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Crítica à 3º Sessão realizada dia 28 de novembro de 2020 no Colégio Espírito Santo, Évora –
Portugal.
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Doutorando em Ciências da Educação da Universidade de Évora.
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É aquela imodificável, irreformável, insuscetível de mudança formal. BULOS, Dez anos de Constituição: em
torno das cláusulas de inamovibilidade, Revista de Direito Administrativo, Renovar, n.º319, jul-set, 1999, p.119.
compreendida como o homem que tem capacidade de fazer o uso da razão (julgar ou avaliar;
estabelecer relações lógicas) para chegar ao conhecimento de alguma coisa. Imaginemos,
metaforicamente, que a racionalidade é como os óculos de visão noturna, propositalmente
utilizado para enxergar onde não há luz. O indivíduo usa-o para compreender o ambiente,
identificar formas, contrastes e padrões, enxergar perigos, armadilhas e obstáculos, bem como
encontrar o caminho ou o alvo que pretende seguir ou perseguir. Fica claro, à vista disso, que
se a racionalidade for usada como os óculos da metáfora, tornar-se-á poderosa “arma” lógica a
favor do indivíduo para usá-la no quotidiano contra ilusões, cegueiras, mentiras,
desinformações e fake News (fazendo uso do termo em voga), que tantos males causam às
pessoas, principalmente ignorantes e vulneráveis. Desta maneira, compete à educação
(formal, informal e não formal) empreender o importante papel de avivar a racionalidade das
pessoas.
O advento da internet rapidamente transformou as relações socioeconômicas, políticas,
culturais, coletivas e individuais da humanidade do século XXI, empurrando-as cada vez mais
para o “mundo virtual”, sobretudo, entre os jovens e crianças que já nasceram nesse contexto.
Praticamente não há mais limites a esse mundo (virtual) para reproduzir, substituir ou
combinar mundo efetivo e virtual na tela de portáteis e telemóveis, criando um “universo
virtual” que está sendo extraordinariamente acelerado durante a pandemia do vírus chinês
(mais um dos planos globalista da nova ordem mundial, agora denominado the great reset,
que infelizmente muitos não fazem ideia da dimensão e o perigo que isso representa para a
soberania das nações, por exemplo). São incontestados os benefícios que a humanidade
desfrutou ao fundar a era digital, também conhecida como era tecnológica ou era da
informação, no entanto, com o passar do tempo esse “universo virtual” trouxe consigo efeitos
colaterais que já podem ser sentidos nas dimensões individuais e coletivas, com maior ou
menor frequência – isolamento, síndromes, transtornos, depressão, rupturas no seio familiar e
distanciamento social são sintomas sentidos - lançando sobre o modelo de sociedade
conhecida um desafio labiríntico, complexo, de difícil compreensão e digno de seu tempo.
Além disso, há pouco mais de uma década “explodiu” o fenômeno das redes sociais
pelo mundo, motivada, dentre outras coisas, pela capacidade de romper barreiras geográficas
e aproximar (virtualmente) pessoas como se estivessem no mesmo ambiente físico. Essa
“lógica” também fez surgir, mais recentemente, o influenciador digital, comumente chamado
digital influencer ou simplesmente influencers. Conceitualmente é conhecido como alguém
com “autoridade” no assunto de um segmento e consegue influenciar outras pessoas para
comprar, assumir postura ou refletir sobre assuntos específicos. Alguns mais habilidosos e
atentos para o poder que isso proporciona conseguem atrair milhares ou milhões de
seguidores para suas redes sociais, ampliando o alcance de suas vozes através destes mesmos
seguidores que as ecoam por compartilhamento e usam-na para influenciar correntes de
pensamento político, econômico, cultural, moral, entre outras coisas. A partir disso, e olhando
o panorama que foi exposto, fica fácil entender o motivo pelo qual se confia na palavra de um
influencer como “verdade” incontestada. Poucos afortunados conseguem escapar dos
“tentáculos” dessa rede, e os que não percebem – indivíduos em processo de formação,
desatentos e os que a ignoram – não conseguem. Pior ainda, não conhecem e não sabem como
usar a racionalidade para confrontar o contexto apresentado e libertarem-se destas amarras,
tornando-se presas fáceis da “verdade” e as incorporando em suas atitudes e hábitos diários, o
que gera, muitas vezes, graves consequências pessoais e globais. À vista disso, é trabalho para
envolvimento geral de todas as instituições da sociedade civil organizada, dentre elas, a
escola, que ao cumprir sua missão de ensinar as atuais e futuras gerações da comunidade deve
jogar luz à questão.
A escola não deve ser vista como o último nem o único baluarte da racionalidade, muito
menos como um espaço privilegiado de transformação coletiva e de promoção individual da
evolução social, fardo que no curso da história cobrou alto preço ao atribuir à instituição
escolar, por meio da alfabetização do povo, resposta para todos os males sociais e económicos
da coletividade, como bem descreveu o professor Nóvoa (1989)3; mas deve ser vista sim,
como um espaço aberto e acessível que permita encontrar, compreender e estimular a
utilização da racionalidade por todos que entrarem em contato com esse tipo de
conhecimento, agora, porém, e sem esquecer-se do mundo real, com foco direcionado para o
mundo virtual.
A escola deve considerar o ensino do uso das tecnologias não apenas pela ótica
tecnicista, do saber utilizar as ferramentas e técnicas de acesso e operacionalização do mundo
virtual, o que ainda é muito direcionado para computadores como ferramenta de trabalho.
Deve ir além e usar, por exemplo, os conhecimentos da filosofia para aplicar à análise crítica,
lógica, ética e moral no uso das tecnologias, como as do telemóvel. Aparelho com incontáveis
formas de utilização que já é considerado por muitos como “extensão do próprio corpo”. Esse
dispositivo, que faz parte da vida de 99,9% dos alunos em idade escolar obrigatória, passa
despercebido, ignorado ou, em alguns casos, proibido no ambiente escolar, o que é um
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Nóvoa, A. (1989). Profissão: Professor. Reflexões históricas e sociológicas. Análise Psicológica, 7, 435-456.
absurdo, para não dizer outra coisa. O telemóvel com suas funcionalidades é uma realidade
irrefutável no dia-a-dia de qualquer pessoa, e cabe sim às escolas, através de políticas
educativas, prever que os educadores ensinem sobre o uso responsável, moderado e
proveitoso desta ferramenta e suas aplicações, que influencia tanto comportamentos como
determina ações e decisões. Evidente que isso levanta questões diversas para discussão:
operacionalização, implementação (execução), liberdades, privacidades, entre outras coisas
mais, e também é compreensível o risco que isso envolve se for usado como ferramenta
ideológica de revolução cultural ou controle de massas por um sistema de governo totalitário -
sendo o Estado detentor monopolista dos rumos da educação no país, por exemplo. Mas é
justamente para evitar isso e contra isso, que chamo atenção para o exercício do uso da
racionalidade aplicada ao mundo virtual. Afinal, “para que o mal triunfe, basta que os bons
não façam nada” (Edmund Burk).