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ILHÉUS – BAHIA
2023
JOÃO JOSÉ DOS SANTOS
DAYANE CUNHA DOS SANTOS
ILHÉUS – BAHIA
2023
JOÃO JOSÉ DOS SANTOS
DAYANE CUNHA DOS SANTOS
Presidente e Orientadora
3 11
PROTAGONISMO NEGRO EM TEXTOS LITERÁRIOS NO LIVRO
DIDÁTICO............................................................................................
4 16
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................
5 17
REFERÊNCIAS...................................................................................................
6
INTRODUÇÃO
Nem sempre ser o livro mais vendido significa ser o melhor do ponto de
vista didático; mas, pode ser o resultado de estratégias de marketing bem
montadas para a manutenção do monopólio de algumas poucas editoras,
visando interferir no processo de aquisição junto às escolas: fornecimento
de livros e de brindes aos professores, coordenadores e diretores, folhetos
e catálogos de propaganda, cursos de divulgação das obras, presença dos
representantes nas escolas para convencer o corpo docente na escolha
dos livros, além de um material visualmente cada mais atrativo e de
encartes que facilitam o trabalho do professor e da professora, tais como
respostas às questões propostas, planos de ensino e sugestão de
avaliação. (OTA, 2009, p. 217).
8
antirracistas sejam inúteis; ou, ainda, que indivíduos que cometam atos
discriminatórios não devam ser pessoalmente responsabilizados.
(ALMEIDA, 2018, p. 33).
1
Disponível em: https://revistaraca.com.br/maioria-minorizada/
Nesse livro, temos a presença dos seguintes textos com autoria e temática negras:
Quadro 1: Obras que abordam a temática da negritude no livro didático Prática de Língua
Portuguesa (FARACO, MOURA, MARUXO, 2020)
Ano ed.
Autor/a Gênero/ título/ página no livro
no livro
Carolina Maria de Narrativa/ Quarto de despejo,
2007
Jesus diário de uma favelada / p. 80-81
Paulo Lins Narrativa/ Cidade de Deus / p. 81 s/ed.
Esmeralda do Narrativa/ Porque não dancei /
s/ed.
Carmo Ortiz p. 81
Poema/ A poesia dos deuses
Sérgio Vaz s/ed.
inferiores / p. 81
Ferréz Narrativa/ Capão Pecado / p. 81 s/ed.
2
Sobre a inserção tardia de Maria Firmina na história da literatura brasileira, destacamos a Tese de Algemira Macêdo
Mendes, de 2006, pela PUCRS, disponível em: https://tede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/2230/1/390035_p1_282.pdf
15
posteriormente, é proposta uma atividade com sete questões sobre esse poema:
desse modo, entendemos como positivo o fato de o livro didático dar destaque para
o simbolista Cruz e Souza e sua obra.
Com relação ao importante poeta moçambicano José Craveirinha
(28/051922, Lourenço Marques - atual Maputo/ 6/02/2003, Johanesburgo, África do
Sul), na p.261 do livro didático em análise, é apresentado o seu poema “Grito negro”,
como parte da seção que trabalha a poesia engajada. Isso porque o poemadenuncia
a exploração da mão de obra negra na época da colonização portuguesa em
Moçambique. Trata-se de um desabafo e ao mesmo tempo uma denúncia dianteda
exploração e dos maus tratos provocados contra os negros naquele país. No
poema, Craveirinha utiliza-se da linguagem figurada para estabelecer uma
comparação entre o trabalhador negro e o carvão – semelhanças na cor e na
“utilização” para o trabalho, explorado pelo patrão. Mas, o eu lírico adverte, na
estrofe final, que também “queimará” o seu explorador: “Eu sou carvão. / Tenho que
arder/ Queimar tudo com o fogo da minha combustão. / Sim! / Eu sou o teu carvão,
patrão” (destaque nosso).
Já Antônio Agostinho Neto (17/09/1922, província de Luanda; 10/09/1979,
Moscou) foi um médico, escritor e político angolano, considerado o grande poeta
engajado na luta pela libertação do povo de seu país, e tornou-se o primeiro
presidente de Angola, em 1975. Por sua produção literária, marcada por um tom de
resistência e pela afirmação da identidade africana, é conhecido como “poeta maior”
daquela nação. Para trabalhar o poema “Voz de Sangue” há uma proposta, no livro
didático em análise, para que o/a aluno/a observe a musicalidade dos versos, que
parece convocar todas as pessoas negras para se unirem; e, ainda, enquanto
atividade, propõe uma análise sobre os versos finais e os elementos que dão ideia
de fusão entre o eu lírico e os demais povos negros. Entendemos que pela
importância do poema e do autor, essa análise deveria ser ampliada, especialmente
sobre a trajetória política e artística de Agostinho Neto, para ser devidamente
destacado o seu protagonismo.
