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ISSN 1983-9685

www.revistahistoriar.com
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Considerações sobre a pós-modernidade no atual mundo da educação

Marcello Paniz Giacomoni*

Resumo:

Este artigo pretende analisar como alguns traços da pós-modernidade encontram-se


presentes no atual universo da educação. Analisarei os conceitos de modernismo e pós-
modernismo, percebendo, dentro da crise do paradigma científico moderno, como a idéia
central de ciência é atacada por vertentes do pensamento pós-moderno. Pretendendo captar
essas influências, trabalharei algumas mudanças de enfoque na história, nas identidades e
na condição do saber. Sobre a educação, abordarei algumas potencialidades de leitura desta
linha de pensamento, principalmente no tema da interdisciplinaridade e do sujeito.
Palavras-chave: pós-modernidade – ciência – educação

Abstract:
This article intends to analyze how some points of postmodernity meet gifts in the current
universe of the education. I will analyze the concepts of modernism and postmodernism,
perceiving, inside of the crisis of the modern scientific paradigm, how the central idea of
science is attacked by sources of the thought postmodern. Intending to catch these
influences, I will work some changes of approach in history, in the identities and in the
condition of knowing. About of the education, I will approach some potentialities of
reading of this line of thought, mainly the thematic of the Interdisciplinarty and the citizen.
Key-words: postmodernity – science – education

O discurso do “pós” está muito em voga nas atuais discussões acadêmicas, presente
desde meados dos anos 80 em âmbito de Brasil e Rio Grande do Sul. Vê-se neste campo de
saber tanto uma perspectiva negativa, com o fim das certezas e verdades, quanto positiva,
com uma renovação dos discursos do conhecimento. Creio que, para compreender alguns

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Graduando em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
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elementos da pós-modernidade, sejam necessários alguns apontamentos prévios sobre a


própria idéia de modernidade.

Se analisarmos o termo “modernismo”, encontraremos no mesmo duas acepções: os


movimentos artísticos do século XIX e a história filosófica, que referencia moderno ou
modernidade como o período posterior à época medieval. O sentido que tange as acepções
é o de ruptura com o velho, com uma ênfase no presente como novo. Com a idéia de
melhoria, segue correlato o sentido de progresso (PETERS, 2000, p. 12). Na filosofia,
assumindo principalmente essa idéia de progresso, embasa-se em uma crença no avanço do
conhecimento, pautado pela experiência e pelo método crítico-científico. Em suma, o
conceito de pós-modernismo pode designar dois processos: as transformações nas artes,
ocorridas após o modernismo e desta forma indicando uma mudança de período; ou,
representa uma mudança no sistema de valores e práticas subjacentes à modernidade.

Nesses rápidos apontamentos, percebemos que podem existir alguns sentidos para o
mesmo termo, o que é muito comum aos mais variados conceitos. Tendo isso em mente,
devemos levar em conta que os significados dos conceitos de modernismo e pós-
modernismo variaram historicamente como resultado de intensas atividades teóricas, que
criam por sua vez diferentes significados e interpretações (PETERS, 2000, p. 16). Por
razões óbvias, pretendo abordar apenas definições ligadas às ciências humanas em geral,
pensando o campo da história, pautando em especial as definições trabalhadas por Jean-
François Lyotard.

Em termos de análise global, o pós-modernismo é mais que uma categoria


especificamente cultural, designando toda uma condição histórica que corresponde a fase
tardia do capitalismo, ou o capitalismo multinacional (SIQUEIRA, 2005). Entretanto,
pautando o pensamento segundo Lyotard (1998, p. viii-ix), o pós-moderno pode ser
pensando como uma condição cultural e intelectual onde a principal característica é a
incredulidade em relação aos metadiscursos, com suas pretensões atemporais e
universalizantes. Ou seja, para este pensador, é a crise dos conceitos e formulações
estruturantes do mundo ocidental, tais como sujeito, razão, totalidade, verdade, progresso
ou ciência.

