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Capítulo

O que é saúde?
1

Alaor Carlos de oliveira

Introdução
A história da saúde e da doença vem, desde tempos imemoriais,
evoluindo como uma construção de significados sobre a natureza,
as funções e a estrutura do corpo e ainda, sobre as relações
entre o corpo e o espírito e os indivíduos e seus ambientes. A
compreensão dos significados de saúde e de doença vem se
alterando ao longo dos tempos, confundindo-se com a própria
história da medicina e da evolução da humanidade.

Entender a dinâmica dos processos e das interações bio-psíquico-


sociais que impactam a qualidade de vida dos indivíduos e das
populações e saber avaliar o papel e a influência dos inúmeros
fatores condicionantes que interferem no resultado dessas
múltiplas interações é a chave que permitirá ao Tecnólogo em
Saúde Coletiva interferir nos processos de adoecimento, controlar
e/ou eliminar riscos de agravos e promover saúde.

Nesta unidade didática abordaremos a evolução histórica do


conceito de saúde e a sua relação com a evolução dos métodos
terapêuticos e dos modelos de intervenção.
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Objetivos
Ao final deste estudo o aluno deverá ser capaz de:

• relacionar a evolução histórica do conceito de saúde aos


modelos de abordagem, intervenção e enfrentamento dos
agravos;
• distinguir doença de enfermidade;
• reconhecer o caráter multifatorial do processo saúde/doença
e identificar seus fatores determinantes e condicionantes;
• correlacionar os fatores econômicos, sociais, culturais,
históricos, ambientais e políticos que promovem alterações
no estado de saúde das populações e compreender a sua
sinergia;
• explicar a importância da intersetorialidade e da participação
social no enfrentamento dos problemas sanitários da
população;
• demonstrar o conceito ampliado de saúde;
• justificar o modelo da Promoção da Saúde;
• elaborar um conceito próprio de saúde;
• avaliar o conhecimento adquirido.

Esquema
1.1 Reflexão acerca do conceito de saúde
1.2 A complexidade do fenômeno saúde/doença
1.3 O período pré-cartesiano: da concepção mágico-religiosa à
teoria naturalista da saúde
1.4 Da metodologia aristotélica para o método científico: o
paradigma cartesiano
1.5 A saúde como ausência de doença – o modelo biomédico
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1.6 O bem-estar como fator condicionante e determinante da


saúde
1.7 O modelo da promoção da saúde e o conceito ampliado de
saúde
1.8 Considerações finais

1.1 Reflexão acerca do conceito de saúde

Inicialmente convidamos você a fazer uma reflexão preliminar sobre o


tema que será abordado na unidade 1 do seu curso.

PARADA PARA REFLEXÃO

O que é algo impossível de ser explicado e que apenas se pode


sentir?

Diante de um determinado estímulo, cada indivíduo ou organismo


reage de modo peculiar e diferente do modo como reagirão outros
indivíduos quando submetidos ao mesmo estímulo. Ou seja, do
ponto de vista fisiológico, um mesmo impulso nervoso pode provocar
sensações, reações e respostas diferentes em diferentes indivíduos.

Exemplos:

• a permanência em um ambiente a 35ºC de temperatura pode


ser considerada tolerável para uns e muito desconfortável para
outros;

• quando várias pessoas ficam presas em um mesmo elevador,


algumas permanecerão tranquilas, outras poderão demonstrar
nervosismo, insegurança ou irritação, enquanto outras entrarão
em pânico;
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• um mesmo tipo de vírus da gripe poderá levar alguns indivíduos


a um simples estado febril seguido de leve indisposição enquanto
outros indivíduos poderão ficar acamados e fora de combate por
uma semana;

• alguns indivíduos não temem injeções, enquanto outros chegam


a desmaiar por medo e aflição antes da picada;

• o período de gravidez pode passar praticamente despercebido


para algumas gestantes e significar nove meses de muito
padecimento para outras.

• o mesmo pode ocorrer em relação ao medo da altura ou o medo


do escuro.

Por essa razão entendemos que uma dor, um mal-estar, um incômodo,


uma emoção, uma insatisfação, uma preocupação, a tristeza e a
alegria, assim como o ‘sentir-se doente’, serão sempre subjetividades
do ser que as experimenta e vivencia. Tratam-se de ‘sensações
íntimas’ intraduzíveis, impossíveis de serem explicadas e tampouco
compreendidas, passíveis apenas de serem sentidas.

O que é saúde para você?


Como saber se uma pessoa se encontra, de fato, saudável?

Em seu minucioso trabalho de investigação sobre o pensamento


Cartesiano intitulado Animais, homens e sensações segundo Descartes,
Rocha (2004), atribui ao filósofo, a tese de que algumas sensações que o
ser humano vivo experimenta, por serem tão íntimas e pessoais tornam-
se intraduzíveis aos outros pois, só podem ser ‘sentidas’ por seu titular.
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Scliar (2007. p. 30), afirma: “Saúde não representa a mesma coisa para
todas as pessoas. Dependerá da época, da idade, do lugar, da classe
social. Dependerá de valores individuais, dependerá de concepções
científicas, religiosas, filosóficas”.

Sentir-se saudável, portanto, é uma percepção íntima, intraduzível e


intrínseca ao seu portador. “Há uma parte do corpo humano vivo que é
inacessível aos outros, que é, pura e exclusivamente, acessível ao seu
titular” (CANGUILHEM apud BATISTELA, 2007, p. 57). Em seu artigo
“A saúde: conceito vulgar e questão filosófica”, Canguilhem (2005),
propõe que a definição de saúde não é um conceito científico e sim um
simples constructo filosófico ao alcance de todos, ou seja, capaz de ser
enunciado por qualquer ser humano vivo, a partir da sua forma de ver e
‘sentir’ seu próprio corpo e o mundo.

Antes de continuar a leitura, faça o exercício a seguir. Ele irá contribuir e


facilitar a apreensão e a compreensão do tema a ser estudado.

AGORA É A SUA VEZ

Este exercício consiste em uma prévia reflexão sobre o título deste


capítulo, na busca de uma “resposta pessoal” para a pergunta: “O
que é saúde?”

Considerando o pensamento de Canguilhem (2005) de que a definição


de saúde não é um conceito científico e sim um simples constructo
filosófico ao alcance de todos, ou seja, capaz de ser enunciado por
qualquer ser humano vivo, a partir da sua forma de ver e ‘sentir’ seu
próprio corpo e o mundo”, escreva, em uma ou mais frases, o seu
conceito pessoal sobre “saúde”.

Antes de começar a escrever sua definição pessoal de saúde e, para


orientar o início do seu raciocínio, tente responder mentalmente às
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seguintes indagações:

A saúde poderia ser definida como...

• um estado físico de ausência de doenças?


• um estado físico de pleno funcionamento dos
órgãos?
• um estado de completo bem estar físico, mental
e social?

Você respondeu “sim” para todas perguntas? Para nenhuma?

Considera as perguntas como intercomplementares? Elas não


contemplam a definição? Elas são restritivas e insuficientes?
Elas poderiam ser mais objetivas?

Agora que você já refletiu sobre o tema, escreva o seu conceito de saúde.

Para isto, recomendamos que você separe uma folha de papel em branco
e comece a escrever fazendo quantas alterações julgar necessárias.
Depois de chegar a uma definição sobre saúde, fruto da sua opinião pessoal,
guarde suas anotações até o final da leitura do texto que virá a seguir.

Você necessitará consultá-la ao longo desta leitura.

1.2 A complexidade do fenômeno saúde/doença

Todo ser vivo é um organismo instável em constante processo


de adaptação. Saúde e doença são manifestações desta perene
instabilidade. Portanto, do ponto de vista biológico, tanto o aparente
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estado de saúde, como as manifestações ou quadros característicos de


doença, nada mais são do que consequências e resultados decorrentes
de interações dinâmicas entre os diferentes órgãos de um dado
organismo ou indivíduo e entre estes e o ambiente externo que com
eles interage.

O eminente médico sanitarista e historiador George Rosen publicou no


final do século XX, sua concepção ecológica de saúde:
[...] o termo saúde, quer se refira à boa ou à má
(condição de saúde), designa um estado dinâmico
de um organismo resultante da interação de fatores
internos e ambientais que se dá em um cenário espaço-
temporal. (ROSEN,1979, p. 47)

Parafraseando o conceito acima, poder-se-ia


Subjetivo: em
afirmar que o estado de saúde de um indivíduo é uma abordagem
determinado por um conjunto de diversos fatores filosófica, é “relativo
ao sujeito do
internos e externos, objetivos e subjetivos, que conhecimento,
à consciência
interagem de diferentes modos e intensidades em humana, à
interioridade
um dado momento e local. espiritual que
se apodera
cognitivamente dos
À primeira vista, o conceito acima parece objetos que lhe
são externos. 4 FIL
contemplar de forma bastante razoável e válido para um só
sujeito; individual.”
pertinente algo que se poderia entender como (VILLAR; HOUAISS,
2009, 1779).
saúde, porém, ele se refere apenas às condições
ou fenômenos que resultam – ou poderiam
resultar – no estado de saúde sem abordar ou se
referir propriamente ao objeto saúde. Ou seja, Rosen descreve o “como”,
mas não o “que é”. Coelho e Almeida Filho (2003) reconhecem que a
dificuldade para se encontrar um conceito positivo de saúde é antiga:

[...] ao contrário da doença, cuja explicação foi


perseguida de modo incessante pelo homem, a saúde
parece ter recebido pouca atenção de filósofos e
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cientistas. Lembrando que a dificuldade de definir a


saúde é reconhecida desde a Grécia antiga. (COELHO
e ALMEIDA FILHO, 2003 apud BATISTELLA, 2007,p.
51).

Em que pese o esforço de alguns filósofos e pesquisadores do


passado para conceituar a saúde, este é um desafio que perdura até
os dias atuais. Segundo Batistella (2007), as condições multifatoriais
responsáveis pelo estado de saúde e sua decorrência de um conjunto
de interações biológicas, psíquicas, sociais, culturais e ambientais que
envolvem diferentes dimensões e inúmeras subjetividades, torna quase
impossível uma definição objetiva de saúde.

Para o objeto deste estudo, levando em conta a subjetividade inerente à


complexidade dos indivíduos e, admitida a diversidade dos fenômenos
que concorrem e interagem no processo saúde/doença, seria presunçoso
pretender lograr nesta breve abordagem, uma conceituação objetiva
e definitiva sobre o que é saúde. Contudo, acreditamos ser possível
chegarmos a uma compreensão mais abrangente de um significante
para a saúde, construindo esse processo a partir da revisitação e do
cotejamento de algumas das mais destacadas abordagens conceituais
sobre o tema, surgidas ao longo da história da medicina. Vejamos.

1 . 3 O período pré-cartesiano: da concepção mágico-religiosa


à teoria naturalista da saúde

O significado de saúde, concebido como um conceito de valor, emergiu


provavelmente a partir do sofrimento imposto aos seres humanos pelas
doenças. Ao longo do processo civilizatório, à medida em que o homem
experimentava a doença e sofria por seus agravos, ele se despertava
para o valor da saúde passando a atribuir-lhe uma importância cada
vez maior. Quanto mais terríveis eram os padecimentos causados pelas
doenças e quanto mais numerosas eram as mortes provocadas pelas
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epidemias, maior era o pavor originado e sentido diante da sensação de


total impotência para enfrentar males tão terríveis.

Frente a sua impotência, ignorância e ingenuidade, o homem primitivo


interpretava a doença como um castigo dos deuses que puniam os
pecadores pelas perversidades cometidas. Segundo Scliar (2007,
p.30), “a doença era sinal de desobediência ao mandamento divino.
A enfermidade proclamava o pecado, quase sempre em forma visível,
como no caso da lepra”. Havia o entendimento de que, mediante o
apaziguando da ira dos deuses, seria possível livrar-se dos padecimentos
e restabelecer o estado de harmonia do corpo.
Acreditava-se, que no “antigo Egito, Sekhmet,
Teúrgica: relativo
deusa da pestilência, provocava epidemias, à teurgia. Segundo
o dicionário, temos
se irritada, e as extinguia quando acalmada” que teurgia é:
“s.f. 1. Ciência do
(ROSEN, 1994, p. 34). maravilhoso; arte
de fazer milagres
2. Espécie de
Nas civilizações tribais, os curandeiros e xamãs magia fundada em
relação com os
executavam rituais para expulsar demônios e espíritos celestes
[...] 4. MED cura
anular feitiços e maldições. Os povos semitas, os das doenças por
suposta intervenção
filisteus e os gregos sacrificavam animais e faziam sobrenatural,
oferendas aos deuses dos templos para aplacar doutrina que
dominou a medicina
sua ira e obter misericórdia. Esta concepção por muitos séculos
e de que ainda
teúrgica, mágico-religiosa da doença e de suas existem vestígios na
medicina popular.”
causas perdurou por séculos na cultura dos mais (HOUAISS; VILLAR,
2009, p.1840).
diferentes povos e locais do mundo primitivo e da
antiguidade.

PESQUISANDO NA WEB

Você conhece a história dos povos da antiguidade, especialmente a


que se refere aos sacrifícios de animais?
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Se você quiser saber um pouco mais acerca da história de um desses


povos - os gregos – em relação a essas práticas, sugerimos a leitura
do capítulo “Dos homens aos deuses: o sacrifício”, do livro “Mito e
Religião na Grécia Antiga” (2006), do historiador Jean-Pierre Vernant
(2014), doutor honoris causa das universidades de Chicago, de Bristol,
de Brno, de Nápoles e de Oxford. Para isso, acesse:

https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/293510/mod_resource/content/1/
Vernant,%20Jean-Pierre%20-%20Mito%20e%20Religi%C3%A3o%20na%20
Gr%C3%A9cia%20Antiga.pdf

A leitura do capítulo possibilita você entender um pouco mais acerca


dessas práticas, especialmente em relação a como eram realizadas,
mostrando a perspectiva e a grande relevância que elas tinham
naquela época, para aquele povo. O texto é uma importante fonte de
conhecimento cultural. Vale a pena!

No final do século V e início do século IV aC., a concepção teúrgica


deu lugar à teoria fisiológica-racionalista de Hipócrates (460-370 aC),
cujas concepções, apoiadas no raciocínio filosófico e na observação
empírica, entendiam o corpo humano como uma unidade organizada
que deveria existir em equilíbrio com a natureza. A teoria hipocrática
atribuía o adoecimento à desorganização ou ao desequilíbrio dos fluidos
ou humores que constituíam o organismo humano. O mais famoso texto
atribuído a Hipócrates, “Ares, Águas e Lugares”, relaciona os fatores
climáticos e ambientais às doenças e discute uma causalidade ecológica
para os problemas de saúde. Ao relacionar a poluição de lugares, a
insalubridade dos pântanos e as alterações climáticas ao surgimento
das doenças, Hipócrates e seus discípulos, não apenas refutaram o
‘caráter divino’ da doença, como instituíram a teoria das causas naturais,
atribuindo aos “miasmas” (emanações e fedores de regiões insalubres) à
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causa de doenças como, por exemplo, a malária (do latim: maus ares),
uma das doenças responsáveis pelo declínio do império romano.

A medicina grega foi adotada e incorporada pelos romanos durante a


expansão do seu império. Deve-se ao médico romano de descendência
grega, Claudius Galeno (129-199), a minuciosa compilação, interpretação
e difusão do legado hipocrático. O trabalho de Galeno, influenciou a
prática e o ensino da medicina por mais de mil anos até o final da idade
média. Naquele período, a saúde era interpretada como produto da
harmonia entre as diferentes forças ou elementos constituintes do corpo
humano. Quando essa harmonia era perturbada, surgia a doença. Por
isto, era importante manter hábitos de vida saudáveis e desenvolver
cuidados para reduzir ao mínimo os riscos da ocorrência de distúrbios.
Neste sentido, a alimentação e a influência dos fatores externos eram
entendidos como ameaças potenciais à perturbação da harmonia
corpórea e, portanto, a medicina recomendava especial atenção com a
comida e com os hábitos de vida.

Concomitantemente, na Europa da Idade Média, devido à forte influência


da igreja católica, a interferência divina na concepção da doença volta
a ganhar força, tendo o pecado como causa e a possibilidade da cura
como questão de fé. Neste período, expandiu-se a criação de hospitais
de caridade pelas ordens religiosas que, segundo Scliar (2007, p. 33),
eram mantidos “não como um lugar de cura, mas de abrigo, oração e
conforto para os doentes.”

O hipocratismo galênico, como ficou conhecido, só foi superado com a


publicação, em 1543, do atlas de anatomia humana, De Humani Corporis
Fábrica pelo médico, professor e anatomista belga Andreas Vesálius
(1514-1564). A obra de Vesalius acrescentou luz sobre pontos obscuros
e/ou equivocados de Galeno e é considerada como uma das mais
importantes obras da literatura médica de todos os tempos, sobretudo
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pela riqueza e precisão de detalhes das suas ilustrações.

A partir do século XVI, com o aumento das epidemias e a atenta


observação ao modo como a doença se proliferava, retoma-se a ideia do
contágio entre os homens, sendo suas causas atribuídas principalmente
ao envenenamento das águas pelos leprosos e pelos judeus. Preconceito
recorrente surgido desde a grande epidemia de peste negra (peste
bubônica) ocorrida em meados do século XIV.

1 . 4 Da metodologia aristotélica para o método científico: o


paradigma cartesiano

Por falta de um método normativo que definisse


Empirismo: em
uma abordagem critérios para o trabalho investigativo e norteasse
filosófica, empirismo
é uma doutrina seus princípios, a ciência evoluiu de modo
segundo a qual
“todo conhecimento relativamente lento e bastante desorganizado
pode ser captado até o final da Idade Média. A partir de então,
do mundo externo,
pelos sentidos, ou na segunda metade do século XVI, sob forte
do mundo subjetivo,
pela introspecção, influência dos grandes filósofos e pesquisadores
sendo geralmente
descartadas as da época, iniciou-se um processo de revisão
verdades reveladas
e transcendentes no modo de pesquisar e praticar ciência.
do misticismo, ou Deve-se a Francis Bacon (1561-1626), eminente
apriorística e inatas
do racionalismo”. filósofo, cientista e ensaísta inglês, a criação do
(VILLAR; HOUAISS,
2009, p. 742). empirismo como prática investigativa. Galileo
Método científico: Galilei (1564-1642), físico, matemático, astrônomo
Podemos dizer que,
“é o conjunto e filósofo italiano, desenvolveu e propôs o método
das normas científico e tornou-se reconhecido como o ‘pai da
básicas que devem
ser seguidas para ciência moderna’.
a produção de
conhecimentos
que têm o rigor da
ciência, ou seja, é Rene Descartes (1596-1650), eminente filósofo
um método usado
para a pesquisa e e matemático francês, criador da geometria
comprovação de analítica, desenvolveu o método científico
um determinado
conteúdo. O método racional dedutivo. Para ele, a construção do
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conhecimento embasava-se unicamente na


científico parte
razão e no raciocínio dedutivo. Considerava da observação
sistemática de
que o funcionamento dos corpos materiais, fatos, seguido
da realização de
incluindo o homem, obedeciam a princípios experiências, das
mecânicos.  Segundo  Descartes, por ser deduções lógicas
e da comprovação
formado de matéria física, o corpo humano científica dos
resultados obtidos.
tem propriedades comuns a qualquer matéria. Para diversos
autores o método
Portanto, o corpo humano, como qualquer outro científico é a lógica
aplicada à ciência.”
corpo material, é regido pelas mesmas leis que (SIGNIFICADOS,
regem a física. Por seu trabalho, Descartes é 2019, p. 1)

considerado um dos pensadores mais importantes


e influentes da História do Pensamento Ocidental.
Raciocínio
dedutivo:
Raciocínio por
Após sua morte, o método racional dedutivo de dedução. De acordo
com a abordagem
Descartes foi adotado e consolidado pelo físico filosófica e
ê matemático inglês, Isaac Newton (1643-1727), lógica, dedução
é o processo de
dando origem ao paradigma newtoniano- raciocínio “através
do qual é possível,
cartesiano que influenciou e influencia ainda hoje partindo de uma ou
de mais premissas
praticamente todos os campos do conhecimento acei tas como
verdadeiras (p.
científico. ex., A é igual a
B e B é igual a
C), a obtenção
PONTO-CHAVE de uma condição
necessária e
De modo simplificado, o paradigma cartesiano evidente (no
exemplo anterior
(como se convencionou popularmente A é igual a
C).” (VILLAR;
chamar) pressupõe que o método científico, HOUAISS,
2009, p. 604).
que conduz ao conhecimento do todo,
passa, necessariamente, pelo estudo e pela
compreensão do funcionamento de cada uma de suas partes
separadamente, ou seja, o todo é o resultado do funcionando sinérgico
dos seus componentes, exatamente como em uma máquina, cujo
funcionamento pode ser entendido a partir da compreensão da função
de cada uma das suas peças.
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O método analítico cartesiano foi, certamente,


Abordagem
mecanicista:
um dos principais suportes indutores do enorme
no contexto, avanço da ciência na modernidade. Foi a partir
entendemos que
é a abordagem dos seus conceitos que a medicina se fragmentou
que compara o
corpo humano ao em compartimentos ou especialidades dedicadas
funcionamento
mecânico de uma ao conhecimento cada vez mais aprofundado da
máquina.
função de determinados órgãos e ou sistemas do
corpo humano. Essa abordagem mecanicista do
corpo contribuiu para que os sentimentos humanos fossem relegados a
um segundo plano. A intenção terapêutica voltou seu foco para a doença
e o ser humano passou a ser visto como ‘doente’ e não como pessoa.