16
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
CUTI, Luiz Silva. Literatura negro-brasileira. São Paulo: Selo Negro, 2010.[Coleção
Consciência em debate].
GIL, Antônio C. Como elaborar projetos de pesquisa. 3. ed. São Paulo:Atlas, 1991.
GOMES, Nilma Lino. O movimento negro educador. Saberes construídosna luta por
emancipação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.
MINAYO, Maria Cecília de Souza (org.). Pesquisa Social. Teoria, método ecriatividade.
18 ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
OTA, Ivete Aparecida da Silva. O livro didático de língua portuguesa no Brasil. Educar
em Revista, 2009. Disponível em: https://www.scielo.br/j/er/a/cx7FcNwc4G896mFY7PCwT6N.
Acesso em: 18jul./2023.
SANTANA, Judith Sena da Silva; NASCIMENTO, Maria Ângela Alves do. Pesquisa. Métodos
e técnicas de conhecimento da realidade social. Feirade Santana: Editora da UEFS,
2010.
Arq ência
meninos para a escola. Estou escrevendo até
Ag
39. Aceite as respostas que lhe pareçam bem argumentadas.
uiv Es
13 DE MAIO Hoje amanheceu chovendo. É um dia simpático para mim. É passar a chuva, para eu ir lá no senhor Manuel
o d t ad
40 Troque ideias com os colegas, com a ajuda
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o dia da Abolição. Dia que comemoramos a libertação dos escravos. vender os ferro. Com o dinheiro dos ferros vou
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do professor.
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… Nas prisões os negros eram os bodes espiatórios. Mas o brancos são comprar arroz e linguiça. A chuva passou um
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pouco. Vou sair. linhas 6-9
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mais cultos. E não nos trata com despreso. Que Deus ilumine os brancos a. No Diário de Bridget Jones, a tradução
od
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5 para que os pretos seja feliz. procurou reconstruir o texto adaptando a 42 O diário, como relato vivo do que é experi-
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aulo
Continua chovendo. E eu tenho só feijão e sal. A chuva está forte. Mes-
linguagem à forma como, em português, mentado, é um texto íntimo e não costuma
/
mo assim, mandei os meninos para a escola. Estou escrevendo até passar a
uma pessoa de jeito semelhante ao de ser objeto de revisões. Assim, retome o di-
chuva, para eu ir lá no senhor Manuel vender os ferro. Com o dinheiro dos
Carolina Maria de Jesus Bridget Jones teria escrito seu diário. A ário que começou a escrever em Situação
ferros vou comprar arroz e linguiça. A chuva passou um pouco. Vou sair.
(1914-1977) foi catadora linguagem é predominantemente infor- inicial e dê continuidade a essa escrita e à
10 … Eu tenho tanto dó dos meus filhos. Quando eles vê as coisas de comer
eles brada: de papel e escritora mal, com características próximas da fala reflexão sobre questões pessoais.
– Viva a mamãe! negra de Sacramento, em 37. “É um dia simpático para mim. É o dia da
A manifestação agrada-me. Mas eu já perdi o habito de sorrir. Dez minutos Minas Gerais. Seu talento Abolição”; “Mas o brancos são mais cultos”;
“E no inverno a gente come mais”; “E assim
depois eles querem mais comida. Eu mandei o João pedir um pouquinho de chamou a atenção quando DIÁRIO DE BORDO no dia 13 de maio de 1958 eu lutava contra a
escravidão atual – a fome!”; “Que Deus ilumi-
15 gordura a Dona Ida. Ela não tinha. Mandei-lhe um bilhete assim: um jornalista percebeu nos ne os brancos para que os pretos seja feliz.”
– “Dona Ida peço-te se pode arranjar-me um pouco de gordura, para eu diários que ela escrevia Registre em seu diário de bordo o que você compreendeu do Caso algum estudante selecione trechos
que não correspondam à expressão de
fazer uma sopa para os meninos. Hoje choveu e eu não pude ir catar papel. “uma forma de narrar gênero diário e sua importância. opiniões, procure problematizar a resposta,
por meio de perguntas sobre o texto, para
Agradeço. Carolina.” própria da poesia”. Morava que ele possa compreender melhor o que
… Choveu, esfriou. É o inverno que chega. E no inverno a gente come mais. na favela do Canindé, deve buscar.
