Você está na página 1de 12

1

https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/zumbi-o-fantasma-de-
palmares.phtml

MATÉRIAS PERSONAGEM
ZUMBI: O FANTASMA DE PALMARES
Homenageado com o Dia da Consciência negra, Zumbi morreu há 323 anos e sua
biografia continua rodeada de polêmicas
sexta 16 novembro, 2018
Zumbi dos Palmares, por Antônio Parreiras

Zumbi dos Palmares, por Antônio Parreiras Foto:Wikimedia Commons


Em fevereiro de 1685, uma carta quase inacreditável cruzou o Atlântico e chegou a
Pernambuco. Estava assinada simplesmente “Rei”. O texto dizia:

Eu El-Rei faço saber a vós Capitão Zumbi dos Palmares que hei por bem perdoar-vos de
todos os excessos que haveis praticado, e que assim o faço por entender que vossa rebeldia
teve razão nas maldades praticadas por alguns maus senhores em desobediência às minhas
reais ordens. Convido-vos a assistir em qualquer estância que vos convier, com vossa
2

mulher e vossos filhos, e todos os vossos capitães, livres de qualquer cativeiro ou sujeição,
como meus leais e fiéis súditos, sob minha real proteção.

NOTÍCIAS RELACIONADAS
Teresa de Benguela: Rainha do quilombo
quinta 23 agosto, 2018
A família quilombola
segunda 6 fevereiro, 2017
A misteriosa infância de Zumbi
sábado 28 maio, 2016
Dom Pedro II, Rei de Portugal
Mas não sabemos se o “capitão” aceitou o convite. Na verdade, não sabemos nem se a
carta chegou um dia a ser entregue. Mas sabemos que o destinatário, tratado nessa
linguagem cheia de honoríficos e rapapés, era mesmo o guerreiro Zumbi, um opositor
quase mítico do domínio português no Brasil.

Se ele já era um mito no século 17, os debates e pesquisas tampouco revelaram muito
sobre o verdadeiro Zumbi. Isso se deve em boa parte ao fato de que os relatos acerca de
sua vida foram, sem exceção, feitos por seus inimigos: os colonos e portugueses que se
puseram a combatê-lo, a soldo de senhores escravistas.

A incerteza sobre a vida do líder é tão brutal que se estende até a forma do nome do líder
palmarino – o certo é Zumbi ou Zambi? A primeira forma é mais comum nos relatos
lusos, mas isso não quer dizer que seja a certa.

Versão inimiga
Sabermos tão pouco dele não deixa de ser, de certa forma, adequado. Em línguas bantu,
nzambi ou nzombi querem dizer algo como "espírito" ou "fantasma". No Congo, Nzambi
a Mpgungu é o nome do deus - ou espírito - máximo.

Os zumbis do cinema têm a ver com isso: no Haiti, há a ideia de que um bokor, um
feiticeiro, possa aprisionar a alma de alguém em seu próprio corpo ressuscitado - e
também, na versão que não foi parar em Hollywood, numa garrafa: um zumbi astral.
3

E a imagem de Zumbi é um fantasma criado por seus inimigos. Para valorizar o próprio
esforço ou para justificar os fracassos em capturá-lo, os primeiros relatos acerca dele,
feitos em sua maioria por militares portugueses, ajudaram a criar o personagem que
acabaria se tornando um fundador da identidade dos descendentes de africanos no Brasil.

Um homem forte, orgulhoso, inconformado com sua condição social, que resolveu
enfrentar seus algozes e libertar seu povo. Mas tampouco essa imagem de um Zumbi
revolucionário se sustenta em fatos. Sua biografia está envolta em diversas dúvidas. Entre
as mais elementares está sua origem.

Era ele um chefe africano trazido à força para ser escravo? Ou teria nascido no Brasil?
Ou até mesmo: teria escravos ele próprio? Sobre uma coisa, pelo menos, os especialistas
concordam: ele viveu e morreu em Palmares, um quilombo – ou seja, um reduto de ex-
escravos e seus descendentes.

