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A urgência do pensar: a inserção contextual da filosofia na sociedade

contemporânea.
BITTAR, Eduardo C. B; ALMEIDA, Guilherme Assis de. CURSO de
FILOSOFIA do DIREITO. 11ª edição. São Paulo: Atlas, 2015 pp 9-13
O contexto atual no qual se insere esta reflexão merece esclarecimentos. Qual
a principal marca da sociedade contemporânea, senão a de uma sociedade que
nos convida à anestesia reflexiva sobre ela mesma, à apatia política sobre os
desafios futuros comuns, à inércia experctadora e à aceitação do status quo, e,
enfim, ao consumo compensador?
De fato, vive-se em uma sociedade de controle, com forte predominância da
razão instrumental, na acepção da Escola de Frankfurt (Adorno/Horkheimer), ou
seja, da razão orientada a fins imediatistas (razão técnica, para a produtividade,
para a economia, para a eficiência, para o mercado), o que, certamente, reduz o
índice de aceitação e abertura para a reflexão.
Será que quanto mais razão, quanto mais técnica, quanto mais informação,
quanto mais desenvolvimento material pode-se avançar no sentido de se afirmar
haver mais consciência, mais democracia, mais engajamento, mais moralidade,
mais desenvolvimento social, mais justiça social? A sociedade pós-moderna é a
prova de que esta equação funciona em proporção inversa.
Trata-se de uma sociedade anestesiada pela forte presença do poder
econômico, pela imperativa e sedutora determinação dos comportamentos a
partir de modas e influências midiáticas, e, exatamente por isso, incapaz de
reflexão. Por isso, a filosofia está fora de moda, foi expulsa, é considerada
correntemente, mesmo entre intelectuais, assunto que causa estranheza. Aliás,
intelectuais se tornaram, na era da razão técnica, também fruto do positivismo,
meros especialistas em assuntos afunilados, agindo e pensando sob cones de
normas tecnicamente relevantes. É usual ouvir-se a frase: “Filosofia, mas para
que isto?”
Será que se vive hoje em uma época de esclarecimento, evocando a ideia de
Aufklarung, como forma de emancipação dos indivíduos? Será que se vive hoje
em condições tais que seja possível afirmar que o desenvolvimento alcançado
proporcionou ampliação da consciência humana? Em Educação e emancipação,
Adorno, pressentindo esta temática, e definindo-a como um problema para a
educação, afirma: “Se atualmente ainda podemos afirmar que vivemos numa
época de esclarecimento, isto tornou-se muito questionável em face da pressão
inimaginável exercida sobre as pessoas, seja simplesmente pela própria
organização do mundo, seja num sentido mais amplo, pelo controle planificado
até mesmo de toda realidade interior pela indústria cultural.
Se o iluminismo introduziu alguma contribuição definitivamente importante para
a história contemporânea, esta contribuição foi a ideia de que não há indivíduos
autônomos se não houver espaço para o desenvolvimento da razão
emancipatória, se não houver espaço para a razão e para a crítica. Razão e
crítica significam liberdade. Ora, se estas ideias encontram sua consagração em
Kant não de menos importância ressaltar que fora da razão, ou se está à pura
mercê do determinismo natural, ou se está à pura mercê da promessa teológica.
A autonomia significa emancipação pela produção de cultura, de saber e de
domínio das explicações sobre os fenômenos, das forças naturais (heteronomia
causal) ou das forças supranaturais (heteronomia teológica). Um indivíduo
autônomo é aquele que guarda o distanciamento necessário para se tornar autor
de si mesmo, e, por isso legislador pela sua racionalidade de sua própria
condição.
Não há autonomia sem capacidade de reflexão. Nossos tempos, pós-modernos,
são tempos de profunda apatia intelectual, de anestesia da consciência coletiva,
de desmobilização ideológico-política, de falência das estruturas institucionais,
