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UFOP – UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO

ICHS - Instituto de Ciências Humanas e Sociais


Departamento de História

Disciplina: História do Brasil III

Professor: Mateus Pereira

Aluno: Luis Henrique Viegas Silva

Matrícula: 19.2.3121

E-mail: luis.viegas@aluno.ufop.edu.br

ANÁLISE DA SÉRIE ‘’GUERRAS DO BRASIL.doc’’

O primeiro episódio da série documental1, intitulado como ‘’As guerras da


conquista’’, busca fazer uma contextualização acerca da territorialidade brasileira antes
do ‘’achamento’’ português, demonstrando o caráter violento, colonizador (que também
é violento) e desumano com que as expedições portuguesas atuaram em um solo já
pertencente às populações indígenas. O historiador e filósofo Ailton Krenak atesta,
diversas vezes, sobre o tratamento dado pelos indígenas aos portugueses que, desde a
chegada dos viajantes, foram extremamente solícitos e praticaram certa alteridade com
os europeus, visto que os estrangeiros chegaram aqui extremamente não saudáveis, mal
cheirosos e extremamente fracos. Krenak afirma que, não fosse a benevolência e ajuda
dos povos nativos, os portugueses poderiam ter sido mortos afogados pelas populações
indígenas, mas estes, os trataram com determinada cortesia, visando abraçar mais um
povo diferente que viera habitar os solos brasileiros. O território do que viria a ser o
Brasil, conforme abordado na série por Carlos Fausto e Krenak, era um ambiente
marcado pela diversidade e pelo constante contato entre as diversas tribos e etnias
indígenas que habitavam não somente o território brasileiro, mas também povos
andinos, ou seja, havia uma rede de contato viva e rica, dotada de uma história própria
(diferentemente dos modelos eurocêntricos que pregam o contrário) e extremamente
rica culturalmente. O primeiro episódio enfatizava, também, o fato de que povos
indígenas, logo no início da chegada dos portugueses, são escravizados e compuseram
1
VIVA, Nossa História. As Guerras da Conquista – Guerras do Brasil. Youtube, 7 de ago. de 2019.
Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=VeMlSgnVDZ4&t=59s>.
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durante anos a maioria, em termos quantitativos, do número de escravos, visto que a


escravização, conforme atesta Pedro Puntoni, era legalizada pela monarquia portuguesa,
para, além de outros motivos financeiros e políticos, fazer com que os indígenas
‘’pagassem um preço’’ por, simplesmente, possuírem religiões e culturas diferentes dos
moldes e padrões cristãos, eram desalmados e corrompidos pelo demônio. Evidente que
a hospitalidade indígena para com os europeus não perdura todo o tempo da conquista,
os povos originários, assim que tomaram consciência das atrocidades e abusos
cometidos pelos portugueses, entram em conflitos diretos e constantes a fim de defender
sua existência e seu território. Mais uma vez a população indígena, que bravamente
resistiu e até hoje o faz, fora dizimada pelas tropas reais e por bandeirantes vindos de
Portugal, guerra essa responsável, conforme demonstra Carlos Fausto, por ‘’ um dos
maiores holocaustos da história da humanidade’’, cujos números ultrapassam as casas
dos milhões. Portugal sempre ativava mecanismos legais que autorizavam os massacres
contra os povos originários que se organizassem para defender seu próprio território, a
tomar como exemplo as ‘’guerras justas’’, nada menos do que um aval justificatório
para enfrentar e assassinar indígenas. Os massacres e desmontes contra os povos
indígenas não são eventos isolados e pertencentes somente ao passado, eles
transpassaram o tempo cronológico e podem ser observados ainda nos dias atuais, até
no dia e horário em que este trabalho é escrito. Os portugueses deram lugar (alguns até
mesmo descendência) aos garimpeiros, aos ruralistas, ao agronegócio, ao capitalismo
moderno e, parafraseando Krenak, todos os brancos brasileiros que sentem enquanto
agentes de continuidade deste massacre.