Vida em Palmares
Os primeiros relatos sobre o quilombo de Palmares são desencontrados e datam do início
do século 17. Eles indicam que ele surgiu em fins do século 16, no sul da então capitania
de Pernambuco. Fugindo provavelmente de um engenho de cana nordestino, um grupo
de escravos africanos deixou o litoral e foi para o interior – tentando evitar caçadores de
recompensa e soldados que, a mando dos senhores de engenho, capturavam e matavam
fugitivos.

A jornada a pé, que pode ter durado até dois anos, levou os ex-escravos para a serra da
Barriga, região conhecida genericamente como “os Palmares”: um pedaço de mata
Atlântica coberto por palmeiras, encravado no meio do sertão (atualmente território de
Alagoas). Aquelas terras tinham fama de ser férteis, mas a combinação entre mata fechada
e terreno íngreme fazia dela uma fortaleza natural.

Se os criadores do quilombo realmente vieram de um engenho, a grande maioria deveria


ser homem, pois as fazendas abrigavam poucas mulheres. A proporção de escravos
nascidos no Brasil também devia ser muito baixa, uma vez que era raro que africanos
conseguissem viver o suficiente para ter sua própria família. “Tudo indica que africanos
do complexo angolano (região que englobava, além de Angola, também parte do atual
Congo) teriam tido um papel determinante em Palmares”, afirma Mário Maestri
historiador brasileiro.
4

Em Palmares, rituais e costumes africanos foram mantidos Reprodução


Há, por exemplo, a tradição de que eles chamavam seu reduto de Angola Janga, ou
“Angola Pequena”. Se essa ideia estiver correta, o povo original de Palmares era
composto, em grande parte, por gente do grupo linguístico bantu – um dos primeiros na
África a desenvolver a agricultura, a criação de animais e o uso do ferro, tendo se
expandido por boa parte de seu continente.

Sociedade alternativa
Já nos primeiros anos de organização, o aglomerado de fugitivos se tornou uma pedra no
sapato dos portugueses. Os habitantes de Palmares, periodicamente, invadiam engenhos
para capturar escravos, roubar comida e armas e raptar mulheres, artigo raro no quilombo
em formação.

Sim, hoje é consenso que havia escravos em Palmares - quem era pego em incursões
continuava em condição servil.

Mas algo - outro consenso - precisa ficar bem claro aqui: uma coisa era ser propriedade
de um senhor português e ser forçado a trabalhar até a morte. Outra era viver entre negros
com uma forte possibilidade de alforria - bastava atuar em outra incursão.
5

Em 1602, o então governador geral do Brasil, Diogo Botelho, mandou uma expedição
contra eles – a primeira de 40, ou até mais de 60, de acordo com alguns historiadores.

Depois de destruir cabanas e fazer alguns prisioneiros, os portugueses pensaram ter


acabado com a vila. Mas, sempre que uma tropa aparecia, os palmarinos migravam para
o mato, deixando para trás roças e cabanas que eram destruídas e queimadas. Dias depois,
outras eram erguidas.

Esse modo de vida limitava o crescimento do povoado. Mas, em 1630, a sorte sorriu para
Palmares. Foi quando os holandeses desembarcaram em Pernambuco, na tentativa de tirar
os lucros do açúcar das mãos de portugueses e espanhóis, então governados pelo mesmo
rei. A invasão colocou em polvorosa o Nordeste. Com a vitória inicial dos holandeses,
em 1645, parte dos luso-brasileiros manteve uma espécie de guerrilha.

A vida no Quilombo dos Palmares Reprodução


Donos de engenho alistaram seus escravos para a luta, o que facilitava as fugas. Em meio
à instabilidade, Palmares cresceu, recebeu milhares de novos moradores e, quando enfim
os holandeses foram expulsos, em 1654, a vila tinha virado uma potência formada por
vários aglomerados populacionais.
6

Os dados sobre as dimensões de Palmares são desencontrados. Documentos coloniais


falam em 30 mil pessoas, número provavelmente superestimado. O crescimento
demográfico deu-se principalmente pela chegada de novos moradores. Para alimentar a
população crescente, a economia local era composta por uma mistura de caça, coleta e
agricultura, em que se plantavam gêneros como mandioca, batata-doce e feijão.

