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Para iniciar o comentário da obra de Frantz Fanon: Peles Negras máscaras Brancas

(2008) permito-me resgatar a última frase do livro: “Minha última prece: Ô meu corpo,
faça sempre de mim um homem que questiona!” (p.191).
Tal prece do autor marca a temporalidade da discussão do corpo negro diante do
imperialismo racista. O homem que questiona marca-se no presente, que construirá um
futuro, mas um futuro sustentável. “Todo problema humano exige ser considerado a partir
do tempo. Sendo ideal que o presente sirva pra construir o futuro” (p.29).
A obra percorre sete capítulos e tem como fio condutor um colonialismo que
desumaniza o outro, neste caso, em específico, o negro; e que a pregação de um novo
humanismo só se desenvolverá por meio da luta que, em determinado recorte, o autor cita
conflitos armados, mas que em outros recortes de tempo é o conflito da invisibilidade do
negro que precisa adotar máscaras brancas para ser notado e, mesmo assim, pelo olhar do
colonizador – não deixa de ser inferior ou devedor de algo por ser negro.
Para cada máscara branca usada pelo negro na sociedade, mais o sujeito se afasta
da cultura que o define. Com a violência dos processos de colonização, o racismo faz com
que a humanidade das pessoas negras seja rasurada.
Ao escrever este comentário me situei que às vésperas temos a celebração do ‘Dia
do Índio’. A celebração deste dia é pautada pelo colonizador e não resgata ou mantêm a
memória da população nativa na América. Resgatei de memória também a interlocução
com a obra do pesquisador peruano Aníbal Quijano que imprime o olhar decolonizador
para a América Latina no combate a ‘colonização do poder’.

O primeiro marco do percurso de decolonização é a relação do negro e a


linguagem. Para Fanon, o negro que vive na metrópole e sucumbe a linguagem do
colonizador perde a possibilidade de evocar o ‘eu’ e se permite de forma violenta a
sujeição do ‘nós’ determinado pelo homem branco. O homem negro vive como
estrangeiro.
Ao tratar da linguagem, Fanon põe em pé de igualdade “por um lado de negros
alienados (mistificados) e por outro de brancos não menos alienados (mistificadores e
mistificados)” (p.43). Essa condição marca uma defesa da decolonização das mentes, de
uma humanização de dimensão dialética direcionada para não opressão dos sujeitos na
construção das identidades, e assim, a humanização real. “O que nós queremos é ajudar
o negro a se libertar do arsenal de complexos germinados no seio da situação colonial
(p.44).
O termo petit-nègre adotado como termo deslizante é muito mais da
intencionalidade de revelar do que está por debaixo da máscara branca; “Falar uma língua
é assumir um mundo, uma cultura. O antilhano que quer ser branco o será tanto mais na
medida em que tiver assumido o instrumento cultural que é a linguagem”;
“Historicamente é preciso compreender que o negro quer falar o francês porque é a chave
susceptível de abrir as portas que, há apenas cinqüenta anos, ainda lhes eram interditadas”
(p.50).

Os capítulos 2 e 3 se dedicam a disfunção afetiva do homem e da mulher branca.


Mas, ao mesmo pé de igualdade, da mulher negra e do homem negro. Segundo Fanon, o
afeto do negro com o seu semelhante é ‘impiedoso’, pois, não existe salvação. É o
resultado que se constata como processo de alienação por meio da colonização das
mentes, dos corpos e dos afetos.
“Qualquer que seja o domínio considerado, uma coisa nos impressionou: o preto,
escravo de sua inferioridade, o branco, escravo de sua superioridade, ambos se
comportam segundo uma linha de orientação neurótica. Assim, fomos levados a
considerar a alienação deles conforme descrições psicanalíticas. O preto, no seu
comportamento, assemelha-se a um tipo neurótico obsessional, ou, em outras palavras,
ele se coloca em plena neurose situacional. Há no homem de cor uma tentativa de fugir à
sua individualidade, de aniquilar seu estar-aqui. Todas as vezes que um homem de cor
protesta, há alienação. Todas as vezes que um homem de cor reprova, há alienação” (p.
66).
Para mim esse é um trecho marcante de toda a obra e que sinaliza com claridade
como se dá o processo de colonização e como o humanismo decolonizador que está por
vir, precisa ser instaurado nas mentalidades; que paralelo a disputa por reconhecimento
da face por baixo da máscara, é preciso o desvelar das subjetividades impregnadas de
identidades limitadas.

No capítulo 4, um mote interessante é desmistificar a relação econômica com a


postura racista. Fanon relata que mesmo brancos de classes mais baixas imprimem a
mesma noção de preconceito contra o negro, mesmo que este esteja numa condição social
econômica melhor. O negro passa a ser então objeto de desprezo e desqualificação. A
experiência vivida do negro no capítulo seguinte e posterior ‘psicopatologia e o negro’
recorta e traz vários exemplos sobre o argumento da obra ao se deparar com o racismo, o
negro introjeta um complexo de inferioridade e ilusão: fala, pensa e agi como branco, até
o dia em que se depara novamente com o olhar fixador do branco. “Mamãe, olhe o preto,
estou com medo!” (p.105).
O corpo, na obra do Fanon, é o que permite se situar no tempo, no mundo. O corpo
é a materialidade a ser vista pelo outro, tomada posse ou liberdade; veste-se de máscara
ou toma-se do ‘eu’.

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