Um dos principais “ataques” dos escritores pós-modernos é destinado ao discurso


científico. Ao realizar uma genealogia da ciência, tratada como objeto histórico, percebem-

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se muitas estratégias discursivas na constituição da sua legitimidade. A ciência nasce de


conflitos com relatos denominados por ela como fabulosos, mas, entretanto, vai legitimar-
se sobre outros: dialética do espírito, hermenêutica do sentido, emancipação do sujeito pela
razão, desenvolvimento da riqueza com progresso da humanidade, etc. Não faltaram
também os mitos, que denotam à ciência o herói da liberdade, emancipadora dos povos ou
a luz dos indivíduos frente a um mundo de trevas.

Um desses discursos legitimadores encontra-se no relatório de Humboldt, ministro


responsável pela educação na Prússia em início do século XIX, que versava as diretrizes da
fundação da Universidade de Berlim, entre 1807 e 1810. Nele era lançada uma premissa
corrente durante o século: “(. . .) ‘Buscar a ciência em si mesma’ (. . .) a ciência obedece às
suas regras próprias, que a instituição científica ‘vive e renova-se sem cessar por si mesma,
sem nenhum cerceamento nem finalidade determinada’” (apud LYOTARD, 1998, p. 59).

São esses princípios que marcarão o tom da legitimação científica ao longo do


século XIX, e em muitos casos corrente até nossos dias: um conhecimento auto referente,
especulativo, que se desenvolve por si mesmo, e desta forma, um conhecimento
desinteressado, já que é sempre pautado pelos seus próprios mecanismos.

Entretanto, o mesmo Humboldt prossegue dizendo que “(. . .) a universidade deve


remeter seu material, a ciência, à “formação espiritual e moral da nação” (. . .)” (apud
LYOTARD, 1998, p.59). Ou seja, não basta a idéia de neutralidade e desinteresse, é
preciso também fazer-se útil. A ciência invariavelmente dotou-se de funções e utilidades
centrais para legitimar-se. Desta ciência passa a esperar-se não apenas a aquisição de
conhecimentos, mas sim a formação de um sujeito plenamente legitimado no saber e na
sociedade. Invoca-se assim um espírito para a ciência e para o indivíduo legítimo, nascido
da síntese entre a pesquisa das verdadeiras causas e a busca de justiça na vida moral e
política.

Não se pode pensá-la, nesses termos, como um simples discurso, mas sim como um
metadiscurso, de quem dependeria o verdadeiro saber para, por exemplo, a justificação de
dar aos indivíduos os meios de sua emancipação em relação à alienação e à repressão.
Discurso claro e caríssimo ao marxismo, como um destes expoentes.

Apesar de todo este trabalho de legitimação, a ciência foi o que foi e é o que é pois
houve um consenso, uma comunidade inteira que compartilhou de paradigmas comuns, se

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não idênticos, ao menos muito aproximados (MARQUES, 1993, p. 59). Comunidade esta
que conseguiu constituir relações de poder e saber tão sólidas que possibilitaram uma
ampla aceitação e imposição do discurso científico. Acredito que não seria demais pensar,
na acepção foucaultiana, em um “dispositivo científico”, pensando dispositivo como uma
gama heterogênea de elementos que são “discursos, instituições, organizações
arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados,
proposições filosóficas, morais, filantrópicas” (FOUCAULT, 2005: 244). Uma gama de
elementos que dizem e omitem, estabelecem o que pode ser dito e não dito, o que pode ser
pensado e o que não pode ser pensado, encerrando um limite de pensamento. Ou seja, a
ciência foi (e ainda é, em muitos momentos) aceita e “imposta” à maioria, e este fato foi
decisivo na constituição da sua força de legitimidade.