No segundo capítulo que precede o seriado, intitulado ‘’ As Guerras de


Palmares’’2, houve, também, uma contextualização histórica acerca da chegada de
escravos negros vindos de África para compor os trabalhos na colônia portuguesa.
Portugal, de início, não encontra metais preciosos, em especial ouro, nas terras
brasileiras e, por já possuir um laboratório de produção de cana de açúcar nas madeiras
com mão de obra africana escrava, conforme demonstra o historiador Jean Marcel,

2
VIVA, Nossa História. As Guerras de Palmares – Guerras do Brasil. Youtube, 8 de ago. de 2019.
Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=ABO5XI4GZhM>.
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passa a trazer os negros para serem aqui escravizados nos engenhos de cana de açúcar.
Os países africanos, evidente que nem todos, já possuíam, culturalmente, tradições de
fazerem cativos, sejam por motivo de guerra como prisioneiros de guerras ou pelos mais
variados motivos que fazem parte de um continente extremamente diverso, plural e
culturalmente rico. Zezito de Araújo explicita como Portugal, que já era parceiro
econômico de determinados países africanos no comércio de especiarias, passa, então, a
entender a dinâmica destes países e começa a comprar esses cativos africanos, mas
dando contornos totalmente distintos daqueles praticados em África, Portugal praticou a
escravidão em largas escalas. Amparados pela igreja católica, que justificava a
escravidão de negros pelo motivo do pecado original, em pouco mais de 100 anos após
a chegada dos europeus no Brasil, o número de escravos negros já havia superado o de
escravos indígenas. Expectativa de vida baixíssima, trabalhos que beiravam a exaustão
física e a morte, maus tratos e tratamentos desumanos foram as tônicas e marcas
registradas dos portugueses para com os povos vindos de África que,
consequentemente, passam a organizar fugas, boicotes e os tão conhecidos quilombos,
símbolos de resistência contra um sistema mercantil/capitalista que assassinava
deliberadamente e só fazia enriquecer os bolsos dos brancos. O quilombo de
enfrentamento ao sistema escravista que ficou mais famoso e com uma das maiores
populações de escravos fugidos foi o de Palmares, um conglomerado composto por 8
mocambos, dentre os mais famosos estão Zumbi e Macaco, a população deste ultimo
chegou na casa dos 6 mil habitantes. A organização palmarina fora tamanha a ponto de
a própria monarquia portuguesa intervir e investir recursos na destruição dos quilombos
e durante anos os africanos resistiram bravamente, e perdendo suas vidas, para defender
sua liberdade. Derrotar Palmares era, para além de uma mera recuperação de mão de
obra, uma questão de orgulho português que não via com bons olhos as possíveis
inspirações que Palmares poderia causar no território brasileiro afora. Um acordo
chegou a ser firmado entre os colonizadores e um dos mocambos Palmarinos, mas este
não fora bem visto pela organização de Zumbi, que rompe relações e se isola no
enfrentamento aos portugueses. Anos depois deste fracassado acordo, ‘’O acordo de
Cucaú’’, Zumbi (não se tem certeza sobre a existência de um homem com esse nome,
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mas sim que a nomenclatura denomina um líder) é derrotado e sua cabeça é exposta em
praça pública para servir de exemplo. Importante ressaltar a participação dos
bandeirantes em todo esse processo, visto que eles foram contratados para trabalhar nas
expedições contra Palmares e contra Zumbi, especificamente. Tais grupos de pessoas,
mercenários vindos de Portugal, não eram figuras bem vistas dentro das populações da
colônia, eram homens extremamente violentos, ladrões sem o menor pudor. ‘’A cada 23
minutos, um negro é assassinado no Brasil. A frase que inicia o capítulo em questão
demonstra que, como em diversas outras áreas e nuances, nosso passado escravista e
racista não teve suas arestas aparadas e as contas acertadas no presente. Os mesmos
negros, descendentes dos mesmos africanos trazidos à força para cá, são mortos todos
os dias, a cada 23 minutos, no Brasil atual. Não há o menor pudor com os corpos das
pessoas negras no Brasil em que vivemos, e trata-los como somente corpos é também
uma herança deste país escravista. Luiz Felipe de Alencastro nos atenta para o fato de
que o aeroporto cujo nome é Zumbi dos Palmares, localizado em Maceió, faz parte do
estado brasileiro, Alagoas, em que mais se matam jovens negros. Desconectar o passado
escravista e de repressão contra os negros do presente atual é tarefa que faz parte
daqueles que não acreditam na história, daqueles que defendem ideais pautados no
racismo e na opressão e repressão de determinados grupos.

