passou a lhes atribuir vontade própria, o
que a tornava capaz de realizar a condição prevista na escritura de liberdade. Na
verdade, a carta de alforria com condição de prestação de serviços funciona como uma
espécie de contrato entre o negro e seu senhor, e logo pressupõe o estado de liberdade
da negra a partir do momento do termino do trato.
E o que ocorre quando um cativo recebe alforria condicional? Segundo
Chalhoub “alguns pensam que o estado natural de homem permanece suspenso até que
a condição esteja satisfeita. [...]A explicação é simples: a situação dos alforriados sob
condição é semelhante à dos menores, que dependem de certos fatos ou tempo para
entrarem , emancipados, no gozo de seus direitos e atos de vida civil” . (CHALHOUB,
1990, p. 130)
Havia também a possibilidade de revogação da alforria tanto condicional como
plena, pelo senhor caso o escravo tivesse um mal comportamento, mas “eficaz ou não
enquanto instrumento de domínio sobre escravos e libertos, o fato é que os números
parecem indicar que a possibilidade de revogação da alforria era raramente utilizada
pelos senhores”(CHALHOUB, 1990, p. 137). Segundo Chalhoub, ponto final de todo
esse problema viria com a lei de 28 de setembro de 1871, que estabelece num de seus
artigos que “ fica derrogada a Ord. liv. quarto, tit. 63, na parte que revoga as alforrias
por ingratidão.
Mais pra frente no capítulo, o autor vai no apresentar alguns exemplos de
libertos que possuíram escravos, e como era a relação entre eles. Um desses casos é o de
José Matos, lhomem liberto e proprietário de escravos. Ao explicar um atrito entre o
liberto e seu escravo Joaquim, Chalhoub nos diz que.
o pardo procura desempenhar esse papel dentro dos conformes,
mostrando-se ressentido com a atitude do africano e declarando
logo ao subdelegado que o entregava à justiça pública “ e desde
já o considera livre para que seja punido com as penas
estabelecidas por Lei” . Ou seja, o senhor liberta Joaquim e o
abandona à própria sorte diante da justiça como punição pela
ingratidão que supostamente cometera.66 Há ainda o
testemunho de Adão do Nascimento, inquilino de José Matos,
que afirma jamais ter visto o liberto aplicar castigos em seu
escravo. (CHALHOUB, 1990, p. 45)
Outro assunto tratado na obra é a dificuldade que se tinha para distinguir pretos
escravos e livres na corte, segundo o autor era por que os cativos se movimentavam
bastante pelas ruas, e se tornava cada vez mais difícil identificar prontamente as pessoas
e os sentidos de seus movimentos. “O meio urbano misturava os lugares sociais,
escondia cada vez mais a condição social dos negros, e desmontando assim uma política
de domínio em que as redes de relações pessoais entre senhores e escravos, ou amos e
criados, ou patrões e dependentes, enquadravam imediatamente os indivíduos e suas
ações”. (CHALHOUB, 1990, p. 192)
O imaginário dos proprietários da corte era de que “ a segurança a segurança” de
um município com mais de 100 mil escravos “não poderia estar garantida quando
cativos de municípios vizinhos se rebelavam, ou apenas ensaiavam se rebelar. Na
verdade, todos compartilhavam da sensação de insegurança em relação à Corte, e
Eusébio não a incluiu na lista do “ terror” simplesmente porque preferiu calar o
óbvio(CHALOUB, 1990, p. 197). Outras fatores que somavam para esse medo era o
haitianismo e a revolta do Malês. Dessa forma, Chalhoub vai nos dizer que
principalmente nas décadas de 1850 e 1860 na Corte, vender os escravos para o interior
ou alforriar podem ter sido questões de segurança para estes senhores que andavam
sobressaltados com a ameaça de insurreições, pois a cada dia ficava mais difícil
“acompanhar os movimentos dos cativos num a cidade cada vez mais desconhecida,
[...]em suma, cada vez mais negra e, naquela época, ainda predominantemente africana
(CHALHOUB, 1990, p. 198). Enviar esses escravos para longe era ainda uma forma de
castiga-los por mal comportamento.
Chalhoub vai nos apresentar outros motivos pelos quais se tivera a diminuição
no número de escravos na Corte depois de 1850. Segundo o autor, houveram altas taxas
de mortalidade nos anos iniciais da década de 1850, causadas pela febre amarela e a
cólera que foram responsáveis pela morte de muitos cativos em 1850 e 1853,
respectivamente. Outro motivo era baixa a taxa de natalidade entre os cativos. houve
também um aumento significativo no número de alforrias, principalmente na década de
1860.
Houve ainda nesse meio tempo um grande número de imigrações portuguesas
para a corte, causadas principalmente pelo contexto sócio-econômico do norte de
Portugal e das ilhas atlânticas, a demanda por mão-de-obra no Brasil e, segundo
Chalhoub, isso foi causado principalmente pelo “redirecionamento na utilização dos
equipamentos e a amortização dos capitais antes investidos no lucrativo comércio
negreiro — isto é, os tumbeiros nos anos 1850 passaram a transportar açorianos em
lugar de africanos” (CHALHOUB, 1990, p. 199).
O medo no imaginário dos brancos vinha principalmente por causa de casos
como o de Francelina e Romão em que este ultimo, acaba cometendo um crime
extremamente violento e que causaram “perplexidade” e “revolta” por parte da
sociedade”.