20 A Vera começou a pedir comida. E eu não tinha. Era a reprise do espetáculo.
em São Paulo. Na escola,
Eu estava com dois cruzeiros. Pretendia comprar um pouco de farinha para CLUBE DE LEITURA
não completou o curso
fazer um virado. Fui pedir um pouco de banha a Dona Alice. Ela deu-me a
hoje equivalente aos A temática da exclusão social, presente como pano de fundo do livro Quarto de despejo,
banha e arroz. Era 9 horas da noite quando comemos.
Anos Iniciais do Ensino tem sido retomada por escritores contemporâneos em livros publicados a partir dos anos
E assim no dia 13 de maio de 1958 eu lutava contra a escravidão atual – a fome! 1990, principalmente. Alguns desses livros são obras ficcionais inspiradas nas experiências
15 DE MAIO Tem noite que eles improvisam uma batucada e não deixa Fundamental. Lançado
25 de vida dos autores ou são relatos biográficos, diários, sem caráter ficcional. O que todos
ninguem dormir. Os visinhos de alvenaria já tentaram com abaixo assinado em 1960, seu livro Quarto
têm em comum é o fato de trazerem a voz de pessoas ou de personagens considerados
retirar os favelados. Mas não conseguiram. Os visinhos das casas de tijolos diz: de despejo: diário de uma marginalizados (moradores das periferias dos centros urbanos ou de favelas, meninos e
– Os politicos protegem os favelados. favelada alcançou sucesso meninas de rua, presidiários, entre outros) e procurarem retratar o cotidiano de violência
Quem nos protege é o povo e os Vicentinos. Os politicos só aparecem enorme de público. vivido. Muitas vezes, esses autores pertencem aos grupos retratados, e suas obras trazem
30 aqui nas epocas eleitoraes. O senhor Cantidio Sampaio quando era vereador um registro importante da realidade excludente em que vivem. Paulo Lins (com Cidade de
em 1953 passava os domingos aqui na favela. Ele era tão agradavel. Tomava Deus), Esmeralda do Carmo Ortiz (com Por que não dancei?), Sérgio Vaz (com A poesia dos
nosso café, bebia nas nossas xicaras. Ele nos dirigia as suas frases de viludo. Cantídio Sampaio: Cantídio deuses inferiores), Ferréz (com Capão Pecado) são exemplos dessa tendência.
Nogueira Sampaio (1913-1982),
Brincava com nossas crianças. Deixou boas impressões por aqui e quando
político paulistano. Sob a orientação do professor, você e os colegas vão selecionar algumas dessas
candidatou-se a deputado venceu. Mas na Camara dos Deputados não criou cruzeiro: unidade monetária da obras para lerem e discutirem. Leiam a apresentação dos livros também, assim como
35 um progeto para beneficiar o favelado. Não nos visitou mais. época. as informações sobre o autor. As perguntas relativas ao trecho do diário de Carolina
… Eu classifico São Paulo assim: O Palacio é a sala de visita. A Prefeitura é a vicentino: membro da Maria de Jesus podem nortear a discussão das obras lidas.
sala de jantar e a cidade é o jardim. E a favela é o quintal onde jogam os lixos. congregação fundada por são
Vicente de Paulo (1581-1660), Se na região onde moram houver um escritor como esses, verifiquem com o
JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: diário de uma favelada. patrono de obras de caridade. professor se é possível convidá-lo para uma conversa com a turma.
São Paulo: Ática, 2007. p. 27-28.
41. Verifique se os estudantes conseguem perceber que: (1) a forma mandei (no pretérito perfeito simples do indicativo) é empregada para relatar
fato passado; (2) estou escrevendo traduz uma relação de simultaneidade entre o momento da escrita e a ação de escrever; (3) vou comprar e
80 vou sair expressam ações que devem ocorrer em momento posterior ao da escrita do diário. 81
Josemar Afro
5 Então vamo pôr na roda o que eles não querem ouvir
beu que, na cena enunciativa em que foi proferido, o discurso de JK tinha como destinatários:
Esses tiozão que nos poda antes da gente florir
(i) o Presidente do Tribunal Superior Eleitoral e a audiência que acompanhou a cerimônia de
Se a verdade tem que ser dita, então eu vou repetir
vu
posse; (ii) toda a nação brasileira. O primeiro destinatário, durante a análise, chamamos de “au-
lto
Ac
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er
Tô aprendendo agora o que na escola não aprendi vo
do fo
tógrafo ditório imediato” e o segundo de “auditório mais amplo”. Outra característica é que, por ser um
Com Malcolm, Djamila e Muhammad Ali. discurso de representação – o enunciador representa um grupo –, toma a forma de uma “fala
Cristal Rocha é
coletiva”, que se manifesta em nome de interesses da comunidade representada. Essa carac-
10 [...] gaúcha e participa terística deixa marcas linguísticas no texto do discurso; por exemplo, o emprego da 1ª pessoa
ROCHA, Cristal. Coisa de preto. In: DUARTE, Mel (org.). desde 2002 de do plural, conforme analisamos.