Já no terceiro episódio, voltado um pouco mais para história documental em si, o


tema central fora a Guerra do Paraguai e suas consequências na América. Dom Pedro II
e Solano López, o primeiro coroado imperador antes mesmo da idade mínima e o
segundo nomeado General do Paraguai por seu pai, são as figuras centrais deste fato
histórico que compõe o terceiro episódio.3 O historiador paraguaio Guido Rodriguez
atesta para o fato de que o Paraguai era uma potência militar em número de soldados e
era um país extremamente fechado no sentido político, ou seja, Solano López era quem
ditava as regras e leis a bel-prazer, comandando as poucas entradas territoriais que a
região possuía (o território paraguaio era uma floresta imensa e de difícil acesso).
Franciso Doratioto, historiador, afirma que ‘’o desejo pessoal dele era o desejo do

3
VIVA, Nossa História. A Guerra do Paraguai – Guerras do Brasil. Youtube, 9 de ago. de 2019.
Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=OW06VsXtPSw>.
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Estado, Estado e pessoa física se misturavam inclusive quanto ao uso de propriedades


[...]’’, referindo-se a López. Havia uma clara cultura de guerra e de armamento
populacional inserida dentro da sociedade paraguaia por seus líderes oficiais, tal fato
explica os números consideráveis do contingente militar do país. Nesse sentido, do
outro lado da moeda existia o Brasil, país que estava em uma situação político social
bastante estável e apresentando sinais e evidencias de crescimento econômico, as vistas
de tornar-se uma ‘’potência’’. A imposição de um tratado ‘’acachapante’’, nas palavras
do historiador Rodrigo Goyena Soares, pelo Brasil ao Uruguai, tratado este que
favorecia em todos os seus pontos aos brasileiros, prevendo até possíveis intervenções
militares caso julgassem necessário nos territórios uruguaios, marca, então, o início de
uma tensão entre Brasil e Paraguai. Com a eleição de Bernardo Berro, no Uruguai, um
de seus primeiros atos é rasgar esse tratado e tentar, enfim, definir uma soberania
uruguaia, estava posto aí o conflito. Solano López observando toda essa movimentação
política tenta aproximar-se do governo uruguaio, o objetivo de tal aproximação era de
possuir um parceiro que tinha saída para o mar, visto que o território paraguaio não
possuía nenhum tipo de saída para o mar. O Brasil, evidentemente descontente com a
situação posta no Uruguai pelo Governo Blanco, começa a pressionar o país vizinho e
tal pressão desagrada López, que demonstra total apoio ao governo vigente uruguaio e
ameaça de volta o governo brasileiro, demonstrando disposição para entrar em um
conflito armado caso o Brasil ousasse intervir no Uruguai.

O Brasil invade o Uruguai, destitui o Partido Blanco e restitui o Partido


Colorado ao poder. Solano López declara guerra ao Brasil e já inicia invasões ao
território brasileiro. Paraguai invade e toma o Mato Grosso, assassinando o presidente
da província e, a partir daí, marcha em direção ao Uruguai, para tentar retomar as terras.
Vendo as proporções que tal conflito tomaria, houve um movimento entre três países sul
americanos, que ficou conhecido como ‘’Tríplice Aliança’’, sendo eles o Brasil,
Uruguai e Argentina, agora juntos para enfrentar a potência militar paraguaia. O
Paraguai possuía um contingente composto por 60 mil soldados, enquanto o Brasil
possuía 18 mil e a Argentina pouco menos que os brasileiros, ou seja, era preciso dar
início a um processo de recrutamento em massa de homens para encorpar o exercito
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brasileiro, ‘’Os Voluntários da Pátria’’ foi o nome dado ao programa que iria convocar
homens para compor as tropas brasileiras. Diferentemente do que diz o próprio nome, o
recrutamento, em sua maioria, não fora tão voluntário quanto deveria, havendo casos
em que homens eram movidos a força para os campos de batalha, até mesmo eventos
festivos eram realizados nas cidades brasileiras a fim de, em dado momento da festa,
encurralar e intimar os homens a irem compor as tropas. O resultado de tamanho
esforço, tanto por parte dos aliados quanto por parte do Paraguai, foram diversos
conflitos, ora com vitórias paraguaias (a minoria) ora com vitórias dos aliados, e
conflitos estes extremamente violentos, longos e que dizimaram boa parte da população
de Brasil e Paraguai, mas em especial o povo paraguaio. Ocupar Assunção, região
central e estratégica paraguaia, era o principal objetivo dos aliados, juntamente da
derrota e captura de Solano, e diversas batalhas foram travadas e o desconhecimento do
território paraguaio por parte dos brasileiros delongou consideravelmente o avanço dos
aliados, denotado pela derrota aliada em 1866 na ‘’Batalha de Curupaiti’’, evento que
ceifou a vida de 10 mil soldados, entre brasileiros e argentinos. As condições precárias
dos soldados aliados durante a guerra, a demora para resolução do conflito e os casos de
doenças que passam a dizimar os soldados foram fatores que fizeram com que a
organização ‘’Voluntários da Pátria’’ passasse a agir com a agressividade e intensidade
descritas há pouco para recrutar homens. Neste cenário de caos completo D.Pedro II
pressiona o Império a fim de dedicar esforços mais elaborados para resolução da guerra,
a tomar como exemplo a chegada de Duque de Caxias, militar experiente e inteligente,
que consegue dar consideráveis avanços nas táticas e tecnologias utilizadas pelas tropas
brasileiras e, por fim, avançar. Em fevereiro de 1868 os Aliados conseguem romper o
Forte de Humaitá e, finalmente, tomar o controle de Assunção, posteriormente. Solano
López fica cada dia mais acuado, mas não desiste do conflito, chegando a obrigar
crianças e mulheres a entrarem nos campos de batalha contra as tropas aliadas. Tal ato,
para além de todo conflito que já havia ceifado a vida de milhares de homens soldados,
culmina na mortandade de pessoas comuns também, em um cenário completamente
desfavorável, visto que crianças lutavam contra soldados armados. Um ano após essa
‘’batalha final’’, que antes mesmo de acontecer já os aliados já haviam vencido a
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guerra, Solano López é encontrado e assassinado, na região noroeste do Paraguai, em