Um país dentro do país


É certo que também havia comércio com os vizinhos. “A ideia de que Palmares era um
refúgio isolado no mato pode até ser verdadeira para os primeiros anos de assentamento.
No entanto, após a metade do século, o relacionamento entre os negros e seus vizinhos
certamente já evoluíra para um intenso intercâmbio com índios e até com brancos”, diz
Flávio Gomes, pesquisador do Departamento de História da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ).

A presença de brancos em Palmares foi alvo de discussão, mas sabe-se que isso ocorreu
depois em quilombos de outras regiões. Apesar da suposta hostilidade em relação aos
brancos, há indícios de que criadores de gado levavam seus rebanhos para pastar na região
de Palmares e mantinham comércio com os quilombolas, a ponto de serem chamados,
com desdém, de “colonos dos negros”.

Em relação aos índios, o convívio parece ser mais evidente. Escavações arqueológicas
têm encontrado cerâmica indígena, provavelmente contemporânea ao quilombo. “É
tentador fazer essa associação e dizer que havia índios dentro do quilombo, mas pode se
tratar também de algum tipo de comércio”, diz o arqueólogo americano Scott Allen, da
Universidade Federal de Alagoas.

Já segundo Pedro Paulo Funari, historiador e arqueólogo que integrou a primeira equipe
a fazer sondagens no local, a cerâmica indica que havia índias em Palmares: “A produção
de cerâmica estava ligada às atribuições das mulheres. A presença desse material em
Palmares pode querer dizer que os ex-escravos tinham esposas indígenas”.

Coisa perfeitamente consistente com a escassez de mulheres negras por lá. De qualquer
modo, a mestiçagem estava na ponta da língua dos palmarinos. Seu idioma parecia ter
uma base africana misturada a palavras e estruturas tiradas do português e do tupi – os
colonos precisavam de intérpretes para falar com eles.

A consolidação do quilombo culminou na criação de uma espécie de confederação entre


os vários povoados de Palmares. A população local escolheu como chefe um guerreiro
7

conhecido como Ganga-Zumba, que governava a partir de Macaco, a principal vila do


refúgio. Não se sabe se “Ganga-Zumba” seria nome próprio ou um título dado ao líder.
“A palavra ganga significava ‘poder’, ou ‘sacerdote’ em várias sociedades da África
central”, diz Flávio Gomes.

Guerra e paz
Para a maioria dos especialistas, foi nessa época de relativa calmaria que Zumbi teria
nascido em Palmares. Um dos motivos para sustentar que o líder nasceu ali mesmo e não
chegou depois, fugindo da escravidão, é o fato de que ele seria sobrinho de Ganga-Zumba.

Porém, o traço familiar é também incerto. Para Mário Maestri, a designação de “sobrinho”
não deve ser entendida literalmente. “A trama de parentescos deve ter sido sobretudo
simbólica. As condições históricas não teriam permitido a formação de um clã familiar
que dominasse politicamente Palmares”, diz Maestri. Assim, dizer que Zumbi era
“sobrinho” de Ganga-Zumba equivaleria a afirmar que ele era um protegido do chefe.

A origem de Zumbi permanece controversa. Ter nascido ou não em Palmares determina


se ele foi ou não escravo. E caso ele tenha nascido livre em Palmares, onde, como diz o
professor Funari, a miscigenação entre negros e índios era comum, não se pode afastar a
chance de que ele próprio fosse mestiço de pai africano e mãe índia. Dá para imaginar o
tamanho da polêmica em que estamos nos metendo aqui? “Não se pode dizer o quanto
essa possibilidade é confiável. Mas que é possível, é”, diz Funari.
8

Busto de Zumbi, no Rio de Janeiro Wikimedia Commons


Se a origem de Zumbi é incerta, a infância é definitivamente lendária. Décio Freitas,
historiador gaúcho, escreveu um texto clássico sobre Palmares, em que dizia ter
descoberto um relato da captura de Zumbi ainda bebê por uma expedição portuguesa ao
local. Ele teria sido vendido ao padre Antônio Melo, que o teria criado para ser coroinha.
Aos 15 anos, no entanto, Zumbi teria fugido. “Essa é uma versão fantasiosa, mas não
impossível”, diz Flávio Gomes. “Décio jamais mostrou o documento em que apoiava essa
biografia de Zumbi. E, além disso, ele ficou conhecido por romancear sistematicamente
sua produção”, diz Maestri.