1.5 A saúde como ausência de doença – o Modelo Biomédico

O século XVIII, conhecido como século das luzes e da filosofia, deu lugar
ao chamado período iluminista e foi palco de significativas e profundas
transformações sociais, notadamente no campo político (declaração da
independência dos Estados Unidos); no campo das ciências (fundação
da Academia Real de Ciências na Europa); e no campo da medicina
moderna quando se firmou o chamado “Modelo Biomédico” centrado
na descrição dos processos patológicos, nos sinais e nos sintomas das
doenças e, também, na medicalização.

Neste período, segundo Batistella (2007), a doença se transforma em


patologia e os pesquisadores procuravam a causa da doença dentro do
corpo e não fora dele.
No âmbito da estrutura perceptiva que sustentará o
pensamento médico científico emergente, estão os valores da
‘localização’, ‘especificidade’ e ‘intervenção’. Os fenômenos
são explicados pela nova racionalidade [período iluminista]
a partir do estudo, baseado na observação e na experiência
das mudanças morfológicas, orgânicas e estruturais. Por
conseguinte, a saúde passa a ser entendida como o seu
oposto lógico: a ausência de patologia. (BATISTELLA, 2007,
p. 53).
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Nas primeiras décadas do século XIX, toda a atenção dos pesquisadores


estava majoritariamente concentrada na análise e na compreensão das
doenças, então definidas como ‘alterações patológicas’. Os esforços para
se chegar a uma conceituação objetiva de saúde seguiam relegados a
um segundo plano. O funcionamento dito normal dos órgãos (fisiologia),
passou a ser considerado como parâmetro e era aceito como a forma
mais conveniente para descrever o estado de saúde.

Tornou-se consensual interpretar o bom funcionamento dos órgãos


como o estado de não doença. François Xavier Bichat (1771-1802),
grande médico francês, descrevia a saúde como o silêncio dos órgãos.
(SCLIAR, 2007, p. 34). Ademais, conceituar a saúde não parecia ser uma
necessidade ou uma importante meta da qual deveriam se ocupar os
médicos, filósofos e pensadores da época, aparentemente contemplados
com o conceito negativo de que a saúde ou o estado de saúde poderia
ser compreendido ou explicado como a ausência de doença ou o ‘silêncio
dos órgãos’.

Embora a conceituação da saúde como ausência de doença continue,


ainda hoje, sendo aceita pela maioria da população, Batistella (2007,
pg. 55), pondera que “é uma definição muito limitada, pois nem sempre
a ausência de sinais e sintomas indicam a condição saudável”. Muitos
indivíduos se consideram normais e saudáveis, ainda que portadores de
uma determinada doença. Para Almeida Filho e Andrade (2003, p.101),
“saúde não é o oposto lógico da doença e, por isso, não poderá de modo
algum ser definida como ausência de doença”.

Do ponto de vista filosófico/antropológico, a doença e a enfermidade


são consideradas constructos diferentes e, a ausência de enfermidade
não implica necessariamente a saúde pois, um indivíduo clinicamente
doente que não apresente sintomas perceptíveis da doença pode se
sentir plenamente saudável. Ou seja, a pessoa pode estar doente sem se
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sentir enferma. Assim como, um indivíduo, simplesmente por ser portador


de surdez ou limitação visual, não pode ser considerado enfermo.
No que diz respeito à relação entre a saúde e a doença, a
saúde tanto pode implicar a ausência de doença quanto a sua
presença, desde que temporária. [...] a definição tradicional
e restrita da saúde como ausência de doença se mostrou
insatisfatória, na medida em que ela revela apenas o que a
saúde não é, sem explicitar do que se trata. (ROSENQUIST,
1940 apud COELHO; ALMEIDA FILHO, 2003, p.102).

No campo da psicanálise, o contraponto entre a saúde e a doença


adotado pela medicina biologicista (modelo biomédico) também
encontrou resistências. Freud, (apud Coelho e Almeida Filho, 2003,
p. 102) afirma que todo e qualquer indivíduo, em algum momento da
vida, em maior ou menor grau, poderá aproximar-se de um quadro
neurótico ou psicótico. Assim, a existência de indivíduos ditos normais
está pontuada de sintomas neuróticos, sendo que os episódios mais
leves corresponderiam à normalidade e, apenas as ocorrências mais
acentuadas seriam interpretadas como manifestação patológica.

Albuquerque e Oliveira (2002), argumentam que o Modelo Biomédico


pressupõe a doença como um ser em si mesmo (concepção ontológica)
que deve ser eliminado para que o corpo retorne à situação de não
doença. Para isto, direciona sua prática para a elaboração de um
diagnóstico exato, capaz de identificar os órgãos corporais perturbados
que provocam os sintomas. Segundo os autores, trata-se de uma
concepção redutora que ignora as relações do fenômeno doença com a
personalidade, a constituição física ou o modo de vida do paciente. Os
autores reforçam suas críticas ao modelo biomédico ao concluírem que
ele se apoia na visão cartesiana de mundo, que compara o corpo humano
a uma máquina, terminando por considerar que a doença consiste numa
avaria temporária ou permanente no funcionamento de uma peça ou de
um componente do organismo humano.
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Nesta perspectiva, curar a doença equivaleria ao conserto de uma


máquina. Tal abordagem, em tese, representaria a coisificação da
doença e a desumanização do paciente que restaria sem identidade,
sem sentimentos e reduzido a uma complexa maquinaria cujas peças
ou componentes seriam os órgãos do corpo.

Segundo Camargo Júnior (2007), uma das críticas mais estruturadas ao


modelo biomédico diz respeito ao reducionismo da abordagem centrada
na profilaxia da doença, o que colocaria excessiva ênfase na perspectiva
curativa e acabaria por direcionar o foco das ações na produção de
diagnósticos e limitando a terapêutica à prescrição medicamentosa.

Canguilhem (2006, p. 55) reconhece que a clínica médica necessita


de uma patologia objetiva, porém, reforça a crítica ao reducionismo da
concepção biomédica mecanicista ao afirmar: “A clínica coloca o médico
em contato com indivíduos completos e concretos, e não com seus
órgãos ou funções”. Assim, sob a perspectiva do modelo biomédico, e
entendida como a simples ausência de doença, a saúde excluiria do seu
contexto toda a dinâmica social e todas as subjetividades que dão sentido
à existência humana.
Nesse sentido, infelizmente, o foco de atenção, estudo e
tratamento é a doença em si. Todas as ações são realizadas
com a intenção de controlar a evolução da doença fazendo
com que o indivíduo retorne ao estado de não doença. Em
nossa percepção, esse aspecto negligencia a dignidade
do ser que adoece, pois passa a ser visto a partir de sua
patologia e não como um ser humano com fragilidades e
potencialidades e, sobretudo, com responsabilidades e
direitos sociais (LOURENÇO et al, 2012, p.29).

Considerando as razões dos pesquisadores e sanitaristas que vêm


trazendo luz e importantes reflexões sobre o campo da saúde coletiva,
não restam dúvidas de que, muito além da simples ausência de doença,
a saúde envolve muito mais que o bom funcionamento dos órgãos,
pois implica na capacidade dinâmica do indivíduo interagir e adaptar-se
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positivamente ao meio e suas constantes alterações.

Contudo, e infelizmente, diante da prevalência e da grande influência do


modelo biomédico, sobretudo nos países em desenvolvimento como o
Brasil, para a maioria da população, saúde significa não estar doente.
Todavia, agora já sabemos que esta definição é muito limitada pois, como
bem reforça Batistella (2007, p. 55), “nem sempre a ausência de sinais e
sintomas indicam condição saudável, [...] muitos se consideram normais,
ainda que portadores de uma determinada doença”.

AGORA É A SUA VEZ

Antes de prosseguirmos com este ensaio sobre a evolução do conceito


de saúde recomendamos que você faça uma breve pausa para refletir
sobre o que leu até aqui e, se julgar necessário, promova alterações na sua
conceituação inicial sobre o que é saúde.

NÃO APAGUE NEM DESTRUA O TEXTO ANTIGO. Fique à vontade para


reescrever seu conceito incorporando as novas percepções apreendidas na
sua leitura. Guarde sua nova versão para utilizá-la mais à frente, ao longo
deste estudo!

Ao retomar seus estudos, conheça um pouco do contexto histórico do


período iluminista e alguns dos principais vultos da ciência cujos trabalhos
resultaram nos avanços científicos que impactaram progressos no campo
da ciência médica.
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SAIBA MAIS

Alguns vultos da ciência que marcaram a revolução científica


desencadeada na transição do século XVIII para o século XIX

Giovanni Battista Morgagni (1682-1771), eminente médico italiano,


considerado o fundador da anatomia patológica, publicou em 1761 uma
monumental obra em cinco volumes denominada “Da sede e causa das
doenças”. Dentre os seus relatos mais importantes cumpre destacar os
de aneurisma sifilítico da aorta, atrofia amarela aguda do fígado, câncer
do estômago, úlcera gástrica, endocardite, estenose mitral, insuficiência
aórtica, estenose pulmonar, esclerose das coronárias e coarctação da aorta.
(LONG, 1965);

Antoine Laurent Lavoisier (1743-1794), eminente químico, botânico,


matemático e astrônomo francês, considerado o pai da química moderna.
Dentre suas muitas contribuições, a maior de todas, que trouxe prodigioso
avanço à medicina, foi a identificação do “ar vital” necessário à vida e à
combustão, a que deu o nome de oxigênio e descreveu o seu papel na
respiração e na produção do calor animal. (PORTER, 1995);

Pierre-Simon Laplace (1749-1827), matemático, astrônomo e físico francês,


amigo e colaborador de Lavoisier, organizou a astronomia matemática e
publicou, no final do século XVIII, entre os anos 1799 a 1825, o seu famoso
tratado em cinco volumes denominado Méchanique Céleste. (PORTER,
1995);

Edward Jenner (1749-1823), médico inglês, realizou uma das maiores


descobertas científicas da medicina moderna – a vacina antivariólica.
Convencido de que o “vírus” da varíola bovina imunizava a pessoa para
a varíola humana, realizou em 1796 sua experiência crucial: inoculou no
braço de um menino de oito anos um material colhido em uma pústula da
20 UNIUBE

mão de uma pessoa infectada pela varíola bovina. A criança apresentou


reação eritêmato-pustulosa no local da escarificação e escassos sintomas
gerais. Decorridas seis semanas, Jenner inoculou o pus da varíola humana
na criança, com resultado negativo. Estava descoberta a vacina antivariólica!
(MAJOR, 1954).

1 . 6 O bem-estar como fator condicionante e determinante


da saúde

No seu brilhante ensaio que trata das grandes epidemias que ocorreram
ao longo da história da humanidade, Barata (1987) afirma:
Inúmeros são os relatos de epidemias durante a Antiguidade
e a Idade Média, entretanto, é no período de transição entre
o modo de produção feudal e o modo de produção capitalista
(mercantilismo) que as epidemias assumem proporções
devastadoras (BARATA, 1987, p. 9).

Em decorrência das agruras sanitárias do século anterior e, impulsionado


pelo avanço das ciências, o século XIX emergiu em meio a uma
revolução industrial, tecnológica e econômica com progressivos avanços
na medicina. Esta, por sua vez, esforçava-se para enfrentar e responder
aos problemas impostos pela nova organização social e pelas péssimas
condições de saúde dos grandes aglomerados urbanos que, segundo
relato de Albuquerque e Oliveira (2002), deram lugar a enormes
desequilíbrios ecológicos que geraram grandes problemas sanitários.
Era imenso o contingente de pessoas mais pobres que migravam para as
grandes cidades em busca de trabalho. A promiscuidade e as péssimas
condições de higiene favoreciam o contágio e a disseminação das
doenças.

Concomitantemente, as grandes transformações no mundo do


trabalho, iniciadas na Inglaterra e que se espalharam pela Europa e
para a América do Norte, deram impulso ao surgimento de diversas
UNIUBE 21

sociedades científicas, academias de ciências, escolas médicas e às


sociedades de estatística que passaram a se dedicar ao equacionamento
e à organização de um saber global e quantificável dos fenômenos de
morbidade e mortalidade que envolviam o coletivo social. “O laboratório
de Louis Pasteur, assim como outros laboratórios, estavam revelando a
existência dos microrganismos causadores de doença e possibilitando a
introdução de soros e vacinas; as doenças passavam a ser preveníveis
e curáveis” (SCLIAR, 2007. p. 34). A saúde e a doença como fenômenos
de grupamentos e de população passaram a ser problematizadas a partir
de múltiplas instâncias ligadas direta e indiretamente à administração
pública. Segundo Foucaut (1982), a saúde começava a ser reconhecida
como objeto da atenção do poder público.
O surgimento progressivo da grande medicina do
século XIX não pode ser dissociado da organização,
na mesma época, de uma política da saúde e de uma
consideração das doenças como problema político e
econômico que se coloca às coletividades e que elas
devem tentar resolver ao nível de suas decisões de
conjunto. [...]. Não há sem dúvida, sociedade que
não realize uma certa "noso−política". O século XVIII
não a inventou, mas lhe prescreveu novas regras e,
sobretudo, a fez passar a um nível de análise explícita
e sistematizada que ela ainda não tinha conhecido.
(FOUCAULT,1982, p. 107).

De acordo com Rosen (1979, p.78), a partir do início do século XIX,


a associação causal entre a miséria social e a
doença passou a ser uma característica comum
Rudolf Virchow:
do pensamento médico. Como exemplo, o Rudolf Ludwig
relatório de Rudolph Virchow cita sobre a Karl Virchow -
1821/1902) foi
epidemia de febre tifoide, ocorrida, em 1847, um médico, an-
tropólogo e po-
na Alta Silésia, cujas causas Virchow atribuiu lítico alemão. É
a um conjunto de fatores econômicos e sociais considerado o
pai da patolo-
negativos ao enfatizar que “riqueza, educação e gia moderna e
da medicina so-
liberdade dependem umas das outras e, assim, cial. Graduou-se
inversamente, fazem fome, ignorância e servidão”.
22 UNIUBE

Para o enfrentamento das epidemias, Virchow,


em medicina pela
Academia Militar
pioneiramente, propunha uma radical reforma
da Prússia (Berlin, social que implicaria na democracia plena, na
1843). Tornou-se
professor da cáte- educação, na liberdade e na prosperidade.
dra de anatomia
patológica da
Universidade de Amigo e contemporâneo de Virchow, Neumann
Berlim (1856).
Durante a Guerra (1841), afirmava:
Franco-Prussiana,
liderou pessoal-
mente o primeiro as condições econômicas e sociais tem um efeito importante
hospital móvel sobre a saúde e a doença e que tais relações devem ser
para atender os
submetidas à investigação científica [...] o maior número de
soldados no front.
doenças que impedem o gozo completo da vida ou matam
Também envolveu-
-se em atividades um número considerável de pessoas se deve não às causas
sociais, como sa- naturais mas a condições sociais artificialmente produzidas
neamento básico, tais como a fome e a miséria que, se não eram idênticas à
arquitetura hospi- morte, à doença e ao sofrimento crônico, eram como seus
talar, melhoramen- inseparáveis companheiros – o preconceito, a ignorância
to de técnicas de e a estupidez – fontes inesgotáveis do seu aparecimento.
inspeção sanitária (NEUMANN, apud ROSEN, 1979, p.82).
e higiene escolar.

As críticas de Virchow e Newmann em relação


N e u m a n n : ao risco à saúde, representado pelas condições
Neumann Salomon promíscuas das periferias urbanas; as grandes
(1819-1908),
cidadão de epidemias de Gripe Espanhola e Tifo ocorridas
Berlim, médico
e pioneiro das entre 1918 e 1922; e, também, à prevalência
estatísticas sociais
e médicas, foi um da tuberculose e da varíola, contribuíram para
dos fundadores
do Movimento que o século XX surgisse marcado por uma
para reforma do medicina de tendência higienista/sanitarista.
tratamento médico
prussiano, a fim Esta medicina concentrava boa parte de seus
de melhorar a
saúde dos setores esforços no controle das doenças transmissíveis.
mais pobres da
sociedade. Em Sendo assim, predominava, na prática médica,
1861, organizou o
recenseamento dos uma crença generalizada nos procedimentos
cidadãos de Berlin, de controle do meio (higiene e assepsia) como
visando melhorar os
serviços sociais e a principal medida de combate às infecções.
higiene na cidade.
É dele a afirmação:
“a ciência médica
UNIUBE 23

Segundo relato de Franco (2009), por meados de


possui em seu cerne
1920, Charles Winston, bacteriologista e editor do a essência de uma
American Journal of Bacteriology, já enfatizava a ciência social”.

importância dos hábitos higiénicos e concebia a


influência do ambiente sobre os agravos à saúde
numa perspectiva mais ampla e abrangente. Considerava a ciência e o
desenvolvimento social como fundamentais para a saúde e afirmava:
[...] a ciência é a arte de prevenir a doença, prolongar a
vida e promover a saúde física e a eficiência, através de
esforços comunitários organizados para o saneamento do
meio ambiente, o controle das infecções na comunidade,
a educação do indivíduo nos princípios da higiene pessoal
assegurando a cada membro da comunidade um padrão de
vida adequado para a manutenção da saúde. (CHARLES
WINSTON, 1920 apud FRANCO, 2009).

Além do esforço desempenhado no sentido de expandir o saneamento


básico e proteger os cidadãos mais abastados das doenças surgidas nas
periferias urbanas, o Estado via-se também obrigado a oferecer melhores
condições de saúde aos pobres e proletários como forma de garantir
oferta de mão de obra para o setor produtivo e alavancar a economia.
Assim, os governos e a sociedade passaram gradativamente a adotar
abordagens mais humanistas na implementação das suas políticas de
saúde. Os males do capitalismo, denunciados por Karl Marx, impunha
modificações na relação capital versus trabalho. Nas palavras de Otto
von Bismarck (1815-1898), o “chanceler de ferro” alemão, “os capitalistas
e latifundiários precisavam, serem salvos de si mesmos, de sua ganância
que ameaçava sacrificar a mão-de-obra operária”. (SCLIAR, 2007, p.36).

Assim, avanços substanciais na conquista por melhor qualidade de vida


ocorreram após a Segunda Guerra Mundial. Sensibilizada pelo enorme
sofrimento imposto pelos conflitos armados e motivada pela política do
Welfare System instituído pela Grã-Bretanha em 1942, a civilização do
pós-guerra passou a esperar e exigir, cada vez mais, dos seus governos
24 UNIUBE

um compromisso crescente com a saúde e o


Welfare System: ou
Estado do Bem- bem-estar da população. Não se tratava mais
estar, tal como foi
definido, surgiu
de oferecer apoio a uma parcela mais pobre e
após a Segunda particularmente frágil − perturbada e perturbadora
Guerra Mundial
com o intuito de − da população, mas da maneira como se poderia
oferecer ao povo
inglês uma espécie elevar o nível de saúde do corpo social em seu
de compensação
pelas agruras conjunto. O imperativo da saúde – e o bem-estar
sofridas com o
conflito bélico. Seu de todos – passou a ser gradativamente
desenvolvimento
está intimamente interpretado como dever de cada um e objetivo
relacionado ao geral das sociedades. Os diversos aparelhos de
processo de
industrialização poder deveriam se encarregar dos indivíduos
e aos problemas
sociais gerados a não simplesmente para exigir deles o serviço ou
partir dele. A Grã-
Bretanha foi o país extorquir-lhes as rendas, mas para ajudá−los a
que se destacou
na construção garantir sua saúde. (FOUCAULT, 1982).
do Estado de
Bem-estar com
a aprovação, em
1942, de uma série
Finalmente, a importância de uma política
de providências de Estado para a saúde pública tornara-se
nas áreas da saúde
e escolarização um consenso entre os governos das nações
que prometiam
proteção “do berço industrializadas. Entretanto, para se estabelecer
à tumba” e atenção
integral à saúde a uma diretriz capaz de nortear o planejamento
toda a população,
com recursos dos das políticas de saúde dos diferentes governos
cofres públicos. Nas
décadas seguintes, interessados na melhoria dos seus indicadores
outros países sociais, seria prioritário chegar-se a um conceito
seguiriam essa
direção. de saúde que pudesse ser universalmente aceito e
imediatamente adotado como meta a ser atingida
pelos países alinhados. Para a realização de tal
intento, seria necessário construir um acordo multilateral intermediado por
meio de um organismo internacional. Um esforço neste sentido já havia
sido tentado, porém, sem alcançar êxito, com a malograda criação da
Liga das Nações ao final da primeira guerra mundial.