Entretanto, a condição pós-moderna, em parte efeito do desenvolvimento das


técnicas e tecnologias a partir da Segunda Guerra Mundial deslocou a ênfase dos meios de
produção para os fins da mesma (LYOTARD, 1998, p. 69). Não apenas agindo nos
aspectos produtivos, as novas condições afetam os âmbitos do social, do político, do
econômico, do cultural, além do próprio tecnológico (SIQUEIRA, 2005).

Essa condição, imersa e expoente da crise do paradigma científico moderno, credita


uma parcela da sua concepção às próprias contradições de legitimidade da ciência:

(. . .) um enunciado científico é um saber somente se for capaz de situar-se num


processo universal de engendramento (. . .) seria este enunciado um saber no
sentido que ele determina? Ele não o será, a não ser que possa situar-se num
processo universal de engendramento. Ora, ele pode. Basta-lhe pressupor que
este processo existe (a Vida do espírito) e que ele mesmo é uma de suas
expressões. (LYOTARD, 1998, p. 70)

A idéia de um engendramento lógico é uma das suas condições essenciais, cuja


idéia pode ser pensada dentro de um jogo de linguagem construído historicamente, e não
de uma noção espiritual e transcendental. A crise do paradigma é, nesses termos, uma
erosão interna da legitimidade metafísica do saber.

A essa quebra, soma-se a descrença ao dispositivo de esclarecimento, à Aufklãrung


proposta por Kant. Se não é possível pensar a ciência como o saber legítimo,
conseqüentemente não há por que pensar que necessariamente uma realidade descrita por

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um enunciado científico seja a “mais verdadeira”, e muito menos a sua “cura” seja a mais
eficiente e justa.

A ciência tomou a si o exercício da razão, como se fossem sinônimos, e desta


forma, tudo além da ciência é rotulado, em parte como reação à crise, como irracional. Mas
por que “irracionalismos”? Ora, a ciência tem a pretensão de ser um grande centro, uma
grande totalidade, um campo de saber dotado de muito poder, poder este que legitima,
inclui e, principalmente, exclui.

Prefiro pensar a condição pós-moderna não como um campo de saberes irracionais,


mas sim um campo de diferentes racionalidades, diferentes apreensões das realidades, seja
pela vontade, pela ação, pela linguagem ou pelo corpo (MARQUES, 1993, p. 59). Ou seja,
na vida, no vivido, na existência.

Dentro das ciências humanas, e mais especificamente na história, essa condição é


percebida por alguns traços gerais: desconfia-se das totalizações, que levariam aos grandes
centros, e põem-se ênfase nas diferenças, no singular. Um bom exemplo é a pluralização
de análises multiculturalistas (negros, vencidos, classes populares, etc.) em detrimento de
perspectivas eurocêntricas e etnocêntricas.

Como já abordado, a epistemologia racionalista, científica e objetiva é vista com


descrédito, e são enfatizadas perspectivas subjetivas, hermenêuticas (interpretativas e
intuitivas) e, principalmente, nas linguagens. Com isso, a centralidade dada aos grandes
campos dos saberes humanos (política, história social, economia, etc.) desloca-se para
novos, como a teoria literária, psicologia e a antropologia, mais aptos às interpretações de
significados, impostas pelas mudanças de perspectivas.

Há também um refluxo das abordagens macroestruturais e da quantificação, com


ênfase na micro-história e em análises qualitativas. Neste contexto, temos uma profusão de
novas temáticas, muitas vezes mais aproximadas das realidades das pessoas: cotidiano,
mentalidades, sentidos, sentimentos, etc.

