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Psicologia da Saúde

Material Teórico
O Surgimento da Psicologia da Saúde

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Carmen Conti

Revisão Textual:
Prof. Dra. Selma Aparecida Cesarin
O Surgimento da Psicologia da Saúde

• O Surgimento da Psicologia da Saúde Sobre O Conceito de Saúde


• A Saúde e A Doença Vistas Através do Tempo
• A Origem do Termo “Psicologia da Saúde” e O Seu Nascimento como
Área de Atuação e Conhecimento
• Como se Define O Campo da Psicologia da Saúde?
• Os Aspectos Históricos da Formação da Área
• As Diferentes Vertentes que Relacionam Psicologia e Medicina
• Psicologia Clínica, Psicologia da Saúde e Psicologia Clínica da Saúde

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Compreender o conceito de Saúde, como se desenvolveu ao longo
da História e como o conhecemos hoje;
· Conhecer as correntes de pensamento que perpassaram e perpassam
a formação e história da Psicologia da Saúde, ligadas à Medicina e
à Psicologia;
· Iniciar o contato com a prática do profissional da Psicologia da
Saúde, tendo vistas para relações com outras práticas das diversas
áreas do conhecimento.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como o seu “momento do estudo”.

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo.

No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também
encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão,
pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato
com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem.
UNIDADE O Surgimento da Psicologia da Saúde

O Surgimento da Psicologia da Saúde Sobre


O Conceito de Saúde
Existe uma tensão entre a manifestação objetiva da doença e sua apreensão
pelos profissionais da área da Saúde e a expressão subjetiva do paciente que a vive.
A tradução da combinação entre esses dois elementos deve produzir uma trama
sofisticada que leva em consideração os vários aspectos da vida humana, e não
só os elementos biomédicos da doença. A vivência, as consequências subjetivas,
a nova condição também são elementos importantes no tratamento e na relação
estabelecida entre paciente e profissional da Saúde.

De acordo com a Conferência Internacional sobre a Promoção da Saúde, em


1986, em Ottawa, a Saúde é um conceito positivo, em que a qualidade de vida
é fator determinante, com seus componentes: alimentação, moradia, renda, paz,
equidade, justiça social e ecossistema estável.

Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), é importante a ideia de que os


indivíduos e as comunidades/grupos precisam tomar para si a tarefa de elaborar as
condições de vida adequadas, de forma a produzir um modo de vida que favoreça
a Saúde e não a doença (BACKES et al., 2008, p.112).
“Nesse sentido, direito à Saúde significa a garantia, pelo Estado, de
condições dignas de vida e de acesso universal e igualitário às ações
e serviços de promoção, proteção e recuperação da Saúde, em todos
os seus níveis, a todos os habitantes do território nacional, levando ao
desenvolvimento pleno do ser humano em sua individualidade” (BACKES
et al., 2008, p.112).

Partindo dessa definição de Saúde, um problema nos é apresentado. É possível


que uma só área do conhecimento ou de atuação seja capaz de dar conta da
multiplicidade de fatores que determinam um conceito tão amplo de Saúde?

Se uma prática que privilegie a prevenção está ligada a aspectos que envolvem
políticas de Estado, hábitos cotidianos, diferentes campos do saber e da Saúde –
do corpo e da mente, qual é a articulação necessária para que isso possa se
tornar prática?

Um dos aspectos que dificultam muito a integralidade da Saúde em suas plenas condições
Explor

são as contradições sociais. Aqui está uma sugestão de filme que aborda a relação entre
Saúde e as contradições sociais vividas em nosso tempo. Chama-se “Eu, Daniel Blake”, do
cineasta britânico Ken Loach. Assista ao trailer em: https://goo.gl/1u41FW.

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A Saúde e A Doença Vistas Através
do Tempo
Se visitamos os diferentes momentos da História da Humanidade, perceberemos
que a Saúde já ocupou os lugares mais distintos nas culturas das civilizações de
nossa espécie, sendo sempre um centro de investigação, curiosidade e busca
pelos mecanismos de funcionamento do corpo e da relação de nosso corpo com
o ambiente. O que causam as doenças? Como se produz longevidade? Possuímos
existência para além da vida do corpo físico?

Muitas vezes, a Ciência esteve entrelaçada com as religiões nessas pesquisas. Os


egípcios da Antiguidade, por exemplo, desenvolveram um método ultrassofisticado
de conservação dos corpos a partir do embalsamamento, método que eles
acreditavam que garantiria a eternização dos corpos dos grandes homens e mulheres
de sua sociedade. É um exemplo de entrelaçamento entre a pesquisa científica e as
práticas ou expectativas espirituais.

Vamos ver como a Saúde era enxergada nas diferentes eras?

Acreditava-se que as doenças poderiam ser causadas por


Antiguidade Clássica razão natural ou sobrenatural. Desse modo, a filosofia
religiosa era uma mediadora da compreensão sobre a Saúde.
Trata-se de um período fortemente marcado pela
religiosidade. Também é um período de grandes epidemias.
Por isso, acreditava-se numa lógica do contágio, pela água ou
Idade Média ambiente, ou mesmo a partir de critérios místicos (bruxaria,
por exemplo). Avançou-se na investigação de como se
procediam aos contágios.
As condições de salubridade aumentam e a concepção do
tratamento individualizado cresce, bem como a ideia de que
para cada doença há um tratamento (o estudo das doenças
bacteriológicas avança bastante nesse período). Período em
Modernidade (do século XVIII ao século XX) que a medicina ganha caráter mais biológico, desvinculado
dos aspectos filosóficos. Passa a valorizar o cuidado da doença
propriamente, assumindo caráter mais experimental do
que empírico.
Diferente da lógica mais fragmentária e objetivista
verificada nos séculos anteriores, surge uma noção de Saúde
Contemporaneidade (a partir do século XX) multideterminada, em que a espécie humana é vista como
construída (do ponto de vista da Saúde) de forma biológica,
psíquica e social.

“Os conceitos médicos atuais representam o resultado da práxis de cuidado


de Saúde. Isto é, os conceitos simplesmente se concretizam pelo modo
de vida e pela comunicação sobre a vida. Entretanto, existe mais de um
conceito sobre Saúde e doença que os estudos atuais apresentam, e esses
conceitos resultam da práxis normal” (BACKES et al., 2008, p.113).

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UNIDADE O Surgimento da Psicologia da Saúde

A compreensão de normalidade é dada a partir da frequência dos fenômenos.


O normal é o mais comum, o mais frequente. Em outras áreas do conhecimento,
como as Ciências Humanas, esse critério de normalidade também é adotado. Não
há, no entanto, uma normalidade a-histórica, deslocada do espaço e do tempo.
Cada geografia e temporalidade produz suas normalidades, e como passamos a
compreender a Saúde a partir de suas múltiplas determinações, é preciso também
combinar as determinações e o espaço-tempo em que elas se encontram. A Saúde
e a doença, assim como tudo na História da Humanidade, são históricas.

Como os aspectos a serem considerados são múltiplos, é importante que,


para além de uma aplicação técnica, exista uma lógica de promoção da Saúde,
compreendendo as diferenças e as necessidades de cada indivíduo ou grupo social.
Termos como “empoderamento” ou “vulnerabilidade” vêm sendo aplicados e
desenvolvidos para um atendimento às questões da Saúde a partir de uma dinâmica
equitativa – em dimensão social ou individual.

Entre as condições vividas por diferentes grupos, devemos destacar que


demandam diferentes atenções e possuem necessidades também distintas, por
sua particularidade biológica (as pessoas de sexo feminino, as crianças, os idosos,
os homens); sua orientação sexual (existem diferentes demandas de prevenção e
cuidado de doenças nos grupos com orientação sexual e de gênero não normativos,
como os transexuais, as lésbicas, os bissexuais, os homossexuais, os interssex
e os trangêneros); sua etnia (particularidades de Saúde em negros, indígenas,
causasianos etc.).

Combinados a essas particularidades, estão os aspectos sociais e a posição


que ocupam esses indivíduos e grupos. Por vivermos ainda em uma sociedade
altamente segregada, existem grupos mais expostos e vulneráveis a doenças e com
menos condições materiais e subjetivas de possuir aquilo que definimos como os
aspectos integrais que determinam a Saúde. Dessa forma, é importante sempre
levar em consideração cada um desses fatores no atendimento e trato dos grupos
e indivíduos.

Equidade (Dicionário Michaelis): e·qui·da·de (ü ou u) sf. 1 Consideração em relação


Explor

ao direito de cada um independentemente da lei positiva, levando em conta o que se


considera justo. 2 Integridade quanto ao proceder, opinar, julgar; equanimidade, igualdade,
imparcialidade, justiça, retidão. 3 Disposição para reconhecer imparcialmente o direito de
cada um. ETIMOLOGIA lat æquĭtas.

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A Origem do Termo “Psicologia da Saúde” e
O Seu Nascimento como Área de Atuação
e Conhecimento
O fim da década de 1960 e a década de 1970 do século XX consistem em
um período de profundas transformações sociais, políticas e culturais. No Brasil
e no mundo, havia forte embate em torno a diferentes experiências. A ex União
Soviética ainda existia; é quando presenciamos as grandes movimentações de Maio
de 68 na França, quando pensadores de envergadura da estética, da política e da
filosofia despontam ou amadurecem seu pensamento e, no Brasil, um período de
embates também, em torno das posições políticas e do comportamento, na vigência
da ditadura civil-militar no país e no auge da censura, com a implementação do Ato
Institucional de nº 5 (AI5).

Você Sabia? Importante!

No Brasil, em 13 de dezembro de 1968, foi decretado o Ato Institucional nº 5, ou AI-5,


sendo o quinto Decreto emitido pelo regime civil-militar nos anos que seguiram ao golpe
de 1964. O AI5 se sobrepunha à Constituição de 1967, dando poderes extraordinários ao
presidente e garantindo a suspensão de prerrogativas institucionais.
Essa era a medida que faltava à ditadura para cassar direitos políticos e democráticos,
endurecer a censura e intervir em estados e municípios, dando origem, por exemplo, ao
fechamento do Congresso Nacional, em 1969.

Em períodos de forte ebulição em âmbito nacional ou mundial é que as correntes


de pensamento se desenvolvem e se enfrentam e a Ciência encontra novos
caminhos para responder aos questionamentos estabelecidos por aquele momento
histórico. É no marco desse contexto que a Psicologia da Saúde surge como área
de atuação e corrente de pensamento.

Veremos ao longo de nossa Disciplina que a Psicologia da Saúde abriu dois


importantes flancos de atuação e pensamento: o entendimento da Saúde descolado
da doença e o trato com as doenças físicas, diferentemente do que a Psicologia
costumava abordar, as doenças mentais.

Quando surge nos Estados Unidos, em 1973, os pesquisadores da área


se propunham a investigar os aspectos do comportamento que interferiam no
desenvolvimento da Saúde física ou que contribuíam para a manutenção da Saúde
(APA TASK FORCE ON HEALTH RESEARCH, 1976, p.263).

Em 1979, temos a primeira definição de Psicologia da Saúde, quando Stone


a determina como a aplicação científica ou profissional de métodos e conceitos
psicológicos ao campo da Saúde, seja na Saúde Pública, na planificação da Saúde,
na educação para a Saúde etc. Trata-se de um dos primeiros livros em que o termo
“Psicologia da Saúde” constava no título (RIBEIRO, 2011, p.24).

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UNIDADE O Surgimento da Psicologia da Saúde

Fonte: iStock/Getty Images

Como se Define O Campo da Psicologia


da Saúde?
A Psicologia da Saúde tem como foco o modo de vida dos indivíduos, seus
hábitos e como se comportam, aspectos que se desdobram na forma como esse
indivíduo se relaciona com o próprio corpo e a vida e com as demais pessoas.

As dimensões sociais e culturais também têm relevância na atuação dessa área


de conhecimento, não somente os aspectos médicos. Leva em consideração
a importância de que as pessoas planejem e organizem a sua vida a partir de
comportamentos e práticas promotoras de Saúde e preventivas das doenças, bem
como acompanhando o processo de adaptação ao adoecer e suas consequências
(BARROS, 1999).