primeiro de março de 1870.

Caminhando para o final da série documental, no quarto e penúltimo episódio,


intitulado ‘’A Revolução de 1930’’4, há uma abordagem acerca dos acontecimentos
políticos que marcaram o período do pós Primeira República (1889 – 1930). Claudia
Viscardi, historiadora, aponta, logo de início, para o fato de o Brasil, no final do século
19, ser um país com uma população majoritariamente voltada para a produção rural e a
principal fonte de renda e que girava a economia brasileira era o café, grão este que é
responsável por diversas mudanças e transformações sócio políticas no Brasil. O Brasil
era um país recém saído da escravidão e com boa parte da população marginalizada e
sem condições de ascender socialmente, tal configuração altera toda a dinâmica social
brasileira, visto que pessoas passam a migrar para os centros urbanos em busca de
empregos e oportunidades de trabalho. Os empresários dos grandes centros urbanos
brasileiros, homens fortes e influentes da economia e política, tinham uma relação
bastante repressora com seus empregados, até por já terem consciência da necessidade
de se ter um emprego naquela época, a fim de evitar organizações dos trabalhadores que
reivindicassem melhores condições de trabalho e/ou direitos trabalhistas (até então não
instaurados). Tais práticas eram bastante comuns em São Paulo. O comportamento
opressor e repressor dos empresários é fato que começa a ser questionado por
determinados grupos políticos e econômicos, e tal mudança comportamental e política,
na visão do sociólogo Maurício Puls, fora um ponto de partida que tem seu ápice na
Revolução de 1930.