Apenas após a Segunda Guerra mundial, reunidos em uma assembleia


UNIUBE 25

internacional realizada na cidade de São Francisco, na Califórnia,


cinquenta países assinaram, em junho de 1945, a Carta das Nações
Unidas que propunha a criação da Organização das Nações Unidas –
ONU.

SAIBA MAIS

Embora a Carta das Nações Unidas tenha sido aprovada em junho


de 1945, a Organização das Nações Unidas – ONU, só passou a
existir oficialmente em 24 de outubro de 1945, após a ratificação da
Carta pelos cinco países membros do Conselho de Segurança: China,
Estados Unidos, França, Reino Unido e a ex-União Soviética, bem
como pela maioria dos demais signatários. O dia 24 de outubro é
comemorado em todo o mundo como o “Dia das Nações Unidas”.

Posteriormente, um dos organismos da ONU, o Conselho Econômico e


Social das Nações Unidas, convocou uma Conferência Internacional de
Saúde, realizada em Nova York, para discutir a criação da Organização
Mundial de Saúde – OMS cujos estatutos foram aprovados, durante a
citada conferência, em 22 de julho de 1946.

Ainda que seus estatutos tivessem sido aprovados quase dois anos
antes, a OMS só foi oficialmente fundada em 7 de abril de 1948 (data
considerada, desde então, como Dia Mundial da Saúde), quando
26 membros das Nações Unidas ratificaram os seus estatutos e
promulgaram a sua Carta de Princípios que reconhecia a saúde como
um direito das populações e atribuía ao Estado a obrigação por sua
promoção e proteção.

Na Carta de Princípios da OMS, a saúde passou a ser conceituada com


o seguinte enunciado.
Saúde é o estado de completo bem-estar físico, mental e social,
e não apenas a ausência de doença ou enfermidade. (OMS,
1948).
26 UNIUBE

É bom que se diga que o conceito de saúde da OMS nunca foi um


consenso entre os sanitaristas. Ao longo dos últimos 70 anos da
publicação de seu enunciado e, considerando tanto as frequentes
alterações nas políticas de saúde dos países membros como as
permanentes mudanças nos processos de adoecimento das populações,
acendeu-se na comunidade científica um grande interesse por escrutinar
epistemologicamente a definição de saúde da OMS. Centenas de
pesquisadores, filósofos, estudantes e sanitaristas vêm manifestando
sua opinião sobre o que seria um ‘estado de completo bem-estar’, em sua
maioria, tecendo críticas acerca da subjetividade e do caráter genérico
e utópico do conceito.

Entendendo tratar-se de um esforço para ampliar o entendimento da


atenção à saúde para além da clínica médica, Rabelo (2010, p. 26),
considera a definição de saúde da OMS: “uma primeira tentativa
de superação da perspectiva de saúde fundamentada apenas no
conhecimento científico aplicado”.

Scliar (2007, p. 37) reconhece que a definição de saúde proposta pela


OMS “refletia, de um lado, uma aspiração nascida dos movimentos
sociais do pós-guerra: o fim do colonialismo e a ascensão do socialismo”
e julga louvável que o conceito de saúde expresse o direito a uma vida
plena, sem privações. Apesar de fazer ressalvas quando à subjetividade
e a imprecisão da expressão “completo bem-estar”, o autor admite tratar-
se de “um conceito útil para analisar os fatores que intervêm sobre a
saúde, e sobre os quais a saúde pública deve, por sua vez, intervir”
(SCLIAR, 2007, p.37).

Entre os mais prodigiosos pesquisadores e sanitaristas brasileiros,


Almeida Filho (2000, p. 5), critica a imprecisão do conceito de saúde
da OMS que, segundo o autor, incorpora uma espécie de “síndrome da
saúde” e acaba despertando um certo “misticismo sanitário” ao tentar
UNIUBE 27

definir o objeto saúde como um “todo completo” informando apenas que


não se trata do “nada da doença”.

Ainda sobre os esforços voltados para novas teorizações sobre saúde,


Almeida Filho e Jucá (2002) relatam que, em 1975, fundamentando-
se na impossibilidade lógica de considerar o “bem-estar” como um
valor concreto e quantificável, Christopher Boorse, filósofo americano
e professor de ética médica da faculdade de medicina de Delaware
(USA), afirmava ser plenamente possível concluir objetivamente sobre
uma situação de saúde ou de doença a partir da comparação das
funções orgânicas dos órgãos do paciente com o desempenho funcional
estatisticamente definido como normal para estes mesmos órgãos.
Assim, insistindo ainda em uma concepção negativa da saúde como
ausência de doença, Boorse enuncia sua teoria funcionalista ou teoria
bioestatística, fundamentada no conhecimento prévio da fisiologia de
cada órgão e na normalidade estatística das suas funções: “a saúde de
um organismo consiste no desempenho da função natural de cada uma
de suas partes”. (BOORSE, 1975, apud ALMEIDA FILHO & JUCÁ, 2002,
p. 881).

Prosseguindo com sua análise sobre a teoria bioestatística ou


funcionalista de Boorse, Almeida Filho e Jucá (2002), na mesma linha
de outros autores, também a consideram limitada por excluir tanto a
dimensão clínica como as dimensões subjetivas da base teórica saúde/
doença tais como, as influências culturais, geográficas, psicológicas,
políticas e econômicas. Opinião com a qual também corrobora Batistella
(2007, p. 57), “as tentativas de definir objetivamente a saúde por meio
de constantes funcionais e médias estatísticas produzem o apagamento
do corpo subjetivo”.

Sob a ótica psicanalítica, Segre e Ferraz (1997), apesar de reconhecerem


que o conceito de saúde da OMS foi avançado para a época, consideram-
28 UNIUBE

no irreal e ultrapassado para os atuais padrões da pesquisa e da prática


em saúde coletiva. Irreal porque o estado de “completo bem-estar”
remete ao conceito de perfeição que, do ponto de vista objetivo,
transforma a definição da OMS numa utopia, ou seja; estabelece uma
meta inalcançável para a saúde. Segundo os mesmos autores (p. 539),
“perfeito bem-estar” traduz uma categoria de felicidade que não existe
por si mesma. “Só poder-se-ia assim falar de bem-estar, felicidade ou
perfeição para um sujeito que, dentro de suas crenças e valores, desse
sentido de tal uso semântico e, portanto, o legitimasse”. No mesmo
trabalho, os autores consideram o referido conceito ultrapassado,
principalmente por incorporar o superado modelo cartesiano da
separação entre o físico, o mental e o social, modernamente refutado
pela ciência psicanalítica.
[...] graças a vivência psicanalítica, percebe-se a inexistência
de uma clivagem entre mente e soma, sendo o social também
interagente, de forma nem sempre muito clara [...] Se o
psíquico responde ao corporal e vice-versa, fala-se, então,
de um sistema onde não se delineia uma nítida divisão entre
ambos. (SEGRE e FERRAZ, 1997, p. 540)

Assim, a partir de suas experiências clínicas e observacionais, Segre e


Ferraz (1997, p. 542), sugerem que a saúde poderia ser melhor entendida
como “um estado de razoável harmonia entre o sujeito e a sua própria
realidade”.

1 . 7 O modelo da promoção da saúde e o conceito ampliado


de saúde

Em meio às críticas e às buscas para se encontrar um conceito mais


adequado para o objeto saúde, pesquisadores, filósofos, antropólogos,
sanitaristas, profissionais de governos e de organismos internacionais
convergem para um ponto comum que se expressa pela quebra do
paradigma flexneriano, marcadamente biologicista e individualista.
UNIUBE 29

SAIBA MAIS

Abraham Flexner (1866/1959) foi um Educador de origem judia,


comissionado pela Carnegie Foundation. Foi o responsável, em 1910,
pelo Relatório Flexner que resultou na reforma do ensino médico na
América do Norte, posteriormente adotada por diversos outros países.

No Brasil, as recomendações de Flexner passaram a ser conhecidas


como paradigma flexneriano ou Modelo Biomédico. Segundo alguns
pesquisadores, as observações de Flexner sobre o ensino médico
conduziram à fragmentação do conhecimento médico e induziram a
especialização precoce dos profissionais. De caráter excessivamente
cientificista, individualista, medicalizante e hospitalocêntrico, em
detrimento do lado humano do exercício da medicina, o paradigma
dificulta a abordagem do paciente em seu conjunto. Modernamente,
alguns autores têm discordado desta interpretação. Para saber mais
leia o texto “Sobre o modelo flexneriano da medicina científica”, do
blog Sou+SUS. Para isso, acesse:
<https://soumaissus.blogspot.com/2018/01/sobre-o-modelo-
flexneriano-da-medicina.html>

Nas primeiras décadas do século XX, apesar


John Snow
da prática médica permanecer majoritariamente (1813/1858):
concentrada no objeto doença, surge uma nova Médico
inglês, considerado
área da medicina, identificada como medicina pai da epidemiologia
moderna. Em
social, cujas atenções passam a priorizar o 1854, na cidade
de Londres,
entendimento dos processos de adoecimento no demonstrou
que o cólera era
sentido de identificar as “causas” das doenças, causado pelo
consumo de água
visando encontrar alternativas para intervir contaminadas com
matérias fecais, ao
preventivamente no controle dos riscos. comprovar que os
casos dessa doença
se agrupavam
nas zonas onde a
30 UNIUBE

Em 1854, pesquisando uma epidemia de cólera


água consumida
estava contaminada em Londres, John Snow, considerado o pai
com fezes das
pessoas adoecidas. da epidemiologia, associou o adoecimento dos
História natural da
indivíduos ao consumo de água contaminada
doença: Refere- por fezes de doentes. Esta descoberta marcou o
se ao conjunto
de processos início da Epidemiologia e forneceu embasamento
interativos
compreendendo para o surgimento da teoria da História Natural
as inter-relações
do agente causal, da Doença e do modelo de prevenção primária,
do hospedeiro
suscetível e do proposto por Leavell e Clark no final da década
meio ambiente
que interferem de 1940. Estes autores preconizavam como
na evolução
do processo
medidas de prevenção primária, a boa nutrição,
patogênico, desde o atendimento às necessidades afetivas, a
a ocorrência
do estímulo educação sexual, a orientação familiar, as boas
patológico no meio
ambiente, ou em condições de moradia, trabalho e lazer, além de
qualquer outro
lugar, passando exames periódicos e da educação para a saúde.
pela resposta do
homem ao estímulo, (FRANCO, 2009).
até as alterações
que levam a uma
limitação, invalidez,
recuperação ou Na América, ainda na primeira metade do século
morte. XX, segundo Fee (1996), as ideias de Henry
Prevenção Sigerist sobre a necessidade de incrementar a
primária: Estratégia
ou modelo de intervenção do Estado nos cuidados da saúde da
atenção à saúde
que procura evitar população, assim como havia sido proposto por
a ocorrência de
doenças por Virchow no século anterior, foram amplamente
meio da redução
dos riscos, aceitas e apoiadas pelos defensores da medicina
seja alterando
comportamentos liberal, incluindo representantes de algumas
ou exposições aos
agentes causais,
das mais poderosas fundações privadas e por
ou aumentando influentes professores das escolas de medicina
a resistência
dos indivíduos. do país. Essas pessoas acreditavam que o
A prevenção
primária ultrapassa atendimento médico deveria ser mais eficiente
os problemas
médicos e inclui e racionalmente organizado pelo Estado, desde
o controle dos
fatores ambientais e que seu custo não colocasse em risco o equilíbrio
sociais.
UNIUBE 31

político e os fundamentos econômicos da


Henry E. Sigerist
sociedade americana. – (1891/1957),
médico poliglota,
nascido na França,
Ainda segundo Fee (1996, p. 1640), em 1934, filho de pais suíços
e radicado nos EUA,
numa de suas memoráveis palestras cujo tema foi professor de
história da medicina
versava sobre a socialização da medicina, em Baltimore.
Desempenhou um
Sigerist argumentava que, na medida em que influente papel na
a sociedade evolui tornando-se gradativamente política médica
americana na
mais complexa, cabe ao Estado instituir normas década de 1930
e início dos anos
e diretrizes no sentido de evitar que a atenção à 40, tornando-se
um dos principais
saúde se reduza unicamente à relação individual proponentes de um
seguro social de
médico-paciente. Segundo ele, seria papel do saúde nacional e o
governo introduzir políticas de fomento para principal defensor
de uma medicina
estimular a cooperação entre a sociedade e socializada
para o país.
os profissionais de saúde, visando tornar as Como escritor e
militante socialista,
formas de intervenção e os cuidados sanitários argumentava
que a história da
cada vez mais compatíveis aos riscos sob os medicina não era
quais a população se encontrava submetida. e nem deveria
ser uma história
Com argumentos convincentes de um exímio de progresso
científico apenas,
conhecedor da história da medicina, Sigerist (1935 mas também, de
progresso social.
apud Fee, 1996, p. 1640) afirmava: “as tendências
reveladas pela história apontam claramente para
a necessidade de se instituir formas e modelos
mais estruturados e equitativos de prestar a assistência médica”.
[...] a saúde promove-se proporcionando condições de
vida decentes, boas condições de trabalho, educação,
cultura física e formas de lazer [...] que se logra com
o esforço coordenado de políticos, setores sociais e
empre­sariais, educadores e médicos, cabendo a estes
últimos, definir normas e protocolos. (SIGERIST, apud
RABELLO, 2010, p.21).

Na esteira e na emergência do ideal socialista de um Estado provedor


que desempenhasse o papel de agente promotor de um modelo de
32 UNIUBE

atenção à saúde mais amplo e resolutivo, conforme propôs Sigerist e,


influenciado pelo modelo da prevenção primária introduzido por Leavell
e Clark, Marc Lalonde, então ministro da Saúde e Bem-Estar do Canadá,
publica em 1974, um relatório de trabalho com o seguinte título “Uma
nova perspectiva sobre a saúde dos canadenses”. Neste documento,
posteriormente denominado Relatório Lalonde, seu autor admite a
ineficácia do modelo de saúde até então vigente no Canadá e condena a
priorização da prática clínica individual como estratégia básica de atenção
à saúde. O então ministro da saúde entendia que o enfrentamento dos
problemas sanitários da população não poderia seguir desconhecendo
a implicação dos fatores sociais como determinantes dos agravos que,
por sua complexidade e diversidade, demandavam novos atores e novas
estratégias de abordagem e tratamento.

Em seu histórico relatório, Lalonde demonstra que os determinantes


ambientais e os estilos de vida exercem impactos sobre os fatores
de risco e sobre a qualidade de vida da população sendo, portanto,
capazes de influenciar favoravelmente (ou não) os níveis de saúde da
população. Além disto, sempre que tais indicadores são levados em
conta, no planejamento das ações, resultam em economia de recursos
quando comparados ao sistema tradicional de saúde, fundamentado
exclusivamente na clínica médica tradicional. (FRANCO, 2009).

Considerado como o grande marco conceitual do modelo da Promoção


da Saúde por tratar-se do primeiro documento a mencioná-la oficialmente,
o Relatório Lalonde consolida e define as bases de uma nova política
de Estado para a saúde, “trazendo como consigna básica adicionar não
só anos à vida, mas vida aos anos” (PAIM, J.S; ALMEIDA FILHO, 1998,
p. 305).

De acordo com Rabello (2010, p. 23), ao introduzir o conceito de “campo


da saúde” e subdividi-lo em quatro grandes componentes: biologia
UNIUBE 33

humana, meio ambiente, estilo de vida e organização da atenção à saúde,


Marc Lalonde cria novos caminhos para a superação da hegemonia da
clínica médica nos serviços de saúde e abre espaços para a introdução
de um conjunto de práticas sociais viabilizadoras dos interesses difusos
que se configuram num dado espaço social coletivo.

Para Souza e Kalichman (apud Schraiber e Mendes-Gonçalves, 2000, p.


43) o trabalho de Lalonde resultou na amplificação do leque das situações
passíveis de serem consideradas como situação de risco à saúde e
possibilitou a complexificação das formas de intervenção alargando
os limites da prevenção e da atenção primária para os conceitos de
qualidade de vida e da promoção da saúde,
[...] a dimensão de ações que promovem diretamente a
saúde, mais que ações de restauração ou prevenção,
tornaram a promoção à saúde um conceito a ser melhor
delimitado. Esta noção [...] traz novas questões para a
assistência, como por exemplo uma melhor definição do
conceito de qualidade de vida (SOUZA e KALICHMAN
apud SCHRAIBER e MENDES-GONÇALVES, 2000, p.
43).

Quatro anos após a publicação do Relatório Lalonde, em setembro


de 1978, os Estados Membros da OMS reúnem-se, na cidade de
Alma-Áta no Cazaquistão, para uma Conferência Internacional sobre
Cuidados Primários de Saúde e formulam um documento denominado
Declaração de Alma-Ata, que acaba se tornando um marco referencial
para o desenvolvimento das políticas de saúde no mundo. Além de
propor a meta “saúde para todos no ano 2000” (OMS, 1978, p.1), a
Declaração de Alma-Ata amplia o âmbito do cuidado à saúde, rompe com
o monopólio dos “saberes” técnicos (do médico e demais profissionais
da equipe de saúde) e incentiva a participação ativa da população nas
questões que envolvem a saúde e a qualidade de vida. Define também, a
Atenção Primária à Saúde como componente central do desenvolvimento
humano e estratégia fundamental para a reorganização da saúde pública
34 UNIUBE

com vistas às correções das desigualdades sociais decorrentes das


iniquidades e da falta de equidade na cobertura e na oferta dos serviços.

Embora tenha sido essencial para a o aprimoramento dos modelos


de saúde adotados no mundo, a Conferência de Alma-Ata restringiu-
se exclusivamente às questões relacionadas à Atenção Primária, não
tendo, portanto, se referenciado ao Relatório Lalonde e, tampouco,
considerado as novas perspectivas representadas pelas propostas da
promoção da saúde. Esta omissão, embora involuntária, resultou numa
espécie de anomia que motivou, em novembro de 1986, na cidade de
Ottawa/Canadá, com o apoio da OMS, a realização da I Conferência
Internacional sobre Promoção da Saúde que resultou na Carta de Ottawa.

Segundo Rabello (2010, p. 21), a Conferência de Ottawa foi responsável


pela quebra do paradigma flexneriano até então vigente e hegemônico;
e pelo surgimento de um novo paradigma sanitário reconhecido como o
modelo da Promoção da Saúde.

PESQUISANDO NA WEB

Você conhece a Declaração de Alma-Ata e a Carta de Ottawa?


Sugerimos que faça uma pesquisa na Internet acerca desses
dois textos, por meio de sites de buscas, como o Google.
É importante conhecer os documentos na íntegra. Faça um
esquema de palavras-chaves acerca das ideias que considerar
principais.

Na Carta de Ottawa (1986, p.1), os fundamentos da Promoção da Saúde


assumem uma conceituação mais abrangente e dinâmica para a saúde:
• corroboram e fortalecem as recomendações de Alma-Ata,
associando-as à promoção da saúde;
• inauguram a discussão sobre a qua­lidade de vida;
• defendem a autonomia das comunidades e dos indivíduos;
UNIUBE 35

• propõem a mobilização da sociedade;


• abordam o papel da intersetorialidade no equacionamento e na
solução dos problemas comunitários, ao mesmo tempo em que
reforçam a importância do planejamento e do poder local.

A Carta de Ottawa também reforça a meta de “Saúde para todos no


ano 2000” e destaca a importância de mantê-la nos anos subsequentes.
Cita ainda os requisitos fundamentais para que a meta proposta possa
ser alcançada: paz no mundo, abrigo, educação, alimentação, recursos
econômicos, ecossistema estável, recursos sustentáveis, justiça social
e equidade. Realça, também, a importância do ambiente de trabalho
como fonte de saúde e a importância da proteção e da conservação dos
recursos ambientais (FRANCO, 2009).

