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A ECONOlfIA POLfTICA,

O CAPITALISMO E A ESCRAVIDÃO
Antônio Barros de Castro

Introdução
De acordo com Engels, «A Economia Política, no sentido
amplo, é a ciência das leis governando a produção e a troca
dos meios ma_teriais de subsistência da sociedade humana>.'
Ela não deverá ser «a niesma para todos os países e épocas '
históricas> . : . «Quem· quer que tente trazer para o estudo ...JI__
7·,
da economia política da Patagônia as· mesmas leis que ope-
ram na Inglaterra 'da atualidade, obviamente irá produzir
apenas os mais banais lugares éomuns>.
Esta conhecida. passagem ''do' Anti-Dühring parece -conter'
duas proposições teóricas:· Trata-se, desde logo, de negar ··a:
· possibilidade de uma ciência social que não reconheça a exis­
- �'-··
tência de estágios ou �pocas históricas. Além disto, sugere o
autor que paracàda sociedade ou época histórica seja conª::- ·
truída uma «Economia Política>, sendo que a ela caberi ,
enquanto «ciência das leis governand� a produção e a troca>,�
estabelecer «as leis especiais de cada"·estágio>. 1 ·
·•

. t. F, Engels. A11ti-DiiÀriJ1g0 Intunational Publishera, Nova Iorque 1976, I>- 1_63 e 166.
Para um �orço de reinterpretação do ncravismo colonial que se pro� �Ir.
ao pé da 1',tra. aa propostaa de E� veja-ae Jacob Gorender, O E.,,.,._

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A segunda proposição de Engels parece-me altamrnte ques­
tionável. Dado que ela surge no seu texto como um convite
a que se faça, em relação às demais sociedades, o que Mane
teria feito em relação ao capitalismo, nosso primeiro passo
será recapitular certas propriedades que fazem do capitalismo
um objeto de estudo particularmente adequado a uma ciência
como a Economia Política. 2

Sobre o capitalismo .e a lógica do capital

Os trabalhadores estão presentes no capitalismo, num pri­


meiro plano, como proprietários de uma determinada mer­
cadoria, a força de trabalho, que devem necessariamente
vender aos capitalistas. A venda se faz mediante contrato
e nesta transição o trabalhador se apresenta como «um igual
vis--à-vis o capitalista, como qualquer outra parte nufría tran­
sação:i> - ao que Marx acrescenta, «pelo menos ass.5'm pa­

r
rece». 3 De fato, não subsiste na relação salarial qualquer
evidência de exploração do trabalhador pelo capitalista. Muito
elo contrário, e nas palavras de Marx, «a forma salário apà:
a todo vestígio de divisão da jornada de trabalho em tra-:
alho pago e não retribuído». 4 Em suma, neste primeiro
plano, o trabalhador surge como proprietário de uma deter­
. minada mercadoria, interessado em vendê-la ao capitalista,
numa transação semelhante a qualquer outra 5; se alguma
coerção aí existe, ela decorre da ação de mecanismos impes­
soais, imperceptíveis ao nível do relacionamento entre com­
pradores e vendedores de força de trabalho.
O trabalhador voltará ainda a transacionar com os capi­

t\
talistas, agora, porém, na qualidade de consumidor. Aqui,
mais uma vez, «é o· operário mesmo quem converte o di­
nheiro em valores de uso, compra com ele tais ou quais mer-
1
1 Colo,,ial, São Paulo 1978. Agradeço ao autor a permissão de ler. ainda em ma­
nuscrito, a sua contribuição ao p�ente volume, onde ele procura esclarecer e
realçar o ,entido de seu trabalho anterior.

\
2. Quanto à relação entre a Economia Po!itica e a sua .. crítica" por Marx veja-se
a famosa carta de Marx a Engels datada de 8 de janeiro de 1868 (Sel�ct,d
\ CornspO'ftde-r&u, p. 186), ou, se se quiser, as numerosas passagens em que Mar:,:
compara a eua obra à Economia Politica clássica (notadamente ao final do tomo !TI
de O Capital, no capítulo intitulado ·••A Fórmula Trinitária").
3. Grvndrisse. edição Martin Nicolaus. Vintag-e Books, 1973, p. 284. ·••· ••No mesmo
\ sent:do. vide El Cq;11ital. Fondo de Cultura. Mbico, t. I, p. 128s. \
, 4. O C.1pital. tomo I.·',J>, 452. Marx chegaria mesmo a apontar. como um dos três
� grandes avanços _realizados em O Capital. a demonstração de que o aalário ocults
r ão real ex nte entre trabalhadores e capitalistas. Sekcted Correspond�
�- ;!�� �� ::,._..,
5. O Capital. tomo r;p: .179-lR0.

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cadorias e, como possuidor de dinheiro, como comprador de
mercadorias, se encontra diante dos vendedores na mesma
relação que todos os demais». 6 � .
..../
Resumidamente, o capitalismo se apresenta, à primeira
vista, como uma ordem social integrada por compradores e
vendedores de mercadorias. Todos «contratam como homens
Üvres e iguais perante a lei», o que faz do capitalismo
sempre numa primeira aproximação - «o paraíso dos di­
reitos do homem». 7
Sobre esta experiência da vida diária seria construído um
saber, que aí busca encontrar «uma certa ordem inteligível».
Marx a ele se refere sempre pejorativamente: economia vul­
gar, «religião da vida diária». 8 Esta última expressão, remi­
niscência dos primeiros escritos - e da influência de Feuer­
bach - revela claramente o que pensa Marx acerca do que
ocorre neste primeiro plano: «assim como os cristãos são
iguais no céu, ainda que desiguais na terra, as�im também
Ós indivíduos membros do povo são iguais no · céu de seu
mundo político, ainda que desiguais na sua substância terre­
na na sociedade». 9
A ciência da sociedade moderna que se inicia com Quesnay
traz consigo um esforço de interpretação profundamente di­
verso. Com ela o capitalismo surge, antes de mais nada,
como um organismo econômico; e há que estudar as con­
dições de sua «reprodução> material. O estudo da reprodu­
ção estabelece, como questão axial, o «processo social de p�
dução considerado em seus vínculos constantes e no fluxo\
ininterrupto de sua renovação > ... 10 As condições em que se
verifica a produção material assumirão uma importância
decisiva: a agricultura nos fisiocratas, a fábrica de alfinetes
( epítome da divisão manufatureira de trabalho) em Adam
Smith, a produção do trigo em Ricardo, a produção fabril
em Marx.
Como se encontram trabalhadores e capitalistas, neste
mundo substantivo, que começa apenas a ser estudado pelos
6. O Capital. tomo I, capitulo VI, inédito. Siglo XXI, 1972, p, 70, irrifo A. B. Castro.
7. O Capital. tomo I, p. 128. Gnu1dria#,. p. 240-243 e 246.
8. O Capital. tomo m. p. 768.
9. K. Ma=. Critiqu of Heoera Pl&il,,.opÃ11 of Righ.t, Ed. ;J. O'Mnlley, Cambri�
University Press, 19i7, p. 80. _ .
10. O Capital, 1,. I, p. 476: "... o sistema fisiocrático é a primeira versao sistemática
da produçã;.; capitalista" (O Capital. t. II, p. 321); os füiocratas são os "ve!'da­
deiros pais 3á moderna economia poiltica" (K. Marx, Th.eorie• of Surplua V�hu,
Lawren� a.n,; Wishart, Londres 1969, voL I, p. U. No mesmo sentido, ve.ia-H
R. L. M=k. La. Fisiocraei4, Barcelona. especialmente capitulo 6.

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grandes clássicos? De acordo com Marx, a resposta deverá
ser buscada através do exame de como se apresentam e, em
particular, como evoluem as condições materiais da produção,
'já que «os instrumentos de produção não são somente o ba::.·-,
(· r8metro indicador do desenvolvimento da força de trabalho
do homem, mas também o expoente da.s condições sociais em
\ que se trabalha». 11 - .,

Existiriam dois momentos claramente distinguíveis na


expansão - com - transformação do capitalismo. No pri­
meiro, os capitalistas apenas reúnem os trabalhadores sob
um mesmo teto. Os meios de produção não sofrem ainda
transformações significantes 12, e os capitalistas vigiando e
controlando diretamente os trabalhadores tratam de pres­
sioná-los no sentido de estender e intensificar o seu esforço
produti},�. 13
. Já ne:..t.:i fase, vai se estabelecendo uma divisão de tarefas
que, a ;�rn só tempo, aumenta a eficiência do trabalho e pre­
para o terreno para a introdução de máquinas. Enquanto
estas não surgem, porém, o capital permanece na dependência
da perícia manual dos operários, e «tem que lutar constan­
temente com a insubordinação dos assalariados>. 14
À medida que avança a mecanização, os trabalhadores,
acionando novos e poderosos instrumentos de produção, darão
andamento a um crescente volume de produção. Cada vez
ais, a quantidade e a qualidade dos produtos dependerá
das máquinas e demais recursos materiais utilizados. Alteram­
[e, profundamente, as condições de dominação do trabalho
pelo capital. Despojado inicialmente dos meios de produção,
trabalhador é agora novamente despojado : não há mai�
espaço para suas habilidades, arte ou talento. O própri�
ritmo de trabalho passa a ser ditado por máquinas, que,
combinadas, atuam sobre a matéria de acordo com princí­
pios que os trabalhadores, em sua imensa maioria, literal­
mente ignoram. Este processo. de «objetivação> crescente da
produção permitirá que o aumento da produtividade do tra­
balho - convertido em «alavanca mais poderosa da acumu-
lação»_ - passe a depender fundamentaImente, da introdução
'\__ -
� 11. K. Marx. tomo I. p. 132 (grifo nosso).
\ r-- ·
-....;il2. Naa pala.-ra.s de Marx. a "maquinaria especif��o período da manufatura é o
próprio operário col..tivo". O Capital. tomo I. ji,;.":%83.
13. Veja... e. a propÕsito. o brilhanu &rtiiro de E. P/'tbompson. 'ºTime. Work-discipline.
and Industrial Capitalism", Pcut ca11d Pr�_,.t, '�embro de 1967.
U. O Capital. tomo L p. 300 e �7.

70
de novas máquinas, novos materiais e novas fontes de
energia. 15 <--"\
Ao longo deste processo evolutivo transforma-se radical­
mente o lugar e papel dos trabalhadores, progressivamente
convertidos em «elos conscientes», que apenas «supervisionam
e atentam contra a interrupção» 16 da atividade das máqui- ·­
nas. Os capitalistas, de sua parte, não mais terão por que
manter-se pessoalmente à testa da produção, cujo comando
poderá ser transferido, progressivamente, a administradores
profissionais. 17 Tampouco necessitam eles de conhecer a fun­
do os novos meios e processos da produção, cujo reparo e
manutenção estarão a cargo de uma camada diferenciada
de trabalhadores, que, para facilitar, chamaremos de «técni­
cos». Este distanciamento dos capitalistas será, claro, imen­
samente facilitado pelo desenvolvimento daJ sociedadE>f por
aç�es. 18
No esquema evolutivo que acabamos de evocar percebe-se,
a cada passo, a existência de um íntimo relacionamento entre
t! os meios de produção em uso, o processo de trabalho e o
relacionamento dos trabalhadores com os capitalistas': "-( ou
seus representantes). Vemos, pois, aplicar-se, à evolução do
capitalismo, a tese geral de Marx no sentido de que as con­
dições de produção são um «barômetro> das forças produti-
' vas, e um indicador das relações sociais. Ê fundamental real­
\ çar, além disso, que o trajeto acima esquematizado é conce­
bido como algo� inerente à lógica do capital': «O desenvol­

,
vimento dos meios de trabalho em maqumaria não é um mo­
mento acidental do capital, e sim uma reformulação dos tra­

1
dicionais meios de produção herdados, numa forma�adequa-
, � dah ao cam1ª1..... Este - longo percurso não se dá porém sem
19
problemas. Existe uma tendência ao declínio da taxa de
lucros - mas ela é, em• princípio, compensada pela ação
de determinados fatores. 2º- Verificam-se crises intermitentes,
15. Gn&"4riaact, p. 692-695 e 704-706.
16. Grvtodriaact, p. 692.
17. Neste como em outros pontos, Marx acompanhou de perto a penetrante análise.
desenvolvida por Andrew Ure, acei;ca da evolução conjunta das técnicas e _das
relações sociais, na tran1i9ão da manufatura para a fábrica capitalista. O Copatal.
tomo III. p. 369. Andrli'w Ure, T1w flril-,,1&11 o! M,u,.,foctvrea, Nova Iorque
1967. especialmente capitulo I. ..h-,,•. - . . .
18. "As empresas por ações - que se �volvem co� . o sistema de crM�to -
tendem a separar. cada vez maia, este .:tcàba!ho adm1n1strat1v�. como funçao, ela
possessão d? enpital ..." d�parecendo;"-� processo de prod�çao� como um pen,o­
.
nagem supcrfluo. o cap,tabata". O C/Vf'itol. tomo III, p. S,0-3,1.
19. Gno,driaae, p. 694.
20. O Capital, tomo III, cap. XI.

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de novas máquinas, novos materiais e novas fontes de
energia. 15 <--"\
Ao longo deste processo evolutivo transforma-se radical­
mente o lugar e papel dos trabalhadores, progressivamente
convertidos em «elos conscientes», que apenas «supervisionam
e atentam contra a interrupção» 16 da atividade das máqui- ·­
nas. Os capitalistas, de sua parte, não mais terão por que
manter-se pessoalmente à testa da produção, cujo comando
poderá ser transferido, progressivamente, a administradores
profissionais. 17 Tampouco necessitam eles de conhecer a fun­
do os novos meios e processos da produção, cujo reparo e
manutenção estarão a cargo de uma camada diferenciada
de trabalhadores, que, para facilitar, chamaremos de «técni­
cos». Este distanciamento dos capitalistas será, claro, imen­
samente facilitado pelo desenvolvimento daJ sociedadE>f por
aç�es. 18
No esquema evolutivo que acabamos de evocar percebe-se,
a cada passo, a existência de um íntimo relacionamento entre
t! os meios de produção em uso, o processo de trabalho e o
relacionamento dos trabalhadores com os capitalistas': "-( ou
seus representantes). Vemos, pois, aplicar-se, à evolução do
capitalismo, a tese geral de Marx no sentido de que as con­
dições de produção são um «barômetro> das forças produti-
' vas, e um indicador das relações sociais. Ê fundamental real­
\ çar, além disso, que o trajeto acima esquematizado é conce­
bido como algo� inerente à lógica do capital': «O desenvol­

,
vimento dos meios de trabalho em maqumaria não é um mo­
mento acidental do capital, e sim uma reformulação dos tra­

1
dicionais meios de produção herdados, numa forma�adequa-
� dah ao cam1ª1..... Este - longo percurso não se dá porém sem
19
problemas. Existe uma tendência ao declínio da taxa de
lucros - mas ela é, em• princípio, compensada pela ação
de determinados fatores. 2º- Verificam-se crises intermitentes,
15. Gn&"4riaact, p. 692-695 e 704-706.
16. Grvtodriaact, p. 692.
17. Neste como em outros pontos, Marx acompanhou de perto a penetrante análise.
desenvolvida por Andrew Ure, acei;ca da evolução conjunta das técnicas e _das
relações sociais, na tran1i9ão da manufatura para a fábrica capitalista. O Copatal.
tomo III. p. 369. Andrli'w Ure, T1w flril-,,1&11 o! M,u,.,foctvrea, Nova Iorque
1967. especialmente capitulo I. ..h-,,•. - . . .
18. "As empresas por ações - que se �volvem co� . o sistema de crM�to -
tendem a separar. cada vez maia, este .:tcàba!ho adm1n1strat1v�. como funçao, ela
possessão d? enpital ..." d�parecendo;"-� processo de prod�çao� como um pen,o­
.
nagem supcrfluo. o cap,tabata". O C/Vf'itol. tomo III, p. S,0-3,1.
19. Gno,driaae, p. 694.
20. O Capital, tomo III, cap. XI.