Um ponto central que precisa ser levado em conta na presente discussão são as
eleições e formas através das quais políticos eram eleitos no Brasil republicano (aqui o
termo republicano refere-se ao período anterior a 1930), visto que a Constituição de
1891 vedava o voto à população analfabeta, e impedir que analfabetos votassem
impedia praticamente 80% do povo brasileiro de participar das eleições. Tal cenário,
juntamente da ausência de transparência para com o resultado e o ambiente político em
4
VIVA, Nossa História. A Revolução de 1930 – Guerras do Brasil. Youtube, 11 de ago. de 2019.
Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=zWihOzIlJ1k>.
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si, cria condições propícias para o estabelecimento e consolidação dos mesmos grupos
políticos de sempre, aqueles que ganhavam as eleições estavam fadados a ganharem as
reeleições. Diversas alianças entre estados tradicionais e fortes marcam os períodos
eleitorais e o pré-eleitoral, aqueles estados com maior número de homens fortes, muitos
deles ligados a economia cafeeira, decidiam, por exemplo, o presidente da república, de
forma fraudulenta, evidentemente. Em um ano específico e peculiar, 1922, a eleição de
Epitácio Pessoa, escolhido pela famosa aliança entre SP e MG, causa a revolta de
determinados grupos sociais que alegavam fraude no resultado das eleições, a frente dos
revoltosos estavam os Tenentes, personagens que protagonizaram diversos movimentos
que exigiam a anulação do processo eleitoral. O ato mais marcante realizado por eles
fora uma passeata em Copacabana, em que um grupo composto por 18 homens marchou
em direção e contra o exército oficial, apenas dois saíram vivos. Boris Fausto aponta
para os efeitos causados por tal ato, efeitos extremamente positivos e que conectaram os
revoltosos à população e aos grupos econômicos não ligados ao café, os Tenentes
passam a serem vistos como heróis e os atos seguintes realizados, contando até mesmo
com uma tomada violenta da cidade de São Paulo por 23 dias, passaram a ter
considerável apoio popular e ajuda do empresariado. Havia uma clara tentativa de
instituir um golpe militar contra o presidente eleito e as reivindicações dos militares
eram pautadas em deficiências reais da própria República brasileira, mas eles estavam
claramente e literalmente dispostos a pegar em armas para concretizar suas
contestações. As eleições seguintes, de 1930, após tantos anos de tensões e conflitos
civis, seriam o marco e, talvez, o estopim para a explosão de um conflito ainda maior
que os já ocorridos. Os grupos que não se identificavam com as proposições e
conchavos políticos vigentes, pertencentes aos estados de Minas Gerais, Rio Grande do
Sul e Paraíba, fundam, então, a ‘’Aliança Liberal’’ com o objetivo final de lançar um
candidato que disputasse as eleições de 1930. Júlio Prestes fora o indicado pelos atuais
mandatários da política e Getúlio Vargas entra como o representante da oposição. O
resultado não poderia ser diferente, derrota de Getúlio, ‘’as oposições perdiam’’ afirma
a historiadora Ângela de Castro Gomes. Mais uma vez, a oposição, agora representada
pela ‘’Aliança Liberal’’, se reúne para pensar em estratégias para conseguir e/ou tentar
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reverter o resultado das eleições e, nesse meio tempo, o vice candidato de Getúlio, João
Pessoa, é assassinado em um café em Recife. Era a gota d’água para realização de uma
revolução armada, o povo passa a apoiar com maior afinco os revoltosos. ‘’No dia 1º de
novembro de 1930, revolucionários tomam o poder em uma entrada triunfal no Palácio
do Catete’’. Getúlio passa a ser o presidente do Brasil, graças ao efetivo e ações de
militares. Um ditador. Alguns avanços sociais podem ser observados no período que
marcou o período que compreendeu o governo de Vargas, tais como o reconhecimento
do voto feminino, reconhecimento das massas que estavam marginalizadas, criação de
uma justiça eleitoral e uma nova Constituição (não discutiremos aqui os pontos
positivos desta Constituição). Ângela atesta que: ‘’É um avanço no país no sentido da
modernização, mas também um avanço de procedimentos antiliberais, autoritários. E
nesse sentido, de uma legislação crescentemente de exceção, que vai fazer com que o
custo dessa modernização seja alto, no ponto de vista, sobretudo, de direitos civis e
políticos’’. Vargas governou constitucionalmente durante apenas três anos, quando, em
1937, ele fecha o Congresso brasileiro e aglutina para si os poderes e mandos de toda a
nação, era a declaração explícita de um governo ditatorial que duraria 15 anos
consecutivos. Importante ressaltar que Vargas chegou a firmar acordos com Hitler.

O último episódio5 traz a tona uma discussão extremamente atual,


principalmente nos grandes centros urbanos, em especial Rio de Janeiro e São Paulo,
pois aborda o surgimento das organizações criminosas e seu alto grau de organização,
organicidade e revolução. O encarceramento em massa da população brasileira, em
especial pessoas negras e de baixa condição financeira, é uma marca registrada de um
país com uma herança escravista e colonial pujantes e tal processo, extremamente mal
feito, tem como episódio marcante a ida de diversos presos, enviados pelo regime
ditatorial de 1964, para uma ‘’colônia penal’’, conforme dita o jornalista Carlos
Amorim, no município de Ilha Grande (RJ). As condições estruturais do presídio da
Ilha Grande eram extremamente precárias e desumanizadoras, um ambiente que,
originalmente, deveria existir para recuperar e reformar pessoas que cometem delitos