de derrocada de paradigmas do direito e de justiça. Em tudo, predomina a força
do mercado. Tudo é pensado a partir do mercado. Daí a expandida sensação de
insatisfação pela realidade, daí o mais do que presente espírito de desalento de
nossos tempos. Apesar da necessidade mais do que urgente de se pensar, sob
estas condições, é-se, ao mesmo tempo, impedido de pensar.
E, de fato, não se vive uma época de esclarecimento geral porque a sociedade
pós-moderna treina as consciências e as coopta: pela rapidez da sucessão de
imagens televisivas; pela sobrecarga de informação inconsistentes de todos os
meios de comunicação; pela sedução do gosto ao infindável atrativo dos objetos
de desejo no consumo; pela fluidez das relações humanas superficiais nos
diversos ambientes de alta rotatividade humana; pela mecanização da vida, na
esteira da operosidade inconsciente das atividades quotidianas; pela
sensualidade da estética das vitrines e dos balcões de ofertas de novidades de
consumo; pelo imediatismo e pelo eficientismo cobrados pelo mercado de
trabalho e pela pressa acumulativa e de resultados, inerentes à maximização do
capital; pela aceleração do ritmo de vida, marcado pela contingência e pela
fugacidade; pela imperativa escravização da mão de obra assalariada à
condição do trabalho, como forma de conservação do emprego ante o
agigantamento da massa de manobra constituída pelo exército de reserva do
desemprego; pela fungibilidade do humano ante a evolução técnica e
tecnológica; pela massificação e a tendência ao anonimato na indiferença do
coletivo distante e amorfo; pela cooptação dos projetos educacionais para a vala-
comum do treinamento/adestramento tecnológico-profissional determinados
pela lógica imediatista de recrutamento pelo mercado de trabalho; pela
depreciação da formação humana diante dos imperativos pragmáticos e as
exigências exclusivamente técnicas ou tecnocráticas das profissões.
O interdito ao pensamento vigora em todos os meios, mesmo nos meandros da
educação de mercado, pois se o pensamento significa autonomia, ele incomoda,
ele provoca, ele modifica, ele desestabiliza, ele causa distúrbios e produz a perda
de hegemonias. Onde está o pensar está também o princípio da renovação e da
mudança. Nem sempre a mudança é bem-vinda, especialmente para aqueles
que se arvoram na condição de conservadores das estruturas reinantes. Neste
sentido, conta-se com a omissão das novas gerações, adestradas que foram
pelo consumismo e pela consciência do imediatismo.
Apesar da impressão de aumento de liberdade, o homem pós-moderno vive o
paradoxo do adensamento da opressão e da fragilidade pessoa. Vivendo em
uma sociedade de controle, ou sociedade big brother, em que o aumento,
sempre crescente, das formas e técnicas de controle acaba por produzir sempre
mais poder de determinação do comportamento, tem-se por consequência que
a subjetividade na pós-modernidade, além de atrofiada se mostra: fragmentada
pela dispersão fluida do tempo televisivo; inflacionada de regras (éticas,
técnicas, laborais, jurídicas, etiqueta, sucesso, mercado, marketing, estética,
medicina...); atravessada pelo arcabouço normativo das exigências estéticas
contemporâneas, que determinam a mensuração da importância das coisas pela
forma e pela aparência; globalizada, tornando-se mais tolerante à diversidade,
mas também igualmente vitimizada pela mundialização da troca e pela
padronização do gosto; presa de seu próprio hedonismo, a partir da pressão
advinda dos fluxos de consumo, seguindo o tempo financeiro do marketing,
sequiosa que é de autoafirmação pela exposição do status contido nas
mercadorias que ostenta; livre (desoneração da sobrecarga normativa externa)
pela prática do excesso (esporte radical, gostos extraordinários de consumo...),
como mecanismo para desprender-se das amarras de uma sociedade
hipernormativa, que avança crescentemente em direção ao controle do
