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Ademir Barros dos Santos

Nuno Rebocho

Sobre
revoltas
de escravos
e quilombos

Editora AMCGuedes
2018
Direitos reservados: R ESUMO
Ademir Barros dos Santos
Nuno Rebocho Estudo que aborda aquele que é, possivelmente, o
primeiro formato de resistência de escravos nas
Américas, fenômeno este onipresente onde e durante
Capa e Arte de Capa: todo o período em que o processo escravista existiu e
Marcelo Maia durou. Fruto de extensas pesquisas, embora tenha
centrado seu enfoque em Cabo Verde e Brasil, a
abordagem busca apontar que, ao contrário do que é
voz corrente, em nenhum momento os contingentes
Revisão: escravizados sentiram-se acomodados na posição de
Cassiana Voazem subalternos; pelo contrário: sublevaram-se
Lúcia Lopes constantemente, produzindo, por si próprios, formas,
muitas vezes subterrâneas e imperceptíveis, de resistir e
existir, apesar da incrível violência a que se viram
submetidos. Com este intuito, busca-se abordar e relatar
a existência de revoltas e as permanências de quilombos
nas Américas do Sul e Central, bem como sua
mobilidade, renascimento e resiliência, com seus diversos
nomes, por toda a extensão das Américas colonizadas;
ISBN: 978-85-8356-074-6 como fechamento, atesta-se a continuidade da
resistência negra em tempos atuais: se não mais pela
força, certamente pela continuidade de sua filosofia em
suas novas formas de quilombagem, tais como as
religiões de matriz africana em seus diversos formatos,
amalgamados ou não a outras formas de crer, além de
seus clubes étnicos, representações políticas e suas
músicas de protesto, assim como as diversas
demonstrações culturais de sua própria lavra, tais como
SANTOS, Ademir Barros, REBOCHO, Nuno. as poesias que, embutidas em novos ritmos, expressam
Sobre revoltas de escravos e quilombos. Rio de inconformismo e denunciam o racismo, onde e sempre
que isto se fez ou se faça necessário.
Janeiro: AMCguedes, 2018.
I. Escravismo. II. Africanidades. III. Pal a vr as - ch a ve : Quilombos. Africanidades.
Quilombos. IV. Resistência Escrava. V. Título. Resistência escrava. Processo escravista.
Rio de Janeiro, 2018.

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2
P REF ÁCIO
R ESU MEN
MEMÓRIA DE UM HOLOCAUSTO
Estudio que aborda aquel que es, posiblemente, el
primer formato de resistencia de esclavos en las A história da escravidão africana na América é um
Américas, fenómeno este omnipresente donde y durante abismo de degradação e miséria que se não pode
todo el período en que el proceso esclavista existió y sondar.
duró. Fruto de extensas investigaciones, aunque se
encuentre centrado su enfoque en Cabo Verde y Brasil, Joaquim Nabuco
el estudio busca apuntar que, al contrario de lo que es
voz corriente, en ningún momento los contingentes Nesse conciso, mas fiel e contundente estudo
esclavizados se sintieron acomodados en la posición acadêmico, o professor brasileiro Ademir Barros dos
de subalternos; por el contrario: se sublevaron Santos e o jornalista e escritor português Nuno Rebocho
constantemente, produciendo, por sí mismos, formas, debruçam-se sobre um dos períodos mais importantes
a menudo subterráneas y imperceptibles, de resistir y – e também vergonhosos e humilhantes – da história
existir, a pesar de la increíble violencia a que se vieron brasileira, a escravidão.
sometidos. Con este propósito, se aborda y relata la Em necessária e profunda incursão crítico-
existencia de revueltas y las permanencias de quilombos reflexiva os dois experientes estudiosos de nossas raízes
en las Américas del Sur y Central, así como su e identidade percorrem e dissecam a génese desse
movilidad, renacimiento y resiliencia, con sus diversos processo formador do estado e da nação brasileiros, a
nombres, por toda la extensión de las Américas partir de suas ramificações na África, a partir de Cabo
colonizadas; como cierre, atestigua la continuidad de Verde. Tendo como foco a constituição dos quilombos
la resistencia negra en tiempos actuales: si no más por e das instâncias de resistência que marcaram a diáspora
la fuerza, por supuesto por la continuidad de su de um povo violentamente arrancado de seus territórios
filosofía en sus nuevas formas de quilombaje, tales para servir de força de trabalho oprimida na terra dos
como las religiones de matriz africana en sus diversos colonizadores e dominadores europeus além-mar, com
formatos, amalgamados o no a otras formas de creer, ênfase na vertente portuguesa, esse livro traz, além do
además de sus clubes étnicos, representaciones políticas, registo histórico e da consolidação da memória, o
sus canciones de protesta, así como las diversas indesviável compromisso ético com a verdade, esta que
demostraciones culturales de su propia labranza, tales tantas vezes sofreu distorções, manipulações e ajustes
como las poesías que, embutidas en nuevos ritmos, por parte dos vencedores.
expresan inconformismo y denuncian el racismo, Não se pode olvidar que o Brasil foi o último
donde y siempre que esto se hace necesario. país do ocidente a abolir a escravidão. E esses quase
quatro séculos de imposição da força e da miséria física
Pal a br as cl a ve : Quilombos. Africanidades. e moral do branco sobre o negro é uma chaga que não
Resistencia esclava. Proceso esclavista. cicatriza e que o tempo, a política e os programas

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inclusivos jamais conseguirão corrigir ou apagar, pois Ao abordarem esse movimento histórico de
ainda perdura no inconsciente coletivo, pelo que temos revolta das populações negras transplantadas para as
visto e assistido à saciedade, quando a imensa maioria Américas, a partir dos quilombos, a exemplo de Palmares
da população negra ainda vive sob o tacão de um e de Zumbi, um de seus líderes, os autores nos levam a
apartheid social e econômico. Os afrodescendentes conhecer, refletir e tomar consciência da necessidade de
continuam a viver o estigma histórico que lhes foi valorização, respeito e recepção desse flanco de
imposto, longe das oportunidades de emprego, sem resistência que não se esgotou com o fim da escravidão.
acesso a escola de qualidade, negligenciados na Num trajecto analítico e questionador, esse
assunção ou mobilidade nas carreiras administrativas trabalho de pesquisa e fôlego oferece um robusto
públicas e privadas, com participação quase nula nos material científico, histórico e sociológico que nos
escaninhos do poder e sem assento nos centros de permite, por meio desse espelho irretorquível de uma
decisão em todos os níveis. de nossas mais antigas e cruciais demandas,
O que os autores esmiúçam em “Memórias: Revolta compreender e refletir sobre esse verdadeiro holocausto.
de Escravos e Quilombos”, com lúcido e isento espírito Sem dúvida, o que foi a escravidão senão um grande
investigativo, é uma história ancestral de resistência e projeto do dominador colonizador branco de
afirmação das populações negras contra a vileza, o institucionalização da sevícia, da tortura e do assédio
sofrimento, a humilhação, o tratamento desigual e moral e sexual? Transformaram negros africanos em
animalizante, a convivência torturante com a realidade verdadeira máquina compulsória ao serviço de sua
de outros territórios, enfim contra toda forma de ganância financeira, econômica e territorial: de um
servilismo físico e psicológico, de que foram vítimas tanto lado destinando-os à produção e elo na cadeia de
no campo territorial quanto da cultura, da religiosidade, monocultura (pau brasil, cana de açúcar, café); por
na vida doméstica ou no campo afectivo. outro, à reprodução sexual, quando os senhores,
Mercê disso, surgiram os quilombos, essa matriz extravasando o próprio crime da privação de liberdade
simbólica de um enfrentamento permanente do castigo e da tortura dos homens, transformavam também as
imposto a esses deportados, sentimento que nunca se mulheres negras e escravizadas em objetos sexuais.
desviou de seus princípios étnicos, nem se deixou Não é demais afirmar que esse sistema de
subornar pelos donatários do Novo Mundo. Permanece dominação e exclusão perdura até hoje no seio da nossa
até nossos dias como força motriz de uma consciência estratificada condição social, geradora de distâncias,
que busca não somente reafirmar as suas origens, mas injustiças e abismos econômico-sociais, pois como dizia
o seu resgate e consolidação como nação coesa e que Darcy Ribeiro, o Brasil “tem uma perversidade
se alinha num propósito comum, visando a preservação intrínseca na sua herança, que torna a nossa classe
de todos os seus valores, totens, símbolos e crenças, dominante enferma de desigualdade, de descaso...” É
sobretudo nesses tempos de aculturação e outros isso que a torna ainda mais incapaz, por conta desses
processos de assimilação ou despersonalização, que a estatutos preconceituosos tão arraigados ou vigentes,
cultura escravizadora sempre tentou condicionar ou de perceber e enaltecer nossa identidade e nossa
cooptar. genuína formação a partir da presença negra em nosso

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território, que tanto contribuiu para a riqueza de relembrar a líder brasileira Makota Valdina (“Não sou
nossas peculiaridades como povo e nação, como se descendente de escravos. Eu descendo de seres humanos
infere das diversas manifestações que formam a nossa que foram escravizados”), pois defender a cidadania e
condição existencial. dignidade do homem neste Planeta tão achincalhado,
A organização e a cultura quilombolas são, onde não deveria haver cor nem religião que
como reafirmam os autores, esse profícuo “conjunto de segmentassem povos e nações, é responsabilizar-se pela
ações e reivindicações destinadas a promover a humanização individual e coletiva. Os sonhos de
emancipação e a convivência social e cidadã do povo Zumbi dos Palmares, José do Patrocínio, Nelson
negro, em igualdade de condições com os descendentes Mandela, Malcolm X, Martin Luther King, Angela
de seus algozes europeus.” Davis, Abdias do Nascimento & tantos outros
Somostodos parte de um mesmo povo e não há anônimos que sacrificaram suas vidas em prol dessa
hierarquias que se justificam para contrapor um povo causa, revigoram o sentimento de toda uma
ou uma raça a outra, pois o que há no mundo são consciência negra que emergiu dos quilombos, mas
apenas duas classes de seres: os homens livres ou os continua acesa, para afastar todo o obscurantismo, e
que vivem no cativeiro, sejam eles negros, brancos, em repúdio e condenação a toda injúria racial.
índios, estrangeiros, refugiados, pois se a escravidão E não podemos – como povo brasileiro, esse
foi abolida no mundo como sistema de opressão estado e sociedade felizmente tão multifacetados,
econômica, hoje ela sobrevive de outras formas, muitas sincréticos e miscigenados que somos, e que se pretenda
das vezes dissimuladas pelos fetiches do capitalismo ou se reivindica, após a Constituição de 1988, ser
consumista, espoliativo ou das prisões eletrônicas e democrática, igualitária, inclusiva, pluralista e
virtuais impostas pelos fetiches do deus mercado. Há fraterna – querer ser menos.
ainda gente sendo escravizada por causa de religião Ronaldo Cagiano (*)
em toda a parte e essa é outra diáspora que tanto nos
apequena como humanidade.
É preciso questionar todas as formas de opressão, (*) Escritor brasileiro, autor, dentre
as que existiram, como a escravidão negra, e as que outros, de “Dezembro indigesto”
persistem na civilização dita contemporânea e (Contos, Prémio Brasília de Produção
moderna, sob disfarces e mecanismos tão violentos Literária 2001), “O sol nas feridas”
como as primitivas torturas. Particularmente, a luta dos (Poesia, Finalista do Prémio Portugal
quilombos e seus líderes é ponto de partida para resistir Telecom 2012) e “Eles não moram
sempre e jamais deixar que a história se repita, pois mais aqui” (Contos, Prémio Jabuti
nascemos todos livres e a escravidão é uma construção 2016). Reside em Lisboa.
da perversidade humana ou fruto de diatribes e
interesses políticos dominadores e colonialistas.
Na esteira de todo um pensamento humanista
que fornece as bases para essa luta permanente, vale

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A PRESENTAÇÃO S UMÁRIO

Em contraponto à voz oficial, este estudo abordaoutras O E NF RE NTAMEN TO CU LTURAL ...................................... 13


posturas das negritudes transpostas compulsoriamente para o Senzala: o curral dos animais que falam .................. 14
Novo Mundo, visto que os meios oficiais, ainda hoje, enfatizam Escravos novos ........................................................... 16
a dominação pacífica do europeu sobre o africano que, no Cotidiano escravo ...................................................... 18
extremo, ainda é visto como conivente com o processo. Petit marronage ......................................................... 19
Portanto, é necessária a constante vigilância sobre o Gran marronage ........................................................ 20
contínuo e persistente apagamento da ação dos movimentos A interlocução ........................................................... 21
culturais e sociais que os próprios negros produziram, O escravo urbano ...................................................... 22
instrumentalizando a cultura nacional à procura de caminhos A escrava doméstica .................................................. 23
para a própria libertação. Os mestiçoS ............................................................... 25
É com este intuito que esta análise se dispõe a discorrer Grupos de manutenção cultural ................................ 27
sobre a evolução dos processos de enfrentamento à dominação Irmandades e confrarias ............................................ 27
europeia,quando produzidos pelos próprios africanos Religiões de matriz africana ...................................... 30
escravizados e sua descendência, com ênfase na ininterrupta Ainda antes de abordar revoltas e quilombos ........... 34
resistência cultural que, ao final, permitiu a sobrevivência dos
saberes de matriz africana em suas diversas formas e nuances, O E NF REN TAMEN TO MATERIAL ...................................... 37
inclusive como instrumentalizadores das sociedadesonde o A origem dos quilombos africanos ............................. 37
processo ocorreu; o que se mostra evidente ainda nos dias atuais. O povo jaga; ou imbangala ...................................... 38
Como encaminhamento do estudo, iniciar-se-á pela O escravismo europeu e a resistência, em África ....... 41
abordagem às diversas formas de resistência e manutenção Em S. Tomé ............................................................... 43
cultural, que ocorreram consistentemente em todo o espaço Em Angola ................................................................. 46
americano sujeito ao escravismo; para tanto, apenas como No Congo, Daomé e Gabão ...................................... 49
exemplo e para melhor acompanhamento, seu foco, nesta Em Moçambique ........................................................ 50
abordagem, centrar-se-á no caso brasileiro.
Na sequencia e à guisa de segunda parte, o texto RE SIS TÊNCIAS NO CO NTIN ENTE AMERICAN O ....................... 55
aborda as diversas revoltas que se espalharam por todas as As revoltas ................................................................. 57
Américas de colonização ibérica, ao final voltando seu foco
para o detalhamento do início de tudo, que foi o quilombo: OS Q UILOMBO S ....................................................... 63
para tanto, centrar-se-á no Brasil e em Cabo Verde. A organização quilombola ......................................... 65
Finalizando, enfoca-se a permanência do sentimento Cabo Verde ................................................................ 69
de resistência ao epistemicídio que atinge a população negra Brasil ......................................................................... 85
atual, cuja resistência foi, por Clovis Moura, apelidada
quilombagem. Q UILOMBAG EM , H OJE ................................................ 92
Este o caminho a seguir. Q UADRO CRO NO LÓ G ICO ............................................. 96
B IBLIO G RAF IA ....................................................... 101
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L ISTA DE ILUSTRAÇÕES
O enfrentamento cultural1
F IGURA
Figura 1 - Rainha Nzinga ................................................... 48 Para início, deve-se lembrar que o maior
Figura 2 - Príncipe Kimbinda Ilunga .................................. 49 movimento migratório registrado pela história da
Figura 3 - Achicundas armados .......................................... 51 humanidade envolve, pelo menos, dez milhões de
Figura 4 - Estátua de Espártaco .......................................... 55 emigrantes involuntários, deportados, com extrema
Figura 5 - Toussaint L´Ouverture ........................................ 61 violência, do continente africano para as Américas,
Figura 6 - Retrato e escultura de Zumbi .............................. 87 onde se viram condenados, sem qualquer crime, a
sevícias e trabalhos compulsórios.
No tempo, o processo tem início em meados do
F O TO G R AF IA S
séc. XV; no século seguinte, incrementa-se com a descoberta
Fotografia 1 - Simão Andreza, último rei angolar .............. 45
das Américas, estendendo-se até o final do séc. XIX.
Fotografia 2 - “Cimarrónes” peruanos ,............................. 60 No espaço, atinge todas as populações do litoral
Fotografia 3 - Quilombo, no México ................................. 64 atlântico do continente negro, onde se encontravam três
Fotografia 4 - Quilombo brasileiro recebendo visitas ......... 67 culturas principais: Alta Guiné, Baixa Guiné e África
Fotografia 5 - Mulheres quilombolas ................................ 68 Central; deste espaço, quinze milhões de africanos são,
Fotografia 6 - Quilombo em Cabo Verde ........................... 71 estimadamente, vitimados pelo processo de transferência
Fotografia 7 - Argolas usadas nos escravos ........................ 73 compulsória, dos quais algo em torno de dez milhões
Fotografia 8 - Mandinga escravizado ................................ 75 desembarcam; os cinco milhões restantes, simplesmente
Fotografia 9 - Vista de Assomada (Cabo Verde) ................. 83 não resiste à violência que lhes foi aplicada.
Fotografia 10 - Uma senzala brasileira ............................... 88 Quarenta por cento de todo o contingente chegado
Fotografia 11 - Mulheres quilombolas atuais ...................... 93 vivo, foi alocado ao Brasil, sendo que o início do processo
Fotografia 12 - Uma comunidade quilombola atual ............ 94 de comercialização de humanos nas Américas, tem gênese
na cidade de Ribeira Grande de Santiago, no arquipelago
M AP AS de Cabo Verde. Daí o foco deste estudo centrar-se nestes
Mapa 1 - Maganja da Costa .............................................. 53 dois países de colonização portuguesa.
Mapa 2 - Rotas do tráfico escravista ................................... 56 Isto posto, é necessário relembrar que foi assim
Mapa 3 - Ribeira Grande de Santiago, no século XVI .......... 76 que o povo negro, despersonalizado e descivilizado,
Mapa 4 - Ilha de Santiago ( Cabo Verde) ........................... 80