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contrariamente, são concebidas como fundamentalmente in�
variante s. Antes de mais nada, inútil buscar transformações
significativas no primeiro plano anteriormente assinalado: 1
os homens aí existem, como átomos sociais, como cidadãos
de uma democracia que termina no portão das fábricas. No...-
-plàno da produção e reprodução do sistema, por sua vez, os
trabalhadores estão presentes unicamente como força de tra­
balho: dentro da legalidade burguesa o contrato de trabalho-:
autoriza, e o sistema de máquinas executa, uma verdadeira
lobotomia do trabalhador, o qual ingressa na produção como /
uma mercadoria de tipo especial. 29 �
Sem transformações significativas destas características
básicas, o capitali§mJl__prosseguiria o seu avanço, cumprindo
aquilo que maisde uma vez foi rêferido como a sua «missão
histórica>. A diminuição da jornada de trabalho, a elevação-
dos salãrios e o sµi-gimento de novas formas de negociação
salarial nada trarj� . de qualitativamente diferente. Assim
sendo, esperar (e �advogar) mudanças na «distribuição> das
fatias de renda que tocam aos trabalhadores e às demais
classes seria deixar-se levar por mitos do «socialismo vul­
gar>. Menos ainda, caberia esperar que os trabalhadores pu­
dessem adquirir certo grau de controle sobre os processos
produtivos. O capitalismo, a caminho da automação, conver-
teria o trabalhador em apêndice do processo produtivo, �
tornando-se, portanto, ainda mais opaco, o mecanismo daV
exploração. Esta radical descrença nas possibilidades de mu­
dança das ordenadas sociais do sistema seria reafirmada,
com mais ênfase que nunca, na Crítica ao Programa de
Gotha (1875), que Lênin haveria de tomar como uma espécie
de testamento político de Marx. 30
29. Procuro aqui manter-me fiel à concepção de :Marx do trabalhador metamorfoseado
na esfera da produção em mera.daria consumida produtivamente pelo sistema. \
Os problemas inerentes a esta coneep,;io - que estende e ab9olutiza. o conceito
de '"•ubordinação real" - 1altam ...,. olhos no diálogo imaainado por Marx entre
o operário e o capitallata. O Primeiro af'"i.rma: '"Exi.io. pois. a ;-4o tlOMIIOl
de trabalAo, e, ao fazê-lo, nio faço mala que exiair o valor de minha mercadoria. 1
como todo o vendedor". O próprio trabalhador aparece aqui como um "funcionário
do capital". Insinua-se uaim uma· viaão do capitalismo não apenas "centrada '
sobre o capital", mas em que tudo o que existe, existe J>Clrll e em função do /
capitaL Não caberia aqui (e a mim) tentar a critica desta posicão, que /
parece-me no entanto carrepda de problemaa. Veja-se José A. Giannotti, .
.. Contra Althusaer", in TeoriG e Prdtica, São Paulo, n. S. e E. P. Thompson, '"The J
Poverty of Theory", in The Povnt,, of Tl&eo,,, at1à OtJun- E880!/S, Londres 19i8.
Equivocoe do mesmo trênero - mu com diféi'!!ntes raízes .t.�óricas - ettão
também prttentes em dlve..- economi1tas de extração marxiaiaZ · entre eles. noto­
riamente, Henry Braverman, em Lab011r attd .V011opol!/ Capital, •Nova Iorque 19i4.
ao. '"Critique of The Gotha Proirramme" it1 K. Marx and Fred�:,,Enirels. Se�cteà
Worb, YOL II, Moscou 1962. V. L Lenin, '"El Estado y la R"!(111§ci6n"', in Obnu
Eecogid,u, :Moscou 1969, p. anu. V. L Lenin. Sc�ctnl Work-.'rwL I. p. 460.
-.�.

73
Não obstante as invariâncias - e até mesmo em decor­
rência delas - a expansão-com-transformação se encarre­
gará de criar as condições objetivas que irão permitir a ne­
gação e superação do capitalismo. Este novo quadro não
será, · contudo, deliberado e conscientemente construído. Co­
mo a toupeira de que fala Hegel, ele avança sob a superfície
dos fatos, para vir à tona no ocaso do capitalismo. Só então
- e mais uma vez - torna-se eficaz a ação da força na
história. 31

Escravidão x Capitalismo

Não cabe dúvida de que para Marx e Engels não apenas


o capitalismo como também as sociedades pré-capitalistas
deveriam ser estudadas a partir das. çondições materiais da
vida. «Ê indubitável que nem a Ida4�� Média pôde viver de
catolicismo, nem o mundo antigo, de"�política:. Longe disto, o
que explica por que num é fundamental a política e no outro
o catolicismo é precisamente o modo como num e noutro se
ganhava a vida>. 32
Ê fácil perceber, no entanto, que a vida política tem uma
inegável proeminência, por exemplo, no mundo romano. Esta
importante e delicada questão ( especialmente para o mar­
xismo) está na própria origem da infindável polêmica sobre
o significado e alcance da «determinação pelo econômico>.
Para alguns, as condições econômicas simplesmente determi­
nariam tudo o mais, nas sociedades pré-capitalistas como no
capitalismo. Esta posição, usualmente caracterizada como
«reducionista>, pode apontar numerosas passagens de Marx
e de Engels - especialmente este último - em seu bene­
fício. Para outros, as condições econômicas só seriam deter-
31. Esta tese, como se sabe, percorre como um fio condutor a obra de Kant e de
Engels. tendo no entanto como pontos altos: A Miahi,s dG Fil4eofia, O Mottõfttsto
Comunista, A lntTod1&ç<io ao 111 Bn,mário, e: várias paasagens do Attti-DiiAring.
No G"'ndriae a tese merece apenas breves referênicaa, e em O Capital ela
reaparece numa curta e brilhante passagem do tomo I. ao término cio capitulo
sobre a Acumulação Primitiva. Veja-se taml:ém. a propó,ito, Tke Role of Force
in Hi11to111, edição revista e ampliada de textos originalmente publicados no
A11ü-Diihring (ob. cit.). Frederic Engels, Tke Role of Force ,,. Higtori,.
lnternational Publishers. Nova Iorque 1972,., Evidentemente não caberia _ aqui
estender-ee acerca das chamadas condições "su'bjetivaa" da revolução... -...
' 32. O Capital, tomo I, p. 46. :t tam� esta profunda convicção que juotifica o
entusiaomo com que .Marx e Engels receberam a obra do etnóloao amerkano
Lewis Morgan. Se&'Undo En�ls. ".Morpn deacobriu a concepção materialista
e marxista da história dentro dos limites prescrito. pelo aeu tema. de forma
º
Independente..• " Como conseqüência de eeu trabalho. "Toda aquela ºcharlatanice
de Tylor, Lubbock e Cla. eobre endogamia. exogamia. ou como quer que aquele
lixo 1eja chamado. foi definitivamente esmaaado". S�leeted Con-UJ)Ofldfltce. p. 347.

74
minantes em «última instância>, havendo na realidade uma
relativa interdependência entre as diferentes «instâncias».
Nos anos 60, Althusser e seus seguidores intervieram estre­
pitosamente no debate, afirmando ser necessário distinguir
entre «determinação em última instância», sempre econômi­
ca, e «dominação», que pode caber à «instância político-legal
ou à ideológica». 33
Vistas a partir da análise anterior, estas posições pare­
cem, no entanto, omitir uma questão a um só tempo preli­
minar e fundamental. O problema não consiste em estabele­
cer o peso relativo (o «índice de efetividade» na linguagem
pedante de Althusser) do econômico, ou a natureza do seu
relacionamento com outras «instâncias>. A razão fundamen­
tal pela qual se pode pensar a época moderna através de uma
obra como O Capital (dedicado-'.ào estudo «das leis naturais
da produção» no período capit.&fi.sta)· �• provém de que no
capitalismo a produção e a vida material em geral passa
a ser regidas .por mecanismos autodeterminados e determi­ �
nantes. Diante deles: pessoas e classes são ievãdas a rela­
cion�r-�e como a «personificação> ou «suporte> de categori�
econoIDicas.
Mudemos de cenário, passando por um momento à escra­
vidão romana. Segundo Marx, «o escravo romano se achava
sujeito por grilhões à vontade do seu senhor, o operário assa­
lariado está submetido à autoridade de seu proprietário por
meio de fios invisíveis>. 35
À primeira vista o contraste acima estabelecido apenas
reproduz e sublinha a distinção, tantas vezes feita, entre
coação extra-econômica e coação (somente) econômica -
que caracterizam, respectivamente, a escravidão (mas não
apenas ela), e o capitalismo. A imagem empregada por Marx
permite-nos, no entanto, •levantar um outro contraste e atra­
vés dele formular uma questão de fundamental importância
para o desenvolvimento deste trabalho.
Admitamos de saída uma distinção entre : a maneira pela
qual o trabalhador é levado a trabalhar (se por coação extra­
econômica, ou não) ; e os fallores que determin� ,.,a necessi­
dade social do seu trabalho. Isto posto, lembremos·" que o tra�
U. Loaia AlthlUSe!'. POMr Jf•n:. Franeoia 1fupbo, Paria 1965, p. 206 a H'- :,'
,,
Lni• ª"" Plii�w. Montb' Revirw Presa. 1971, p. 1a.a.1S6.
84. O Capital. tomo 1, Prólogo. XIV.
Sli. O Capit.al. tomo 1. p, 482.

75
balho que os capitalistas extraem de seus operários está deter­
minado «pela necessidade de exploração que tem o capital
que o emprega». 36 No escravismo, contudo, de acordo com a
sentença anterior, o trabalho dos escravos seria determinado
pela «vontade» dos senhores. O que estaria, porém, por trás
desta vontade?
A questão que acabamos de formular foi mais de uma vez
tocada, ainda que de passagem, por Marx. Numa delas, de­
clara o autor, referindo-se à escravidão e à servidão: «aqui,
o império das condições de produção sobre o produtor fica
oculto por trás das relações de domínio e sujeição que apa-
• recem e são visíveis como as molas imediatas do processo
de produção». 37
A se admitir este último juízo de Marx, «por trás::>' do
chicote estaria, pois, também no escravismo, o «império trlas
condições de produção,. A diferença entre o capitalismo é os
regimes pré-capitalistas residiria, então, na maneira pela
qual se extrai o trabalho - a qual permitiria uma maior
ou menor visibilidade das condições de produção e das deter­
minações que daí provêm.
A primeira objeção a ser levantada a esta proposição é
de que ela se choca com as numerosas passagens em que
:Marx busca justamente caracterizar o capitalismo pelo im­
'rio - que com ele se instala·- das condições de produção.
estas passagens, fique bem claro, não se trata de afirmãrl
ue o império das condições de produção torna-se «visível> \
1 e, sim, que ele é implantado com o capitalismo. 11 __...;
- Retornemos, por um momento, à escravidão romana.
A produção extraída dos escravos (bem como dos campo-
neses livres) , coberto o seu parco consumo, será absorvida,
/ digamos, pelo consumo suntuário das camadas proprietárias,
. pelas campanhas militares e também pela plebe romana. Na
/ medida em que garanta a sustentação destes traços funda­
mentais da formação social romana - o ócio das classes pro­
\., prietárias, o expansionismo militar, bem como o pão e o circo
\ do «populacho» ..;.;.:; o trabalho extraído dos escravos é evi-
dentemente necessm/-¼, à preservação deste regime social. Não
há porém como á'dfuitir que essa necessidade seja de natu-
36. lnlàito, p. 68.
37. O Capital. tomo III, p. �119 !trrifo A. B. Cutro).
38. Veja-se este tl!.."tto, às p. 69, 70, ":Z e a nota 28.

76
reza «econômiêà:» ou, mais precisamente, que ela derive das
próprias_�oEdições de produção.·
Convém agora atentar· para -a importante questão da ma­
neira pela qual o trabalho é obtido.
O trabalhador livre, «como qualquer outro vendedor de
mercadorias, é responsável pela mercadoria que subministra
e que deve subministrar a certo nível de qualidade se não
quer ceder o terreno a outros vendedores de mercadorias do
mesmo gênero». O escravo, contrariamente, cuja sobrevivên­
cia «está garantida, ... só trabalha sob o acicate do terror
exterior». 39
Que conclusões sugere este confronto?
Na tradição da economia política, a resposta é clara e
uníssona. O escravo, não tendo interesse no que faz, traba­
lha mal. O trabalho do escravo é de qualidade fn:erior ao
trabalho livre, convicção que Cairnes resumiu em seu fa­
moso juízo: o trabalho escravo «é feito relutantemente, é
inábil, e carece de versatilidade>. 40 Marx, como é bem sa­
bido, endossou, em boa medida, a posição de Cairnes, no que
seria seguido por uma legião de autores.
Não caberia aqui a crítica desta posição. 41 Acredito, no
entanto, que ela se funda em mal-entendidos e equívocos
vários, que se condensam, justamente, na idéia de que o tra­
balho escravo, feito com desinteresse, ou mesmo com relu­
tância, é de má qualidade.
Convém advertir, antes de mais nada, que o traba�
lizado pelo moderno proletariado, nem é feito com i��;r:����!
nem é apreciado pela sua «qualidade>. O que faz traballiãr
o proletário, uma vez no interior da fábrica, é o ritmo das t
máquinas, é o avanço das correias de transmissão, é, em 1
resumo, a _ç_o�pu�sªº- técnica, à qual ele se encontra subme- \
tido.u O --seu - tra6allio, simples e monótono, longe de ser )
39. Inédito. capítulo VI, p. 68. A IObrevivência do trabM!ho assalariado, contraria­
mente. não é motivo de preocupação para o eapitalista: ..O capitalista pode
deixar tranqüilamente o cumprimento desta condição ao instinto de perpetuação
doa operários". O Capital. tomo I. p.. 481-482.
40. John Cairne:,", "The Economic Baais of Slavery". reproduzido' em Ditl Slovs'1/
Pa11? ColetAnea editada por Hugh Aitken, Boaton 1971, p, 28.
41. Antônio 'Bàr!'Oa de Castro, Em tonw à Q,&utdo tla4 TdtniotU no Escrovirm!'•
mimeoirrafado, Mestrado em Desenvolvimento Asricola, Rio 1976. Uma venao
revista e aií\pliada do raacunho apresentado à dl.scuuão em 1976 11erá brevemente
publicaJa. .·
42. Sobre a impgrtãneia da máquina (e do relógio) no controle do trabalho na
fibric:a capitalista. veja-se Andrew Ure. Tl• Plailosqplay o/ Ma,.u/ach<r�•. Frank
Cus and Company Llmited, Londres 1967, p. 13-23.

7.7
apreciado qualitativamente, é medido pelo ponteiro do reló­
gio. Vê-se pois o quanto se equivoca um autor como Fraginals,
quando, ao admitir muito a contragosto o avanço da meca­
nizacão dos engenhos cubanos operados por escravos, decla­
ra que isto só foi possível, porque o escravo não teria de
, «realizar tarefas novas ou distintas, mas sim necessitava mul­
i I tiplicar ao infinito os mesmos trabalhos materiais de sempre,
, acoplando seus músculos aos pistões de vapor...> 43 Como
· ; se isto não fosse a própria essência da mutação trazida pela
: ; Revolução Industrial, para os trabalhadores livres da Ingla-
i / terra! Taylor, verdadeiro codificador dos princípios que re-_
' gem o trabalho na indústria moderna, afirmaria: «Um dos �
primeiros requisitos para que um homem se adapte ao ma- /
nejo do ferro gusa como ocupação regular é que ele seja ;
tão estúpido e pachorrento que mais pareça em sua consti- !
tuição mental uma vaca ...>. 44 --'.

Indiscutivelmente, «interesse> no trabalho não têm, nem o


moderno proletário, nem o escravo - e isto é o que os asse­
melha e não o que os diferencia. Enfocar a questão, a partir
desta perspectiva, equivale, aliás, a render-se a um etnocen­
trismo burguês, que por toda parte enxerga indivíduos movi­
dos por «interesses>.45 A questão é de outra natureza. Par�
,? entendê-la, é preciso admitir, desde logo, que enquanto o
operário endossa, em princípio, a sua exploração, ao tran­
r ,..... r
sacionar a (única) mercadoria de que dispõe (sob a ameaça
.1_,;/ç� de não conseguir vendê-la) 46, o escravo, que nada cede e
nada obtém mediante transações, não tem por que admitir·
1
um regime social no qual ingressa e é mantido pela força.
A partir deste contraste, descortina-se, no entanto, uma nova!
ordem de questões .. . -i
A escravidão é um sistema social composto de classes expli­
citamente antagônicas. 47 Conseqüentemente, o escravismo não
43. Manuel Moreno Fraginals. El lwgewio, UNESCO, La Havana. 1964, tomo I. p. 111.
44. Frederick W. Taylor, "'The Principies of Scientifie Management", Nova Iorque
19(2. p. 59. Ver a propósito Keith Aufhaw,er em ""Slavery and Scientific
Management", in The J,,..rNJl. of EcOffonrit: ·Hiatorv, 1973. vol 28, p. 814.
46. Adam Smith, reíei,indo-se ao escravo, diria que o seu trabalho é de qualidade
inferior, porque "'a pesgoa que-,,não pode adquirir propriedade não terá outro
interesse senão comer o maia q�-.poaaa e trabalhar tão pouco quanto poasivel ••. "
Adam Smith, n., W....Uh of N�. Nova Iorque 1973, p. 366.
46. Constituído o capitalismo, o dliliiS!linamento do operário fica.
, em principio. a
_. cargo de mecanismos 10ciais - '�b o ..nército de reserva. : ..Ainda se emprega.
r · de vn em quando. a violência êfireta. extra-econômica: maa a6 em -. exceP­
cionaia"'. O Capital. t. I. p. 6%7.
, 47. Utilizo aqui o conceito de cl&ue no . aeu sentido amplo: veja-se, a propóaito. "La
C-0nciencia de Clase en la Historia . . E. J. Hob!bawn, iw Istvan Mmftros. ,4.BpectOII
1 , th la Hiatoria y lo Co,,ei.,,.rio th Claae. Mhieo 1978.