subconsciente; não enxerga a face do outro, na medida em que o outro tornou-
se redundante pela abundância das massas que acorrem a um modo de vida
urbano (onde predomina a cultura de massa, o consumo de massa, o trânsito, o
Pânico coletivo, o anonimato...) algo que, como experiência humana, abre
espaço para a banalização e para a indiferença do outro; amorfa, pela
inconsistência dos valores que cruzam o mercado axiológico, no mesmo ritmo
em que são substituídos nas prateleiras dos supermercados e lojas de
magazines; determinada por forte pressões de mercadurização da compreensão
do outro, na medida em que o mercado o encontro com o outro; despregou-se
da tarefa do pensar e da autonomia, por isso ser crítico hoje significa no máximo
somente ser possuidor de uma consciência fragmentária e jornalística extraída
da dispersão de fatos e episódios; ansiosa, pelo ritmo maquinístico que lhe é
imposto pelo trânsito das coisas; carregando a marca do medo e da insegurança,
por isso suas proteções e máscaras são muitas, atrás das quais sequer o próprio
indivíduo consegue se enxergar. Em poucas palavras, a subjetividade
(amesquinhada e não autônoma) vem marcada pela fungibilidade, na media
própria fluidez da troca de mercado.
Em nosso contexto a recuperação da subjetividade depende sobretudo de um
fortalecimento da autonomia do indivíduo, plenamente tragado para dentro das
exigências da sociedade de controle, da sociedade pós-moderna. No lugar de
promover a adaptação, a reação somente pode vir das mentes capazes de
veicularem a resistência. Por isso, se deve repetir o que se Lê em “Educação –
para quê?”: “Eu diria que hoje o indivíduo só sobrevive enquanto núcleo
impulsionador da resistência” (Adorno, Educação e emancipação, 3. Ed., 2003,
p. 154). Aqui está o gérmen da mudança, somente possível se fundada numa
perspectiva semelhante à incentivada por Michel Foucault, em seus últimos
escritos sobre ética, de criação de uma ética da resistência como forma de
enfrentamento da microfísica do poder.
Ora, a subjetividade está profundamente ameaçada em sua capacidade de
emergir deste cenário através da autonomia. Muito longe da autonomia e do
esclarecimento, como abandono da menoridade, na leitura de Kant, a
subjetividade se vê acossada por um forte influxo de heteronomias estrangeiras
a si e que determinam como a subjetividade deve ser desde fora. Está-se em
uma era da heteronomia e não da autonomia. Acredita-se por aqui haver
identificado alguma perspectiva para acreditar que se a filosofia possui alguma
“utilidade” contextual, sabendo-se ser a mais completa forma de expressão da
razão humana, é aquela de resgatar o humano de dentro do nevoeiro em que se
encontra. Com Horkheimer:
“...El progresso hacia la utopia se vê frenado hoy em primera linea por la relación
de todo punto descompensada y desproporcionada que existe entre el peso de
la avassaladora maquinaria del poder social y las masas atomizadas.
Si la filosofia logra ayudar a los hombres a reconocer estos factores, habrá
prestado um gran servicio a la humanidade. El método de negación, la denuncia
de cuanto mutila a la umanidad e impede su libre desarrollo, descansa sobre la
confianza em el ser humano...” (Horkheimer, Crítica de la razõn instrumental,
2006, p. 187).
Referências Bibliográficas

Bibliografias Básicas

SOUZA, André P. de. Psicologia jurídica. Curitiba: Intersaberes, 2020. (Biblioteca Virtual
Universitária –

Pearson) ISBN: 9786555177343

Bibliografias Complementares

PINHEIRO, Carla. Psicologia jurídica. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. (Direito
vivo).(Biblioteca Física

ISCON – 2 exemplares).

2. FIORELLI, José Osmir; MANGINI, Rosana CathzARagazzoni. Psicologia jurídica. 9.


ed. Rio de Janeiro:

Atlas, 2018. (Biblioteca Física ISCON – 2 exemplares).

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