Dessa forma, o comportamento no contexto da Saúde e da doença,


principalmente, no que diz respeito à Saúde e doença físicas, é o objeto da Psicologia
da Saúde, diferente da Psicologia Clínica.
“P. S. é o conjunto de contribuições educacionais, científicas e profissionais
específicas da Psicologia, utilizadas para a promoção e a manutenção da
Saúde, prevenção e tratamento das doenças, identificação da etiologia e
diagnóstico (de problemas) relacionados à Saúde, doença e disfunções,
para a análise do sistema de atenção à Saúde e formação de políticas de
Saúde” (MATARAZZO, 1980, p. 815).

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Os Aspectos Históricos da Formação da Área
A Psicologia da Saúde tem início em um grupo de pesquisa em 1970, na Ame-
rican Psychological Association (APA), tendo desdobramento prático da pesquisa
com a criação da divisão 38, chamada Health Psychology (Psicologia da Saúde).

A ideia era desenvolver os estudos da Psicologia ligados à Saúde e à doença,


incentivando a relação mais estreita entre a formação biomédica e o conhecimento
da Psicologia. Rapidamente, a área foi assumindo proporções importantes, criando
grupos de pesquisa em países da Europa (Espanha, Itália, etc.).

Você Sabia? Importante!

Nesse período, várias revistas especializadas foram fundadas, como o British Journal
of Health Psychology (Reino Unido), a Revista de Psicologia de la Salud (Espanha) e a
Psicologia della Salutte (Itália).

Em 1978, a Conferência de Yale definiu o campo da Medicina Comportamental,


base sobre a qual a Psicologia da Saúde se constituiu, com a perspectiva de integração
entre as ciências do comportamento e as ciências biomédicas (SARAFINO, 2004;
KERBAUY, 2002).

Assim, essa denominação aponta para uma área que se utiliza do conhecimento
da Psicologia para os problemas da doença e da Saúde, o que decorre em problemas
ou inadequações no tratamento da atuação do psicólogo e em relação a esse campo
de conhecimento, na medida em que confunde e limita essa atuação. Termos como
“medicina comportamental”, “psicologia médica”, “medicina psicossomática”,
“psicologia hospitalar” são expressões dessas definições de campo, inadequadas,
de acordo com Bellar e Deardorff (1995, p.464 apud MIYAZAKI, DOMINGOS &
CABALLO, 2001).
“Essa situação se reflete na prática na forma de confusão quanto à
definição do papel profissional do psicólogo atuante na área da Saúde.
Nesse contexto, faz-se necessária uma explanação das definições de cada
teoria envolvida nessa problemática” (ALMEIDA & MALAGRIS, 2011).

Na Conferência de Arden House houve uma importante discussão acerca dos


atributos do profissional da Psicologia e da formação necessária para o exercício
dessa atividade.

A Conferência assumiu uma declaração consensual a fim de esclarecer a


declaração precedente, na qual se afirma que a Psicologia da Saúde é um campo
genérico da Psicologia, com teoria própria, distinta da Psicologia e de seus demais
campos (OLBRISCH et al., 1985, p.1038).

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UNIDADE O Surgimento da Psicologia da Saúde

Essa resolução contradiz as prerrogativas estabelecidas por Matarazzo, autora


que estabelece os pilares do campo, na medida em que não se referencia nos
campos já estabelecidos da Psicologia, mas cria um novo, autônomo e distinto.

Considerando as polêmicas e as diferentes vertentes assumidas na rela-


ção entre Medicina e Psicologia, é importante que as teorias envolvidas nessa
problemática sejam abordadas, de modo que possamos compreender os des-
dobramentos dessas discussões, posteriormente. Para isso, iremos abordar a
Medicina Psicossomática, a Psicologia Médica e Psicossomática, a Medicina
Comportamental e a Psicologia Hospitalar.

As Diferentes Vertentes que Relacionam


Psicologia e Medicina
Se buscarmos a origem da Psicologia, há exemplos, assim como ao longo de sua
história, de cooperação entre a Medicina e a Psicologia (MILLON, 1982).
“[...] no final do século XIX, são conhecidas as colaborações de Wundt
com Kraepelin, nos EUA, e de Heymans com Weirsma, na Europa,
embora estas colaborações focassem primordialmente as psicopatologias.
Já dentro do século XX, esboçaram-se relações institucionais entre
a Psicologia e a Medicina: em 1911, na reunião anual da American
Psychological Association, houve encontros formais entre psicólogos
e médicos, com o intuito de discutir a participação dos profissionais de
Psicologia nos contextos tradicionais de Saúde e doenças.

Até o final da década de 1970, como vimos, os psicólogos dos Estados Unidos
não se aproximaram das pesquisas e da prática profissional ligadas às doenças
físicas e à Saúde física.

Na década de 1980, no entanto, desponta um crescente interesse que, para


Belar, Deardorff e Kelly (1987), explica-se pelo fracasso do modelo biomédico na
explicação de doenças e da Saúde; pela maior preocupação com aspectos ligados
à qualidade de vida e profilaxia das doenças; pelo amadurecimento das pesquisas
ligadas às ciências comportamentais; o aumento nos custos para o cuidado de
Saúde, o que ocasionou a busca por alternativas mais baratas, ligadas à Saúde
tradicional e à mudança da postura dos profissionais da Saúde diante de doenças
infecciosas, optando por priorizar as doenças crônicas e sua ligação com o modo
de vida (RIBEIRO, 2011).

A Medicina Psicossomática
A Medicina Psicossomática é uma especialidade médica responsável por
doenças determinadas por fatores emocionais, que podem ser compreendidas por

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ferramentas psicanalíticas, desde que tratados os conflitos inconscientes específicos
(EKSTERMAN, 1975).

A Medicina Psicossomática explica quais aspectos psicológicos determinam


os sintomas expressos pelo corpo. O conceito de Psicossomática relaciona as
perspectivas da doença e sua dimensão psicológica, a ação terapêutica voltada ao
doente e a relação do médico com o paciente e tudo o que isso implica (ALMEIDA
& MALAGRIS, 2011).

A Psicologia Médica
A Psicologia Médica surge com a obra do psicanalista húngaro Pierre Schneider,
que propõe, a partir da vertente do inglês Balint, em 1971, como campo de
pesquisa que engloba a dimensão da relação entre paciente e médico. Trata-
se de uma subvertente da concepção psicossomática, em versão clínica, só que
com uma importante diferença. Propõe-se a combinar a visão psicossomática da
Medicina, como campo conceitual, e a Psicologia Médica, como campo de atuação
profissional, diferente da Psicossomática, que investiga as relações entre mente
e corpo com foco na patogenia. O foco da Psicologia Médica é a terapêutica
(MELLO FILHO, 1992).

A Medicina Comportamental
A Medicina Comportamental surge na década de 1970, como uma resposta
dada à divisão estabelecida entre mente e corpo pela corrente biomédica.
Os profissionais da Saúde, também insatisfeitos com o emprego das teorias
psicodinâmicas para a busca de causas psicológicas das doenças físicas pelos
adeptos da Medicina Psicossomática, lavram o termo Medicina Comportamental,
diferenciando-se da última. Sua prática buscava maior utilidade clínica, incorporando
a interdisciplinaridade como critério, integrando conhecimentos que pudessem
compreender mente e corpo de forma integrada.
A característica definidora fundamental da Medicina Comportamental
é a interdisciplinaridade, por se tratar de um conjunto integrado de
conhecimentos biopsicossociais relacionado com a Saúde e as doenças
físicas, ou seja, considera a Saúde e a doença estados multideterminados
por um amplo leque de variáveis, entre as quais se devem incluir as do
tipo somático ou biofísicas, as do tipo psicológico ou comportamentais
e as externas ou ambientais (CABALLO, 1996 apud ALMEIDA &
MALAGRIS, 2011).

A Medicina Comportamental não é o mesmo que Psicologia da Saúde, ainda


que sua prática inclua métodos em comum, como, por exemplo, hipnose, terapia
comportamental de distúrbios físicos e medicina preventiva (CABALLO, 1996;
NEVES NETO, 2004, LEITE, 2010).

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UNIDADE O Surgimento da Psicologia da Saúde

A Psicologia Hospitalar
A Psicologia Hospitalar é outra vertente que precisamos abordar. Trata-se do
campo de entendimento e tratamento dos aspectos psicológicos relacionados ao
adoecer (SIMONETTI, 2004, p.15).

Isso significa disponibilizar para doentes, familiares e para profissionais da


equipe de Saúde o conhecimento psicológico que pode contribuir para identificar
as particularidades de cada paciente, suas necessidades, emoções, crenças
(BRUSCATO, 2004). Essa vertente trabalha com a elaboração subjetiva por
parte do paciente, com suporte, da condição da própria Saúde, da situação
de adoecimento.

O profissional especialista em Psicologia Hospitalar, no Brasil, atua em níveis


secundário e terciário no atendimento à Saúde, realizando atividades em grupo
(terapia, psicoterapia e psicoprofilaxia), atendimentos ambulatoriais e em UTIs,
diagnóstico e psicodiagnóstico e consultoria, de acordo com o Conselho Federal
de Psicologia (2010).

Importante! Importante!

Muitos autores da Psicologia da Saúde questionam o termo Psicologia Hospitalar,


apontando a sua inadequação na medida em que se define pelo local de atuação, e não
pelo tipo de atividade empenhada pelo profissional da área. Propõem, em alternativa, a
denominação “Psicologia em contexto hospitalar”.

Psicologia Clínica, Psicologia da Saúde


e Psicologia Clínica da Saúde
Há ainda vertentes dentro da Psicologia que dialogam com a dimensão clínica
para definir suas bases de atuação. O termo “clínico”, em latim (clinicus) significa
aquele que visita o doente na cama. Tem origem ainda na palavra “klinein”, que
significa “estar deitado”.

Esse sentido se emprega à Medicina desde seus tempos mais antigos, enquanto
na Psicologia o sentido de clínica assumiu um significado distinto, tendo se
aproximado do sentido original apenas um século depois de seu uso na área.
“No final do século XIX, Witmer apresentou um novo método de
investigação e instrução que designou por Psicologia Clínica (GARFIELD,
1965). O termo clínico sublinhava a função prática do psicólogo em
oposição ao que era a atividade tradicional de então que era laboratorial.
Por essa altura, a expressão Psicologia Clínica é também utilizada por
Freud numa carta escrita a Fliess” (RIBEIRO, 2011).

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Com a obsolescência dos antigos hospitais psiquiátricos, que operavam sob um
modelo de internamento dos pacientes e com o avanço dos Sistemas de Saúde,
os antigos modelos foram dando espaço a serviços de psiquiátrica ligados a outros
serviços hospitalares, avançando o processo de desaparecimento dos hospitais
psiquiátricos. É nesse marco que surge a Psicologia da Saúde, quando os profissionais
atuantes nos antigos hospitais psiquiátricos passam a ser recrutados para o trabalho
em hospitais comuns, no auxílio e no acompanhamento de pessoas com doenças
físicas que geravam dificuldades de adaptação e aceitação (RIBEIRO, 2011).

A Psicologia Clínica da Saúde surge na tentativa de superação da dualidade


mental x físico, tendo como atividade, inicialmente, a aplicação dos conhecimentos
e métodos da área da Psicologia à promoção e proteção da Saúde física e mental,
bem como à profilaxia de doenças, ligada muitas vezes aos hábitos e a aspectos
psicológicos importantes (BELLAR et al., 1987; MILLON, 1982)

Você Sabia? Importante!

A partir das mudanças ocorridas na Saúde na década de 1970, outras vertentes e


concepções de atuação surgiram, transformando o papel da Psicologia no Sistema de
Saúde. Algumas das expressões insurgentes, desde então, que podem ser buscadas,
caso você tenha interesse em aprofundar os conhecimentos sobre o movimento da
Psicologia dentro da área da Saúde: Psicologia Clínica do Desenvolvimento (interesse
por uma abordagem desenvolvimental no ciclo de vida); Psicologia Clínica da Criança
(Psicologia Clínica dedicada às crianças); Psicologia da Reabilitação (foco na restauração
funcional subsequente a traumatismos ou deficiência física); Neuropsicologia Clínica
(foco nas incapacidades do sistema nervoso central e o seu tratamento) ou Psicologia da
Saúde da Criança (RIBEIRO, 2011).

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UNIDADE O Surgimento da Psicologia da Saúde

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

 Livros
The practice of clinical health psychology
BELAR, C. D.; DEARDORFF, W. W.; KELLY, K. E. The practice of clinical
health psychology. New York: Pergamon Press, 1987.