78
necessita estar «maduro» para· ser posto em questão. Existe
nele, desde sempre e a qualquer momento, um inextinguível
potencial de rebeldia e rebelião. Já na Antiguidade clássica,
recomendava o autor de Oeconomica, que se evitasse a con­
centração de grandes levas de escravos da mesma naciona­
lidade. 48 A advertência, como é bem sabido, atravessa­
ria os tempos ecoando inúmeras vezes nas terras do Novo
Mundo. Antes mesmo do surgimento dos primeiros engenhos
no Brasil, já haviam eclodido rebeliões e surgido os primei­
ros «quilombos:., na colônia açucareira portuguesa de São
Tomé ... 49
Em outras palavras, a escravidão insere, no próprio âmago
do sistema social que sobre ela se ergue, uma situação con­
flitiva, e, com ela, uma energia política primária, que amea­
ça, indetermina e introduz variantes na sua evolução histó�.
rica. Isto não impede, sem dúvida, que o escravismo possa ·
atravessar séculos gozando de relativa estabilidade; haveriii'°.
no entanto que explicar como ele se mantém . . . Em suma, e \
como muitos haveriam de entender na passagem do século
XVIII para o século XIX, existe um São Domingos inscrito _; ;·
como possibilidade em cada sociedade escravista; também
existem, no entanto, diversas maneiras de abafar, contor-
_::; !Dar, ou desviar, o choque de vontades que se encontra em
/ estado latente no âmago desta sociedade. 'j

Pequena digressão acerca de um velho debate

São bem conhecidos os termos do famoso debate Sweeey­


Dobb sobre a transição para o capitalismo. 50 Sweezy susten­
ta que o feudalismo teria sido progressivamente diluído sob
a ação do capital mercantil, sediado nas cidades, e ampla­
mente beneficiado pelo comércio a longa distância. Seus nume­
rosos críticos vêm de há muito denunciando, não apenas o
fato de que a ação. do comércio sobre uma estrutura econômico-
48. Oecoacnniea, autor a�o de fins do aéculo II ou inicio do aéculo III, citado
em K. L Finley, ,;-W�Greek Clvilization Baaed on Slave Labour!", in Tà•
Slaff EooliOMica. editado por E. Genovae. J. Wille:v and Sons, Nova lorqll4!
19õ3. p. 37. ,.·.,e• ,
49. As semelhanças entre o, óeorrido em S. Tomê e no Brasil são realçadas . (poa�:
velmente com exaaero'Ji.i.\li,r M:ariam Malowisi em "Les Débuta du Syateme ....
Plantations dana la l{_tflode eles Grandes Découvertes", in Afriea• B..U.tí•,
n. 10. 1969. • �' '
50. n. TNuitio. /rfffll Fndalin& to Copitwa, Paul Swees�. llaurlee Dobb. •
outro., Londres 1976. , '·

79
social não pode ( e esta é umâ questão de princípio) deter­
minar a forma e a direção em que ela se transforma, como,

· 1·
também, a artificiosa separação entre feudalismo e centros
urbano-comerciais.
Uma outra maneira, mais fecunda, creio, de criticar Sweezy ,
, consiste em mostrar que ele supõe a priori - e equivoca-
damente - que se o feudalisrno se move por razões que
/ lhe são inerentes, isto terá de se dar de forma análoga ao
\_ apitalismo. A premissa, implícita em toda a argumentação
�de Sweezy, transparece claramente, quando, tentando ser tão
«conciso quanto possível», o autor indaga: «Qual era o prin­
cípio motor (prime mover) por trás do desenvolvimento do
feudalismo na Europa Ocidental?», ao que acrescenta, de ime­
diato: «No caso do capitalismo podemos responder à questão
positivamente e sem arnbigüidades.... Existe algo análogg_
no caso do Jéudalisrno?> 61 Visivelmente, não ocorre a Swee
a possibilidade de que urna estrutura social seja movida por�
algo que .lhe seja inerente e, no entanto, essencialmente di­
verso daquilo que move o capitalismo.
A pos1çao de Sweezy foi em certa medida facilitada pela
argumentação de Dobb. De fato, também este último busca
entender o «declínio do feudalismo>, através de mudanças
similares às que regem a evolução do capitalismo.Isto fica
desde logo patente, quando o autor declara na introdução de
seu livro que: «Nos capítulos que se seguem, a influência
exercida pelo cambiante estado do mercado de trabalho, irá,
acertada ou erradamente, ser um tema recorrente>. 52
É bem verdade que ao longo de seu livro DQbb iria intro­
duzir a existência e o agravamento dos conflitos entre cam­
poneses e «lords», abrindo com isto espaço para um tipo de
argumento que tem a ver com a estrutura própria e a pro­
blemática específica do feudalismo. Ocorre, no entanto, que
o próprio Dobb fecha esta avenida ao colocar de um lado
o modo de produção ( dito de pequenos produtores) , e do
õl. Idem. p. 103 (grifo A. B. C.).
SZ. M. Dobb, · Stvdiu in ''"' De11elop111nst of Capitaliam, International Publishers.
1974. p. 23. Não caberia aqui desen� uma critica--'&- Dobb. Não POIIIIO contudo
deixar de mencionar o quanto 110& anacrônico faJa,-'t-im "mercado de trabalho"
noa aéculoa XIV e XV. Além disto. é fácil ver �1!11. situações de escas:sn ou
abundlncia de trabalhadores a que ae refere Do�'!fflefletem fundamentahnente
conjunturas dffffloonífica11 distintas. lias. se assim e�Jtf:;:_,cerne da questão retorna.
em 61tima análise, ao Ambito do (11eo)malthuaian�• tendo a palavra autores
como Postan e Laduriel M. M. Postan. Eua11s J.· Medieeal Aaricvlh&.. aKd
ª""•ral Problema of tA• MHieNI E�0ttom11. Cambridp ·1973, e Le Roy Ladurie.
"L'Histoire Immobile", Anuales E.S.C., 1974, p. 673-692.

80
outro, a «classe dominante:& - uma camada social movida
por «nece�i.<!füies.2>.-que lhe são próprias. No tal mõâo-ãê­
produção de pequenos produtores, já existe «o embrião das
relações de produção burguesas», e, desde que os pequenos
produtores consigam apropriar-se de algum «surplus», come­
ça a haver «acumulação de capital» no seu interior. 53 Have­
ria, no entanto, que liberar a pequena produção da excres­
cente camada social que a explora, cabendo às lutas entre
camponeses e senhores levar a efeito esta progressiva liber- -.
tação. Ora, se assim é, o segredo da transição é que não 1
existe propriamente transição, apenas «maturação» de um
capitalismo já existente (como? desde quando?) em estado
larvar.
Polarizado pelas posições de Dobb e Sweezy, a famosa con­
trovérsia esvaiu-se em confrontações principistas e, '-!má._�:(
feita.c;. e refeitas todas as possíveis citações de Marx e Engels,
foi perdendo interesse ... 64
Novas possibilidades vieram a se abrir recentemente, com
um vigoroso ensaio de Robert Brennei:z buscando mostrar
que as várias mudanças que se sucedem e se combinam na
superação do feudalismo são determinadas ou, pelo menos,
profundamente marcadas pelos conflitos entre camponeses e
senhores.65 A posição de Brenner tem indiscutivelmente vá­
rios precedentes. Já Rodney Hilton havia demonstrado o
quanto a transformação e, a rigor, a própria superação do
feudalismo na Inglaterra se devia às lutas camponesas vi­
sando a redução das prestações de serviços aos senhores, a
retenção dos frutos do seu trabalho, um maior acesso aos
bosques, às pastagens, etc. Também alguns historiadores so­
viéticos haviam procurado demonstrar a importância dos
conflitos de classe, na evolução e transformação do f euda­
lismo. 56 O seu trabalho não foi, no entanto, devidamente
apreciado, por várias razões·, entre elas um certo simplismo
63. TA• Tl"CIMiti011 fro-. Fftl<ialiffl& to Capital'-, )(. Dobb e outros, Londra 1976.
p. 167.

l.
64. Curiosamente a J)OAição de Swees:,, duramente criticada e repudiada por tan'­
voltaria a florescer nos trabalhos de Gunder Frank e, 1obretudo, de lmman�
. Wallerstein. enquanto os adeptos de Dobb continuariam denunciando u lncon•
sistências da posição contrári11-,, ,,
55. Robert Brenner, "Aiirarian Clua Structure�'-•'iiii Economia Development. ln Pre-
Industrial Europe". in Paat and Praent,
56. Veja-se. por exemplo. E. Kosmimky, -rhe ·.
;7&.
from the XI to the XV Centuriea", Paat .v ._ Prnfflt, abril. 1956, e.
levantamento do■ trabalhos realizados por h _ ·r1adore1 do Les�. ace r,e a
g:r�.=
1\ution of Feudal Rent ln Ena-
-'•-d

oadoi&ky
de exploração'" (e ,ua variabilidade) ■ob · 1>: ,feudalismo, veJ&•■e · R __...;
8
"The Distribution of the Airrarian Produet ia· Feudalism", ln J,,..,.....1 °1
lliator,. 1951. p. 2'7-266.

81
na argumentação: a confrontação de classes surge por vezes
como mera ilustração do princípio universal de que «a luta
de classes é o motor da história». Além disso Kosminsky,
por exemplo, após realçar as confrontações e lutas, declara:
«A grande luta histórica do campesinato medieval por terra
e liberdade contra os seus opressores era objetivamente orien­
tada .l!cara_, a libertação das forças produtivas dos grilhões
feudais». Vale dizer, as lutas camponesas, como tal, nada
introduziriam de novo na história. Importa, sim, o seu re­
sultado: a libertação das forças produtivas. Qs camponeses
seriam, pois, seres prograII!ado§, que dão cumprimento, atra­
vés de suas fotãs (-;objetivamente orientadas»), aos desíg­
nios de uma deidade histórica, que tudo orienta no sentido
da expansão das forças produtivas. Quanto aos senhores .
( quase uma encarnação do mal), apenas resistem, cruel e ;
inutilmente ao inexorável desenrolar desta meta-história.
Contrastado com estes· prfdecessores, Brenner apresenta
uma vantagem fundamental. Se à luta de classes cabe efeti­
vamente um importante papel na transformação do feuda­
lismo, não existe uma lógica econômica regendo a sua evolu­
ção. Na Inglaterra, os camponeses venceram. sucessivas ba­
talhas, a servidão praticamente desaparece, e a pequena pro­
dução camponesa veio a florescer; na Polônia, contrariamen­
te, uma sucessão de vitórias senhoriais levaria à total sub­
missão dos camponeses e ao definhamento do próprio setor
mercantil, mantendo-se praticamente intacto o feudalismo
até fins do século XVIII. 57 A relevância destas lutas polí­
ticas - e de seus mc,erlos resultados - parece ser uma
das razões da indeterminação dos caminhos do feudalismo,
que, salvo em certas regiões da Europa Ocidental ( e, talvez,
do Japão), não tendeu a evoluir em direção ao capitalismo. 58
A razão fundamental pela qual a luta de classes possui uma
importância decisiva na transformação do feudalismo deriva
de que a relação de produção básica é, também, e, simul­
taneamente, uma relação de dominação. Assim, a luta contra
67. M. Malowist. "The Eoonomic arid_ Social Development of the Baltic Countries from
the Fiftenth to the Se,·enteenth Centuries'", in TA• E<"Ot1oWlth Hutorv &trin,,.
---- S,glo
1959, p. 177 e 189; Witold Kula. T80riG EcOt1ómic,,a àd Siat.MG Fo:wiaL�·•'
XXI. 197', p. 229. i ,:: :
_;
58. E. Hob•bawn, "Introdução a Earl Marx••. in Pr--C11 pi talut Economi• Forfldt�ÕM.
International Publishers, 196� p. 43. Veja-se, a propósito, a aceitação., ·iiÍ1Jro
reticente), por parte de Dobb, do questionamento, feito por Hobeba�·'.. élas
tendências evolutivas do feudalismo, Tu T11111aitio11.. •• p. 165.

82
a intensificação dos serviços na segunda metade do século
XIV, ali onde ela é vencida pelos camponeses, implica, a um
só tempo, em alívio nas condições da sua vida material, e,
possivelmente, ampliação do seu raio de manobra, do seu
espaço social.
Retornemos por um momento ao capitalismo e, com ele,
à Economia Política.
São inerentes ao processo de reprodução e ampliação do
capitalisrriõ-�dências várias (CÕino a renovação dos méto­
dos e técnicas produtivas, o aumento da produtividade do
trabalho, a concentração do capital, etc.) que dão margem, e
até mesmo induzem, um gênero de conflito de classe peculiar
ao capitalismo. Nele, os capitalistas estão presentes com ã
sua «máscara econômica> 59, e os trabalhadores discutem ba­
sicamente o valor de- mercado de sua força de trabalho -

!
não estando absolut�ente em questão o balizamento polí- -- ·
tico da sociedade.
Na tradição marxista, este gênero de conflito - um eufe­
mismo da luta de classes - é usualmente referido como
«lutas econômicas>. Marx estudou o capitalismo na suposi-
ção, amplamente justificada, de que os choques entre capi­
talistas e proletários permanecem, em regra, dentro deste
território. 'º Este tipo de suposição não poderia contudo ser
feito, ali onde as relações sociais não se reificaram, e ine­
. xiste o território relativamente neutro que acabamos de men­
cionar. Bloch observou certa vez que no século XIV os levan-
tes camponeses eram «tão inseparáveis do regime senhorial
quanto as greves o são do capitalismo plenamente estabele­
cido>. 61 Ocorre, no entanto, que o capitalismo possui uma
apacidade aparentemente limitada de absorver este tipo de
ílhoques, enquanto as rebeliões camponesas punham à prova
__ cada_p__asso aspectos e traços do regime feudal.
� O que . ficou dito anteriormente não implica obviamente
em afirmar que a luta de classes esteja sempre presente

59. O Capital. tomo L p. 476.


60. Em 1866, em meio a uma "real epidemia de greves e um clamor geral pela
elevação doa salárioa••. , Marx lembraria aos trabalhadores que em '"99 e..- em
100 aeua eaforçoa de elevação· doa aalirioa eram �aa esforço•,-�� ma_nter
um dado 'Vlllor'" da força de trabalho. Eataa lutas aeriam ape11".. , paliatívn:-­
incapazes de mudar a dire,;ão do movimento Inerente ao cap�lW,,o.
Ht!v•: ·
seu conflito diário com o capital, eles ae desquali!icariam para � �\:fi°
no entanto que lutar, poia ae oa trabalbadorea "abandonaaaem "9.Yª�emen de ·
ª"'_, � JC :
qualquer · movimento maior" (destinado à aupresaao do •••tem _. 4 6 •
Marx, Wa!r8. "Prices and Profit'", in S41..,ted Worb, vol. II,. I?· 3�- "r
6 ;.P
iblll-•
61. Citado em John Merrington, "Town and country ln the Tran11t1on 1
in TAe T,,.utiot1. . • • p. 179.