A distinção de classes ia ficando cada vez mais difícil. O sapato que antes era
um instrumento de diferenciação social, já não é tão importante quanto à qualidade dos
sapatos que se têm. Segundo o autor, “isto tudo sem sequer mencionar que certamente
havia libertos que andavam descalços e mal vestidos... Em suma, e antes que reine a
confusão: é pouco provável que na Corte, pelo menos nas últimas décadas da
escravidão, fosse possível descobrir a condição de um negro olhando para o que trazia
ou deixava de trazer nos pés” (CHALOUB, 1990, p. 214). Segundo Chalhoub,
A instituição da escravidão deixa de ser sem a vigência da ideologia da
alforria — conforme descrita no segundo capítulo — e, como vimos, os
escravos se mostraram incansáveis na luta para transformar, na prática, em
incontáveis batalhas individuais, o sentido da manumissão. A instituição da
escravidão deixa de ser quando se torna impossível identificar prontamente, e
sem duplicidades, as fidelidades e as relações pessoais dos trabalhadores, e os
escravos se mostraram incansáveis em transformar a cidade num esconderijo.
A cidade que esconde é, ao mesmo tempo, a cidade que liberta. É também a
cidade que engendra um novo tipo de sujeição, fundada na suspeição
generalizada... mas isto é um a outra história (CHALHOUB, 1990, p.
220).
Portanto, os escravos estavam cada vez mais criando formas para resistir.
Chalhoub vai nos dizer que “se havia escravos que recorriam à polícia e à justiça para
confrontar seus senhores, também havia aqueles que, dependendo dos apuros em que se
encontravam, evocavam sua condição servil no intuito de obter alguma proteção”
(CHALHOUB, 1990, p. 230). Um exemplo desse é o do preto Serafim apresentado
anteriormente, que estava desaparecido há anos da fazenda de seu senhor e acusado de
um crime na Corte, tenha colaborado tanto para que as autoridades localizassem seu
proprietário nas Minas Gerais.
O autor ainda vai mencionar o código de postura de 1830, que
“proibia que os donos de casas de negócio consentissem na presença “em
suas portas Ide] pessoas cativas sentadas, ou a jogarem, ou paradas por mais
tempo, do que o necessário para fazerem compras” . O código de 1838, em
geral mais rigoroso e detalhado em relação aos movimentos permitidos aos
escravos e “pessoas suspeitas”, não reafirmou, porém, a determinação acima.
Por outro lado, recomendava aos donos das tavernas que não autorizassem o
“ ajuntamento de mais de quatro escravos” em suas casas de negócio. O
mesmo código, que ao que tudo indica não fora formalmente revogado nestes
pontos em plena década de 1880, estabelecia ainda que todo o escravo, que
for encontrado das sete horas da tarde em diante, sem escrito de seu senhor,
datado do mesmo dia, no qual declare o fim a que vai, sofrerá oito dias de
prisão, dando-se parte ao senhor. (CHALHOUB, 1990, p. 231)
Portanto, vemos que havia uma grande relação entre escravos e libertos dentro
dos cortiços, sendo ele palco de muitas brigas, sendo algumas dessas brigas abordadas
por Chalhoub na obra, mas segundo o autor, vai dizer que pesar das relações violentas
entre os escravos “donos de si” e libertos, ele também vai apresentar diversos casos
onde se tinha uma boa relação entre os escravos e libertos dentro dos cortiços. Segundo
Chalhoub “do desenlace violento, portanto, o que ressalta nesta história é a continuidade
no tempo e a solidariedade existente nas relações entre os libertos.” (CHALHOUB,
1990, p. 246)
Nas considerações finais do capítulo e do livro, Chalhoub vai retornar a história
de Zadig, contada na introdução da obra. No final Zadig acaba decidindo não mostrar
mais seus conhecimentos para as observações dos vestígios e mesmo assim acabou
entrando em apuros. A moral da história para Chalhoub é que “Zadig ficou em apuros
quando decidiu falar; ficou igualmente em apuros quando decidiu calar. Parece que não
faz nenhuma diferença. Escrevo, então, estas considerações finais. Na esperança de que
possa, eventualmente, fazer alguma diferença. Qualquer diferença” (CHALHOUB,
1990, p. 149).
O autor vai nos dizer que este livro foi uma contestação, mais ou menos explícita
ao longo dos capítulos, mas sempre presente, daquilo que ele batizou de “teoria do
escravo-coisa”, teoria essa que foi tão difundida na historiografia e no mundo
acadêmico. Fernando Henrique Cardoso foi o “autor-protótipo” contra quem Chalhoub
embateu mais profundamente seus argumentos, combatendo esse argumento de uma
“coisificação social” dos negros sob a escravidão. isto é, a consciência do escravo
apenas registrava e espelhava, passivamente, os significados sociais que lhe eram
impostos . Outro autor-protótipo no caso seria Jacob Gorender, para quem “o oprimido
pode chegar a ver-se qual o vê seu opressor” (CHALHOUB, 1990, p. 150).
Referencia Bibliográfica:
CHALHOUB, S. 2001. Visões da liberdade: senhores, escravos e abolicionistas da corte
nas últimas décadas da escravidão. São Paulo: Companhia das Letras.