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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ – UESC

DEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES - DLA

JOÃO JOSÉ DOS SANTOS


DAYANE CUNHA DOS SANTOS

A REPRESENTAÇÃO DAS PESSOAS NEGRAS EM OBRAS LITERÁRIAS NO


LIVRO DIDÁTICO DO ENSINO MÉDIO

ILHÉUS – BAHIA
2023
JOÃO JOSÉ DOS SANTOS
DAYANE CUNHA DOS SANTOS

A REPRESENTAÇÃO DAS PESSOAS NEGRAS EM OBRAS LITERÁRIAS


NO LIVRO DIDÁTICO DO ENSINO MÉDIO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à disciplina


de TCC III, sob regência da Prof. Dra. Andréia Silva
Araújo, como requisito parcial para obtenção do grau de
Licenciado(a) em Letras Vernáculas, junto à Universidade
Estadual de Santa Cruz – UESC. Orientadora: Prof.ª Dra
Inara de Oliveira Rodrigues

ILHÉUS – BAHIA
2023
JOÃO JOSÉ DOS SANTOS
DAYANE CUNHA DOS SANTOS

A REPRESENTAÇÃO DAS PESSOAS NEGRAS EM OBRAS LITERÁRIAS


NO LIVRO DIDÁTICO DO ENSINO MÉDIO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à disciplina


de TCC III, sob regência da Prof. Dra. Andréia Silva
Araujo, como requisito parcial para obtenção do grau de
Licenciado(a) em Letras Vernáculas, junto à Universidade
Estadual de Santa Cruz – UESC. Orientadora: Prof.ª Dra
Inara de Oliveira Rodrigues

Data da defesa: 14 de dezembro de 2023.

Profa. Dra. Inara de Oliveira Rodrigues


Orientadora

Profa. Dra. Andréia Silva Araujo


____________________________________________

Presidente e Orientadora

Prof. Me. Randra Kevelyn Barbosa Barros


____________________________________________
Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC)
Examinadora 1
AGRADECIMENTOS

O ato de agradecer é fundamental, pois a nossa existência no universo


não se dá de forma individualizada, há sempre uma intersecção que nos liga
umbilicalmente, indo além dos laços maternos e paternos. Assim, agradecemos
a Prof.ª Dr.ª Inara de Oliveira Rodrigues pela paciência e orientação, a Prof.ª
Andreia Silva Araújo pelas indicações de textos e metodologia de pesquisa,
aos zeladores da UESC, seguranças, os servidores que trabalham na gestão
do sistema moodle, secretários do curso Educação a Distância -EAD da UESC
a Deus por ter concedido essa vitória, a nossa família pelo apoio em todos os
momentos.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................................... 6
2 8
RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA
PORTUGUESA............................................................................................

3 11
PROTAGONISMO NEGRO EM TEXTOS LITERÁRIOS NO LIVRO
DIDÁTICO............................................................................................

3.1 A presença negra no livro Prática de Língua Portuguesa, de Faraco, Moura e 11


Maruxo (2020).........................................................................

4 16
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................

5 17
REFERÊNCIAS...................................................................................................
6

A REPRESENTAÇÃO DAS PESSOAS NEGRAS EM OBRAS LITERÁRIAS NO


LIVRO DIDÁTICO DO ENSINO MÉDIO

João José dos Santos


Dayane Cunha
Profa. Dra. Inara de Oliveira Rodrigues
(orientadora)

Resumo: Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa bibliográfica que


analisou o protagonismo negro no livro didático de Língua Portuguesa em uma
Escola da Rede Estadual do município de Ilhéus/Ba. Procurou evidenciar esse
grave problema que ocorre na sociedade brasileira, mas, que não é tratado
devidamente na sua raiz, ou seja, na educação básica, no processo de formação do
indivíduo, que também passa pelos livros didáticos em sua capacidade de
problematizarem essas questões e desconstruir preconceitos. Os conteúdos de
literatura abordados ainda não aprofundam o que preveem as legislações e os
movimentos sociais em termos de afirmação dos direitos das pessoas negras.
Metodologicamente, a pesquisa segue uma abordagem qualitativa e descritiva.
Nesse sentido, realizamos a leitura do livro didático em análise, selecionando: textos
literários e poemas de autoria negra, verificando como se apresenta o protagonismo
negro tanto na seleção das obras literárias efetivada no manual, quanto na
abordagem que sobre elas é realizada.
Palavras-chave: Livro didático. Protagonismo Negro. Textos Literários

INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo consiste em problematizar a presença ou ausência do


protagonismo negro no livro didático de Língua Portuguesa (Literatura) em escola
localizada na cidade de Ilhéus. Nesse sentido, nossas principais questões são as
seguintes: o protagonismo negro está presente ou ausente em obras literárias do
livro didático? Se está presente, que representação é feita das pessoas negras?
Para a seleção do material didático, estabelecemos como critério a escolha
dos livros efetivamente trabalhados em um dos maiores colégios de Ilhéus,
considerando-se que essa é a cidade na qual se insere a Universidade Estadual de
Santa Cruz-UESC, bem como é o local das vivências do pesquisador e da
pesquisadora como estudantes e futuro/a docente. A escola selecionada foi
recentemente inaugurada, no início do ano 2023:
7

- Colégio Estadual de Tempo Integral Prof. Carlos Roberto A. Barbosa; livro


analisado: Prática de língua portuguesa, de Faraco, Moura e Maruxo (2020).
Justificamos essa temática considerando-se a importância da representação
das pessoas negras em todas as instâncias da vida social e, desse modo, visamos
contribuir com o/a professor/a que atua sobre a temática enfocada para que, assim,
propicie a seus alunos e a suas alunas o reconhecimento da relevância da luta
antirracista na escola, para estarem cientes de sua identidade e de sua origem e
para que sejam capazes de identificar essa problemática na sociedade. Desse
modo, espera-se fortalecer o conhecimento sobre questões étnico-raciais, conforme
descrição do Parecer CNE/CP 2004:

Pedagogias de combate ao racismo e a discriminações elaboradas com o


objetivo de educação étnico/raciais positivas têm como objetivo fortalecer
entre os negros e despertar entre os brancos a consciência negra. Entre os
negros, poderão oferecer conhecimentos e segurança para orgulharem-se
de sua origem africana; para os brancos, poderão permitir que identifiquem
as influências, a contribuição, a participação e a importância da história e da
cultura dos negros no seu jeito de ser, viver, se relacionar com as outras
pessoas, notadamente as negras. (Parecer CNE/CP 3/2004, p.16).

Trata-se de reforçar ações já descritas nas Diretrizes Curriculares Nacionais


para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana, reafirmando-se a importância do debate sobre a
representação das pessoas negras nos livros didáticos, que devem ser escolhidos
mediante critérios relevantes, como temáticas de inclusão. Muitas vezes, levando
em conta nossa prática docente. Não são considerados elementos realmente
relevantes do ponto de vista pedagógico na escolha desses livros, e é o que aponta
Ota (2009), destacando as ações de venda das editoras nas escolas:

Nem sempre ser o livro mais vendido significa ser o melhor do ponto de
vista didático; mas, pode ser o resultado de estratégias de marketing bem
montadas para a manutenção do monopólio de algumas poucas editoras,
visando interferir no processo de aquisição junto às escolas: fornecimento
de livros e de brindes aos professores, coordenadores e diretores, folhetos
e catálogos de propaganda, cursos de divulgação das obras, presença dos
representantes nas escolas para convencer o corpo docente na escolha
dos livros, além de um material visualmente cada mais atrativo e de
encartes que facilitam o trabalho do professor e da professora, tais como
respostas às questões propostas, planos de ensino e sugestão de
avaliação. (OTA, 2009, p. 217).
8

Diante dessas orientações, frisamos a importância do livro didático para a


sala de aula, considerando-se, aqui, especialmente, o livro de Língua Portuguesa.
Metodologicamente, a pesquisa segue uma abordagem qualitativa e
descritiva. Nesse sentido, realizamos a leitura do livro didático em análise,
selecionando: textos literários e poemas de autoria negra, verificando como se
apresenta o protagonismo negro tanto na seleção das obras literárias efetivada no
manual, quanto na abordagem que sobre elas é realizada (apresentação dos/as
autores/as, proposta de atividades, encaminhamentos de leitura).
No presente artigo, pela própria dimensão sintética desse gênero acadêmico,
apresentarmos apenas os resultados principais de nossa análise. Para tanto,
dividimos o trabalho em dois momentos: a) no primeiro, apresentamos a
fundamentação teórica da pesquisa; b) no segundo, a análise realizada sobre o livro
de língua portuguesa utilizado na escola escolhida para a pesquisa. Observamos,
contudo, que, em nenhum aspecto, fazemos aqui julgamento de valor sobre o livro
selecionado em seu conjunto ou em suas propostas didático-pedagógicas. Apenas
nos atemos, especificamente, ao recorte muito preciso deste trabalho: a presença
de autores/as negros/as e a forma como o material didático apresenta as
pessoas/personagens negras nele representadas.

2 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA

Em termos de discussão teórica sobre o protagonismo negro, seguimos as


perspectivas do professor e pesquisador Sílvio Almeida, em obra publicada
recentemente, intitulada O que é racismo estrutural? (2018). Nesse livro, o autor
fornece elementos importantes e atuais para uma análise crítica do preconceito
racial na sociedade brasileira. Dessa forma, nossa preocupação está centrada na
segregação social e cultural que oprime e impede as pessoas negras de serem
sujeitas de sua própria história:

A viabilidade da reprodução sistêmica de práticas racistas está na


organização política, econômica e jurídica da sociedade. O racismo se
expressa concretamente como desigualdade política, econômica e
jurídica. Porém, o uso do termo ‘estrutura’ não significa dizer que o racismo
seja uma condição incontornável e que ações e políticas institucionais
9

antirracistas sejam inúteis; ou, ainda, que indivíduos que cometam atos
discriminatórios não devam ser pessoalmente responsabilizados.
(ALMEIDA, 2018, p. 33).