A Psicologia na Saúde Suplementar: aspectos regulatórios


CONSELHO Regional de Psicologia – A Psicologia na Saúde Suplementar:
aspectos regulatórios.Disponível em: <http://www.crpsp.org.br/portal/
comunicacao/saudesuplementar/saudesuplementar.aspx>.

Psicanálise, Psicossomática e Medicina da Pessoa


EKSTERMAN, A. Psicanálise, Psicossomática e Medicina da Pessoa. 1975.
Disponível em: <http://www.medicinapsicossomatica.com.br>. Acesso em: 3
jan. 2017.

Técnicas usadas em Medicina Comportamental


LEITE, J. R. Técnicas usadas em Medicina Comportamental. (2010).
Disponível em: <http://www.saudeecomportamento.com.br/index.html>.
Acesso em: 3 jan. 2017.
Medicina comportamental
NEVES NETO, A. R. Medicina comportamental. In: BRANDÃO, M. Z. S. (org).
Sobre comportamento e cognição. Santo André: Esetec, 2004. p. 179-89.

Report of the national working conference on education and training in health psychology
OLBRISCH, M. E. et al. Report of the national working conference on
education and training in health psychology. Vol 40(9), Sep 1985, 1038-
1041. New York: American Psychologist, 1985.

História do Conceito de Saúde


SCLIAR, Moacyr. História do Conceito de Saúde. PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva,
Rio de Janeiro, 2007.

Manual de Psicologia Hospitalar: o mapa da doença


SIMONETTI, A. Manual de Psicologia Hospitalar: o mapa da doença. São
Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.

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Referências
ALMEIDA, Raquel Ayres de.; MALAGRIS, Lucia Emmanoel Novaes. A prática da
psicologia da Saúde. Rev. SBPH, v.14. n.2, Rio de Janeiro, 2011.b

APA task force on health research. contributions of psychology to healt


research: patterns, problems and potentials, American Psychologist, 1976.

BACKES, M. T. S. Conceitos de Saúde e Doença ao longo da História sob o


olhar Epidemiológico e Antropológico. Rev. Enferm. UERJ. Rio de Janeiro, n.17,
p.111-7, 2009.

BARROS, T. M. Psicologia e Saúde: Intervenção em hospital geral. Novo


Hamburgo: Aletheia, 1999.

BRUSCATO, W. L. A Psicologia no Hospital da Misericórdia: um modelo


de atuação. In: W. L. Bruscato; Benedetti, C.; LOPES, S. R. A. A prática da
psicologia hospitalar na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo: novas
páginas em uma antiga história. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.

CABALLO, V. E. (coord.). Manual de Técnicas de Terapia e Modificação do


Comportamento. São Paulo: Livraria Santos, 1996.

EKSTERMAN, A. Psicanálise, Psicossomática e Medicina da Pessoa. 1975.


Disponível em: <http://www.medicinapsicossomatica.com.br>. Acesso em: 3
jan. 2017.

GARFIELD, S. L. Historical introduction. In: WOLMAN, Benjamin B. (edit.)


Handbook of clinical psychology. New York: McgrawHill Book Company, 1965.

KERBAUY, R. R. Comportamento e Saúde: doenças e desafios. Psicol. USP,


São Paulo, vol.13 n.1, 2002. Versão online disponível em: http://www.scielo.br/
scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65642002000100002 Último acesso:
03/04/2017.

MATARAZZO, J. D. Behavioral health and behavioral medicine. New York:


American Psychologist, 1980.

MELLO FILHO, J. Psicossomática Hoje. Porto Alegre: Artmed, 1992.

MILLON, T. On the nature of clinical health psychology. In: MILLON, T.; GREEN,
C.; MEAGHER, R. (edit.). Handbook of clinical health psychology. New York:
Plenum Press, 1982.

RIBEIRO, José Luís Pais. A Psicologia da Saúde. In: ALVES, Railda Fernades
(org.). Psicologia da Saúde: teoria, intervenção e pesquisa. Campina Grande:
EDUEPB, 2011.

SARAFINO, E. P. Context and Perspectives in Health Psycology. In: S. Sutton, A.


Baum; JOHNSTON, M. The Sage Handbook of Health Psychology. London:
Thousand Oaks/New Delhi: Sage Publications, 2004. p.1-26.

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Psicologia da Saúde
Material Teórico
Saúde e Qualidade de Vida

Responsável pelo Conteúdo:


Profa. Dra. Carmen Conti

Revisão Textual:
Profa. Ms. Luciene Oliveira da Costa Santos
Saúde e Qualidade de Vida

• Qualidade de Vida e Saúde


• O Papel da Ação Educativa
• O Conceito de Qualidade de Vida e seu Surgimento

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Introduzir a temática da integralidade em saúde e compreender a
importância das ações educativas em saúde. Conhecer um pouco
do surgimento do SUS no Brasil e sua relação com este projeto
de integralidade. Conhecer o conceito de qualidade de vida, seu
surgimento e os aspectos que o determinam.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como o seu “momento do estudo”.

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo.

No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também
encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão,
pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato
com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem.
UNIDADE Saúde e Qualidade de Vida

Qualidade de Vida e Saúde


Para adentrarmos à temática da qualidade de vida e saúde, é importante perpas-
sarmos ainda conceitos ligados à saúde e como ela é encarada no meio profissional
e pelos pesquisadores.

Quando se trata de uma visão ampla do bem-estar, está ligada não só à esfera
do corpo propriamente, mas também às dimensões física e psíquica do corpo, à
dimensão social e econômica. Há, ainda, outros centros conceituais com os quais
podemos e precisamos dialogar relacionando-os dentro dessa temática.

Dessa forma, podemos ir além do discurso propagado pelo senso comum, ou


pela imprensa não especializada, sobre a qualidade de vida e a saúde.

A integralidade em saúde e a necessidade das ações educativas


Quando falamos de integralidade em saúde, estamos abordando os sujeitos
sob um ponto de vista total, considerando as múltiplas dimensões em que se
pode intervir – ainda que a ciência não tenha acesso a todas elas. Os sujeitos
são totalidades, compostos de particularidades várias, que podem ser acessadas
de acordo com o avanço da ciência e também da disposição do próprio sujeito
em abri-las. A integralidade consiste no cuidado das pessoas e dos coletivos ou
grupos sociais dos quais fazem parte. Cada um desses grupos ou indivíduos é
constituído historicamente e está inserido em seus contextos – sociais ou familiares
–, o ambiente do qual faz parte.

Por se tratar dessas características é que as ações educativas em saúde são


importantes, pelo fato de possibilitarem um saber coletivo que transpassa um indivíduo
e os grupos, produzindo autonomia no cuidado de si e daqueles que habitam o
mesmo meio e com os quais se divide a vida (MACHADO et al., 2007, p. 336).

Figura 1
Fonte: iStock/Getty Images

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A partir dos anos 1970, a ideia de promover a saúde surge como ponta de lança
da Saúde Pública, tornando-se, a partir de então, o seu modelo de atuação. O que
se entende por promoção de saúde é a formação da comunidade para a atuação
em prol de sua própria qualidade de vida, na melhoria das condições em que se
vive nessas espacialidades. Este processo se dá de forma coletiva, envolvendo os
diversos sujeitos, que são parte do próprio controle do processo mesmo, partindo
das noções de solidariedade, democracia, equidade e desenvolvimento. Devem ser
parceiros nessa empreitada os seguintes agentes: a comunidade em questão, a
família, o indivíduo e o Estado (MACHADO et al., 2007).

Um pouco sobre o surgimento do SUS no Brasil


O Sistema Único de Saúde (SUS) surgiu no processo de luta por uma reforma
sanitária, partindo da demanda de um ambiente democrático para a construção do
campo sanitário. Este processo, político e social, resultou em mudanças culturais
importantes. Foi estruturado a partir de uma concepção ampliada do cuidado dos
indivíduos, suas comunidades e famílias.
Explor

Saiba mais sobre o processo que deu origem ao SUS: https://goo.gl/mSyQE4

Figura 2
Fonte: iStock/Getty Images

Vejamos aqui alguns dos princípios elementares que regem o SUS:


• Acesso universal e igualitário a ações e serviços em todos os níveis de assistência,
sem distinção ou preconceito de nenhum tipo;
• Integralidade na assistência;
• Participação da comunidade;

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UNIDADE Saúde e Qualidade de Vida

• Rede regional e hierarquizada;


• Descentralização;
• Desenvolvimento das ações de saúde, ciência e saúde coletiva a partir do
previsto no artigo 198 da Constituição.

O estabelecimento desses pressupostos basilares não garantiu, entretanto, a sua


disseminação entre os profissionais da saúde, majoritariamente encampados por
outras concepções, distintas dessas. A lógica do foco na doença ainda era muito
forte, e surge a necessidade de capacitar os profissionais em um novo modelo, em
que a promoção da saúde é o centro da atividade. Mesmo a estrutura disponível,
fundamental para o desenvolvimento de qualquer trabalho de qualidade, ainda
estava aquém da necessidade demandada por este modelo. Uma realidade de crise
imprime à saúde o contrário daquilo que se pretende constitucionalmente: garantia
universal para todos os cidadãos do acesso à saúde de qualidade.

Várias dificuldades foram enfrentadas pelas comunidades e instituições em


níveis de estado e município nesse campo, quando, em 1994, o Programa Saúde
da Família (PSF) propôs uma nova forma de atendimento às comunidades: o
acompanhamento e cuidado das famílias a partir de sua estruturação geográfica, do
espaço em que habitam. Este trabalho requer parceria interdisciplinar com diversos
campos e áreas profissionais, bem como uma ação educativa permanente que
promova a saúde e a prevenção de doenças nas comunidades.

O Papel da Ação Educativa


A ação educativa é capaz de transformar os hábitos e práticas que poderiam
tornar vulneráveis as famílias, para adotar novas práticas promotoras de saúde.
Nesse sentido, os profissionais da saúde constituem-se em agentes de transformação
e facilitação do processo educacional no campo da saúde, tendo em vista que
mudanças desse tipo requerem o empenho de processos educacionais combinados
ao acompanhamento da saúde das famílias.
“A formação e o desenvolvimento dos trabalhadores de saúde têm
como desafio não dicotomizar a atenção individual da atenção coletiva,
as doenças e adoecimentos da vigilância da saúde; a qualidade de vida
(biologia) do andar da vida (produção subjetiva); não fragmentar os grupos
de trabalhadores (da gestão, da atenção e da vigilância); não perder o
conceito de atenção integral à saúde e realizar o trabalho educativo junto à
população e, finalmente, aceitar que há incerteza na definição dos papéis
profissionais, onde há alternância de saberes e práticas de cada núcleo
constituído das profissões de saúde e do campo da atenção integral à
saúde.” (CECIM et al., 2003)

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É fundamental para a realização desse tipo de trabalho a lógica da operação em
equipe, importante de ser tratada desde o período de formação dos profissionais
da saúde. Daí a necessidade do trabalho em equipe, promovido a partir do diálogo
permanente entre diferentes profissionais da saúde (de distintas áreas), a fim de
promover uma assistência holística.

Os novos modelos de assistência integral do cuidado em saúde precisam ser


repensados no marco do aprofundamento do debate acerca de novos fundamentos
teóricos, sobretudo do que consiste o processo de trabalho, a micropolítica que o
envolve e a importância em compreender a organização da assistência. A partir
daí, serão levantadas ações diferenciadas que produzam saúde e que operem com
tecnologias com foco no cuidado, modelo que estabelece outra relação entre
trabalhadores e usuários, possibilitando, quem sabe, o estabelecimento de um
contraponto à crise vivida na saúde hoje (MACHADO et al., 2007).