Q U AD RO S 1
Este tópico, o seguinte e parte do capitulo “Os quilombos”,
Quadro 1 - Bartolomeu de Las Casas .................................. 58 foram consolidados no artigo “Outros negros”, que foi admitido,
Quadro 2 - Escravos dançando ........................................... 66 embora um tanto alterado por adaptação àquele formato, pela
Quadro 3 - Mercado de escravos em Argel .......................... 78 revista eletrônica Periferia, publicação do Programa de Pós-
Quadro 4 - Escravos lutando capoeira ................................ 86 Graduação em Educação, Cultura e Comunicação da FEBF/
Quadro 5 - Escravos em engenho brasileiro ........................ 88 UERJ, ISBN 1984-9540, devendo constar, nesta revista, do nº
Quadro 6 - Casa de escravos: final do processo escravista .... 91 10, referente ao período jan./jun.2018.

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expurgado de suas sociedades e culturas de origem, era de catorze a dezesseis horas, sob a fiscalização do
animalizado, desconhecedor dos costumes e idiomas feitor, que não admitia pausa ou distração”.
em que é recebido, foi destinado, apenas, ao trabalho Então, prossegue ele à mesma página,
mais vil, compulsório e sob tortura... mas, sobrevive! informando que, em contrapartida a esta jornada e
Primeiramente, nas senzalas. Mas, sobrevive. “conforme a falta, havia um tipo de punição e de
tortura. Mas a imaginação dos senhores não tinha
Senzala: o curral dos animais que falam limites, e muitos criavam os seus métodos e instrumentos
Segundo define Lopes (2004),o termo de tortura próprios”.
aproximado “sanzala”, em quimbundo, significa É evidente que o que acima vai descrito, leva a
“habitação de indivíduos da mesma família”; para pensar que o negro senzalado, conformado com sua
Slenes (1999, p. 148) o termo, atualizado, traz a sorte de escravo ou com medo do castigo, se colocava
conotação de “residência de serviçais em propriedade como subalterno e, consequentemente, tornava-se
agrícola”; ou, ainda, “povoado”. apático, não encontrando nenhuma forma de resistir.
É possível que, na diáspora, o significado Se engana quem pensa assim: afinal, com
apontado por Lopes tenha se generalizado mais e, a quantas espinhas negras forçadamente curvadas, viu-
partir de então, tenha adquirido o signifcado que se feita e erguida a coluna cultural dos povos das
Slenes aponta. Américas? Quem sabe um dia, pelo menos algumas das
Sobre o tema, ensina Moura (1989, p. 7-8), costelas apoiadas naquelas espinhas pretas entortadas,
quanto ao Brasil: vejam suas fraturas um tanto quanto remendadas,
mesmo que apenas toscamente, a partir de então.
Esta história começa com a chegada das Isto porque, primeiro, é preciso ressaltar que,
primeiras levas de escravos vindos da África. mesmo naquele ambiente hostil, o fenômeno
Isto se dá por volta de 1549, quando o associativo se manifestava: tendo em vista que
primeiro contingente é desembarcado em ambientes hostis incentivam a formação de associações
São Vicente. D. J oão III concedeu
informais, quer para socorro e ajuda mútua, quer como
autorização a fim de que cada colono
importasse 120 africanos para as suas
facilitadoras de negociações políticas e de lazer, não é
propriedades. [...] alguns historiadores difícil imaginar a necessária união de malungos2 para
acham que bem antes dessa data já haviam a composição daquelas, nestes agressivos locais.
entrado negros no Brasil. Afirmam mesmo É de se admitir, até por pura lógica, que africanos
que na nau Bretoa, para aqui enviada em que, no ambiente de origem, conviviam sob culturas
1511 por Fernando de Noronha, já se mais próximas, formassem os primeiros grupos de
encontravam negros a bordo. ajuda informal; afinal, o compartilhar cultura lhes
permitia partilhar estratégias e soluções comuns para
Uma vez no eito, o escravizado recebia problemas também comuns.
tratamento de animal de carga e tração, de tal forma
que Moura (1989, p. 17) aponta: “a jornada de trabalho 2
Amigos, em tradução ampla e livre.

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Como corolário, é incontornável admitir que o A negra-massa, depois de servir aos
ambiente da animalização partilhada pode ter senhores, provocando às vezes ciúmes em
estendido as soluções encontradas por um grupo, que as senhoras lhes mandavam arrancar
mesmo que por imitação, para os demais grupos, todos os dentes, caíam na vida de trabalho
braçal dos engenhos e das minas em
também covitimados pela mesma desgraça senzalada.
igualdade com os homens. Só a esta negra,
Por decorrência, é destas toscas formações novas largada e envelhecida, o negro tinha acesso
que resulta a cultura afroamericana, inexistente na para produzir crioulos.
África: pessoas de diversa origem se encontram e
trocam, negociam e se autoapoiam compulsoriamente, Porém, Slenes (1989) detecta modificações de
permutando informações, posições, crenças e idiomas comportamento ocorridas no interior do estado brasileiro
e, consequentemente, reformatando tudo o que sabiam, de São Paulo no final do período escravista, na região
agora amalgamado em formas mais confortáveis, que onde as senzalas serviam de principal e, talvez, única,
se desenvolviam continuamente, no dia a dia. sustentação à economia; isto, especialmente após a
Além disso, há sempre a reoxigenação cultural Inglaterra iniciar o combate ao tráfico, o que torna o
gerada pela constante e ininterrupta introdução de translado escravista um risco; e caro.
escravos novos. Ao analisar dados de registro de escravos na
região do Médio Tietê, produzidos a partir do início do
Escravos novos séc. XIX – batismos, casamentos, inventários e similares
Para a obtenção de escravos novos, a formação – ele detecta a existência de famílias consistentemente
de famílias nas senzalas americanas, exceto no século mantidas; assim, a tabela que estampa à p. 98 daquele
final do processo escravista, era algo praticamente seu estudo, referindo-se à Campinas de 1872:
impossível: importava-se algo em torno de oito homens
por mulher, visto que a escravidão tinha, por finalidade
primeira, o trabalho braçal, extenso e forçado, para o Idade de Quantidade Tempo de
qual as mulheres, assim como as crianças e os velhos, escravas-mães casamento
não formavam, evidentemente, o contingente mais
indicado. 15-24 9 3 anos e 03 meses
Porém, há que se atentar que, destas senzalas e 25-34 25 11 anos e 06 meses
das poucas mulheres de início para cá trazidas, 35-44 14 16 anos e 11 meses
nasceram outras, permitindo, ao longo do tempo, a
produção de crioulos, quer a partir de africanas natas, Totais e média 48 11 anos e 7 meses
quer de crioulas já aqui nascidas.
Quanto à reprodução natural entre escravizados, Por necessário, ressalte-se que as tabelas que
é Ribeiro (1995, p. 163) quem opina – talvez com certo utiliza, segundo informa, não registram uniões
exagero – quando fala das mulheres: consensuais: limitam-se aos casamentos efetivamente
celebrados pela Igreja Católica.

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Proseguindo, Slenes ainda apresenta (1989, p. Petit marronage
102), atestando a permanência e estabilidade das Embora as leis escravistas estabelecessem penas
famílias no final do período escravista, o percentual duras e cruéis para os escravos que, fugitivos ou não,
de legitimidade dos filhos de escravas: Campinas, 1872 eram comumente deixados inteiramente ao arbítrio de
= 80%. seus senhores, a quem se pemitia, até mesmo, “cortar o
Parece claro que, pelo menos ao final do séc. pé de Kunta Kinte”, conforme revela Alex Haley em
XIX, quando o processo escravista estava terminando Negras Raízes, ou assar escravos à beira de fornalhas,
e o casamento entre escravos passa a ser possível e até como relata Darcy Ribeiro em O povo brasileiro, os
incentivado, é contestável a informação corrente, que senhores não eram obrigados a aplicá-las.
aponta promiscuidade desmedida entre escravos, nas Na verdade, é de crer que um escravo valioso
senzalas... podia ser perdoado e até recompensado por seu retorno,
especialmente quando imprescindível ao bom
Cotidiano escravo andamento do serviço; assim parece ter ocorrido, por
A chamada “resistência cotidiana” ou baixa exemplo, nas minas do litoral americano do Pacífico,
produção, comum em todo o mundo escravista, é, talvez, onde o efetivo conhecimento da extração, purificação
a fonte primeira que levou os colonizadores a e trato do metal, via de regra, pertencia ao escravo chefe
considerar seus escravos preguiçosos, descuidados, de serviço, talvez oriundo dos antigos impérios do
incompetentes... Cinturão Sudanês, ou da Costa do Ouro.
No entanto, a baixa produtividade talvez reflita Por outro lado, embora a sociedade considerasse
mais a vontade dos escravos em resistir ao trabalho o ato de fugir equivalente ao roubo de si mesmo e, se
espoliativo, do que seus hábitos pessoais. acompanhado do assassinato do senhor, passível de
Na verdade, é crível que a indisciplina, o equiparar-se ao parricídio, a fuga individual nunca foi
absenteísmo, a produção de baixa qualidade, o mau novidade entre a massa escrava.
gerenciamento de instrumentos de trabalho e atitudes Mas, fugir podia representar, apenas, a troca de
similares, tenham sido, apenas, as armas disponíveis senhor!
aos escravos para exigir, de seus senhores, tratamento Isso porque, é evidente, nenhum proprietário
mais humano, abolição do sadismo, disponibilidade queria ter, em sua escravaria, rebeldes e fujões, capazes
de tempo para o lazer, produção própria, vida social, de induzir, a qualquer momento, revoltas por toda a
entre outras destinações. senzala: a venda poderia representar a forma
Quando não, talvez represente, apenas, pequenas econômica mais viável de evitar contratempos, sem
vinganças. Improdutivas, sim. Mas, servindo como descurar da recomposição do vil metal.
válvulas de escape. Especificamente nas colônias de cultura ibérica,
Essa a resistência cotidiana. o clero, ao aceitar a escravidão como boa e válida, a
justificava com a catequização; assim sendo, o escravo
condenado por determinados crimes religiosos, podia
ser confiscado pela Igreja, sempre vista como mais

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benévola que os latifundiários: daí a blasfêmia crer a história oficial; nem na prevenção a assaltos
deliberada, à vista do padre, tornar-se caminho seguro quilombolas a povoados vizinhos; se assim fosse, as leis não
para melhores condições de vida; caminho esse, considerariam quilombos, passíveis de destruição, pequenas
protegido por Lei. comunidades, às vezes formadas por menos de dez negros.
Além da fuga individual, também ocorreu – e Talvez o principal motivo que tenha levado ao
em maior monta – a resistência coletiva, em que fugir consistente enfrentamento aos quilombolas, tenha sido
em pequenos grupos representava, para os escravos, a o temor à derrocada do sistema econômico-social,
forma possível de parar o trabalho temporiamente, montado exclusivamente para obter, de mão de obra cujo
pressionando o senhor por melhores condições. custo se limitava à precária manutenção da capacidade
Pequenas greves, não voltadas unicamente às produtiva, a máxima renda com mínimo custo, o que
condições de trabalho, também podiam ser gerava máximos lucros para a metrópole europeia.
desencadeadas diante, por exemplo, de obstáculos à Isto é: a existência de quilombos bem sucedidos
formação de famílias, tempo diminuto para o cultivo atraía escravos para a fuga; também servia como
de colheitas próprias, ou entraves ao direito de demonstração cabal que o regime escravo poderia ser
socialização, visto que tudo era controlado pelo senhor. burlado, podendo levar à bancarrota a economia
escravista.
Gran marronage Aparentemente, este o motivo que levou as
autoridades coloniais a buscar consistentemente, diante
Enfim, quilombos e revoluções. Mas, também das dificuldades para o extermínio de quilombos, o
aqui, a história não tem registrado a efetiva extensão acordo, em que o retorno dos fugitivos era o ponto
do fenômeno; tanto quilombos quanto revoluções principal a ser tratado.
existiram, em grande número e em todo o continente
americano, enquanto durou o regime escravo. A interlocução
Para o Brasil, e apenas como exemplo, Clóvis Há que se atentar que, nem sempre, o
Moura aponta, em História do negro brasileiro, p. 25 enfrentamento ao sistema revestiu-se do ódio explícito,
a 30, mais de cem quilombos, espalhados por quase do confronto aberto, da guerra surda, da belicosidade,
todo o território nacional. materializada em emboscadas e mortes.
Quanto às revoluções, a história as registra, Aliás, sempre houve a resistência cotidiana, gota
reiteradamente, na Jamaica, Haiti, Brasil... a gota, momento a momento, disfarçada, por vezes,
Há, ainda, que notar: grande parte dos em planos bem pensados, posturas enviesadas,
escravizados eram prisioneiros de guerra já na África aproximações eivadas de segundas intenções, perfídias
e, portanto, traziam experiência militar e política, ardilosamente dissimuladas, o que comprova, mesmo
participando de conspirações e fugas, e levando que por linhas tortas, planejamento e constante
liderança às comunidades de fugitivos. oposição do negro ao processo escravista.
Quanto ao combate aos quilombos, nem sempre Eis, abaixo, alguns dos principais atores deste
encontrou motivo, apenas, na caça a fugitivos, como faz teatro de horrores.