Com efeito, a Saúde Pública não pode e não deve ficar restrita unicamente
à simples oferta dos serviços de saúde. A promoção da saúde exige

Requisitos considerados fundamentais para que a meta


saúde para todos possa ser alcançada

Paz no mundo Abrigo Educação Alimentação

Recursos Ecossistema Recursos


Justiça social
econômicos estável sustentáveis

Ambiente de
Equidade trabalho como
fonte de saúde
um processo dinâmico que envolve transformações políticas, sociais e
econômicas, necessárias e indispensáveis à consecução do bem-estar
social. Neste sentido, Rabello (2010, p.26) destaca a importância da
equidade como a chave para alcançar a meta saúde para todos. Muito
além de simplesmente fomentar o desenvolvimento econômico, caberá
36 UNIUBE

ao Estado e à sociedade como um todo, promover a justiça distributiva


por meio da articulação de um processo de desenvolvimento geral e
socialmente includente que incorpore a saúde e a educação como
prioridades.

Cabe aqui resgatar o pensamento do brilhante filósofo Georges


Canguilhem (apud Rabello, 2010, p. 31), “a saúde pode ser definida pela
capacidade humana de coexistir em seu ambiente, não somente físico,
mas também social”. Desta forma,
[...] saúde e doença responderão às transformações do
meio ambiente; às inserções das pessoas socialmente,
tanto em suas famílias como nas atividades de
trabalho, constituindo estados sociais. Da mesma
forma, responderão às ações das políticas públicas, do
saber e da prática médicos, por sua vez calcados nas
configurações do Estado (ADAM; HERZLICH, 2001,
apud RABELLO, 2010, p. 31)

Ainda segundo Rabello (2010), a forma de incorporar o modelo da


promoção da saúde nas Políticas de Estado define os níveis de
organização da sociedade e, portanto, difere
de um país para outro. Assim, apesar dos
Organização
Pan-Americana países membros da OMS e da Organização
da Saúde (OPAS): Pan-americana de Saúde – OPAS serem
criada em 1902, é a
mais antiga agência igualmente signatários dos acordos fundados
internacional de
saúde do mundo. nos princípios da Declaração de Alma-Ata e da
Sediada em
Washington nos Carta de Ottawa, cada um, de forma autônoma e
EEUU, atua como
escritório regional soberana, passou a adotar sua própria estratégia
da Organização de implementação das políticas sanitárias
Mundial de
Saúde para as voltadas para o atingimento da meta ‘Saúde para
Américas e faz
parte dos sistemas todos no ano 2000’.
da Organização
dos Estados
Americanos (OEA)
e da Organização Assim, a exemplo do que já vinha ocorrendo em
das Nações países como o Canadá, Reino Unido, Austrália
Unidas (ONU).
e Bélgica, a partir de 1990, com amplo apoio da
OPAS, o modelo da promoção da saúde começou
UNIUBE 37

a ser gradativamente inserido na agenda da saúde pública dos países


da América Latina, ampliando as possibilidades dos serviços públicos
responderem de maneira mais resolutiva aos problemas de saúde da
população (RABELLO, 2010).

No Brasil, após anos de muitas lutas e muito trabalho em favor de um


movimento nacional reconhecido como Movimento da Reforma Sanitária
Brasileira, a Constituição Federal de 1988, no seu artigo 196, passou a
considerar:
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução
do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal
e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e
recuperação. (BRASIL, 1988, p. 1).

Na forma como ficou explicitado no artigo 196 da Constituição Federal


do Brasil, a saúde passa a ser entendida como um direito básico de
cidadania inerente a todos os brasileiros. Posteriormente, em 1990, a
Lei 8.080/90, conhecida como Lei orgânica da Saúde, ao regulamentar
o texto constitucional, reafirma e reconhece, em seu artigo 3º, que
“os níveis de saúde da população expressam a organização social
e econômica do País” e estabelece, como indicadores de saúde, um
conjunto de fatores condicionantes que deverão ser impulsionados pelo
Estado e implementados pela sociedade para que os objetivos de ‘saúde
para todos’ possam ser alcançados:
Art. 3º. A saúde tem como fatores determinantes e
condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia,
o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a
renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos
bens e serviços essenciais; [...] Parágrafo único. Dizem
respeito também à saúde as ações que, por força do
disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às
pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico,
mental e social. (BRASIL. Lei nº 8.080 de 19/09/1990).

Embora o objetivo da Carta Magna Brasileira tenha sido o de reconhecer


38 UNIUBE

a saúde como um direito de cidadania, paralelamente, além do seu


propósito precípuo, o texto constitucional fornece subsídios para a
compreensão e para formulação de um conceito mais ampliado de saúde.
O fenômeno saúde passa a ser “concebido como expressão do modo
de vida (estilo e condições de vida), capaz de explicar, juntamente com
as condições de trabalho e do meio ambiente, o perfil epidemiológico da
população” (PAIM, J.S.; ALMEIDA FILHO, 1998, p.311).

Na mesma linha de pensamento, Batistella (2007) argumenta que a


saúde é um constructo que emerge de uma dada realidade social e
espelha a conjuntura econômica, social e cultural de uma época e lugar.
Portanto, a compreensão de como se dão as complexas relações entre
homem e o seu espaço/território de vida e trabalho é fundamental para
a identificação de suas vulnerabilidades e potencialidades.

Deste modo, constata-se que a saúde resulta da mútua interferência entre


os seres humanos e o ambiente em que vivem e com o qual interagem,
ou seja, não é apenas o homem que interfere e altera o ambiente em que
vive, mas também, o ambiente exerce influência sobre a saúde física e
mental do homem, podendo causar-lhe bem ou mal. Isto posto, pode-se,
por decorrência, afirmar que saúde e desenvolvimento sustentável são
interdependentes e que, em razão desta interdependência, cabe ao
conjunto da sociedade: poder público, instituições, famílias e indivíduos
desenvolverem políticas, atitudes e comportamentos que resultem e/ou
promovem as condições necessárias à conquista da qualidade de vida
e do bem-estar social.

Resgatando, em parte, o pensamento de Canguilhem (2006, p.148) que


explica a saúde como a habilidade natural ou a “margem de tolerância
ou de segurança que cada um possui para enfrentar e superar as
infidelidades do meio”, poderíamos então concordar que, diante das
ameaças e tensões físicas, biológicas, psicológicas e sociais decorrentes
do modo de vida dos indivíduos, o que irá nos permitir chegar a um
UNIUBE 39

conceito positivo de saúde será, talvez, entendê-la como a capacidade


humana de enfrentar e superar positivamente as adversidades da vida.

1.8 Considerações finais

Como vimos até aqui, além do conceito de saúde variar e evoluir ao


longo dos tempos; e das condições sanitárias mostrarem-se sensíveis
às diferentes realidades sociais, fica claro que tanto o reconhecimento,
como o compromisso das sociedades sobre o estar doente ou saudável,
pode ser também, significativamente desuniforme.

Apesar do conceito de saúde como oposição à doença continuar


enraizado na sociedade, a saúde jamais poderá ser interpretada como
sinônimo de cura, uma vez que não existe cura definitiva, pois, sob
a luz dos modernos sistemas de diagnóstico atualmente disponíveis,
sempre será possível detectar algum nível de desequilíbrio nas funções
do organismo humano.

À título de conclusão, diríamos que saúde pertence à ordem do “é”


e não do “que é”. A partir deste ponto de vista, o estado de saúde
pode ser considerado como uma condição decorrente das interações
dinâmicas dos contextos biológico, espiritual e social do indivíduo com
as complexidades do seu entorno, em cada momento da sua existência
e das quais resulte um estado relativo de bem-estar físico, mental, social
e espiritual. Saúde é, pois, vida em curso, materialização e manifestação
de subjetividades. Um valor universal inerente à vida que deveria instituir-
se e plenificar-se isento dos encargos de mercado e das iniquidades do
mundo.

AGORA É A SUA VEZ

Muito bem, você chegou ao final destes estudos. É hora de retomar o


exercício do início deste módulo e escrever a sua versão final sobre o que
é saúde. Incorpore todos os conhecimentos adquiridos ao longo do estudo,
compare as três definições e analise o seu progresso! Depois, comente e
discuta suas dúvidas com seu professor-tutor.
40 UNIUBE

Referências
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44 UNIUBE
UNIUBE 45

Capítulo
A Seguridade Social
2

Alaor Carlos de oliveira

Introdução
Despercebida pela maioria dos brasileiros e reconhecida muito
mais em função dos benefícios da aposentadoria, da licença-
maternidade e do afastamento remunerado do trabalho, a
Seguridade Social que engloba as áreas da saúde, da previdência
e da assistência social compõe uma enorme e diversificada rede
de políticas sociais que dão corpo e concretude à proteção social
no país.

Segundo a Constituição Federal, de 1988, no Art. 194 “A


Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações e
políticas sociais de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade,
destinadas a assegurar os direitos à saúde, à previdência e à
assistência social” (BRASIL, 1988, p.1).

É por meio da Seguridade Social que um povo ou nação busca


construir e alcançar uma sociedade livre, justa e solidária; garantir
seu desenvolvimento, erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades; eliminar preconceitos e promover o bem
de todos, conforme preconiza o Art. 3º da Constituição Federal
(BRASIL, 1988).
46 UNIUBE

Nesta unidade didática, abordaremos o conceito, os fundamentos


e a evolução histórica da Seguridade Social e a sua relação com
as políticas de proteção social no mundo e no Brasil.

Objetivos
Ao final deste estudo, o aluno deverá ser capaz de:
• definir Direitos humanos;
• conceituar Seguridade Social;
• distinguir Seguridade Social de Previdência e Assistência
Social;
• correlacionar a evolução histórica do conceito Seguridade
Social às políticas de proteção social implementadas no
mundo e no Brasil;
• relacionar os fatores econômicos, sociais, culturais, históricos
e políticos que impactaram avanços e ou retrocessos na
implementação das políticas de Seguridade Social no mundo
e no Brasil;
• explicar a importância da Seguridade Social para o Estado
Democrático de Direito e a justiça social;
• avaliar o conhecimento construído.

Esquema
2.1 A Seguridade Social – fundamentos e objetivos
2.2 A Seguridade Social – breve histórico
2.3 A Seguridade Social – evolução
2.4 A Seguridade Social – evolução no Brasil
2.5 Considerações finais
UNIUBE 47

2.1 A Seguridade Social – fundamentos e objetivos

Do ponto de vista dos seus fundamentos e princípios, a Seguridade


Social se alicerça no respeito e na garantia dos direitos fundamentais
da pessoa humana.

Os direitos fundamentais, segundo Cavalcante Filho (2017), são os que


se fundamentam no respeito à dignidade humana, ou seja, são os direitos
decorrentes do natural reconhecimento a todos os seres humanos, pelo
simples fato de serem humanos. Segundo a doutrina jurídica, os direitos
fundamentais são os direitos intrínsecos à condição humana de homens
e mulheres. “Para alguns são direitos naturais, portanto, inatos; para
outros, entretanto, são direitos positivos; outros mais os reconhecem
como direitos históricos” (AGUIAR, 2018, p.1).

A capacidade de reconhecer e preservar a dignidade dos seres humanos,


independentemente de raça, do credo, do nível social ou cultural é parte
da natureza humana do homem. É isto que faz dele um ser racional e
o difere da maioria dos seres vivos da terra. Reconhecer dignidade no
outro é o que humaniza o homem.

Do ponto de vista jurídico, Cavalcante Filho (2017, p.4-5) nos ensina


que “os direitos fundamentais do ser humano são direitos pré-positivos”,
isto é, são ‘direitos naturais’ anteriores e mesmo independentes do seu
reconhecimento legal, “uma vez que decorrem da própria natureza
humana, e que preexistem antes mesmo do seu reconhecimento pelo
Estado”. Na Constituição dos EEUU “os direitos fundamentais são
aqueles conquistados historicamente pela humanidade”.

Compreende-se assim, que os direitos fundamentais são constructos


históricos do processo civilizatório da humanidade, conquistados a partir
da paulatina humanização do homem. Por essa razão são eles,
48 UNIUBE

[...] além de fundamentais, inatos, absolutos, invioláveis,


intransferíveis, irrenunciáveis e imprescritíveis, porque
participam de um contexto histórico, perfeitamente delimitado.
Não surgiram à margem da história, porém, em decorrência
dela, ou melhor, em decorrência dos reclamos da igualdade,
fraternidade e liberdade entre os homens no sentido de
pessoas humanas. (CAVALCANTE FILHO, 2017, p. 6-8).

O papel primordial da Seguridade Social no seio de uma sociedade é,


pois, instituir e promover políticas inclusivas de desenvolvimento humano
e bem-estar social. Cabe a ela funcionar como um sistema de proteção
social com o objetivo de garantir e proporcionar a todos e a cada um
dos componentes de uma sociedade, o pleno gozo dos seus direitos
fundamentais, individuais e coletivos, de modo a garantir o surgimento
e a manutenção do Estado Democrático de Direito.

2.2 A Seguridade Social – breve histórico

Segundo o ex-ministro do STF, Carlos Velloso (2010, p. 22), as políticas


de seguridade social não foram abruptamente formuladas. As alternativas
criadas pelo homem para reduzir os efeitos das adversidades da vida,
tais como a fome, as doenças e a velhice, confundem-se com a própria
história da civilização. A preocupação com a integridade física e com os
direitos fundamentais do homem, hoje denominados de direitos humanos,
vem de longe e assenta-se em antecedentes históricos. Seja no Brasil
ou no mundo.

Na antiguidade e, até o fim da idade média, a proteção contra os riscos


da vida era garantida pelo núcleo familiar ou pelo líder do clã. Segundo
Martins (2010, p.4), os Incas já se preocupavam com a subsistência
dos seus inválidos e promoviam o cultivo comunitário de terras com
a finalidade de cobrir as necessidades dos doentes, dos incapazes e
dos anciãos. Ibrahim (2010, p.2) ensina que, até o século XVII, nas
sociedades asiáticas e europeias, os indivíduos que não eram envolvidos
UNIUBE 49

pela proteção familiar e não tinham condições de garantir a própria


subsistência ficavam à mercê da caridade alheia.

Segundo Jardim (2013, p.1), em 1601, surge na Inglaterra, a chamada


lei de amparo aos pobres (Poor Relief Act) “que instituiu a contribuição
obrigatória para fins sociais e consolidou outras leis sobre a assistência
pública”. Segundo o autor, “essa lei concedia aos juízes da Comarca o
poder de tributar, pois autorizava que lançassem o imposto de caridade
a ser pago por todos os ocupantes e usuários de terras” (JARDIM,
2013, p.1). O valor oriundo da arrecadação era enviado às paróquias
encarregadas de administrar os recursos e proporcionar auxílio aos
indigentes.

Contudo, nem sempre a preocupação com o futuro resultou em


benefícios comuns ou amparo aos mais necessitados. Na segunda
metade do século XVII, de modo lento e insipiente, a previdência surgiu
como um privilégio de pequenas parcelas socialmente mais influentes da
população; e não como uma política de Seguridade Social propriamente
dita. Segundo Aguiar (2018, p.1), o primeiro país que criou um plano de
aposentadoria foi a França, em 1673, construindo um sistema estatal
exclusivo para os membros da Marinha Real que, dois séculos depois,
se estenderia para outros funcionários públicos.

2.3 A Seguridade Social – evolução

O século XVIII deu lugar a um intenso processo migratório das


populações campesinas que preferiam trocar o árduo trabalho rural
pela vida miserável nas periferias das cidades onde o acesso aos
alimentos, antes mais fácil no campo, tornava-se cada vez mais difícil.
Na Inglaterra, o fenômeno do êxodo rural coincidiu com o início do
processo de industrialização e levou a burguesia inglesa a investir nas
máquinas e alterar os modos de produção, explorando a mão de obra
50 UNIUBE

abundante e barata que chegava do campo. Na


Proletariado: o
termo foi empregado esteira da crise dos artesãos, surgia a Revolução
pela teoria marxista
para definir o
Industrial acompanhada de profundas alterações
oposto à burguesia. no comércio e na economia e que resultaram
O proletariado é a
classe social formada no surgimento de uma nova classe social, o
pelos proletários.
Vejam o que explicam proletariado.
Marx e Engels (2009,
p.23): Por burguesia
entendemos a classe
dos capitalistas Apesar da Revolução Industrial ter resultado no
modernos,
proprietários enriquecimento da burguesia, a classe proletária
dos meios de não ganhava o suficiente para garantir sua
produção social e
empregadores do subsistência e dignidade. As jornadas de trabalho
trabalho assalariado.
Por proletariado, a chegavam a dezesseis horas diárias e mulheres e
classe dos operários
assalariados crianças recebiam muito menos do pouco que era
modernos que, não
possuindo meios pago aos trabalhadores homens. Assim, movidos
próprios de produção,
reduzem-se a vender por inúmeros conflitos causados por este injusto
a força de trabalho
para poderem viver.
processo de produção, os trabalhadores foram à
luta por seus direitos.

Luddismo: Uma das primeiras formas de luta, utilizada


Acerca do termo, o
dicionário nos traz o pelos trabalhadores para pressionar os patrões
seguinte.
a melhorar as condições de trabalho, foi um
Hist. Pol. Luddismo:
Movimento movimento que ficou conhecido como Luddismo,
coletivo que se
estendeu pela
O Luddismo consistia na invasão das fábricas
Inglaterra desde por grupos de trabalhadores que destruíam as
o início do século
XIX (contrário à máquinas para impedir redução salarial e exigir
mecanização do
trabalho visava benefícios.
à destruição
da máquina,
responsabilizando-a
pelo desemprego Dentre os primeiros documentos que abordaram
e pela miséria
social nos meios de os direitos sociais, a Declaração de Direitos do
produção.
fig. Concepção
Homem e do Cidadão, produto da Revolução
segundo a qual Francesa em 1789, tornou-se um modelo
seguido por outros países. Jardim (2013) relata
UNIUBE 51

que, na Alemanha, em 1883, a aprovação da


qualquer progresso
Lei do Seguro Social, pelo Chanceler Otto Von tecnológico é
Bismarck garantiu, inicialmente, o seguro-doença socialmente nocivo.
(HOUAISS; VILLAR,
e, posteriormente, passou a cobrir também o 2009, p. 1200)

seguro contra acidentes de trabalho (1884) e o Embora sem


comprovação oficial,
seguro de invalidez e velhice (1889). A Lei alemã acredita-se que o
nome do movimento
estabelecia que o custeio desses seguros deveria deriva do nome
ser rateado entre os trabalhadores, os patrões e o Ned Ludd, um
suposto trabalhador
Estado, o que acabou não eliminando as tensões que, em protesto,
teria destruído
políticas e os conflitos entre a burguesia e a as máquinas na
indústria onde
classe trabalhadora. Assim, mesmo apesar dos trabalhava.
conflitos de interesses, a partir do Seguro Social
de Bismarck, o conceito de seguridade social foi
sendo gradativamente ampliado e assimilado por
outras nações.

A Dinamarca instituiu o direito à aposentadoria em 1891. Logo em


seguida, a Suécia aprovou um plano nacional de pensão para todos
seus cidadãos. Na América Latina, segundo Ibrahim (2010, p. 51), até
1920, países como Chile, Uruguai e Argentina já haviam instituído suas
políticas de proteção social.

Nos Estados Unidos da América do Norte, após a grande depressão de


1929, o governo do presidente Franklin Roosevelt elaborou um plano de
recuperação econômica do país denominado New Deal (novo acordo).
Baseado na doutrina do Wellfare State (Estado do bem-estar social),
o plano resultou na promulgação do Social Security Act, em 1935, que
instituiu um programa de Seguridade Social, custeado pelo Estado,
criando um seguro contra o desemprego e estabelecendo o direito a uma
pensão na velhice. Em 1938, a Nova Zelândia extinguiu o seguro privado
que lá havia e instituiu uma lei, implantando o seguro social, concedendo
proteção a toda a população (MARTINS, 2010, p. 5).
52 UNIUBE

O primeiro Estado a incluir a seguridade social em


Estado Liberal:
Fruto do período sua Constituição foi o México, em 1917. A Carta
iluminista e surgido
após a Revolução Magna mexicana estabelecia a responsabilidade
Francesa, o Estado
liberal de direito dos patrões pelos acidentes de trabalho e previa a
é o modelo de
governo que se indenização por invalidez e ou morte decorrentes
opõe ao Estado
autoritário, das funções laborais. Na Alemanha, o final da
intervencionista
e centralizador. primeira guerra mundial marcou o apogeu da
A ideologia
liberal defende crise entre o Estado Liberal e o Estado Social
a valorização
da autonomia, que culminou com a vitória deste último, com a
a liberdade de
investimentos e os promulgação da Constituição de 1919 e com a
direitos individuais
dos cidadãos, ascensão da República de Weimar ao poder.
garantindo-lhes
a liberdade de A Constituição de Weimar, de 1919, criou um sistema
fazer o que de seguros sociais para poder, com o concurso dos
desejarem desde interessados, atender à conservação da saúde e da
que não violem o
direito de outros. capacidade para o trabalho, à proteção, à maternidade e
Economicamente, à previsão das consequências econômicas da velhice, da
o modelo liberal enfermidade e das vicissitudes da vida (art. 161). Determinou
de governo é fruto
dos interesses que ao Estado incumbe prover a subsistência do cidadão
da burguesia que alemão, caso não possa proporcionar-lhe a oportunidade de
acredita que o livre ganhar a vida com um trabalho produtivo (MARTINS, 2010,
mercado é capaz
autorregular-se sem p. 5).
necessidade de
intervenção estatal.