Essa problemática do racismo é, portanto, intrínseca à sociedade, tornando-


se necessária uma grande mudança educacional e social que possa ser discutida
nas universidades, escolas, instituições sociais, políticas e na sociedade civil, no
sentido de que possamos descolonizar essas concepções de segregação a partir
da cor da pele e status social através do processo educacional permanente na
sociedade. É urgente uma crítica contundente e embasada sobre esse crime que
assassina e exclui pretos e pretas de seus direitos de cidadania, assim como a
ocupação de espaços de poder.
O fato de a população negra ser maioria numérica no país não impede que
seja minoria em termos de ocupação de cargos e funções que a sociedade
considera como de prestígio. Seguindo-se o professor Richard Santos, entendemos
como “maioria minorizada” o grupo social formado por pretos e pardos (negros),

[...] conforme categorização do IBGE, que formam a maioria demográfica


da população brasileira, mas se constitui em ‘minoria’ no que se refere ao
acesso a direitos, serviços públicos, cidadania, representação política. Ao
mesmo tempo, são ‘maioria’ em todo o processo de espoliação econômica,
social, cultural e como vítimas de todas as formas de violência1.

Nesse sentido, faz-se necessário e urgente mensurar e colocar essa questão


no debate acadêmico, visando, como possível meta, contribuir com dados para as
agendas das autoridades municipais, estaduais e federais, contribuindo com as
evidências sobre os impactos que o racismo estrutural tem causado no Brasil, no
campo político, cultural e, especialmente, na área educacional.
Desta forma, este artigo se propõe a evidenciar esse grave problema que
ocorre na sociedade brasileira, mas, que não é tratado devidamente na sua raiz, ou
seja, na educação básica, no processo de formação do indivíduo, que também
passa pelos livros didáticos em sua capacidade de problematizarem essas questões
e desmistificar preconceitos:

O preconceito racial e o de gênero são fatores preponderantes para


avaliação prévia de alguém. Quando não dispomos de dados reais,
advindos de fonte fidedigna, acerca da outra pessoa, ou quando esses
dados são muito escassos, apelamos para o nosso arquivo de memória,
10

onde estão guardados também os nossos preconceitos. A consulta


relâmpago que a eles fazemos nos dá um resultado que acende nossos
sentimentos e instiga nossas atitudes na direção da identidade ou na de
seu inverso (aversão, desejo de afastamento, aumento do medo ao
primeiro contato etc.). (CUTI, 2010, p.24).

1
Disponível em: https://revistaraca.com.br/maioria-minorizada/

Esses preconceitos, sendo de base estrutural, podem estar presentes


também nos textos literários que integram os livros didáticos. E, desse modo, é
importante investigar quantos deles são de autoria negra e se essa autoria provoca
alguma diferença nas denúncias do racismo e da segregação social. Entendemos
que os indivíduos atravessados diariamente pelos problemas de separação de
grupos e espaços de poder, pela etnia e cor da pele, sabem qual a diferença de
serem pesquisados por alguém que vivencia essa realidade social, sobretudo, numa
conjuntura na qual o racismo é reproduzido com frequência, até mesmo nas
instituições educacionais, como afirma Gomes (2017, p. 51):

Trata-se do sujeito social que não somente demanda e exige da escola


tratamento digno diante da história e da realidade dos povos negros, mas
também como ‘o sujeito’ que acaba por desvelar o racismo insidioso,
ambíguo, que se afirma via sua própria negação e que está cristalizado na
estrutura de nossa sociedade.

Por isso, a importância do protagonismo negro nas obras literárias, na


representação das pessoas negras, pois:

A literatura que traz mulheres negras e homens negros e seu ser-fazer em


suas linhas revela um seguimento literário insurgente que busca escrever de
si e de seu grupo racial como maneira de trazer ao público a sua voz e a sua
vontade, suas histórias, lutas, suas ancestralidades e culturas; expressando
sua negritude como um direito social. (FERREIRA, 2020, p. 2-13).

Assim, aprofundar estudos sobre os conceitos de literatura negro-brasileira


(CUTI, 2010) e suas implicações teórico-críticas é um passo relevante nesta
investigação. Mas, em todas as etapas de nosso trabalho, reconhecemos como
fundamental a importância dos movimentos sociais e sua luta contra o racismo na
sociedade brasileira, sobretudo, por ocuparem o espaço de interpretação crítica em
11

relação às questões que envolvem as populações negras, e que devem estar


presentes no livro didático.

3 PROTAGONISMO NEGRO EM TEXTOS LITERÁRIOS NO LIVRO DIDÁTICO

Nessa seção, apresentamos os principais aspectos da análise realizada


sobre o material didático selecionado na pesquisa em relação ao protagonismo
negro presente (ou não) na seleção dos autores de narrativas literárias e poemas.

3.1 A presença negra no livro Prática de Língua Portuguesa, de Faraco, Moura


e Maruxo (2020)

Figura 1: Fotografia da capa do livro: Práticas de Língua Portuguesa

Fonte: Google imagens (2023).


12

Nesse livro, temos a presença dos seguintes textos com autoria e temática negras:

Quadro 1: Obras que abordam a temática da negritude no livro didático Prática de Língua
Portuguesa (FARACO, MOURA, MARUXO, 2020)

Ano ed.
Autor/a Gênero/ título/ página no livro
no livro
Carolina Maria de Narrativa/ Quarto de despejo,
2007
Jesus diário de uma favelada / p. 80-81
Paulo Lins Narrativa/ Cidade de Deus / p. 81 s/ed.
Esmeralda do Narrativa/ Porque não dancei /
s/ed.
Carmo Ortiz p. 81
Poema/ A poesia dos deuses
Sérgio Vaz s/ed.
inferiores / p. 81
Ferréz Narrativa/ Capão Pecado / p. 81 s/ed.

Cristal Rocha Poesia/ “Coisa de preto” / p. 101 2019


Poesia/ “Poesia é palavra ilimitada” /
Carol Del Farra 2019
p. 101
Poesia/ Tudo nela brilha e queima
Ryane Leão 2017
/ p. 118-120
Narrativa/ Memórias Póstumas de
Machado de Assis s/ed.
Brás Cubas / p. 166-170
Maria Firmina Narrativa/ Úrsula / p. 171-172 2020

Cruz e Souza Poema / “Cristais” / p. 198-200 s/ed.

Craveirinha Poema/ “Grito Negro” / p. 261 2020


Antônio Agostinho
Poema/ “Voz de sangue” / p. 307 2020
Neto
Poema/ “Em torno da minha baía” /
Alda Espírito Santo 2020
p. 308
Fonte: Organizado pelos autores – Cópias das respectivas páginas encontram-se em anexo.
13

Nesse quadro (1), percebemos que há um número significativo de


escritores/as e poetas negros/as, brasileiros/as e alguns/mas africanos/as,
selecionados/as pelos autores do livro didático em questão, embora, como se
registrará a seguir, nem todos/as sejam apresentados/as e/ou trabalhados/as
devidamente com esta conformação identitária (étnico-racial).
A primeira obra de autoria negra destacada em Práticas de Língua
Portuguesa (2020) é a de Carolina Maria de Jesus, apresentada para o
desenvolvimento de um importante debate sobre exclusão e marginalização das
pessoas da periferia do país; entretanto, os autores do livro didático não
problematizam (p. 81) questões étnico-raciais em nenhuma das atividades
propostas.
Já na atividade “Clube de Leitura”, imediatamente seguinte ao estudo
proposto da obra de Carolina Maria de Jesus, são citadas importantes autorias
negras, mas o “recorte” do livro didático apenas destaca que essas escritas “têm,
em comum, [...] o fato de trazerem a voz de pessoas ou personagens considerados
marginalizados [...] e procurarem retratar o cotidiano de violência vivido” (FARACO,
MOURA, MARUXO, 2020, p. 81). Ou seja, não há referência à marginalização das
pessoas negras, que é o grupo étnico-racial representado pela autora e autores
destacados nessa proposta de “Clube de Leitura”. Além disso, no final dessa
sessão, como atividade, propõem-se aos/às alunos/as verificarem, na região onde
moram, se há “um escritor como esses”, para convidarem a uma conversa. A
referência a esse conjunto de escritora/es enquanto “esses”, deve ser
problematizada, pois “esses” e “essas” pessoas são referências da literatura
brasileira contemporânea de autoria negra, o que em nenhum momento é
explicitado no texto do livro didático.
No caso das slammers Cristal Rocha e Carol Dal Farra, o poema da primeira
não é integralmente reproduzido e, nas atividades, é destacada a representação
feminina, sobretudo da periferia, mas não há problematização sobre a situação das
mulheres negras. O livro didático não contribui para oreconhecimento de que as
mulheres negras enfrentam uma tripla opressão: de
14

gênero, de classe e étnico-racial (AKOTIRENE, 2019).


Já no caso da poeta Ryane Leão, há uma atividade (questão 16, p. 120) em que
é reconhecida, devidamente, a condição da autora enquanto mulher negra e lésbica –
esse reconhecimento é muito importante e pode-se avaliar como um aspecto muito
positivo do livro didático.
Entretanto, chama a atenção, negativamente, que, na seção destinada ao
estudo de Machado de Assis, ele não é citado como autor afrodescendente em
nenhum momento. A ênfase do material didático recai apenas nos temas de suas
obras, no seu “estilo”, mas não questiona nada sobre a representação negra de
Machado. Na sequência desse estudo, contudo, Maria Firmina dos Reis é
apresentada (p.171) como uma das primeiras mulheres afrodescendentes do Brasil
a iniciar na escrita da literatura e a primeira manifestação literária de uma voz
feminina negra no Brasil. Na conjuntura em que a autora viveu, a mulher não tinha
espaço como artista, como escritora, ou seja, não tinha reconhecimento
profissional, tanto menos uma mulher negra – o que revela a excepcionalidade
do caso desta autora, há relativamente pouco tempo “descoberta” pela história
da literatura brasileira2.
Importa registrar que, ainda sobre essa obra literária e sua autora, na p.172
do livro didático, é proposta uma atividade apresentando um trecho do romance
Úrsula, sendo solicitado que os/as estudantes dialoguem entre si e formulem uma
hipótese a respeito dos motivos pelos quais atual crítica literária considera esse
romance de Maria Firmina como inaugural da literatura afro-brasileira ao dar voz a
personagens escravizadas. Consideramos muito relevante essa atividade, visto que
contribui para o conhecimento do/a aluno/a sobre as mudanças nos registros da
história da literatura do nosso país e, sobretudo, por permitir que os/as discentes
reconheçam o protagonismo negro na nossa história literária.
Já o poeta Cruz e Souza é trabalhado nas p.198-199 com o poema “Cristais”
em destaque. É apresentada uma bibliografia sobre a trajetória do autor e