Para a promoção dessa integralidade de que falamos, é importante que as


regionalidades promovam redes de integração organizacional, de modo que
diferentes áreas possam trabalhar conjuntamente não só na assistência básica de
saúde – o que é frequente devido à precariedade da saúde pública pela falta de
investimentos –, mas também no acompanhamento contínuo e na assistência que
vise à promoção da saúde.
“O conceito de educação em saúde está ancorado no conceito de
promoção da saúde, que trata de processos que abrangem a participação
de toda a população no contexto de sua vida cotidiana e não apenas das
pessoas sob risco de adoecer. Essa noção está baseada em um conceito
de saúde, considerado como um estado positivo e dinâmico de busca de
bem-estar, que integra os aspectos físicos e mentais (ausência de doença),
ambiental, pessoal e social.” (MACHADO et al., 2007)

A integralidade como alicerce da educação para a saúde

A noção de educação em saúde prevê, nos marcos da integralidade, a projeção


de políticas públicas, ambientes adequados e tratamentos clínicos e curativos.
Faz-se necessário ainda o comprometimento com práticas solidárias e cidadãs,
no sentido de promover melhorias na qualidade de vida e na promoção da saúde
dos indivíduos. Todos os profissionais das áreas que tocam a saúde, a partir desse
princípio, precisam aprimorar sua visão ecológica e holística, a fim de produzir
conhecimentos e atendimentos que resgatem a importância da participação. A
participação, por sua vez, deve se construir nos ambientes onde se faz a vida,
empreendendo o movimento de ensino e aprendizagem junto às famílias,
comunidades e indivíduos com quem se trabalha (VICTOR, 2004).

Esses nortes de pensamento estão em confluência com os ensinamentos de


Freire, “coerente e competente, que testemunha seu gosto pela vida, sua esperança
no mundo melhor, que atesta sua capacidade de luta, seu respeito às diferenças da
realidade, a maneira consistente com que vive sua presença no mundo” (FREIRE,
apud MACHADO et al., 2007). Desse modo, a consideração acerca dos aspectos
geográficos, políticos, culturais e sociais dos indivíduos ou grupos são fundamentais
para a educação em saúde.

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UNIDADE Saúde e Qualidade de Vida

Figura 3 – Paulo Freire (1921-1997)


Fonte: Wikimedia Commons

É um educador e filósofo importantíssimo no Brasil e no mundo. Reconhecido


Patrono da Educação Brasileira, é o fundador da Pedagogia do Oprimido e de
teorias e práticas educacionais ligadas à democratização do conhecimento e dos
processos de aprendizagem
“Assumir a integralidade na educação em saúde significa que os profis-
sionais passem a perceber a comunidade como “seres que sabem, sabem
que sabem, sabem porque sabem, sabem como sabem, e sabem dizer a
terceiros o que sabem e, não menos importante, agem consequentemente
aos seus saberes”. (MORIN, 2002)

Se tomarmos o princípio da democracia como balizador de nossas práticas,


bem como o avanço da relação entre os indivíduos e nossa espécie, apontamos o
desenvolvimento da relação entre indivíduo e sociedade, promovendo o interesse
na realização da humanidade. Isso significa manter a integração do indivíduo sob a
ótica da tríade que este compõe com a sociedade e a espécie. O processo educativo
em saúde está ligado ao princípio da integralidade que demanda a participação
ativa da população na promoção de uma reflexão crítica de sua própria realidade
e das estruturas sociais e econômicas constituintes da sociedade em seu tempo
histórico. Conhecendo esta realidade desde um ponto de vista crítico é que se
pode produzir autonomia sobre a intervenção nos processos de formação cultural
e social, bem como na busca por condições humanas dignas.

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O Conceito de Qualidade de Vida
e seu Surgimento
A primeira vez em que a expressão “qualidade de vida” foi usada era 1964, e
Lyndon Johnson, presidente dos Estados Unidos, a pronunciou, para declarar que
os objetivos de um país não pode estar mediado pelos balanços bancários, mas sim
através da qualidade de vida proporcionada às pessoas.

É muito comum presenciarmos o debate sobre qualidade de vida na imprensa, nos


programas de televisão sobre bem estar, alimentação, entre outros. Há uma vasta
produção do senso comum sobre o assunto, visto que é um assunto que atualmente
preocupa cada vez mais os indivíduos e a sociedade. Em uma sociedade em que os
índices de obesidade são altíssimos em muitos países, a qualidade de vida é muito
associada à superação do sedentarismo e à promoção de uma alimentação saudável.

Quando essa expressão, qualidade de vida, é pronunciada, você pensa em quê?


Arriscamos dizer que a maioria das pessoas associa rapidamente às questões liga-
das à alimentação e à prática de exercícios físicos. Mas há outros elementos cons-
tituidores do que se entende por promoção da saúde e qualidade de vida para além
desses fatores.

O que é qualidade de vida?


A princípio, em seu surgimento, o termo qualidade de vida era usado em
associação às melhorias no padrão material de vida, na possibilidade de aquisição
de bens, por exemplo. Num segundo momento, a questão do bem-estar passou
a tomar lugar, incorporando os aspectos relacionais da vida, a realização pessoal,
a saúde, acesso à educação, fatores sociais, psicológicos e sociais, bem como os
físicos. O conceito de qualidade de vida é, portanto, muito amplo, e incorpora
aspectos subjetivos e objetivos.
A ala da Organização Mundial da Saúde que cuida dos aspectos da
qualidade de vida, na divisão de saúde mental, estabeleceu o conceito de
qualidade de vida como “a percepção do indivíduo de sua posição na vida
no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação
aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”. (MONTEIRO
et al., 2010)

Na área da saúde, a elevação da qualidade de vida passou a ser associada ao


resultado obtido em práticas de assistência e na promoção de políticas públicas
nas ações de promoção de saúde e prevenção de doenças, conferindo um aspecto
público à temática, não vinculado apenas ao indivíduo, mas ao Estado e a instituições
comunitárias, da sociedade civil. Desse modo, os indicadores para avaliação da
qualidade dos tratamentos em grupos de doentes têm sido estipulados a partir de
informações sobre qualidade de vida.

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UNIDADE Saúde e Qualidade de Vida

“A Oncologia foi a especialidade que, por excelência, se viu confrontada


com a necessidade de avaliar as condições de vida dos pacientes que
tinham sua sobrevida aumentada devido aos tratamentos realizados, já
que, muitas vezes, na busca de acrescentar anos à vida, era deixada de
lado a necessidade de acrescentar vida aos anos”. (FLECK et al., )

Atualmente, há grande atenção sendo dedicada ao tema. Nesse campo, há


instrumentos que avaliam qualidade de dois tipos, os genéricos e os doença-
específicos. Os genéricos são gerais, independente de uma doença, mais adequados
às investigações de doenças epidemiológicas, para planejamento do sistema de
saúde. Os indicadores são inclusos em muitos instrumentos para identificar aspectos
subjetivos das doenças. Estes instrumentos de avaliação são importantes não porque
demonstram apenas alterações relevantes, ou não do ponto de vista estatístico,
mas porque expressam sua importância clínica (MONTEIRO et al., 2010).

Alguns aspectos econômicos e sociais para o estabelecimento da


qualidade de vida
Ainda que, do ponto de vista econômico, o país não tenha passado por seu
período de maior crescimento nas últimas décadas, este se desenvolveu bastante
se tomamos como referência o período pré-democratização. O desenvolvimento,
diferente do que aparenta, não está ligado necessariamente ao crescimento
econômico. É possível ter desenvolvimento em períodos de menor crescimento,
como também é possível que o desenvolvimento não avance em períodos de alta
da economia.

É por essa razão que uma avaliação da prosperidade feita de forma adequada
inclina-se à exigência da utilização dos indicadores de qualidade de vida e
sustentabilidade, além do desempenho econômico e seus indicadores próprios
(VEIGA, 2010, p.338).
“Medidas subjetivas de bem-estar fornecem informações-chave sobre
a qualidade de vida das pessoas. Por isso, as agências de estatística
precisarão pesquisar as avaliações que as pessoas fazem de sua vida, suas
experiências hedônicas e prioridades. Além disso, a qualidade de vida
também depende, é claro, das condições objetivas e das oportunidades.
Terão de melhorar as mensurações de oito dimensões cruciais: saúde,
educação, atividades pessoais, voz política, conexões sociais, condições
ambientais e insegurança (pessoal e econômica).” (VEIGA, 2010, p.338)

A relação que se estabelece entre sustentabilidade e qualidade de vida, portanto,


estende uma ponte ao futuro, às gerações seguintes, pois não prevê apenas os re-
sultados imediatos, mas impactos de longo prazo, na educação e no meio ambiente.

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A qualidade de vida vista sob a lente das contradições sociais
A maior parte da população do Brasil e do mundo vivem em condição de exclusão
social, tecendo uma complexa situação que não pode ser resolvida a partir de
políticas pontuais. Possui escala estrutural, demandando a articulação entre Estado
e Sociedade Civil na composição de estratégias macro e intersetoriais. As políticas
públicas de forma isolada são ineficientes, assim como as instâncias que gerem o
aparelho público (e também o privado). Este quadro gera a importância de que as
parcerias entre diferentes instâncias e instituições ocorram.

Analfabetismo e despolitização
Um dos aspectos importantes da consciência sobre a própria vida ou mesmo a
consciência dos grupos sociais sobre a sua condição dizem respeito à politização
ligada ao nível de instrução e acesso ao conhecimento dos códigos linguísticos.
A alienação à possibilidade de letramento aproxima as pessoas de uma realidade
de maior preconceito, hábitos que não promovem saúde e gestão coletiva dos
interesses etc.

Um interessante estudo de caso realizado no Complexo da Maré, no Rio de


Janeiro, o maior complexo de comunidades do Brasil, aborda a importância do
conhecimento da realidade local de atuação por parte dos profissionais da saúde e
dos indivíduos da própria comunidade.
“Não é possível [...] discutir políticas públicas em saúde, baseando-se apenas
em aspectos biológicos, sem levar em conta os conhecimentos locais.
Ampliando a discussão para Campos, diz-se que só o reconhecimento de
que todo saber estruturado é limitado por parte dos profissionais de saúde,
já seria um caminho para uma clínica mais contextualizada e expandida.”
(WIMMER et al., 2006, p.147)

A discussão acerca da realidade local, portanto, é muito importante para a


promoção da saúde coletiva. O não entendimento e reconhecimento do território
onde se atua recai sobre práticas que fortalecem a ideia de que aquela comunidade
é responsável pela realidade de precariedade a que está submetida. Cada ato de
saúde deve ser encarado como político e integrado a um conjunto de entendimentos,
como pequenos atos de promoção de saúde.

Figura 4
Fonte: iStock/Getty Images

15
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UNIDADE Saúde e Qualidade de Vida

Explor
Na pesquisa de campo e na ação realizada pelos autores (WIMMER et al., 2006, p.151),
uma metodologia e um plano de ação foram desenvolvidos, a fim de atingir os objetivos do
projeto. Que tal refletirmos sobre alguns passos para a formação de um projeto como este?
Vamos fazê-lo em 5 passos.
Primeiro: abordar o conjunto do núcleo familiar, com estímulo à participação dos membros,
de modo a criar uma experiência de toda a família.
Segundo: trabalhar no sentido da integração entre diferentes famílias através de ações
educativas e culturais em âmbito coletivo, possibilitando a formação e o envolvimento da
comunidade em questão.
Terceiro: criar espaços de lazer e convivência, no sentido de fortalecer o vínculo entre as
pessoas e as famílias, laço muito importante para o incentivo à participação, sobretudo nos
problemas enfrentados pela comunidade (desemprego, saneamento básico, entre outros
que influenciam diretamente na qualidade de vida)
Quarto: promover o debate com as famílias acerca dos fatores que interferem em sua
qualidade de vida e dos possíveis caminhos de organização interna para buscar alcançar
esses direitos junto a instituições responsáveis e o Estado.
Quinta: participar e facilitar a organização da comunidade para a formação de parcerias com
instituições de âmbito público e privado, a fim de promover desenvolvimento econômico e
social para o território e a comunidade.

Desse modo, a forma para a estruturar as ações coletivas mais complexas é a


articulação entre setores, de modo transdisciplinar, e assim abraçar a realidade com
suas particularidades. A intersetorialidade cumpre um papel de integração entre
diferentes setores e suas ações para complementar e interagir no sentido de uma
abordagem dos problemas que leve em conta essas particularidades.

Um dos aspectos importantes que a compõe é o potencial de enfrentar os


problemas em suas múltiplas dimensões, levando em conta as contradições sociais. Já
a transdisiciplinaridade inclui essas interações em um sistema total que não considera
as fronteiras das disciplinas, como delimita Piaget (WIMMER et al., 2006).

A partir das ações coletivas, por meio da intersetorialidade e da transdisciplinaridade,


pode-se intervir na realidade, promovendo educação para autonomia e emancipação
dos indivíduos e grupos sociais, considerando a complexidade e as múltiplas facetas
que os envolvem e definem.

