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COLONIAL
Prof. Dr. Herbert Wetzel, S. J.
PUC - Rio de Janeiro
Summary
Slavery and the Jesuits of Colonial Brasil
The author analyses what the Jesuits did and what they did
not do in benefit of the slaves in Colonial Brasil. Slavery
exists since unknown times. Man subdueing man is as old as
humankind itself. The slavery of the indians has been
introduced in Brasil right from the beginning of colonization.
The Jesuits have fought for the liberty of the indians against
the oppression of the settlers. They were not, however, against
ali kinds of slavery. They could not be, because, according to
the theological-moral structures of the time, it was possible to
be a good christian and a slave-holder at the sarne time.
It seems that the Jesuits have nol been so much engaged in
the liberty of the negroes. They only fought against the
cruelties intlicted to lhe negroes, thus requesting for them the
respect due to them as human persons, not so much caring for
their liberty.
to LUDWIG VON PASTOR, GeschJchte der Monumenta Bratlllae, 1 Roma, 1956, pg. 111,
Pãpste, V, Gutblehte Papst Paul W (1534- Usaremos a sigla MBR 1
1549). Freiburg im Breisgau, 1909, pg. 721. 14 Carta de Nóbrega a Simão Rodrigues, Bahia,
l I CARLOS MALHEIRO DIAS, História da Co- 9de agosto de 1549 in MRB I 121.
lonlzaçAo Portuguesa do Brasil. vol. III, Por• 15 Regimento que levou Tomé de Sousa, 1°
to, 1924, pg. xrx. Governador Geral do Brasil, Almeirim, 1548,
12 ld. ib. Dezembro 17, publicado por Alberto Iria in
13 Carta de Nóbrega a Simão Rodrigues, Bahia, Anais do IV Coqreao de Hls&6r.la Nacional
10 de abril de 1549, in SERAFIM LEITE S.J., dell-28de abril de 1949, li (Rio 1959) 58.
8
justiça, e a fazem a eles, quando hia, pois não lhe parecia suficien-
alguns cristãos os agravam; e te o título com que foram adquiri-
parece-me que será causa para dos (21).DeTrento responde-lhe o
não haver aí guerras" (20). Padre Geral Diego Laynes: "O ter
Os jesuítas puseram-se decidi- escravos para tratar a fazenda de
damente a favor da liberdade dos gado ou pescar ou para o demais
índios, contra todas as aleivosias com que se há de manter seme-
e injustiças dos colonizadores. lhantes casas, não tenho por in-
Não eram, porém, como não o conveniente, contanto que sejam
podiam naquele tempo, contra justamente possuídos, o que digo
toda a forma de escravidão. Eles porque ouvi que alguns se fazem
mesmos tinham escravos, índios escravos injustamente" (22).
e negros, para seus colégios e O próprio Padre Nóbrega via
fazendas. No engenho de Sergi- na escravatura um meio necessá-
pe do Conde no recôncavo baia- rio para fazer prosperar o Brasil.
no, herança que lhes coube de Em carta de 8 de maio de 1558
Mem de Sá, possuíam os jesuítas lembrava ao Superior Provincial
259 escravos, sendo os da terra de Lisboa Miguel de Torres que
95 homens e 84 mulheres. Os seria conveniente mandar ho-
mesmos engenhos de Mem de Sá mens ricos, o que "seria melhor
contavam no tempo da expulsão que mandar povoadores pobres,
dos jesuítas em 1759 nada menos como vieram alguns e por não
que 698 escravos. trazerem com que marcassem
um escravo com que começas-
Todos admitiam a escravatura
quando houvesse motivos que a sem sua vida não se puderam
justificassem como eram por manter e assim foram forçados a
exemplo os casos de prisioneiros se tornar ou morrerem de bi-
tomados em guerras "justas", ou chos" (23). Para manter o Colé-
quando alguém se vendia a si gio da Bahia propunha que "a
mesmo por motivo de extrema melhor coisa que se podia dar a
necessidade, ou ainda quando os este Colégio seria duas dúzias de
pais vendiam seus filhos menores escravos" (24).
de 18 anos. Em 1554 Nôbrega Na estrutura teológico-moral
punha em dúvida a legitimidade de então era possível ser bom
dos escravos do Colégio da Ba- cristão e escravocrata ao mesmo
20 Carta de Pero Borges a EJ-Rei, Porto Seguro, 22 Carta do P. Diego Laynes ao P. Manuel da
7 de fev. 1550, publ. por Pedro de Azevedo in Nóbrega, Trento, 16 de dezembro de 1562, in
Rev. deHlstdrla.13 (Lisboa 1915) pg. 73. MBR III 514.