Exceto pelo texto de Décio, não há outro relato sobre a juventude de Zumbi. Ele deve ter
crescido num período anterior à guerra que os portugueses moveram contra o quilombo,
impulsionados pela falta de mão de obra nos engenhos. Nessa época, a vida social em
Palmares era um arremedo daquilo que seus habitantes conheciam dos antepassados na
África, talvez com elementos indígenas e até portugueses incorporados ao seu cotidiano.

Seus líderes, a exemplo de Ganga-Zumba, deviam ser guerreiros e guias religiosos. Não
sabemos se Zumbi se casou ou teve filhos (embora a carta do rei de Portugal, reproduzida
no início desta reportagem, sugira isso). Zumbi é geralmente descrito como guerreiro
porque os relatos sobre ele aparecem num período de guerra. Mas não é difícil imaginar
que, em tempos de paz, Zumbi plantasse mandioca e caçasse porcos-do-mato.

General Zumbi
Foi num relatório do comando militar da capitania de Pernambuco, escrito por volta de
1670, que o nome Zumbi aparece citado pela primeira vez. O documento atribui a ele o
sucesso dos ex-escravos “fugidos” nos combates com colonos nas cercanias da serra da
Barriga. Zumbi seria o homem de confiança do chefe Ganga-Zumba, uma espécie de
general dos exércitos de Palmares.

Outros documentos da mesma época destacam a capacidade militar de Zumbi. Um deles


diz que, ao enfrentar uma expedição liderada por Manuel Lopes Galvão, Zumbi levou um
tiro na perna que o teria deixado manco, mas não o impedira de continuar lutando.

Sob ataques constantes, Palmares se tornou uma fortaleza, com diversos povoados
cercados por muralhas reforçadas de pau a pique. Na encosta que levava até a vila de
Macaco, os quilombolas cavavam buracos, colocavam estacas no fundo e as cobriam com
folhas secas. Isso era tão comum que o local entrou para os mapas dos soldados coloniais
com o apelido de Outeiro dos Mundéus (mundéu, ou mundé, é justamente o nome dessa
armadilha).
9

Chefes como Ganga-Zumba e Zumbi não necessariamente eram só guerreiros. Podiam


ser líderes religiosos Reprodução
E os palmarinos também partiam para a ofensiva. “Diversas expedições quilombolas
atacaram, entre 1660 e 1670, os povoados de Serinhaém, Porto Calvo, Penedo e Alagoas,
principalmente para capturar armas e munição, mas também para saquear fazendas e
estabelecimentos comerciais”, escreveu Décio Freitas em seu Palmares – A Guerra dos
Escravos.

Por volta de 1675, as comunidades atacadas financiaram uma grande expedição militar
sob o comando de Fernão Lopes Carrilho, que já tinha enfrentado e vencido índios e
escravos rebeldes em outros cantos do Nordeste. Ele aprisionou ou matou vários dos
principais chefes do quilombo, feriu o próprio Ganga-Zumba e quase capturou a mãe do
líder. Carrilho chegou a anunciar que tinha destruído Palmares de vez. Não era verdade,
mas, pela primeira vez em décadas, a situação forçou Ganga-Zumba a negociar.

Em 1678, uma missão enviada pelo “rei de Palmares”, como foi anunciado, adentrou o
Recife. Um cronista escreveu: “Notável foi o alvoroço que causou a vista daqueles
bárbaros. Porque entraram com seus arcos e flechas, e uma arma de fogo, corpulentos e
valorosos todos”. O acordo de paz previa que os nascidos em Palmares ficariam livres,
ganhariam terra para cultivar, direito de comercializar com seus vizinhos e a condição de
vassalos de Portugal. Parecia ótimo, não fosse o fato de que os escravos libertados (e
10

talvez o próprio Zumbi, de acordo com aqueles que defendem a tese de ele nasceu escravo
e fugiu para Palmares) teriam de voltar para seus senhores.