2
Sobre a inserção tardia de Maria Firmina na história da literatura brasileira, destacamos a Tese de Algemira Macêdo
Mendes, de 2006, pela PUCRS, disponível em: https://tede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/2230/1/390035_p1_282.pdf
15

posteriormente, é proposta uma atividade com sete questões sobre esse poema:
desse modo, entendemos como positivo o fato de o livro didático dar destaque para
o simbolista Cruz e Souza e sua obra.
Com relação ao importante poeta moçambicano José Craveirinha
(28/051922, Lourenço Marques - atual Maputo/ 6/02/2003, Johanesburgo, África do
Sul), na p.261 do livro didático em análise, é apresentado o seu poema “Grito negro”,
como parte da seção que trabalha a poesia engajada. Isso porque o poemadenuncia
a exploração da mão de obra negra na época da colonização portuguesa em
Moçambique. Trata-se de um desabafo e ao mesmo tempo uma denúncia dianteda
exploração e dos maus tratos provocados contra os negros naquele país. No
poema, Craveirinha utiliza-se da linguagem figurada para estabelecer uma
comparação entre o trabalhador negro e o carvão – semelhanças na cor e na
“utilização” para o trabalho, explorado pelo patrão. Mas, o eu lírico adverte, na
estrofe final, que também “queimará” o seu explorador: “Eu sou carvão. / Tenho que
arder/ Queimar tudo com o fogo da minha combustão. / Sim! / Eu sou o teu carvão,
patrão” (destaque nosso).
Já Antônio Agostinho Neto (17/09/1922, província de Luanda; 10/09/1979,
Moscou) foi um médico, escritor e político angolano, considerado o grande poeta
engajado na luta pela libertação do povo de seu país, e tornou-se o primeiro
presidente de Angola, em 1975. Por sua produção literária, marcada por um tom de
resistência e pela afirmação da identidade africana, é conhecido como “poeta maior”
daquela nação. Para trabalhar o poema “Voz de Sangue” há uma proposta, no livro
didático em análise, para que o/a aluno/a observe a musicalidade dos versos, que
parece convocar todas as pessoas negras para se unirem; e, ainda, enquanto
atividade, propõe uma análise sobre os versos finais e os elementos que dão ideia
de fusão entre o eu lírico e os demais povos negros. Entendemos que pela
importância do poema e do autor, essa análise deveria ser ampliada, especialmente
sobre a trajetória política e artística de Agostinho Neto, para ser devidamente
destacado o seu protagonismo.
16

Já a poeta Alda Espírito Santo, professora e jornalista, também conhecida


por Alda Graça, (30/04/1926 – São Tomé; 9/3/2010 - Luanda) foi uma das maiores
escritoras de São Tomé e Príncipe. Na p.308, o poema, “Em torno da minha baía”,
faz alusão ao continente africano e ao mundo por meio da voz feminina e negra de
Alda Espírito Santo. Na p. 308, sobre o referido poema, é proposto aos/às alunos/as
que reflitam de que modo as questões do eu lírico, marcado pelo cotidiano são-
tomense, podem repercutir na vida das pessoas de modo geral. Esse
questionamento torna-se interessante por proporcionar uma aproximação entre a
realidade africana daquele país e a realidade brasileira, destacando questões
comuns, para além da língua portuguesa que nos aproxima.
Entendemos que a presença desses/as autores/as e poetas é fundamental
no livro didático, no sentido de permitir que o/a educando/a, desde a educação
básica, tenha uma proximidade com a literatura negra, bem como contribui para o
aumento de leituras dessas obras que retratam a história do povo negro e não
apenas no Brasil, mas, também, nos países africanos de Língua Portuguesa, com
os quais temos tantos laços culturais e históricos. Dessa forma, é importante
destacar a influência africana no Brasil, a qual ocorreu através de diversos aspectos
que na atualidade são comuns à nossa cultura, como: a língua, a culinária, as
danças, as músicas, algumas religiões e demais costumes dos diversos grupos que
foram sequestrados do continente africano e aqui reconstruíram suas vidas e foram
fundamentais na construção do nosso país.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da análise realizada, pode-se concluir que, no livro didático


selecionado neste estudo, a abordagem ainda é tímida quanto às representações
negras que podem ser problematizadas na educação básica. Os conteúdos de
literatura abordados ainda não aprofundam o que preveem as legislações e os
movimentos sociais em termos de afirmação dos direitos das pessoas negras.
17

É importante que todos os livros didáticos, enquanto principais materiais


pedagógicos utilizados na educação, estejam adequados às Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História
e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Nesse sentido, todos os manuais escolares
devem apresentar/representar a população negra de forma não estigmatizada,
auxiliando no entendimento da importância do debate da negritude, da trajetória
percorrida pela população negra, das desigualdades raciais, educacionais e
econômicas que acompanham as maiorias minorizadas (SANTOS, 2020).
Entendemos que o livro de Língua Portuguesa trabalhado, especificamente,
nas últimas séries do ensino médio, poderia problematizar essa temática com maior
ênfase na desconstrução de preconceitos e na descolonização de mitos intrínsecos
na sociedade. Acreditamos que a sala de aula é um dos pontos de partida
fundamentais para descolonizar os valores e (pre)conceitos reproduzidos, que
colocam o indivíduo negro, maioria populacional no Brasil, em minoria nos acessos à
educação e funções profissionais classificadas como de prestígio social.
Portanto, concluímos que o livro de Língua Portuguesa de Ensino Médio
analisado ainda apresenta uma limitada representação das pessoas negras.
Entretanto, as personagens negras que nele se apresentam foram representadas,
de modo geral, de maneira humanizada, ou seja, sem estereótipos e preconceitos,
com uma diversidade de papéis e funções profissionais. Nesse sentido, as pessoas
negras foram apresentadas ao leitor com respeito à cultura e à história da negritude,
ação fundamental para que o/a estudante negro/a construa sua autoestima e
identidade étnico-racial, compreendendo a importância de sua cultura e
ancestralidade na sociedade.

REFERÊNCIAS

AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. São Paulo: Pólen, 2019.


ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro, 2018.
18

BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das RelaçõesÉtnico-Raciais


e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, Brasília, 2004.

CUTI, Luiz Silva. Literatura negro-brasileira. São Paulo: Selo Negro, 2010.[Coleção
Consciência em debate].

FERREIRA, Suelen Amorin. O protagonismo negro na literatura afro-brasileira


para infância: Palmas e vaias, de Sonia Rosa. Trabalho de Conclusão de Curso (Centro
de Ciênciasda Educação, Graduação emPedagogia, UFSC) - Florianópolis, 2020.

FRANCO, Carlos Emílio. Prática de Língua Portuguesa. São Paulo:Saraiva,2020.

GIL, Antônio C. Como elaborar projetos de pesquisa. 3. ed. São Paulo:Atlas, 1991.

GOMES, Nilma Lino. O movimento negro educador. Saberes construídosna luta por
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MINAYO, Maria Cecília de Souza (org.). Pesquisa Social. Teoria, método ecriatividade.
18 ed. Petrópolis: Vozes, 2001.

OTA, Ivete Aparecida da Silva. O livro didático de língua portuguesa no Brasil. Educar
em Revista, 2009. Disponível em: https://www.scielo.br/j/er/a/cx7FcNwc4G896mFY7PCwT6N.
Acesso em: 18jul./2023.

SANTANA, Judith Sena da Silva; NASCIMENTO, Maria Ângela Alves do. Pesquisa. Métodos
e técnicas de conhecimento da realidade social. Feirade Santana: Editora da UEFS,
2010.

SANTOS, Antônio R. dos. Metodologia científica: a construção doconhecimento. 3. ed.


Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

SANTOS, Richard. Maioria minorizada: um dispositivo analítico deracialidade. Rio de


Janeiro: Telha, 2020.
ANEXOS
36a. “Os visinhos das casas de tijolos diz: – Os politicos protegem os favelados”; “O senhor Cantidio Sampaio quando era vereador em 1953 passava os
domingos aqui na favela”; “Eu classifico São Paulo assim: O Palacio é a sala de visita. A Prefeitura é a sala de jantar e a cidade é o jardim. E a favela é o
quintal onde jogam os lixos”.
Seria interessante exibir, antes da leitura do texto, um NÃO ESCREVA
PRODUÇÃO ESCRITA vídeo que trata da vida de Carolina Maria de Jesus e NESTE LIVRO.
36 Que termos a escritora usa para indicar: coloquial. Considerando esses elemen-
propõe a revisão crítica de sua obra. Disponível em: tos, por que a escrita dos diários nos re-
https://www.facebook.com/PesquisaFapesp/videos/ a. o espaço físico onde vivia;
vela – necessariamente – características
Diário pessoal vb.144482782267269/868264563222417/?type=2&
theater. Acesso em: 24 jun. 2020. NOTA DOS EDITORES b. o contexto histórico em que ocorreram do “eu” que se projeta no texto?
Você e os colegas vão ler um trecho do diário escrito por Carolina os fatos relatados.
Na edição da qual foram 36b. “O senhor Cantidio Sampaio quando era vereador b. Tendo em vista a resposta ao item a, re-
Maria de Jesus, que é assim apresentada por uma estudiosa de sua obra: retirados os extratos em 1953…”; “Eu estava com dois cruzeiros”.
37 Que trechos do texto não apenas relatam leiam a nota dos editores feita no diário
reproduzidos a seguir, há
Saída da favela do Canindé, em 1958, a catadora de lixo, mãe solteira de três
os acontecimentos, mas expressam uma de Carolina. Por que essa nota poderia
filhos, de pais diferentes, acreditou num sonho: a escrita. O que escreveria uma esta nota dos editores:
“Esta edição respeita reflexão de Carolina Maria de Jesus? nos apontar para uma forma de precon-
mulher negra, miserável, sozinha no mundo, semianalfabeta senão a sua própria
fielmente a linguagem da ceito linguístico?
história? O que ela buscava na escrita? Optou por narrar a sua luta diária e quase
autora, que muitas vezes
infinita nas páginas de um diário; o seu diário de favelada. 38 A fome percorre o diário todo, como se 41 No trecho seguinte, analise as formas ver-
contraria a gramática,
TOLEDO, Christiane Vieira Soares. Carolina Maria de Jesus: a escrita de si. Letrônica. mas que por isso mesmo
esta fosse uma personagem. No trecho bais destacadas: quais delas indicam o re-
Porto Alegre: Programa de Pós-graduação em Letras da PUCRS, n. 1, jul. 2010. v. 3.
traduz com realismo a lido, como ela aparece? lato de passado e quais têm caráter predi-
p. 247-257. Revista digital. 38. Aparece no relato, quando a escritora pede alimentos empresta-
forma de o povo enxergar dos e na reflexão dela a respeito da fome. tivo (anunciam o que vai acontecer, como
e expressar seu mundo”. 39 O título da obra parece ser mais do que
em O diário de Bridget Jones)?
Quarto de despejo: diário de uma favelada uma síntese da favela. Que sentido(s) você
A chuva está forte. Mesmo assim, mandei os
Carolina Maria de Jesus consegue perceber nele?