Querem nos calar: poemas para serem lidos em voz alta. eventos poéticos Esse gênero faz parte da esfera de circulação política, é produzido mais em períodos eleitorais e
São Paulo: Planeta do Brasil, 2019. Edição em e-book.
pelo Brasil. É uma sempre que autoridades políticas se manifestam publicamente como representantes de um gru-
das idealizadoras do po. Por exemplo: quando o Presidente da República discursa em um fórum internacional, como
coletivo Poetas Vivos no das Nações Unidas, como representante do país, sua fala toma a forma de um discurso político.
Poesia é palavra ilimitada
que teve origem no Marcas linguísticas características do discurso são: as que expressam ponto de vista, como
Mundo ensina que poesia é palavra ilimitada disparada braba Rio Grande do Sul. a modalização por meio do uso de verbos de opinião e crença, conectores e organizadores
Que cura problemas psicológicos, foge de diagnósticos textuais. Os verbos em geral se apresentam no sistema enunciativo do presente: o tempo ver-
Te faz sorrir sem tarja preta bal presente do indicativo (para enunciar os argumentos), o tempo verbal pretérito perfeito
Ensina que o mundo é muita treta e que não estamos preparados para reparação histórica simples do indicativo (para indicar os processos e as ações que antecederam o momento do
5 Mundo, ensina outro caminho que ultrapasse o egoísmo e desfaça os invisíveis discurso) e o tempo verbal futuro simples do indicativo (para enunciar os compromissos polí-
ticos assumidos, a serem concretizados).
Pois debaixo da marquise não há lugar para o teu ego
Mundo, ensina!
Que desigualdade é pauta, que o padrão é coisa falsa para substituir verdades
Práticas de leitura e análise literária
Quem for viver de lecionar vai passar muito perrengue
10 Pois no ranking da importância o capital passou na frente da educação e da mudança A literatura nas redes sociais
Ensina que é questão de ideia e que ideia está em falta
Um tipo de produção literária que tem ganhado cada vez mais espa-
Pensar não é só filosofia é também questão de vida
ço é a poesia que circula nas redes sociais. Essa forma de manifestação
Que a corrida alienada traz a competição à tona poética tem muitas relações com a cultura do “curtir” – “compartilhar”
Competir é nosso lema – “recomendar”, estimulada por essas redes. Por meio dessa cultura, as
15 Por isso que nosso esquema tem por maestria money produções literárias ganham visibilidade e se disseminam.
Vários menor passando fome, mas fazendo jornada tripla Uma das escritoras que teve o início de sua carreira literária ligado a
Riquezas pra minoria essa prática de publicação em redes sociais é Ryane Leão. Leia a seguir
Balas com destino certo e camarote pra burguesia trechos de uma entrevista concedida por ela a uma revista feminina, em
Ensina agora que isso tudo vai ser shot de terapia 2017, quando lançou em forma de livro a coletânea de poemas Tudo nela
20 Vai faltar psicólogo pra estancar essa sangria de doença pós-moderna brilha e queima.
FARRA, Carol Dall. Poesia é palavra ilimitada. In: DUARTE, Mel (org.). Querem nos calar: Ryane Leão lança livro com poemas sobre militância negra
poemas para serem lidos em voz alta. São Paulo: Planeta do Brasil, 2019. Edição em e-book. Em livro de estreia, escritora negra e lésbica transforma sua dor e
luta em versos marcantes Ryane Leão.
Minas, dedicado às mulheres recitarem suas poesias. mulher negra, sem ter nada palpável, que precisa escrever
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tó sobre coisas românticas”, diz sobre o livro de estreia.