20 21
O escravo urbano europeus, de onde deriva a maior facilidade para
Embora algo em torno de noventa por cento da negociar.
escravaria africana tenha sido destinada ao pesado Não se pode esquecer da maior mobilidade,
trabalho da lavoura ou à extração mineral, parte longevidade e trânsito de que dispunham tais escravos,
importante deste segmento obteve melhor destino, não obrigados ao trabalho de lavoura: por
permanecendo, já de início, nos incipientes povoados, consequência, era-lhes mais fácil o contato com outros
depois vilas que, por fim, se transformaram em cidades. escravos de outros senhores, se voltados à mesma
Quanto a isso, não se pode negligenciar que a atividade – de onde o maior poder de conspiração e
posse de escravos e sua exibição, durante todo o associação, quer formal, quer não.
processo, serviu como demonstração de poder, onde o Portanto, reforce-se: é desta matriz que saem,
elemento servil era visto como bem de ostentação. naturalmente, os interlocutores primeiros junto ao
Diante deste fato, é certo que a vida urbana, cuja sistema; escravizados de cultura mais próxima à de seus
gênese pode ser encontrada nos vilarejos, onde senhores, podiam desenvolver – embora servilmente –
comerciantes abasteciam as necessidades da Colônia maior poder de argumentação, quando possível
com produtos importados ou locais, não podia utilizando chantagem e, consequentemente,
prescindir de escravos, necessários ao manuseio da adquirindo liderança quando das futuras associações
mercadoria comerciada. formais de recorte étnico, tais como as confrarias.
Por outro lado os compradores, normalmente
vinculados ao latifúndio, também não podiam abrir A escrava doméstica
mão de quem lhes carregasse a capa, a manta, o pacote; Esta produtora forçada de mestiços,
ou os transportasse em liteiras, redes e similares, diferentemente de sua companheira de senzala, convivia
cuidando de cocheiras e cavalos: serviços braçais, mais próxima de seus senhores: cozinheiras dormiam
indignos do senhor; portanto, trabalhos de escravo. nas cozinhas, não nas senzalas; amas, ao pé das
É evidente que estes escravos, embora em menor senhorinhas; assim sendo, obtinham, mais facilmente,
número que os de eito, eram constante e benesses junto àqueles de quem cuidavam e de quem,
consistentemente mais próximos de seus senhores; eventualmente, serviam como alcoviteiras e cúmplices,
portanto, tinham-lhes mais acesso à personalidade e sendo, necessariamente, tratadas pelo nome cristão.
tendências, doçuras e azedumes, conhecendo-lhes, de Como serviçais caseiras, podiam alimentar-se –
perto, os gostos, prazeres, segredos, amantes e mesmo que às escondidas e no recôndito da cozinha –
costumes. Do que podiam valer-se para negociar. da mesma forma que se alimentavam seus senhores;
Certamente, é entre estes escravos que se deve também podiam atuar como protetoras dos rebentos
procurar a melhor adaptação à vida nova em nova brancos que, nas cozinhas, refugiavam-se de seus
terra: por maior convivência com senhores que constantemente raivosos pais; ou onde recebiam
quitutes ainda não servidos à mesa principal, até
escravos, maior utilização de costumes europeus que
porque, a esses, podiam elas adicionar venenos lentos,
africanos, naturalmente lhes acudia maior rapidez em
já conhecidos desde África...
apreender não só o idioma, como os vícios e manias

22 23
Não se pode esquecer, ainda, da festejada mãe ... e aí vai largo espaço para negociações, do qual
de leite, a “mãe preta”, figura feminina evidentemente negras domésticas, aparentemente, souberam
bem mais próxima de seus “filhos brancos” que, embora aproveitar-se muito bem; até porque o tempo para tanto
seus futuros senhores, nem sempre negligenciavam o poderia não ser longo, e a mordomia poderia acabar
cafuné que lhes oferecia o peito que lhes fornecera o a qualquer momento: quebrar os dentes a marteladas,
leite que haviam mamado. ou amputar um peito da mucama abusada, nunca foi
Desta convivência, é natural, advinha maior atitude rara entre senhoras de engenho, movidas pelo
poder de negociação do que aquele disponível à escrava ardor do ciúme.
de senzala, cuja aproximação da casa-grande só seria Neste ponto, cabe perguntar: será que as
possível – exceto raríssimas exceções – para castigos e escravas, das quais descendem as negras atuais, por
ordens; ou como objeto de estupros premeditados. vezes não buscavam propositadamente engravidar de
Já à doméstica, também se reservava o estupro; e seus senhores brancos, pensamento este que tradita para
com maior frequência e facilidade, é claro; até porque sua mestiça descendência?
– e aí vai a unanimidade entre cientistas sociais, tais Em caso de resposta positiva, seria isto por
como Gilberto Freyre, Darcy Ribeiro, e diversos viajantes luxúria nata? Ou, apenas, estratégia de negociação,
– é a esta negra, quase sempre virgem de negro e rápida e passageira, mas consistentemente eficaz?
seminua, que os senhores e os filhos destes recorriam A resposta, mesmo que de modo especulativo,
para o prazer: à mulher europeia, casada assim que não parece tão difícil de ser encontrada: diante das
adolescente, restava a produção de prole que, unida às condições adversas da escravidão, o filho do senhor,
condições adversas da vida na Colônia, a envelhecia mesmo que futuro escravo, como queria o costume
já por volta dos vinte anos. partus sequitur ventrem3, poderia, eventualmente,
Esta branca, mal atingidas duas décadas, era carrear, à mãe, as benesses que o pai nobre, disfarçado
encontrada em casa, ociosa e, por isso mesmo, gorda, de padrinho, eventualmente destinasse ao filho
balofa, suja, mal vestida, tetas murchas, corpo torto e espúrio; daí que à mãe de mestiço, a gravidez poderia,
deformado; quanto aos banhos, eram raros: o excesso talvez, representar esperança de boa aposentadoria.
demonstrava despudor; só os tomava se auxiliada por
sua mucama, a quem a higiene costumeira não era Os mestiços
moralmente proibida; dentes podres, descalcificados Da busca da miscigenação que, conforme visto,
pela interminável gravidez, completavam o quadro, pode ter partido tanto dos senhores quanto das
encimado, quase sempre, por perucas sujas e mal escravas, restaram falas, tortas e contemporâneas: há
arrumadas, meros esconderijos aconchegantes para a muito tempo há quem olhe, ao recém-nascido filho de
infindável piolhada. preto, a cor das orelhas e das cutículas, para adivinhar
Resta que a moral da época, ao religiosamente
vedar às mulheres brancas o prazer do sexo, as
3
transformava, apenas, em objetos frios, fedidos e Em tradução direta, “o parto segue o ventre”, ou seja: filhos
imóveis, incapazes de satisfazer os seus maridos. de mulheres escravas, são escravos; se de mulheres livres, são
livres.
24 25
se não terá pele mais clara que a de seus pais! Pior Grupos de manutenção cultural
ainda: em caso positivo, é recorrente dar graças aos Se a cultura de matriz africana chega a nossos
céus4! dias, deve-se a focos socioculturais de resistência e
Sobre o tema, eis o que informa Pierson (1976, permanência, que não podem ser negligenciados, até
p. 182, apud Freyre, 1998, p. 60): por que necessária sua compreensão para a
A miscigenação é também favorecida pelo entendimento da atualidade.
prestígio ordinariamente atribuído ao filho Portanto, não é defeso supor que é ao surgimento
“mais branco”. As mães de cor, que, na de núcleos comerciais que se deve o aparecimento das
época de nossa pesquisa5 , tinham filhos primeiras associações formais de escravos, além dos
“mais brancos” que elas, consideravam-se
primeiros interlocutores intersociais.
como especialmente favorecidas e eram da
mesma forma consideradas pelos que as
Isto porque é nestes centros urbanos que se torna
rod eavam. Uma preta, mostrando possível o encontro de escravos originalmente
orgulhosamente seu filho claro, disse: “Estou destinados à vida rural, bem como o aparecimento
limpando a minha raça”. Ouvia-se também daqueles tipicamente urbanos. Se não assim, pode-se
na Bahia, frequentemente, a expressão imaginar que os escravos ficariam confinados nas
“melhorando a raça”. propriedades rurais em que trabalhavam; o que, infere-
se, lhes impediria a formação de associações de maior
Na sequência, a eventual ascensão social de porte.
poucos pretos entra na conversa, e a exceção vira regra, Portanto, é nestes centros que escravos de
tornando intransponíveis os argumentos do discurso mesma origem podem se encontrar, mesmo quando
torto por eles proferido, a derrubar qualquer urbanos ou distribuídos em propriedades rurais
contestação contrária. diversas; e é destes encontros que surgem tais
Como efeito último, é o próprio mestiço em associações que, no primeiro momento, se formam
ascensão social que, por vezes, se contrapõe às quase espontaneamente, ao unir os negros por origem
reivindicações do povo negro, se mais preto; e utiliza a e afinidade.
própria evolução como argumento de combate. Neste sentido, há que se enfatizar: para além dos
No entanto, sua interlocução com o sistema quilombos, outras formas associativas, urbanas e mais
dominante, não pode ser contestada. pacíficas de resistência cultural, se formaram; ei-las.

Irmandades e confrarias
É da cultura africana prender o indivíduo à
4
Sintomático quanto a isto, o quadro A redenção de Cam, de
linhagem, por laços de convivência e solidariedade;
Modesto Brocos, pintado em 1895; portanto, mais de uma
isso, tanto aos ancestrais e à descendência, quanto aos
década após a abolição do escravismo brasileiro, o último a
ser encerrado. pares de mesma faixa etária.
5
1935-37, pesquisa levada a efeito no nordeste brasileiro (nota Portanto, é a filosofia de matriz africana que
desta autoria). assim desenha sua estrutura social:

26 27
. Verticalmente, o indivíduo pertence ao elo No Brasil, formalizadas, além das atividades
da cadeia que vem de seus ancestrais, passa religiosas, tais como procissões e festas para o santo
por si e prossegue em sua descendência; padroeiro, as irmandades também promoviam festas
. Horizontalmente, além da incontornável leigas, tais como a coroação de reis e rainhas, além de
ligação à origem étnica, pertence ele a
dedicar-se, necessariamente, à ajuda mútua: daí
determinado grupo etário, cuja ascensão o
levará, em conjunto e com o simples passar irmandades como Nossa Senhora da Boa Morte, a
do tempo, de criança a ancião; por fim, a responsabilizar-se pelo enterro de seus afiliados, e pela
ancestral. quantidade de missas que, em seu estatuto ou mediante
Há, ainda, a solidariedade e companheirismo pagamento, deveriam ser rezadas pela alma do morto.
desenvolvidos pela parceria no mesmo acontecimento Ressalte-se que a admissão às irmandades
significativo que, eventualmente, os une na condição importava compromissos dos postulantes, quer quanto
de quase irmãos; como exemplo, a travessia do à vida social, quer quanto à vida religiosa. Como efeito
Atlântico, que passava, a todos, o sentimento de ligação se, por um lado, pertencer à irmandade conferia status,
por forças invisíveis, que agiam como laços a exclusão representava, simbólica e socialmente, quase
indestrutíveis, a uni-los no mesmo destino; assim, a excomunhão.
também e mais constantemente, a senzala; talvez daí Quanto às irmandades de negros, também
o nome “irmandade”. processaram de nova forma as relações de linhagem:
Para materializar a solidariedade, a evolução inicialmente buscaram juntar, em seus quadros,
das associações informais as formaliza, quase sempre oriundos de mesma fonte, quer por etnia de origem
com fundo religioso: oficialmente, conforme queriam africana – assim, irmandades de jêges, de angolanos,
a Metrópole e os colonizadores, em confrarias, das quais etc. – quer pela cor da pele – irmandades de pretos, de
as irmandades são espécie; clandestinamente, no que pardos6, ou de pretos livres, pardos livres, etc..
veio a ser, por exemplo, o candomblé. Os brancos eram aceitos nas irmandades de
Quanto ao tema, Quintão (2002, p. 73) fornece negros, até como possíveis interlocutores com a
a seguinte explicação: sociedade dominante; porém, era comum negar-lhes a
assunção a certos cargos, tais como diretoria ou
As confrarias são associações religiosas nas presidência porque, por certo, imaginavam os negros
quais se reuniam leigos do catolicismo que os cargos de comando, se delegados a brancos,
tradicional. [...] O que caracteriza a poderiam descaracterizar a finalidade associativa.
confraria é a participação leiga no culto Por outro lado, era comum a preferência de
católico. Os leigos se responsabilizam e brancos para o preenchimento de cargos
p romovem a p arte d evocional, sem administrativos, por razões óbvias: o maior trânsito
necessidade de estímulos dos clérigos. Com
frequência, a promoção do culto e a
organização d a confraria se d evem 6
Incluindo-se, no termo, todos os mestiços: mulatos, de branco
totalmente à iniciativa leiga. e negro; mamelucos, de branco e índio; cafuzos, de negro com
índio.
28 29
junto à sociedade dominante e a maior disseminação Declarada ou não, explícita ou não, é fato que
da alfabetização, fazia postos como o de tesoureiro e esta religiosidade ultrapassou todas as barreiras que
secretário destinados, preferencialmente, a brancos. lhe foram impostas, convivendo com e sobrevivendo à
Parece evidente o espaço privilegiado que as catequese, que tentou transformá-la e eliminá-la; e o
irmandades adquiriram para o diálogo com o clero, fez não como enfrentamento, mas encontrando formas
formatando o que se pode chamar de “pseudossincretização”, de apresentar-se amalgamada, quer em complemento
ou seja: a negociação entre as partes, já que, vivendo à religião oficial imposta, quer fundindo-se em
sob a proteção da Igreja, para honrar seus “deuses” formatos novos: daí, além das mencionadas confrarias,
africanos, aquelas recorriam ao disfarce de festejar os o candomblé, o vodu, a macumba, a santeria.
santos católicos correspondentes. Iniciando a abordagem pelo candomblé, é
Na outra ponta, o pároco: voltado à catequese, preciso ressaltar que, embora o mesmo pensamento
justificativa primeira para o próprio processo de teológico parece universalizar-se enquanto África, cada
exportação de africanos, é a ele, então detentor de poder grupo tem diversa ritualização: afinal, em África, a
civil e religioso, que se deviam reportar os escravizados cada povo corresponde o próprio orixá, com seu ritual
para festejar seus orixás; portanto, é necessário e especializado.
imprescindível, para a estratégia, o encontro de pontos Assim sendo e com isto em foco, entenda-se:
de contato entre as duas religiosidades. candomblé, na diáspora, admite a religiosidade
Assim sendo, determinado, pelos negros, o santo adotada tanto pelos jêge-nagô – que se voltam aos
católico que deveria disfarçar o orixá, bastava apresentar orixás – quanto pelos bantu – que se volta aos
o pedido referente à festa ao clérigo, que autorizaria este ancestrais. Daí as diversas nações em que o candomblé
ou aquele ritual, esta ou aquela roupa, esta ou aquela se multiplica, na diáspora.
cor, na festa de celebração do santo escolhido. Irmã do candomblé, o Brasil apresenta, ainda, a
Permissão dada, preservação cultural efetivada. umbanda7, cujo entendimento exige, talvez, retomar as
crenças pré-colombianas para historicizá-la: conta-se que
Religiões de matriz africana a tradição maia, quanto à criação do mundo, admite a
Embora encontrando novos modos neste Novo existência de um só continente, centrado no que é, hoje,
Mundo, esta religiosidade de tal forma apresentou-se o planalto de Goiás; ali e de barro, teriam sido feitos os
como resistente e resiliente, que permanece ativa e, homens; daí a cor acobreada, significando a junção da
atualmente, atrai, para si, mais que descendentes de terra com a água, vivificada pelo sopro divino.
africanos, mesmo sem perder os fundamentos de seu Desta lenda resta, aos tupi-guarani quando do
pensamento original. descobrimento, a crença de que seu povo provinha de
Assim sendo, ela pode ser vista como guardiã origem muito antiga, desenvolvendo-se, após o dilúvio
segura da cultura que a origina, sobrevivendo,
adaptada, não só ao processo escravista, mas, também,
à intolerância oficial, que a enfrentou desde seus 7
Segundo informa o site <http:/pt.wikipedia.org/wiki/
primeiros tempos. Zélio_Fernandino_de_Morais>. Acesso em: 25 fev. 2006.