Estado social: sua


organização política No mesmo ano de 1919, como parte do Tratado
e econômica o
coloca como agente de Versailles, que pôs fim a primeira Guerra
da promoção social
e organizador da Mundial, a recém-criada Liga das Nações institui
economia. Neste
modelo político, a Organização Internacional do Trabalho – OIT,
o Estado atua
regulamentando que propõe e aprova em 1921, um plano de
a economia e
promovendo previdência social para subsidiar as políticas de
o bem-estar
social, podendo proteção aos trabalhadores dos países alinhados.
agir em parceria
com sindicatos,
empresas e
instituições Nos anos finais da segunda guerra mundial, a
privadas.
necessidade de acolher e assistir as milhares
de vítimas do conflito fez surgir, na Inglaterra,
em 1942, o Plano Beveridge que reestruturou o sistema inglês de
previdência e instituiu uma política mais abrangente de proteção social.
UNIUBE 53

O plano Beveridge representou um novo marco regulatório da seguridade


social ao estabelecer que, além de responsabilizar-se pelo seguro social
que cuidava das aposentadorias e pensões dos trabalhadores, caberia
também ao Estado promover ações nas áreas de saúde e assistência
social.

SAIBA MAIS

Plano de Beveridge: Foi um plano elaborado por William Henry Beveridge


- Barão de Beveridge (1879-1963), notável economista e progressista
britânico.  Ele elaborou, em 1942, o Report on Social Insurance and Allied
Services, conhecido como Plano Beveridge. Visando libertar o homem da
miserabilidade, o Plano recomendava ao governo inglês, medidas para
combater o que chamou de grandes males da sociedade: a escassez, a
doença, a ignorância, a miséria e a ociosidade.
O Plano Beveridge, segundo Silva (2010), foi concebido tendo como base
a superação das políticas de proteção social praticadas na Inglaterra até
1940. Propôs a criação de um seguro social cujo objetivo seria o combate
à miséria. No entanto, alertava que a questão social não se extinguiria no
simples combate à miséria e enfatizava a importância de adotar medidas
relacionadas ao combate das doenças, do analfabetismo, do desemprego
e a necessidade de saneamento, considerando a miséria o desafio de
mais fácil superação. Estabelecia a cooperação financeira entre o Estado
e os indivíduos na constituição de um fundo próprio para o custeio do
seguro social. Estabelecia que tal contribuição destinava-se a dar a
cada beneficiário, o direito a um mínimo social capaz de assegurar-lhe a
dignidade.
54 UNIUBE

2.4 A Seguridade Social – evolução no Brasil

No Brasil, segundo Jardim (2013), a proteção social evoluiu de forma


semelhante ao que ocorreu na Europa e na América do Norte. As
primeiras iniciativas tinham caráter voluntário e fundo religioso caritativo,
seguidas de iniciativas de cunho privado.
No século XVI, decorrente da caridade imanente à fé cristã
e da atuação da Igreja Católica, o padre jesuíta José de
Anchieta fundou a Santa Casa de Misericórdia de Santos,
cujo objetivo era prestar atendimento médico e hospitalar
gratuito aos necessitados (ALENCAR apud JARDIM, 2013,
p. 1).

Em 1795, cria-se o primeiro montepio de que se


Montepio:
“Instituição tem notícia no ordenamento jurídico brasileiro, o
em que cada
sócio, pagando Plano privado de Benefícios dos Órfãos e Viúvas
mensalmente uma
quantia, adquire
dos Oficiais da Marinha do Brasil. Em 1808, com
direitos como o de a vinda de D. João VI para o Brasil, criou-se um
subsídio em caso
de doença e o de outro montepio exclusivo para a guarda pessoal
deixar pensão após
a morte para sua do imperador.
família” (DICIO,
2019, p.1).
Segundo Nolasco (2018), a primeira Constituição
Brasileira a positivar os chamados direitos
fundamentais foi a de 1824, cujo art. 179 instituiu o direito aos chamados
“socorros públicos”. Apesar da referida previsão constitucional,
a utilidade prática de tal dispositivo constitucional não
existiu, tendo em vista que os cidadãos não dispunham de
meios para exigir o efetivo cumprimento de tal garantia,
ou seja, apesar de previsto constitucionalmente, o direito
aos “socorros públicos” não era dotado de exigibilidade.
(NOLASCO, 2017, p. 1).

Assim, os tais “socorros públicos” continuaram dependendo das Santas


Casas de misericórdia que, por iniciativa da igreja católica, proliferaram
no país ao longo dos séculos XVII e XVIII.
UNIUBE 55

Em janeiro de 1835, o então Ministro da Justiça, Aureliano Coutinho,


o Visconde de Sepetiba, criou o Montepio Geral dos Servidores do
Estado – MONGERAL, que inaugurou no Brasil a oferta de planos com
características de facultatividade e mutualismo.

No final do século XIX, a Constituição republicana brasileira de 1891


consagrou os direitos individuais de 1ª geração (VELLOSO, CARLOS.
2010, p. 22) e estabeleceu, em seu Art. 75, o direito à aposentadoria por
invalidez para os funcionários públicos incluindo os militares.
No que tange ao art. 75 da Constituição de 1891,
deve-se observar que a referida aposentadoria
concedida aos funcionários públicos que viessem a ficar
inválidos, não dependia de qualquer contribuição por
parte do trabalhador, sendo completamente custeada
pelo Estado (NOLASCO, 2017, p. 1).

O marco referencial da Previdência Social no Brasil data de 1923, e


surgiu com a Lei Eloy Chaves, que criou as Caixas de Aposentadorias
e Pensões – CAPs, para a categoria dos ferroviários. Posteriormente,
as CAPs foram estendidas para outras categorias de trabalhadores tais
como os portuários e estivadores, os mineradores, os servidores públicos
etc.
No Brasil, o seguro social, que protege a maior parte
da população inserida no mercado de trabalho do setor
privado, é administrado pelo Estado, todavia, surgiu
graças à iniciativa dos trabalhadores. Nas primeiras
décadas do século XX, empregados de uma mesma
empresa, sem a participação do poder público,
instituíam fundos de auxílio mútuo, nos quais também
o empregador colaborava, de forma a garantirem
meios de subsistência quando não fosse possível
se manterem no trabalho por motivos de doença ou
velhice. (BATICH, 2004, p. 33).

Segundo Batich (2004, p.33), a criação das caixas de aposentadoria


era determinada pela capacidade de mobilização e reivindicação
dos trabalhadores por melhores condições de trabalho junto a seus
56 UNIUBE

empregadores. Razão porque o trabalhador rural, embora tivesse papel


fundamental na produção do café, o principal produto de exportação
do país, jamais conseguiu se organizar para instituir uma Caixa de
Aposentadoria própria da categoria. Fato motivado pela grande dispersão
e baixo poder de mobilização da classe.

A partir de 1933, sob a presidência de Getúlio Vargas, o governo amplia


a interferência Estatal no sistema de seguro social até então sustentado
pelas Caixas de Aposentadorias e Pensões das diferentes categorias de
trabalhadores.
Após publicação da Lei Eloy Chaves, o desenrolar da
Seguridade Social no Brasil passa pela Revolução
de 1930, com o governo de Getúlio Vargas [...] que
reformulou os regimes previdenciário e trabalhista. [...]
tem especial destaque a mudança da organização do
sistema de caixas de aposentadoria e pensão – CAPs,
para institutos de aposentadoria e pensão – IAPs.
(JARDIM, 2013, p.1).

Segundo Jardim (2013), por força do Decreto nº 22.872/1933, o primeiro


instituto criado no Brasil foi o Instituto de Aposentadoria e Pensão dos
Marítimos – IAPM e destinava-se a unificar as CAPs dos marítimos.
Ao longo da década, foram criados outros institutos para as categorias
dos comerciários (1934), bancários (1935), industriários (1938) e os
empregados em transportes e cargas (1938) (BATICH, 2004, p.34).

De acordo com Torres (2016, p.1), a criação dos Institutos de


Aposentadorias e Pensões – IAPs representou uma significativa
mudança política e administrativa em relação ao sistema das Caixas de
Aposentadorias e Pensões.

As CAPs, de caráter essencialmente privado, compunham um sistema


vinculado às empresas e possuíam menos controle do Estado, cuja
função não ia além de supervisionar a distribuição dos recursos e
resolver conflitos. Já os IAPs, foram criados como autarquias diretamente
UNIUBE 57

subordinadas à União e custeadas por contribuições rateadas entre os


trabalhadores, os empregadores e o Estado. Sua representação deixou
de ser vinculada às empresas e passou aos trabalhadores das categorias
profissionais que dispunham de representação sindical. A presidência dos
institutos era indicada pelo governo e a sua gestão era exercida com a
participação dos representantes sindicais.

Uma vez que cada categoria de atividade possuía autonomia para


estabelecer o seu próprio percentual de contribuição ao longo da sua vida
ativa, os tipos e valores dos benefícios pagos aos previdenciários dos
diferentes IAPs eram razoavelmente desuniformes. As categorias com
salários mais elevados tinham maior capacidade de agregar recursos
para as provisões futuras e algumas delas incluíam até serviços de
assistência médica.

Diante das crescentes pressões dos previdenciários e dos sindicatos


por melhorias no atendimento médico-hospitalar, os IAPs construíram,
nas maiores cidades do país, dezenas de hospitais destinados,
exclusivamente, a oferecer cobertura à sua respectiva categoria
profissional. Esse modelo de atenção previdenciária, além de excluir
dos benefícios os trabalhadores rurais e os desempregados, aprofundava
as desigualdades sociais e provocava crescentes tensões e conflitos.
Segundo Sonia Fleury (apud TORRES, 2016, p.1), ”a fragmentação do
sistema [...] acabava reproduzindo as desigualdades da própria classe
trabalhadora”.

Após 14 anos de discussão, em 1960, o Congresso Nacional promulgou


a Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS, que foi responsável pela
criação do auxílio reclusão, do auxílio natalidade e do auxílio funeral.
Porém, o objetivo e o caráter mais importante da Lei Orgânica da
Previdência Social foi instituir o sistema previdenciário único para os
trabalhadores do setor privado.
58 UNIUBE

Segundo Batich (2004, p. 34), a LOPS previa a “unificação da legislação


que regia os IAPs e a eliminação das disparidades quanto ao valor e tipos
de benefícios existentes entre eles”. Todavia, a nova lei não chegou a ser
inteiramente posta em prática, pois os sindicatos economicamente mais
representativos não viam com bons olhos a unificação dos institutos,
visto que isto eliminaria alguns privilégios e acabaria nivelando por
baixo a qualidade dos serviços já conquistados pelas categorias mais
favorecidas.

A partir de 1964, na vigência do regime militar, sob a justificativa do


combate à má gestão e à promiscuidade existente entre os dirigentes
sindicais e a direção dos institutos, cujas finanças começavam a dar
sinais de colapso, o governo cria, por meio do Decreto nº 72, de 21 de
novembro de 1966, o Instituto Nacional de Previdência Social – INPS,
vinculado ao Ministério do Trabalho e Assistência Social, e promove a
fusão dos seis IAPs até então existentes. Para Acúrcio (1998), este fato
significou a diminuição da influência direta dos trabalhadores na gestão
do sistema previdenciário brasileiro e aumentou o poder de regulação do
Estado sobre a seguridade social. Com a fusão dos IAPs, os hospitais a
eles vinculados passaram a funcionar sob a responsabilidade do INPS e
a compor a rede de hospitais federais vinculada ao Ministério do Trabalho
e Assistência Social.

Segundo Nolasco (2018), nos anos subsequentes à criação do INPS, o


governo instituiu, por meio de emendas à Constituição de 1967 ou por
força de legislação infraconstitucional, novos benefícios trabalhistas e
previdenciários tais como o Seguro por acidentes de trabalho (1967); o
Seguro desemprego, o salário família e a inclusão do trabalhador rural
no sistema da Previdência Social (1969); o PIS/PASEP (1970); a inclusão
dos empregados domésticos no sistema da Previdência Social (1972).

Merece destaque, a criação, em 1977, do Sistema Nacional de


UNIUBE 59

Previdência e Assistência Social (Sinpas), que definiu um novo


desenho institucional para o sistema previdenciário. O novo sistema
transferiu parte das funções até então exercidas pelo INPS para duas
novas autarquias criadas no âmbito do Sinpas: o Instituto Nacional
de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) que ficaria
encarregado da prestação da assistência médica aos segurados e,
o Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência
Social (Iapas) que se encarregaria exclusivamente da gestão financeira
do sistema. O INPS foi mantido com a função exclusiva de cuidar da
concessão de benefícios.

A Constituição de 1988, que consagrou o direito universal à saúde e a


descentralização da gestão e dos serviços de saúde para os estados
e municípios, resultou, em 1993, na extinção do INAMPS cujas
competências foram transferidas para as novas instâncias gestoras do
Sistema Único de Saúde – SUS.

A Constituição de 1988, no capítulo da Seguridade Social, reafirmou


os direitos dos brasileiros à saúde, à previdência e à assistência social
(Art. 194), mantendo o caráter contributivo da previdência e isentando a
saúde e a assistência social de contribuição por parte dos beneficiários. A
Carta Magna de 1988 atribui relevância pública aos serviços de saúde e
considera tanto a saúde como a assistência social como direitos naturais
de cidadania.

No final de 2016, uma alteração legislativa extinguiu o Ministério da


Previdência Social e promoveu a transferência do Instituto Nacional
do Seguro Social – INSS para o Ministério do Desenvolvimento Social
e Agrário. As atribuições relativas à Previdência Complementar e à
Previdência de Regimes Próprios passaram a ser responsabilidade
Ministério da Fazenda (MACHADO, 2017, p.1).
60 UNIUBE

2.5 Considerações finais

Desde a sua instituição, o sistema previdenciário brasileiro vem sendo


mantido pelo regime denominado de ‘repartição simples’, ou seja, a
massa dos trabalhadores em atividade contribui financeiramente para
custear os benefícios dos trabalhadores afastados ou aposentados.
No início, quando a porcentagem dos trabalhadores ativos era muito
maior do que a porcentagem dos beneficiários, este regime apresentava
superávit e os recursos que sobravam eram aplicados em fundos de
investimentos e projetos do governo.

Atualmente, a expansão dos benefícios; a sofisticação tecnológica - que


contribui com o crescente custo da prestação dos serviços médicos; o
aparelhamento político das instituições; as administrações temerárias; o
alto percentual de calotes por parte das empresas; as fraudes ao sistema;
os desvios de finalidade na aplicação dos recursos e, por fim, a alteração
no perfil demográfico do país, vêm imprimindo uma prevalente tendência
de déficit no caixa da previdência. A persistência deste estado de coisas
poderá resultar no irreversível desequilíbrio do sistema e colocar a
Seguridade Social do país sob risco de descontinuidade, retrocesso e
supressão de direitos de cidadania hoje já consolidados na Constituição
brasileira.

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portuguesa. 2009. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.
UNIUBE 63

Capítulo A Saúde no Brasil –


3 Evolução histórica

Alaor Carlos de oliveira

Introdução
Para compreender a realidade hoje existente em relação à saúde
no Brasil, é necessário conhecer os determinantes históricos que
influenciaram e deram curso à evolução das políticas sociais no
país. Contudo, é necessário considerar que o processo evolutivo
da sociedade brasileira, desde sempre, esteve atrelado às regras
do sistema capitalista. Isto posto, é importante destacar que a
saúde nunca ocupou lugar de destaque dentro da política do
Estado brasileiro, principalmente no tocante à sua participação
percentual no orçamento geral da União.

Como vimos nos capítulos anteriores, cronologicamente, as


políticas de saúde adotadas ao longo dos sucessivos regimes de
governo no Brasil, a partir do Império até o final do regime militar,
se camuflam e se confundem com a evolução da previdência
social no país.

Dessa forma, tal como irmãs siamesas, tanto a previdência social


como as políticas de saúde propriamente ditas, priorizavam
os aglomerados urbanos, as regiões socioeconomicamente
mais representativas e os interesses dos grupos sociais mais
hegemônicos. Assim, inicialmente os escravos e os povos das
64 UNIUBE

florestas e, posteriormente, a população mais dispersa e/ou menos


organizada, representada principalmente pelos habitantes das
zonas rurais, pelos inválidos e pelos desempregados, foram,
historicamente, deixados à margem da cobertura das políticas de
proteção social postas em prática pelo Estado brasileiro.

No Brasil, a paulatina conquista dos direitos sociais nunca


resultou de outorga governamental, da benevolência do poder
econômico ou da burguesia sempre aferrada aos privilégios que
evita compartilhar. As conquistas sociais, entre elas, o direito à
saúde, sempre estiveram atreladas ao poder de reivindicação
dos trabalhadores e à luta histórica da sociedade organizada por
melhores condições de vida, como veremos a seguir.

Objetivos
Ao final deste capítulo, você deverá ser capaz de:
• correlacionar os determinantes históricos e políticos que
influenciaram e deram curso à evolução das políticas sociais
e de saúde no Brasil;
• demonstrar a influência do sistema capitalista no processo
evolutivo da sociedade brasileira e no condicionamento das
políticas sociais;
• explicar o vínculo utilitarista das políticas de saúde com a
proteção da mão de obra e a manutenção do processo produtivo;
• mostrar o caráter complementar das políticas de saúde em
relação aos benefícios ligados à previdência social e aos direitos
dos trabalhadores;
• explicar como se deu o pacto de apropriação política e capitalista
dos direitos sociais que transformaram a saúde em ferramenta
de controle de massas e objeto de lucro;
• mostrar a realidade sanitária do país no início da década de
1980;
UNIUBE 65

• explicar as razões e origens do movimento da reforma sanitária


brasileira.

Esquema
3.1 O Brasil Colônia
3.2 As Misericórdias
3.3 Da Monarquia à República Velha
3.4 A Era Vargas
3.4.1 O golpe do Estado Novo
3.5 O Intervalo democrático entre 1945 e 1964
3.6 O Período Militar
3.7 Considerações finais

3.1 O Brasil colônia

Nos três primeiros séculos após o descobrimento, o processo de


colonização do Brasil se deu, basicamente, por meio da chegada de
aventureiros e de portugueses condenados ao desterro, pela coroa de
Portugal. Até então, por absoluta falta de interesse do colonizador, o
Brasil Colônia não dispunha de nenhuma política de atenção à saúde
da população. Deste modo, as práticas e cuidados de saúde limitavam-
se aos conhecimentos empíricos dos curandeiros, cirurgiões-barbeiros,
rezadores, feiticeiros, quimbandeiros, boticários e os pouquíssimos
médicos itinerantes. Segundo Polignano, (2007, p.3), “no Rio de Janeiro,
em 1789, só existiam quatro médicos exercendo a profissão. Em outros
estados brasileiros, eram mesmo inexistentes”.
Durante a Colônia e até parte da Era Imperial,
a ciência médica foi praticada por um pequeno
quantitativo de médicos, cirurgiões e boticários,
todos membros da elite, formados nas universidades
europeias. Concentrados nas grandes cidades
66 UNIUBE

do país, basicamente no Rio de Janeiro, Salvador e


Ordenações algumas outras capitais de províncias, e atendiam
Filipinas: Sistema exclusivamente às famílias mais ricas. Desse modo, as
jurídico que populações mais pobres e a escrava, contavam apenas
vigorou durante
todo o período do
com a solidariedade das Santas Casas de Misericórdia,
Brasil-Colônia até instituições religiosas e curandeiros. (AVELAR, 2011,
parte do período p.1).
republicano. Era
o sistema jurídico
que regia todas as Segundo Avelar (2011), ao longo do período
câmaras municipais
das cidades e vilas colonial, salvo as Ordenações Filipinas, que
de Portugal e de
suas colônias. atribuíam à municipalidade a responsabilidade por
As Ordenações
Filipinas ficaram zelar da limpeza das cidades, fiscalizar o comércio
prontas em 1595, de alimentos e supervisionar os portos (visto que
no período de
governo de Filipe eram a porta de entrada de doenças, através
II, rei de Portugal
e dos Algarves, de navios vindos de várias partes do mundo),
porém, só entraram
efetivamente em não se tem nenhum outro registro da existência
vigor em 1603.
“As Ordenações de um mínimo ordenamento legislativo voltado
Filipinas, para a saúde pública ou coletiva. Como 70% da
portanto, tiveram
aplicabilidade população era então formada por escravos e
no Brasil por
longo período e índios livres e a economia era exclusivamente
impuseram aos
brasileiros enorme baseada no extrativismo, o crescimento das vilas
tradição jurídica,
sendo que as era bastante desordenado e, tanto a limpeza
normas relativas ao urbana como as medidas sanitárias praticamente
direito civil só foram
definitivamente inexistiam.
revogadas com o
advento do Código
Civil de 1916”
(MACIEL, 2006, As primeiras medidas formais relativas à saúde
p.1).
pública, instituídas no Brasil, tiveram início com a
chegada da Família Real ao país, cujos primeiros
atos oficiais foram a criação das faculdades de Medicina da Bahia, em
fevereiro de 1808, e do Rio de Janeiro, em novembro do mesmo ano.
A partir da criação das duas primeiras faculdades de ensino médico,
“foram também criadas instâncias públicas de saúde, que tinham como
atribuições, a fiscalização do exercício da medicina, assim como, a
aplicação de exames para os interessados em trabalhar nessa área”
(AVELAR, 2011, p.2).
UNIUBE 67

Contudo, nos primeiros anos da instalação do Reino Unido (1822),


a realidade sanitária mudou muito pouco, o que mudou de fato foi a
estrutura fiscalizadora e a forma como as questões sanitárias eram
tratadas em razão da presença da Corte.