Em fechamento desta exposição sobre modernismo e pós-modernismo, a citação de


Silviano Santiago pode ser esclarecedora:

Aos olhos revolucionários, a pós-modernidade é reformista. Aos olhos


iluministas ela é freguesa contumaz, ou seja, mais uma rebelião anárquica da

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irracionalidade. Aos olhos verdadeiramente modernos ela é apenas


modernizadora. Porém, aos seus próprios olhos, a pós-modernidade é
antitotalitária, isto é, democraticamente fragmentada, e serve para afiar nossa
inteligência para o que é heterogêneo, marginal, marginalizado, cotidiano, a
fim de que a razão histórica aí enxergue novos objetos de estudo. (in:
LYOTARD, 1998, p. 127)

E na educação, tentando agora responder o que fora proposto a este ensaio, de que
forma a condição pós-moderna condiciona certas mudanças nos mecanismos de
transmissão de conhecimentos? Que elementos desse contexto podem atuar em
aprendizados ou até condicionar estes aprendizados? Ou ainda, que aprendizados são
estes?

Retomando a citação anterior, sem dúvida a questão da diferença, e do


reconhecimento da mesma, é muito importante. O anterior processo de homogeneização,
descendente do modelo de centro-referência do esclarecimento europeu, invariavelmente
era excludente, já que o modelo geral não permitia, ou permite, a coexistência entre o
modelo e o diverso. É claro que sendo uma lógica de centro-referência, o outro
invariavelmente e necessariamente existe. Entretanto, existe e é posicionado em uma
condição inferior.

A demonstração dos jogos de linguagem, como constituintes dos metarelatos, torna


possível um processo de quebra do universal. Com essa, abre–se caminho para a tolerância,
e o novo “dever histórico” do homem passa a ser a sua plena integração em comunidades,
naturalmente heterogêneas entre si. O olhar pós–moderno dirige–se a estas realidades,
procurando relevar cada singularidade própria, compreendendo ao mesmo tempo esta
autenticidade e sua precariedade (Silvano Santiago APUD LYOTARD, 1985, p. 127). No
momento em que aceita as diferenças como portadores de singularidades originais, ela é
verdadeiramente democrática.

Quebram-se as grandes identidades, a história demonstra como as mesmas são


construídas e manipuladas ao longo de um processo histórico. Um claro exemplo são os
conceitos de nação e nacionalismo. Muito caros a diversos grupos do mundo inteiro, são
conceitos\idéias que remetem a símbolos, sentimentos e emoções como elementos
operativos (VERDERY, 2000, p.241-247). Ou seja, são elementos criados em regimes de
subjetividade, dentro de lutas e relações de poder, ao mesmo tempo em que são acrescidos

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de balizas materiais (história em comum, religião, etnia, território), que por fim lhes dotam
de legitimidade.

Jean Baudrillard, pensador francês de cujas idéias são avaliadas como pós-
modernas, mas que identifica-se apenas como um “dissidente da verdade”
(BAUDRILLARD, 2003), diz que nossa sociedade possui uma “condição como a de uma
ordem social na qual os simulacros e os sinais estão, de forma crescente, constituindo o
mundo contemporâneo, de tal forma que qualquer distinção entre “real” e “irreal” torna-se
impossível” (APUD SIQUEIRA, 2007). Simulacros e sinais, para este pensador, são signos
e imagens que, dada a exaustividade com que são desenvolvidos e reproduzidos pelos
meios de comunicação, transformam as experiências de vida, destroem sentidos e
significações e, por fim, tomam a condição de realidade, ao mesmo tempo que esvaziam
este conceito. Nenhum exemplo demonstra tão bem isso quanto o consumo, onde a marca,
o prestígio, o luxo e a sensação de poder tornam-se uma parte cada vez mais importante do
artigo de consumo e não somente seu “valor de uso” ou “valor de troca”. Segundo
Baudrillard (APUD SIQUEIRA, 2007) “já não consumimos coisas, mas somente signos”.

Ainda tratando deste processo de significação da realidade, posso citar um exemplo


próximo e em pleno desenvolvimento: a construção mítica do “gaúcho”, constantemente
vinculada pela mídia, ao ponto de tornar-se operativa no imaginário de uma boa parte da
população do estado do Rio Grande do Sul. Esta construção, pautada pelo enobrecimento
de certas situações históricas, personalidades e condutas, constrói a imagem de um gaúcho
“nobre”, “guerreiro”, “honrado” e “valoroso”. Atrelando essas imagens à publicidade, seja
de entes sociais e políticos, seja do próprio capital, cria-se uma ilusão cultural que passa a
marcar e construir o pertencimento de um grande número de indivíduos.