30 31
universal, em determinada terra mítica, conhecida pelo correspondência mútua, sincretizando-se tão
nome Pindorama8 – que significa Terra das Palmeiras. facilmente que produziram a mestiçagem, tanto física
Como crença, acreditavam eles em um único quanto cultural; é deste momento histórico que derivam
deus, Tupã; mas, reconheciam a existência da trindade religiões ainda híbridas e atuantes, das quais o jaré, a
sagrada, bem como a comunicação com seus pajelança, o catimbó, o Santo Daime, bastam como
antepassados através de ritos mediúnicos, em que estes exemplos.
espíritos interferiam na condução da comunidade. É somente neste ponto que entram as religiões
O processo de catequese jesuítico utilizou-se desta de matriz africana: especialmente da região de Angola,
formatação, transpondo valores católicos para os ritos de onde provinha a grande maioria dos africanos
encontrados, e transformando lendas tupis em escravizados nestes primeiros tempos da Colônia
ensinamentos católicos, além de, codificando o idioma brasileira, já que o grande fluxo do Golfo da Guiné
local, gestar a “língua geral” – o nheengatu. ganha força, apenas, no último século da escravização.
Deste encontro cultural, restou a integração O último ator deste quadro de sincretismos, e que
social e a primeira produção de mestiços locais – os deu, à crença anterior, a justificativa para sua aceitação
atuais caboclos – que, já nascidos neste ambiente, pelos representantes do poder constituído, parece ter
admitiram este sincretismo como religião pura, sido o espiritismo kardecista: é a partir dele que a
completa; e sua. umbanda adquire status de religião, pela concordância
Quanto ao encontro cultural, há que se destacar com a incorporação e a intervenção dos espíritos no
que, para o Brasil e nas demais colônias portuguesas, mundo material.
os “colonos” eram mais aventureiros que Isto, porque o kardecismo explica, sob forma
colonizadores: oriundos menos da nobreza que da bastante racional9 até, a comunicação entre espíritos
camada inferior da Corte, onde transitavam cristãos- e médiuns escolhidos: em outras palavras, a
novos: judeus convertidos à força que, da situação de comunicação entre mortos e vivos, base de toda a crença
inferioridade social vivida em sua terra, preferiram a anteriormente desenvolvida.
busca da aventura em Novo Mundo promissor, Portanto, se assim é, é com o aval de origem
colocando-se ao largo das garras inquisitoriais; europeia, desenvolvido no início do séc. XX, que a
portanto, era povo com baixo nível de fé católica; por umbanda adquire status de religião.
outras palavras: devotos do catolicismo popular. Isto, a partir da manifestação espiritual,
Ora, também o catolicismo venera os mortos – ocorrida em 15 de novembro de 1908, em Zélio
seus santificados – assim como os tupis veneravam seus
ancestrais; portanto, ambas as práticas encontraram
9
Note-se que León Hippolyte Denizard Rivail – Allan Kardec –
8
Pindó = a gigantesca palmeira que permitiu o salvamento de nasce em Lyon, França, em 03 de outubro de 1804, e falece em
Tamandaré e sua família flutuando sobre as águas do dilúvio, 31 de março de 1869; portanto, desenvolve toda a codificação
assim como a Arca e o Monte Ararat salvaram Noé e sua kardecista sob influência do iluminismo francês.
família.
32 33
Fernandino de Morais que, a partir de então, é tempo, as manifestações centram-se em alguns aspectos
considerado o primeiro médium da umbanda, que é em detrimento de outros, que poderão até não ser
brasileira; desta fonte deriva a umbanda em seu compreendidos no momento em que isso acontece; o
formato atual. que pode causar repulsa no primeiro momento, embora
Isto posto, é o momento certo para voltar ao cerne logo superada pela naturalização, tão bem captada por
deste estudo, e retomar a resistência negra por seu viés Gruzinski.
de enfrentamento físico, consubstanciado em suas Assim sendo, há que se entender que a cultura é
revoltas e quilombos, já que o enfrentamento cultural viva, dinâmica, constantemente sujeita à evolução
vai, acima, abordado. Embora em poucas e aligeiradas histórica, à qual modifica, modificando-se e, em
linhas. retorno, afetando a própria sociedade que, em
consequência, deve readaptar-se aos novos modos; o
Ainda antes de abordar revoltas e quilombos que requer novas modificações.
Poder-se-ia, ainda, prolongar este texto, Daí que não é possível admitir-se a voz comum
abordando, por exemplo, as associações culturais, da passividade negra frente ao processo escravista, o
dentre outros modos de resistência ideológica; neste que, embora clamorosamente negado pelo matiz de
viés,parece importante, antes de prosseguir, enfatizar nossa cultura atual, ainda vem apregoado por seus
a análise do confronto cultural desenvolvida por enfrentadores.
Gruzinski (2000), que assim pode ser resumida: o Porém, conforme palidamente pode ser visto
embate entre culturas literalmente diferentes, produz aqui, o negro, tanto africano quanto escravo
manifestações novas, via de regra estranhas e grotescas descendente, em nenhum momento se rendeu, apenas,
ao olhar do analista; de fato: o cruzamento entre à cultura que o escravizou: sempre procurou e encontrou
manifestações diversas assentadas em culturas díspares, formas de enfrentamento, pacífico ou não, insidioso
tende a produzir coisas novas que, ao longo do tempo, ou não, e foi penetrando pelos poros possíveis da
naturalizam-se. cultura dominante, de tal forma que os termos
No entanto, há que se perceber que a cultura não “resistência” ou “tolerância”, aplicados à
comporta a visão monolítica e harmônica que, via de movimentação cultural dos negros em terras do Novo
regra, o analista lhe impõe; isso porque “cultura”, na Mundo, nada mais são que reducionismos
verdade, é o amálgama de manifestações diversas, inadequados.
materializadas como feixes de tamanhos e dinâmicas Isto porque basta olhar para qualquer canto
desiguais; mas que convivem harmoniosamente, em desta cultura atlanticotransposta para ver uma figura
determinado momento histórico, no espaço social negra que, do alto ou ao lado, gostosamente ri; mesmo
analisado. que à socapa e disfarçadamente, é jocoso que expõe
Cultura, enfim e de forma bastante resumida, sua interpenetração insidiosa, que nenhuma
pode ser entendida como as soluções que os grupos belicosidade eurocentrada foi, é, ou será capaz de
sociais conjuntamente desenvolvem para entender e impedir.
conviver com o sagrado, seus pares, e a natureza; essa
a razão pela qual, em determinado espaço e por algum
34 35
O enfrentamento material

“Começar pelas palavras talvez não seja coisa


vã. As relações entre os fenómenos deixam marcas no
corpo da linguagem”. É assim que Alfredo Bosi inicia
sua Dialética da colonização, e é seguindo tão precioso
conselho que se inicia, aqui, esta parte deste estudo.
Isto posto, necessário se faz recorrer ao que
ensina Kabengele Munanga (95-96), em Origem e
histórico do quilombo na África, conforme aqui se faz,
a seguir.
Segundo Munanga, ele mesmo africano do
Congo e falante nativo de idioma da família bantu, a
palavra quilombo tem origem quimbundo, idioma do
povo mbundo de Angola, visto que a raiz _lombo se
refere, “indubitavelmente, ao ritual da circuncisão; ali,
a palavra ochilombo ainda remete ao sangue desta
iniciação que, em outros idiomas de mesma raiz, como
cokwe e quimbundu , é designada por termo
completamente diferente: mukanda”. (destaques no
original).
Sobre o mesmo termo, é mister que se informe
que Mário Henrique Simonsen o aponta também no
umbundo, sob a forma ochilombo que, para este autor,
designa, originalmente, lugar de pousio, cemitério,
ligado à chamada religião vodu.
Mas, na diáspora africana de colonização
portuguesa, o termo ganhou o significado de
comunidades autônomas de escravos fugitivos, o que
exige explicação, mesmo que em ligeiras pinceladas.

A origem dos quilombos africanos


Um dos mais arraigados e difundidos costumes
africanos é o ritual de iniciação dos jovens que, somente
a partir dele, deixam de ser considerados crianças,
iniciando vida adulta. Neste ritual, a circuncisão é o
36 37
momento mais importante para os homens que, antes grupo, como se nele houvessem nascido. Este ritual era
dela, são vistos como assexuados e, só a partir de então, realizado em seus campos sagrados de iniciação: os
ficam aptos para o casamento. quilombos.
Via de regra, o ritual não é aberto ao público: Portanto, os quilombos, a partir dos jaga ,
por sagrado, é restrito e praticado em lugar afastado e ampliaram a sua função – além de ambientes de
secreto, onde os iniciandos ficam em confinamento e iniciação, passaram a ser lugares próprios para o ritual
somente às pessoas qualificadas para tanto é permitido de incorporação, a seu grupo, de jovens de outras
o acesso. E é neste ponto que é necessário voltar a etnias, e de treinamento para a guerra. É assim que,
atenção para os jagas – ou imbangala – e seus rituais múltiplos e guerreiros, os quilombos deram o nome aos
de iniciação. acampamentos e vilas de resistência na diáspora.
Resta conhecer seus antecedentes históricos, sob
O povo jaga; ou imbangala os imbangala.
Segundo ensina Munanga na obra já citada, Ainda conforme ensina Munanga, o estudo
vindos da margem direita do rio Cuango, os idiomático aponta que os antepassados dos povos que,
imbangala – cujo nome parece derivar da raiz atualmente, falam idiomas bantu, iniciaram sua
umbundu “vangala”, que significa “ser bravo” e/ou expansão há cerca de dois mil anos. Partiram,
“vagar pelo território”, invadiram o Congo, de onde, provavelmente, do centro da Nigéria, indo em direção
em 1568, foram rechaçados. ao sul e sudeste da África.
Este povo, também chamado jaga e portando O conhecimento da metalurgia deve ter
vínculos culturais com as etnias lunda e luba, misturou- facilitado esta expansão: é possível que utilizassem
se a grupos suku, organizando numerosas chefias. Com instrumentos de ferro para abrir caminho através da
esta composição e sendo essencialmente composto por floresta equatorial.
guerreiros, quando chegou ao oeste do rio Cuango, Neste ponto, há que se recorrer ao mito, pois se
viveu em campos fortificados e em permanente pé de trata de povos à época sem escrita, onde a tradição oral
guerra. – com suas possíveis imprecisões e lacunas – foi a grande
Um dos seus costumes mais típicos era a fonte de informação sobre a chamada África Negra.
incorporação, à sua sociedade, de jovens de ambos os Com este foco em vista, eis o mito, segundo
sexos, retirados dos povos por eles vencidos e Munanga: provavelmente, no final do século XVI, o
dominados; assim, o tamanho de suas tropas império luba – centro e sudeste do Congo – era
aumentava rapidamente, o que explica, em parte, a governado por Kalala Ilunga Mbidi, cuja morte causou
superioridade militar dos jaga sobre seus vizinhos, de conflitos de sucessão entre os herdeiros do trono.
tal forma que imprimiram sua marca na história Um deles, o príncipe perdedor Kimbinda Ilunga,
angolana durante meio século. partiu com seus seguidores em busca de novo território.
Para esta mencionada incorporação, realizavam Já com fome e sem nenhuma provisão, o grupo avistou
eles rituais voltados a desvincular os jovens de suas uma aldeia: aproximaram-se, buscando provisões e
linhagens de origem, incorporando-os ao próprio descanso.

38 39
A aldeia era do povo lunda, então governado de homens, aberta a todos, sem distinção de
por Rweej, filha de recém-morto rei. Encantada pela pertencimento a qualquer linhagem”. É com esta
beleza e modos nobres de Kimbinda, Rweej casou-se com conotação que ele passou a ser entendido na diáspora.
ele. Ressalte-se que o auge do povo imbangala
Porém, como acontece entre quase todos os povos coincidiu com as guerras contra Portugal. À época, este
de cultura bantu, a tradição proibia a rainha de povo era comandado por Nzinga, que se tornaria, até
governar durante o ciclo menstrual, já que, por não por isto, lendária rainha angolana, da qual vem a
engravidar neste período e por estar perdendo energia, descender nova etnia, que leva seu nome.
considerava-se a mulher simbolicamente morta: assim Também se reafirme que é neste sentido, o de
sendo, os tabus diziam que, se governasse, ela poderia guerreiro e de resistência, que o termo quilombo passou
contaminar negativamente o povo. para a diáspora, permitindo assumir que, como
Assim é que, um dia, durante a interdição, a instituição, ele foi a mais duradoura e efetiva expressão
rainha chamou seus notáveis e chefes de linhagem e, de enfrentamento ao processo escravista, quer no Brasil,
colocando o bracelete que simbolizava o poder em seu quer em Cabo Verde, ou em qualquer outro ponto onde
marido, o apresentou como novo chefe lunda ; é a escravidão foi adotada.
evidente que o casamento da rainha com o estrangeiro, Isto porque foi ali que o escravizado deixou de
seguido por sua elevação a rei, causou desconten- ser coisa, animal de carga, objeto de exploração e
tamento não só entre a família real – também algumas comércio, retornando a ser gente, ao readquirir sua
camadas da população recusaram-se a aceitar o expurgada humanidade.
governo do forasteiro luba.
Como consequência, Kinguli, irmão da rainha, O escravismo europeu e a resistência, em África
levou seus simpatizantes para oeste, onde pretendeu Ao contrário do que se pensa, os quilombos,
fundar novo reino, sob sua direção. Isto, no início do nas suas diferentes formas, não foram fenômenos da
século XVII. resistência de origem africana apenas no Brasil, em
Kinguli chegou à região ocupada pelos jaga em Cabo Verde ou, mesmo, nas Américas: eles se
Angola, e se fez aliado deles. Adotou, então, o quilombo formaram igualmente no continente africano, onde
– campo ritual – para a formação e iniciação também terão assumido diferentes nomes, consoante os
de jovens guerreiros estrangeiros, que incorporou ao idiomas utilizados pelas etnias que os formaram e em
próprio exército: como resultado, conseguiu espalhar acordo às gêneses e histórias próprias – macambos,
seu povo por toda a região mbundu depois de 1610, em S. Tomé; aringas, em Moçambique; djulangues, em
chegando mesmo a fundar novos estados, tais como Cabo Verde.
Kalandula, Kabuku, Holo, Kassanje, etc. Neste estudo analisaremos, somente, as
É importante ressaltar que a ampliação do uso circunstâncias em que se formaram nos territórios sob
do quilombo como campo de iniciação aplicável a dominação colonial portuguesa.
também à admissão e treinamento de guerreiros Começando pelos territórios do continente
conquistados, deu ao termo a conotação de “associação africano atingidos pela escravatura atlântica, surgiram