101 118
120 166
Diferente é “O delírio”, em Memórias póstumas de Brás Cubas: mesmo Escritoras no Brasil do século XIX
se tratando de uma passagem marcada pela fantasia, nada é permeado
pela idealização ao estilo romântico: nem a relação entre os personagens Parte desse público leitor era certamente formado por mulheres. Não há dados muito con-
do delírio (a Natureza e o narrador: “[...] sou tua mãe e tua inimiga”) nem fiáveis sobre a porcentagem de mulheres alfabetizadas nesse período, mas, pela forma como a
a passagem do tempo, notada pelo narrador, e a constatação de ter des- própria literatura do século XIX as representa, é possível dizer que havia leitoras. Ainda assim,
perdiçado a própria vida (“– Sim, verme, tu vives. Não receies perder esse poucas mulheres são lembradas como escritoras na literatura brasileira do século XIX. Suas obras
andrajo que é teu orgulho; provarás ainda, por algumas horas, o pão da foram sendo esquecidas, talvez silenciadas, ao longo do tempo. Hoje, graças a movimentos que
dor e o vinho da miséria [...]”), tanto menos o desfecho irônico da situa- procuram estudar e resgatar o papel das mulheres na sociedade brasileira do século XIX, algumas
ção, que escancara a banalidade cotidiana em que o narrador está mergu- dessas vozes femininas vêm ressurgindo, redescobertas pelos estudiosos de literatura.
lhado. Isso porque Memórias póstumas de Brás Cubas tem características
de outro estilo de época, o Realismo. 28 Uma delas é a escritora maranhense Maria Firmina dos Reis, de cujo romance Úrsula trans-
O século XIX foi um período de intensa atividade literária no Brasil. crevemos um trecho a seguir. Em sua primeira publicação, a autora utilizou um pseudônimo,
Outros gêneros, como o poema, o conto e os textos dramáticos, além do pois preferiu se manter no anonimato. Leia-o.
romance, encontraram acolhida junto a um público formado principal-
mente em razão do desenvolvimento de centros urbanos importantes.
Úrsula
Ainda que boa parte da população fosse analfabeta e estivesse de certo
Maria Firmina dos Reis
modo apartada dos circuitos da leitura literária, isso não impediu que o
gosto pela leitura literária fosse cultivado. “Vou contar-te o meu cativeiro.
“Tinha chegado o tempo da colheita, e o milho e o inhame e o amendoim eram em abundância nas
PARA IR MAIS LONGE nossas roças. Era um destes dias em que a natureza parece entregar-se toda a brandos folgares, era
uma manhã risonha, e bela, como o rosto de um infante, entretanto eu tinha um peso enorme no co-
Para conhecer melhor a literatura do século XIX, façam uma pesquisa de textos literários escritos nesse século 5 ração. Sim, eu estava triste, e não sabia a que
considerando diversos gêneros, como contos, poemas, romances, peças de teatro, assim como variados estilos ÚRSULA
atribuir minha tristeza. Era a primeira vez que
de época (Romantismo, Realismo, Naturalismo, Parnasianismo, Simbolismo).
me afligia tão incompreensível pesar. Minha fi- Úrsula, publicado
Wikipedia/Wikimedia Commons
Sob a orientação do professor, organizem-se em três grupos principais, que podem conter equipes internas
lha sorria-se para mim, era ela gentilzinha, e em originalmente sob o
menores. Cada grupo principal ficará responsável pela seleção de textos desses estilos considerando esta
divisão: grupo 1, literatura brasileira; grupo 2, literatura portuguesa; grupo 3, literatura de outras culturas. O sua inocência semelhava um anjo. Desgraçada pseudônimo “Uma
critério da seleção deve ser a fruição, o prazer estético provocado pela leitura. A finalidade é coletar textos para 10 de mim! Deixei-a nos braços de minha mãe, e Maranhense”, em 1859, é
organizar um sarau literário. considerado o primeiro
fui-me à roça colher milho. Ah! Nunca mais de-
Para planejar o trabalho, sigam estes passos: romance brasileiro escrito
via eu vê-la... por uma mulher e a primeira
Cada equipe ficará responsável por um gênero textual (conto, poema, romance, texto dramático, entre “Ainda não tinha vencido cem braças do cami- manifestação literária de uma
outros) e um estilo de época do século XIX. Não é necessário fazer uma divisão exata entre vocês; o
importante é que, ao final, todos possam conhecer o que o século XIX representou no panorama geral da nho, quando um assobio, que repercutiu nas ma- voz feminina afrodescendente.
literatura, em especial a brasileira. 15 tas, me veio orientar acerca do perigo iminente, Hoje, essa obra faz parte do
que aí me aguardava. E logo dois homens apa- catálogo de importantes
Pesquisem os estilos de época desse século e suas características e relacionem os principais autores e
gêneros textuais de cada estilo. editoras brasileiras. No site de
receram, e amarraram-me com cordas. Era uma
uma delas, há esta sinopse
Sintetizem os achados, organizando coletivamente um grande quadro, que pode ter a forma sugerida a seguir. prisioneira – era uma escrava! Foi embalde que do livro: Folha de rosto da
Ele pode ser produzido coletivamente e compartilhado. O modelo abaixo é uma sugestão, considerando o
supliquei em nome de minha filha, que me res- Tancredo e Úrsula primeira edição, de
Romantismo e alguns de seus autores, que vocês podem adaptar para cada estilo de época em pesquisa.