A capacidade de identificação destes processos, e de tantos outros similares, como


um jogo de retórica, de poder e de significação dota o indivíduo da capacidade de julgar,
compreender e valorizar, com maior autonomia, a realidade em que vive. Ao tratar das
identidades e pertencimentos, o indivíduo aprende a conviver com identidades diversas à
sua, ou mesmo ganha liberdade para escolher sua própria identidade, sabendo que
nenhuma outra é superior à sua por essência. É, em suma, democratizar a valoração dos
pertencimentos.

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Prosseguindo, outro dos elementos importantes na condição pós–moderna é a


mudança na condição do saber. Mudou-se a lógica da utilidade do saber, e
conseqüentemente as formas de transmissão do mesmo. Ou seja, a educação modificou-se.

Segundo Lyotard (1998), até as décadas de 50/60 a educação e o saber eram


entendidos, com base nas balizas modernistas, como parte da formação espiritual dos
indivíduos, pré-requisito básico para a formação dos cidadãos. A educação, em geral,
funcionava pelo processo de interiorização do saber, com claras relações hierárquicas entre
professores, que detém o conhecimento, e alunos, que o recebem passivamente. Como
objetivo deste processo de formação, o indivíduo tornar-se-ia consciente de si, ao mesmo
tempo em que acessaria o mundo objetivo fora de sua consciência subjetiva.

A revolução tecnológica modifica essa lógica. Com a “era da informação”, inicia o


processo de rápida exteriorização dos saberes, e estes passam a ser abundantes e acessíveis
à maioria das pessoas. Nas escolas, a relação professor aluno é modificada, já que ambos,
dependendo do nível social ou econômico, têm acesso a informações. A diferença não
reside mais em conhecimentos, mas sim na forma de utilizar estes, ou, na lógica de um
“professor mediador”.

O saber passa de uma condição de “valor de uso”, na formação de indivíduos e


cidadãos, para a condição de “valor de troca”, onde ele é algo que existe para ser
manuseado, desenvolvido, vendido e consumido, tendo em vista a produção. A grande
lógica atropela as noções de verdade, e legitima-se pela do “melhor desempenho”. A
pesquisa é o grande alicerce da lógica, com vistas no desenvolvimento de saberes voltados
à aplicação.

Esta mudança, talvez um dos grandes objetos das críticas à condição pós-moderna,
é a realidade em que se desenvolvem grande parte dos centros de estudos e pesquisa do
mundo. Não é preciso grandes análises para perceber como as parcerias entre grandes
grupos empresariais e setores das universidades públicas, como a UFRGS, são muito bem
consolidadas. Se por um lado estes grupos investem na pesquisa e no desenvolvimento da
universidade, por outro cobram o seu quinhão nestas descobertas, e acabam desviando para
seus interesses um amplo capital humano e de pesquisas que poderia ter outro fim, mais
ligado aos problemas da sociedade como um todo. Em especial, desviam-se recursos
daqueles setores onde a universidade pública é, via de regra, o único agente existente para

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pesquisas não voltadas ao mercado, ligadas principalmente a desenvolver áreas que afetam
as populações de baixa renda.