3.2 As misericórdias

No final do século XV, início da idade moderna, numa época marcada


pelas grandes navegações, pelo final da guerra dos 100 anos e da guerra
das Rosas e pela tomada de Constantinopla pelos turcos, a Rainha
Leonor de Portugal, viúva de Dom João II, por orientação do Frei Manoel
Contreiras, seu confessor, criou, em agosto de 1498, na cidade de Lisboa,
a primeira Santa Casa de Misericórdia do mundo. Assim, ela deu início à
Confraria de Nossa Senhora da Piedade cujos princípios de fraternidade
e solidariedade rapidamente se espalharam pelo Império Português,
ilha da Madeira e, também, para a Ásia, África e, naturalmente, para as
Américas, na esteira das navegações e das missões jesuítas.

No Brasil, as primeiras Casas de Misericórdia surgiram logo após o


descobrimento, sendo as primeiras em Olinda (1539), Santos (1543),
Salvador (1549), Vitória (1551), Rio de janeiro (1582), São Paulo
(1599). No século seguinte, a partir de 1602, outras capitanias também
fundaram suas Casas de Misericórdia nas cidades de João Pessoa,
Belém e São Luís. As Santas Casas de Misericórdia, como passaram a
ser reconhecidas, foram as primeiras instituições hospitalares do país a
promoverem o atendimento aos viajantes enfermos que aportavam na
colônia. Eram também as únicas instituições de saúde que atendiam os
moradores das cidades (SANTA, 2016).

Uma vez criadas, as Santas Casas passaram a se dedicar aos


enfermos e, em alguns casos, além da prática da caridade adotavam
também a filantropia, fornecendo amparo à velhice, aos “expostos”, aos
68 UNIUBE

recém-nascidos, às crianças, aos hansenianos, aos miseráveis e às


meninas órfãs e desamparadas que acolhiam, forneciam formação cristã
e encaminhavam-nas até o casamento (CMB, 2019).

Entretanto, como vimos anteriormente, nos três primeiros séculos de


atuação das Santas Casas no Brasil Colônia, não se pode destacar
nenhuma prática como científica, uma vez que esses conhecimentos só
emergiram no país a partir da chegada da Corte portuguesa, em 1808,
que resultou numa série de medidas destinadas a criar uma estrutura
sanitária mínima, capaz de prestar atendimento médico aos membros
da Corte.

As Santas Casas foram pioneiras na formação de Enfermeiras Parteiras,


assim como, também emprestaram suas instalações para dar suporte
à criação de algumas das primeiras faculdades de medicina do Brasil,
contribuindo enormemente com a formação de médicos e enfermeiras
no país (CMB, 2019).

3.3 Da Monarquisa à República Velha

Neste tópico, vamos discorrer sobre o período histórico do Brasil que vai
da monarquia à República Velha. Mas, você se lembra desta República,
também chamada de Primeira República do Brasil?

SAIBA MAIS

Sobre República Velha ou Primeira República do Brasil, sabemos que


A partir de 15 de novembro de 1889, o Brasil adotou
o modelo republicano como forma de governo. O
período conhecido como República Velha durou
de 1889 até 1930. Historicamente, este período é
chamado de República Velha em contraposição ao
período pós-revolução de 1930, que é visto como
um marco na história da República, uma vez que
provocou grandes transformações no Estado
UNIUBE 69

brasileiro. (POLITIZE, 2019, p.1).

Segundo alguns historiadores, a República Velha subdivide-se em


dois períodos:
O primeiro período vai de 1889 a 1894, chamado
de República da Espada, foi o período dominado
pelos militares. Ganhou este nome, pois, neste
período, o Brasil foi governado por dois militares:
Marechal Deodoro da Fonseca e Floriano
Peixoto. O segundo período vai de 1895 a 1930,
chamado de República Oligárquica, foi o período
dominado pelos Presidentes dos Estados, pois na
época os governadores dos estados eram eleitos
pelas oligarquias regionais e eram chamados de
presidentes. (POLITIZE, 2019, p.1).

Em meados do século XIX, a economia evoluía do extrativismo puro para


a produção agrícola e seguia dependendo das exportações de ouro,
açúcar e, principalmente do café. Segundo Avelar (2011, p. 7), “80% da
população dedicava-se às atividades agrárias”. Convém lembrar que
o processo de colonização das terras brasileiras se deu às custas do
aprisionamento de índios e escravos – tudo devidamente legitimado pela
coroa portuguesa. Coube aos colonizadores e, em grande parte, ao clero
português, administrar as atividades de exploração comercial da colônia.
[...] as ordens religiosas assumiram o cuidado dos
índios, mamelucos, doentes, inválidos e toda sorte de
miseráveis. A ascensão do Brasil à condição de Reino
Unido, em 1822, dá lugar à formação de um Estado
fundamentado nas relações escravocratas cujo poder é
evidentemente absolutista. (LYDA, 1994, p, 25-26).

A Constituição de 1824 organizou o país em províncias cujos presidentes


eram nomeados pelo Imperador. O regime monárquico caracterizou-
se pelo centralismo e pelo elitismo que privilegiava as oligarquias
latifundiárias regionais. Em 1849, um surto de Febre Amarela chega
ao Brasil e, em menos de um ano, atinge 1/3 da população de quase
300.000 habitantes da cidade do Rio de Janeiro, causando a morte de
70 UNIUBE

mais de 4.000 pessoas. Desde então o porto do Rio de Janeiro passou a


ser conhecido como local pestilento, o que afastou boa parte dos navios
mercantes causando significativos prejuízos comerciais à elite produtora
formada pelos senhores da terra.
Naturalmente, a falta de um modelo sanitário para o
país, deixavam as cidades brasileiras à mercê das
epidemias. A cidade do Rio de Janeiro apresentava
um quadro sanitário caótico caracterizado pela
presença de diversas doenças graves que acometiam
à população, como a varíola, a malária, a febre amarela,
e posteriormente a peste, o que acabou gerando sérias
consequências tanto para saúde coletiva quanto para
outros setores como o do comércio exterior, visto que
os navios estrangeiros não mais queriam atracar no
porto do Rio de Janeiro em função da situação sanitária
existente na cidade. (POLIGNANO, 2007, p.4).

Havia graves problemas sanitários por todo o país. Em 1820, ocorreu


um expressivo aumento do número de leprosos no Vale do Paraíba,
então uma das zonas cafeeiras mais prósperas do Estado de São
Paulo. Em 1846 a Bahia experimenta uma grave epidemia de Febre
Amarela, com foco na cidade de Salvador. Em 1860, na cidade do Rio de
Janeiro, os coeficientes de mortalidade por Tuberculose e Febre amarela
ultrapassaram a casa dos 1.200 e 800 óbitos por 100.000 habitantes,
respectivamente. (LYDA,1994).

Em razão da redução das exportações e dos prejuízos econômicos


causados pela epidemia de Febre Amarela, criou-se, em 1851 a
Junta Central da Higiene Pública que seria encarregada de realizar o
monitoramento das áreas de risco, principalmente as regiões limítrofes
aos portos e aos locais de circulação de mercadorias e adotar as medidas
sanitárias cabíveis. Neste sentido, Avelar (2011, p.5) destaca que as
políticas públicas de saúde foram prioritariamente concebidas como
instrumentos saneadores dos espaços de circulação e distribuição de
mercadorias, reafirmando seu compromisso com o desenvolvimento
capitalista brasileiro.
UNIUBE 71

Até a metade do século XIX, o tráfico de escravos era bastante


incentivado em função da necessidade de repor a mão de obra escrava,
mais susceptível às epidemias. Em 1850 a Lei Euzébio de Queiroz
proibiu a entrada de escravos no país e, em seguida, a Lei do Ventre
Livre (1871) e a abolição da escravatura em 1888 mudaram radicalmente
o sistema produtivo brasileiro que passou a depender da mão de obra
dos imigrantes europeus que aportavam ao país.

Na proclamação da República, em 1889, o Brasil já se tornara o maior


exportador de café do mundo e experimentava um significativo progresso
econômico que se refletia no reordenamento urbano das cidades e no
surgimento de uma elite cafeeira que passou a exigir padrões sanitários
diferentes dos adotados pelo império durante o regime escravagista.
A racionalidade capitalista dominante entendia que a ampliação do
comércio externo dependia da preservação da força de trabalho
representada pelos imigrantes europeus. Assim, entre outras medidas
de saúde pública, o combate à varíola, à malária e à febre amarela, que
inibiam os estrangeiros de virem trabalhar no Brasil, tornou-se prioritário
para o desenvolvimento do país (AVELAR, 2011).

Segundo Lyda (1994), o aparecimento da Peste Bubônica no porto


de Santos, em 1899, marca a chegada da terrível epidemia ao Brasil,
que logo se alastrou para o Rio de Janeiro. Foi este episódio que levou
o médico sanitarista Oswaldo Cruz a propor a instalação do instituto
Manguinhos para a produção de soros e vacinas.

Melhores condições sanitárias, de um lado,


significavam, uma garantia para o sucesso da política
governamental de atração de força de trabalho
estrangeira e, de outro, impunham-se como uma
necessidade de preservação do contingente ativo de
trabalhadores, em um contexto de relativa escassez
de oferta de trabalho. O destaque em matéria de
atenção à saúde ficava, assim, por conta do controle
de enfermidades, tais como a febre amarela, a peste
72 UNIUBE

bubônica, a varíola e outras, para as quais o governo


federal impôs medidas de higiene, vacinação,
notificação de casos, isolamento de enfermos e
eliminação de vetores. (RISI JÚNIOR et. al. 2002, p.
119-120).

Disposto a erradicar a epidemia de Febre Amarela que assolava a capital


do país, Rodrigues Alves, então presidente do Brasil, nomeou, em 1903,
Oswaldo Cruz, fundador e diretor do Instituto Soroterápico Federal
(instituto Manguinhos), para comandar a Diretoria de Saúde Pública.
A partir de então, sob as ordens de Oswaldo Cruz, um contingente de
1.500 agentes, denominados guardas sanitários, munidos do poder de
polícia, passou a exercer intensas atividades de combate ao mosquito
vetor da febre-amarela, espalhando veneno – fumacê, invadindo casas
e queimando os colchões e as roupas dos doentes. O despreparo dos
agentes, a ação quase sempre truculenta e as inúmeras arbitrariedades
cometidas, resultaram em forte resistência e revolta da população.

A insatisfação se agravou ainda mais quando, a pedido de Oswaldo


Cruz, a Lei nº 1261, de outubro de 1904, instituiu em todo território
nacional, a vacinação compulsória contra a Varíola. Embora seu objetivo
fosse relevante, a Lei foi aplicada de forma autoritária e violenta. Em
alguns casos, os agentes sanitários invadiam as casas e vacinavam as
pessoas contra a sua própria vontade. Como grande parte da população
não sabia como agia a vacina, temia os seus efeitos. Desta forma,
sentindo-se fortemente ameaçada, impulsionada pela crise econômica
que aumentara o custo de vida e insatisfeita com a reforma urbana
que expulsou a população pobre dos cortiços existentes no centro
da cidade, a população carioca rebelou-se ateando fogo nos bondes,
apedrejando prédios públicos e espalhando o caos pela capital do país.
Este movimento popular ficou conhecido como a Revolta da Vacina e
culminou com a revogação da lei da vacinação obrigatória.
 
UNIUBE 73

Este modelo de intervenção ficou conhecido como modelo campanhista


e, de acordo com Polignano (2007, p.5), “foi concebido segundo o
princípio de que os fins justificam os meios no qual o uso da força e da
autoridade eram considerados os instrumentos preferenciais de ação”.
Apesar do seu caráter arbitrário, a estratégia campanhista adotada
por Oswaldo Cruz, foi responsável pela erradicação da epidemia de
Febre Amarela no Rio de Janeiro e, durante décadas, firmou-se como
modelo de intervenção ideal no combate às endemias por todo país,
especialmente nas áreas rurais.

Nos anos seguintes, Oswaldo Cruz promoveu reestruturação da Diretoria


de Saúde Pública, que passou a se chamar Diretoria Geral de Saúde
Pública – DGSP. Neste período, criou o laboratório bacteriológico e um
departamento de engenharia sanitária encarregado da profilaxia da Febre
Amarela.

Em 14 de fevereiro de 1917, três dias após o falecimento de Oswaldo


Cruz, um decreto presidencial de Venceslau Braz nomeia Carlos Chagas
para a diretoria do Instituto Manguinhos e, em 1920, no Governo de
Epitácio Pessoa, Carlos Chagas é nomeado para a Diretoria Geral de
Saúde Pública que, no ano seguinte, passaria a se chamar Departamento
Nacional de Saúde Pública.

Carlos Chagas inovou o modelo campanhista de Oswaldo Cruz, até então


de caráter puramente policial e fiscalizador, introduzindo ações rotineiras
de educação sanitária para a população. Segundo Polignano (2007,
p.5), foram criados órgãos especializados na luta contra a tuberculose,
a lepra e as doenças venéreas e expandiram-se as atividades de
saneamento para outros estados do país. Ao executar seu trabalho, o
agente sanitário tinha autorização para agir de forma impositiva como,
por exemplo, no caso da lepra, em que os doentes eram submetidos ao
isolamento compulsório e os suspeitos de serem portadores da doença
eram obrigados a realizar o exame de diagnóstico.
74 UNIUBE

Embora o Estado tenha dinamizado as ações de saúde pública e


expandido o combate às endemias para outros estados da União, a
assistência à saúde mantinha-se incipiente e deixava muito a desejar.
Há que se destacar que naquele contexto em que a economia estava
fundada no agronegócio, a preocupação com a saúde não se ligava
à questão do direito social ou da dignidade humana, à oligarquia
agrária interessava tão somente manter o trabalhador sadio para dar
continuidade à produção. As doenças e as suas consequências eram
solucionadas muito menos pelo poder público do que pelas próprias
famílias dos doentes e por entidades filantrópicas mantidas, em sua
maioria, por proprietários rurais e pela igreja. As subvenções públicas
eram esporádicas e insuficientes para manter os atendimentos. Risi
Júnior et al. destacam que
De um modo geral, a assistência à saúde, prestada
pelos órgãos federais estava restrita às situações
de epidemia e aos casos de especial interesse para
o controle das condições de saúde pública, no eixo
central da economia, havendo de fato quase nenhuma
capacidade de atuação do poder federal na assistência
individual à saúde. Com efeito, a assistência médico-
hospitalar, nesse período, dependia em maior parte
de entidades beneficentes e filantrópicas, como
também das diversas mutualidades a que se filiavam
os grupos de imigrantes de diversas nacionalidades,
mas principalmente os portugueses, os espanhóis e os
italianos. (RISI JÚNIOR et al. 2002, p. 121).

Não há como negar o grande sucesso da política adotada pelos


sucessivos governos da Primeira República para substituir o trabalho
escravo, ampliar o comércio externo, abrir as portas para os imigrantes
europeus e impulsionar o desenvolvimento econômico do Brasil. Segundo
Risi Júnior et. al (2002, p. 119), “entre 1901 e 1920, entraram no país nada
menos que 1,5 milhões de estrangeiros, dos quais aproximadamente
60% se fixaram nas áreas urbanas e rurais de São Paulo” alavancando
a economia e o processo de industrialização daquele estado.
UNIUBE 75

As políticas sociais implementadas no Brasil no início do século XIX,


incluindo a previdência e a saúde, avançaram ao ritmo das demandas
dos novos trabalhadores, cujo perfil político e capacidade de organização
lhes conferia alto poder de barganha nas negociações com os patrões.

No campo da previdência, no início do governo de Arthur Bernardes,


a promulgação da Lei Eloy Chaves, em janeiro de 1923, inaugurou a
previdência social no Brasil com a criação das Caixas de Aposentadorias
e Pensões (CAPs) dos trabalhadores. No campo da saúde pública, cabe
destaque para a promulgação do Código Sanitário, em 31 de dezembro
de 1923, por meio do Decreto nº 16.300/23, com 1.679 artigos, que
vigorou, por muito tempo, como Regulamento Sanitário Federal. Segundo
Costa e Rozenfeld (2000), com o referido Código, pretendeu-se incluir
praticamente a totalidade da vida social na ordem sanitária, e se fixaram
disposições normativas minuciosas, muitas vezes inaplicáveis, em razão
da acanhada capacidade do exercício ativo da vigilância.
Enquanto a sociedade brasileira esteve dominada
por uma economia agroexportadora, o que se exigia
do sistema de saúde era, sobretudo, uma política de
saneamento destinado aos espaços de circulação das
mercadorias exportáveis e a erradicação ou controle
das doenças que poderiam prejudicar a exportação.
Por esta razão, desde o final do século passado até
o início dos anos 60, predominou o modelo sanitário
campanhista. (POLIGNANO. 2007, p.6).

Segundo Risi Júnior et al. (2003. p. 122), “os conflitos entre capital
e trabalho eram regulados por legislação esparsa, sendo tratados
basicamente pelo aparato policial”. Cabia às administrações municipais
tratar das questões de saúde pública, “não havendo por parte do governo
central um programa de ação no sentido de atendê-las”. As obrigações
do Estado em relação à saúde restringiam-se às situações emergenciais,
como intervir no combate às epidemias que acometiam os centros
urbanos.
76 UNIUBE

A prioridade comum dos sucessivos governos da Primeira República,


a partir da década de 1920, era prover e organizar o mercado de
trabalho, criando as condições para a continuidade da produção e das
exportações. Dessa forma, sanear o ambiente, promover as reformas
urbanas combatendo a proliferação de cortiços, e controlar as doenças,
passaram a fazer parte das políticas do Estado. É dentro desta relação
Estado, capital e trabalho que a saúde pública ganha um novo e
destacado papel e adquire o caráter de polícia sanitária.

À medida em que as grandes cidades foram se vendo livres das


epidemias e, considerando a importância da produção agrícola para a
economia do país, a estratégia campanhista teve seu foco de atuação
deslocado para o combate às endemias nas áreas rurais. Para isto,
criou-se, em 1956, o Departamento Nacional de Endemias Rurais
(DNERu), posteriormente fusionado a outros órgãos deu origem, em
1969, à Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam),
e, em 1991, à Fundação Nacional de Saúde (FUNASA). O Modelo
campanhista foi amplamente empregado no combate à doença de
chagas, à esquistossomose, à malária e à leishmaniose. O trabalho dos
sanitaristas Oswaldo Cruz e Carlos Chagas, iniciado nas duas primeiras
décadas do século XIX, definiu e estabeleceu os fundamentos da política
de saúde pública no Brasil e, seus princípios, ainda hoje, permanecem
válidos e aplicáveis, sobretudo no que diz respeito ao combate à febre
amarela, dengue, malária, leishmaniose, leptospirose e à doença de
chagas.

3.4 A Era Vargas

A partir de 1922, o governo brasileiro é surpreendido por uma profunda


crise econômica e por sucessivas crises políticas motivadas pela abrupta
e significativa queda no preço internacional do café. Excessivamente
dependente das tarifas alfandegárias, o país experimenta uma enorme
UNIUBE 77

redução no volume das exportações com impacto direto e negativo sobre


as receitas públicas. As consequências do colapso no preço do café são
duríssimas e provocam uma enorme e inédita desvalorização cambial
que resulta numa escalada inflacionária seguida de grave crise fiscal.