40 41
expressões organizativas similares aos quilombos, ignorância que em eles haviam, pela qual
desde que, em 8 de janeiro de 1454, o papa Nicolau V não havia algum conhecimento de, somente
autorizou aos portugueses o tráfico de escravos, o que, de viver em uma ociosidade bestial.
posteriormente, se disseminou por outras nações, tais
como franceses, belgas, ingleses, alemães e outros mais, Neste momento e segundo recorda Carlos H. M.
todas enfrentando, durante todo o processo colonial, Serrano em Ginga, a rainha quilombola de Matamba
organizações africanas de resistência. e Angola, os reinos africanos situavam-se, por norma,
Estas organizações, independentemente do no interior do continente, a fim de melhor controlarem
nome que receberam por parte dos colonizadores ou as rotas de comércio.
dos escravos, sempre desenvolveram diferentes formas No litoral, restavam os núcleos piscatórios e de
de luta contra o escravismo, o que, por vezes, se traduziu produção de sal e peixe seco – foram estes núcleos que os
pela resistência armada ao ocupante europeu. portugueses, como os demais europeus, primeiro intentaram
Conta Gomes Eanes de Zurara, em sua Chrónica ocupar; em consequência, foi natural que as primeiras
dos feitos da Guiné (capítulo VII), que a primeira leva levas de fugitivos à escravatura tivessem aí surgido.
de escravos vindos de África e vendidos em Portugal, Desde então a resistência verificou-se em
aconteceu a 8 de agosto de 1444: diferentes territórios. Abaixo, alguns destes casos.
[...] começaram os mareantes de carregar
seus batéis e tirar aqueles cativos para Em S. Tomé
levarem segundo lhes fora mandado: os Pode-se considerar como uma forma de quilombo,
quais postos juntamente naquele campo, o reino dos angolares (angolas ou angolis, de acordo
eram uma coisa maravilhosa de se ver. Que com documentos do século XVIII), existente em fins do
entre eles havia alguns de razoada século XVI, em S. Tomé, que teria tido origem no naufrágio
brancura, formosos e apostos; outros menos
de um barco com escravos de origem mbundo, vindos de
brancos, que queriam semelhar pardos;
outros tão negros como etíopes. Tão
Angola em meados daquele século, e ocorrido na região
desafeiçoados assim nas caras como nos sudeste da Ilha de S. Tomé; mais concretamente, na região
corpos que quase parecia aos homens que de Sete Pedras, a 4 km da costa, ou na fuga de escravos
os guardavam, que viam as imagens do escapados por volta de 147010.
hemisfério mais baixo […]. É assim que antes Segundo a primeira tese, avançada por alguns
viviam em perdição das almas e dos corpos, historiadores, os angolares revelaram-se a partir das matas
vinham todos de perceber o contrário: das onde se refugiaram, pelo ano de 1574, atacando as plantações
almas, enquanto eram pagãos, sem de cana-de-açúcar e a própria Povoação (S. Tomé).
claridade e sem lume de Santa Fé. Por
viverem assim como bestas sem alguma
ordenança de criaturas razoáveis, que 10
Teses de alguns historiadores são-tomenses (vg. Carlos Neves)
aqueles não sabiam o que eram pão nem
apontam que os angolares são remanescentes de uma eventual
vinho, nem cobertura de pano, nem
população autóctone que, fugindo aos portugueses e chegado
alojamento de casa; e o pior era a grande
à ilha, refugiou-se nas matas do interior.
42 43
Por volta de 1530, começou a chamada “guerra os consideram provenientes de outras tribos da costa
do mato”, com a qual os fazendeiros procuraram africana, porventura do Golfo da Guiné, chegados ao
esmagar os primeiros foragidos, já em fins do século XV; arquipélago por seus próprios meios, muito antes da
segundo relata o testamento do terceiro donatário de chegada dos portugueses, internando-se depois na ilha
S. Tomé, Álvaro de Caminha, muitos escravos fugiam e criando o seu próprio reino (não há documentos nem
para as matas que, na época, era uma floresta densa e vestígios que cimentem esta tese).
impenetrável (provavelmente juntando-se aos angolares No entanto e segundo a escritora Nazaré Ceita,
nela escondidos) ou tentavam fugir de bote da ilha. “pensa-se que os escravos fujões tenham constituído o grupo
Em julho de 1595, o chefe dos angolares, o dos angolares de quem se fala como grupo enigmático de
lendário rei Amador (antigo escravo de um roceiro de São Tomé e Príncipe. Há imensos relatos, sobretudo a partir
nome Bernardo Vieira), liderou um dos ataques angolares do século XVI, de revoltas de escravos que combinavam o
e matou alguns reinóis durante uma missa na Igreja da queimar dos engenhos e outros distúrbios”.
Trindade; a insurreição durou por três semanas, com os
revoltados refugiados nas macambas (aldeamentos Fotografia1 - Simão Andreza, último rei angolar
equivalentes aos quilombos brasileiros), de onde
atacaram muitas plantações e engenhos de açúcar.
Em 26 de julho, ao cabo de três combates,
Amador atacou a cidade, comandando cinco milhares
de escravos foragidos, o que, na altura, representava
quase metade da população da ilha.
As hostes de Amador estavam organizadas em
pelotões liderados por alferes e tenentes, procurando
reproduzir a estrutura do exército colonial. Nos
combates, pesou a diferença de armamento e Amador,
traído por um dos seus, foi derrotado e seus principais
comandantes foram presos e enforcados.
O próprio rei Amador foi executado e esquartejado
em 14 de agosto de 1595 (relato do padre Manuel do
Rosário Pinto), mas os angolares permaneceram e, em
1890, o seu rei, Simão Andreza, foi fotografado pelo
escritor e pintor português Almada Negreiros.
Este rei faleceu já no séc. XX, sem deixar
herdeiros ao trono.
Ainda hoje, uma região da ilha de S. Tomé
alberga um povo de angolares, mas a sua origem
angolana será duvidosa, segundo alguns autores, que

44 45
Vivendo um ambiente de racismo mais que A partir de então, aliou-se aos guerreiros jagas,
evidenciado (a primeira carta de alforria atribuída a do Oeste – dos quais viria a tornar-se rainha – para
um são-tomense data de 1520, mas a miscigenação enfrentar os portugueses, centrados em S. Paulo de
esteve moralmente interdita até ao século XX, Assumpção de Luanda, por eles fundada e fortificada
registrando-se casos onde os mestiços eram em 1578. Renegou a fé católica e transformou a
discriminados e os casamentos interraciais instituição quilombo, conforme já acima abordado, em
praticamente proibidos), existem em S. Tomé indícios campo de iniciação para a guerra.
de quilombagem – por exemplo, um dos bairros da Tenazmente e por quatro décadas, ela se opôs
capital recebe o nome de Quilombo. aos europeus, impondo-lhes sucessivas derrotas.
Conseguiu a união dos povos da Matamba, Ndongo,
Em Angola Kongo, Kassanje, Dembos e Kissamba.
Quando, em 1490, os missionários católicos Durante este período e até 1663, ano de sua
chegaram ao reino do Congo, iniciando-se, no ano morte, seu poder se manteve sempre se opondo ao
seguinte, a resistência do manikongo (ou tráfico de escravos, não se podendo afirmar se por
menekongo)11Nzinga Nkuwu, os escravos angolanos convicção própria ou como estratégia de
começaram também a sua oposição aos portugueses, enfraquecimento dos portugueses com os quais então
seus pretensos senhores. negociou, obtendo a paz – depois do ataque à fortaleza
Nzinga ou Zingha Ngola Kiluanji, da etnia de Massangano – em troca da libertação de sua irmã
mbundu que vivia no então território Ndongo, era Kambu, que depois, cristianizada, adoptou o nome de
meio-irmã de Ngola Mbandi12, e foi por este enviada a Dona Bárbara; outra sua irmã, Fungi, igualmente
Luanda para conferenciar com os portugueses que ali cristianizada com o nome de Dona Gracia, não teve a
sediavam. mesma sorte e foi executada pelos portugueses.
Ela, então, reclamou, ao respectivo governador- Nzinga, levada pelos portugueses, a seu pedido,
geral, a devolução de territórios ocupados pelos para Luanda, renunciou espontaneamente ao trono
portugueses em seus domínios e, em troca, lhes ofereceu Ngola. Só regressou a Matamba dez anos depois,
sua conversão ao cristianismo. falecendo com 82 anos.
Assim procedeu ela, adotando o nome cristão O quilombo da Rainha Nzinga, também
D. Anna de Sousa; mas, os portugueses não respeitaram conhecido como o quilombo dos Dembos, tornou-se
o tratado, o que motivou a guerra. referência da história angolana, de tal forma que,
Com grande bravura, Nzinga Kiluanji criticou repise-se, dali surgiu nova etnia, com seu nome.
as hesitações de seu meio-irmão e, ao que se crê,
mandou envenená-lo, tomando o comando da
resistência.

11
Governante bakongo entre os séculos XIV e XIX.
12
Ngola, título do rei mbundu

46 47
Figura 1 - Rainha Nzinga Figura 2 - Príncipe Kimbinda Ilunga

No Congo, Daomé e Gabão


Sublevações de escravos registaram-se ao longo
das épocas no Alto e Baixo Congos, tanto contra os
ocupantes franceses (a escravatura só foi
completamente abolida em França em 1848) como
contra os belgas, tornando-se um prolongamento das
ações insurrecionais em Angola. Algumas tribos
congolesas revoltaram-se, como, por exemplo, os
batshioks, da região do Kwango. Em princípios do
século XX, rebelaram-se os batetela contra a ocupação
e a escravatura, refugiando-se no Katanga.

48 49
No antigo reino do Daomé e na atual região do Refere E. J. Vilhena que a “venda de corpo” era
Gabão, por exemplo em Punu, também se conhecem “um estado especial de escravatura doméstica, tão
equivalentes aos quilombos, que mereceram estudos de apreciada do senhor como do escravo, e que este se
K. Polanyi, entre outros. recusava a abandoná-la por encontrar, sem sacrifícios
apreciáveis da sua parte, uma família, uma proteção e
Em Moçambique comodidade de recursos materiais necessários à sua
Segundo assinala Isabel de Castro Henriques, vida” (“A Mão de Obra Agrícola em Moçambique”).
“Quelimane, Angoche, Inhambane, ilha do Ibo e as ilhas Aconteceu mesmo que tais “escravos domésticos”
Quirimbas eram, no século XVIII, os principais portos eram donos de outros escravos, até de povoações
exportadores de escravos, trocados por alimentos, armas inteiras, e que alguns deles, a coberto desta escravatura/
de fogo, pólvora e patacas espanholas”. proteção, se fizeram mesmo proprietários de empresas
Quando os portugueses chegaram a Moçambique, onde exploravam outra mão-de-obra escrava.
já a presença islâmica se estendia desde Zanzibar a Sofala,
com feitorias implantadas e praticando o comércio de Figura 3 - Achicundas armados
escravos. De resto, foram os árabes que primeiro
desenvolveram este tráfico no continente africano, onde
as diferentes tribos o praticavam.
De fato, em particular na zona da Zambézia, era
já corrente a prática de “venda de corpo” (vulgar entre
os achicunda do vale do Zambeze 13), com a qual
famílias inteiras se vendiam a um “senhor” que lhes
garantia o sustento e a defesa.
A existência da prática de “corpo vendido”
enganava o cálculo da dimensão da escravatura em
Moçambique. Segundo refere José Capela, “a escravidão
era o estado mais natural das pessoas em Moçambique.
Só por excepção se não era escravo” (in “Escravos e
escravatura em Moçambique: problemas identitários”);
com efeito e por exemplo, o recenseamentode 1845
apontava o quantitativo de 15.750 escravos para 2147
residentes livres, o que escapava ao recenseamento de
fujões e de “corpos vendidos” que se tinham eximido à
contagem.

13
Não será por acaso que em Moçambique se confundiu a etnia
dos achicunda com a palavra bantu chicunda; isto é: escravo.

50 51
A prática, que se manteve até ao século XIX (há surgido também na zona de Maganja da Costa
dela relatos de diversos autores e referências no Boletim (Angoche, a que os colonizadores chamaram de
Oficial de Moçambique, então colônia portuguesa), “República Militar”, na verdade um território
facilitou a ação dos traficantes negreiros que, muitas reconhecido pelos portugueses e governado durante
vezes, recorriam à ingenuidade dos originários desta décadas pelos chicunda de João Bonifácio Alves da Silva).
“escravatura doméstica” para lucrarem com sua
transformação, ludibriando-os, em escravos caporros14, Mapa 1 - Maganja da Costa
como o assinalou A. Isaacman (“Slavery and Social
Statification among Sena of Mozambique. A Study of
the Kaporo System”).
Instalados na Ilha de Moçambique (On-Hipiti)
desde o século XVI, onde coordenavam o seu comércio
no Índico, os portugueses iniciaram a atividade
negreira no vale do Zambeze, concorrendo com os
muçulmanos e, mais tarde, com os franceses, que dela
se socorriam para fornecer mão-de-obra escrava às suas
explorações, sobretudo nas ilhas Mascarenhas.
Particularmente no vale do Zambeze, onde se
multiplicaram as explorações prazeiras, surgiram as
aringas (quilombos), situadas em pontos estratégicos,
com escravos fugidos e armados (os denominados
chicunda – que se levantaram em armas contra as
companhias de plantação), e que se prolongaram por
todo o século XIX.
Sabe-se que já no século XVIII se formaram
quilombos, entre outras, na região de Sena (que
dominava o vale do Zambeze e era um centro escravista),
sobretudo em Morrumbala e em Borongage, que
chegaram a ter 400 homens, e em Cheringone (no Tete).
E que, fugindo da ilha de Moçambique, muitos se
refugiaram em áreas fortificadas de Ampapa, tendo

14
Mais tarde, a palavra “caporro” foi utilizada em
Moçambique para designar mestiço. Todavia, esse nome se
dava anteriormente aos “escravos destinados à exportação”,
em contraste com os “escravos domésticos”.
52 53
Fugindo de prazo em prazo e das butacas15, os Resistências no continente americano
escravos foram-se acantonando em quilombos, que
resistiram durante décadas. Mas, além destes focos no O escravismo engendrou uma indômita sede de
norte de Moçambique, existem outras referências em liberdade, e a fuga para espaços com alguma segurança
diferentes zonas, tais como Inhambane, no sul. face à repressão, foi um dos modos como ela se
Para os “escravos domésticos” (em que a manifestou. Tenta-se aqui, com este trabalho,
escravidão era voluntária e sua garantia de identificar e descrever não só a história dos quilombos
subsistência), a “liberdade” determinada pelos daí formados, mas, também, sua forma de organização.
colonizadores fazia-se uma “punição”, obrigando-o a Neste ponto, deve-se ter em mente que a fuga de
vender a força de trabalho ao preço que ao colonizador escravos à procura de liberdade, é tão velha quanto a
convinha, quando chegava mesmo a receber alguma própria escravatura: segundo opina Munanga em O
coisa – na prática, sujeitava-se a “trabalho forçado”. negro no Brasil de hoje, pag. 72, ela é um processo natural.
Daí que muitos destes escravos, juntamente com Diz ele: “o processo de aquilombamento existiu onde
prazeiros e posseiros, se tivessem levantado em armas houve escravidão dos africanos e seus descendentes”.
contra os colonizadores, defendendo a sua escravatura.
Figura 4 - Estátua de Espártaco

15
"Prazo da coroa”, forma de propriedade fundiária criada pelos
portugueses no século XVII, é o nome dado até ao século XX, a
companhias capitalistas assentes na agricultura que, por
contrato com a Coroa, exploravam o território como soberanas,
mas por prazo determinado. Daí o nome “prazo” dado a estes
territórios. Butacas eram escravos donos de povoações, o que
era comum entre os “domésticos”.

54 55
Recorde-se que a fuga de escravos já se manifestou diferentes, em acordo à matriz colonizadora em que
expressivamente, dentre outros pontos, no império surgiram: cimarrónes em muitos países de colonização
romano, quando da revolta de Espártaco16. espanhola; palenques em Cuba e Colômbia; cumbes
Quanto aos africanos escravizados, foram na Venezuela, marroons na Jamaica, Guianas e Estados
importados de Moçambique e de todos os pontos da costa Unidos, são alguns destes nomes.
atlântica do continente africano, para as Américas; de Em Cuba, Jamaica, Panamá, como em Venezuela,
início, vieram com os portugueses, desde o povoamento Colômbia e outros países, designam-se cimarrónes os
das ilhas de S. Tomé e Príncipe, em 1470/1; depois, animais domésticos que escapam a seus donos e deixam,
especialmente da Baía dos Escravos (nome elucidativo e por isto, de estar domesticados. Por extensão, ganharam
sintomático, na baía da Guiné) e da zona do Calabar. este nome os escravos que fugiram do cativeiro e
recuperaram, nos campos, a sua liberdade.
Mapa 2 - Rotas do tráfico escravista No México, como também em Cuba e Venezuela
(onde também são referidos como cumbes), chamaram-
lhes palenques, nome de uma tribo maia, possivelmente
liderada por mulheres que souberam resistir aos
invasores espanhóis; na Jamaica, tal como no
Suriname e no Haiti, são referidos como marrons ou
maroons27 (que significa “castanho”), por serem de cor
escura (negra) – o que aponta para sua origem africana.