De qualquer forma, a condição tecnológica da sociedade impõe a necessidade de


novos profissionais. Profissionais flexíveis, críticos e reflexivos, aptos para a inserção em
diferentes setores profissionais, e para a participação no desenvolvimento não apenas
econômico da sociedade brasileira:

(. . .) nas situações decorrentes da prática, não existe um conhecimento


profissional para cada caso-problema, que teria uma única solução correta. O
profissional competente atua refletindo na ação, criando uma nova realidade,
experimentando, corrigindo e inventando por meio do diálogo que estabelece
com essa mesma realidade. Na base dessa perspectiva, que confirma o processo
de "reflexão-na-ação" do profissional, é que se encontra uma concepção
construtivista da realidade confrontada. (Gomes, 2002)

Cai a idéia de que, como fenômeno superestrutural, a educação em si pouco podia


fazer para alterar as condições de vida ou o sistema de poder de uma sociedade, cujas
molas mestras estariam na política e na economia (SCHWARTZMAN, 1991). O processo
de “reflexão-na-ação” demanda novas formas de ensinar, mais críticas e que estabeleçam
relações com os mais variados campos de conhecimentos. A educação agora, ao bem e ao
mal, é central.

Muda a educação, conseqüentemente modificam-se os currículos. Não é mais


possível pensarmos em disciplinas rígidas, deslocadas umas das outras e principalmente
descoladas do mundo geral do aluno. Percebe-se que questões antropológicas, éticas,
políticas, religiosas ou econômicas perpassam todos os domínios do conhecimento
(MARQUES, 1993, p. 58), e da vida cotidiana em geral.

Até esse ponto nenhuma novidade. O discurso da interdisciplinaridade está


percorrendo as discussões em educação já fazem algumas décadas (em se tratando da
UFRGS, ao menos desde a década de 80 do século passado). Mesmo assim, a chamada
racionalidade técnica, dirigida para a solução de problemas mediante a aplicação rigorosa
de teorias e técnicas científicas, que ainda predomina na maioria das escolas (GOMES,
2002), já não atende às reais necessidades para a adequada formação dos jovens da cultura
pós-moderna, com os quais a maioria dos professores depara-se no dia-a-dia.

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Para além da necessidade de novos profissionais, a interdisciplinaridade pode


contribuir muito para outras demandas assistidas pela educação como um todo. A partir do
momento em que se prepara um jovem com base em uma “concepção construtivista da
realidade”, a sua atuação social e política também pode ser estimulada, já que são
desenvolvidas as mais diversas capacidades de leitura e adaptação. É preciso dizer que o
trabalho interdisciplinar não propõe romper com as especialidades. A prática trabalha o
conhecimento através das interdependências e das conexões recíprocas, salientando a
questão da "complementaridade", onde os pesquisadores, professores e alunos trabalhem
conscientes de seus limites e acolhendo as contribuições de outras disciplinas.

Um bom exemplo nas tentativas de práticas interdisciplinares é o Núcleo de


integração Universidade Escola (NIUE) da UFRGS, que congrega professores da área de
licenciatura das mais diversas áreas do conhecimento, para com base neste diálogo
procurar alternativas ao ensino. Entretanto, segundo Siqueira (1999b), a efetivação da
interdisciplinaridade depende de vários fatores, tais como: humildade, comunicação,
criticidade, criatividade, compromisso e trabalho em equipes. Como a universidade,
segundo este autor, é o espaço maior da compartimentalização e especialização dos
conhecimentos, logo a prática (e não o discurso) interdisciplinar está distante de facto do
mundo da educação superior.

Retomando, outro elemento discutido (e em muitos momentos atacado) pelos


pensadores pós–modernos versa sobre o sujeito racional, livre, autônomo, centrado e
soberano criado pela modernidade. Para o pós-modernismo o indivíduo não é o centro da
ação social. Ele não pensa, fala ou produz; ele é pensado, falado e produzido (SILVA,
2002, p. 215). Em princípio, esta concepção é pessimista e desilude qualquer agente que
pretenda alguma atuação na realidade.

“Formar um indivíduo crítico e reflexivo!”, diriam os modernistas. Mas será que os


campos de poder que agem na sociedade desejam tal autonomia individual?