83
e ativa no feudalismo, ou que dela apenas provenham as
suas transformações; a confrontação de classes pode, pelo
contrário, submergir por períodos mais ou menos longos, per­
mitindo a cristalização de relações de sujeição - e de pro-
dução - sob o manto de uma legalidade feudal. 62 _/
O que se pretende frisar é que o feudalismo tem em sua \
base, uma «substância» histórica - união química entre o j
econômico e o político - inexistente no capitalismo. Num tal
contexto, não tem, pois, cabimento discutir o peso relativo do­
«econômico», que simplesmente não existe como tal. Tam- !
pouco tem sentido pretender sequer estabelecer a «lei econô- \
mica que preside o movimento desta sociedade>. 63 Em outras
palavras, este regime social e sua evolução são rigorosamen-
te intratáveis pela economia política, e não se pode fazer ;
com ela 0 �!lál�g_o do que Marx fez para o capitalismo. u
4

• ✓-.
�{-'-/

Sobre a Economia e a Escravidão no Novo Mundo


Como é bem sabido, · a escravidão ressurge, se difunde e
cresce no Novo Mundo, vinculada à produção de mercadorias
62. Veja-se. a propósito, o capitulo •Semdio e Liõerdade", em Marc Bloch. IA
Socieda.d Feudal, lcl Forrna,:w• à ,_ VilM:l&loe ü Dep�. UTERA. 1958,
p. 294-317.
63. O Capital. Prólogo, p. XV.
6'. Não eeria diflcil moatrar - mas i.uo ,.... levaria demasiado longe - que a
concepção aqui defendida tem raízes na Crftica da Filoaof",a do Direito de
Hegel, e no esforço af feito por Marx no aentido de deeenvolver as profundas
Implicações acarretadas pela moderna separação entre vida polftica e ■ociedade
civil - aeparação que teria aido completada, aegundo Marx, pela Rnolução
Francesa (p. 80). Por outro lado. também existem llimilltudes com as idéias
desenvolvidas por certos antropólogos. acerca dos contrastes entre as ebam•de■
■ociedades primitivas e o capitalismo. A· plOiimidade maior ■eria, no entanto,
com algumas sugestões de Karl Polan:yi. por ex., em Ariatot. I>icoNre U..
Eeoa.,,,.y. Os contraata, no entanto. leriam não menoa evidentes, • que não
se cogita sequer, neste trabalho. de distinguir a■ aociedadea de acordo com a
lmportãncia e funções do■ "men:ado■". Polan:,i. contrariamente. caracterba e
diferencia o capitalismo (110bretndo o do aéeulo XIX) como nma -nomia de
mercado "a-overnada por leia próprias. as ehamadu leia da oferta e da procura.
e motiv,,do pelo medo da fome e a esperança do ranho (p. 81). Veja- o que
penaa Marx a este respeito, em •A Fórmula Trinitl.ria" (O Capital, tmno m,
cap. XLVIII), e também em "Gloaas Maririnaiá ao 'Tratado de Economia Polltica'
de Adolf Wagner". Acrescente-se. por f"un. ·ciue. como a questio nio reside,
creio, na maior ou menor visibilidade do -n6mico em diferentes reirimes aociaia.
e nem tampouco em descobrir que .. insti.nciaa.. cumprem que _.fun�", os
trabltlhos de Godelier acerca desta temática (e inclusive parte de maa criticas
a Polan:yi) nio me parecem, em absoluto, convincentes. Nio Ileria poaafvel
Ingressar aqui nesta polêmica - até mesmo porque e■ crlt,!caa teriam de ser
dirigidas sl! eliminarmente l tendência amplamente difundidR,l\t;.a converter pro-
blemas o · Kicos em paeudOQ1Jestões de método. Critiqu of He11ef• PlailoaoJ)ll11
of Rig · peciabnente p. 80. Karl PolllllJ'i, Pn'mitiv• Ardi.ai<: a"4 llodena
Eeoaomi- eção de ensaio■ oriianisada por George Dalton, Booton 1971:
Mauriee : lier. Racionalidad ir ,,.,.,.ciOlllllidad .,. la Ee-ia, Mwco 1967,
p. !63-2 .-_-_., "Une Antropologie F.c:onomique Est-elle poalbleT', ln U• DOIIIGit1e
Co«taté: .-_ A•tropologie Econ�. Paris 1974: Fernudo Henrique Cardoao,
Althusserii'Ai�o ou Marxismo� .-1. propósito do eoncelto de cluaes em Poulantzu:
Comentário,. Eatudo• CEBRAP. 11. ;S.

84
destinadas ao mercado europeu. Aos interesses mercantis ca­
beria não apenas assegurar o mercado externo, como finan­
ciar a implantação das unidades produtoras, e garantir o
aprovisionamento de escravos. Sumariando as característi­
cas daí provenientes, diria Caio Prado : ca colonização dos
Trópicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial, ...
destinada a explorar os recursos naturais de um território
virgem em proveito do comércio europeu». Ao que acrescen­
ta enfático : «Se vamos à essência da nossa formação, vere­
mos que na realidade nos constituímos para fornecer . . . o
comércio europeu. Nada mais que isto. É com tal objetivo
exterior, voltado para fora do país e sem atenção a consi­
derações que não fossem o interesse daquele comércio, que
se organizarão a sociedade e a economia brasileiras. Tudo
se disporá naquele sentido: a estrutura bem' como as ativi-
dades .do país>. •s �:.;:-
Fernando Novais, que adota e radicaliza esta perspectiva
crê que as relações coloniais podem «ser apreendidas em is
níveis : primeiro, na extensa legislação ultramarina... ; � se­
gundo, no movimento concreto de circulação> . . . O destaque
atribuído às normas legais se justificaria, antes de mais nada,
pelo fato de elas «cristalizarem os objetivos da empresa co­
lonizadora>. . . «ignorar aquele _projem. básico, que por vários'
séculos informou a política ultramarina das nações euro­
péias>, seria «desconhecer os mecanismos profundos do pro­
cesso e ficar na superfície dos eventos ...> já que a chistó-
�� da colonização moderna se processou segundo aquele de- •
�rato fundamental>.
16 .

A meados do século XV encontrava-se já, plenamente esta­


belecida, em diversos pontos da bacia Mediterrânea, uma
nova: forma de organização produtiva, caracterizada pela pro­
dução em massa de artigos destinados ao mercado externo.
A nova forma de organização produtiva encontrava-se então
limitada basicamente ao açúcar, onde tanto a escala de pro­
dução, quanto as técnicas empregadas mostravam-se indis- 2
cutiv�lmente excepcionais. Assim, segundo�m relato datado
de tjj}), «Não se pode descrever a abundância e a excelência
cJfl..l!Prado Fo,-gclo lo Bnuil Contnnponl•eo, Cal6toia, BruiliO!nM, Sio
!'..,, 1963,A. p.Novais.
15. Jr..
25-26. s·,
66.. F.ndo Portt.oal e BroaiZ t111 Criae do .
A11ti110 •••nll4 Calo1tiol
(1777-ISOS), Hucitec, 1979, p, 58-80.

85
do açúcar de Chipre. O patiicio Frederico Cornaro de Ve­
neza tem uma grande propriedade, Episcopio perto de Li­
misso, onde se fabrica tanto açúcar, que julgo com ele se
poderia abastecer o mundo: o açúcar melhor vai para Ve­
neza onde as vendas aumentam cada ano. . .. os indivíduos,
i / quase quatrocentos, se distribuem em suas tarefas, uns aqui,
: : outros ali; há tanta aparelhagem, que me julguei em outro
mundo, e caldeiras tão grandes, que ninguém me tomari�
/ a sério, se as descrevesse. Aos sábados faz-se o pagame�t�l
!
: ' do pessoal». 67 _j
À época em que o viajante italiano fazia o seu relato, a
produção do açúcar em ampla escala começava a espalhar­
se pela orla do Atlântico. Nesta passagem, umas poucas mu­
danças técnicas seriam registradas. Além delas, no entanto,
uma transformação de grande alcance iria verificar-se-:. a
introdução em massa de trabalhadores cativos. 68 Admitamos,
pois, desde logo ( e isto foi diversas vezes salientado) que
não foi o mesmo contexto histórico que produziu a grande
�anufatura açucareira e o moderno trabalho escravo: os ca­
! tivos eram extraídos de formações sociais diversas e levados
\ a um casamento forçad�, �om u�a •o�ganização produtiva
· em tudo e por tudo alheia a sua historia.
- Concentremo-nos, por � momen_to,_ �obre alguns traços
-em-tad por todo alhcla a sua_ lusto,l'Hr.
�D<.,a.,v,.. � 0
escon a os C!J'.>?
pequenos
�'- ensaios,
� � setn 'maior'
• � re�
evancia� ci..his-
.. A •

tórica, os engenhos que se multiplicam no Brasil na segunda


metade do século produziam açúcar segundo as condições téc­
nicas imperantes à época. 69 Sem entrar em detalhes, digamos
apenas que eles deviam, de preferência, ser movidos a
água, e que não era recomendável produzir menos de 3.000
arrobas de açúcar por engenho. Deviam dispor de amplas
67. Edmund Von Lippmann, Hütória tio Açúcar, Rio de Janeiro 1941, tomo J. p. 386.
68. Charles Verlinden, ao afirmar a continuidade das práticas coloniais do Mediterrâneo
à Madeira e ao Novo Mundo. parece incorrer em grandes exageros. Há indlcioa
de que a produção açucareira destinada aos mercados europeus foi desenvolvida.
no fundamental (no Egito, na Sicília e no sul. da Espanha), sem (ou pratica­
mente sem) o uso de escravos,� que seriam empregados em massa, pela primeira_
vez, na ilha de São Tom,;,:::.� fins do lléculo XV. Dentre os trahalhoa de ··
Verlinden, os que despertarji'l·Jilaior interesse para o eatudo do reirim,e colonial
encontram-se em The Bl!gif,,.{'1!11$ of Moden1 Colonizati011, Charles Verlinden,
ITHACA, 1970. Veja-se Gioffeii Rebora. "Un Jmpreza Zuccheriera dei Cinque­
cento", in A11fl<lli di Storiti�.-.,..ica e Social,,. Nápoles 1968; José Péres Vida!.
La C1dt1&ra de 1G C11,'la de Afiit0r .,. 11! Lft.a11te EaJ)Bilol, Madri, Inetituto Miguel
Cervantes, 1973, e Guillermo -;Camacho y Pérea Galdós. "El Cultivo de la Caiia d e
A:i:úcar e la Industria A:i:ucarera e n Gran Canaria (1510-1536)" , l n ..tt111C1rio da
,1 Est·udioa .'ltld11tic011, VII, 1961.
69. Tidaa em conta. naturalmenu. �rtlls peculiaridades do meio ambiente aqui
/ encontr1Ulo. Gabriel Soares. Tratl&d D�critivo do Brami, São Paulo, p. 165-166.
�-

·\ i \ e 86
instalações, mecanismos de prensagem, apetrechos para o tra­
tamento da calda e clarificação do produto (pai-a o que eram
mandados vir «mestres» das ilhas atlânticas). Tudo isto, evi­
dentemente, sofre desgaste, devendo ser reposto e reparado,
a cada safra, e segundo determinadas normas técnicas. Os
trabalhos do campo, por sua vez, exigiam a utilização de
grandes turmas de escravos, aos quais caberia suprir o enge­
nho de cana e lenha em quantidades ditadas (respeitadas
as restrições impostas pelo calendário agrícola)�pela capa- >;:­
cidade das instalações e, claro, pelo ritmo em que se desen-
volviam os trabalhos de processamento. 7º
Evidentemente, havia ainda a necessidade de adquirir
escravos e de providenciar certos itens do seu consumo. Tudo
isto requer, além de um complexo trabalho de administração,
um determinado nível de receita, proveniente da venda _!do
açúcar e complementado, em maior ou menor mediàa, J)ót
diferentes modalidades de crédito. Insinua-se aqui um quaàro
profundamente diverso daquele estudado por Witold Kula e
referido às grandes fazendas polonesas exportadoras de ce­
reais. Neste último caso, a grande unidade exportadora
(como a pequena economia camponesa) não conhece ca pos­
sibilidade de «quebra> no sentido estritamente econômico do
termo, ou seja, um estado de insolvência devido a um erro
de cálculo econômico ou a mudanças em elementos deste últi­
mo. Se alguma fazenda ou exploração camponesa chega
arruinar-se nesta época (que se estende até fins do século �
XVIII) , a causa fundamental reside na esfera dos fenômenos
não-econômicos>. 71
O anterior pretende deixar claro que o engenho não pode
ser governado pela «vontade> (e os caprichos) do senhor. \\
Os que assim o foram terão sucumbido sob o peso das obri­
gações não cumpridas - e a impressão que se tem é que,
por estas e por outras razões, os engenhos trocavam de \
dono com relativa freqüência. 72 Numa palavra, uma vez cons­
tituído, o engenho se antr..9�orfiza e passa a determin8;1"
as ações do proprietário. Não e por outra razão que An�oml
:f,a -.�
70. Antônio Barros de ·• Oe TrabaU.O. do Açtleor " • Politi<G doa Snltoru.
Te... de Doutoramenti/j,ltrsão revista. a ser publicada.
'11. Witold ltula. Teoria '-��CG do Siat.,,,.. Fndal, México 197,, P, 2%7-l28
(parintesia lntrodmidJi.til!lr A.B.C.). .
72. Rae Jean Deli Flo�'.,:lfaA.ia Socàff11 ia tA• Mid..Coloftilll Pn,od: Tb S
Plaalera. Tobaeco Groow-_a. M....-"4ata au ArtiaM of Salt111dor •• �• R•.::::•
Teoe dr Doutoramento; Universidade do Tuu, 1978.

87
abre a sua obra clássica, relacionando tudo aquilo que um
engenho quer: «Querem as fornalhas, que por sete ou oito
meses ardem de dia e de noite, muita lenha ... » «Querem os
canaviais ... » «Quer a fábrica de açúcar ... » ;.
Diante do que precede, que dizer do «sentido da coloniza­
ção», definido, seja por mercadores, seja pela política colo­
. nial? A serem válidas estas colocações, a vida material da
colônia seria algo amorfo, uma matéria sem consistência pró-
. pria, indefinidamente plasmada e replasmada em função de
interesses externos. 74 Mas esta concepção parece ser funda­
mentalmente equivocada. A produção em massa de mercado­
rias cria raízes no Novo Mundo, objetivando-se sob a forma
de um complexo aparato produtivo. O «objetivo» maior desta
realidade , ;- o seu «sentido» se se quiser - lhe é agora
..:,i
fTnerenteJ:;r.itender as suas múltiplas necessidades, garantir a
/ '. sua reprodução. Em tais condições o comércio é estrutural-
mente recolocado e os interesses mercantis - bem como os
da Coroa - terão necessariamente que ter em conta as de-
terminações que se estabelecem _.aQ_JlÍVeLda ___pr9g_u�9.__ Em
outras palavras, a forma pela qual os interesses externos
atuam sobre a colônia passa a depender «primeiramente da
sua solidez e da sua estrutura interna». 75 O «projeto» co-
,': lonial e/ou mercantilista subsiste, sem dúvida; o seu raio
de incidência - especialmente em conjunturas adversas -
fica no entanto severamente limitado pelo surgimento na co­
lônia de uma estrutura sócio-econômica, com seus elementos
de rigidez, suas regularidades, seus interesses e, por últi-
,1

73. João Antônio Andreoni. Cultura • Opvlê!ICÍG do Bnuil, edição A. P. Canabrava.


São Paulo 1966, p. 140.
74. Observe-se que, para efeitos da interpretação da estrutura econômico-eocial da
'
colônia. o fato de que em Novais o "sentido 6Jtimo" é dado pela "aceleração
da acumulação primitiva de capitais" (Novais, ob. c:if., p. 97), e Dio peloa
interesses do comércio europeu (como em Caio Prado), em pouco ou nada oe O
diferencia. A BUbstituiçio do "objetivo" pelo ..aignüicado" apenas nita (ou
melhor, oculta) a teleologia patente em Caio Prado. Jacob Gorender uainaJa.

ultra,.1·
com razão, que ..Formação Econômica do Brasil Colônia" de Caio Prado conatitui
um verdadeiro "salto qualitativo'º... "no caminho do conhecimento do arcabouço
econômico-social" da colônia: ao que acre!!centa, "porém a6 na medida em que
o permitia o mirante onde se colocava o pesquisador - a perspectiva do
comércio exterior" (Jacob Gorende;, ob. cit.,· :,,. 17). O juizo de Gorender
merece um reparo. No correr da ·"própria obr'ií,"..ÂJn questão, Caio Prado
passa, repetidas vezes, a "perspectiva do com�• exterior", Mm o que, aliáa.
dificilmente poderia ter avançado o ••conhecime"'°'i.<i o arcabouço econ�ial..
da colônia. A postura de Caio Prado parece aim�_i�vel - no sentido apontado
por Gorender - quando o autor trata de c�'!r•zar o periodo oo!onial (ou
estabelecer o ,eu "balanço"), através de jul,..,.. <·Ue limitados quanto mativoa,
especialmente no capitulo pr:111eiro. e às p. 1%2443:
75. O Capital, tomo III, p. 321.