As revoltas
Talvez a primeira revolta de escravos no
continente americano, foi promovida por índios, assim
como a formação do primeiro palenque, que aconteceu
apenas onze anos depois de Colombo chegar às
Américas – isto em 1503, em Ayti/La Española.
Em 1514, houve o levantamento do cacique cubano
Enrique; dando continuidade ao pronunciamento do
De início, basta saber que, em todas as Américas, padre dominicano Bartolomeu de las Casas contra a
formaram-se grupos semelhantes que tomaram nomes escravatura, os escravizados africanos passaram a
substituir os indígenas, chegando o primeiro navio
16
Espártaco foi um célebre gladiador trácio, líder da revolta de negreiro às Antilhas, em 1518.
escravos na Roma Antiga, conhecida como Terceira Guerra
Servil, Guerra dos Escravos ou Guerra dos Gladiadores. A palavra “marron” deriva do termo espanhol cimarrón,
17

Espártaco liderou, durante a revolta, um exército rebelde que designativo de todas as formas de fugas (humanas e animal),
contou com quase 100 mil ex-escravos, tendo sido derrotado assim como para plantas e animais silvestres resistentes a
por Crasso em 70 a.C. qualquer tentativa de extermínio.
56 57
As revoltas sucederam-se: apenas três anos depois Quatro anos depois, a revolta acontece no
desta chegada, em 1521, numa plantação açucareira da México, seguida de pronunciamentos de escravos em
Jamaica, uma rebelião é relatada e, em 1523, o Cuba e de guerra contra os palenques no Panamá. Em
levantamento de escravos é em Puerto Rico; em 1526, na 1545, rebelião de marrons em Lima, no Peru. De 1570
Carolina do Sul, então sob domínio espanhol; em 1529, a 1609, levantamento de escravos no México, o que
incidente em Santa Marta, Colômbia; em 1530, rebelião quase coincide com violenta repressão contra os
de cimarrons em Castilla d’Oro18; em 1532, na Venezuela palenques em San Basilio, Colômbia.
e, em 1533, revolta de mineiros escravos, em Cuba. No mesmo ano de1609, o rei de Espanha foi
obrigado a reconhecer a autonomia do palenque de
Quadro 1 - Bartolomeu de Las Casas Yanga (San Lorenzo de los Negros) e, no princípio do
século XVII, surgiram os primeiros acampamentos de
marrons na Jamaica, nas Ilhas Virgens, em Guadalupe
e na Martinica.
Um ano antes daquele reconhecimento, ou seja,
em 1608, começaram os quatro anos de outra rebelião
de escravos, no México; em 1636, surgiu uma aldeia
marron em Guadalupe, nos altos de Capesterre; em
1639, houve levantamentos em San-Cristóbal.
Dez anos depois, revoltas de escravos acontecem
em Barbados, seguindo-se repressão sobre os cimarrons
na Venezuela (Caracas, 1630) e, em 1646, em
Guadalupe; 1673, ano em que se formaram bandos de
marrons nas Bermudas, assistiu a insurreição na
Jamaica; em 1675, o levantamento de escravos foi,
novamente, em Barbados.
Continuando o longo rol: em 1688, rebelião de
escravos nas minas de Negua, em Chocó, Colômbia;
em 1692, nova sublevação em Barbados; em 1713, a
Espanha reconhece a autonomia marron de Benkos
Biojó; no mesmo ano, rebelião no Haiti; em 1732, foi
em Andresote que a resistência se manifesta; em 1734,
Retrato anônimo do século XVI novamente na Jamaica; em 1763, em Berbice, Guianas
18
(conduzida por Cuffy); em 1789, Ambrosio Mondongo
Nome dado, pelos espanhóis, à região que, na época do
se levanta em San José e Puchimbuela; em 1795,
descobrimento, se estendia do norte da América do Sul ao
Panamá, Costa Rica e Nicarágua, abrangendo, praticamente,
rebelião na Serrania de Coro, Venezuela, que assiste a
toda a atual América Central. nova revolta em Maracaíbo, em1799.

58 59
Fotografia 2 - “Cimarrónes” peruanos Figura 5 - Toussaint L´Ouverture

Como resultado da revolução iniciada dez anos


antes, o Haiti, pelas mãos do ex-escravo Toussaint
Louverture, se liberta da França em 180119; três anos
depois, se torna nação independente, naquela que,
talvez, tenha sido a única revolução de escravos
vitoriosa de que tem notícia a história.
Dois anos depois, o levantamento acontece em
Durazno (Uruguai). Em 1812, rebelião de escravos em
Puerto Rico e Cuba; 1835 assiste à Revolta dos Malês,
em Salvador (Brasil), o que voltou a ocorrer em 1848,
no Perú (Nepén). Em 1854, é proclamada a
independência das Esmeraldas.
Como se verifica, é extenso o histórico de
revoltas de negros de origem africana no continente
americano.

19
Sobre o tema, ver Os jacobinos negros, de C.L.R. James.
60 61
Os quilombos

Há historiadores que opinam que os nômades


também chamavam quilombos aos seus lugares de
paragem, e o termo passou a designar a própria
paragem no deserto, o acampamento onde se realizava
o comércio de cera ou de escravos; mas, como quer que
seja, a palavra quilombo, conforme acima já abordado,
provém, nas Américas, dos povos de Angola que, em
muito, contribuíram para a massa de escravos que para
cá confluiu.
Estudos genéticos têm revelado que a
ancestralidade africana predomina na maioria dos
quilombos, embora também se encontrem presentes
elementos de origem europeia e indígena, o que, a
princípio, sugere a não discriminação étnica nestes
agrupamentos, assim como acontecia com os imbangala.
Os estudos também mostram que a
ancestralidade dos quilombolas – sobretudo no Brasil
– é bastante heterogénea: chegando a ser quase
exclusivamente africana em alguns casos, como no
quilombo de Valongo, a matriz europeia quase
predomina em outros, como no caso do quilombo do
Mocambo20 que, embora formado por descendentes de
escravos fugidos, acabou por admitir tantos outros
fugitivos do regime colonial que por fim, constituiu-se
em exceção quanto a este ponto.
A maioria dos quilombos tinha existência
efêmera – uma vez descobertos, a repressão de que eram
alvo ficava marcada pela violência aplicada por parte
dos senhores de terras e de escravos para se reapossarem
dos fugitivos e punir exemplarmente alguns, querendo
atemorizar os demais.

20
Em Sergipe, nordeste brasileiro.
62 63
Apesar de representarem forte resistência à A organização quilombola
escravidão, muitos quilombos contaram internamente Só se pode falar na existência de um quilombo
com este instituto, prática que levou alguns teóricos a quando existe alguma organização, mesmo mínima,
interpretá-la, ali, como conservadorismo africano de do agregado. Mesmo que aparentemente rudimentar,
classes sociais presentes em além-mar, como reis, esta organização há que haver, não só quanto às
generais e escravos. formas de defesa, sociais ou culturais, como quanto às
Mas, ignoraram eles (talvez propositalmente) o manifestações religiosas e lúdicas, a música e a dança,
carácter totalmente antagônico entre os modelos de no que se procura reformular laços familiares perdidos
escravidão africana e a europeia imposta à África, por ação da escravatura.
conforme pode ser constatado pelas pesquisas de De facto, os quilombos sempre estiveram sujeitos
diversos estudiosos, tais como Claude Meillassoux em a incursões do poder oficial sendo, por isto, obrigados
Antropologia da escravidão ; ou, ainda, na a organizar-se de forma a, além de subsistirem
autobiogafia do africano Amadou Hampâté Bâ, em econômica e politicamente, disporem de recursos
Amkoullel, o menino fula. eficazes de defesa: tinham governo altamente
centralizado, ao qual se subordinavam os mocambos
Fotografia 3 - Quilombo, no México (ou aldeias) em que, eventualmente, se subdividiam,
embora os chefes locais participassem de decisões em
forma de congressos, à semelhança do funcionamento
do “conselho de anciãos” africano.
Portanto, os quilombos sincretizaram modelos
de organização genuinamente africanos, embora os
ex-escravos ali presentes tenham assimilado a
sociedade reinol.
Note-se que a vida nos quilombos visava, em sua
organização:
. aculturar os escravos recém libertos às
práticas do quilombo, que consistiam em
trabalho árduo para a subsistência da
comunidade, já que muitos destes escravos,
por escapados do regime oficial, achavam
Cabe aqui repisar que a instituição quilombo
que não teriam mais que trabalhar; e
talvez configure o módulo mais representativo de . diferenciar os ex-escravos que chegavam
resistência à escravidão, quer por seu alcance territorial, aos quilombos pelos próprios meios (fugidos,
quer por sua longevidade. Mais ainda: pelo sentimento que se arriscavam até encontrar um
político que despertou. Isto porque a formação de quilombo, sendo, no trajeto, perseguidos
quilombos não foi fenômeno geograficamente pelos antigos senhores e correndo o risco de
localizado, mas acompanhou, sempre, o processo serem capturados por outros escravistas),
escravista, onde quer que este se tenha instalado.
64 65
daqueles que eram trazidos por incursões É possível que, por este motivo, o quilombo
de resgates – escravos libertados por persista durante todo o processo escravista: no Brasil,
quilombolas, que assaltavam fazendas e iniciado com Palmares ainda no século XVI, resistiu
vilas para, entre outras coisas, libertá-los. até mesmo durante a abolição. Há remanescentes que,
em nossos dias e em terras obtidas no processo,
Mas, a ambos, era possível a total integração. atualmente têm proteção constitucional.
Ressalte-se que, ao escravizado, por sua condição
social, não era possível colaborar ou formar parcerias Fotografia 4 - Quilombo brasileiro recebendo visitas
com o sistema dominante: não podia ser meeiro,
posseiro, arrendatário – apenas podia ser escravo ou,
aquilombando-se, homem livre.

Quadro 2 - Escravos dançando

Quanto à economia quilombola, a princípio,


seria de subsistência, procurando os seus integrantes
encontrar modelos que satisfizessem suas mais
imediatas necessidades. Por conseguinte, centrava-se
ela na agricultura, muitas vezes nômade, e na criação
de gado; nalguns casos, na pesca.
O trabalho e o produto ali obtido eram
socializados. É de se admitir que, tal como se verificou
no Brasil e, também, em Cabo Verde, os quilombos
tivessem desenvolvido uma economia mais
diversificada, recorrendo a alguma atividade extrativa
e comercial (mercantilista); ou, mesmo, de tessitura.
Pintura do século XVIII de autoria de Dirk Valkenburg

66 67
Deduz-se que a instituição quilombo, repita-se, do regime servil. O fenómeno não era
talvez configure o módulo mais representativo de atomizado, circunscrito a determinada área
resistência à escravidão, quer por seu alcance territorial, geográfica [...]. O quilombo aparecia onde
quer por sua longevidade. Mais ainda, repise-se quer que a escravidão surgisse. [...]. Muitas
vezes surpreende pela capacidade de
novamente: pelo movimento político que despertou.
organização, pela resistência que oferece;
Isto, de tal forma, com tanto persistência, destruído parcialmente dezenas de vezes e
resiliência e força que, em 1740, o Conselho novamente aparecendo em outros locais [...].
Ultramarino português tipificou quilombo como “toda O quilombo não foi, portanto, apenas um
habitação de negros fugidos que passem de cinco, em fenómeno esporádico. Constituía-se em facto
parte despovoada, ainda que não tenham ranchos normal da sociedade escravista.
levantados nem se achem pilões neles”.
Cabo Verde
Fotografia 5 - Mulheres quilombolas De início, informe-se que, devido à natural falta
de documentação comprobatória, deduz-se aqui, dos
poucos indícios existentes e do falar crioulo em uso, o
modo como evoluiu este processo importante da
história cabo-verdiana, na esperança de que futuros
trabalhos apresentem mais pormenores que, de uma
vez, façam luz sobre a matéria.
Para já, cuida-se que esta contribuição ajudará
a inscrever a realidade dos quilombos cabo-verdianos
nas cronologias que ensinam a história às gerações
mais jovens, que a devem divulgar e defender sem
preconceitos de qualquer espécie.
Para além das dificuldades, esta investigação
comprova o que já era conhecido: que Cabo Verde, tal como
Esta decisão parece permitir que se reforce que a em outros países colonizados com o processo escravista,
formação de quilombos nunca foi fenômeno teve os seus quilombos, onde os escravos fugitivos se
geograficamente localizado: acompanhou, sempre, o refugiavam e, heroicamente, resistiam à ocupação reinol.
processo escravista, em todas as partes onde este Deve-se a António Correia e Silva 21 a
ocorreu, o que leva Clovis Moura a opinar, em História identificação de alguns destes quilombos; mas,
do negro brasileiro, pág. 24: certamente, outros também se formaram. Deles, há
O quilombo foi [...] a unidade básica de
resistência do escravo. Pequeno ou grande,
estável ou de vida precária, em qualquer
região onde existia a escravidão, lá se
21
Ver o estudo Da contestação social à transgressão cultural:
encontrava ele como elemento de desgaste forros e fujões na sociedade escravocrata cabo-verdiana.

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indícios na nomenclatura de certas localidades e Sem armas que os protegessem, procuravam
referências na tradição oral. refúgio de preferência no alto de montanhas (cutelo)
De certa forma, a fuga dos escravizados ladeado por rochas que dificultassem a marcha dos
af ri ca no s, e m Ca bo Verd e, c on tr ib ui u pa ra o perseguidores ou por matagais que serviam de primeira
povoamento do interior da ilha e par a a barreira protectora. Por isso, os quilombos cabo-
progres siva ampliação da á rea agriculta da, verdianos (djulangues) situavam-se em zonas rochosas,
sobretudo na ilha de Santiago. Constituiu-se num de acesso difícil, que se foram transformando em
dos vetores desse povoamento, complementar ao localidades que exigiram ser, mais tarde,
progressivo internamento dos reinóis (europeus) que, progressivamente desencravadas.
ali, iam formando morgadios e capelas. A ocupação
de todo o interior rural foi-se fazendo por este modo. Fotografia 6 - Quilombo em Cabo Verde
De notar que a captura de escravos pelos
portugueses nas costas africanas, dificilmente seria feita
sem a intervenção direta e ativa dos régulos destes
territórios, com os quais se fazia a sua permuta (“comércio
mudo”), comprando-lhes os inimigos capturados em
diferentes razias; e, não só: com este manancial, vinham
também assimilados pelas tribos e até elementos das
diferentes etnias com quem se negociava.
Por este processo, a intervenção escravocrata,
inicialmente praticada pelos navegadores e seus “lançados”,
foi penetrando no interior do continente africano.
Refere a historiadora Iva Cabral que ”já os
armadores no século XVI transportavam clandestinamente
para os Rios de Guiné o algodão do Fogo com o qual lhes
era legalmente proibido comerciar, já que apenas
podiam tratar com mercadorias natas e criadas na ilha
Os quilombos da ilha de Santiago situavam-se em zonas
de Santiago e traziam da costa mercadorias defesas”,
rochosas e de matagal, geralmente construídos com
acrescentando que “no século XVII e XVIII os cabo-
habitações de pedra solta ou palhotas (foto de Filipe Gomes).
verdianos vendem panos da terra aos franceses, ingleses
e holandeses, isto apesar de todas as leis que a Coroa
Por isso, as habitações onde os fujões se
portuguesa tentou impor e dos monopólios das várias
abrigavam eram construídas de pedra solta ou da
companhias comerciais que por aqui passaram”.
palha e madeira que a Natureza lhes oferecia. As
Fugindo da escravatura a que eram sujeitos, os
palhotas dos quintais de onde se tinham evadido (ou
evadidos buscavam lugares onde se pudessem defender dos
das herdades de que tinham fugido) serviam de modelo
esquadrões de “caça aos fujões” enviados no seu encalço.
nos povoados que se foram entretanto formando.
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Quando alternativa não havia, refugiavam-se em os acompanhassem e assentassem arraiais nos novos
cavernas ou dormiam ao relento. povoados por eles formados: tal foi o caso das tabankas.
À medida que tais quilombos se formavam, os Agora, achavam melhores condições para se
evadidos organizavam-se, tentando reproduzir as afirmarem pelo que tinham de satirização dos
estruturas tribais que tinham conhecido na sua “senhores” de que se tinham libertado. Com as
proveniência. Todavia, uma vez que os agrupamentos tabankas veio igualmente o baixo clero, culturalmente
de escravos implicavam misturas étnicas, os quilombos mais próximo da escravatura e dos seus rebeldes.
tendiam a reproduzir a diversidade das gentes que os
constituía, dificultando, deste modo, qualquer esforço Fotografia 7 - Argolas usadas nos escravos
para reconstruir as lembranças tribais.
Necessitando do mínimo de organização, os
ajuntamentos de fujões acabavam por imitar as
estruturas de onde os escravos se tinham escapado,
escolhendo-se por chefes os que tinham mais
capacidade militar para confrontar os perseguidores e
garantir a defesa dos perseguidos. Assim sendo, toda a
estrutura organizativa (centralizada) dos quilombos
que se formavam, respondia essencialmente às questões
e condições defensivas que deles resultavam.
Os chefes, que se distinguiam pela sua destreza
militar (Domingos Lopes foi um deles), rodeavam-se
dos “mais velhos” que transmitiam a sua experiência e
a pressuposta sabedoria – era a reprodução dos
“conselhos de anciãos” típica da organização social
no continente africano.
Por esta forma, uma regra herdada das tribos de Nas escavações feitas em Cidade Velha, foram encontradas
que os escravos eram originários, passava à várias no antigo Almoxarifado, destruído num dos ataques
organização quilombola, chegando por esta via à de Francis Drake
sociedade crioula atual. Não chegou, todavia, também,
a memória da luta travada pelos irmãos Lopes, nada A presença do baixo clero e das tabankas acabou
havendo em Cabo Verde que invoque a sua saga por ser impeditiva de que o animismo retornasse e se
heróica, que legitimaria que fossem considerados impusesse nos quilombos entretanto constituídos. Os
“heróis da pátria” cabo-verdiana. povoados em que os fugitivos se acantonavam
Natural foi que manifestações próprias da subsistiam com base na agricultura e na criação de
escravatura, vindas diretamente dos quintais dos gado que, à sua volta, se fazia. Porque, por norma, se
centros urbanos e quintas de onde os fujões se evadiam, localizavam longe das zonas costeiras (as razões de