Espero que tenha feito bom proveito do estudo! Caso tenha interesse em se apro-
fundar mais, busque as referências do material complementar. Até a próxima unidade!

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Sites
Qualidade de vida dos enfermeiros das equipes de saúde da família: a relação das variáveis sociodemográficas
FERNANDES, Janielle Silva; MIRANZI, Sybelle de Souza Castro; IWAMOTO, Helena
Hemiko; TAVARES, Darlene Mara dos Santos; SANTOS, Claudia Benedita dos.
Qualidade de vida dos enfermeiros das equipes de saúde da família: a relação das variáveis
sociodemográficas. Texto & Contexto - Enfermagem, v.19, n.3, p.434-442, 2010.
https://goo.gl/jwTDK5
Qualidade de vida de estudantes de enfermagem: a construção de um processo e intervenções
OLIVEIRA, Raquel Aparecida de; CIAMPONE, Maria Helena Trench. Qualidade de vida
de estudantes de enfermagem: a construção de um processo e intervenções. Revista da
Escola de Enfermagem da USP, v.42, n.1, p.57-65, 2008.
https://goo.gl/VFBnyc

Leitura
Reflexões de idosos participantes de grupos de promoção de saúde acerca do envelhecimento e da qualidade de vida.
CARVALHO, Antônio Carlos Duarte de; TAHAN, Jennifer. Reflexões de idosos
participantes de grupos de promoção de saúde acerca do envelhecimento e da
qualidade de vida. Saúde e Sociedade, v.19, n.4, p.878-888, 2010.
https://goo.gl/AHCgNE

17
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UNIDADE Saúde e Qualidade de Vida

Referências
CECCIM, R. B.; FERLA, A. A. Residência integrada em saúde: uma resposta
à formação e desenvolvimento profissional para a montagem do projeto de
integralidade da atenção à saúde. In: PINHEIRO, R.; MATTOS, R. A.; organizadores.
Construção da integralidade: cotidiano saberes e práticas em saúde. Rio de Janeiro:
IMS-UERJ/ABRAS-CO; 2003.

FLECK, M. P.; LEAL, O. F.; LOUZADA, S.; XAVIER, M.; CACHAMOVICH, E.;
VIEIRA, G. et al. Desenvolvimento da versão em português do instrumento de
avaliação de qualidade de vida da OMS (WHOQOL-100). Rev. Bras. Psiquiatr.
1999;21(1):21-8.

FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução


ao pensamento de Paulo Freire. Tradução de Kátia de Melo e Silva. São Paulo:
Moraes Ltda; 1980.

MACHADO, M. F. A. S.; MONTEIRO, E. M. L. M.; QUEIROZ, D. T.; VIEIRA, N. F.


C.; BARROSO, M. G. T. Integralidade, formação de saúde, educação em saúde
e as propostas do SUS – uma revisão conceitual. Ciência & Saúde Coletiva, 2007.
Disponível em: http://www.scielosp.org/pdf/csc/v12n2/a09v12n2.pdf

MONTEIRO, Rosângela; DOMINGO, M. Braile; BRANDAU,


Ricardo; JATENE, Fabio B. Qualidade de vida em foco.
Revista Brasileira de Circulação Cardiovase, USP, 2010.
Disponível em: http://www.producao.usp.br/bitstream/handle/BDPI/8476/art_
MONTEIRO_Qualidade_de_vida_em_foco_2010.pdf?sequence=1&isAllowed=y

MORIN, Edgard. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Brasília:


Cortez Unesco; 2002.

VEIGA, José Eli da. Economia Política da Qualidade. Revista de Administração


de Empresas, v.50, USP, 2010. Disponível em: http://www.producao.
usp.br/bitstream/handle/BDPI/6327/art_VEIGA_Economia_politica_da_
qualidade_2010.pdf?sequence=1&isAllowed=y

VICTOR, J. F. Educação em saúde na unidade básica de saúde da família:


atuação do enfermeiro [dissertação]. Fortaleza (CE): Universidade Federal do
Ceará; 2004.

WIMMER, Gert Ferreira; FIGUEIREDO, Gustavo de Oliveira. Ação coletiva


para qualidade de vida: autonomia, transdisciplinaridade e intersetorialidade.
Ciência & Saúde Coletiva, 2006. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/
v11n1/29458

18
Psicologia da Saúde
Material Teórico
O Normal e o Patológico – Aspectos do Funcionamento Psicológico

Responsável pelo Conteúdo:


Profa. Dra. Carmen Lúcia Tozzi Mendonça Conti

Revisão Textual:
Profa. Dra. Selma Aparecida Cesarin
O Normal e o Patológico – Aspectos
do Funcionamento Psicológico

• O Que é Normalidade e Patologia?


• Abordando os Critérios
• Qual é a Origem das Ideias de Normalidade e Patologia?
• Os Aspectos Constitutivos da Normalidade Psicológica
• Um pouco mais sobre a Abordagem da Psicanálise
• O Normal e o Patológico para Autores das Ciências Sociais
• Considerações Finais

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Compreender os conceitos de normal e patológico, sua origem e seu
desenvolvimento ao longo da história da Humanidade.
· Conhecer aspectos da Psicologia e das Ciências Sociais acerca dos
conceitos de normalidade e patologia.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
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estudos sempre
organizados.
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Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
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Assim: e se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como o seu “momento do estudo”.

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo.

No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também
encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão,
pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato
com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem.
UNIDADE O Normal e o Patológico – Aspectos do Funcionamento Psicológico

O Que é Normalidade e Patologia?


Para começar a nossa unidade, vou propor um exercício mental. Quando fala-
mos em normalidade, quais são as imagens e as ideias que o seu cérebro projeta?
Em que você pensa?

Existe um senso comum sobre a normalidade como algo estático, modelo a ser
seguido, uma espécie de perfeição essencial.

Será que é mesmo possível estabelecer um critério fixo de normalidade, que não
se transmuta ao longo do tempo e de acordo com a circunstância?
“Estamos mais preocupados em compreender a normalidade, em fixar o
seu conceito, do que propriamente em defini-la. Em sua essência complexa,
o problema seria prejudicado por uma definição que procurasse fixá-lo em
palavras, desde que se trata, na realidade, de um conceito essencialmente
dinâmico. Nessas condições, a definição não auxiliaria em nada a
compreensão do assunto. O que importa, sobretudo, é o conhecimento
dos fatores a tomar em consideração quando falamos em normalidade,
pois deles depende a limitação do conceito e a base de qualquer tentativa
definidora” (DOYLE, 1950).

normal. nor·mal adj m+f 1 Conforme a norma; regular: O juiz aplicou a sanção normal ao
Explor

caso. 2 Que é comum e que está presente na maioria dos casos; habitual, natural, usual:
“[…] essa dor que eu estou sentindo no braço não pode ser normal”(NR). 3 Tudo que é
permitido e aceito socialmente: Divorciar-se é prática bastante normal hoje em dia. 4 Diz-
se de pessoa que não tem defeitos ou problemas físicos ou mentais: um aluno normal. 5
PEDAG, OBSOL Diz-se de escola ou curso destinado a formar professores do antigo ensino
primário (atual primeiro ciclo do ensino fundamental). 6 GRÁF Diz-se de tipo redondo, com
largura padrão de corpo e fonte, e com peso comum entre o claro e o preto; regular. 7 QUÍM
Diz-se de composto cujo conjunto de átomos de carbono é ligado em cadeia aberta. Sf GEOM
Reta perpendicular a uma superfície ou curva. EXPRESSÕES Normal principal, GEOM: normal
a uma superfície contida no plano tangente. INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES, ANTÔNIMO:
anômalo, anormal. ETIMOLOGIA lat normalis.
Patológico pa·to·ló·gi·co adj 1 MED Relativo à patologia. 2 Que denota doença; doentio,
mórbido. ETIMOLOGIA der de patologia+ico2, como fr pathologique.

Dicionário Michaelis online.

Como vimos, se recorrermos ao dicionário, percebemos que a noção menos


dinâmica, mais estática, está atribuída à definição de normalidade.

Diferente de sua etimologia, que significava medida, vamos entrar no campo do


uso da palavra hoje, bastante diferente do que significava em sua origem greco-latina.

8
O que é importante deixar claro é a relatividade da normalidade, que representa
realidades distintas e contingenciais, que fazem com que a sua representação seja
diferente em casos distintos, de acordo com a perspectiva pela qual enxergamos.

A normalidade e a patologia, portanto, não são universais. Quando falamos da


Humanidade, existem diferentes aspectos que podem ser encarados para pensá-las,
sejam eles orgânicos, fisiológicos, psicológicos. Os três possuem relação entre si,
embora cada um tenha suas particularidades e diferentes critérios para definição
de normalidade.

Quando tratamos dos aspectos psicológicos dos seres humanos, há grande


variedade de critérios que têm sido abordados para pensar o problema da
normalidade, apontando o nível de complexidade para a definição de padrões
de normalidade e diagnóstico, material de trabalho para psicólogos e psiquiatras.
A normalidade é, portanto, muito elástica, assumindo caráter absolutamente
dinâmico, imprimindo grande dificuldade ao trabalho daqueles que tentam defini-la
de forma estanque. Sua definição não é matemática, mas relativa a diferentes
camadas tênues, que se compõem.

Doyle nos dá um exemplo prático para percebermos o choque entre a compre-


ensão do senso comum sobre a normalidade e o trabalho dos profissionais da área,
demonstrando a complexidade do tema e da definição dos diagnósticos psicológicos:
“Estamos nos recordando no momento de uma senhora que nos trouxe
o filho de 18 anos para observação psicológica, com o seguinte preâm-
bulo: ‘Eu mesma não sei se meu filho precisa de tratamento, mas achei
prudente trazê-lo para ouvir a sua opinião, porque ele é diferente do
irmão, e eu acho mais natural o modo pelo qual o outro se comporta no
meio social’. A análise da estrutura caracterológica revelou boa organi-
zação do jogo de forças psicológicas orientadoras da conduta explícita
e implícita, ausência de sintomas e de ansiedade neurótica; chegamos
mesmo à conclusão de que se tratava de um adolescente extraordina-
riamente inteligente, capaz, honesto, com ideais construtivos capazes
de serem realizados por ele, atendendo às suas qualidades potenciais,
apenas não é grande apreciador das futilidades sociais e é menos loquaz
do que o irmão. No caso vertente, ficou apurado que justamente o filho
mais apreciado era realmente o que precisava de tratamento, pois a sua
grande atividade era um recurso que usava para escoar um pouco da sua
ansiedade” (DOYLE, 1950).

Depois dessa lógica mais dinâmica ter começado a fazer parte do pensamento
e da psicologia normal e patológica, as investigações e os diagnósticos não se
restringem mais apenas à aparência dos comportamentos, que passam a se
contrapor à separação artificial entre normalidade e anormalidade psicológicas.

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9
UNIDADE O Normal e o Patológico – Aspectos do Funcionamento Psicológico

Abordando os Critérios
Vejamos alguns diferentes critérios para as áreas do conhecimento, com as quais
a Psicologia não coincide, necessariamente:

Critério Normativo Homem normal como tipo perfeito, como um modelo de representação.

Critério Estatístico Homem mais frequente.

Critério Clínico Homem sem sintomas.

Critério Constitucionalista Homem normal, é o de “estrutura genotípica normal”.

Critério Sociológico Homem que melhor representa a sua cultura, de acordo com o espírito de seu tempo.

Critério Criminológico Homem que não fere as leis.

Critério Médico-Legal Homem capaz de guiar suas ações de modo civilizado e que pode ser responsável por suas atitudes.

No caso da Psicanálise, por exemplo, a noção de normalidade não é uma


ferramenta. Com os estudos de Freud acerca da neurose, percebida por ele com
muita frequência nas pessoas, a noção de normalidade psicológica assumiu posição
muito delicada, na medida em que diferentes distúrbios ou comportamentos gerados
em uma realidade tão contraditória e com problemas sociais tão profundos.

A difusão das noções travadas por Freud e pela Psicanálise imputou ao conceito
de normalidade psicológica a necessidade de muito cuidado na abordagem, muitas
vezes tratada entre aspas: a “normalidade”. Trataremos posteriormente mais sobre
a abordagem da Psicanálise acerca do tema.