88
mo, mas também . importante, pelos conflitos que lhe são
' •
propnos ... 76
O que precede tem profundas implicações, que não serão
aqui exploradas. Não seria demais, contudo, indicar, através
de um episódio histórico ocorrido na segunda metade do
século XVII, o quanto a coroa portuguesa conhecia e tinha
em conta os problemas colocados pela preservação da estru­
tura produtiva escravista açucareira.
Diante das dificuldades trazidas pela relativa carestia do
açúcar brasileiro - num contexto em que cresce a cada dia
a oferta procedente do Caribe 77 - decide Sua Majestade li­
mitar o preço do açúcar, no ano de 1688. «Fui Servido re­
solver com os do Meu Conselho do Estado do Brazil, tivessem
os ·açúcares tal moderação no preço,"que não sendo de pre­
jufao para os Senhores de Engenho,"'-pudesse também ser
útil para os compradores em ordem a poderem ter melhor
saída e aumentar-se o comércio ... > Para tanto o açúcar fino
da Bahia deveria ter o preço de «até 950 réis ... > Ao que
se acrescenta: «E porque também desejo mostrar aos lavra­
dores do Estado do Brasil que no mesmo tempo em que lhe
mando limitar os preços aos seus açúcares, com especial cui­
dado e providência atendo aos seus interesses. . . Dou for­
ma para que os gastos dos Engenhos não possam crescer,
pondo-se preço certo os gêneros de que se fornecem ... >
76. Aa pro�ições acima t.êm mais sentido e propriedade no caso do açúcar, mas
não dei%am de ter validade, admitidas certas qualificações. no caso de outras
atividades coloniais. Contrariamente o capital mercantil português e a politica
colonial lusitana eram capazes de moldar, segundo os aeus interesses e designioo,
o ocorrido em determinada& atividades. Este seria o caao, por exemplo, do co­
mércio do ui. Veja-oe, a respeito, Myriam Ellis. O Monop6lio tio Sal wo E•tado
do Bruil (1631-1801), São Paulo 1956. Conviria a propósito relembrar, ainda
que de pasaagem, o predomlnio, a ririoa t{tuloa, da economia açucareira no
perlodo colonial. De acordo com Jlanricio Goulart. "Seriam. na nossa estimativa.
66 ou 70% de escravaria impottada destinando-ae aos engenhos: e a restante,
150 ou ZOO mil negros, aplicada em oUU'OII mi.tera.•• " O autor refere-se aqui
unicamente ao aéculo XVIL A Éamu11idão Afrieana. 110 a,....;1, dlu Orignu •
E•trsaolnl do Tnifi,:o, São Paulo, 1975, p. 123. Para uma apreciação maia ampla
da qneotão, veja-se o capitulo V da Hiat6ri4 EconcSmica, de Roberto Simonsen.
Veja--. também, a critica contundente de Gorender a toda uma pma de
autores que parecem erer que "a .finalidade deliberada do colonizador pujrue
'
estabelecer o modelo estrutural e clinâmieo" •.• ; para os quais "A funçao
determinante, o sistema (ou,,piodo) de PrJ!!i.ução ê derivado". O comentl.rio ourire
n
referido a um trabalho de Florestan FernAPdes. mas o seu alcance ê seguramr te
de
muito maior. Gorender, ob. cit., p, �,t'·Veja-se, ainda. Antônio Barro•
rnvl
Castro. uAs mãoa e os pés do Senho�$ Engenho. Dinâmica do � "':
UNICAMP, 19,li, on
�lonial", Conferência tobre Históri:" e .·�l,cias Socinls,
:,;_if,&:�
1ao augeridas alitumas das Idéias acima.
77. João Peixoto Vieps "Parecer e Tratada felto 110bre oa exces51v ,
_. o
"•
;:;'�!'.:.q;::
calram 110bre as lav�uras do Brasil arrufhatido o comércio d"st"
Biblio(�aa NaciOJIGI do Rio de Jattrira. •vol. 20, p. 213 e 22�.

89
1
Segue-se o tabelamento do preço do breu, do cobre, do ferro
e do pano. 78 ,,----

Esta, como muitas outras tentativas de controle de preços


no setor açucareiro, viria no entanto a falhar. Antes de
passados dois anos da decisão anterior, determinaria Sua
Majestade: «Hei por bem que a Lei não tenha efeito nem
vigor na parte que respeita aos preços dos açúcares e dos
quatro gêneros com que se lhe fornecem os Engenhos, por- 1
que assim uns como outros se venderão livremente a avença /
N!_as partes». 79 Compreende-se: a economia do açúcar, prenhe/
\ de determinações econômicas - que arrancam, da esfera
'j,
mesmo da produção - e sujeita a intensa competição inter-
nacional, não poderia ser governada por «legislação>. 80

78. Balthuar da Silva Lisboa. An114u ,da Rio de Janeiro, tomo V, p, 37.
79. Balthuar da Silva Liaboa, An,u:sa.do Rio ,ú Janeiro, tomo V, p. 47-48. Avença:
"Pacto, convenção, ajuate de IUgUIJJ· _,preço", _Antônio de Moraes Silva. Dicionário
da Lingua Portuguesa, Lisboa 181:f
80. Não noa deteremos, aqui, na importante questão dos preços do açúcar e aeus
determinantes. Caberia advertir, no entanto. que numerosos equívocos � aido
propalados a esse respeito. Dentre ele,, alguns se encontram no já referido
trabalho de Fernando Novais. De acordo com este autor, o fato de que o preço
do açúcar de 1570 a 1610 tenha (supostamente) se mantido na Col6nia a
800 réis a arroba. enquanto apresentava "notável elevação" em Lisboa. refletiria
o enquadramento da economia açucareira. a partir de um decreto datado de
1571, "nu linhas de força do sistema colonial; os preçoa robem pouco na
colônia. a elevação , acentua.da na metrópole, isto é, geram-se lucros excedentes
11
- lucros monopolistas - que ,e acumulam entre os empresários metropolitanos"
(ob. eit., p. 79-80). O primeiro reparo a fazer aqui refere-se à pobre s&ie
de preços utilizada (constante de uma obra de Frederic Mauro), a qual abso-
lutamente não fundamenta aquilo que Novais afirma. Basta observar que, de
1682 em diante, são ali fornecidas apenas duas cotações para o açúcar em
Lisboa. Uma caminha no sentido apontado por Novais, a outra em direção
oposta. Com efeito, tomando como referência a 1egunda cotação apresentada
(referente ao ano de 1614), vê-se que os preços do açúcar se teriam elftlado
no Brasil, e caido em Lisboa. Haveria, por outro lado, que rever a caracterização
feita do regime de comércio vigente no periodo. A "exclusividade doa navios
portugueses" não foi - e nem poderia ser, como demonstrou Sluiter - Imposta
pelo decreto de 1571. Na realidade, o comércio holandês no Braail Ooreacia a
fins do século XVI, e continuou crescendo nos primeiros anos do aéc:ulo XVII,
para atingir o seu auge durante a "trégua dos doze anos", terminada em l&Zl.
De acordo com Sluiter (e com a concordância de C. R. Boxer), no periodo da
trégua, "da metade a dois terços do comércio de transporte do Brasil estiveram
sub rosa, em mãos holandesas". Por f"1m, e esta é uma questão de crucial impor­
tância, Novais, que admite que os preços doa "produtos coloniais" Ileriam estabe­
lecidos "tendencialmente ao nivel doa custo,, de produção" (ob. cU., p. 89), nio
se dá conta de que u restrições impostas ao comúcio da colônia (durante o
longo período da vigência do "exclusivo") nio poderiam por ai IIÓ■ determinar
o surgimento de "lucros excedentes", apropriados pelo com,rcio metropolitano.
Este aeria. o caso, unicamente, -ae as restrições aqui lmpostaa provocuaem
escasses no mercado europeu (de maneira similar, clicamos, ao ocorrido com o
cravo e a nos-moscada), ou se a produção brasileira ae fisesae a euatoa marca­
damente inferiores aos padrões internacionais. Tal não aendo (notoriamente) o
caso. a categoria "lucro excedente" empreitada p elo autor - e intimamente
relacionada com a sua concepç_ão do· sistema colonial - carece de fundamento.
F. Novais, Portiioal • Brruil. ,. e "O Brasil nos Qua.droa do Antigo Sistema
Colonial", ln Braail ""' P_ti,,.., coletânea organizada ilór Carlos Gui�rme
Mota. São Paulo 1971, p. 51�2. E. Sluiter, "Oa Holandeaea no Braail aàté!l,;.de
1610", ln Rmsta do Mll:lftl do Aç,icar, 1968, n. 1, p. 76-81. Sobre o ü4'rcio
de especiarias. o controle de preços. e os e.,:cepcionais lucros a11im obtid<lift: 11'rr,
por e.umplo, o ensaio de V. Magalhães Godinho, intitulado "Produtos-Cb-1,na
Formn,;ão da Economia Mercantilista: As Especiarias", l n Emaâos. tomo ,-1;·· p.
2Sls. A distinção entre o comércio de "especiuiu", onde !!e lograva. em prhiéipio,
mamter a oferta restringida, e o "novo modelo colonial" que caraeteriaa o li4Úl"t\1',

90
Até este ponto foram ressaltadas unicamente as determi­
nações que se manifestam ( e devem ser atendidas), ao nível
mesmo das unidades produtoras. Existe no entanto uma
outra ordem de questões deixada de lado até o presente.
Refiro-me às condições do mercado externo; ao aprovisio­
namento de mão-de-obra; a problemas fiscais, monetários,
etc. Em todas estas frentes podem surgir dificuldades que
venham a comprometer a situação econômico-financeira dos
produtores, e que não podem, em princípio, ser contornadas
por medidas tomadas no âmbito das unidades produtoras.
Na busca de soluções para estes problemas, as camadas
proprietárias lançariam mão de todas as instituições ao seu
alcance, -chegando mesmo, em certos casos, a infiltrar-se nos
centros de poder metropolitanos para, a partir deles, advogái- :
seus interesses. Seus objetivos imediatos variavam, natural- i
mente, com as circunst�ncias : garantia de reserva de mer- !
cado, suprimento de catiws,
� �- - favores
. '
fiscais, etc..
---!
Um dos exemplos mais notáveis de militância - indiscuti­
velmente bem sucedida - por parte dos proprietários de
engenhos, veio a ser registrado no caso das colônias açuca­
reiras britânicas. 81 Na grande colônia lusitana, porém, os in­
teresses do açúcar não tiveram - e não poderiam mesmo ter
tido - a influência e o poder alcançados pelos seus rivais
britânicos: o mercado metropolitano português pouco signifi­
cava para os produtores brasileiros, e os demais mercados
encontravam-se absolutamente fora do seu alcance político
( e, em determinados casos, sob a influência direta de outros
produtores coloniais) . Desta forma, o desequilíbrio que ca­
racteriza as relações coloniais luso-brasileiras - onde a co­
lônia cada vez mais se avantaja sobre a metrópole - limita,
de saída, o raio de ação dos interesses aqui sediados. Pri-
consta de E. J. Hobabawn. ""fhe Seventeenth Century ln the Development of
Capitalism"", reeditado por E. Genoveae, em 7'Ae SIAN Ecqaq,nia, voL L. 197S.
p. 154-155. Finalmente, quanto a.oa mecanismos de determinação doa preços na
Colônia existe. publicada. ampla cklc:umentação que espera a ves de aer analiada
e interpretada. Ref°ll'O-me la numeroaaa referências ao tema que podem aer
encontradas em div� volumes da série DOC11me,ttos Hiatómoa, noa A.aia •
Bibliouca. NuciOftal, nos DocumC11toa Hiatóricoa do Arquivo Mu11icipal, série Ata
da CõmarCJ, Salvador, Bahia. nos Me111uac:ritoa tlo Arquivo da CtuG " C•­
Rup«itGntu ao Bl'IUil, e�. José Honório Rodrigues, em pequenos arlilloa p�ll­
cados na RBVÍ4tG BNJBil 4çuee1niro, doa anos de 194JL a 45, levantou várias
pistas interessantes aeerca do temL -· .
. :-.•,.
81. Veja-se Richard S. Dunn, Su11Gr a,.,I SIGva, TA• _Ria• of �• Pla,.�;j!i""'." ..
! C
tlt.8 E>&glish. W�_.t. lftdiea, l� ,-17!�• North . � hna. 1972. Tra l� )
�or · �=
úi
em passagens rl.ás1ncas de Erac Walhama, Ce1P1toli.,,. ..,.,1 s1a.,..,,,
1944.

91
vados da possibilidade, sequer, de reservar para si um grande
mercado metropolitano, os produtores brasileiros estavam
condenados a enfrentar situações particularmente difíceis,
durante os períodos de saturação e/ou depressão do mercado
internacional. 82 Este terá sido, com certeza, um dos fatores
determinantes do elevado grau de diversificação da atividade
econômica dos senhores, especialmente no longo e tormen­
toso período que se inaugura por volta de 1670. De acordo
,, com Flory, «pelo menos três quartos dos senhores de engê-1
nho na mostra de oitenta, bem como numerosos proprietários !
de engenho não incluídos no grupo, investiram em algo mais !
\. além do plantio da cana e a produção de açúcar». 83 --�

Que nos dizem as características que acabamos de assinalar,


acerca da natureza destas organizações produtivas?
O processo de trabalho num engenho escravista do século
XVI é similar ao de uma grande lavoura =:·(plantation) capi­
talista contemporânea. Além disto, mahf ''se assemelha ao
processo de trabalho numa grande fábrica inglesa do início
do século XIX, que o (processo de trabalho) característico
dos séculos XVI e XVII na Europa. 84 Conseqüentemente, é
\ lícito afirmar que, inserido no processo de produção mate-
� \ rial, o escravo
constitui uma antecipação do moderno pro-
]]letário.
Por outro lado, o senhor do engenho encontra
,;_ absorvido numa engrenagem que determina o seu comporta- �D
mento, em fu�ção de «necessidades� que nada tê_m a ver com
_
'0 as suas propnas vontades e necessidades pessoais.
çt1 /

Estas características indicam, em suma, que o moderno


escravismo tem importantes traços em comum com o capi­
talismo e, mais, que estas características pertencem à sua
82. A militância dos aenhores, patente ao nlvel das CAmaras - que deliberam
raro. abusivamente. acerca de cotações. imp0sto1, emiasões extraordinária& �
numerário "batido'" na colônia,, etc. - teri certamente atinirido outras lnat&nci
ds administração colonial Um eaao (indubitavelmente excepcional) de lnfluênc
direta sobre o próprio Conaelho Ultramarino f o de Salvador de 8'. C.
Boxer. Salt>ador tu1 Sd • • L1da JN!o Bnuil • Angola, 1602-1686, p. 2Z9ss.
Formas mais sutis de veiculação dos intere.aes dos proprietários rurais decorriam,
por exemplo, do envolvimento, da magistratura residente na col6nla, noa inte­
resses dos grandes proprie� ruraia. Stuart Schwartz, B1<r0C1"0Cia • S�
110 Bnuil Colmtial, São Paulo 1979, eap. 8. Sobre as CAmaras Kuniclpala, aua
importância e instrumentalidade para a defesa dos interesaea das camada& pro­
prietárias, veja-se .João Francisco Lisboa. Cr611iea do Braail Colottial, Aponta­
mento., para e& Hist6ric& do Marunhdo. Petrópolis -1976: Affonao R-ay. Hút6ria
Cchnara M1&1tic:ipcsl d.e& Cidade do SalNdor, 196-Y: C. R. Boxer, PortMow- ,.,
_;_,
� oei"tll it1 tAe Trqpica, 1965. especialmente cap. III, e Ata. da C4-N M•wic:ipal ·
"" ·_.Salvador, ob. cit.
83.;lJóry. ob. c:it.• p. 112. A pequisa mencionada refere-se a Salvador e o RecõncaTO,
��o.período 1680-1725.
84. 't� Unwin, bchiatric&l Orga11uati011 ;,. IÕ 111tA aq 1111' Cnttu-ia, Lonclns
l.972. especialmente capituloa I e UI.