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defensa o justificavam), a pesca seria um recurso importação de novos escravos. Assim, este contingente
desconhecido pelos quilombos. de escravos – que engendrava novos contingentes de
Ainda segundo a historiadora Iva Cabral, “a elite escravos – convergiu para Ribeira Grande de Santiago
cabo-verdiana durante os séculos XVIII e XIX continua e, dali, para outros pontos da ilha de Santiago.
a comerciar com a costa da Guiné, mas principalmente
a dirigir e a consolidar a presença portuguesa nas Fotografia 8 - Mandinga escravizado
poucas Praças (Cacheu, Bissau, Farim, Geba) que ainda
Portugal consegue segurar nesse território tão cobiçado
pelos franceses e ingleses”.
Escreve Isabel Castro Henriques ( Lugares de
Memória da Escravatura e do Tráfico Negreiro, 2013)
que os escravos “puderam recuperar a sua memória e a
sua identidade através da toponímia: termos originários
de diferentes línguas africanas (mandinga, wolof, etc.)
atravessaram os séculos, continuando a designar
lugares, habitações, aldeias fortificadas, objectos
domésticos de uso quotidiano, gestos e formas familiares,
canções, festas, instrumentos musicais, jogos, rituais
religiosos. Deste modo, os escravos africanos
recuperaram o espaço dos colonos, dos comerciantes
negreiros, dos seus proprietários europeus”.
Quanto aos quilombos de Cabo Verde, os escravos
tê-los-ão designado por djulangues, palavra oriunda da
costa ocidental do continente de origem, tirada do
mandinga, idioma falado pelo grupo mande, nativo da Provenientes do continente africano, inicialmente
Baixa Guiné – ao que se sabe, as primeiras vagas de da região dos Rios da Guiné, os escravos procuravam
escravos em Cabo Verde terão provindo da costa constantemente a liberdade: quando podiam, galgavam
ocidental do norte de África, onde o império mandinga, as muralhas da cidade, construídas menos para a proteger
que se estendia pelo atual Mali, foi desbaratado. de ataques de corsários e mais para impedir a escapada
Historicamente, a escravização de africanos dos escravos (“fujões”, donde terá resultado a designação
chegou a Cabo Verde no século XV, trazida pelos adotada pelos mandingas – “djon”, que significa escravo).
colonizadores europeus para trabalhar nas plantações O sonho dos homens e mulheres deste modo
de cana-de-açúcar por eles introduzidas e que requeriam submetidos, era o de recuperar a liberdade perdida. A
mão-de-obra intensiva. Com o algodão autóctone fuga era um dos meios para obter essa liberdade. Ora,
recolhido e outro por eles introduzido, fabricava-se pano na fuga – que obrigou a construção de muralhas para
(panu di tera), cujos réditos, por sua vez, alimentavam a a impedir em volta de Ribeira Grande (cujos restos ainda

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hoje são visíveis) – internavam-se em áreas de difícil Foram os reinóis impressionados pelas
acesso, tentando, assim, iludir a perseguição por parte insubordinações havidas no Brasil, que deram, aos
dos grupos de caçadores de fujões. espaços governados por escravos rebeldes, o nome
original de quilombos. Naturalmente que os escravos,
Mapa 3 - Ribeira Grande de Santiago, no século XVI sem acesso a fontes de informação, os batizaram com
outras designações – eventualmente djulangue, palavra
que será derivada de “djon”. Será de ter em conta os
indícios resultantes do fato de existirem localidades com
este nome em Belém (no Município de Ribeira Grande
de Santiago), em Boa Entrada (no de Santa Catarina
de Santiago) e em Santa Cruz.
Quanto a Cabo Verde especificamente, existem
várias referências à existência de quilombos no
arquipélago, em particular na ilha de Santiago, o que
de resto se reflete na linguagem corrente – por exemplo,
diz-se “djon ki konxe otu djon” (o que, traduzido à letra,
significará – “escravo (alguém) que reconhece outro
escravo como ele, perdido nas áreas de refúgio.
Destacam-se, pelo menos, três casos registrados
em diversos documentos:

O quilombo de Julangue
Encontravam, nesta fuga, espaços com naturais Há notícia de que, no interior da ilha de Santiago,
condições de fácil defesa: assim, surgiram diversos núcleos na atual localidade de Julangue (zona rochosa de
de escravos e libertos, disseminados por montes e matagais e matos), os escravos se reuniram em quilombo
montanhas (designadas cutelos) e por matagais do interior por mais de quinze anos, e que muitos forros a eles se
da ilha de Santiago, cada vez mais afastados dos principais juntaram, resistindo às tentativas do poder dominante
centros urbanos (Ribeira Grande, Praia, Alcatrazes) e nas para os neutralizar, o que ocorreu desde 1709. Sabe-se
áreas limítrofes do atual Município de Ribeira Grande de que, à medida que as forças dominantes minguavam, a
Santiago, confinando com Santa Catarina (antiga Santa resistência dos insurretos ia em crescendo, criando graves
Catarina do Mato), como é o caso da região de Belém-S. problemas aos proprietários.
João Baptista, em Mosquito Horta ou na zona de Pico Leão Por ordem do governador de Cabo Verde, Gonçalo
e de Piku Antónia (Pico de António Genovês), onde terão Lemos Mascarenhas, alertado pelos alaridos que vinham
aparecido alguns dos primeiros locais de resistência, ou do Brasil onde os quilombos já iam aparecendo – além
de Zumbane (Santa Cruz), que mais tarde (a partir do séc. de acicatado por indicações da Coroa de Portugal (em
XVIII) foram identificados pelos colonos como quilombos. carta de 1 de fevereiro de 1709) –, marchou sobre eles

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uma coluna de 400 homens, comandada pelo capitão Cerca de 1718, foi preso um dos líderes deste
Francisco Araújo Veiga, a fim de “prenderem uns negros movimento, chamado dos “valentes de Julangue”
forros régulos e levantados”, o que é indicativo das (assim os escravos a eles se referiam depois do embate
condições em que então se achava a maioria dos rurais então havido): Domingos Lopes 22, o seu líder, foi
forros, que apenas diferiam dos escravos no grau de condenado à morte e executado,
liberdade em que nominalmente viviam. para que, por este caminho, se dê não só a
Segundo o historiador António Correia e Silva, satisfação à justiça no castigo deste negro,
O grupo rebelde não foi capturado e nem mas se evite a que os mais rompam em
sequer mesmo disperso, isso apesar do maiores ousadias e ponham em grande risco
grande aparato da expedição miliciana. a conservação daqueles moradores,
Deve-se mesmo dizer que a tentativa de formando-se mocambos deles que não [...]
repressão, longe de inibir o fenómeno de seja fácil conquistarem-se pois mostrou a
fuga do cativeiro, terá mesmo contribuído experiência de Pernambuco o muito que
para o seu recrudescimento. É o que, pelo gemerão os povos daquela capitania com o
menos, parece indicar o testemunho do que ali houve, o quanto foi custoso pôr-se
ouvidor Xavier Lopes Vilella, dado um ano limite às suas insolências, havendo milícias
depois da ocorrência do evento em análise. pagas compostas de dous terços e tanta gente
Foi assim que, em 1710, Vilella calculava para o sujeitar o que não há em Cabo Verde...
que “andavam mais de 600 escravos fugidos
a seus senhores nas serras”. A Revolta dos Engenhos (Águas Belas)
Em 1822, os rendeiros de Engenhos, no actual
Quadro 3 - Mercado de escravos em Argel concelho de Santa Catarina de Santiago, aproveitaram
os festejos da tabanka e revoltaram-se contra o
respetivo morgado, Domingos Ramos, levantando-se
contra as suas arbitrariedades e a pesada carga das
rendas por ele praticadas.
Incitados por elementos do baixo clero
identificados (como o Pastor Calisto, da igreja dos Órgãos)
com os ideais liberais que arribavam a Cabo Verde,
sobretudo provenientes do Brasil – designados de “mal
comportados” pelas autoridades reinóis –, aliaram-se aos
remanescentes escravos, ergueram um altar em Chã
Coelho e amotinaram-se, expulsando da terra o morgado

22
Domingos Lopes é, sem dúvida, um herói nacional em Cabo Verde:
a sua memória deve ser cuidadosamente preservada, justificando-
Gravura holandesa do séc. XVII se que receba, em sua honra, o erguer de qualquer monumento.

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que intentava afastar dela os rendeiros em dívida.
Segundo se lê em um documento: Rezam documentos alusivos a estes factos que
[...] então elles com medo de serem prezos se Lourenço Cabral, Pedro Semedo, Martinho Semedo e
ajuntarão a noite em huma Caza velha a Lourenço Semedo foram apresentados pela Junta
onde tinhão hum tambor de Nossa Senhora Governativa como homens que, por não quererem
do Rozario, para dispertar o sono, e estarem pagar as suas rendas ao morgado, aconselharam os
acordados para fugirem se os focem prender,
demais a fazer o mesmo.
e que durante dias noutes se ocupavão em
rezar ladainhas a nossa Senhora para os O governador-geral, João da Matta Chapuzet,
ajudarem, e dar lhes pás [...] a onde se tocava considerou que deveriam ser “considerados inimigos
como divertimento [...] (in Autos da Devassa do sossêgo público”.
a que se procedeu sobre o levantamento dos Ao que se sabe, recusaram-se a abandonar a
Habitantes da Ribeira do Engenho (1822 – Ribeira dos Engenhos – mostrando desse modo que não
1823). 2a. Divisão, 3a. Secção, Cx. 2, Proc. 8, se assustavam com os revoltosos e condenavam a
de 16 de Maio de 1823). prática do morgado – quer o cônego de Picos, Matheos,
O morgado, que era acusado de inúmeros excessos como o sargento-mor, Francisco Barros.
(entre eles o costume de se apresentar embriagado) e por Escreve Eduardo Adilson Camilo Pereira (in
isso foi enxotado da localidade, recusando-se os Política e Cultura: As Revoltas dos Engenhos (1822),
rendeiros a continuar a pagar renda, reagiu mal a uma de Achada Falcão (1841) e de Ribeirão Manuel (1910)):
carta que lhe fora enviada, entre eles por André Semedo,
convocando-o para uma reunião em Chã Coelho, onde A revolta pode ser entendida enquanto
pretendiam estabelecer com ele um acordo. subversão da ordem sócio-política vigente no
interior da ilha de Santiago, na qual os
Mapa 4 - Ilha de Santiago ( Cabo Verde) morgados detinham não só os monopólios
da terra como também roubavam e
extorquiam os bens dos seus rendeiros. Em
outras palavras, acções assim faziam parte
de estratégias políticas para enfraquecer o
poder económico dos rendeiros e dessa
maneira evitar que tivessem acesso aos
cargos públicos.

Os possidentes aterrorizaram-se, lembrando-se


não só de anteriores revoltas de rendeiros (como a de
dezembro de 1811) ou das insurreições de escravos,
enviando desde a Praia – onde constou que os
amotinados a pretendiam invadir – tropas suficientes
para a esmagarem. André Semedo e Manuel Ferreira

80 81
da Silva foram presos, acusados de planearem a revolta. fumos deixar de chegar a Cabo Verde,
Segundo Eduardo Adilson Camilo Pereira (o.c.): criando esperanças aos desfavorecidos e
A leitura dos autos ainda possibilita-nos oprimidos. Assim aconteceu com os rendeiros
compreender que as acções do morgado não e escravos do morgado dos Engenhos em
salvaguardavam algumas normas tidas como 1822, q ue se revoltaram contra as
supremas pela comunidade, dentre as quais prepotências do Coronel de Milícias
aquela de não afrontar a mulher alheia. Domingos Ramos Monteiro, administrador
Segundo Manoel Francisco Siqueira, o major do vínculo. Apresentaram queixa ao
Domenico Furtado, encarregado pela Junta Governador contra o mesmo Coronel,
Governativa para negociar com os rendeiros, pedindo que fossem feitas averiguações que,
prometeu que tanto homens quanto mulheres ao fim e ao cabo, nada resultaram, mas, de
iriam ser presos por terem se revoltado contra qualquer forma, provaram que os tempos
o morgado e as autoridades locais, o que já eram outros. Os escravos julgavam-se
revela que as mulheres também tomaram livres pela recente Constituição”.
parte do ritual da revolta. Portanto, tanto
André Semedo quanto Manuel Francisco Foram essas ideias, absorvidas por algumas
Sequeira consultaram os demais rendeiros, o camadas mais cultas da sociedade cabo-verdiana, entre
que demonstra que os mesmos detinham as quais se situava o baixo clero, que espoletaram o mal-
certo prestígio social dentro da comunidade. estar social evidenciado nas revoltas de oitocentos.
Os rendeiros ressignificaram os rituais
utilizados nos reinados da tabanca e presentes
nas irmandades, objectivando chamar uns Fotografia 9 - Vista de Assomada (Cabo Verde)
aos outros, nos quais os irmãos eram
convocados, segundo regia os estatutos das
irmandades. Por isso, aqueles que se
atrevessem descer para a ribeira dos
Engenhos para o ritual da tabanca eram
presos e conduzidos a Cham Coelho, onde
ficavam detidos.