Fritsch (1993), considera que a década de 1920 é uma das mais


importantes do ponto de vista da história econômica, política e cultural
brasileira por tratar-se de um período de grande efervescência política e
social que marcou o fim das oligarquias cafeeiras e acendeu o estopim
da revolução de 1930. Segundo Polignano (2007, p.6),
Entre 1922 a 1930, sucederam-se crises econômicas
e políticas [...] que tiveram como efeito a diminuição do
poder das oligarquias agrárias. Em particular, atuaram
no Brasil as crises internacionais de 1922 a 1929,
tornando mais agudas as contradições e instalações
contra a chamada política do ‘café com leite’ que
caracterizava a Velha República.

Insatisfeitos com a condução do processo sucessório que elegeu, em


março de 1930, o paulista Júlio Prestes para presidência do Brasil, os
governadores de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul, membros
da chamada Aliança Liberal que acabara de ser derrotada nas eleições,
se uniram em favor do governador gaúcho, Getúlio Vargas, na liderança
do movimento revolucionário que depôs Washington Luiz e impediu a
posse de Júlio Prestes. A Revolução de 1930 termina com a derrota dos
governistas e marca o final da República Velha, também denominada
República oligárquica.

Em 3 de novembro de 1930, Getúlio Vargas assume a chefia do Governo


Provisório com promessa de instituir leis trabalhistas que regulassem
os contratos e a jornada de trabalho e garantissem assistência aos
trabalhadores. Entre suas primeiras medidas, constam, a criação, em
14 de novembro de 1930, do Ministério dos Negócios da Educação e
Saúde Pública (MESP) e, em 26 de novembro de 1930, a criação do
78 UNIUBE

Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC), demagogicamente


cognominado de “ministério da revolução”. Com a criação do MTIC,
Getúlio Vargas concentrou as CAPs, ampliou
Gustavo os benefícios previdenciários e estabeleceu
Capanema Filho,
advogado e político normas rígidas para a criação e para atuação
brasileiro, nasceu
em Pitangui (MG) dos sindicatos, lançando as bases do populismo
no dia 10 de agosto
de 1900. Foi trabalhista que caracterizou a Era Vargas.
nomeado Ministro
da Educação e
Saúde Pública por
Getúlio Vargas, em Segundo relato de Hochman (2005),
1934, cargo que
ocupou durante
diferentemente do Ministério do Trabalho, Indústria
11 anos. Uma
vez no cargo,
e Comércio que, desde a sua criação, passou a
deu andamento ocupar posição central no governo, a criação
à reorganização
do ministério do Ministério dos Negócios da Educação e da
com vistas ao
aparelhamento Saúde Pública não significou nenhuma alteração
do órgão para as
responsabilidades na política de saúde pública do país. Tratou-se
decorrentes da
sua criação em apenas de incorporar o Departamento Nacional
1930. Sua gestão
caracterizou-se de Saúde Pública (DNSP), criado por Carlos
principalmente
pela retomada Chagas em 1920, à Diretoria Geral de Instrução
das campanhas
sanitárias, Pública. Posteriormente à fusão das duas
interrompidas
entre 1930 e 1934. áreas, a política de saúde pública foi sofrendo
Foi a reforma
Capanema que, alterações casuísticas, por meio de uma legislação
proposta em 1935
e implementada dispersa, cuja finalidade era adaptar o combate
a partir de janeiro
de 1937, definiu
às endemias à burocracia administrativa dos
novos rumos para estados e da União. Ao MESP cabia administrar
as políticas de
educação e de as questões ligadas à educação e prosseguir
saúde pública,
reformulando e com a interiorização do combate às endemias e
consolidando
a estrutura com o controle dos surtos e epidemias. O DNSP
administrativa e
adequando-a aos não dispunha de nenhum recurso destinado ao
princípios básicos
que haviam definido financiamento de uma política de assistência
a política social
do Estado Novo. médica e, até a nomeação do ministro Gustavo
(BRANDI, 2019).
Capanema para o MESP, em 1934, a saúde
UNIUBE 79

pública permaneceu carente de uma estrutura administrativa adequada


e sem linhas de ação claramente definidas.

Devido à depressão econômica mundial e à crise nos setores associados


à exportação do café, a oligarquia rural viu seu poder e influência política
declinarem. Logo após assumir o controle do Governo Provisório,
Vargas dirigiu o foco dos investimentos para o incentivo à indústria e
ao desenvolvimento do parque industrial brasileiro. Essa mudança de
rumos resultou em profundas transformações na estrutura de classes da
sociedade brasileira, no sistema econômico do país e na configuração do
Estado. Com isto, segundo Risi Júnior et al. (2002), embora a economia
agroexportadora tenha sofrido uma queda acentuada, a produção
industrial brasileira, que crescera à taxa média anual de 2,8% nos últimos
dez anos, passou a crescer à taxa de 11,2% já nos primeiros anos da
administração varguista.

A transição da economia extrativista para o modo de produção


industrial tornou-se possível graças ao aumento das importações que
proporcionaram a ampliação do parque fabril e a diversificação do setor
produtivo, com destaque para as indústrias têxteis que se instalaram nos
grandes centros urbanos. Essas alterações passaram a exigir mão de
obra cada vez mais qualificada e implicaram em significativas alterações
no perfil do trabalhador, dando lugar a uma nova classe operária cada vez
mais organizada e mobilizada em torno de suas representações sindicais.
Os trabalhadores assalariados urbanos passaram a constituir importante
base de sustentação do governo getulista. Assim, surgiram novos atores
sociais, e, dessa forma, novas demandas sociais se colocavam como
desafio ao Estado, sobretudo no incipiente campo da prestação de
serviços médicos à população.

O significativo aumento da população urbana e da massa de


trabalhadores vinculada aos sindicatos passaram a demandar a
80 UNIUBE

reorganização da previdência social e a reestruturação das CAPs, cuja


cobertura, até então, permanecia restrita apenas aos trabalhadores das
grandes empresas, privadas ou públicas. Essa reestruturação se traduziu,
em especial, na instituição de uma legislação trabalhista e previdenciária
que possibilitou às antigas CAPs a sua transformação em Institutos de
Aposentadorias e Pensões – IAPs que passaram a existir vinculados às
categorias profissionais e não mais às empresas, ampliando assim o seu
leque de acolhimento e proteção (RISI JÚNIOR et al. 2002).

Entre 1933 e 1936, surgiram os primeiros quatro


Autarquia: no
sentido jurídico/ grandes institutos nacionais criados em torno das
econômico diz principais categorias funcionais de trabalhadores.
respeito à entidade
de direito público,A primeira categoria a ter seu próprio instituto
com autonomia
econômica, técnica foi a dos marítimos em 1933, seguida pelos
e administrativa,
embora fiscalizada comerciários e bancários em 1934, e pelos
e tutelada pelo
Estado, o qual industriários em 1936. Juridicamente instituídos
eventualmente lhe como autarquias, os institutos passaram a se
fornece recursos,
e constitui órgão responsabilizar pela cobertura previdenciária
auxiliar de seus
serviços (HOUAISS, de uma expressiva massa de trabalhadores
2019, p.1).
urbanos com carteira de trabalho assinada. Além
dos benefícios das aposentadorias, pensões
e afastamentos, os institutos passaram também a prestar serviços de
atendimento médico hospitalar e socorro farmacêutico exclusivamente
aos seus segurados e dependentes.

Desta forma, as políticas de saúde no Brasil ficaram divididas entre dois


ministérios, cabendo ao Ministério da Educação e Saúde Pública as ações
sanitárias de caráter campanhista, âmbito nacional e cobertura universal.
Ao Ministério do Trabalho Indústria e Comércio, cabia a responsabilidade
pela prestação dos serviços de assistência médica hospitalar, de caráter
contributivo, por meio dos institutos de aposentadoria e pensões.
UNIUBE 81

Inicialmente, a receita dos IAPs, alicerçada


Pelego: “é o termo
na contribuição de patrões, empregados e do utilizado para designar
o líder sindical,
Estado mostrou-se superavitária, pois a massa trabalhador, que faz o
jogo do governo e das
de trabalhadores cadastrados contribuintes era entidades patronais,
muito superior ao número de aposentados que aquele que se coloca
como o ‘amaciador’ das
recebiam os benefícios. Conforme descreve relações entre o Estado
e os trabalhadores”.
Polignano (2007), o acúmulo das receitas (HISTORIANET,
2019, p.1). O discurso
estimulou a apropriação política dos institutos do pelego procura
transformar os
e, entre outros problemas, deu lugar à prática interesses das elites
do peleguismo sindical. dirigentes em interesses
dos trabalhadores.

No sentido figurado:
Sem uma coordenação política central para significa pessoa
servil que atua
estabelecer um programa coordenado dissimuladamente à
serviço de outra, o
de ação, os institutos, de modo isolado e mesmo que “capacho”.
autônomo, passaram a financiar moradias e
Peleguismo sindical:
a construir hospitais e postos de atendimento Denominação dada
ao comportamento
médico por todo o país, gerando, muitas vezes de dirigentes
sindicais que, uma
a duplicação de esforços e a ociosidade das vez cooptados pelos
governantes, agiam
instalações. Ao mesmo tempo, coexistiam com dissimuladamente junto
estes desperdícios, uma população destituída aos seus companheiros,
defendendo os
de qualquer benefício médico e previdenciário, interesses do governo.

representada pelos trabalhadores rurais, pelos O peleguismo sindical


surgiu dentro da política
autônomos, pelos empregados domésticos e trabalhista do Estado
Novo como uma
pelo contingente de desempregados e seus estratégia do governo
dependentes. Vargas, utilizada
para colocar a classe
operária de acordo com
o projeto de conciliação
Em contraste com os privilégios concedidos e de desenvolvimento
nacional proposto pelo
aos habitantes dos grandes centros, onde Estado. Ou seja, o
trabalhismo varguista
os institutos construíram seus hospitais, a se valeu do peleguismo
população do interior enfrentava dificuldades sindical para controlar
a classe operária
para conseguir atendimento médico regular. e subordiná-la aos
interesses do Estado
Como agravante, seguia aumentando (HISTORIANET, 2019).
82 UNIUBE

o problema da população marginalizada constituída pelos idosos,


indígenas, deficientes, moradores de rua e os miseráveis que não
contavam com qualquer tipo de previdência e, tampouco, de assistência
médica.
[...] por meio das CAPs e dos IAPs, o serviço de saúde
era um direito assegurado, por legislação trabalhista,
a determinadas categorias de trabalhadores e deveria
ser garantido pelo Estado [...]. Já no âmbito da saúde
pública, o acesso aos serviços não constituía um direito
social adquirido [...] e, portanto, não se formalizou como
uma obrigação do Estado com os cidadãos brasileiros.
(FONSECA, 2007, p. 260-261).

A clara distinção entre a assistência à saúde prestada, aos trabalhadores,


pelo MTIC (via previdência social) e, ao restante dos brasileiros, pelo
MESP (via saúde pública), foi entendida como “dualidade institucional
da saúde” por FONSECA (2007, p.260). Dualidade que implicava na
diferenciação da oferta dos benefícios e na falta de assistência médica às
populações do interior, aos sem carteira de trabalho e aos marginalizados.

3.4.1 O golpe do Estado Novo

O regime federativo vigente desde a Constituição de 1891 e da instalação


da República Velha conferia grande autonomia administrativa aos
estados e estabelecia limites à competência do governo central para
atuar em âmbito nacional. A Constituição de 1934 alterou a estrutura
administrativa do país, porém, manteve o regime federativo que seguiu
impondo dificuldades de natureza político-burocráticas à interiorização
das ações do Ministério da Saúde. Por outro lado, a assistência médica
intermediada pelas CAPs e IAPs não enfrentava as mesmas dificuldades
para expandir-se rapidamente pelas diferentes regiões do país.

A diferença entre a forma de expansão dos dois modelos de atenção


à saúde deveu-se principalmente a três motivos. O primeiro deles, ao
UNIUBE 83

fato do modelo previdenciário ser autossustentável e a sua implantação


não exigir novos investimentos. Em segundo lugar, a sua natureza
produtivista impulsionava o desenvolvimento da economia e o tornava
interessante para os estados. Como terceira vantagem, havia o caráter
securitário que fazia dele um direito dos trabalhadores e contribuía
para dissimular a atuação política do governo central nos estados da
federação. Estas características tornavam o modelo previdenciário de
atenção à saúde, politicamente e financeiramente mais conveniente para
as oligarquias regionais que se negavam a colaborar com a expansão do
que chamavam de populismo varguista.

Já o modelo de atenção à saúde defendido pelo Ministério da Educação e


Saúde Pública, por seu caráter universalista, era visto como uma outorga
paternalista do governo Vargas, e não, como um direito dos cidadãos.
Sua expansão demandava novos investimentos da União e dos estados
e, portanto, estava mais sujeita aos empecilhos burocráticos interpostos
pelas diferenças políticas existentes entre as oligarquias estaduais e o
projeto varguista que visava a criação de um Estado Nacional.

A partir da promulgação da Constituição de 1934 e, após a sua eleição


indireta para presidente “constitucionalista” do Brasil, Vargas implementou
várias alterações na estrutura administrativa do poder central. Decidido
a dinamizar e incrementar as ações do seu governo no plano social,
nomeou Gustavo Capanema como ministro da Educação e Saúde
Pública. Sobre a Atuação de Capanema à frente do MESP, assim se
manifestou Hochman (2005, p. 131):
O marco mais definitivo no processo de construção
institucional da saúde pública enquanto política estatal
foi a gestão de Gustavo Capanema no Ministério da
Educação e Saúde Pública (1934-45), [...]. Foi a reforma
do Ministério que, proposta em 1935 e implementada
por Capanema a partir de janeiro de 1937, traçou os
novos rumos da política de saúde pública no país, [...].
Foi a partir dessa reforma que o Ministério passou a se
denominar Ministério da Educação e Saúde – MÊS.

Há poucos dias do final do seu mandato, em 10 de novembro de 1937,


84 UNIUBE

sob a alegação de que era necessário reajustar o organismo político


às necessidades econômicas do país, Getúlio Vargas, por meio de um
golpe de estado, outorga ao país a Constituição de 1937 e institui o
Estado Novo que passa a funcionar sob o seu comando. O Congresso
Nacional é fechado e os estados são colocados sob intervenção. A partir
daí, instala-se no país um regime autoritário de caráter anticomunista,
centralizador e nacionalista que transforma o antigo governo da revolução
em ditadura.

SAIBA MAIS

O Estado Novo foi a terceira e última fase a Era Vargas. Durou de 1937
a 1945 e sucedeu as fases do Governo Provisório 1930 a 1934) e do
Governo Constitucional (1934 e 1937).

A ditadura do Estado Novo iniciou-se na forma de um golpe de Estado


praticado em 10 de novembro de 1937, contra o regime democrático
vigente no Brasil. O golpe foi comunicado à população brasileira por meio
do programa de rádio Hora do Brasil pelo próprio Getúlio Vargas que
alegou razões de segurança nacional contra a eminência de um levante
comunista. A legitimação autoritária do novo regime ocorreu com a outorga
da Constituição de 1937 redigida a pedido de Vargas. Na vigência do
Estado Novo os estados permaneceram sob intervenção e, o Congresso
Nacional, bem como as Assembleias Estaduais e as Câmaras Municipais
permaneceram fechadas. O Poder Executivo passou a ter o controle efetivo
sobre todas as instâncias de poder do país, com o pleno apoio das forças
militares (FERNANDES, 2019).

Sem as barreiras políticas anteriormente existentes nos estados, as


medidas propostas pela reforma Capanema passam a deslanchar mais
rapidamente.
UNIUBE 85

Interiorizar a saúde pública − agenda clássica do


sanitarismo − parecia ser possível com o incremento da
presença do MES nos estados e nos municípios. [...].
Com as intervenções políticas impostas aos estados,
com autoritarismo e com a imposição de crescentes
limites às autonomias estaduais, seriam removidos
os obstáculos para a realização do ideal centralizador
do movimento sanitarista (de Oswaldo Cruz e Carlos
Chagas) da década de 1920. (HOCHMAN, 2005, p.
131-132).

Sob a direção do médico João de Barros Barreto, nomeado diretor


do Departamento Nacional de Saúde, as oito Delegacias Regionais
de Saúde, que já haviam sido criadas em 1937, se organizam em
todo o território nacional em circunscrições delimitadas segundo às
características epidemiológicas regionais e independentes das fronteiras
estaduais. Um dos objetivos principais das Delegacias de Saúde era
o de coordenar e supervisionar a implantação dos Serviços Nacionais
especializados de Saúde e, por meio de centros de saúde instalados
nas grandes cidades e postos de higiene espalhados pelas zonas rurais,
promover o atendimento médico, em caráter universal, para os excluídos
da previdência social que, por sua vez, continuava seu processo de
expansão de cobertura aos previdenciários.

SAIBA MAIS

João de Barros Barreto: Médico, sanitarista, professor universitário,


conferencista e escritor brasileiro, representou o Brasil em inúmeras
conferências internacionais sobre higiene e saúde. Nasceu na cidade
do Rio de Janeiro, em 14 de dezembro1890. Foi inspetor sanitário da
diretoria de Higiene do Estado do Rio de Janeiro (1915). Foi diretor
do Departamento de Saúde do Estado de São Paulo e diretor de
Saneamento Rural no Estado do Paraná (1940). Ocupou a direção do
Departamento Nacional de Saúde de 1937 a 1939 e de 1942 a 1945.
Foi o responsável pela importante reforma Barros Barreto que ocorreu
86 UNIUBE

no Ministério da Saúde a partir de 1941. Suas ações de destaque


foram: a Instituição de órgãos normativos e supletivos com o objetivo
de orientar a assistência sanitária e hospitalar no Brasil; a criação de
órgãos executivos de ação direta no combate às principais endemias
como malária, febre amarela e pestes; o fortalecimento do instituto
Oswaldo Cruz, transformando-o em referência nacional; a criação de
oito regiões sanitárias e a descentralização das Delegacias Regionais
de Saúde; a implementação de programas de abastecimento de
água e construção de esgotos; a criação de serviços de atenção às
doenças degenerativas e mentais e a criação de serviços nacionais
especializados como o instituto Nacional do Câncer (ANM, 2019).

Segundo Hochman (2005), com a implementação das reformas


de Capanema (1937), e de Barros Barreto (1942), a saúde pública
passou a traduzir as linhas gerais da política varguista de centralização
política e administrativa e de verticalização das ações do Estado. De
acordo com o autor, o Estado Novo não apenas atualizou a herança
sanitarista da Primeira República, como também a renovou e inovou.
O Serviço Nacional de Tuberculose provocou e operacionalizou a
primeira aproximação entre o modelo assistencialista dos IAPs e o
campo da saúde pública, ou seja, proporcionou o confronto das práticas
assistenciais e curativas individualizadas com a medicina preventiva de
caráter coletivo.

As modificações operadas, na Era Vargas, no sentido de universalizar a


prestação dos serviços de saúde pública no país, apesar de não terem
logrado alcançar a integralidade da cobertura dos cidadãos brasileiros
excluídos da previdência social, inseriram-se de forma significativa na
história das políticas de saúde no Brasil e serviram de base para a
criação do Ministério da Saúde em 1953 e de inspiração para as reformas
estruturais que se operaram nas décadas seguintes.
UNIUBE 87

3.5 O Intervalo democrático entre 1945 a 1964

No período compreendido entre 1945 e 1964, o Brasil viveu um breve


intervalo democrático que sucedeu a queda de Getúlio Vargas e o
fim do Estado Novo. Com a promulgação da Constituição de 1946,
restabeleceram-se as liberdades democráticas, a tripartição dos poderes
e a autonomia política e administrativa dos estados. Porém, segundo
Risi Júnior (2002), muitas estruturas corporativistas, construídas nos
anos precedentes, permaneceram intactas, especialmente no campo
das relações de trabalho e na cúpula da administração previdenciária.

Em janeiro de 1946, ainda sob forte influência e apoio de Getúlio Vargas,


assumiu a presidência do Brasil o general Eurico Gaspar Dutra que
deu continuidade às políticas de saúde do período anterior mantendo
os serviços de atendimento médico hospitalar vinculados ao Ministério
do Trabalho e, as ações de combate às endemias rurais e a saúde
pública vinculadas ao Ministério da Educação e Saúde. Entre as poucas
alterações havidas no campo da saúde no mandato de Eurico Dutra,
destaca-se a criação do Serviço de Assistência Médica e Domiciliar de
Urgência - SAMDU, mantido pelo conjunto dos institutos e pelas CAPs
ainda remanescentes. Este financiamento compartilhado do SAMDU
representou o início de um movimento no sentido de unificar os institutos
num regime único de previdência social, administrado pelo Estado, e
que pudesse eliminar diferenças e estabelecer equidade na oferta dos
benefícios.