92
conformação interior. Não é, pois, necessano recorrer às co­
nexões «externas:. - e muito menos a um simples «critério
de mercado» - para deixar assinaladas as fortes similitu­
des existentes entre o moderno escravismo e o capitalismo ss
- proximidade esta que pode ainda ser realçada, ao lembrar­
mos que a organização produtiva aqui focalizada surge asso­
ciada aos primórdios do capitalismo, cresce e se multiplica
acoplada a ele. 86
Dispomos agora de elementos para indicar o que nos pa-
rece ser a diferença específica do moderno escravismo. Nele,

\=
� senhores estão submetidos a uma engrenagem �9nômiGa
o que os diferencia, essencialmente, dos senhores de escra-
1 vos do mundo antigo.
87 Mas esta engrenagem se interrompe

'"nos senhores. No capitalismo, uma vez constituído o prole-


tariado, a _pressão surda das co:qdiçõe& _ �conômica_s_�ela__o_
poder de mando do capitalismo sobre &'"trabalhador. 8� Carac­
teristicameiife, no entanto, no escravjsmo _ moden10 - onde
o escravo atua, cportas adentro>, como um proletário - não
há em princípio mecanismos sócio-econômicos a determinar
o seu comportamento. No capitalismo, mais uma vez, cos
agentes principais (do) deste sistema de produção, o capi­
tal e o operário assaJ,ariado, não são, como tais, mais que
encarnações, personificações do capital e do trabalho assala­
riado, determinados caracteres sociais que o processo social
de produção imprime nos indivíduos ... > 89 fazendo com �,
a história do proletariado tenda a correr pelos trilhos da '
história do capital. No escravismo aqui estudado, no entanto,-----­
um pelo menos dos cagentes principais> não tem o seu ca�\
rãter social efetivamente moldado pelo regime de produção
e, conseqüentemente, não pode ser considerado como a encar-
--
115. J. Gorender parece crer que todo aquele qoe apontar traços de capitalismo, ali
onde este não exista na BWL plenitude (definida uta pelo império do trab&lbo
--.riado), repete oe equlvoeoa do malfadado Mommsen, e merece oa mesmo&
puxões de orelha que este recelM!o de Marx (O Capital. voL I. p. 121, e vol. llL
p. 7%9). Diaeordo f"mnemente deste proeedimento, acreditando que na - nús
a:iata um abWIO do eonceito de uforma'', o qual permite daeartar, eomo analotria
'"apenas formal", qualquer traço em eomam entre formações aociaia que ae
diatinpm por •- relação de produção búiea. O preço a papr por este aparente
rigor 6, a meu Ter, a aimplificação brutal da realidade hist6riea, em beneficio
da taJtonomia e em prejulzo da própria história. Gorender, ob. eit., p. SOi •
40fM07.
86. K. llarx, TAeoriu of Sv1'J)lu Valve, Londres 1969, tomo Il. p. 302-303.
-i1_7. Observe-ee que ca eaaos de '"plantatlon" no mundo antill'O, tão realçadoa .�
Weber, eonatitulram na realidade exceções localizadas e, ao que parece, ma -
vamente diminuta&. Keith Hopklna, '"Slavery in ClaHieal Antiguity", ln Caú
aq Raee: Comparutive A7J1)roaeA.., Londres 1967; Perry Anderaon, P_,,..
.-- fr,,. ARtigvitw to Fftdalint, Londres 197', parte I.
,.jl8. O Capilial, tomo I, p. C27.
; 89. O Capital, tomo IIT. p. 812 hrrifo A.B.C.).

93
nação de uma catego1·ia econômico-social - o que necessa­
riamente repercute sob1·e o papel e a natureza social dos
senhores. Os escravos são fundamentalmente «cativos» e se .
ajustam (bem ou mal) ao aparelho de produção de que tra- \..
tamos, por uma combinação mais ou menos eficaz de vio- Ji.
lência, agrados, persuasão, etc. Paradoxalmente, portanto, /
os escravos, que a tradição juridicista teima em chamar de i
«coisa», impossibilitam a reificação das relações sociais 90 - '
com o que fica definitivamente prejudicada qualquer tenta- 1
tiva no sentido de «descobrir a lei econômica que preside o
movimento» deste regime social. :.

Sobre a Presença Histórica dos Escravos:


Sugestões e Indagações

O objetivo primeiro dos senhores, no que diz respeito �&


seus escravos, é a extração de trabalho, na quantidade, espe­
cificação, e intensidade, determinadas--1>elo _ J\P_�r�!!io produ­
tivo de sua propriedade, respeitadas, naturalmente�erlãs
· normas referentes ao «desgaste> do escravo. Os escravos, de
sua parte, antes subjugados que integrados ao regime de pro­
dução que os explora, a ele resistem das mais variadas ma­
neiras. Este vago e elementar impulso no sentido de negar a
situação que os oprime não aponta, porém, em direção:::J pre:­
determinada, e pode tanto exaurir-se em pequenos gestos,
como eclodir sob a forma de rebelião.
Como se faz sentir, sobre a economia e a sociedade fun­
dadas sobre o braço escravo, o fato de que a escravidão
implica o uso da força, e contém no seu âmago o gérmen
da rebelião?
Para a grande maioria dos autores, isto parece não ter
relevância alguma - pelo menos ao nível de análise em que
eles se situam. Este parece ser o caso de Caio Prado, para
quem os escravos não deixariam de ser o «:recurso de oc�
_s_iã�, o expediente histórico de que se valeram os primeiros�
colonos. 91 Uma posição semelhante é adotada por Fernando r
� -�
. .

90. Testemunho a um �; •..upo agudo e desconcertante desta realidade noa foi


deixado pelo escravo -�rick Douglas: "Dê-lhe (ao eacravo) um mau aenhor. e
ele aspira a um bonv;._,enhor; dê-lhe um bom aenhor, e ele quer tornar-ae aeu
próprio dono". F. �aa. M)b Bondaae and my Freedom", citado em n.
p.,,,../iar l,utitiatiow, JQto� Stampp Vintap Booka, Non Iorque 1965, p. 89,
91. Caio Prado, ob. eit., 1\., 268,

94
Henrique Cardoso, para qNem os escravos ( e não apenas
eles), seriam «testemunhos mudos de uma história para a
qual não existem senão como uma espécie de instrumento
passivo». Para este autor, os gestos pessoais de rebeldia, bem
como as rebeliões, por não criarem «saídas estruturalmente
viáveis», estão condenados a permaneceri1 nos desvãos da
história». 92
Os autores que compartilham esta posição parecem crer que
a rebeldia do escravo, manifestando-se ao mvel individual,
seria abafada, in loco, direta e pessoalmente, de tal maneira,
que a chamada coerção extra-econômica, efetivamente, começa
e termina com o chicote, sem deixar marcas no regime
econômico-social. Quanto às rebeliões, quando, raramente,
bem sucedidas ( e isto, possivelmente, apenas por algum tem­
po) , não criariam as bases de uma nova história, podendo
assim ser deixadas de lado. 93 Os escravos existiriam, em
suma, apenas como fonte de energia - «instrumentos vo­
cais> - integrando-se ao regime de produção, como uma
quantidade social nula. 94 A sua presença só se faria sent!!_
92. Fernando H. CardOIIO. '"Classes Sociais e História: Considerações Metodol6irieu".
in A•toritariamo • D�, Rio 1975, p. 112. A negação da preaença
histórica do escravo chegaria talvez ao seu limite em Fernando Novais. para
quem: "o escravo. por iaao mesmo que escravo. há que manter-se em níveis
culturais infra-humanoe. para que não IN! desperte a 11U& condição humana -
isto é parte indispenú.vel da dominação esc:ravista", ob. cit., p. 108. Como
obsenou Ciro CardOIIO (obra eitada a aeguir, p. 203), a mais fecunda sugestão
de Erie Williams em Capitalin& au S14.,.... foi, possivelmente. a menos explo­
rada (por ele e por aeua aeguidores). Trata....., da lmportAncia atn'buida ao
eacra-.o eomo força bist6rica. "Eate aspecto do problema das 1ndias Ocidentais
(Williams se refere aqui a uma eerta conjuntura hist6riea) tem sido estuda-­
damente ia'norado, eomo ee os eacravoe. ao ae tornar instrumentos de produção .•. "
deixassem de contar eomo homens (ob. cit.. p. ZOl-202). Não caberia no contexto
deste artigo referir-se à literatura norte-americana acerca da condição do escra•o.
aua personalidade. familia. ete. Esta imensa e variada obra. que culmina. talves.
eom RoU, Jonla-. RoU. de Eugene Genovese e '"The Black FamilY in SlaffTtl
aw,l Frnáow& (1750-1!1!15)", de Herbert Gutman, veio ampliar enormemente o
eonheeimento acerca da aituação do aeravo. Tais trabalhos tendem. no entanto.
a tratar o escravo "em ai" (buscando recuperar uma hist6ria feita Mem pri­
meira pem,oa"'). e/ou no aeu relacionamento (fnndamentahnente enquanto """"'
humanos). eom a· camada senhorial. A questão primordial do ncravo eomo bue
de um alatema produtivo - por ele, em principio. rejeitado e, em maior ou
menor medida. tranaformado -'- fica então submena. ou mesmo. ostensiftlftfllte.
poga de lado. Advirta-ae, a este propóalto, que considero TAe Politieal B�•
of s1a.,..... de Genovese. tudo. menos uma Economia Polltiea da �-..,dlo.
Para um bre..e resumo das tendineias da literatura americana a respeito da
acraTidão. veja-ee: Ciro Cardoso. '"EI Modo de Producci6n Eselavista Colonial
em América"' in Jlodoa tl• ProeNeci611 .,. At11érieo Lati-. Auadouriam. Cardam
e outros. C6;,ioba 1973, e Emllia Viotti da Costa. "Da Eserav!dão ao Tra �
Livn,", in Da Jlo.arqllia à .Rei,tibliCG: M0111...toa Detiait/08, São Paulo 19 '
:
93. Esta PoSição f Involuntariamente ·ratificada por um aênero de relato blstdneo
que fas a �'<ão das rebeliões escravas. mas não consegue _relaeloná-lu coaa
a corrente pri11,_�I da hist6ria - a qual (aupQStamente) aeau1rla o seu euno.
guiada quer �;':"ientido"' quer pela 1611:lca evolutiva de u � determinado moda
de produção. � parece ser o easo, por exemplo, de Rebeliõea da Snu<lla. •
lm_..
Cl6Tis Moura SJ<,··'·Paolo 1959 onde por um lado, ae procura realçar a "°- ,,,.9:'
nôml
t&neia das ...;� por ou� .., �ta um ft!rreo determinismo ee<?•
que se. refere à ��lação da aoeledade (p. 27-28 e 52. quanto a eate 6lt
=
i::.....;
94. Maria Sllvia pa�e· espoaar uta poalção, ao afirmar que "a P'!{tlr
d P"°""""
XV e XVI. quando a ewera..idão aparece auport_ando u� . esti �m! .,.....,..;.
vin.,ulado ao sistema eapilallata. o ncravo surgiu red.,f1n11lo

95
a meados do século XIX, mas já, então, como barreira ou
«entrave» ao desenvolvimento capitalista. 95
A posição anterior parece-nos profundamente questionável.
Antes, porém, de expor os nossos argumentos, gostaríamos de
chamar a atenção para um documento recentemente desco­
berto e divulgado por Stuart Schwartz. 96 Refiro-me ao Tra­
tado de Paz, proposto pelos escravos rebelados do Engenho
Santana de Ilhéus, possivelmente no ano de 1789. O documen­
to, notável a muitos títulos, vem levantar uma ponta do véu
de ignorância que encobre a atuação dos escravos como agen­
tes históricos, capazes de traduzir os seus interesses em rei­
vindicações, e exercer pressões no sentido da transformação
do regime que os oprime. 97
A proposta de paz enuncia, no fundamental, as condições
estipuladas pelos rebeldes, para a cessação das hostilidades,
e o seµ ,,:,retorno aos trabalhos do engenho. Entre estas con­
dições, as mais importantes parecem ser :
- Os escravos teriam a sexta-feira e o sábado para traba­
lhar para si próprios, e isto deveria ser respeitado, mesmo
na ocorrência de dia santo nos demais dias da semana. Para
os cultivos de arroz, os escravos poderiam escolher qualquer
brejo, sem para isto pedir licença. Quanto às ferramentas,
ficariam permanentemente em posse dos escravos;
puramente econômica. assim integrand�se àa 110Ciedades coloniais". O aentido
de ma obra aponta. no entanto, em outra direção. o que pode ser percebido
desde llll primeiras sentenças de seu principal trabalho. O escravo "existiu como
'presença-ausente', mas constante e pesada. no mundo de homens livres que
procurarei reconstituir". Maria Sllvia de Carvalho Franco, Hom.,.. Livra wa
Ordem Eacra11ocnita. 1969, 1 e 11.
95. Muito haveria que dizer sobre o escravismo concebido como barreira ao desen­
volvimento do capitalismo. A questão parece-me, no mínimo. mal formulada.
Sem ingressar neste terreno. llOSlaria contudo de lembrar que. em set111 ""critos
sobre a Guerra Civil Norte-Americana. Marx jamais endossou a tese da destruição
do escravismo em conseqüência de "necessidades" do capitaliano. Quanto à clássica
interpretação dada por E. Williams à (suposta) crise econômica dlUI 1ndias
Ocidentais Britãnicas a fina do século XVIII (que teria tido lnflnfneia decisiva
sobre o movimento abolicionista britãnico), foi reeentemente refutada detalhada­
mente por Drescher. Negada a tese imensamente influente de Willlama, ficam
abertas as portas para uma reinterpretação do abolicionismo, em que argu­
mentos de naturesa politica - como se sugere adiante - terão neeesaariamente
muito maior peso. A tentativa mais articulada- de apresentação de escravi!mo
como entrave ao desenvolvimento do capitalismo encontra-se. erelo. em F. H.
Cardoso, CapitaU-o • Eacnnnàiio, São Paulo 1962, cap. VI. Argumentos seme­
lhantes surgem. por vezes, em Octavio lannl, As M4tiomorfoaea ,lo Eacn,.110.
São Paulo 1962, p. 94 e outras. Veja-se K. Marx e F. Engela. LG Gl&nTG Citlil
"" Los EEUU, Buenos Aires 1973, diversos artigos e S. Dreacher. "'Le 'Déclin'
du-;Systeme Esclavagiste Britanique et L'Abolltlon de la Traité". Annales. E.S.C.,
0
19i'6. ,,.
96. Stuart Schwarts, "'Resistanee and Aceomodat #f1r,dn Eighteenth-Century Brazil:
Tbe Slaves' View of Slavery", in TM Hi�.Jt: Alllffic:a11 Hiatarical Rmew,
fev. de 1917.
97. Observe-se que as propoatas de paz partidas /dói1;. eiscravoa não devem ter sido
rarns como 1e preswne. De acordo com um �& datado de 1686 o Conselho
Ultramarino é advertido de que "two convêm ,':Wiít ae admita a paa com estes,
negros, pois a el<llt' riência tffll mostrado que :ieata prática é twml,l� um mero
engnno ••. " Texto reproduzido em Cló.-is Moura, ob. eit .• p. 200.

96
- no barco que vai a Salvador, haveria um espaco reser­
vado para os escravos remeterem as suas «cargas», -sem pa­
gamento de frete ;
- a carga de trabalho diário seria reduzida, segundo pro­
postas precisas e detalhadas, que discriminam atividade e
sexo;
- os atuais feitores seriam substituídos por outros, escõ:1
lhidos «com a nossa aprovação»; ___!
- finalmente, os escravos poderiam «brincar, folgar e
cantar em todos os tempos», sem que para isto fosse preciso
licença.
Seria ocioso realçar o alcance e a amplitude destas re1vm­
dicações. Importante é perceber que se trata, a rigor, de

l')
uma tentativa de transformação do regime econômico-social
escravista. Com efeito, aceitas as propostas apresentadas, a
escra:i.�idão se descaracterizaria, profundamente. O que os
escravos-rebeldes propõem, em suma, é a instauração de um
novo regime social no qual eles cederiam a maior parte de
seu tempo de trabalho, em troca dos meios de produção de
que necessitam . . . e cuidariam da sua própria existência.
Curiosamente, como observou Stuart Schwartz, os castigos
corporais não são mencionados no documento. Ficava, talvez,
subentendido que eles não teriam razão de ser, na ordem
social proposta pelos escravos.