21 Carta do P. Luis da Grã ao P. Diego Mirón, 23 Carta de Nóbrega ao P. Miguel de Torres,
Bahia, 27 de dezembro de 1554, in MBR li Bahia, 8 de maio de 1558, in MBR II 449-450,
l.f5. 24 Jd. ih. 455.
10
28 Carta do Pe. Miguel de Torres ao Pe. Manuel 30 Traslado do capítulo de uma Carta da Rainha
da Nóbrega, Lisboa, 12 de maio de 1559, in Nossa Senhora, que veio ao Senhor Governa-
MBR III pg. 26. dor Mem de Sá, in MBR III pg. 510.
29 Carta de Nóbrega a Tomé de Sousa, Bahia, 5 31 ld. ib.
de junho de 1559, in MBR III pg. 88.
12
32 Carta de Mem de Sá a El-Rei, Rio de Janeiro, Mem de Sá, Governador do Brasil, Lisboa,
31 de março de 1560, in MBR IlJ pg. 173. agosto(?) de 1566, in MBR IV pg. 359.
33 Carta de D. Sebastião, Rei de Portugal, a
13
necessidade", estendendo-a à dão. A 20 de março de 1570
"grande necessidade" (34). promulgou D. Sebastião uma lei,
Também ao P. Nóbrega foram restringindo a prática da escrava-
apresentadas as duas proposi- tura a casos bem determinados:
ções, mas ele deu parecer con- "Defendo e mando que daqui em
trário ao do padre Caxa. A "extre- diante se não use nas ditas par-
ma necessidade" devia ser "ex- tes do Brasil do modo que se até
trema" e não apenas "grande ora usou em fazer cativos os
necessidade". Passando da ditos gentios, nem se possam
questão do direito para a questão cativar per modo nem maneira
de fato, diz Nóbrega que os filhos alguma, salvo aqueles que foram
dos Potiguares vendidos por mo- tomados em guerra justa, que os
tivo de pura fome, se achavam portugueses fizeram aos ditos
em extrema necessidade e por gentios com autoridade ou licen-
isso podiam ser legítimos escra- ça minha ou do meu Governador
vos (35). Em todos os demais das ditas partes, ou aqueles que
casos não houve tanta fome, nem costumam saltear os portugue-
tão extrema necessidade que le- ses, ou a outros gentios pera os
gitimasse a venda dos filhos. comerem: assím como são os
Quanto à segunda proposição Aimorés e outros semelhantes"
da Junta "Se um se pode vender (38). Todos os demais índios
a si mesmo" afirma o P. Nóbrega eram declarados forros.
que o modo como se praticavam Foi a primeira grande lei a
as vendas era contrário a todos favor da liberdade dos índios.
os textos e doutores "e é uma Como era de prever, não alcan-
das maiores sem-justiças que no çou seu objetivo, devido às mui-
mundo se fez" (36). Mesmo que o tas reclamações e pressões. D.
homem seja senhor de sua liber- Sebastião cedeu, mandando que
dade, não a pode alienar a não os dois governadores, Luiz de
ser em extrema necessidade para Brito e Almeida (Bahia) e Antonio
salvar a vida ou coisa semelhan- Salema (Rio de Janeiro) se reu-
te, e não por preço de venda (37). nissem com o Ouvidor Geral e os
Para obviar ao cativeiro injus- padres da Companhia.
to, providenciou a Coroa várias Abrandou-se a lei e foram decla-
leis, regulamentando a escravi- radas justas as guerras que os
34 Se o pai pode vender a 9eU filho e se hum se 37 Id. ib. pg. 410.
pode vender a si mesmo. Respostas do P. 38 FRANCISCO ADOLFO VARNHAGEN (Vis-
Manuel da Nóbrega ao P. Quirício Caxa, conde de Porto Seguro), História Geral do
Bahia. Rio de Janeiro(?) agosto(?) 1567, in Brasil antes da sua Separação e Independên-
MBR IV pg. 389. cia de Portugal. s•. ed. Integral 6•. do vol I.