Arq ência
meninos para a escola. Estou escrevendo até

Ag
39. Aceite as respostas que lhe pareçam bem argumentadas.

uiv Es
13 DE MAIO Hoje amanheceu chovendo. É um dia simpático para mim. É passar a chuva, para eu ir lá no senhor Manuel

o d t ad
40 Troque ideias com os colegas, com a ajuda

o jo o
o dia da Abolição. Dia que comemoramos a libertação dos escravos. vender os ferro. Com o dinheiro dos ferros vou

rna
do professor.

lO
… Nas prisões os negros eram os bodes espiatórios. Mas o brancos são comprar arroz e linguiça. A chuva passou um

Es
pouco. Vou sair. linhas 6-9

tad
mais cultos. E não nos trata com despreso. Que Deus ilumine os brancos a. No Diário de Bridget Jones, a tradução

od
eS
5 para que os pretos seja feliz. procurou reconstruir o texto adaptando a 42 O diário, como relato vivo do que é experi-

.P
aulo
Continua chovendo. E eu tenho só feijão e sal. A chuva está forte. Mes-
linguagem à forma como, em português, mentado, é um texto íntimo e não costuma

/
mo assim, mandei os meninos para a escola. Estou escrevendo até passar a
uma pessoa de jeito semelhante ao de ser objeto de revisões. Assim, retome o di-
chuva, para eu ir lá no senhor Manuel vender os ferro. Com o dinheiro dos
Carolina Maria de Jesus Bridget Jones teria escrito seu diário. A ário que começou a escrever em Situação
ferros vou comprar arroz e linguiça. A chuva passou um pouco. Vou sair.
(1914-1977) foi catadora linguagem é predominantemente infor- inicial e dê continuidade a essa escrita e à
10 … Eu tenho tanto dó dos meus filhos. Quando eles vê as coisas de comer
eles brada: de papel e escritora mal, com características próximas da fala reflexão sobre questões pessoais.
– Viva a mamãe! negra de Sacramento, em 37. “É um dia simpático para mim. É o dia da
A manifestação agrada-me. Mas eu já perdi o habito de sorrir. Dez minutos Minas Gerais. Seu talento Abolição”; “Mas o brancos são mais cultos”;
“E no inverno a gente come mais”; “E assim
depois eles querem mais comida. Eu mandei o João pedir um pouquinho de chamou a atenção quando DIÁRIO DE BORDO no dia 13 de maio de 1958 eu lutava contra a
escravidão atual – a fome!”; “Que Deus ilumi-
15 gordura a Dona Ida. Ela não tinha. Mandei-lhe um bilhete assim: um jornalista percebeu nos ne os brancos para que os pretos seja feliz.”
– “Dona Ida peço-te se pode arranjar-me um pouco de gordura, para eu diários que ela escrevia Registre em seu diário de bordo o que você compreendeu do Caso algum estudante selecione trechos
que não correspondam à expressão de
fazer uma sopa para os meninos. Hoje choveu e eu não pude ir catar papel. “uma forma de narrar gênero diário e sua importância. opiniões, procure problematizar a resposta,
por meio de perguntas sobre o texto, para
Agradeço. Carolina.” própria da poesia”. Morava que ele possa compreender melhor o que
… Choveu, esfriou. É o inverno que chega. E no inverno a gente come mais. na favela do Canindé, deve buscar.
20 A Vera começou a pedir comida. E eu não tinha. Era a reprise do espetáculo.
em São Paulo. Na escola,
Eu estava com dois cruzeiros. Pretendia comprar um pouco de farinha para CLUBE DE LEITURA
não completou o curso
fazer um virado. Fui pedir um pouco de banha a Dona Alice. Ela deu-me a
hoje equivalente aos A temática da exclusão social, presente como pano de fundo do livro Quarto de despejo,
banha e arroz. Era 9 horas da noite quando comemos.
Anos Iniciais do Ensino tem sido retomada por escritores contemporâneos em livros publicados a partir dos anos
E assim no dia 13 de maio de 1958 eu lutava contra a escravidão atual – a fome! 1990, principalmente. Alguns desses livros são obras ficcionais inspiradas nas experiências
15 DE MAIO Tem noite que eles improvisam uma batucada e não deixa Fundamental. Lançado
25 de vida dos autores ou são relatos biográficos, diários, sem caráter ficcional. O que todos
ninguem dormir. Os visinhos de alvenaria já tentaram com abaixo assinado em 1960, seu livro Quarto
têm em comum é o fato de trazerem a voz de pessoas ou de personagens considerados
retirar os favelados. Mas não conseguiram. Os visinhos das casas de tijolos diz: de despejo: diário de uma marginalizados (moradores das periferias dos centros urbanos ou de favelas, meninos e
– Os politicos protegem os favelados. favelada alcançou sucesso meninas de rua, presidiários, entre outros) e procurarem retratar o cotidiano de violência
Quem nos protege é o povo e os Vicentinos. Os politicos só aparecem enorme de público. vivido. Muitas vezes, esses autores pertencem aos grupos retratados, e suas obras trazem
30 aqui nas epocas eleitoraes. O senhor Cantidio Sampaio quando era vereador um registro importante da realidade excludente em que vivem. Paulo Lins (com Cidade de
em 1953 passava os domingos aqui na favela. Ele era tão agradavel. Tomava Deus), Esmeralda do Carmo Ortiz (com Por que não dancei?), Sérgio Vaz (com A poesia dos
nosso café, bebia nas nossas xicaras. Ele nos dirigia as suas frases de viludo. Cantídio Sampaio: Cantídio deuses inferiores), Ferréz (com Capão Pecado) são exemplos dessa tendência.
Nogueira Sampaio (1913-1982),
Brincava com nossas crianças. Deixou boas impressões por aqui e quando
político paulistano. Sob a orientação do professor, você e os colegas vão selecionar algumas dessas
candidatou-se a deputado venceu. Mas na Camara dos Deputados não criou cruzeiro: unidade monetária da obras para lerem e discutirem. Leiam a apresentação dos livros também, assim como
35 um progeto para beneficiar o favelado. Não nos visitou mais. época. as informações sobre o autor. As perguntas relativas ao trecho do diário de Carolina
… Eu classifico São Paulo assim: O Palacio é a sala de visita. A Prefeitura é a vicentino: membro da Maria de Jesus podem nortear a discussão das obras lidas.
sala de jantar e a cidade é o jardim. E a favela é o quintal onde jogam os lixos. congregação fundada por são
Vicente de Paulo (1581-1660), Se na região onde moram houver um escritor como esses, verifiquem com o
JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: diário de uma favelada. patrono de obras de caridade. professor se é possível convidá-lo para uma conversa com a turma.
São Paulo: Ática, 2007. p. 27-28.
41. Verifique se os estudantes conseguem perceber que: (1) a forma mandei (no pretérito perfeito simples do indicativo) é empregada para relatar
fato passado; (2) estou escrevendo traduz uma relação de simultaneidade entre o momento da escrita e a ação de escrever; (3) vou comprar e
80 vou sair expressam ações que devem ocorrer em momento posterior ao da escrita do diário. 81

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NÃO ESCREVA
Para mais informações sobre o sistema enunciativo do presente, é possível consultar o livro As astúcias da enunciação, NESTE LIVRO.
de José Luiz Fiorin (editora Ática), especialmente o capítulo dedicado ao estudo da instância enunciativa do tempo.
Coisa de preto
“Ô, Cristal! Tu só fala de racismo nas linha!” DISCURSO POLÍTICO
Desculpa, é coisa de preto, tu não entenderia O discurso político caracteriza-se essencialmente como expositivo-argumentativo. Em geral, o
Ouvi tanto o que não devia, evitando fadiga enunciador representa um grupo social em nome do qual se pronuncia: no caso do discurso de
Agora entende por que me explodo na roda de poesia? posse de JK, isso é evidente: é o presidente recém-eleito – portanto, representante do conjunto
dos eleitores – que o profere. Outra característica é a duplicidade do destinatário: você perce-