De resto, refere Santa Rita Vieira, enquadrando


o ambiente em que decorreu esta revolta:
As ideias da revolução francesa a que se
seguiram as invasões napoleónicas (a
Portugal, n.r.), a fuga da família real para
o Brasil, a independência desta colónia, as
lutas liberais e as medidas tomadas para a
extinção da escravatura, não podiam os
Caminho para Boa Entrada

82 83
O incidente de Monte Agarro Bra sil
Além dos referidos e diversos julangues, há, pelo Palmares, o primeiro grande quilombo brasileiro,
menos, a referência a outro grave incidente ocorrido apareceu entre Alagoas e Pernambuco, provavelmente
no século XIX: em dezembro de 183523, os escravos de no final do século XVI, e durou até 1695.
Monte Agarro (ou Monte Tagarro24, como refere José Parecendo confirmar a sua origem angolana, é
Evaristo d’Almeida25 em “O Escravo” que o local se sintomático o nome que os quilombolas de Palmares
chamava), a cerca de 4 quilômetros do Plateau na deram à sua sociedade – Angola Janga: Pequena Angola.
Praia, aproveitando a insubmissão da tropa miguelista Além disso, surpreende a identificação de
(havida neste ano), tentaram invadir a capital para conteúdos – se, na África, o quilombo jaga era liderado
“matar todos os brancos donos de terras”, o que revela pelo guerreiro entre guerreiros, chefe intransigente
o ódio acumulado contra os reinóis terra-tenentes cujo dentro da rigidez da disciplina militar, não era
racismo era por demais evidenciado em diferentes diferente no Brasil: mesmo quando subdividido em
circunstâncias. aldeias ou mocambos, estes reportavam-se à liderança
Segundo escreve Sena Barcelos, um relatório central, gerida pelo guerreiro dos guerreiros – em
preparado por um Juiz local apontava que “os escravos Palmares, Ganga Zumba, primeiro; depois, Zumbi.
tencionavam obter a sua liberdade e para isso Se, em África, o quilombo era multiétnico, tendo
determinaram matar os seus Senhores e a seguir claras finalidades político/militares, assim também no
embarcar para a Guiné”. Brasil: todos os fugidos do sistema encontravam abrigo
Esta revolta dos escravos foi duramente nesta instituição, cuja finalidade – escapar, opondo-se à
reprimida. Ficou, todavia, na memória das classes estrutura dominante – torna-se sua própria razão de ser.
dominantes, que viriam a acabar por abolir Segundo aponta Clóvis Moura às pg. 25-30 de
oficialmente a escravatura no ano seguinte (1836), seu História do negro brasileiro, diversos foram os
sendo portanto esta a última revolta conhecida contra quilombos surgidos em terras brasileiras: lá estão
o escravismo em Cabo Verde. Todavia, de forma oculta, dezessete em Sergipe, dezoito na Bahia, vinte e três em
ele perdurou por algum tempo mais. São Paulo, vinte em Minas Gerais, e mais extensa
relação abordado outros estados brasileiros.
23
Em janeiro do mesmo ano, aconteceu a Revolta dos Malês Por isto, o “quilombo” não pode ser visto de
em Salvador, Bahia, Brasil, que espalhou o medo das revoltas forma estreita: lugar de negros fugidos, resultado de
de escravos entre a população e os governantes portugueses. fugas inconsequentes, apenas: ele é resistência e atingiu
24
Chamava-se a este local da Praia, até ao princípio deste o processo oficial de utilização de mão-de-obra de tal
século, “Monte Tagarro”, nome que terá algumas forma e com tanta intensidade que, no dizer de Clóvis
reminiscências portuguesas, dado que em Portugal existem
localidades com a designação de Tagarro. É de admitir que, falecido na Guiné em 1856, viveu em Cabo Verde alguns anos,
no local, terá residido uma pessoa de nome Tagarro (desde o deixando aí descendentes, como os poetas Silvestre Faria e
século XIII, pelo menos, haverá uma família com esse nome). Aniro Faria. Além de “O Escravo”, publicou um folheto com
25
José Evaristo d’Almeida, nascido em Portugal em 1810 e referências a Cabo Verde.

84 85
Moura, “solapou as suas bases em diversos níveis – Figura 6 - Retrato e escultura de Zumbi
econômico, social e militar”, influindo decisivamente,
“para que esse tipo de trabalho entrasse em crise”.
Quadro 4 - Escravos lutando capoeira

Há que mencionar, ainda, a revolta dos


Farrapos26, no Rio Grande do Sul, que tinha, à época,
A quilombagem evoluiu até à extinção oficial da 100 000 negros entre a população de 360 000
escravatura, e o corpo de reivindicações sociais negras, habitantes: em pleno regime escravista, os farroupilhas,
durante todo o tempo, cresceu, podendo-se nele localizar, em 1835, mesmo ano da Revolta dos Malês, decretaram
dentre outras, a já mencionada Revolta dos Malês que, a liberdade, que durou até 1845; e o major João Manuel
na Salvador de 1835, despertou medo e insegurança no de Lima assumiu o comando da 1ª Legião de Escravos,
poder central quanto à manutenção do regime escravista. com a qual entrou na cidade de Pelotas.
É de se notar, ainda, que esta Revolta veio Foi neste ambiente em ebulição que surgiram os
precedida pela já citada abolição da escravatura no chamados quilombos abolicionistas, dos quais Leblon,
Haiti que, já em 1791, se levantou contra a França, no Rio de Janeiro, e Jabaquara, em São Paulo, foram
vindo, dez anos depois, a proclamar a independência. os representantes principais.
É a partir da época em que aconteceu a Revolta
dos Malês que o Brasil passou a assistir à morte lenta
da escravidão que, em 25 de março de 1884, viu o Ceará
expurgá-la de seu território. Meses depois, Amazonas e
Rio Grande do Sul o acompanham.
No campo político, Rui Barbosa e Joaquim
Nabuco, dentre outros, ecoaram o que José do
Patrocínio e seus pares pregavam pelos jornais e pelas 26
Revolta que pretendia a independência deste estado frente
esquinas politizadas da capital e das províncias do país. ao Brasil.

86 87
Quadro 5 - Escravos em engenho brasileiro Os quilombos abolicionistas brasileiros
Jabaquara foi comandado pelo negro Quintino
de Lacerda. Estabelecido em Santos, foi mantido por
colaborações recolhidas entre comerciantes e
simpatizantes, e chegou a acolher dez mil pessoas: em
sua maioria, fugitivos encaminhados por Antonio
Bento e seus Caifazes.
Quanto ao Quilombo do Leblon, fundado na
mesma década, formou-se nas terras em que, no bairro
carioca27 que lhe dá nome, o português José de Seixas
Magalhães, industrial produtor de malas de larga venda
em todo o país, cultivava camélias que, ao final do
processo, se transformaram em verdadeiras insígnias dos
abolicionistas – dentre os quais, a Família Real.

Tempos atuais
É importante ressaltar que as duas últimas décadas
Fotografia 10 - Uma senzala brasileira do século XX, recolocaram o conceito de “quilombo” no
contexto nacional brasileiro, devido à abertura política
que inspirou a “descoberta” de comunidades negras
rurais. Neste contexto, o termo “quilombo” ampliou-se,
adquirindo significados políticos e jurídicos importantes,
por se referir às comunidades remanescentes que
permaneceram nas terras que, há longo tempo,
ocupavam, e onde, ainda hoje, produzem e vivem.
Assim sendo, o conceito deixou de ser, apenas,
territorial: passou a focar-se em seus remanescentes e,
nesta nova forma, foram considerados remanescentes de
quilombos, segundo o Dec. 4887/2003, art. 2º, “os grupos
étnico-raciais, segundo critérios de auto atribuição, com
trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais
específicas, com presunção de ancestralidade negra,

27
Assim chamado por surgir no estado brasileiro do Rio de
Janeiro; onde os índios davam o nome de carioca às casas,
brancas – cari ocas – dos colonizadores.

88 89
relacionada com a resistência à opressão histórica Quadro 6 - Casa de escravos: final do processo escravista
sofrida”.
Como providência de ordem prática, a
identificação e a certificação dos remanescentes de
quilombos, passaram à competência da Fundação
Cultural Palmares, órgão ligado ao Ministério da
Cultura brasileiro.
Como resultado quase imediato, foram
reconhecidas remanescentes de quilombos, as
comunidades Frechal, no Maranhão; Rio das Rãs, na
Bahia; Kalunga, em Goiás; Furnas da Boa Sorte e Furnas
de Dionísio, em Mato Grosso do Sul; Conceição das
Crioulas, em Pernambuco; Mimbó, no Piauí, dentre outras.
Atualmente, existem mais de duas mil
comunidades quilombolas catalogadas no Brasil,
sendo que, dos mais de trezentos processos abertos em
tramitação no INCRA – órgão responsável pela
titulação das terras – 40% chegaram ao final.
Segundo os registos, existem remanescentes de
quilombos nos seguintes estados brasileiros: Maranhão,
Espírito Santo, Bahia, Goiás, Mato Grosso, Pará, Amapá,
Acre, Rio Grande do Norte, Amazonas, Rio de Janeiro,
São Paulo, Sergipe, Ceará, Rio Grande do Sul, Paraná,
Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Roraima,
Santa Catarina, Tocantins, Piauí, e Paraíba.
Por isso, cabe retomar a definição de quilombos na
atual legislação brasileira: “grupos étnico-raciais, segundo
critérios de auto atribuição, com trajetória histórica
própria, dotados de relações territoriais específicas, com
presunção de ancestralidade negra, relacionada com a
resistência à opressão histórica sofrida”.
É definição que basta para atestar a importância
dos quilombos na formação das associações de negros,
objetos deste estudo – associações estas que têm início, como
força de resistência e de manutenção cultural, no mesmo
momento histórico em que as Américas foram descobertas.

90 91
Quilombagem, hoje e Bases da Educação 28 , quando interpretado em
conjunto às Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-Raciais, ambas de 2004,
impõe o ensino de cultura e história africana e afro-
Quilombo, portanto, pode ser entendido como
brasileira em todo o sistema de educação nacional.
associação que, como força de resistência e de
manutenção cultural, tem início no mesmo momento
Fotografia 11 - Mulheres quilombolas atuais
histórico em que as Américas são descobertas; mas, é
associação que pereniza e transfere esta postura para a
atualidade.
Daí deriva a quilombagem, ou seja: o conjunto
de ações e reivindicações destinadas a promover a
emancipação e a convivência social e cidadã do povo
negro, em igualdade de condições com os descendentes
de seus algozes europeus.
Como prova desta permanência e do desejo de
emancipação social deste povo, não se pode esquecer,
no Brasil, da Frente Negra Brasileira, que surgiu em
1931 e durou até 1937, sendo extinta, apenas, em
decorrência do advento do Estado Novo, início da
ditadura Vargas; nem do Teatro Experimental do Negro,
fundado em 1944, com duração até 1961; também há
o surgimento, em 1970, do ainda atuante movimento
literário Cadernos Negros, e o aparecimento do hip-
hop, tudo como demonstrações espontâneas de cultura Palácio do Planalto
de matriz negra voltada à própria emancipação social Brasília, Brasil
e cultural.
Há, ainda, que se atentar para a existência de Espera-se que, algum dia, isso se torne realidade.
clubes sociais de fundamento étnico negro, surgidos
logo após o final da ditadura Vargas, em 1945; com o
que muitos completaram, neste ano de 2018, setenta e
três anos de existência e inegável resistência.
Como efeito prático, há que se registrar não só o
surgimento da Fundação Cultural Palmares como ator
federal oficial voltado à causa negra mas, também e
principalmente, a ainda não implantada Lei 10639/ 28
Pode-se considerá-la como a Constituição do sistema educativo
2003 que, ao acrescentar o art. 26A à Lei de Diretrizes brasileiro.

92 93
Fotografia 12 - Uma comunidade quilombola atual Quadro cronológico

1442 portugueses chegam à foz do Rio Senegal

1444 portugueses fazem a primeira captura de


escravos, no Senegal

1454 bula do Papa Nicolau V autoriza os


portugueses a traficarem escravos

1460 portugueses chegam às ilhas do Cabo Verde

1470 fuga de escravos em S. Tomé, liderados por


Amador, que origina um reino

1490 missionários portugueses chegam ao Congo

Amapá, região norte do Brasil 1503 formação de um palenque em La Española

1514 levantamento de escravos, em Cuba

1518 chega o primeiro navio negreiro ao


continente americano (Antilhas)

1523 revolta de escravos em Puerto Rico

1526 levantamento de escravos na Carolina do Sul

1529 revolta de escravos na Colômbia

1532 levantamento de escravos na Venezuela

1533 revolta de escravos em Cuba

1534 levantamentos da descravos no México, Cuba


e Panamá

94 95
1545 revolta de escravos no Peru quilombos nas Bermudas
1673
1560 surge o primeiro quilombo no Brasil insurreição de escravos na Jamaica

1568 os imbangala são rechaçados do Congo. 1675 revolta de escravos em Barbados

1570 começa, no México, revolta que dura dezenove 1688 insurreição de mineiros escravos na
anos Colômbia

1608 começa nova revolta de escravos (duração 4 1692 sublevação de escravos em Barbados
anos) no México
1695 fim da resistência do quilombo de
1609 termina uma das revoltas de escravos no Palmares - Alagoas/Pernambuco (Brasil)
México
1709 revolta escrava em Santiago (Cabo Verde)
revolta de escravos na Colômbia – início de 15 anos de resistência

Espanha reconhece independência do Espanha reconhece independência de


palenque de Yanga Benkos Biojó
1713
1610 o povo jaga se espalha pela região mbundu rebelião escrava no Haiti
(Angola)
1718 preso Domingos Lopes, líder da resistência
1630 repressão à revolta de escravos na Venezuela dos escravos em Cabo Verde

1636 quilombo em Guadalupe 1720 derrota do principal quilombo


caboverdiano
1639 levantamento escravo em San Cristóbal
1734 revolta de escravos na Jamaica
1646 revolta de escravos em Guadalupe
1740 O Conselho Ultramarino de Portugal
1649 levantamento de escravos em Barbados tipifica quilombo

1663 morte da rainha Nginga (Nzinga Ngola 1763 insurreição de escravos nas Guianas
Kiluanji)

96 97
1776 revolução norteamericana
1820 abolição da escravatura nos territórios
dominados pela Inglaterra
1779 revolução francesa
revolta dos Malês, Salvador, Brasil
1789 insurreição escrava em San José e
1835
Puchimbuela
revolta dos escravos de Cabo Verde, em
Monte Agarro, Praia
1795 rebelião de escravos na Venezuela
1836 abolição da escravatura em Portugal
1799 nova revolta de escravos na Venezuela
1845 criação da Legião dos Escravos no Brasil
1801 independência do Haiti, após uma
insurreição de dez anos
abolição da escravatura em todos os
territórios franceses
1805 levantamento de escravos no Uruguai
1848
insurreição escrava no Peru
1807 proibição da escravatura em solo inglês
1854 independência das Esmeraldas, em
sublevação escrava em Puerto Rico
consequência da resistência dos escravos
1812
revolta de escravos em Cuba
Criada, em Portugal, a Junta de
Protecção de Escravos e Libertos
1813 abolição da escravatura na Suécia
1884 abolição da escravatura no Ceará
1814 abolição da escravatura na Holanda
(Brasil), seguido por Amazonas e Rio
Grande do Sul
1815 Tratado, emjaneiro, interdita o tráfico
português de escravos “em todos os
1886 abolição do sistema escravista em Cuba
lugares da costa de África situados ao
norte do Equador”,
1888 aboliçao da escravatura no Brasil, último
país ocidental a fazê-lo.
abolição da escravatura em França

1817 abolição da escravatura em Espanha

98 99
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2007. Cultura Afro-Brasileira da Universidade de Sorocaba.
Pesquisador em Ciências Sociais e produtor de pesquisas
acadêmicas, principalmente sobre as práticas de exclusão e
seus efeitos sociais, tem estudos acadêmicos aceitos e publicados
em diversas universidades do Brasil e do exterior, especialmente
Venezuela e Cabo Verde. Como ficcionista, detém diversos
prêmios, assinando suas crônicas, artigos, contos e poesias, com
o pseudônimo Ed Mulato.

N U N O R E B O C H O nasceu em Queluz
(Portugal). Cresceu e estudou em
Moçambique e morou no Marrocos.
Atuou em Portugal e Cabo Verde, foi
chefe de redação da RDP. Animador
cultural, empenhou-se na luta
anticolonial e pela democracia
durante a ditadura salazarista, tendo
passado cinco anos nas masmorras
daquela polícia política, por se opor
ao salazarismo e defender a independência das
colônias portuguesas. Depois de reformado em Portugal, fixou-
se em Cabo Verde, onde foi assessor de comunicação numa
Câmara Municipal. Tem livros publicados de poesia, romance,
crônica e ensaio, estando presente em antologias poéticas em
Portugal, Brasil, Espanha e Argentina.

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Editora AMCGuedes
www.editora-amcguedes.com.br
editora@editora-amcguedes.com.br

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