Ganga-Zumba decidiu aceitar as cláusulas e se mudou com algumas centenas de


seguidores e seu irmão Gana-Zona para a localidade de Cucaú. Zumbi se recusou a ir e
declarou ser o novo líder de Palmares (Ganga-Zumba morreu logo depois e as histórias
da época dão conta de que Zumbi teria mandado envenená-lo). Seguiu-se uma guerra
entre partidários de Zumbi e de Gana-Zona que levou à intervenção dos portugueses e à
extinção do “quilombo livre” de Cucaú.

Sem acordo
As autoridades coloniais e o próprio rei de Portugal tentaram repetidas vezes oferecer ao
novo chefe um acordo semelhante ao que fizeram com Ganga-Zumba, mas Zumbi nunca
aceitou. No início da década de 1690, o bandeirante Domingos Jorge Velho foi chamado
e recebeu a missão de liderar uma expedição para caçar e exterminar de vez os focos de
resistência em Palmares.

À frente de mateiros experientes e conhecidos pelos métodos particularmente


sanguinários, Jorge Velho não escapou de tomar algumas sovas dos guerreiros de Zumbi.
Em 1692, num combate de três semanas, sua tropa de cerca de mil homens foi reduzida
pela metade, antes de fugir e se perder no mato. Dois anos depois, Jorge Velho voltou.
Tinha sob seu comando um incrível exército para a época: 9 mil homens – e alguns
canhões.

A resistência de Palmares dependia de manter a artilharia inimiga longe das muralhas de


Macaco. Depois de um cerco que durou semanas, no entanto, Jorge Velho conseguiu se
aproximar com seus canhões. Zumbi liderou pessoalmente um ataque desesperado para
evitar a destruição das barreiras, mas falhou. Os bandeirantes mataram centenas de
guerreiros e invadiram a capital palmarina. Zumbi fugiu.
11

Estátua de Zumbi dos Palmares Reprodução


O último ano da vida do líder foi marcado por ataques esparsos, ao lado de um punhado
de companheiros, que tentavam manter viva a rebelião escrava. Foi por meio de um
membro desse grupo, Antônio Soares, que os homens de Jorge Velho chegaram a Zumbi.
Capturado e torturado, Soares aceitou levar os bandeirantes em sigilo até o esconderijo
rebelde. Lá chegando, ele mesmo teria matado Zumbi com uma traiçoeira punhalada. De
posse do corpo do líder, os mercenários arrancaram-lhe um dos olhos e cortaram-lhe a
mão direita. O pênis de Zumbi foi decepado e enfiado em sua própria boca. Já a cabeça
foi salgada e levada para Recife, onde apodreceu em praça pública.

A lenda
Curiosamente, a história acima sobre a morte do líder permaneceu esquecida durante
muito tempo. Tudo em nome de uma versão mais, digamos, épica: “Até o início dos anos
12

1960, a historiografia dizia que Zumbi e outros tantos em Palmares tinham cometido
suicídio em 1694, ao se atirar dos penhascos da serra da Barriga”, diz Flávio Gomes. Para
reforçar ainda mais a aura lendária, a narrativa do suicídio coletivo tem paralelos com o
que teriam feito os judeus que defendiam a fortaleza de Massada, no século 1 (diante da
iminente derrota, eles preferiram se jogar das montanhas a cair nas mãos dos invasores
romanos).

Essa visão pode, portanto, ter sido forjada por um cronista português cheio de histórias
da Antiguidade na cabeça. O fundo de verdade por trás disso é que Jorge Velho precisou
construir uma contramuralha, na diagonal em relação ao muro da vila de Macaco, de
forma a poder levar seus canhões perto o suficiente para arrasar as defesas de Zumbi.

A obra avançou bastante, mas ainda havia uma pequena brecha entre ela e um desfiladeiro
quando os palmarinos a descobriram. Zumbi, então, ordenou o ataque através da
passagem que restava. Os guerreiros de Palmares foram repelidos e cerca de 500 deles
acabaram rolando barranco abaixo, o que parece ter sido interpretado, erroneamente,
como suicídio.

Mas de fato há relatos de que, quando os soldados coloniais entraram em Macaco e nos
demais povoados, algumas mães palmarinas mataram seus filhos e a si próprias para
evitar a escravidão.
Reinaldo Lopes

Você também pode gostar