Conhecer os novos paradigmas, e perceber seus múltiplos reflexos nas formas de


organização da sociedade humana, é o desafio apresentado, visto que os enormes
problemas globais e inter-relacionais criados pelo paradigma cientificista que tem norteado
os últimos séculos, tem nos levado, ao lado do desenvolvimento tecnológico, a um
afastamento essencial do ser humano, tornando-se difícil compreender a nova cultura que

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emerge do tempo e do espaço, e as transformações relacionadas com formas de


conhecimento e experiência no mundo pós-moderno.

Creio eu que existem ensinamentos positivos em algumas idéias caracterizadas por


pós-modernas. Se assim for operativo, as soluções não estão mais em metarelatos, em
grandes centros explicativos, mas sim nos sujeitos, nos indivíduos, pensados na ação
coletiva.

O papel decisivo está no sujeito coletivo, que passa por sujeitos individuais,
observadores posicionados historicamente. Um sujeito cuja constituição estará repleta de
influências, determinações, jogos de poder, etc. Entretanto, algumas dimensões do
pensamento pós-modernista podem propiciar uma independência em grande parte
esquecida.

Creio que, a partir de um “livre devaneio” sobre o pensamento foucaultiano, uma


retomada aos preceitos gregos possa ser interessante, em lembrar-se de certos
ensinamentos que nos esquecemos, ou que nunca nos demos conta que existem. Por
exemplo, o cuidar de si.

Como nos pensamos? Como nos constituímos? Como somos o que somos? Bem,
podemos ser algo a priori, constituídos apenas no exterior à nossa vontade, por discursos e
dispositivos tão poderosos que nossa vã existência nem sonharia em tentar subvertê-los.
Nesse sentido, somos interpelados magistralmente pelas mais variadas indústrias das mais
variadas coisas possíveis (ou não) de serem consumidas e assimiladas. Vendem modos de
olhar, de ser, de interagir; vendem comportamentos, desejos, sonhos, vontades; vendem
modas, padrões, estéticas. Vendem todo o necessário para constituir um indivíduo (não tão
individual, nesses termos), algo que sempre compramos, em maior ou menor grau. Cabe
lembrar que muitas dessas interpelações são auxiliadas ou condicionadas por discursos da
ciência.

Mas porque os gregos? Porque em algum momento de suas existências eles


escreveram que o homem não pode descurar-se do cuidar de si, do pensar-se em
autonomia, do pensar-se como uma obra. Para eles, seríamos todos obras de arte,
construídas e lapidadas unicamente ao longo de um processo histórico, ao longo de um
tempo. Cuidar de si é então escolher quem será o artesão dessa obra, a quem será dada a
autoria da mesma... se ao mundo externo, ou ao si mesmo.

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Entender o pós–modernismo, entender as relações constituintes e determinantes


existentes em torno do sujeito (seja individual ou coletivo) pode propiciar uma excelente
forma de entender o sistema (ou sistemas). É possível que não exista uma proposição
viável de muitos pensadores pós–modernos quanto ao futuro, no entanto, a derrubada das
inocências é fundamental. A inocência de que a verdade e as soluções estão contidas
unicamente em um discurso, seja ele a ciência, o liberalismo ou mesmo o marxismo.

Segundo Anthony Giddens (APUD SIQUEIRA, 2005), é possível dizer que a pós-
modernidade é o mundo da “destradicionalização” e da reflexividade, e conseqüentemente,
um mundo de “indivíduos mais ativos”; indivíduos que não acreditam mais em decisões
políticas impostas, rígidas, burocratizadas e que não condizem com suas necessidades.
Apesar desta linha de pensamento, o que percebemos na atual conjuntura, tanto do mundo
da educação quanto da sociedade brasileira como um todo, é o esvaziamento do
pensamento político.

Existe uma apatia das pessoas, que continuará enquanto não se valorizar a
autonomia e a participação dos indivíduos. Tratando de nossa organização eleitoral, os
partidos limitam as influências e o controle sobre os mesmos por parte dos eleitores. Ao
afastarem os indivíduos das questões públicas, o exercício da cidadania passa a
compreender exclusivamente o voto, desencorajando e mesmo negando outras formas de
participação política.