20 tituíssem a liberdade: os bárbaros sorriam-se das são jovens, puros e al- 1859, do romance
Estilo de época Autores Gênero Exemplo de obra minhas lágrimas, e olhavam-me sem compaixão. truístas. Com a vida Úrsula, de Maria
pesquisada Julguei enlouquecer, julguei morrer, mas não me marcada por perdas e Firmina dos Reis,
Joaquim Manuel de Macedo Romance foi possível... a sorte me reservava ainda longos decepções familiares, lançado em São Luís
(colocar trechos de uma eles se apaixonam tão pela Tipografia do
(colocar informações (relacionar títulos de combates. Quando me arrancaram daqueles luga-
das obras pesquisadas) logo o destino os apro- Progresso, em 1859.
Romantismo biográficas) romances) 25 res, onde tudo me ficava – pátria, esposo, mãe e
(listar as xima, mas se deparam com um empecilho para
Poema (colocar trechos de uma filha, e liberdade! Meu Deus! O que se passou no
características concretizar seu amor. Combinando esse enre-
Álvares de Azevedo das obras pesquisadas)
(relacionar títulos de obras) fundo da minha alma, só vós o pudestes avaliar!... do ultrarromântico com uma abordagem crítica
principais) (colocar informações
Conto (colocar trechos de uma “Meteram-me a mim e a mais trezentos compa- à escravidão, Maria Firmina dos Reis compõe
biográficas) Úrsula, um dos primeiros romances brasilei-
(relacionar títulos de obras) das obras pesquisadas) nheiros de infortúnio e de cativeiro no estreito e
30 infecto porão de um navio. Trinta dias de cruéis ros de autoria feminina, em 1859. Por dar voz
Com base na pesquisa, os grupos podem publicar os resultados em um catálogo coletivo da literatura do e agência a personagens escravizados, é vista
tormentos, e de falta absoluta de tudo quanto é
século XIX. Ele pode ser organizado, em ordem “decrescente”, do critério mais abrangente para o menos: como a obra inaugural da literatura afro-brasi-
do estilo de época, passando pelo gênero textual e pelos autores e terminando nas obras. Utilizem algum mais necessário à vida passamos nessa sepultura leira. Retrata homens autoritários e cruéis, mos-
software de produção coletiva de documentos, a fim de que todos possam editar o texto. Na internet, há até que abordamos às praias brasileiras. Para ca- trando atos inimagináveis de mando patriarcal
plataformas gratuitas para esse tipo de produção coletiva. ber a mercadoria humana no porão fomos amar- e senhorial em um sistema que não lhes impõe
Pronto o quadro, discutam com a ajuda do professor: 35 rados em pé e para que não houvesse de revolta, limites. [...]
Quantos homens e quantas mulheres há na lista de escritores? acorrentados como os animais ferozes das nos- Disponível em: https://www.companhiadasletras.com.
Caso a lista não seja proporcional, considerando o contexto histórico de produção das obras, formulem sas matas, que se levam para recreio dos poten- br/detalhe.php?codigo=85223. Acesso em: 29 jun. 2020.
hipóteses para explicar essa diferença.
170 171
Diego
40 nheiros à falta de ar, de alimento e de água. É horrível lembrar que criaturas de características
estéticas, estilísticas
E
humanas tratem a seus semelhantes assim e que não lhes doa a consciência
mi
O Simbolismo na literatura
r/ A
e composicionais
ce
rv
de levá-los à sepultura asfixiados e famintos! o
do manifestadas nas obras
fotó
grafo
“Muitos não deixavam chegar esse último extremo – davam-se à morte. dos artistas de um certo
Refletir sobre a temática de Olhares sobre o futuro, nos estudos de
“Nos dois últimos dias não houve mais alimento. Os mais insofridos en- Maria Firmina dos Reis período histórico e social.
literatura, pode nos remeter ao estilo de época conhecido como Sim-
45 traram a vozear. Grande Deus! Da escotilha lançaram sobre nós água e breu (1822-1917), filha de uma
bolismo. Esse estilo se formou em um dos períodos de grandes avanços
172 198
Os traços mais importantes do estilo simbolista aí estão: representar, “Grito negro” RECEPÇÃO
FICA A DICA
evocar; magia, misticismo; inconsciente. Conforme você pôde notar em “José”, de C. Drummond de Andra-
Os simbolistas propunham uma poesia baseada na expressão de es- de, a literatura, ao buscar alcançar os sentimentos e as emoções do
MUSEU D’ORSAY.