Sigmund Freud foi um dos grandes pes-


Explor

quisadores e cientistas da modernidade.


Austríaco, de família judia, nascido em
1856, foi importante médico neurologista
e responsável pela criação da Psicanálise.
Seus estudos possibilitaram profundo
avanço no desenvolvimento da Psicologia
como Ciência e nos estudos da mente hu-
mana, principalmente, do inconsciente e Figura 1 – Sigmund Freud
de suas manifestações. Fonte: Wikimédia Commons

O filme “Método Perigoso” (2011), do diretor David Cronenberg, mostra como a relação entre
Explor

Carl Jung e Sigmund Freud faz nascer a Psicanálise. Aborda a intensa e polêmica relação da
dupla com a paciente Sabina Spielrein.
Veja o trailer em: https://youtu.be/n_kfCljrmtY

10
Qual é a Origem das Ideias de
Normalidade e Patologia?
Na História das Ciências e da Humanidade, em diferentes civilizações, a
necessidade de definir o homem normal esteve presente em muitos momentos,
senão em quase todos.

Os grandes pensadores clássicos, como Aristóteles e Platão, dedicaram sua


Filosofia a estabelecer padrões e fórmulas que definissem a normalidade.

As sociedades gregas antigas tinham concepção dinâmica do que seja a doença,


sendo a Saúde definida por equilíbrio e harmonia e a doença como transtorno
dessa condição. Contudo, a percepção do transtorno não assumia exatamente
um caráter negativo, sem função, mas de restabelecimento de novo equilíbrio,
regeneração, como uma reação que tem o sentido da cura, movimento próprio da
natureza (CANGUILHEM, 1904).

Para Augusto Comte, pai do pensamento positivista, o excesso é constitutivo


da doença, ou a falta de vivacidade do corpo. A ausência de estímulo, necessário à
saúde, conduziria ao estado de doença.

Há ainda outros autores que consideram outros aspectos e apresentam outras


explicações, como Claude Bernard e Leriche.

Claude Bernard Doença possui função normal em relação à totalidade da saúde.

Leriche A saúde é a vida na tranquilidade dos órgãos; a doença é o contrário.

O que podemos notar nessas Teorias é que elas se amparam na organização ou


na desorganização do organismo a partir das mudanças fisiológicas corporais, e não
abordam o campo da psicopatologia e das intervenções das emoções e afetividade.

Será mesmo que seria possível pensar a esfera fisiológica e a psicológica em


separado? E, além disso, seriam mesmo a normalidade e a patologia condições
antagônicas entre si, ou integradas e fundidas, com combinações distintas, em um
nível de complexidade importante a ser analisado?

É por onde queremos caminhar.

Há, ainda, outro aspecto importante, relativo à terminologia, que devemos


abordar. Canguilem (1904) alerta sobre a distinção entre o patológico e o anormal.

Todo patológico é anormal, mas o inverso não é sempre verdadeiro. O anormal


pode ter caráter adaptativo, não correspondendo necessariamente a sofrimento e
impotência (pathos). Por isso, é importante o cuidado no trato com esses conceitos
de normalidade, anormalidade e patologia, termos de profunda complexidade.

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UNIDADE O Normal e o Patológico – Aspectos do Funcionamento Psicológico

Uma abordagem curiosa, por exemplo, é frequente entre pensadores e literatos


do início da Modernidade, que relacionavam a normalidade à futilidade, à falta de
profundidade do ser, a ser supérfluo e não contraditório. Diferente dos pensadores
da Filosofia Clássica, eles não almejavam a normalidade, mas fugiam dela.
“[...] o homem normal está personificado pelo homem da massa, “o que
nos rodeia aos milhares, o que prospera e se reproduz no silêncio e na
treva”; é o homem sem ideias, sem personalidade, por essência imitativo,
apto a viver como carneiro de rebanho, refletindo a rotina social, aceitando
os preconceitos e dogmas úteis à sua condição doméstica; a alma desse
homem medíocre não tem nada de espontaneidade, é um reflexo da alma
da sociedade em que vive, porque a característica deste homem é imitar a
quantos o rodeiam, pensar com a cabeça alheia, e ser incapaz de formar
concepções e ideais próprios; deste modo, ele é o espírito conservador
do grupo, interessado em manter os seus hábitos, que lhe amenizam o
esforço de viver” (DOYLE, 1950).

Tanto a idealização da normalidade quanto o seu desprezo, portanto, não cor-


respondem a uma visão equilibrada do que a questão trata. É muito difícil, hoje,
sustentar uma ideia estática de saúde e doença.

Vamos pensar a respeito!


“A noção estática de saúde e doença é difícil de ser sustentada hoje, já
que, no sentido da ausência de sintomas, todos seriam normais até o
ponto crucial em que surge a patologia. Além disso, sabe-se que todo o
ser humano possui uma grande suscetibilidade a adquirir doenças mais
ou menos graves ao longo da vida. Mesmo considerando apenas aquelas
doenças incuráveis e que, consequentemente, acompanharão o indivíduo
até o fim de sua vida, cabe questionar o que o define como anormal,
já que muitas vezes é possível prosseguir a vida mantendo as atividades
anteriores à doença” (DELATORRE et al., p.319).

Um dos aspectos a ser considerado para o estabelecimento do normal é a


pressão cultural, visto que as culturas estabelecem seus modelos de normalidade e
anormalidade, questão que tirar o normal como a média não leva em considera-
ção. Se tirássemos pela média, aqueles que se destacassem do ponto de vista da
adequação social ou do acordo com as regras, mesmo em relação à sua capaci-
dade intelectual, seriam considerados deslocados e anormais (AJURIAGUERRA;
MARCELLI, 1986).

O normal, portanto, é constituído a partir de um sistema de valores estabelecido


cultural e socialmente; portanto, não havendo, como dissemos, definição universal
do que seja normal ou patológico.
“O normal, como o ideal pressupõe, primeiramente, é um determinado
sistema de valores. Cabe questionar, primeiramente, como seria escolhido
um sistema de valores padrão para o estabelecimento da normalidade.

12
Caso o ideal fosse um grupo social, voltaríamos à noção da norma
estatística, já que todos teriam de enquadrar-se no modelo de tal grupo;
caso o sistema de valores ideal fosse pessoal, cada indivíduo possuiria
sua própria definição de normalidade, o que torna inútil o conceito”
(AJURIAGUERRA; MARCELLI, 1986 apud DELATORRE et al.).

Por último, a apreensão dinâmica do que seja normalidade e patologia está


associada à capacidade de retomar o equilíbrio do estado de normalidade, o que
requer um processo de se adaptar à determinada condição. Essa adaptação pode ou
não gerar conformismo e submissão, gerando outros problemas (AJURIAGUERRA;
MARCELLI, 1986).

Os Aspectos Constitutivos da
Normalidade Psicológica
Ao tentar sintetizar o conceito de normalidade, devemos levar em conta os
diferentes aspectos da vida psicológica, considerando estruturas que são parte da
estrutura emocional, afetiva e social.

É importante a observação da aparência, mas não somente ela dará conta de um


diagnóstico adequado. A ótica sobre o equilíbrio pessoal e sua estabilidade, das po-
tências do indivíduo e suas capacidades poderão indicar os aspectos de normalidade.

O comportamento explícito e o implícito devem estar em consonância, cuja


avaliação demanda o olhar integral de múltiplas determinações sobre o indivíduo
e sua vida.
“Não basta, entretanto, o funcionamento intelectual satisfatório; a este
se deve associar uma organização afetiva-emocional, não só explícita
na conduta, mas como realidade íntima, caracterizada por equilíbrio. A
normalidade reveste ainda um aspecto ético, que exige a presença das
virtudes humanas, sem as quais as próprias potencialidades intelectuais
adquirem aspecto estéril” (DOYLE, 1950).

Um pouco mais sobre a


Abordagem da Psicanálise
Winnicott (1967) analisa a tendência dos psicanalistas no entendimento da
normalidade que, segundo o autor, caminha no sentido de pensar a saúde como
ausência de distúrbios psiconeuróticos.

13
13
UNIDADE O Normal e o Patológico – Aspectos do Funcionamento Psicológico

O autor, no entanto, defende a adoção de critérios mais sutis, considerando a


normalidade em termos de liberdade no âmbito da personalidade, da capacidade
de possuir confiança, constância, liberdade em relação à autoilusão, estando rela-
cionada à saúde, à autonomia e ao livramento em relação à dependência. A vida
saudável seria caracterizada, ainda, por momentos e sentimentos positivos e ne-
gativos, conquistas e frustrações (WINNICOTT, 1967 apud DELATORRE et al.).

Para Freud, no entanto, a ênfase é dada ao desenvolvimento psíquico sobre a


classificação das doenças. O trunfo do Pai da Psicanálise, portanto, é que os meca-
nismos da normalidade e da neurose são os mesmos, sendo diferente o seu uso e a
sua flexibilidade, não havendo continuidade entre eles (BERGERET, 1996).
“Percebe-se que nenhuma das classificações é capaz de explicar exaus-
tivamente os fenômenos envolvidos nos diferentes estados psicológicos.
Assim, considera-se indispensável levar em conta conjuntamente os as-
pectos fisiológicos, psicológicos e dinâmicos do sujeito. Qualquer tentativa
de definição apoiada em apenas um desses aspectos torna-se simplista,
ignorando a complexidade do ser humano” (DELATORRE et al., 2011).

O Normal e o Patológico para Autores


das Ciências Sociais
Para encerrar a nossa Unidade, gostaria de abordar alguns autores das Ciências
Sociais que podem contribuir para uma visão mais ampla dos conceitos trabalhados.
Como viemos tratando nas últimas duas Unidades, é fundamental que as pontes
interdisciplinares sejam estabelecidas, para que possamos ter Visão mais ampla
da teoria e dos conceitos com os quais trabalhamos, principalmente quando
falamos em Psicologia, a contextualização social e os aspectos filosóficos, sociais
e econômicos podem contribuir muito para uma análise mais rica de nosso objeto
de estudo e pesquisa.

Durkheim foi um dos pensadores que elaborou Teoria a respeito do normal e do


patológico. Como pensador da corrente teórica do Funcionalismo, foi influenciado
por teorias como o Evolucionismo, e sua compreensão da relação entre indivíduo
e Sociedade estabelecia praticamente uma determinação absoluta da Sociedade
sobre o indivíduo.

O indivíduo teria, praticamente, nenhuma margem de ação, escolha, e a


Sociedade, a partir de formas coercitivas, determinaria a vida dos indivíduos em
suas mais diferentes instâncias.

Para o autor, a Sociedade é constituída de fatos sociais e instituições sociais,


a partir dos quais a conduta humana é determinada de forma coercitiva. Desse
modo, a realidade social antecede a vida individual.

14
Explor
Émile Durkheim é um dos grandes nomes
das Ciências Sociais. Nascido na França, em
1858, foi um dos criadores da Disciplina
Sociológica. Em sua vida, escreveu sobre
a organização social, a relação entre indi-
víduo e Sociedade e os mecanismos por
meio dos quais a Sociedade se organiza e
os comportamentos humanos são desen-
hados. Suas obras mais conhecidas são As
regras do método sociológico (1895) e Figura 2 – Émile Durkheim
Da divisão do Trabalho Social (1893). Fonte: emiledurkheim.org

Para chegar às suas elaborações sobre o normal e o patológico, tema de


nossa Unidade, Durkheim procurava entender os meios pelos quais a Sociedade
funcionava daquela maneira, seus mecanismos e regras. Existiriam leis gerais que
organizassem a sociedade, suas instituições e determinassem o comportamento
dos indivíduos na vida em comum?

O Positivismo, como corrente de pensamento, influenciou fortemente as teorias


e as pesquisas acerca da questão da patologia e da normalidade.

Comte, autor fundamental dessa corrente, compreendia a normalidade


e a patologia a partir da mesma chave de funcionamento. Seriam regidas por
mecanismos semelhantes ou equivalentes.

O Positivismo é uma corrente da Filosofia,


Explor

tendo nascido na França, no século XIX.


