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O livro Failure, de Neta Alexander e Arjun Appadurai, apresenta o ‘Regime do

Fracasso’ como ferramenta de manutenção de poder. O que legitima essa condição?


Cultura; Quem a medeia? tecnologia. O livro faz um recorte contemporâneo do
capitalismo e a transformação social empenhada por ele e sustentada por duas
‘instituições’: o Vale do Silício e Wall Street. “O fracasso é, portanto, uma característica
inerente ao capitalismo; é a regra e não a exceção. [...] o fracasso é o motor da inovação
e da expansão, as duas forças das quais o capitalismo depende” (p.35-36).
A análise feita do impacto tecnológico na sociedade me manteve, durante a leitura,
numa reflexão sobre o campo dos Estudos em Ciência e Tecnologia. Em um artigo de
Langdon Winner, Artefatos tem política? (2017), cita-se: “Portanto, o austero aviso
usualmente dado àqueles que flertam com a noção de que artefatos técnicos têm
qualidades políticas é: o que importa não é a tecnologia em si mesma, mas o sistema
social ou econômico no qual ela se insere”, (p.193). Esta máxima, é um aviso aos que
pensam que as tecnologias e suas materialidades estão alheias a desdobramentos e usos
de poder.
Assim, retomo a obra de Alexandre e Appadurai e o aviso posto ao destacar que a
Máquina de Promessas (regime do fracasso) remodela a maneira como nos relacionamos
com as tecnologias, com a sociedade e os horizontes. Para então, na conclusão da obra,
indicar uma saída, afirmar que: “The answer is thus not to forgive and forget, or to reclaim
failure as revolutionary; the answer is failure, remembered” (p. 125). Esta última assertiva
corrobora a aproximação dos autores com o potencial subversivo que a falha/fracasso
possui - discussão queer posta no livro lido Jack Halberstam – que ao longo de Failure é
debatido ao problematizar o resultado problemático do fracasso numa positividade tóxica
ou um otimismo exacerbado.
Mas, antes de chegar a essa ‘saída’ é desenvolvido um longo e didático processo
de entender como a noção de Fracasso está sendo naturalizada pelos indivíduos. O
didatismo do desenvolvimento do livro me fez pensar que as categorias apresentadas
podem (ou se não já foram postas assim) estar como força de método. Talvez não na
condição de uma metodologia científica, mas, como um conjunto de noções que permita
uma análise de fenômenos do cotidiano para as Ciências Humanas e Sociais.

QUEBRAS DE PROMESSAS
A máquina de promessas (o artefato tecnológico) tem na relação com o indivíduo,
além da naturalização da falha, a capacidade de monetizar ‘fracasse sempre, fracasse
melhor’, os autores destacam o cuidado de que alguns estudos precisam ter para não
transpor essa falha ao usuário, pois, a máquina está no regime de falha para que possamos
monetizá-la. Exemplo disto é a noção de consumir plataformas diferenciadas e premium
que afeta principalmente a produção e consumo de informação.
É apresentado no livro estudos de Karl Popper, Heidegger para demonstrar que o
fracasso é um fenômeno que é e precisa ser analisado, mas, Alexander e Appadurai se
propõe a deslocar a percepção da tecnologia como objeto para processo. Essa mudança é
fundante para o desenvolver do livro. Penso em como sistematizar ou identificar limites
da pesquisa de fenômenos sociais se não for estabelecida a noção de processo. E, se assim
não for, corre-se o risco de dar a máquina de promessas status de instituição como é
comumente vendida a prática dos algoritmos na sociedade.
A Teoria Tecnológica do fracasso sustenta-se em marcas temporais na busca
incessante por atualização (condicionado a um mercado/monetização do fracasso que
estimula uma ‘necessidade’ de inovação). O Buffering é a categoria que marca a
temporalidade na teoria tecnológica do fracasso, pois, retroalimenta uma cadeia de
eventos e de suspensão dos sujeitos no presente. A espera do carregamento do sistema é
o gatilho da ansiedade e aceleração do consumo. O tempo de espera se torna imprevisível
e o que era pretensamente transparente se torna opaco.
Uma relação interessante firmada entre o aparato tecnológico e os sujeitos está na
promessa adiada e a de conveniência. É uma combinação ideal para sustentar o controle
dos corpos, na condição de mercado e de reconfigurações de identidade. Nossas
necessidades passam a ser cercadas pelas conveniências de apps, o indivíduo isolado tem
seu sono regulado por plataformas de streaming. “É o fracasso em criar estruturas sociais
estáveis e duradouras que desejamos vincular à proliferação de aplicativos móveis e sua
promessa de conveniência. Que tipos de fracassos são perpetuados pela busca de
conveniência e imediatismo? E qual é a linguagem usada para descartá-los?” (p.48). Aqui
acredito ser potencial para aplicação de estudos de caso e análises; dimensionar a
condição de afetação e projetar soluções no universo da pesquisa científica.
A ideologia de fracassar, mas, principalmente esquecer do fracasso para fracassar
novamente é direcionado. Nem todos são perdoados ao falhar, alguns detém esse
privilégio. O fracasso enredado por uma identidade quantificada por avaliações de
‘prestadores de serviços’ via apps, nos põe sempre numa condição de ao mesmo tempo
avaliadores e avaliados.
Wall Street e o Vale do Silício compartilham da espera que os cidadãos comuns
esqueçam os fracassos individuais rapidamente ou assumam passivamente a culpa e
paguem para continuar esperando por eles. Usando o crash do mercado imobiliário de
2008 como seu estudo de caso final, Appadurai e Alexander afirmam que, quando se trata
de Wall Street, o fracasso é comoditizado por meio da produção de dívida, e a
normalização do fracasso é a prática pela qual a produção de dívida é viabilizada (p.108
- 110). O cidadão agora é medido por sua capacidade de possuir dívidas; quanto mais
pode, mais potencial de consumir, mais ‘status’ o acompanha.

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