tados emocionais subjetivos, misteriosos, ilógicos, ou seja, aquilo que só Disponível em: https: leitor, procura também mobilizar sua consciência, para que esse lei-
admite expressão simbólica. A razão e a lógica, instrumentos de análise // w w w. m u s e e - o r tor se engaje em causas de interesse de grupos sociais. Quando isso
da realidade, cedem sua vez à intuição, à subjetividade. Por isso, mais say.fr/fr/collections/ ocorre, entramos no terreno da literatura engajada, que, de algum
importante que nomear é sugerir. oeuvres-commen modo, procura expor aspectos problemáticos da realidade em que
Na composição dos poemas, nota-se uma grande preocupação em tees/accueil.html. vive o escritor, de forma a fazer o leitor simpatizar com as questões e
Acesso em: 17 set. assim contribuir para que se produzam certas mudanças na socieda-
obter efeitos de musicalidade no texto. Por isso, no Simbolismo predo- 2020.
mina a produção em versos. Mesmo a pouca prosa simbolista que se de da qual ambos fazem parte.
O Museu D’Orsay
Escrito pelo poeta moçambicano José João Craveirinha, “Grito Ne-
escreveu deve ser classificada como prosa poética. reúne um dos maio-
gro” é um poema que se enquadra nessa perspectiva. Isso não quer di-
Como se distanciaram das preocupações sociais, os simbolistas eram res acervos impres-
sionistas do mundo,
zer que a expressão dos sentimentos e das emoções fique em segundo
chamados de nefelibatas, ou seja, aqueles que vivem nas nuvens. plano: ao contrário, é por meio dela que o poeta constrói o engajamento
além de inúmeras
Musicalidade, misticismo, espiritualismo, assim como expressão da do leitor nas questões sociais que denuncia.
outras tendências
realidade de maneira vaga e imprecisa, ênfase no imaginário e na fan- artísticas da segun-
tasia, emprego abundante de sinestesias, são características marcantes da metade do sécu-
do texto simbolista. Por isso, ao ler um poema simbolista, devemos nos lo XIX. Neste site, é
deixar envolver pelas sugestões e impressões que ele evoca. possível visualizar
obras comentadas,
Grito negro
O Simbolismo em literatura é simultâneo ao impressionismo na pintu- Ao ler o poema, observe
organizadas em pin- Eu sou carvão! como o poeta retrata a
ra. Ao final desta página, observe uma tela impressionista. tura, escultura, artes tomada de consciência
Na Europa, o início do Simbolismo foi marcado com a publicação E tu arrancas-me brutalmente do chão
decorativas, fotogra- do negro como força
da obra As flores do mal, em 1857, do poeta francês Charles Baudelaire fia, entre outras. e fazes-me tua mina, patrão. de trabalho barata para
(1821-1867). No Brasil, o Simbolismo encontrou sua voz mais forte no Eu sou carvão! o colonizador branco,
por meio da insistência
poeta catarinense Cruz e Sousa, autor do poema “Cristais”, lido ante- E tu acendes-me, patrão,
no verso “Eu sou
riormente. para te servir eternamente como força motriz carvão!”. Sendo carvão,
A fusão de poesia e prosa, uma característica que marcou a literatura mas eternamente não, patrão. se queimado, produz
força de trabalho, mas
produzida no século XX, foi antecipada pelos simbolistas. Tanto na Eu- Eu sou carvão se transforma em cinza e
ropa quanto no Brasil, a e tenho que arder sim; desaparece. Porém, o fato
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Poesia O poema a seguir é de autoria de José Craveirinha, poeta moçambicano considerado um dos
mais conhecidos em seu país. A seguir, leia um de seus poemas.
Da poesia produzida nos países africanos de língua portuguesa, sele-
cionamos Agostinho Neto (de Angola), José Craveirinha (de Moçambi- Sou analfabeto
que) e Alda do Espírito Santo (de São Tomé e Príncipe). A comida das livrarias
Agostinho Neto fez parte da geração de estudantes africanos que é indigerível para mim eu sei.
desempenhou papel fundamental no processo de independência de seu E sobre isso infelizmente só há duas opiniões
país na chamada Guerra Colonial Portuguesa ou Guerra do Ultramar. A 5 a tua opinião quando me bates.
seguir, leia um de seus poemas. A minha opinião quando apanho.