Augusto Comte e John Stuart Mill são seus
principais idealizadores, tendo como pon-
to de partida para o seu desenvolvimento
o Iluminismo. Opõe-se ao Racionalismo
e ao Idealismo, propondo um método de
análise científica baseada na experiência
sensível, “concreta”, para a produção da Figura 3 – Augusto Comte, um dos
“verdadeira Ciência”. fundadores da corrente Positivista.
Fonte: emiledurkheim.org

Com esse caminho sedimentado, a partir de seus critérios metodológicos e concep-


ção da realidade, Durkheim constrói a diferenciação entre normalidade e patologia.

O pensamento do autor baseia-se no pressuposto de que a Sociedade possui


duas formas bastante diferentes de fato, os que são o que deveriam ser e os que são
o que deveriam ser outra coisa, ou seja, os fenômenos do normal e do patológico.
Para estabelecer esses conceitos, parte da oposição entre saúde e doença, não
apenas do ponto de vista da saúde fisiológica ou médica, mas de expressões sociais
daquilo que é “normal” e daquilo que é “patológico”.

15
15
UNIDADE O Normal e o Patológico – Aspectos do Funcionamento Psicológico

“O critério atualmente utilizado para a determinação da doença, segundo


ele, é o sofrimento e a dor. Mas ele acha esse critério insuficiente, à
medida que reconhece que estados de sofrimento, por exemplo, fome,
fadiga e parto, são normais. Outra forma de se encarar a doença seria
a da perturbação da adaptação do organismo ao meio, o que, para ele,
seria, no mínimo, duvidoso, pois, nesse caso, seria preciso estabelecer
princípios que definissem que um determinado modo de adaptação é mais
perfeito do que outro. Esse princípio, entretanto, poderia ser estabelecido
em relação às possibilidades de sobrevivência, definindo-se como estado
saudável aquele em que as possibilidades de vida fossem maiores, e como
doentio o que diminuísse essas possibilidades” (WANDERLEY, 1999).

Desse modo, a diferença entre o normal e o patológico estaria em que?

Para o autor, os fenômenos sociais e biológicos podem ser delimitados em dois


tipos: os comuns à toda a espécie, que encontramos em todos ou na maioria
dos indivíduos; e os fenômenos atípicos, próprios de pequenos grupos e que não
necessariamente duram por longo tempo.

A partir dessa separação, o autor determina uma espécie de norma genérica


da espécie humana. O que determinaria se um fato social é atípico ou comum é a
sua frequência. Percebe que essa ideia de excepcionalidade é ainda muito presente
hoje. Aquilo que é tido como normal está associado à frequência, enquanto que o
excepcional, raro, excêntrico, é observado muitas vezes como patológico.

Foucault, um importante filósofo do século XX, contrapõe-se às elaborações


de Durkheim no que diz respeito ao normal e ao patológico. Na medida em que a
doença se tornou um assunto chave na Sociologia, na medida em que é relativa a
uma Sociedade e à sua expressão de frequência ou não, para Foucault, nem sempre
essa relatividade cultural é explicada claramente na concepção durkheimeana.

Contrapondo-se às ideias de Durkheim, Foucault vai enxergar a doença não apenas


por seu viés negativo, mas pela positividade subjacente, na possibilidade gerada
pelo patológico, na medida em que o normal e o patológico se complementam, e
não são antagônicos.
“Isto é, retornando às fases anteriores da evolução, a doença faz
desaparecer as aquisições recentes e redescobre as formas de conduta
ultrapassadas. A doença apresenta-se não como um ‘retrocesso’, mas
como um processo ao longo do qual se desfazem as estruturas evolutivas.
Nas formas mais benignas, há dissolução das estruturas recentes e, no
término da doença ou no seu ponto extremo de gravidade, das estruturas
mais arcaicas. Para Foucault, portanto, a doença não é um déficit que
atinge radicalmente esta ou aquela faculdade; há, no absurdo do mórbido,
uma lógica que é preciso ‘desentranhar’, pois ela é, em última instância,
a própria lógica da evolução normal. Ele visualiza o patológico ou a
doença não como uma essência contra a natureza da ‘normalidade’, mas
sendo a própria natureza dessa normalidade, num processo invertido, o
qual se firma numa sociedade que não se reconhece como seu artífice”
(WANDERLEY, 1999).

16
Considerações Finais
Como pudemos estudar, as teorias positivistas de Comte e Durkheim se base-
aram fundamentalmente na Biologia para compreender a noção de normalidade
e patologia.

É importante compreender que o biológico respalda a identificação da patologia,


mas não é suficiente para caracterizá-la. Tampouco a frequência é o único método
de identificação da normalidade e da patologia.

A normalidade ultrapassa a ideia de frequência, na medida em que a normatização


“só é a possibilidade de uma referência quando foi instituída ou escolhida
como expressão de uma preferência e como instrumento de uma vontade de
substituir um estado de coisas insatisfatório por um estado de coisas satisfatórias”
(CANGUILHEM, 1982).

Nas próximas Unidades, continuaremos os estudos sobre a Psicologia da Saúde


e os temas que permeiam o seu estudo e seu campo de atuação.

17
17
UNIDADE O Normal e o Patológico – Aspectos do Funcionamento Psicológico

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

 Livros
A Infância Normal e Patológica: Determinantes do Desenvolvimento
FREUD, A. A infância normal e patológica: determinantes do desenvolvimento. 3.
ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1895.
Individualismo e Cultura: Notas para uma Análise Antropológica da Sociedade Contemporânea
VELHO, G. Individualismo e Cultura: notas para uma análise antropológica da so-
ciedade contemporânea. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
Educação Especial
FONSECA, V. de. Educação Especial. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.
O Conceito de Indivíduo Saudável
WINNICOTT, D. W. O Conceito de Indivíduo Saudável. In: Tudo começa em casa.
São Paulo: Martins Fontes, 1967. p. 3-22.

18
Referências
AJURIAGUERRA, J.; MARCELLI, D. Manual de Psicopatologia Infantil. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1986.

CANGUILHEM, G. O normal e o patológico. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense


Universitária, 1904.

BERGERET, J. A personalidade normal e patológica. 3. ed. Porto Alegre:


Artmed, 1996.

DELATORRE, Marina Zanella; SANTOS, Anelise Schaurich dos; DIAS, Hericka


Zogbi Jorge. O normal e o Patológico: Implicações e Desdobramentos no Desen-
volvimento Infantil. Revista Contexto & Saúde. Ijuí, v.10 n.20 jan/jun., 2011.

DOYLE, Iracy. Estudo da normalidade psicológica. Arq. Neuro-Psiquiatr., São


Paulo,, v.8, n.2, Apr./June, 1950.

DURKHEIM, E. As Regras do Método Sociológico. Série Os Pensadores. 2.ed.


Tradução de Carlos Alberto Ribeiro de Moura et al. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

FOUCAULT, M. Doença Mental e Psicologia. 2.ed. Rio de Janeiro: Tempo


Brasileiro, 1975.

WINNICOTT, D. W. A criança e seu mundo. Rio de Janeiro: Zahar, 1964.

WANDERLEY, Fabiana. Normalidade e patologia em educação especial. Psicol.


cienc. prof. Brasília, v.19, n.2, 1999.

19
19
Psicologia da Saúde
Material Teórico
As Dimensões Subjetivas no Processo Saúde-Doença

Responsável pelo Conteúdo:


Profa. Dra. Carmen Conti

Revisão Textual:
Profa. Dra. Selma Aparecida Cesarin
As Dimensões Subjetivas no Processo
Saúde-Doença

• Introdução
• A Doença
• A Saúde
• A Dimensão Social do Processo Saúde-Doença
• A Perspectiva Biopsicossocial e os Aspectos Subjetivos
• Humanização, Cuidado e a Dimensão Subjetiva

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· A partir das conceituações trabalhadas nas unidades anteriores, re-
tomando um pouco a saúde e a doença, compreender a perspectiva
Biopsicossocial da saúde e doença. Abordar a dimensão social do
processo saúde-doença. Se aproximar da concepção humanizadora,
sob uma perspectiva que leva em conta a dimensão subjetiva do
processo saúde-doença.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como o seu “momento do estudo”.

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo.

No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também
encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão,
pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato
com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem.
UNIDADE As Dimensões Subjetivas no Processo Saúde-Doença

Introdução
Ao longo das três primeiras unidades, trabalhamos com conceitos que pudessem
dar uma dimensão ampla do que seja a saúde, bem como da área da qual estamos
tratando nessa nossa disciplina. Em todo momento, a busca foi de integrar as
diferentes esferas da vida humana para compreendermos o escopo da saúde, em
suas múltiplas dimensões, e a partir de quais abordagens e metodologias a ciência
trabalha sobre ela.

Partimos de um olhar que prioriza o processo da saúde, com a promoção da


qualidade de vida, levando em conta os aspectos sociais, econômicos, culturais
e etc. de comunidades e indivíduos. E quando tratamos da doença, que também
é parte do processo da vida humana, trabalhamos desde uma perspectiva sobre
a qual gostaríamos de aprofundar neste capítulo. O objeto de nosso quarto capí-
tulo é a doença e a saúde como processo social e as dimensões que constituem
este processo.

Como vimos anteriormente, ao longo da história o processo de adoecimento e


cura vem sendo trabalhado à luz dos paradigmas que regem a saúde e a doença.
Com a revolução industrial, no século XVIII e as transformações profundas no
ambiente social e de trabalho promovidas neste período, e com os avanços tecno-
lógicos da microbiologia no século XIX, que passa a definir as causas para as do-
enças a partir do aspecto biológico predominantemente. Naquele momento a forte
influência do Positivismo, que se transforma com o passar dos séculos, ganhando
espaço nos séculos XX e XXI para o uso de tecnologias, uma preocupação maior
com controle de gastos e qualidade nesse processo.

Enfim, trata-se do surgimento de uma nova forma de ver o cuidado, como o


“acolhimento, acreditação hospitalar, humanização, e cuidado individualizado
e integral dentre outros. São fatores que possuem relação com a subjetividade
do sujeito, pois buscam laços entre aqueles que cuidam e os que são cuidados”.
(SILVA, 2006, p.3)

Vamos mergulhar no tema dessa unidade?

A Doença
Quando vivenciamos a condição da doença, ou nos deparamos com um ente
querido ou paciente em estado de enfermidade, o que nos alerta à sua situação
não é seu estado clínico, seus exames; ao menos não imediatamente. A vivência
da doença está vinculada diretamente às sensações e sentimentos causados àquela
pessoa, como o mal-estar, a tristeza, a fraqueza física, a impotência diante do limite
do próprio corpo.

8
Poderíamos citar exemplos longamente. Para Brêtas e Gamba (2006), é a
expressão de sentimentos e valores que nos permitem a mediação com a doença
do outro, é através disso que a doença se expressa. A mesma doença acomete de
formas muito distintas pessoas diferentes, que lidam com a doença e sentem os
seus sintomas a partir de suas particularidades fisiológicas e subjetivas.
“O conhecimento clínico pretende balizar a aplicação apropriada do
conhecimento e da tecnologia, o que implica que seja formulado nesses
termos. No entanto, do ponto de vista do bem-estar individual e do
desempenho social, a percepção individual sobre a saúde é que conta
(EVANS; STODDART, 1990).” (OLIVEIRA; EGRY, 2000)

A Saúde
Diferentemente da doença, a saúde passa despercebida. É aquela velha história
de que percebemos o quanto estávamos bem quando ficamos tristes, ou adoecemos.
Enquanto estamos bem, a vida corre normalmente e nós não vertemos atenção a
isso, simplesmente vivemos. A atenção à saúde, se não é minuciosa e permanente,
perde de vista os pequenos sinais dados de incômodo do corpo, de que exageramos,
de que estamos indo além de nossos limites, ou ainda de que é hora de dar uma
pausa. Comumente, é na hora da doença em que a saúde vira pauta.
“A saúde é silenciosa. (...) É uma experiência de vida, vivenciada no âmago
do corpo individual. Ouvir o próprio corpo é uma boa estratégia para
assegurar a saúde com qualidade, pois não existe um limite preciso entre
a saúde e a doença, mas uma relação de reciprocidade entre ambas; entre
a normalidade e a patologia, na qual os mesmos fatores que permitem ao
homem viver (alimento, água, ar, clima, habitação, trabalho, tecnologia,
relações familiares e sociais) podem causar doenças. Essa relação é
demarcada pela forma de vida dos seres humanos, pelos determinantes
biológicos, psicológicos e sociais.” (VIANNA, s/d, p.77)

Não só entre os indivíduos o processo saúde-doença é vivenciado de forma


diferente e desigual, mas entre os diferentes povos, classes sociais, culturas, a
depender do lugar ocupado por estes na sociedade e no planeta. Pensem que
o aspecto geográfico também é um fator influente, para além destes citados,
comumente muito relacionados aos demais aspectos – vide salubridade (ou
insalubridade), condições de moradia, etc.