Josemar Afro
5 Então vamo pôr na roda o que eles não querem ouvir
beu que, na cena enunciativa em que foi proferido, o discurso de JK tinha como destinatários:
Esses tiozão que nos poda antes da gente florir
(i) o Presidente do Tribunal Superior Eleitoral e a audiência que acompanhou a cerimônia de
Se a verdade tem que ser dita, então eu vou repetir

vu
posse; (ii) toda a nação brasileira. O primeiro destinatário, durante a análise, chamamos de “au-

lto
Ac

/
er
Tô aprendendo agora o que na escola não aprendi vo
do fo
tógrafo ditório imediato” e o segundo de “auditório mais amplo”. Outra característica é que, por ser um
Com Malcolm, Djamila e Muhammad Ali. discurso de representação – o enunciador representa um grupo –, toma a forma de uma “fala
Cristal Rocha é
coletiva”, que se manifesta em nome de interesses da comunidade representada. Essa carac-
10 [...] gaúcha e participa terística deixa marcas linguísticas no texto do discurso; por exemplo, o emprego da 1ª pessoa
ROCHA, Cristal. Coisa de preto. In: DUARTE, Mel (org.). desde 2002 de do plural, conforme analisamos.
Querem nos calar: poemas para serem lidos em voz alta. eventos poéticos Esse gênero faz parte da esfera de circulação política, é produzido mais em períodos eleitorais e
São Paulo: Planeta do Brasil, 2019. Edição em e-book.
pelo Brasil. É uma sempre que autoridades políticas se manifestam publicamente como representantes de um gru-
das idealizadoras do po. Por exemplo: quando o Presidente da República discursa em um fórum internacional, como
coletivo Poetas Vivos no das Nações Unidas, como representante do país, sua fala toma a forma de um discurso político.
Poesia é palavra ilimitada
que teve origem no Marcas linguísticas características do discurso são: as que expressam ponto de vista, como
Mundo ensina que poesia é palavra ilimitada disparada braba Rio Grande do Sul. a modalização por meio do uso de verbos de opinião e crença, conectores e organizadores
Que cura problemas psicológicos, foge de diagnósticos textuais. Os verbos em geral se apresentam no sistema enunciativo do presente: o tempo ver-
Te faz sorrir sem tarja preta bal presente do indicativo (para enunciar os argumentos), o tempo verbal pretérito perfeito
Ensina que o mundo é muita treta e que não estamos preparados para reparação histórica simples do indicativo (para indicar os processos e as ações que antecederam o momento do
5 Mundo, ensina outro caminho que ultrapasse o egoísmo e desfaça os invisíveis discurso) e o tempo verbal futuro simples do indicativo (para enunciar os compromissos polí-
ticos assumidos, a serem concretizados).
Pois debaixo da marquise não há lugar para o teu ego
Mundo, ensina!
Que desigualdade é pauta, que o padrão é coisa falsa para substituir verdades
Práticas de leitura e análise literária
Quem for viver de lecionar vai passar muito perrengue
10 Pois no ranking da importância o capital passou na frente da educação e da mudança A literatura nas redes sociais
Ensina que é questão de ideia e que ideia está em falta
Um tipo de produção literária que tem ganhado cada vez mais espa-
Pensar não é só filosofia é também questão de vida
ço é a poesia que circula nas redes sociais. Essa forma de manifestação
Que a corrida alienada traz a competição à tona poética tem muitas relações com a cultura do “curtir” – “compartilhar”
Competir é nosso lema – “recomendar”, estimulada por essas redes. Por meio dessa cultura, as
15 Por isso que nosso esquema tem por maestria money produções literárias ganham visibilidade e se disseminam.
Vários menor passando fome, mas fazendo jornada tripla Uma das escritoras que teve o início de sua carreira literária ligado a
Riquezas pra minoria essa prática de publicação em redes sociais é Ryane Leão. Leia a seguir
Balas com destino certo e camarote pra burguesia trechos de uma entrevista concedida por ela a uma revista feminina, em
Ensina agora que isso tudo vai ser shot de terapia 2017, quando lançou em forma de livro a coletânea de poemas Tudo nela
20 Vai faltar psicólogo pra estancar essa sangria de doença pós-moderna brilha e queima.
FARRA, Carol Dall. Poesia é palavra ilimitada. In: DUARTE, Mel (org.). Querem nos calar: Ryane Leão lança livro com poemas sobre militância negra
poemas para serem lidos em voz alta. São Paulo: Planeta do Brasil, 2019. Edição em e-book. Em livro de estreia, escritora negra e lésbica transforma sua dor e
luta em versos marcantes Ryane Leão.

Julia Rodrigues/Abril Comunicações S.A.


Por Anna Laura Moura
A resistência move Ryane Leão, 28 anos, poeta e pro-
fessora nascida em Cuiabá. A vida em São Paulo e a difi-
culdade enfrentada ao perder o pai, negro, ser criada pela
Carol Dall Farra nasceu na cidade de Duque de Caxias, mãe, branca, ter de lidar com tantas batalhas levaram-na
no Rio de Janeiro, e é uma multiartista: poeta, rapper e a fazer Tudo nela brilha e queima [...], lançado em outu-
slammer. É uma das organizadoras do evento Slam das bro. “A gente cresce com uma solidão tão grande sendo
An

Minas, dedicado às mulheres recitarem suas poesias. mulher negra, sem ter nada palpável, que precisa escrever
dre

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tó sobre coisas românticas”, diz sobre o livro de estreia.

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NÃO ESCREVA
NESTE LIVRO. NÃO ESCREVA
NESTE LIVRO.

3 4 Reformule-o, tentando estruturá-lo segundo as características


do gênero texto de divulgação científica. Tenha em vista tam-
você diz que é lindo me ver lutar da importância de encarar a si mesma bém os comentários feitos pelos colegas e pelo professor sobre
que eu sou uma mulher fantástica a produção inicial.
porém não nota meus olhos exaustos escolha seus melhores discos DIÁRIO DE BORDO
meu corpo curvado e tire suas piores dores Faça acréscimos, traga a palavra do(s) especialista(s) consulta- Registre em seu
não tenho comido direito há dias pra dançar do(s) (o professor da disciplina relacionada ao tema do texto ou diário de bordo o
estou por um fio Idem. ibid outro especialista que você tenha conseguido contatar) e pro- que você acredita ter
e como eu preciso de colo cure explicar os conceitos científicos de maneira que um público compreendido sobre
e que você se recorde não especializado seja capaz de compreender. as questões discutidas,
14. Espera-se que os estudan- suas impressões ao
que guerreiras também sangram
Idem. ibid
tes percebam que os poemas
apresentados tratam de rela-
Esta versão do texto, como a primeira, deve também circular entre os reler o texto produzido
ções amorosas, com menção colegas e o professor para que todos possam conhecer os textos uns no início do capítulo
explícita ao interlocutor (o “você”
que aparece nos poemas, explí- dos outros. Na seção Práticas de produção de textos, propomos uma e o que foi necessário
5 revisar ao elaborar a
cito ou implícito pelas formas
verbais), com exceção do quar-
última revisão do texto para que você e seu grupo possam publicar
to. Este, embora não trate dire- suas produções como parte da reportagem sobre o tema “A vida e a segunda versão dele.
nós olhamos o mesmo céu tamente do tema, traz a ideia
de “dores”, que podem incluir a natureza do lugar onde vivo”.
todos os dias dor da perda ou do fim de um 25. Todo o trabalho indicado nesta questão deve levar os estudantes a retomar a produção da seção Situação inicial e reconstruí-la, agora com base em
e ainda assim relacionamento mas isso não mais elementos e características do gênero. Esse tipo de atividade de produção deve sempre ser conduzido por você, quando sugerir aos estudantes que
fica claro no poema, é algo a ser refaçam os textos, reescrevendo-os. Essa atividade implica uma tarefa intensa de análise e modificação do texto
você não vê interpretado). A ideia de solidão PARA FAZER E PENSAR escrito e leva o estudante a compreender que a produção escrita é um processo, e que o texto é resultado dele.
aparece explícita ou sugerida
o que eu vejo em 1 (pela imagem do silêncio),
em 2 (a ideia de autossuficiên-
cia), em 4 (“encarar a si mesma”,
você consegue pesar até a beleza em 5 (“você não vê o que eu Considerando sua experiência com textos de divulgação científica, você diria que o trabalho com
do sol se pondo vejo”). a linguagem identificado no texto de Lúcia Helena está presente em outros textos dessa natureza?
Idem. ibid Para refletir a esse respeito, pense não apenas em textos escritos, mas também em textos em outras
linguagens e mídias, como vídeos e podcasts.
Com alguns colegas e sob a orientação do professor, pesquisem em revistas e jornais impressos
15 Responda no caderno e socialize suas respostas com os colegas. e digitais, blogues, vlogs e canais de podcasts voltados à divulgação científica. Seguem algumas
a. Na entrevista, Ryane afirma que “a solidão faz a gente escrever dicas do gênero: Nerdologia; Canal do Pirula; Olá, ciência!; Revista Ciência Hoje; conteúdos de
coisas românticas”. Em todos os poemas há menção a relações Marcelo Gleiser; Leitura ObrigaHistória; Xadrez Verbal; Minutos Psíquicos; Naruhodo!; 37 Graus;
afetivas. Em sua opinião, quais delas poderiam ser descritas como Scienceblogbrasil; Peixe Babel; Colecionadores de Ossos.
relações amorosas? Por quê? 15a. Aceite todas as respostas dos estudantes, Escolha ao menos dois canais para explorar, leia alguns textos, ouça alguns podcasts ou assista a
desde que bem argumentadas.
15b. No terceiro. O eu lírico é alguns vídeos, procurando observar o uso da linguagem e quanto esse uso ajuda a entender me-
b. Outra temática presente nos poemas é a condição da mulher. Em caracterizado pelo interlocutor
lhor o conteúdo veiculado: O autor fez uso de metáforas, comparações e exemplos do cotidiano?
como “mulher fantástica” e por si
qual deles, em sua opinião, isso fica mais evidente? Por quê? mesma como “guerreiras também O tipo de linguagem que predomina é formal ou informal? Você percebeu alguma diferença entre
sangram”. Essas imagens traduzem
c. No poema 4, como você interpreta a antítese “melhores discos” o cotidiano de trabalho e luta da a linguagem usada em textos escritos, em podcasts ou em vídeos?
× “piores dores”? Que relação poética de sentido se constrói com mulher (“olhos exaustos”, “corpo Aproveite para tomar nota do que puder observar, cuidando para registrar ou comentar alguns
curvado”, “dias sem comer”).
base nessa figura? trechos do material observado que possam ser apresentados à turma como exemplos do tipo de
15c. Respostas pessoais. Uma
possível interpretação para a rela- linguagem que foi usado.
16 No início da entrevista, a jornalista apresenta Ryane como “escritora ção de sentido poético criado pela
antítese é que é preciso comemorar
negra e lésbica” que “transforma sua dor e luta em versos marcan- as dores, como forma de autoco-

Práticas de leitura e análise literária


nhecimento. Portanto, as dores não
tes”. Nessa qualificação, destacam-se duas características que indi- devem sempre ser vistas como algo
cam o pertencimento da escritora a grupos sociais marginalizados. nefasto, mas sim como oportunida-
de para se conhecer melhor.
Considerando a discussão feita na atividade anterior, você acha que 16. Resposta pessoal.
esse pertencimento influencia a obra de Ryane? Explique. Comente com os estudantes que, Romances e circulação da literatura no século XIX (II)
em todos os poemas, é possível