Em 1951, Getúlio Vargas é eleito democraticamente para seu segundo


período na presidência da república e, em 1953, cria o Ministério
da Saúde. A criação do novo ministério não foi além do simples
desmembramento do antigo Ministério da Educação e Saúde e,
não significou a adoção de uma nova postura ou novo compromisso
do governo com a solução dos problemas inerentes às políticas de
saúde pública do país. Salvo a melhoria das relações administrativas
88 UNIUBE

e programáticas entre o novo ministério e as secretarias estaduais


de saúde que começaram a ser criadas em 1940, poucas foram as
alterações que ocorreram no modelo de atenção à saúde que vinha se
consolidando desde o Estado Novo.

Porém, a ampliação e interiorização dos serviços médicos prestados


pelo governo por via das secretarias estaduais de saúde não se mostrou
suficiente para atender a demanda da população do interior, incluindo os
trabalhadores mais pobres que, na falta de serviços de saúde prestados
por seus institutos, buscavam atendimento nos centros de saúde
mantidos pelos estados. A busca por estes atendimentos gerava longas
filas de espera e muitas reclamações por parte dos trabalhadores que
pagavam à previdência pelo direito ao benefício.

Para atender à demanda reprimida representada pelos previdenciários


assalariados que residiam em locais desprovidos de equipamentos
de saúde dos IAPs, iniciou-se, por parte das administrações dos
institutos, um processo crescente de terceirização de serviços médicos
e ambulatoriais destinados a estender a cobertura dos benefícios aos
trabalhadores do interior.
É a partir principalmente da segunda metade da
década de 50, com o maior desenvolvimento industrial,
com a consequente aceleração da urbanização, e o
assalariamento de parcelas crescentes da população,
que ocorre maior pressão pela assistência médica via
institutos, e viabiliza-se o crescimento de um complexo
médico hospitalar para prestar atendimento aos
previdenciários, em que se privilegiam abertamente a
contratação de serviços de terceiros. (POLIGNANO,
2007. p. 11).

Segundo Baptista (2007), cada instituto se organizava nas capitais e


no interior para oferecer a seus beneficiários um conjunto de benefícios
compatível com a capacidade de contribuição e mobilização da sua
categoria. Assim, algumas categorias profissionais desfrutavam de mais
UNIUBE 89

privilégios que outras. No que diz respeito à saúde, tal fato significava
um padrão melhor de assistência médica e hospitalar, diferenciado tanto
por categoria como por região de domicílio. Essas diferenças na oferta
dos benefícios patrocinavam a desigualdade social mesmo entre os
segurados da previdência e eram causa de insatisfação e de frequentes
reclamações por parte das categorias de menor poder econômico e dos
trabalhadores que moravam no interior.

Com a morte de Getúlio e o fim definitivo da Era Vargas, o médico mineiro


Juscelino Kubtischeck de Oliveira é eleito, em 1956, à Presidência
da República e implementa a transferência da capital federal para o
planalto central do país. Neste processo de interiorização da sede
administrativa do país, os IAPs são chamados a contribuírem com o
esforço de construção da nova capital e parte significativa dos fundos
de pensão dos trabalhadores é investida na construção de imponentes
edifícios comerciais, hospitais devidamente equipados e prédios de
apartamentos destinados a abrigar seus funcionários na nova capital.
Estes investimentos acabam enfraquecendo os caixas dos institutos que
já vinham se ressentindo do crescente aumento dos custos da política de
terceirização. A este respeito, Nicks (1982) relata que
as despesas com assistência médica hospitalar
prestada pelos institutos em 1949 representaram 7,3%
dos gastos totais da previdência. Nas duas décadas
seguintes, saltaram para preocupantes 19,3% e, em
1966, atingiram o patamar 24,7% do total geral das
despesas, e seguiram em escalada crescente.
(NICKS,1982 apud POLIGNANO, 2007, p. 11).

A escalada nos custos da administração previdenciária confirmava que


a componente saúde vinha ganhando importância cada vez maior no
leque dos benefícios atinentes ao campo da seguridade social e revelava
a necessidade urgente da burocracia estatal buscar novas alternativas
gerenciais e administrativas para garantir e equidade e o financiamento
da assistência médica aos segurados da previdência social sem, contudo,
90 UNIUBE

colocar em risco o pagamento das aposentadorias e pensões dos


trabalhadores.

Em razão da crise financeira e de gestão dos


CLT: A
Consolidação das IAPs, em agosto de 1960, após acirrados debates
Leis do Trabalho,
popularmente no Congresso Nacional, foi finalmente promulgada
chamada de CLT é
considerada a “bíblia
a Lei Orgânica da Previdência Social - LOPS que
do trabalho” no criou e unificou o Regime Geral da Previdência
Brasil. É o conjunto
de normas que Social, destinado a contemplar todos os
regulamenta as
relações trabalhistas, trabalhadores sujeitos ao regime da CLT. O novo
tanto do trabalho
urbano quanto do regime manteve a exclusão dos trabalhadores
trabalho rural. A CLT
foi decretada em 1º rurais e dos empregados domésticos que, mais
de maio de 1943 –
data que passou a uma vez, permaneceram fora da previdência
ser comemorada
anualmente como social vigente no país.
o Dia do Trabalho.
O propósito da CLT
é o de proteger Apesar da unificação do Sistema Previdenciário
o trabalhador e
regular as relações por meio da LOPS, a crise política gerada pela
de trabalho, tanto
as individuais como ascensão do populismo trabalhista com a chegada
as coletivas. Dela
decorre o direito de João Goulart ao poder, contribuiu para que as
processual do
trabalho. dificuldades financeiras dos IAPs se agravassem
A principal função ainda mais.
da CLT consiste
em coibir as
relações abusivas Juntamente com as medidas de continuidade
de trabalho, muito
comuns à época da do modelo campanhista e a insuficiente
sua promulgação,
quando não havia expansão dos postos de saúde pelos municípios
leis que regulassem
horários, condições interioranos, o Ministério da saúde, em parceria
de trabalho nem
a concessão com as Secretarias de Saúde dos Estados,
de benefícios.
Apesar de ter sido seguia com os programas nacionais de combate
uma outorga do
governo ditatorial aos vetores, o tratamento da tuberculose, a
de Vargas, ela é assistência aos chagásicos e os programas de
considerada uma
grande conquista atendimento às crianças e às gestantes.
dos trabalhadores.
(POLITIZE, 2019b).
UNIUBE 91

Após a criação da Associação Médica Brasileira (AMB), em 1951, e do


Conselho Federal de Medicina (CFM) com seus conselhos regionais,
em 1957 e sob forte Influência da Organização Pan-Americana de
Saúde – Opas, a medicina preventiva começa a ganhar importância em
toda América Latina. Segundo Amaral (2007), até 1963 já haviam sido
criadas 36 escolas médicas no país e, grande parte delas, já reconhecia
a necessidade da formação de profissionais médicos com o perfil de
sanitaristas.
No início dos anos 1960, ganha dimensão o discurso
dos sanitaristas em torno das relações entre saúde e
desenvolvimento. [...] As propostas para adequar os
serviços de saúde pública à realidade diagnosticada
pelos sanitaristas desenvolvimentistas tiveram
marcos importantes com a formulação da Política
Nacional de Saúde, em 1961, com o objetivo de
redefinir a identidade do Ministério da Saúde e colocá-
lo em sintonia com os avanços verificados na esfera
econômico-social. (BRASIL, 2007, p. 28).

Impulsionado na América Latina pela atuação da Organização Pan


Americana de Saúde, o movimento preventivista segue ganhando corpo
no Brasil e passa a exercer influência crescente na reorganização do
ensino médico, com realce para a prevenção de doenças e a promoção
da saúde. Estas alterações resultaram na incorporação da análise
epidemiológica dos fatores de risco e na naturalização dos aspectos
sociais do processo saúde/doença pela prática médica, ocasionando
a formação de sanitaristas comprometidos com a promoção da
saúde e com a reorganização do sistema de saúde do país. Inúmeras
experiências bem-sucedidas de trabalho de campo serviram de base para
as propostas inovadoras que foram levadas à 3ª Conferência Nacional
de Saúde, realizada na cidade do Rio de Janeiro, em dezembro de 1963,
com o temário: situação sanitária da população brasileira; distribuição
das atividades médico-sanitárias no país; municipalização dos serviços
de saúde e; fixação de um Plano Nacional de Saúde.
92 UNIUBE

A 3ª Conferência revestiu-se de especial significado na


medida em que propôs reforma profunda na estrutura
sanitária do país e, pela primeira vez, fixou com clareza
uma Política Nacional de Saúde capaz de atender às
necessidades do nosso povo a custos suportáveis pela
Nação. Sob esse aspecto, ela se constituiu num marco
importante da história do pensamento dos sanitaristas
brasileiros. (CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE,
1992. p, 3).

Considerada a precursora dos princípios defendidos pelas 8ª e 9ª


Conferências Nacionais de Saúde, a 3ª CNS serviu de palco para as
propostas de adequação dos serviços de saúde pública à realidade
diagnosticada pelos sanitaristas brasileiros ao longo de um trabalho
de campo iniciado na década de 1940. Já à época, os indicadores dos
níveis de saúde demonstravam possuir relação direta com o grau de
desenvolvimento econômico, social, político e cultural das comunidades. A
ideia aprovada na 3ª CNS foi a de que a municipalização das ações básicas
de saúde seria a única forma de vencer a insuportável centralização que
deixava grande parte da população brasileira sem assistência à saúde.
Como o país possui dimensões continentais e grandes diferenças
regionais, foi proposta a implantação de uma estrutura sanitária de âmbito
nacional, capaz de adequar-se à realidade econômica, política e social das
diferentes comunidades.

Sentindo-se politicamente fortalecido pelo resultado do plebiscito de


1963 que reinstituiu o regime presidencialista e, buscando criar alianças
com o proletariado rural, em 2 de março de 1963, o governo de João
Goulart promulga a Lei 4.214/63, que criou o FUNRURAL e integrou os
trabalhadores rurais ao sistema previdenciário. A lei estabelecia que o
fundo recém-criado seria financiado com a participação do empregado,
do empregador e da União. Apesar de João Goulart ter sido deposto
pelo golpe militar de 1964, a lei continuou em vigência e os governos
sucessores jamais cumpriram a sua parte, onerando ainda mais o já
debilitado caixa da previdência, que àquela altura, já se encontrava-se
UNIUBE 93

totalmente comprometido com os custos dos serviços médicos hospitalares


demandados pelos trabalhadores e seus dependentes.

Apesar do seu caráter progressista e da importância das suas contribuições


para a reorganização da saúde pública no Brasil, as propostas da 3ª CNS
foram solenemente ignoradas pelo governo militar que se instalou no poder
em abril de 1964. Aquele projeto embrionário que propunha um sistema
nacional de saúde, aberto e democrático, foi interrompido.

3.6 O período militar

Uma vez no poder, o governo militar interrompeu o debate pelas reformas


de base que se difundia pela sociedade e ignorou os avanços e apelos
que vinham acontecendo no campo da saúde pública pela reforma
sanitária. Ao mesmo tempo, promoveu a intervenção nos institutos de
aposentadorias e pensões do país e substituiu todos os Conselhos
Administrativos dos IAPs por juntas interventoras encarregadas de
apresentar uma proposta de reformulação do sistema previdenciário
brasileiro visando equilibrar e equiparar a oferta dos benefícios.

À época, as juntas interventoras identificaram que os problemas nos


caixas dos institutos de previdência eram decorrentes, principalmente,
da apropriação política das autarquias, da prática do peleguismo, das
fraudes, do clientelismo e sobretudo do processo de terceirização de
serviços que, na falta de um planejamento central, gerava duplicações
na oferta dos benefícios, ociosidade e desperdícios. Este diagnóstico
fez avançar o processo de unificação dos IAPs e, em 21 de novembro
de 1966, todos os institutos existentes no país acabam fusionados no
Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). A partir daí as reformas
institucionais adotadas para ampliar a cobertura da assistência à saúde
caracterizaram-se pela acelerada privatização das políticas sociais.
94 UNIUBE

Valendo-se dos recursos advindos principalmente da contribuição


compulsória dos trabalhadores inscritos na previdência social e, insensível
ao modelo da promoção da saúde, o Estado Militar, inicialmente, por meio
do INPS e, posteriormente, por meio do INAMPS, manteve e aprimorou
o processo de terceirização, contratação e credenciamento de serviços
médicos privados.

A aceleração do modelo de privatização da assistência médica foi a


estratégia adotada para atender as demandas geradas pelo crescimento
populacional e pelo êxodo rural que se acelerou a partir de 1960. Entre
investir na rede pública ou estimular o crescimento da rede privada de
prestação de serviços, o Estado optou pela segunda alternativa. Segundo
Sestelo (apud TAVARES, 2014), tratou-se de uma alternativa bastante
conveniente pois, proporcionou aos militares que comandavam o país,
não apenas o apoio político da elite empresarial tradicional; garantiu
também, o apoio de uma nova elite que emergia financiada pelo regime.
Ao mesmo tempo, a base de apoio popular ao governo também se
ampliou em função da expansão do acesso dos trabalhadores à rede
assistencial conveniada. Contudo, segundo Tavares,
vale lembrar que o INAMPS atendia apenas a quem
tinha emprego formal. Quem não se enquadrasse nessa
exigência deveria procurar assistência em centros e
postos de saúde pública, desde que integrasse o perfil
dos programas, tais como, os de atenção materno-
infantil, tuberculose, hanseníase e outros; ou nos
serviços de saúde como as Santas Casas e hospitais
universitários, consultórios e clínicas privadas, desde
que tivesse condições financeiras para ser atendido.
(TAVARES, 2014, p. 2).

Enquanto investia recursos públicos no crescimento da rede privada, o


governo militar promovia a desmobilização dos hospitais públicos. Na
primeira metade da década de 1970, segundo estudo de Hésio Cordeiro
(apud MATHIAS, 2018), o número de internações realizadas nos 41
hospitais próprios da previdência foi reduzido quase pela metade. No
UNIUBE 95

mesmo período, o número de internações, pagas com recursos públicos,


na rede privada conveniada, cresceu 98%, chegando, em 1978, a
um total de 6,3 milhões de internações custeadas com recursos da
previdência. Como se não bastasse a canalização dessa avalanche de
recursos públicos para a compra de serviços na rede privada, em 1974, o
Governo Geisel criou o Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social – FAS
que passou a custear, com juros subsidiados pela União, a construção
dos hospitais privados que, mais tarde, venderiam seus serviços para a
Previdência Social. Segundo o médico sanitarista Nelson Rodrigues dos
Santos, o Nelsão,
Era uma equação simples: os militares criaram o FAS
para financiar a construção de hospitais privados e
havia o INPS e, posteriormente, o INAMPS, para pagar
a assistência médica. Assim, o dinheiro público, por
meio do FAS, financiava a construção dos hospitais e, o
dinheiro público, por intermédio do INAMPS, contratava
os hospitais que eles pagaram para construir (SANTOS
apud MATHIAS, 2018, p. 3).

O resultado dessa “farra” com os recursos da previdência acabou gerando


toda sorte de falcatruas e desvios. Como o padrão de remuneração
adotado pelo INAMPS era por unidades de serviço (US), a assistência
médica passou a orientar-se pelo lucro, priorizando os procedimentos
mais lucrativos e não os efetivamente necessários à melhoria da saúde
da população.

Segundo Carlos Ponte (apud MATHIAS, 2018, p. 3), no governo militar, “a


saúde virou um grande negócio”. No período de 10 anos, a rede privada
de hospitais saltou de 944 para 2.121 unidades, ou seja, expandiu-se
em mais de 200%. Ainda segundo Carlos Ponte (idem, p. 4), durante
o governo militar a participação do Ministério da Saúde no orçamento
geral da União, jamais ultrapassou 1,82% dos recursos alocados. Para
piorar o quadro de desequilíbrio das políticas de saúde do país, a atenção
médico-hospitalar consumia, anualmente, mais de 86% dos recursos dos
programas federais, enquanto que a atenção básica ficava com menos
de 1% do montante que o governo federal destinava para a saúde.
96 UNIUBE

Passada a fase do chamado ‘milagre econômico’ (1968-1973), o ciclo de


desenvolvimento começava a dar os primeiros sinais de esgotamento. Os
equívocos praticados no campo da saúde pública com a priorização da
assistência médica curativa em prejuízo das ações de promoção da saúde
e prevenção de doenças começam a exibir seus macabros resultados. Em
1973, a taxa de mortalidade infantil no município de São Paulo saltou para
90/1000, superando em 50% a maior taxa de mortalidade infantil do século
(60/1000), ocorrida em 1961 (SOARES, 1976, apud MATHIAS, 2018).

Segundo o mesmo pesquisador, entre 1972 e 1976, um milhão e meio de


crianças foram à óbito por causas evitáveis associadas à desnutrição e à
falta de saneamento. À época, o número de crianças mortas, no período
de cinco anos, por difteria, coqueluche, sarampo, tétano, poliomielite e
doenças diarreicas, equivalia à população de Belo Horizonte, a terceira
maior cidade do Brasil. Na média, nos 10 primeiros anos do governo militar,
para cada 100 óbitos ocorridos no país, 72 eram de pessoas com idade
inferior a 50 anos e, 42 eram de crianças abaixo de quatro anos. Como
comparação, na Europa, no mesmo período, apenas 20 de cada 100
óbitos, atingiam pessoas na faixa etária inferior a 50 anos.

O maior descalabro, contudo, acontecia com a ‘assistência’ disponibilizada


aos doentes mentais, para os quais, praticamente, não havia oferta de
atendimentos ambulatoriais. À época, segundo Mathias (2014, p. 5), os
ambulatórios de saúde mental recebiam menos de 2% da verba destinada
aos hospitais psiquiátricos que, por sua vez, ficavam com 98% dos recursos
da saúde mental para “internar quem quisessem nas condições que bem
entendessem”. Segundo a pesquisadora, os hospitais psiquiátricos não
passavam por nenhum tipo de supervisão e, muitos deles funcionavam
como asilos ou campos de concentração, sem as mínimas condições de
higiene e salubridade. Os internos morriam de doenças infecto contagiosas
e houve casos comprovados de que alguns cadáveres eram vendidos para
escolas de medicina.
UNIUBE 97

Para finalizar e encerrar a descrição do quadro sanitário do país no início


da década de 1980, cabe registrar que havia o lucrativo comércio do
sangue que também era tratado como mercadoria. Não havia qualquer
controle, quer seja do Estado ou do mercado, para garantir a qualidade
do sangue que era comercializado livremente. A maioria dos bancos de
sangue existentes no país era controlada por verdadeiras máfias que
compravam o ‘produto’ de presidiários, drogados e moradores de rua
para revendê-lo aos hospitais. Com isso, muitas pessoas que recebiam
transfusões eram contaminadas por hepatites e Aids. Em 1980, já
próximo ao ocaso do governo militar, ocorreu uma epidemia de Aids que
agravou ainda mais a situação, pois muitos portadores do HIV eram
‘fornecedores’ das máfias dos bancos de sangue.

No próximo capítulo conheceremos a história do movimento da Reforma


Sanitária Brasileira para entendermos como setor de saúde enfrentou a
crise sanitária em que nos encontrávamos e como se deu o processo de
criação do Sistema Único de Saúde – SUS.

3.7 Considerações finais

No Brasil, com exceção do trabalho, cada vez mais raro, de assistência


prestada em caráter caritativo e filantrópico, a saúde, desde sempre,
tem sido objeto de apropriação política por parte do Estado. Ao longo
da nossa história, os sucessivos governos vêm abdicando de encontrar
soluções definitivas para os problemas sanitários e se valendo da saúde,
ou da falta dela, para controlar as massas e legitimar-se no poder.

No estudo deste capítulo, vimos que os serviços de saúde no Brasil


sempre priorizaram os grupos sociais de maior poder aquisitivo. Embora
as causas de morbidade e mortalidade de grande parte da população
brasileira estivessem ligadas às doenças infecciosas, à desnutrição e às
doenças imunopreviníveis, os investimentos mais significativos foram
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(e continuam) direcionados para a recuperação e não à prevenção de


doenças e à promoção da saúde.

Vimos que no passado recente, a compra de serviços de assistência


médica hospitalar por meio da Previdência Social proporcionou o
ambiente ideal para que o setor privado pudesse prosperar sem riscos.
Vimos também, que do ponto de vista da economia, o ‘monopólio’ da
prestação de serviços de saúde sempre esteve nas mãos das elites
que detém o domínio sobre o capital e, assim sendo, segue apropriada
como objeto de lucro e exploração comercial. Desta forma, a oferta de
serviços de saúde mantém uma tendência marcante à sofisticação e
à complexidade, atendendo muito mais aos interesses das indústrias
produtoras de fármacos, de insumos e de equipamentos. Neste contexto,
os brasileiros seguem assistindo passivamente os seus direitos serem
esbulhados e manipulados tanto pelas forças políticas como pelas forças
de mercado.

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