5
VIVA, Nossa História. Universidade do Crime – Guerras do Brasil. Youtube, 12 de ago. de 2019.
Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=cXCf_U-PaOU>.
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gerava um efeito totalmente contrário do esperado. Os presos passam a se organizarem


dentro desses ambientes a fim de defenderem seus irmãos de cela, exigir seus direitos e
lutar para que as coisas funcionassem de fato, ainda que remotamente. Estava posto, ali,
a criação da primeira organização criminosa do Brasil, inicialmente conhecida como
‘’Falange Vermelha’’, mas que adotou o nome de ‘’Comando Vermelho’’, dado pela
mídia brasileira da época. O nível de insalubridade das instituições de detenção,
juntamente da resistência dos detentos a todo esse ambiente desumano, ocasiona um
movimento de organização, defesa e irmandade que se espalha por todo o Brasil e
consagra grupos extremamente conhecido, como o ‘’Primeiro Comando da Capital’’, o
PCC, em São Paulo. O nome ‘’organização’’ não foi dado ao acaso para tais grupos, há
um alto grau de disciplina, código de éticas e hierarquias bem estabelecidas dentro dos
comandos, aqueles que resolvem entrar para os grupos se colocam a disposição para,
além de seguir as normas e regras, ajudar a retroalimentar financeiramente as
organizações e as formas de conseguir recursos financeiros são variadas, de assaltos a
bancos às biqueiras. O PCC, a titulo de exemplo, é o principal, talvez único, responsável
por fazer cair a taxa de homicídios no estado de São Paulo, desde a consolidação real do
grupo organizado dentro das cidades paulistas. Entender o surgimento das organizações
criminosas dentro do Brasil é entender a ineficiência do Estado brasileiro em dar o
suporte necessário e constitucional àqueles que cometem delitos e são direcionados aos
centros de detenção, torna-se evidente a brecha através da qual os comandos tomaram
para conseguirem seu desenvolvimento e consolidação dentro dos estados brasileiros.

O Rio de Janeiro se difere um pouco de São Paulo no que diz respeito à


soberania do PCC no estado paulista, visto que, além do ‘’Comando Vermelho’’ outros
grupos organizados conseguiram manter suas bases consolidadas e passaram a disputar
espaço com o CV. O resultado de tal disputa territorial e política, somado a atuação de
policiais corruptos que se associam ao crime organizado, dá-se diariamente, com índices
altíssimos de conflitos e mortes, mortes estas daqueles mesmos grupos sociais citados
acima que são reprimidos pelo Estado brasileiro. A instalação das Unidades de Polícia
Pacificadora são um belo exemplo da ineficiência do Estado brasileiro e do estado do
Rio de Janeiro, que insere policiais dentro de comunidades com um falso intuito de
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pacificar as favelas, mas que agem no sentido contrario da palavra ‘’pacificação’’ e, na


minha visão, agem da forma como esperávamos que agissem: aumentando os índices de
violência e assassinatos. O Estado brasileiro age de forma autoritária, violenta e
repugnante no que tange ao combate à criminalidade dentro de nossos territórios. Pretos
e pobres que se associam dentro dos precários presídios para reivindicarem seus
direitos, quando saem são assassinados pela polícia que mais mata e que mais morre no
mundo. Ou seja, duas vezes o erro é cometido pelas mesmas instituições, e tal
configuração dá-se de forma cíclica. Um cidadão comete determinado delito enquanto
faz parte do convívio comum, delito esse que ocorre, em sua maioria, por faltas de
oportunidades não dadas pelo próprio Estado, então, ele entra no sistema penal e é
tratado como um animal prestes a ser abatido. Após cumprir sua pena em ambientes
completamente desumanos e se associar (ou não) a algum grupo organizado, ele ‘’cai’’
de volta ao convívio comum e, na maioria das vezes, não consegue construir uma vida
longe do crime, pela mesma falta de oportunidade que o fez entrar em um presídio, e
passa a compor as organizações criminosas que reconhecem esse indivíduo enquanto
uma pessoa que tem valor e que pode defender seus ideais. O final deste ciclo, quando o
inserimos em um contexto individual, é a morte, enquanto os poderosos que lucram com
toda essa guerra institucional legalizada sequer têm seus nomes divulgados.
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Referências:

VIVA, Nossa História. Guerras do Brasil. Youtube, 7 de ago. de 2019. Disponível em:
< https://www.youtube.com/channel/UCLReEkAJp8YCyGsCTswbYqQ>.

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