17 Na entrevista, Ryane faz duas afirmações importantes: que, desde pe-


perceber que a voz lírica é clara- No capítulo anterior, você leu trechos de um romance de Joaquim Manuel de Macedo e de um
mente feminina e apresenta temá-
ticas ligadas ao universo da mulher. romance de José de Alencar, escritos no século XIX. Outro conhecido escritor brasileiro desse século
quena, escrevia diários – isso significa que a escrita de algum modo
17. Espera-se que os estudantes é Machado de Assis. Sua produção circulou por meio de folhetins e livros, mas há algumas diferenças
sempre esteve presente na vida dela – e que “podemos e devemos percebam que a literatura, ao levar à
entre parte de sua produção e a dos outros dois autores, o que você poderá perceber nesta seção.
cair para emergir”. De que forma a escrita e a leitura de literatura nos reflexão sobre a condição humana,
as relações, as dores e as alegrias, Reproduzimos a seguir o trecho de um de seus romances de maior sucesso entre o público e
ajudam a aprender a “cair para emergir”? Comente com os colegas. em suma, sobre a vida, nos ajuda
a perceber aspectos pessoais pró- a crítica: Memórias póstumas de Brás Cubas. Trata-se de um romance de memórias, visto que o
prios e nos põe em contato com
18 O comentário que Ryane faz em relação ao título de seu livro de camadas mais profundas de nosso narrador é o próprio Brás Cubas do título, que narra suas lembranças após sua morte. Assim, a
estreia evidencia uma característica que é perceptível em todos os próprio ser, contribuindo para que perspectiva assumida é a de alguém que já morreu, e as “memórias” trazem considerações sobre
conheçamos a nós mesmos.
poemas dela apresentados nessa seção. Converse com os colegas e a vida, com análises filosóficas a respeito do comportamento humano. Leia o capítulo VII do livro,
tentem identificar essa temática da obra. em que o narrador relata o delírio que teve antes de morrer.

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NÃO ESCREVA NÃO ESCREVA
NESTE LIVRO. NESTE LIVRO.

Diferente é “O delírio”, em Memórias póstumas de Brás Cubas: mesmo Escritoras no Brasil do século XIX
se tratando de uma passagem marcada pela fantasia, nada é permeado
pela idealização ao estilo romântico: nem a relação entre os personagens Parte desse público leitor era certamente formado por mulheres. Não há dados muito con-
do delírio (a Natureza e o narrador: “[...] sou tua mãe e tua inimiga”) nem fiáveis sobre a porcentagem de mulheres alfabetizadas nesse período, mas, pela forma como a
a passagem do tempo, notada pelo narrador, e a constatação de ter des- própria literatura do século XIX as representa, é possível dizer que havia leitoras. Ainda assim,
perdiçado a própria vida (“– Sim, verme, tu vives. Não receies perder esse poucas mulheres são lembradas como escritoras na literatura brasileira do século XIX. Suas obras
andrajo que é teu orgulho; provarás ainda, por algumas horas, o pão da foram sendo esquecidas, talvez silenciadas, ao longo do tempo. Hoje, graças a movimentos que
dor e o vinho da miséria [...]”), tanto menos o desfecho irônico da situa- procuram estudar e resgatar o papel das mulheres na sociedade brasileira do século XIX, algumas
ção, que escancara a banalidade cotidiana em que o narrador está mergu- dessas vozes femininas vêm ressurgindo, redescobertas pelos estudiosos de literatura.
lhado. Isso porque Memórias póstumas de Brás Cubas tem características
de outro estilo de época, o Realismo. 28 Uma delas é a escritora maranhense Maria Firmina dos Reis, de cujo romance Úrsula trans-
O século XIX foi um período de intensa atividade literária no Brasil. crevemos um trecho a seguir. Em sua primeira publicação, a autora utilizou um pseudônimo,
Outros gêneros, como o poema, o conto e os textos dramáticos, além do pois preferiu se manter no anonimato. Leia-o.
romance, encontraram acolhida junto a um público formado principal-
mente em razão do desenvolvimento de centros urbanos importantes.
Úrsula
Ainda que boa parte da população fosse analfabeta e estivesse de certo
Maria Firmina dos Reis
modo apartada dos circuitos da leitura literária, isso não impediu que o
gosto pela leitura literária fosse cultivado. “Vou contar-te o meu cativeiro.
“Tinha chegado o tempo da colheita, e o milho e o inhame e o amendoim eram em abundância nas
PARA IR MAIS LONGE nossas roças. Era um destes dias em que a natureza parece entregar-se toda a brandos folgares, era
uma manhã risonha, e bela, como o rosto de um infante, entretanto eu tinha um peso enorme no co-
Para conhecer melhor a literatura do século XIX, façam uma pesquisa de textos literários escritos nesse século 5 ração. Sim, eu estava triste, e não sabia a que
considerando diversos gêneros, como contos, poemas, romances, peças de teatro, assim como variados estilos ÚRSULA
atribuir minha tristeza. Era a primeira vez que
de época (Romantismo, Realismo, Naturalismo, Parnasianismo, Simbolismo).
me afligia tão incompreensível pesar. Minha fi- Úrsula, publicado

Wikipedia/Wikimedia Commons
Sob a orientação do professor, organizem-se em três grupos principais, que podem conter equipes internas
lha sorria-se para mim, era ela gentilzinha, e em originalmente sob o
menores. Cada grupo principal ficará responsável pela seleção de textos desses estilos considerando esta
divisão: grupo 1, literatura brasileira; grupo 2, literatura portuguesa; grupo 3, literatura de outras culturas. O sua inocência semelhava um anjo. Desgraçada pseudônimo “Uma
critério da seleção deve ser a fruição, o prazer estético provocado pela leitura. A finalidade é coletar textos para 10 de mim! Deixei-a nos braços de minha mãe, e Maranhense”, em 1859, é
organizar um sarau literário. considerado o primeiro
fui-me à roça colher milho. Ah! Nunca mais de-
Para planejar o trabalho, sigam estes passos: romance brasileiro escrito
via eu vê-la... por uma mulher e a primeira
Cada equipe ficará responsável por um gênero textual (conto, poema, romance, texto dramático, entre “Ainda não tinha vencido cem braças do cami- manifestação literária de uma
outros) e um estilo de época do século XIX. Não é necessário fazer uma divisão exata entre vocês; o
importante é que, ao final, todos possam conhecer o que o século XIX representou no panorama geral da nho, quando um assobio, que repercutiu nas ma- voz feminina afrodescendente.
literatura, em especial a brasileira. 15 tas, me veio orientar acerca do perigo iminente, Hoje, essa obra faz parte do
que aí me aguardava. E logo dois homens apa- catálogo de importantes
Pesquisem os estilos de época desse século e suas características e relacionem os principais autores e
gêneros textuais de cada estilo. editoras brasileiras. No site de
receram, e amarraram-me com cordas. Era uma
uma delas, há esta sinopse
Sintetizem os achados, organizando coletivamente um grande quadro, que pode ter a forma sugerida a seguir. prisioneira – era uma escrava! Foi embalde que do livro: Folha de rosto da
Ele pode ser produzido coletivamente e compartilhado. O modelo abaixo é uma sugestão, considerando o
supliquei em nome de minha filha, que me res- Tancredo e Úrsula primeira edição, de
Romantismo e alguns de seus autores, que vocês podem adaptar para cada estilo de época em pesquisa.
20 tituíssem a liberdade: os bárbaros sorriam-se das são jovens, puros e al- 1859, do romance
Estilo de época Autores Gênero Exemplo de obra minhas lágrimas, e olhavam-me sem compaixão. truístas. Com a vida Úrsula, de Maria
pesquisada Julguei enlouquecer, julguei morrer, mas não me marcada por perdas e Firmina dos Reis,
Joaquim Manuel de Macedo Romance foi possível... a sorte me reservava ainda longos decepções familiares, lançado em São Luís
(colocar trechos de uma eles se apaixonam tão pela Tipografia do
(colocar informações (relacionar títulos de combates. Quando me arrancaram daqueles luga-
das obras pesquisadas) logo o destino os apro- Progresso, em 1859.
Romantismo biográficas) romances) 25 res, onde tudo me ficava – pátria, esposo, mãe e
(listar as xima, mas se deparam com um empecilho para
Poema (colocar trechos de uma filha, e liberdade! Meu Deus! O que se passou no
características concretizar seu amor. Combinando esse enre-
Álvares de Azevedo das obras pesquisadas)
(relacionar títulos de obras) fundo da minha alma, só vós o pudestes avaliar!... do ultrarromântico com uma abordagem crítica
principais) (colocar informações
Conto (colocar trechos de uma “Meteram-me a mim e a mais trezentos compa- à escravidão, Maria Firmina dos Reis compõe
biográficas) Úrsula, um dos primeiros romances brasilei-
(relacionar títulos de obras) das obras pesquisadas) nheiros de infortúnio e de cativeiro no estreito e
30 infecto porão de um navio. Trinta dias de cruéis ros de autoria feminina, em 1859. Por dar voz
Com base na pesquisa, os grupos podem publicar os resultados em um catálogo coletivo da literatura do e agência a personagens escravizados, é vista
tormentos, e de falta absoluta de tudo quanto é
século XIX. Ele pode ser organizado, em ordem “decrescente”, do critério mais abrangente para o menos: como a obra inaugural da literatura afro-brasi-
do estilo de época, passando pelo gênero textual e pelos autores e terminando nas obras. Utilizem algum mais necessário à vida passamos nessa sepultura leira. Retrata homens autoritários e cruéis, mos-
software de produção coletiva de documentos, a fim de que todos possam editar o texto. Na internet, há até que abordamos às praias brasileiras. Para ca- trando atos inimagináveis de mando patriarcal
plataformas gratuitas para esse tipo de produção coletiva. ber a mercadoria humana no porão fomos amar- e senhorial em um sistema que não lhes impõe
Pronto o quadro, discutam com a ajuda do professor: 35 rados em pé e para que não houvesse de revolta, limites. [...]
Quantos homens e quantas mulheres há na lista de escritores? acorrentados como os animais ferozes das nos- Disponível em: https://www.companhiadasletras.com.
Caso a lista não seja proporcional, considerando o contexto histórico de produção das obras, formulem sas matas, que se levam para recreio dos poten- br/detalhe.php?codigo=85223. Acesso em: 29 jun. 2020.
hipóteses para explicar essa diferença.