Uma das formas de contrariar esse “marasmo” político é percebida no


desenvolvimento das “micro-políticas”, fruto em parte do pensamento multiculturalista,
destinadas a minorias de menor peso econômico e representação política. Podem ser
exemplos deste processo as lutas dos movimentos negros pelas cotas raciais e dos
movimentos GLBTS pelo reconhecimento legal da união entre homossexuais, dentre
outras reivindicações. Um dos novos desafios para a política, bem como para a educação, é
aprender a trabalhar com estes movimentos e grupos “pós-modernos”, preservando-se as
independências, o direito à crítica mútua e a resolução de conflitos sem dominação
(SIQUEIRA, 2004), e que já não podem ser encarados unicamente segundo um modelo de
explicação política pautado pela dicotomia esquerda x direita.

Retomando, por fim, a questão do pós-modernismo como agente para o fim das
ingenuidades, penso que “fim de inocências” não significa o fim das escolhas, o fim das

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verdades consensuais ou mesmo o caos social. Muitos pensadores modernos, críticos ao


pós-modernismo, pressupõe que as negações e relativismos trarão o caos aos sistemas
sociais, com o fim das noções de certo e errado. Ora, como diz o professor Anderson
Zalewski Vargas, do departamento de História da UFRGS: “eu nunca vi, em nossos
tempos, um governante dizer: ‘vou invadir aquele país, porque a verdade não existe, tudo é
relativo, não há certo ou errado’. Bem pelo contrário, as arbitrariedades sempre embasam-
se em verdades muito bem estabelecidas”. Ou seja, se tomarmos o exemplo da atual
política de estado norte-americana, e conseqüentemente da invasão do Iraque, o que
encontramos na tentativa de legitimar tal ação são fortes conceitos centro referenciais:
civilização, democracia e, por que não, o Deus cristão, como bem disse o próprio George
W. Bush, disse na véspera da eleição que o levou ao segundo mandato: ''Os Estados
Unidos foram abençoados pela fé em Jesus. O mundo espera que o guiemos pelo bom
caminho moral''. Parafraseando Foucault (APUD VEYNE, 1985): “Enfim, é isto, tudo está
dito e já não há mais nada a dizer”.

O mecanismo de leitura descortinado pelo pensamento pós-moderno demonstra


alguns funcionamentos, principalmente nos campos simbólicos, tão importantes na nossa
era da imagem e da informação, que se não libertam o sujeito, ao menos o tornam mais
consciente de alguns de seus condicionamentos e limitações históricas.

Talvez haja uma forte confusão entre um corpo de idéias pós-modernas de leitura
da realidade, e outro corpo de idéias de proposição à realidade. Não creio ser possível
construir tal divisão, e unicamente me proponho a perceber o potencial de leitura
proporcionada por alguns pensadores pós-modernos.

Todo e qualquer sujeito é constituído por uma rede de inúmeros discursos,


dispositivos e relações de poder, que constituirão seus mecanismos de olhar o mundo e de
olhar a si mesmo. Entretanto, em uma consideração pessoal, leituras de agenda pós–
moderna (especialmente Foucault) fizeram–me pensar a realidade e a forma como eu sou
constituído, e estes ensinamentos foram e estão sendo muito importantes na minha
constituição como professor e indivíduo que, se ainda não atua diretamente, ao menos
reflete mais densamente a realidade.

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Bibliografia:

BAUDRILLARD, Jean. A Verdade oblíqua. Entrevista concedida à Luís Antônio Giron. Revista
Época, 7 junho 2003.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 2005.

FRACHON, Alain; VERNET, Daniel. "Ativismo" de Bush é obra neoconservadora. Folha de


São Paulo, São Paulo, 04 de maio de 2003. Folha Mundo. A22.

GOMES, Jomara Brandini and CASAGRANDE, Lisete Diniz Ribas. Reflexive education in post-
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