Não se sabe como e por que meios os escravos do engenho


Santana vieram a ser derrotados, sendo o seu líder encar-
. cerado e a proposta de tratado relegada à paz dos arquivos.
Nos anos que se seguiram, ocorreram numerosos levantes de
escravos, alguns deles de uma importância histórica incompa­
. ravelmente maior que o episódio ocorrido no engenho San­
tana. Nestas investidas, talvez sob a influência dos excitantes
rumores e notícias vindos de outras terras, os rebeldes che­
garam a defender abertamente a destruição da ordem social
vigente, e mesmo, em certos casos, o e.."'Ctermínio da população
branca. 98
98. A�que�tão das revoltas escrava11c. vem ,Íendo tada em numerolUUI obru. Para
efeito do que acima foi sugerido veja-se: o Ruy. A Pri11uJinl R�rdo
Social Brasileira, Rio 1970: Cl6vi11 lloura. o : Roger Balltlde, Lu Rdi1113�-�
AfriCt1oinu av Bréttil. Paria 1960, parte e aos quilombo&. �- 126-1
Carlos Guilherme Mota. Atittule• tle l•<m1c,clo�· Brasil. 178971801. Lõ!:4.,...!�6;.;
eap. ID: Kátia Queirós Mattoeo. PrnnoC'a � no. M...,.,,.ewto nt.lmulftnte
Baiano tl• 1798. Bahia 1969. Airra� a J'oãÓ-�19 a leitura de """ Uno•tta.
Idade
trabalho, ainda não publicado, SlaN RMIOlt lfn • Balaio, 1790.1/US,
de Mlnn""°ta, 1978.
97
Os sucessos que tiveram lugar no antigo engenho dos Je­
suítas em Ilhéus, e o sangrento levante iniciado nas arma­
ções da cidade de Salvador, no ano de 1813, parecem esta­
belecer duas vertentes para a rebeldia escrava. Em ambos
os casos os rebeldes fracassaram. Mas os resultados obtidos
pelos escravos em suas lutas não devem ser julgados pelo
êxito ou fracasso destes conflitos abertos, que, a rigor, mais
revelam do que realizam. Os atos de rebeldia declarada e-l
aberta são como o vapor que escapa ruidosamente da má- :
quina; há que tomá-lo como um índice da pressão existente i
no seu interior. --_J
··' Adaptando-se social, política, e militarmente à convivência'\
· com os «bárbaros» africanos ( com esta «Africa transplan- '
tada para o Brasil>) 99 ; buscando meios e medidas para ate-
nuar a combatividade, ou desviar a agressividade dos escra- /
vos, o regime soda) cedeu a eles - e transformou-se sob ;
·\ o impacto da su�_presença. ,-..:

Importantes aspectos da nossa formação econômico-social


podem ser repensados, a partir da perspectiva que acaba de
ser esboçada. Um pequeno esforço nesta direção será reali­
zado, nas páginas restantes deste artigo.

A primeira questão a ser tratada refere-se a um traço


marcante da organização interna dos engenhos e fazendas
escravistas : os pequenos lotes de terra cedidos aos escravos,
para o cultivo de seus alimentos.
/ A questão não tem, em regra, recebido grande atenção.
; É além disto generalizadamente aceito que as roças dos
/ escravos constituem um recurso utilizado pelos proprietários,
1 para baratear o sustento da escravaria. Recentemente, Go-
\ render e Ciro Cardoso 100 voltariam a sublinhar o interesse
dos senhores, no chamado «sistema do Brasil>. Nas palavras
de Ciro, «Do ponto de vista econômico, a atribuição de uma
parcela, e de tempo para cultivá-la, cumpria uma função bem
definida no quadro do sistema escravista colonial: a de mi­
nimizar o custo de manutenção e reprodução da força de
trabalho>. Este -::¾tutor não se limi�,. porém, � encarar a
99. João Severiano Maciel da Costa. M.in6ri4 Sob,.. • Nu�· cu Abolir •
l1drodvçdo doa E-- Afriea11oe "° Bnuil, Coimbra 1821
100. Gorender, ob. cit., p. 258-267. Ciro Cardoso. "A Breeha C �� ·_ '· no Sistema
Eocravi,ta", ln Agricvlhlra, Eaero'Piddo • Capitalia1t10, Vous 19.;

98
questão «do ponto de vista econômico» - e nisto consiste
possivelmente, o mérito maior do seu trabalho. Assim sendo'
acrescenta logo a seguir: «Para o escravo, a margem de
autonomia representada pela possibilidade de dispor de uma
economia própria era muito importante econômica e psico­
logicamente». A sugestão não é contudo desenvolvida. Pelo
contrário, a per�ectiva dos amos escravistas_é imediatamen­
te retomada, sendo a atrlhuição de parcelas referida como
uma «concessão revogável, destinada a ligar o escravo à fa­
zenda e evitar a fuga». Desta maneira, não obstante a men­
ção feita aos interesses dos escravos, a prática da concessão
de lotes volta a ser ( ou, melhor, continua sendo) concebida
como algo «funcional> à grande exploração.
Não se trata aqui de negar, quer as economias que possam
advir do cultivo de parcelas pelos escravos, quer o fato, in­
discutível, de qmf 'isto estabelece vínculos entre os escravos e
os engenhos ou f-à!eiidas. 101 Caberia, sim, indagar se a prá­
tica em questão não surge do entrechoque de senhores e es­

-
cravos: estes, procurando construir um espaço próprio, aque=-
les, divididos, resistindo em parte, cedendo em parte (inclu­ 1
sive por perceber os possíveis benefícios trazidos pelas pe- .
quenas roças de mantimentos) . De acordo com depoimento
do intendente de uma· fazenda de São Domingos, a área
ocupada pelos escravos parecia «uma pequena Guiné>, um
pedaço de Africa cercado por paliçada, onde ele não gostava
de entrar, pois caí os escravos estão em casa>. ioz À luz
destas observações, os escravos parecem ter reconstruído,
nas Antilhas, um pequeno mundo seu, eivado, naturalmente,
de reminiscências africanas. Além do que, o depoimento do
tal intendente mais parece referido a um quilombo pac ·f1-
. cado, que a um expediente destinado a «reduzir o custo �de
Ç_ reprodução da mão-de-obra>. 1 0a

:.: , · Para os que concebem os lotes cedidos como uma espécie


, · de ardil das classes dominantes, o significado desta prática
· 101. Mlriuel Cahnon Du Pin e Almeida. EMGio Sobre o Fabrico tlo Aç,lcar, Bahia
isa,. p. 60-61: Francisco P. de Lacenla Werneck, .M...6no aobr• • F.. dagdl,
• Cutao ,u •- Fou-nda 11<1 Pro.i•cica ,la Rio d• Jofttlâro, 1878, p. H-25.
102. Citado em Ciro Cardoso, ob. cit., p. · 186. _ . _.._
103.. Quanto aos cuidadoif. doe ercravoe com oa aeua léites. nle �� a obMrn:;;;
de Maria Grahan. que (poeaivelmente com aicum uairero)_ei":l!flnna em
diirio: •o pequeno terreno, que cada um 6 autorludo a ",l��.•ar
próprio uao em muitas faundu. seralmente produa pe)obo m� c:r.l,�
': ::
ba.11
q•
proporcio cio que a terra cio aenhor, apeaar da■ pouca■ r�,,�, .
Rio de
lhe aio dedicada■". Maria Grahan, Diário tl• v- Viao... llli!f·�r,..;J,
Janeiro, 1966, p. 156.

99
não teria por que mudar com o tempo. 10·1 Na perspectiva aqui
sugerida, no entanto, o seu significado poderia variar e mes­
mo «evoluir» na dependência dos interesses e aspirações dos
escravos e, claro, das oportunidades oferecidas pelo contexto
histórico. ,..,,1
Em fases de turbulência política, aí podem os escravos re- \
beldes encontrar um apoio, uma retaguarda, ou até mesmo
um santuário. Assim, informa-nos o Jornal de Aracaju, em____J
artigos datados, respectivamente, de 20 de março e 3 de abril
de 1872 : «A amizade e proteção que quase todos os escravos
dos engenhos votam aos quilombos são sérios obstáculos:
dão não só o aviso como guarida no caso de qualquer emer­
gência mesmo dentro das senzalas ...> ; «A experiência tem
mostrado o grau de relação que entretêm os quilombos com
os escravos dos engenhos : acham aquelii' apoio e proteção;
trocam estes farinha e agasalho pela part.ffiia · nos roubos dos
primeiros e em caso de perigo invadem as senzalas>.105
Por outro lado, à medida que cresçam as populações urba-
nas, se multiplique o pequeno comércio interiorano, e aumen­
�� as facilidades de transporte, os escravos verão abrir-se
\ diruite de si certas �portunidades mercantis que, possivel­
�nte, tratarão de explorar. Na medida em que se evolua
�r(· nesta direção, sob a aparência monolítica do escravismo, esta­
rá germinando um submundo de relações sócio-econômicas,
! que não mais expres5ay apenas, o esforço dos escravos no
\ sentido de negar as condições que os oprimem - e não mais
se � por «reminiscências africanas». Quanto aos senhores,
poáerão combater estes desenvolvimentos, admiti-los, ou, mes­
mo, deles tirar proveito ... 106 Seja como for, o importante
104. Assim, para Jacob Gorender. "A mola oculta do 'aiatema do Brasil' j{ tinha
sido desvendada, aéculoa antes,. por Jean Léon l'Afrlcain" (Gorender, ob. eit.,
p. 264). O autor ae refere. no caso, às pucelaa eedidaa aoa ecravoa na ilha
de São Tomé (segundo omervações que o publiciata John Pory adicionou à
obra de Leo Africanua). & importante destacar. a esae respeito, que vf.rioa
fatores ( entre eles a topografia da ilha. aeu clima africano. e a ausência de
povos nativos hostis), facilitaTam a fup e a sobrevivência dos escravos rebeldes
de S. Tomé. O fato de que neste preciso contexto, onde a rela� de forças
favorece, relativamente, os eseravos. tenham eles eontado, desde tão cedo, com
a sua própria b&l!e de subsistência. sugere, a meu ver, a presença da iniciativa
afrkana na criação daquilo que viria a ser chamado de "sistema do Brasil"•
. The Hut,n-v afld Deacriptioa oi Africa. Leo Afrté)ànua. Londres 1896. p. 94-95.
. : baseado na tradução e edi� realizadas por John Pory em 1600. Sobre ba
... li\tores que favorecem as rebeliões veja-se o lnteresaantl.simo trabalho de Orlando
;, :, l'atterson, uslavery and S1aTe Revolta: a Socio-historical Ana)yaia uf The Firat
;'1',.U:aroon War, 1665-1740", ln MarOOt& Soeíetiu, editado por Richard Prlce, Nuva
'ili :'!brque 1973, p, 246-292.
106. ,A'l)êndice-Documentos. em Clô'l'is Moura. ob. eit., p. 208-211. 1
106.. .>.11 vésperas do término da escravidão, este mun� da sombra. habitado por 1

,,.--·
eecMLvos que não são apenu escravos, havia 'ãaiiúlridõcerta· êctnplCJ<idade, em
alKQmRs áreu do Vale do Paralbt\ - comu ae pode 'NT, por el<emplo. no precioso

100
é ter presente que nada disto poderá ser entendido, como
mero reflexo dos interesses dos senhores, e nem tampoucÕ
poderá ser reduzido ao seu significado «econômico» para os ·•
escravos. As aspirações dos escravos, seja no que se refer·�--,
ao trabalho dedicado às suas roças, seja em torno à liber-1
dade nos batuques e festividades, colocam em cheio e, pri- (
mordialmente, a questão do reconhecimento da sua existên- \
eia e lugar na sociedade. - - ..,
Tocaremos agora, ainda que de passagem, uma delicada
questão, em torno da qual vem se desenvolvendo, de longa
data, um grande debate.
Numerosas fontes dão testemunho de que as condições de
operação dos engenhos e fazendas e o tratamento conferido
aos escravos teriam se modificado, em" "diversas regiões, na
passagem do século XVIII, para o sécull\ XIX. A interpre­
tação dessa mudança histórica, por parte de Marx, é clara
e precisa. Antes deste período, especialmente nos EUA e em
Cuba, a produção escravista estaria basicamente circunscri­
ta às necessidades locais, com o que o regime de trabalho
conservava «certo suave caráter patriarcah. A seguir, e à
medida que se desenvolve a produção voltada para o mer­
cado externo, tudo passa a girar cem torno à produção da-)
plus-valia pela plus-valia mesma>, com o que as condições 1
a que estão submetidos os escravos serão brutalmente enrije­
cidas, a carga de trabalho ampliada, e a própria vida dos
cativos encurtada. 1º7
Admitamos, com Marx, que o estreitamento e a intensifi­
cação das conexões com o mercado mundial têm importantes
conseqüências sobre o regime escravista. Estas conseqüência
não derivam, contudo, da «metamorfose:. 1º8 implicada naD
passagem à «produção da plus-valia pela plus-valia>. Elas
serão determinadas antes e,' talvez, mesmo, predominante­
mente, pela natureza abertamente conflitiva da relação se­
nhor-escravo; vale dizer, pelo fato de a relação entre os ca-
°"
ntlatório de Delden Laerne, Brazil afld Ja.,,.., Report Cofee4:1'lt,,re, Haia 18�5.
p. SOl. 303, 333 e diversaa outras passagens. Veja-se também Stanley Ste1n,
Grawde:a • DecadêftciG do Café, São Paulo 1961.' p. 202-219. Seria. erelo, de
IIT8llde interesse, comparar as condições em que vivem (em �eterminadae 11.reu)
• . Os ei,eravoa. nesta fase final do l'eltime, eom u aepiraçoes formulada DO
·.•·Tratado de Pu proposto peloe rebeldes do enir,,nho Santana.
lOf,. O C.pital tomo 1, p. 181.
ar aee do
.1 l(ll!. 'O- Capital. tomo Ill. p. 804. As Informações de que dlapunha M x, ra 0X I.X.
•·.•. oco rrido DO sul dos EUA e em Cuba. na transição do aéeulo X�,UI Pll
1
PaHeem IUl)erelltimar, consideravelmente. o irrau de ufechamento anterior (ui,.o
porém, não
cialmeDte DO cuo norte-americano) destas regiões ueravlotaa. lato,
ções que ae aetrU em.
tem maior relevlnela. para efeito du considera

101
tivas-trabalhadores e os seus amos-patrões ser algo que se
encontra em princípio em questão. Vejamos, sucintamente,
o que isto significa.
A enorme expansão das exportações verificadas em fins
do século XVIII exigia a importação de grandes levas de
escravos. Formavam-se, com isto, grandes concentrações de
«escravos-novos» (também chamados «boçais»). Constituída
esta massa crítica, tendiam a ocorrer reações em cadeia, sob
a forma de atos coletivos e recorrentes de rebeldia. Daí por
(, diante, os problemas referentes à manutenção da ordem, à
f / disciplina, à acomodação, e à aculturação desta massa de
; 1 rebeldes em potencial, passavam, indiscutivelmente, ao pri-

. { meiro plano. Desta maneira, a nova conjuntura trazia con-


\1 1 sigo problemas que ultrapassam, de muito, as conseqüências
1 da extensão e intensificação da produção de mercadorias.
A proposição acima, válida em princípio sempre e quapdo
se verifique um grande surto de produção escravista, se nú,2�­
traria especialmente pertinente a fins do século XVIII, q-Jim­
do disparam o algodão no sul dos EUA, e o açúcar em Cuba.
Em ambos os casos, mas especialmente na colônia espanhola
( e sobretudo a partir de 1792) , registra-se o ingresso de
grandes levas de escravos 109; tão ou mais importante é, no
entanto, o fato de que os homens livres (senhores ou não),
bem como os escravos, encontram-se, então, sob o impacto
) do terremoto político que acompanha o levante em massa
dos escravos de São Domingos. 110
O quadro que se delineia nesta conjuntura histórica encon­
tra-se vivamente retratado no notável «Discurso sobre a Agri-
cultura de Havana e os Meios de Fomentá-la> de Arango y
Parrefio. m
109. Philip Curtin. 7'M Atlawn.: Slaf/fl Traàt,, Wisconsm. 1969, tabela 7. p. 14.
110. O texto de Marx, anteriormente referido. afirma que a eondiçio dos e!ICl'llVOS
(melhor ou pior tratamento. etc.) é algo que deve aer entendido a partir da
metamorfose atravessada pelas regiões escravistas, na passagem do léculo XVIll
para o XIX. Posição similar pode ser encontrada em trabalhos de vários autores.
entre eles, destacadamente (pelo realce atribuido aos mecanismos econômicos),
J. Gorender (ob. cit., p. 356-367). Trataremos de realçar. de nossa parte. a
relevância das lutas detonadas pelo ingresso em m&l!&a de eseravoa. numa con­
juntura política particularmente e::,:plosiva. O acento recai. aqui. sobre a pro­
blemática polltica inerente ao escravismo - que vem à tona. com Inusitada
força, em decorrência do vigoroso surto e::,:pansivo. e sob o efeito doa sucessos
eletrizantes que se desenrolam em São Domingos. Veja-ae. a propósito. Carlos
Guilherme Mota. Nordut11 1817, São Paulo, 1972, p. 142a; e Kenneth Maxwell,
Conflicts .and C"""PÍraciea: Brazil Clwd Portrlt1<ll. 1750-1808, especialmente o éap. 8.
111. Parece Sl!f' unânime à \ef�itação da obra de Arango e Parreiio. como um verda­
deiro marco no estudw � condições e problemas da produção escravista em
Cuba. na virada do �- Inútil acrescentar, o autor se coloca na perspectiva
dos senhores. irrupo �ll<:1!4 qual não apenas pertence como eletivamente lidera.
Pichardo Viiina, Hort�. DOC111nl!Wt01t J>Cln& la Hiatoria. d,, C111JG (época colonial).
Havana 196õ.