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NÃO ESCREVA
NESTE LIVRO.

tados da Europa. Davam-nos a água imunda, podre e dada com mesquinhez,


a comida má e ainda mais porca: vimos morrer ao nosso lado muitos compa- Práticas de leitura e análise literária Estilo de época: conjunto

Diego
40 nheiros à falta de ar, de alimento e de água. É horrível lembrar que criaturas de características
estéticas, estilísticas

E
humanas tratem a seus semelhantes assim e que não lhes doa a consciência

mi
O Simbolismo na literatura

r/ A
e composicionais

ce
rv
de levá-los à sepultura asfixiados e famintos! o
do manifestadas nas obras
fotó
grafo
“Muitos não deixavam chegar esse último extremo – davam-se à morte. dos artistas de um certo
Refletir sobre a temática de Olhares sobre o futuro, nos estudos de
“Nos dois últimos dias não houve mais alimento. Os mais insofridos en- Maria Firmina dos Reis período histórico e social.
literatura, pode nos remeter ao estilo de época conhecido como Sim-
45 traram a vozear. Grande Deus! Da escotilha lançaram sobre nós água e breu (1822-1917), filha de uma
bolismo. Esse estilo se formou em um dos períodos de grandes avanços

Marc Ferrez/Coleção particular


fervendo, que nos escaldou e veio dar a morte aos cabeças do motim. negra escravizada e de tecnológicos, que provocaram mudanças sociais marcantes nos países
“A dor da perda da pátria, dos entes caros, da liberdade foi sufocada nessa um homem branco, é do Ocidente: as duas décadas finais do século XIX e o início do século
viagem pelo horror constante de tamanhas atrocidades. considerada a primeira XX, até a eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914. Nesse período,
“Não sei ainda como resisti – é que Deus quis poupar-me para provar a romancista brasileira foram desenvolvidas tecnologias como o telefone e o avião; houve a
50 paciência de sua serva com novos tormentos que aqui me aguardavam. [...]” negra. Professora do expansão do uso da eletricidade como fonte energética; as cidades pas-
REIS, Maria Firmina dos. Úrsula. São Paulo: Companhia das Letras, Primário (equivalente aos saram por intenso processo de crescimento e urbanização, entre muitas
[s. d.]. Edição em e-book. Anos Iniciais do Ensino outras conquistas que nos influenciam até hoje. Não é à toa que, confor-
A narrativa em 1ª pessoa, de fato, dá voz à personagem, que representa uma negra escravizada. A descrição do
momento da captura, da vinda forçada ao Brasil, das condições sob as quais eram trazidos os negros nas embarca- Fundamental), foi uma das me você viu na abertura desta unidade, muitos projetavam o futuro com
ções de tráfico de africanos escravizados, tudo isso justifica essa consideração dos críticos literários de hoje.
primeiras a incentivar o base em inovações promovidas pela tecnologia. O Teatro Municipal, em foto de
29 O trecho transcrito faz parte do capítulo IX, intitulado “A preta Su- Reagindo a esse cientificismo, a arte propõe sobretudo a apreensão 1910, foi uma das novidades
ensino misto (meninos e
sana”, em que essa personagem, em conversa com outro negro es- de estados emocionais subjetivos, misteriosos, ilógicos, ou seja, aquilo da reforma do Rio de Janeiro,
meninas juntos) no Brasil.
cravizado, narra a história de sua captura para ser trazida ao Brasil que só admite expressão simbólica. A razão e a lógica cedem lugar, na promovida pelo então prefeito
Na imagem, busto de
e escravizada. Converse com os colegas sobre o trecho lido e, com literatura, por exemplo, à intuição, à subjetividade. Pereira Passos, que pretendia
Maria Firmina dos Reis, Movimentos como o Simbolismo (na literatura) e o Impressionismo modernizar a imagem do
base nos elementos do texto, formulem uma hipótese para explicar
inaugurado em 1975, em (nas artes visuais) propuseram novas formas pelas quais a arte passou a Brasil. O prefeito se inspirou
esta questão: Por que a crítica literária de hoje considera que o ro- em Paris para fazer as
São Luís, Maranhão. Foto compreender e representar a realidade, abrindo caminho para as bases
mance de Maria Firmina dos Reis inaugura a literatura afro-brasileira reformas urbanísticas no Rio.
de 2015. do que seria chamado no século XX de Modernismo. Por todas essas
ao dar voz a personagens escravizadas?
razões, estudar o Simbolismo na literatura é importante.
Considerando essa reação do Simbolismo ao cientificismo de sua
CLUBE DE LEITURA época, você vai notar que o texto a seguir é construído com uma lingua-
gem bastante diferente do ensaio jornalístico lido neste capítulo. Tra- Reprodução/Coleção
As produções literárias hoje em dia circulam em formatos impressos e em formatos eletrô- particular
ta-se de um poema que procura caracterizar a voz de uma pessoa, de
nicos. Muitos jovens leitores têm sido responsáveis pela divulgação dessas criações e por
forma vaga, imprecisa, de acordo com a subjetividade do eu lírico.
fazer circular as obras literárias de nosso tempo. Talvez você seja um desses jovens.
As tecnologias atuais ampliaram as possibilidades de comunicação e de circulação de tex- Cristais
tos e de opiniões sobre eles. Para constatar isso, basta observar a quantidade de blogues,
canais de vídeos, comunidades de redes sociais e sites em que é possível conhecer não só Cruz e Sousa
novas obras, mas também manter contato com outros leitores e jovens escritores. Há tam- Mais claro e fino do que as finas pratas
bém intensa publicação de resenhas, sinopses, recomendações de leitura, análises críticas,
O som da tua voz deliciava...
impressões de leitores, fóruns de debates sobre livros...
Na dolência velada das sonatas João da Cruz e Sousa
Talvez você até já participe desses circuitos da leitura que emergiram com a internet. Se
Como um perfume a tudo perfumava. (1861-1898) nasceu
ainda não o fez, pode começar visitando alguns blogues, como o Impressões de Maria
(www.impressoesdemaria.com.br), organizado e mantido pela jovem escritora baiana Maria em Florianópolis.
5 Era um som feito luz, eram volatas
Ferreira, leitora contumaz de obras de diversos gêneros, principalmente as de escritoras e Exerceu o cargo de
Em lânguida espiral que iluminava,
escritores negros. Você também pode visitar um blogue que agrega um canal de vídeos, professor e jornalista
Brancas sonoridades de cascatas...
o Um Bookaholic (www.umbookaholic.com), mantido por outro jovem leitor, Alexsander no Rio de Janeiro, onde
Tanta harmonia melancolizava.
Costa, especializado em romances de suspense e aventura. Há ainda o Livreando (www. ingressou no grupo
dolência: mágoa, dor;
livreando.com.br), da pedagoga Tammy Nunes, entre outros. Filtros sutis de melodias, de ondas sofrimento, aflição. simbolista, tornando-se
Além de conhecer esses e outros espaços dedicados à literatura e à leitura, a proposta é que vo- 10 De cantos voluptuosos como rondas lascivo: sensual, logo respeitado como
cês se inspirem no exemplo desses jovens leitores e participem ativamente dos circuitos literários libidinoso, desregrado.
De silfos leves, sensuais, lascivos... mentor do grupo. Suas
atuais. Para isso, uma possibilidade é criar um clube de leitura da turma, compartilhando os livros silfo: na mitologia céltica,
é o “gênio do ar”. obras mais famosas são
que têm, emprestando uns aos outros, procurando outras obras em plataformas on-line, aces- Como que anseios invisíveis, mudos, sonata: peça musical. Missal (1893), Broquéis
sando bibliotecas públicas de sua região. Criem uma rede de compartilhamento de impressões Da brancura das sedas e veludos, velado: coberto com véu;
sobre as leituras que fizerem. Troquem comentários e avaliações dos livros lidos e produzam (1893), Faróis (1900),
Das virgindades, dos pudores vivos. oculto; disfarçado.
resenhas para ajudar outros possíveis leitores a se interessar pelas obras lidas por vocês. volata: série de sons e Evocações (1898). Na
CRUZ E SOUSA. Cristais. In: CRUZ E imagem, Cruz e Sousa
Se a proposta evoluir, considerem a possibilidade de criar um blogue próprio para isso. Se executados com rapidez.
SOUSA. Obra completa. Rio de Janeiro: voluptuoso: sensual; em
lerem as histórias dos blogues citados anteriormente, verão que todos eles começaram aos Nova Aguilar, 1995. p. 86. em gravura de Maurício
que há prazer ou volúpia.
poucos, pelo desejo de seus criadores de ler e conversar sobre livros e literatura. Jobim, cerca de 1898.

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NÃO ESCREVA
NESTE LIVRO.