35 Id. ib. 401. São Paulo, 1956, vol I, pg. 345,
36 Id. ib. pg. 403.
14
15,529.
16
56 S.LEITE, Hist. VI, pg. 421. 58 Id. ib. pg. 58; 59.
57 Id. HJst. IV, pg. 54.
19
59 ARSI. Bras. 26, 123, cfr. S. LEITE, HlsL IV, pg. MAUR!CIO GOULART, A Escravidão Afri-
79. cana no Brasil, o. e. pg. 7.
60 S. LEITE, Hlst. VJ,pg. 81. 63 Tratado Descritivo do Brasil, RIHGB, XIX,
61 S. LEITE, Hlst. IV,pg. 83-84. pg. 115, cfr. MAURfCIO GOULART, o. e. pg.
62 Crônica do Príncipe D. João, pg. 27, cfr. 9.
20
64 G. TUCHLE e C. A. BOUMAN, Nova História 65b ld. ih. cfT. MAURfcm GOULART, o. e. pg.
daJareja,III, Vozes.Petrópolis, 1971,pg. 13. 53.
65 A. de HERRERA, Historia General, Década I, 65c Jd. ib. cfr. MAURfCIO GOULART, o. e. pg.
Iibro IX, cap. 5, cfr. S. LEITE, Hlst. II, pg. 343. 53.
65a GEORGES SCELLE, La Tralté Négrlêre 66 AFFONSO DE E. TAUNAY, Subsídios para
aux lndesde Castllie,2 tomos, Paris, 1906, I, a História do TnU'ico Africano no BrasiL
pg. 132, cfr. MAURfCIO GOULART, o. e. São Paulo, 1941, pg. 96-97.
pg. 43; 51-52.
21
73 ARSI, Gesü, Colleg. 20,2v. cfr. S. LEITE, o. 75 Carta do P. Quirfcio Caxa, 16 de dezembro
e., pg. 350. de 1574, ARSI, Sras. 15,254v-255.
74 ARSI, Bras. 3(1), 145v. cfr. S. LEITE, Hlst. 76 S. LEITE, Hist. VII, pg. 276.
u.pg. 353.
23
cidade (do Salvador) pelas fazen- Os escravos dos padres
das dos moradores ao mesmo achavam-se em situação privile-
exercício, afastanto-os dos abu- giada. Os Superiores recomenda-
sos que ainda trouxeram das vam constantemente que se ti-
suas terras" (77). vesse com eles toda a assistência
que lhes era possível: "aos mo-
Desta ação benfazeja dos je-
ços e escravos de casa ensine-se
suítas com os escravos infere
a doutrina todos os dias, e
Vilhena de Morais, ao publicar a
confessem-se ao menos pelo Na-
Carta do Governador do Rio de
tal e pela Páscoa, tanto os da
Janeiro de 1678, "a explicação
roça como os de casa (80).
do relativo nível de elevação mo- Observa uma Relação Jesuíti-
ral e religiosa, observado, ao ca de 1617 que a assistência dos
contrário de outros povos, entre padres aos negros tinha capital
os negros escravos do Brasil" importância: "tornava-se útil para
(78). os negros, porque os instruía,
Outra dificuldade na cateque- ajudava e consolava; útil aos mo-
se dos negros era a grande dis- radores, porque andando os ne-
persão pelas fazendas e enge- gros tranqüilos, a vida do Brasil
nhos do interior. Não podendo vir seguia em paz; útil para o Estado
às cidades e vilas, iam os padres porque na paz prosperava a agri-
ter com eles para lhes administrar cultura e a indústria açucareira"
a doutrina e os sacramentos. Em (81).