102
Do ponto de vista dos senhores do açúcar - a famosa
sacarocracia cubana - a ilha encontrava-se diante de uma
situação excepcionalmente favorável: «Não há que duvidá-lo,
a época da nossa felicidade chegou ... » m
Não obstante seu indisfarçado entusiasmo, Arango y Par­
refio conclui o seu discurso expressando sérias e bem fun­
dadas preocupações. A insurreição de São Domingos, diz ele,
«ampliou os horizontes de minhas idéias. Ao ruído deste fu­
nesto acontecimento, despertei e vi que toda minha obra se ,
sustentava no ar . . . que o repouso de todos os meus com- 1
patriotas . . . estava pendente de um fio : da _§!.l_b_ordinação :
e paciência de um enxame de_homens.._Qªrbªro&>�. Por enquan- ;
to, acrescenta�autor, pouco há a temer, dado que o número ,
de negros é inferior ao de brancos : «Meus receios se refe­
rem ao que vem depois, ao tempo em que cresça a fo:r:túna i
da ilha e tenha dentro de seu recinto quinhentos mH fou
seiscentos mil africanos. Desde já falo para esta époéa, e
quero que nossas precauções comecem desde este momento». 113
Não caberia referir-se aqui às propostas feitas e às medi­
das tomadas, para acomodar a massa de escravos que de­
sembarcavam em Cuba. 114 É lícito admitir, no entanto, que
o processo de lutas e acomodações que se seguiria iria mar­
car, em profundidade, a história de Cuba. A própria per-\
manência da ilha, por tão longo tempo, como uma fiel c -
· lônia espanhola, possivelmente se explica pelas vantagens, que�
colonos e senhores descobririam, em ter por trás de si o
poder militar de uma metrópole européia... 115
· As preocupações de Arango y Pàrreiio encontram seu pa­
ralelo (algo defasado) no Brasil, onde porta-vozes da cama­
da senhorial advertem para os perigos acarretados pelo rã­
, pido aumento da população escrava, que acompanha o surto
� expansivo iniciado a fins do século XVIII. Cresce, assim, a
consciência dos perigos cria_dos por esta «África transplan­
tada para o Brasil», e começa-se a discutir o futuro incerto
de uma nação que não possui «verdadeiramente o que se
112. Ob. cit.. _ J). 197. A re,ipeito da arrancada açucareira cubana, ver o b,:ilh!.nte
capitulo - de Fraginals (o�,- cit.) intitulado: "EI camino bacia la planblc16n •
113. Arango y Parreiio, ob. cit.. p. 210. grifo A. B. Castro.
114. Sobre as condições de , : YJlli_n dos eseravos cubanos. nns décadas que se seiru•m
à " 1>rimt!ira dança dos; �ilhãP.s", ..,.j11•8e O notável relllto feito pelo ex--ttcraYo
E.teban Montejo. em J!J_iliú,!I Barret. Bior,n,.ffo d• 1111 Cimarr6�, Barcelona 1968..
115. Franklin W. Knight, ·s1aw Socirt,, ;,. Cuba I>tcri.. g th, N,t1et••1ttA Cnohlr._
Wioc,onsin. 1!170, �ap,t; _ '.
103
chama povo».116 Espíritos mais lúcidos chegam a perceber
que a escravidão dificulta ou mesmo impede o enquadramen­
to dos «vadios» e marginais que se multiplicam nas cidades
( e, em certas áreas, no próprio campo), como força de tra­
balho «livre» e assalariada. Segundo muitos, isto se deveria
a que a escravidão «degrada» o trabalho. Outros, porém,
· iriam mais longe: o problema maior é que não se pode travar
' grandes lutas sociais - e, muito menos, tratar a ferro e
: fogo a população livre e pobre - sobre o solo movediço da
/ escravidão. Já, anteriormente, José .Alvares Maciel havia de­
clarado, nos Autos da Devassa da Inconfidência Mineira, que
a presença de escravos constituía um sério entrave porqge_
«toda e qualquer revolução que aqueles (escravos) pressen-'
tissem nestes seria certo motivo de eles mesmos se rebe�
rem; e por conseqüência ficaria frustrada toda e qualquer
ação intentada> ... 117 Mais tarde, por ocasião da fracassada
«primet� revolução social> brasileira (1798), ficaria mesmo
comprovado que escravos-rebeldes e «libertos> eram capazes
de fazer causa comum - o que tornava a situação das ca­
madas proprietárias muito mais delicada. A situação mos­
trava-se, aliás, particularmente grave na Bahia, de onde seria
enviado ao rei, no ano de 1814, um manifesto advertindo:

ê
«Ninguém de bom senso . .. poderá duvidar que a sorte
desta Capitania venha a ser a mesma da ilha de S. Domin­
gos, por dois princípios : primeiro pela demonstrada enorme
desproporção de forças> ... segundo pela «relaxação dos cos-
es e falta de polícia, que geralmente se observa nesta
ade pelas muitas larguezas que se lhes tem dado (aos
ravos) ...> 118 Por contraste, ali, como em Porto Rico,
116. J'oão Severiano Maciel da Costa. M""'6ri4 sobre G Necn.ülad• ,ü Abolir a lwtro­
d� tloa Ettt:n1t1ot1 Af� 1IO Bram. Coimbra 1821, p. U e 21.
117. Citado em Clóvis Moura. el>. eit.. p. &O, parintesis acrescentado por A. B. Castro.
Veja-se também Carlos Guilherme Mota, Atituda ü r-11c1o wo Brasil 1111-
1801. Lisboa 1969, P. 66. e. do mesmo autor, Nonl&te 1111, São Paulo 1972,
p. 152-153.
118. Citado em Maria Beatris Niua da Silva, A Primei"' GautG c1G &Aia: ldmu
V:Ovro do s,....;z. São Paulo 1978, p. - 101-102. José Honório Rodrigues, em
trabalho amplamente documentado, parece suiierir que a amea�a de revolução
negra aeria um fantasma manipulado peloe lntereaes contririoa à independên­
cia. Ainda que o partido português tivesse, efetivamente, chantageado oa bra­
sileiros com base no espectro dominicano, não pode haver dúvidas de que o
sentimento de perigo ers bastante difundido e. naquela conjuntura. possivel­
mente. bem fundado. Jo,e Honório Rodrigues, It1depndêflcia: RnolMi;ão • C011tro­
Rnô!Kçlfo, Ecow011tia • Soci<!dadc·:�:Rio 1975, lr,,'.,124-131. Afinal, como observou
Bryan Edwards à mesma êpoca (1807): "Em �11ítçs onde a escravidão se encon­
tra estabelecida. o principio primeiro no qual �ernoú
ae baseia é o medo" •••
B. Edwards. "Tbe History Civil and C-0mmerci_i ;Qf the British Colonies in the
West Indies", citado em E. Genovese. T1'• W�-�• SlafflOlders Made, Vintaiie
Books, 1971, p. 162. Ve;a-ae, a esse propósitd:,di::�quaae p&nlco de Hip6Uto da
Costa. ao aaber da publicação em portuguis, qwn·· Jornal "l)9elldoclenttflco", da

104
onde os escravos eram relativamente poucos (e sendo 0
ingresso de novos cativos praticamente impossível), seriam"\
decretadas e postas em prática medidas brutais no sentido i
de promover a proletarização da população livre e pobre.119-·----.,
Neste último caso, sim, a passagem à produção da plus-
valia pela plus-valia teria temíveis conseqüências . . . para as
camadas pobres da população. Marx parece ter-se deixado
levar por uma tentadora analogia entre as conseqüências da
proletarização de uma população livre e pobre, e os efeitos
da intensificação da produção de mercadorias por uma po­
pulação escrava. Neste último caso, se · parte de uma situa­
ção radicalmente diferente, desencadeiam-se conflitos pró­
prios ao regime escravista, além do que, os proprietários
têm interesse imediato na sobrevivência dos trabalhadores ...

O que precede pretende deixar claro que as mudanças


trazidm( por um surto de produção escravista como o ocorri-
do na transição do século XVIII para o XIX dependerão, -
não apenas para a condição do escravo,· como para a socie­
dade em geral - da intensidade, direção e êxito dJLieSis.�
tência, e/ou luta aberta dos escravos, bem como das respostas �:'_-.
éiicoritfi1aãs -pelos--prõpriewioS--eliOmen�_liy_res em geralr ­
para assimilar, acomodar e abafar8Presença hostil e �
potencial de rebeldia da população escrava. A admissão desta !
realidade não implica, com certeza, em conceber a escravi�J
como eixo ou princípio unificador da histórià/Muito pelo
contrário, a estrutura produtiva que a escravidão aciona, ­
produz e transforma, é forjada na produção sistemática de
mercadorias, e encontra-se submetida às determ� que �
daí provêm - inclusive aquelas que decõrrem-da evolução­
com-transformação do capitalismo. uo Esta estrutura produ-
uConstituição da Repúbliea doa Nqroa em S. Domingos". Barbosa Lima Sobrinho.
Afttolooia do Corrfto Bnuili..,..., Rio 1977, p. 104. O terror l.napirado pelo
ocorrido em S. Domingos era, aliás, ireneralisado, levando, por exemplo, ririo•

procedentes das bulias Ocidentais. Winthrop Jordan, WAit• °"'""


Estados do aul dos EUA a proibir a- entrada de quaisquer negros, mesmo li�
B14ck, A..,....,.
Atitlldn T010a,-d tM N•trro, Baltimore 1971, p. 382. Anos maia tarde, panado
o período de lutas pela independência, seria ouvida a vos de Miguel Calmon
Du Pin e Almeida, alertando aqueles que uà imitação das criança■• folpm •
repousam tranqüilos à borda de medonhos precipicios". M-6ri<1 •ob"•o E•labe- ·
c-JICl•io
i..ci,1_!1ftlto �Uma. de aC:oio.i.zaçcio, Bahia 1835, p. 4. .. /
;
e;.­
j
119. Naa palavras de um autor citado -por Sidney Mi�, tratava-se apenas de �
• vagabundairem e a preguiça, mãe de todO!lc: óa vlcios, tornando o
compulsório", Caribb.,..,. TruMfon110timu, Cbic...,úJ..974. p. 9S. yeJ&-ee. em par­
ticular, o eap. a, '"Slavery and Forced Labo\11'.� -lit. Puerto Rico • maia
1%0. PouCOIS parecem saber o quanto a produção �_avista. "!!' sem . aetora
com 0
avantados. ■e meeaniu e ■e tecnifica, pratic,unen� em ••�_ulla!'e•� m'4uiaa
avan� da Revolução Induatrial. De acordo co� Deer, a atíhsaÇAO

105
tiva irá mesmo sobreviver à escravidão, modificada, natural­
mente, pela mudança de sua base social .
Não obstante o que acabamos de dizer, durante os séculos
de predomínio escravista as organizações produt,ivas, e so­
bretudo as sociedades em formação no Novo Mundo, tiveraJl1-.
a sua evolução co-determinada pela presença - e a força r
,-- ...
viva - dos escravos. Esta presença se mostraria tanto mais

n
forte e influente, quanto mais se tendesse a ultrapassar a
W\.,; produção em ampla escala de mercadorias. Assim, ela será
menos marcante em Barbados - uma mera coleção de uni- ,
dades produtivas - que no Brasil, onde já na segunda me- 1
tade do século XVII ensaia-se o surgimento de uma nação. 121

Ela será também mais determinante nos centros urbanos,
onde não se vive sob o império da produção sistemática de
mercadorias: o escravo «de ganho», figura marcante das
nossas cidades na entrãda do século XIX, mais tem a ver
om a escravidão, enquanto tal, que com as estruturas pro­
; dutivas características do Novo Mundo. 122
--- Estas são razões fundamentais que impossibilitam estudar
o regime social imperante no nosso passado, através das con­
dições e necessidades da produção de mercadorias. �!_deter=.
_!DÍI!.�:Q.Lpxistem 1_e têm o seu espaço.

'/ Limitar-se a elas - e/ou ao seu «sentido> - no entanto,


é tomar os escravos como se apenas emprestassem um col \
_!ido- especial à história, ou, pior, talvez, como se as carac- \
terísticas por eles introduzidas na economia e na sociedade
fossem apenas outras tantas «irracionalidades>.
No regime social que aqui se instala há dois teclados; os 1
teclados são dois, mas a música é uma só. Há a produção
,V.:."'°

)(
a vapor como fonte de energia a acionar um processo manufa� foi, mesmo,
pela primeira vez ensaiado na produção do açúe&J:., em Jamaica. em 1768 (até
então a máquina a vapor era empregada apenaa em minas e destinada ao
bombeamento de água para a superfície). Noel Deer, 7'1Le Hiatmv of S•11Gr,
Londres 1949, vol II. p. U9. A tecnificação dos encenhoe ei,era'riataa do Brasil
foi estudada por Francisco Edunrdo Píres de Souza, em A Ev� daa Tée11iC<1a
Prod1&ti11<U 110 Século XIX: o E11a...,.,, ü Aç1icar • a Fauwd.G tl4t Cafs, Cam­
pinas. Diuertaçii.o de Mestrado. 1978. p. 15-97.
121. C. R. Boxer, Salvador tl4t Sá • a L"'4 pelo Bnuil • A11aola 110•-1111, São
Paulo 1973, c:ap. VIII; Padre Antônio Vieira. "Por Brasil e Portugal, Sermões••.
comentados por Pedro Calmon, São Paulo 1938; Rae Je:in Deli Flory, ob. eit.; e
Stuart Schwartz. Co!Oftial Brazil. Th• Roü, of Th11 State ito G SlalHI S«ial
Formation, mimeografndo, 1979.
122. O escravo de ganho ou •�gro de ganho" trabalhava•. basicamente y,or con�c,
própria, devendo usualmente levar, ao fim do dia. uma certa 8IIDl& em·· :i!inheiro
ao aeu dono. No Brasil. eles l!Ão referidos. entre muitos outros autó�. por
Nina Rodrigues na aua obra clássica. O• Africa11oa •o Bruil. Sio P•\lló· l!!i6.
cap. IV. A mesma prática havia aido desenvolvida nu cidades irre� ·. (M. I.
Finley, ob. cit., p. 39). Pyt"aJ'd de Lavai ae refere a ela corno c:araetttia:t'Jca da
cidade de Goa, nos primeiros anos do século XVL Viacem de Franciac;i> ''•Pyrard
de Lavai, Porto 194', p. 32.

106
de mercadorias, com a sua partitura composta de determi­
nações econômicas. E há a escravidão, um velho tema, que
< permite improvisos de muita força. A tE;_orfa desta realidade
" ,,,-ir ,� está por ser produzida. Mas não será negando característi- ,
\_ .1_.,')--·cas fundamentais do regime social, aqui surgido, que ela po-
.J 1 derá vir a ser construída. Nesta empresa, como se procurou
mostrar ao longo deste trabalho, há que resistir a duas ten­
tações: tomar esta realidade como uma história sem de-'
terminações próprias, com o que se resvala, inexoravel­
mente, para a teleologia; ou concebê-la como um sistema
sócio-econômico homólogo ao capitalismo, e, como tal, passí­
vel de ser apreendidÕ- - através de uma Economia Política. ·
-'

107

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