Os traços mais importantes do estilo simbolista aí estão: representar, “Grito negro” RECEPÇÃO
FICA A DICA
evocar; magia, misticismo; inconsciente. Conforme você pôde notar em “José”, de C. Drummond de Andra-
Os simbolistas propunham uma poesia baseada na expressão de es- de, a literatura, ao buscar alcançar os sentimentos e as emoções do
MUSEU D’ORSAY.
tados emocionais subjetivos, misteriosos, ilógicos, ou seja, aquilo que só Disponível em: https: leitor, procura também mobilizar sua consciência, para que esse lei-
admite expressão simbólica. A razão e a lógica, instrumentos de análise // w w w. m u s e e - o r tor se engaje em causas de interesse de grupos sociais. Quando isso
da realidade, cedem sua vez à intuição, à subjetividade. Por isso, mais say.fr/fr/collections/ ocorre, entramos no terreno da literatura engajada, que, de algum
importante que nomear é sugerir. oeuvres-commen modo, procura expor aspectos problemáticos da realidade em que
Na composição dos poemas, nota-se uma grande preocupação em tees/accueil.html. vive o escritor, de forma a fazer o leitor simpatizar com as questões e
Acesso em: 17 set. assim contribuir para que se produzam certas mudanças na socieda-
obter efeitos de musicalidade no texto. Por isso, no Simbolismo predo- 2020.
mina a produção em versos. Mesmo a pouca prosa simbolista que se de da qual ambos fazem parte.
O Museu D’Orsay
Escrito pelo poeta moçambicano José João Craveirinha, “Grito Ne-
escreveu deve ser classificada como prosa poética. reúne um dos maio-
gro” é um poema que se enquadra nessa perspectiva. Isso não quer di-
Como se distanciaram das preocupações sociais, os simbolistas eram res acervos impres-
sionistas do mundo,
zer que a expressão dos sentimentos e das emoções fique em segundo
chamados de nefelibatas, ou seja, aqueles que vivem nas nuvens. plano: ao contrário, é por meio dela que o poeta constrói o engajamento
além de inúmeras
Musicalidade, misticismo, espiritualismo, assim como expressão da do leitor nas questões sociais que denuncia.
outras tendências
realidade de maneira vaga e imprecisa, ênfase no imaginário e na fan- artísticas da segun-
tasia, emprego abundante de sinestesias, são características marcantes da metade do sécu-
do texto simbolista. Por isso, ao ler um poema simbolista, devemos nos lo XIX. Neste site, é
deixar envolver pelas sugestões e impressões que ele evoca. possível visualizar
obras comentadas,
Grito negro
O Simbolismo em literatura é simultâneo ao impressionismo na pintu- Ao ler o poema, observe
organizadas em pin- Eu sou carvão! como o poeta retrata a
ra. Ao final desta página, observe uma tela impressionista. tura, escultura, artes tomada de consciência
Na Europa, o início do Simbolismo foi marcado com a publicação E tu arrancas-me brutalmente do chão
decorativas, fotogra- do negro como força
da obra As flores do mal, em 1857, do poeta francês Charles Baudelaire fia, entre outras. e fazes-me tua mina, patrão. de trabalho barata para
(1821-1867). No Brasil, o Simbolismo encontrou sua voz mais forte no Eu sou carvão! o colonizador branco,
por meio da insistência
poeta catarinense Cruz e Sousa, autor do poema “Cristais”, lido ante- E tu acendes-me, patrão,
no verso “Eu sou
riormente. para te servir eternamente como força motriz carvão!”. Sendo carvão,
A fusão de poesia e prosa, uma característica que marcou a literatura mas eternamente não, patrão. se queimado, produz
força de trabalho, mas
produzida no século XX, foi antecipada pelos simbolistas. Tanto na Eu- Eu sou carvão se transforma em cinza e
ropa quanto no Brasil, a e tenho que arder sim; desaparece. Porém, o fato

Reprodução/Museus Castro Maia - Museu da Chácara do


Céu - Rio de Janeiro, RJ.
poesia simbolista não foi queimar tudo com a força da minha combustão. de ser carvão (negro),
também traz, latente, a
muito bem aceita no início – Eu sou carvão; possibilidade de destruir
a publicação de As flores do tenho que arder na exploração o sistema que o explora,
mal gerou controvérsia na arder até às cinzas da maldição “o patrão” que aparece
França e o seu autor chegou nos cinco últimos versos.
arder vivo como alcatrão, meu irmão,
a ser julgado e multado por até não ser mais a tua mina, patrão.
causa do livro. Só mais tar- Eu sou carvão.
de a produção simbolista foi Tenho que arder
reavaliada pelos estudiosos. queimar tudo com o fogo da minha combustão.
Hoje é considerada funda- Sim!
mental para a formação da
Eu sou o teu carvão, patrão.
literatura do século XX.
CRAVEIRINHA, José João. Grito negro. Disponível em:
Além de Cruz e Sousa, https://africopoetica.wordpress.com/category/pessoas/jose-
destacou-se no Simbolismo craveirinha. Acesso em: 20 jul. 2020.
brasileiro o poeta Alphon-
sus de Guimaraens. Leia a
seguir um de seus poemas José João Craveirinha (1922-2003) é considerado
mais conhecidos. Depois, um dos principais nomes da poesia contemporânea
faça a sua interpretação do de Moçambique. Filho de pai português e mãe africana
poema e comente-a com de origem banto, atuou durante muitos anos como
os colegas. Carrinho de criança, de Eliseu D’Angelo Visconti, c. 1916 (óleo sobre tela, jornalista. Participou da Frente para a Libertação de
George Hallett/
66,0 cm × 81,0 cm). Nesta tela, que segue influências impressionistas, observe Africa Media Moçambique (Frelimo), movimento que colaborou com
Online/Glow
as pinceladas grossas, que procuram produzir uma “impressão” da cena, sem Images o processo de descolonização do país, que se tornou
contornos marcados; note ainda a preferência pelas cenas cotidianas, em
independente de Portugal em 1975.
ambientes abertos nos quais se pode notar bem a luz local.

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NÃO ESCREVA
NESTE LIVRO.

Poesia O poema a seguir é de autoria de José Craveirinha, poeta moçambicano considerado um dos
mais conhecidos em seu país. A seguir, leia um de seus poemas.
Da poesia produzida nos países africanos de língua portuguesa, sele-
cionamos Agostinho Neto (de Angola), José Craveirinha (de Moçambi- Sou analfabeto
que) e Alda do Espírito Santo (de São Tomé e Príncipe). A comida das livrarias
Agostinho Neto fez parte da geração de estudantes africanos que é indigerível para mim eu sei.
desempenhou papel fundamental no processo de independência de seu E sobre isso infelizmente só há duas opiniões
país na chamada Guerra Colonial Portuguesa ou Guerra do Ultramar. A 5 a tua opinião quando me bates.
seguir, leia um de seus poemas. A minha opinião quando apanho.
Ajude os estudantes a perceber
Voz do sangue que predominam nos versos iniciais Que característica de si o eu lírico evidencia no poema?
consoantes oclusivas, como /p/, /b/,
Sou analfabeto. De que modo ela influencia sua visão de mundo?
Agostinho Neto /t/, que podem imitar o próprio som Mas na minha gramática
do batuque, mencionado pelo eu
Palpitam-me lírico. A escolha do batuque reme- Ultrapasso todos os idiomas
te às tradições musicais africanas, 10 Quando a minha pele sente na porrada
os sons do batuque maracas pelos instrumentos musi-
e os ritmos melancólicos do blue cais de percussão são amplamente Qualquer tipo de abecedário.
empregados. Nos versos finais, a
Ó negro esfarrapado referência aos negros por meio da CRAVEIRINHA, José. In: SANTILLI, Maria Aparecida.
5 forma explícita da 2ª pessoa (“eu Paralelas e tangentes: entre literaturas de língua
do Harlem vos sinto”) e o emprego do vocativo
portuguesa. São Paulo: Edusp. 2003. p. 56.
ó dançarino de Chicago “meus irmãos” são recursos poéti- Ajude os estudantes a perceber
cos empregados que aproximam o que o eu lírico se coloca como
ó negro servidor do South leitor do eu lírico. alguém que está apartado da cul-
Ó negro da África José Craveirinha (1922-2003) é um dos poetas tura letrada do colonizador, mas
isso é compreendido como motivo
negros de todo o mundo mais renomados de Moçambique. Em 1991, para resistência, para a luta, contra
10 eu junto ao vosso canto foi o primeiro escritor africano homenageado a submissão que o escraviza. Sua
visão de mundo é a da pessoa que
a minha pobre voz com o Prêmio Camões por sua obra. se posiciona como injustiçada e
se solidariza com todos os demais
os meus humildes ritmos. Observe de que modo a musicalidade que abre o nessa condição (“ultrapasso todos
poema convoca os negros para a união. os idiomas”).
Eu vos acompanho Nos versos finais, que elementos dão ideia da fusão Reprodução/<http://www.
pelas emaranhadas áfricas entre o eu lírico e os demais negros?
infopedia.pt/>

15 do nosso Rumo. O poema a seguir nos vem de uma voz feminina: Alda do Espírito Santo, de São Tomé e Prín-
Eu vos sinto cipe. Leia-o atentamente. Ajude os estudantes a perceber que a paisagem observada pelo eu lírico vai se expandindo, até abarcar
toda a humanidade, convocando-a a participar da reunião de pessoas em torno da reconstrução do mundo
negros de todo o mundo (é importante lembrar o contexto da descolonização, neste caso, já que o poema menciona a ideia do des-
eu vivo a vossa história
Em torno da minha baía mantelamento e das ruínas, prováveis consequências do processo de perda de identidade cultural a que as
nações colonizadas foram submetidas e que o processo de descolonização evidencia).
Alda Espírito Santo
meus irmãos.
NETO, Agostinho. Voz do sangue. In: NETO, Agostinho. Aqui, na areia, 15 à roda de mim,
A renœncia imposs’vel. Disponível em: www.agostinhoneto.org/index.php?option=com_ Sentada à beira do cais da minha baía num voo magistral em torno do mundo
content&view=article&id=550:explicacao&catid=65:renuncia-impossivel&Itemid=233. desenhando na areia
Acesso em: 22 jul. 2020.
do cais simbólico, dos fardos,
das malas e da chuva a senda de todos os destinos
5 caindo em torrente pintando na grande tela da vida
20 uma história bela
sobre o cais desmantelado,
caindo em ruínas para os homens de todas as terras
António Agostinho Neto (1922-1979) foi médico,
ciciando em coro, canções melodiosas
escritor e político angolano. Participou ativamente do eu queria ver à volta de mim,
numa toada universal
Movimento Popular de Libertação de Angola e, entre nesta hora morna do entardecer
1975 e 1979, foi presidente de seu país.
num cortejo gigante de humana poesia
10 no mormaço tropical 25 na mais bela de todas as lições
desta terra de África HUMANIDADE.
Paris Match/Getty Images
à beira do cais a desfazer-se em ruínas,
ESPÍRITO SANTO, Alda. Em torno da minha baía.
abrigados por um toldo movediço Disponível em: www.escritas.org/pt/t/13327/
uma legião de cabecinhas pequenas, em-torno-da-minha-baia. Acesso em: 20 jul. 2020.
FICA A DICA

Escritas.org. Disponível em: https://www.escritas.org/pt/agostinho-neto. Aces-


Alda Espírito Santo (1926-
so em: 9 set. 2020.
Observe que o eu lírico trata de questões de -2010), poeta que colaborou
O site escritas.org dedica-se a divulgar produções poéticas de escritores con- seu cotidiano. De que modo elas acabam sendo
sagrados e de novos autores. Na página dedicada a Agostinho Neto, você poderá
em várias revistas literárias
transformadas em questões universais no poema?
conhecer alguns poemas desse escritor. Outros poetas africanos de língua portu- e foi ministra da Educação e
guesa também têm obras publicadas nesse espaço virtual. Cultura de São Tomé
e Príncipe.
Reprodução/Assembleia Nacional
de São Tomé e Príncipe.

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