1584 escreve o P. Visitador Cris- Sobre os escravos de Pernam-
tóvão de Gouveia: "Nas fazendas buco informa o P. Henrique Go-
e engenhos há grande cópia de mes: "Aos pretos escravos se
escravos, os quais nunca ouvem ensina em os mesmos dias, pri-
missa, ainda que tenham nelas meiro em nossa igreja, acabada a
sacerdotes que as digam, por primeira missa, a que concorrem
serem as igrejas pequenas, e os tantos, que não há caberem. A
escravos andam nus; e, pelo mau tarde, vão dois irmãos pelas ruas
cheiro, não os deixam os seus da cidade, e em todas as partes
senhores e portugueses estar que os acham, os ajudam, e aí
nem dentro nem fora das igrejas" mesmo os ensinam, e faz-se as-
(79). sim com mais fruito" (82).
77 Arquivo Nacional do Rio, Cartas Regias. em 1589, ARSI, Gesil, Colleg. 13(Baya) cfr.
cfr. S. LEITE, Hlst. VII pg. 278. S. LEITE, Hlst. II, pg. 357.
78 S. LEITE, Hlst. VU, pg. 278, 81 ARSI, Bras. 8,250-251, cfr. S. LEITE, Hist. II,
79 ARSI, Lus. 68,418v. cfr. S. LEITE, Hist. li, pg. 358.
pg. 355-356. 82 Carta de Henrique Gomes, Baía, 16 de
80 Visita do P. Cristóvão de Gouveia, 1586, junho de 1614, ARSI, Bras. 8,169v, cfr. S.
ARSI, Bras., 2,143. Novas recomendações LEITE, Hlst.11, pg. 359.
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não há dúvida, só lhe traz motivo uma vez mais. Porque os naturais
de glória. Mas em tais tempos, e da América eram livres. Como
no Brasil, diz o Visitador, causava tais foram declarados nas leis
perturbação, entre os moradores canônicas e civis. E aos jesuítas
da terra, e no próprio Colégio. na América Portuguesa foi con-
Resolveu ,pois, reenviá-lo para a fiada a defesa dessa liberdade.
Europa (86). Os negros da África nem eram
Semelhante ao do P. Garcia foi livres, nem a delesa da sua liber-
o proceder do P. Gonçalo Leite, dade fora confiada aos Padres. A
primeiro professor de Artes no escravatura africana era institui-
Brasil. Com absoluta intransigên- ção vigente na África desde tem-
cia condenava toda e qualquer pos imemoriais. Já antes da fun-
forma de escravidão. Por esse dação da Companhia de Jesus, a
motivo foi reenviado à Europa América se inundava de escravos
onde continuou a exercer os mi- negros. As leis da Igreja tolera-
nistérios com grande caridade vam essa escravatura, as leis ci-
principalmente entre as pessoas vis das nações regulavam-na. To-
mais abandonadas. das as nações colonizadoras,
Quanto ao problema jurídico .~ortugal, Espanha, França, Ingla-
terra, Holanda, então, e por muito
da escravatura como tal, os jesuí-
tempo ainda, e com elas depois
tas não punham problemas, co-
mo ninguém então condenava a os países independentes da Amé-
escravatura, se o título fosse jus- rica, exploravam a escravatura
negra, legalmente, isto é, segun-
to. Lembremo-nos que muito
do as leis da época. Aos jesuítas
mais tarde, no século XVIII na
nunca foi nem podia ser confiada
assembléia dos bispos norteame-
a delesa de uma liberdade inexis-
ricanos em Baltimore, a lei da
tente. Aliás, a vinda de negros da
libertação dos escravos nortea-
África para a América foi útil ao
mericanos foi pelos bispos cha-
desbravamento mais rápido dela,
mada de lei iníqua.
e para os negros também, sob o
Os jesuítas inúmeras vezes se ponto de vista de contacto com
revoltaram contra as injustiças da uma cultura superior e a religião
escravatura indígena. Por que cristã. Este argumento foi dado
então não defenderam a liberda- também pelos escravizadores
de dos negros da mesma manei- dos índios. A diferença está em
ra? que os índios, antes eram livres.
"A resposta já está dada mui- Os negros já eram escravos em
tas vezes, mas importa recordá-la África, havendo uns negros que
86 Carta de Gouveia, 25 de julho de 1583,
ARSI, 68,337v-338, cfr. S. LEITE, Hlst. II,
pg. 227.
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