Ajude os estudantes a perceber
Voz do sangue que predominam nos versos iniciais Que característica de si o eu lírico evidencia no poema?
consoantes oclusivas, como /p/, /b/,
Sou analfabeto. De que modo ela influencia sua visão de mundo?
Agostinho Neto /t/, que podem imitar o próprio som Mas na minha gramática
do batuque, mencionado pelo eu
Palpitam-me lírico. A escolha do batuque reme- Ultrapasso todos os idiomas
te às tradições musicais africanas, 10 Quando a minha pele sente na porrada
os sons do batuque maracas pelos instrumentos musi-
e os ritmos melancólicos do blue cais de percussão são amplamente Qualquer tipo de abecedário.
empregados. Nos versos finais, a
Ó negro esfarrapado referência aos negros por meio da CRAVEIRINHA, José. In: SANTILLI, Maria Aparecida.
5 forma explícita da 2ª pessoa (“eu Paralelas e tangentes: entre literaturas de língua
do Harlem vos sinto”) e o emprego do vocativo
portuguesa. São Paulo: Edusp. 2003. p. 56.
ó dançarino de Chicago “meus irmãos” são recursos poéti- Ajude os estudantes a perceber
cos empregados que aproximam o que o eu lírico se coloca como
ó negro servidor do South leitor do eu lírico. alguém que está apartado da cul-
Ó negro da África José Craveirinha (1922-2003) é um dos poetas tura letrada do colonizador, mas
isso é compreendido como motivo
negros de todo o mundo mais renomados de Moçambique. Em 1991, para resistência, para a luta, contra
10 eu junto ao vosso canto foi o primeiro escritor africano homenageado a submissão que o escraviza. Sua
visão de mundo é a da pessoa que
a minha pobre voz com o Prêmio Camões por sua obra. se posiciona como injustiçada e
se solidariza com todos os demais
os meus humildes ritmos. Observe de que modo a musicalidade que abre o nessa condição (“ultrapasso todos
poema convoca os negros para a união. os idiomas”).
Eu vos acompanho Nos versos finais, que elementos dão ideia da fusão Reprodução/<http://www.
pelas emaranhadas áfricas entre o eu lírico e os demais negros?
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15 do nosso Rumo. O poema a seguir nos vem de uma voz feminina: Alda do Espírito Santo, de São Tomé e Prín-
Eu vos sinto cipe. Leia-o atentamente. Ajude os estudantes a perceber que a paisagem observada pelo eu lírico vai se expandindo, até abarcar
toda a humanidade, convocando-a a participar da reunião de pessoas em torno da reconstrução do mundo
negros de todo o mundo (é importante lembrar o contexto da descolonização, neste caso, já que o poema menciona a ideia do des-
eu vivo a vossa história
Em torno da minha baía mantelamento e das ruínas, prováveis consequências do processo de perda de identidade cultural a que as
nações colonizadas foram submetidas e que o processo de descolonização evidencia).
Alda Espírito Santo
meus irmãos.
NETO, Agostinho. Voz do sangue. In: NETO, Agostinho. Aqui, na areia, 15 à roda de mim,
A renœncia imposs’vel. Disponível em: www.agostinhoneto.org/index.php?option=com_ Sentada à beira do cais da minha baía num voo magistral em torno do mundo
content&view=article&id=550:explicacao&catid=65:renuncia-impossivel&Itemid=233. desenhando na areia
Acesso em: 22 jul. 2020.
do cais simbólico, dos fardos,
das malas e da chuva a senda de todos os destinos
5 caindo em torrente pintando na grande tela da vida
20 uma história bela
sobre o cais desmantelado,
caindo em ruínas para os homens de todas as terras
António Agostinho Neto (1922-1979) foi médico,
ciciando em coro, canções melodiosas
escritor e político angolano. Participou ativamente do eu queria ver à volta de mim,
numa toada universal
Movimento Popular de Libertação de Angola e, entre nesta hora morna do entardecer
1975 e 1979, foi presidente de seu país.
num cortejo gigante de humana poesia
10 no mormaço tropical 25 na mais bela de todas as lições
desta terra de África HUMANIDADE.
Paris Match/Getty Images
à beira do cais a desfazer-se em ruínas,
ESPÍRITO SANTO, Alda. Em torno da minha baía.
abrigados por um toldo movediço Disponível em: www.escritas.org/pt/t/13327/
uma legião de cabecinhas pequenas, em-torno-da-minha-baia. Acesso em: 20 jul. 2020.
FICA A DICA
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