Para Canguilhem (apud BRÊTAS e GAMBA, 2006), a dimensão da saúde


é constituída partindo-se da dimensão da existência, do ser. O ser é onde se
manifestam a normalidade e a patologia, a saúde e a doença; é nele onde as
particularidades de cada processo vão encontrar morada e dizer quais os caminhos

9
9
UNIDADE As Dimensões Subjetivas no Processo Saúde-Doença

a serem caminhados. O normal nesse caso, como já vimos em outras unidades,


não tem caráter estanque e, portanto, é necessário compreender que aquilo
que pode ser considerado normal em um indivíduo ou grupo social/cultura, não
necessariamente obtém o mesmo parâmetro em outros. As transformações sofridas
pelo corpo serão percebidas por cada um, decorrendo uma importância grande em
que o ser humano precise conhecer-se, aprender a avaliar essas transformações e
os sinais que elas manifestam. É em relação que este conhecimento e aprendizado
acontece. (VIANNA, s/d, p.77)

A saúde, desse modo, se apresenta como algo que o ser humano consome,
de certa forma administra – sem o controle total dela, obviamente, sendo que a
reversibilidade dos processos não é possível. Ainda que com resultantes de cura,
o corpo vai se transformando ao longo dos processos de saúde de doença, se
tornando sempre diferente daquele que era antes. (BRÊTAS e GAMBA, 2006)

A Dimensão Social do Processo


Saúde-Doença
Durante muito tempo na história da humanidade o processo de saúde-doença
foi compreendido e tratado apenas sob a perspectiva da “ausência da doença”.
Com a transformação dos paradigmas, novos conceitos dinamizaram a ideia da
vivência da saúde e da doença.
(...) é um processo social caracterizado pelas relações dos homens com a
natureza (meio ambiente, espaço, território) e com outros homens (através
do trabalho e das relações sociais, culturais e políticas) num determinado
espaço geográfico e num determinado tempo histórico. (TANCREDI;
BARRIOS; FERREIRA apud SILVA, 2006)

As dimensões fundamentais a serem apreendidas são a distinção entre saúde e


doença e a dimensão do bem-estar na compreensão do indivíduo e da sociedade
do que faz parte de uma vida saudável.

Para compreender a dimensão social do processo saúde-doença é impor-


tante percebê-lo como fenômeno humano, produzido e moldado em âmbito
social e determinado historicamente. Quais as características dos indivídu-
os que são formados neste ou em outros tempos históricos? Quais relações
produzem – entre humanos ou com a natureza - e em que isso implica no
entendimento e na práxis da vida e do bem-estar? As pesquisas empíricas
indicam uma relação estreita entre os processos sociais e os processos de saú-
de-doença, que caminham juntos. Isso não significa que o aspecto biológico
não tenha sua importância, mas que mesmo este anda integrado à dimensão
social. (BARBOSA e COSTA, 2013)

10
Não temos exata clareza de como os processos sociais se transformam
em biológicos, ou o inverso, mas esta relação sem dúvida abre caminhos para
investigação. Podemos levar em conta a complexidade da relação entre saúde e
doenças e os processos de contradição social, compreendendo aspectos como a
vulnerabilidade, interação entre os grupos/indivíduos e seus meios histórico, de
ambiência, social, cultural.
“Desse modo, podemos aprofundar a compreensão de que qualquer
evento ou processo social, para representar uma fonte potencial de
risco para a saúde, necessita estar em ressonância com a estrutura
epidemiológica dos coletivos humanos. Não se trata exclusivamente
da ação externa de um elemento ambiental agressivo, nem da reação
internalizada de um hóspede susceptível, mas sim de um sistema
complexo (totalizado, interativo, processual) de efeitos patológicos.
E no arcabouço da proposta de influência dos determinantes sociais
na situação de saúde de indivíduos e populações está a necessidade
do combate às iniquidades em saúde por eles geradas”. (BARBOSA e
COSTA, 2013)

Iniquidade – Aquilo que é iníquo, contrário à equidade. A equidade define aquilo que
Explor

corresponde à necessidade e possibilidade de cada um. Uma espécie de divisão ou justiça


que dá a cada um o necessário e pede de cada um o possível. A iniquidade é o seu contrário.

A iniquidade tem múltiplas consequências e determinações, na medida em que


expõe à vulnerabilidade indivíduos, famílias e grupos sociais, muitas vezes vetando
o seu acesso à estruturas (aparatos ou instituições) que garantem o mínimo para a
reprodução material e imaterial da vida. Por exemplo, em uma sociedade desigual
como a que vivemos, sob a lógica do lucro e da mercantilização das relações huma-
nas, as pessoas pertencentes a classes sociais distintas têm possibilidade de acesso
a diferentes instrumentos que contribuem na promoção e desenvolvimento da vida
material e subjetiva. Também na saúde isso tem impacto, e produz diferentes efei-
tos no que entendemos por processo saúde-doença.

Isso porque também as políticas de saúde estão engendradas dos interesses e


da lógica do capital e da mercantilização, lógica da qual os aparelhos estatais não
estão livres, na medida em que atuam dentro de uma mesma sociedade. A distinção
social, portanto, gera diferentes padrões de saúde-doença, a partir de modos de vida
e recursos/acesso completamente distintos entre si, até mesmo entre indivíduos de
um mesmo país ou região.

Como conversamos já em outra unidade a respeito da atividade das equipes


neste processo, bem como nos conceitos de saúde e doença, além das abordagens
de diferentes linhas de pensamento, nesta unidade gostaríamos de abordar os
aspectos subjetivos do processo saúde-doença.

11
11
UNIDADE As Dimensões Subjetivas no Processo Saúde-Doença

A Perspectiva Biopsicossocial
e os Aspectos Subjetivos
A perspectiva Biopsicossocial, ou da Produção Social de saúde, é fruto de uma
reforma sanitária no Brasil. Esta vertente abre diálogo entre o campo da saúde e a
subjetividade, sob a ótica da psicologia histórico-cultural.

Quais os preceitos da perspectiva Biopsicossocial?


a) O corpo como organismo psicológico, biológico e social, fontes a partir das
quais este é estimulado, responde e armazena significados, relacionando-
se a partir disso com o mundo, irradiando comportamentos que vivencia
e sintetiza.
b) A saúde e a doença são determinadas entre si – uma determina a outra –
a partir de variáveis biopsicossociais. Cada um desses aspectos interage
com os demais, produzindo uma condição de equilíbrio entre saúde
e doença.
c) O processo de cura para várias doenças deve considerar os três aspec-
tos citados (Biológico, Psicológico e Social) no diagnóstico, prevenção
e tratamento.
d) O estudo das causas e origens de uma doença sempre tem múltiplos
fatores, como os níveis etiopatogênicos.
e) Não existe uma só ação melhor para cuidar de pessoas doentes. As
ações integradas entre membros de uma equipe de saúde, coordenando
intervenções a partir de diferentes especialidades psicológicas, sociais e
biológicas fazem a melhor forma.
f) A responsabilidade pela saúde, desde a investigação até o tratamento
é de várias especialidades profissionais, e não apenas um grupo ou
especialidade médica.

A atuação junto à saúde, considerando os elementos apontados, encontra-se em


sua fase inicial de implementação, tendo em vista que demanda o amadurecimento
de equipes integradas e compostas por múltiplas especialidades das áreas que
compõem a perspectiva Biopsicossocial. (PEGORATO et al., 2011)

Quando da Constituição Brasileira de 1988, quando o Sistema Único de Saúde


(SUS) foi criado, várias transformações no projeto de saúde do país iniciaram seu
curso. A saúde, além de estabelecida constitucionalmente como direito universal
e inalienável, fundamental para a vida humana e para a reprodução da força de
trabalho, deveria ser garantida pelo Estado a fim de reduzir o risco de doenças e
agravos, bem como promover a recuperação e proteção de indivíduos e grupos
sociais sem qualquer tipo de distinção. (BRASIL, 1988).

O sistema de saúde foi organizado a partir da hierarquia entre os serviços, desde


os mais complexos aos menos, em composição piramidal.

12
Trocando ideias...Importante!
Na verdade, esta hierarquização antecede a criação do SUS, sendo implantada pelo Con-
selho Consultivo da Administração de Saúde Previdenciária (Conasp) em 1982. O nível
primário de atenção, ou atenção básica, seria a porta de entrada ao sistema, responsável
pela prevenção e os cuidados básicos em saúde; o nível secundário de atenção consiste
na assistência especializada, nos ambulatórios de especialidades; e finalmente, o nível
terciário que responde pelas ações mais complexas na rede hospitalar.

Na próxima unidade trataremos mais do surgimento do SUS e de seu funciona-


mento. O que nos interessa neste momento é que a perspectiva Biopsicossocial no
Brasil estava na base do projeto deste sistema, considerando não só a universalidade
no atendimento, mas a atenção aos diferentes aspectos que determinam o processo
saúde-doença, como viemos tratando aqui. A reforma que dá origem ao SUS – que
posteriormente tem dificuldades estruturais e na formação de equipes integradas
para a atuação – estabelece o acompanhamento familiar e cotidiano das famílias na
prevenção de doenças, no acompanhamento e integração das equipes às comunida-
des para produzir conhecimento coletivamente e atuar em saúde de forma educativa.

Esta perspectiva está diretamente ligada à forma como as equipes de trabalho


são constituídas e atuam. No caso do SUS a formação de recursos humanos está
prevista pela mesma Constituição de 1988.
“(...) a eficiência de um sistema de saúde está diretamente relacionada
ao desempenho dos profissionais que o constituem. Cada vez mais, os
países da região das Américas constatam que muitos problemas dos
seus sistemas de serviços de saúde, como a iniquidade ao acesso aos
serviços, o descuido com a saúde coletiva e as dificuldades na gestão,
estão relacionados aos recursos humanos em saúde. Conclui-se que,
sem mudanças nas ações e na formação dos profissionais de saúde,
qualquer tentativa de reforma não produz efeitos, ou mesmo, produz
efeitos contrários.” (PEGORARO et al., 2011)

Figura 1 - Profissionais das áreas psicológica, social e biológica


atuando em equipe junto a uma comunidade
Fonte: iStock/Getty Images

13
13
UNIDADE As Dimensões Subjetivas no Processo Saúde-Doença

Humanização, Cuidado e a
Dimensão Subjetiva
A formação dos profissionais que vão atuar em equipe, sob a perspectiva
Biopsicossocial no processo saúde-doença é fundamental, na medida em que
determina que sob tipo de abordagem estes profissionais vão atuar, se conseguirão
integrar-se a outros profissionais e dividir com eles o trabalho de atendimento e
acompanhamento. Para tanto, a estruturação curricular dos cursos de saúde desde
essa perspectiva é fundamental, bem como uma ideia de formação continuada.
(ALMEIDA e FERRAZ apud PEREIRA, 2011)

O eixo que norteia essas transformações, atualmente, vê o profissional da saúde


como cuidador e protagonista das práticas em saúde. Ao invés de tutelar, ele
acompanha e acolhe, cuida.

Você Sabia? Importante!

Existe hoje um projeto para as políticas públicas desde esta perspectiva, chamada
Política Nacional de Humanização (PNH), conhecida também como HumanizaSUS
(BRASIL, 2004). Trata-se de um planejamento para o alcance de maior qualificação dos
profissionais para a atenção aos processos de saúde-doença. Atua a partir de um projeto
de corresponsabilidade, qualificação dos vínculos interprofissionais, e destes na relação
com os usuários para promover saúde (DIMENSTEIN apud PEGORARO, 2011).
Para saber mais, acesse: https://goo.gl/MAbGP9

Ao falar em humanização, podemos entender que trata-se do resgate da di-


mensão humana e da subjetividade como elementos fundamentais no acompanha-
mento e promoção da saúde. Não é possível pensar o processo saúde-doença sem
abranger as emoções humanas, a dimensão subjetiva e os afetos. Isso acontece
porque, na medida em que boa parte do que nos faz humanos – e que portanto
reflete em nosso organismo celular, biológico, material – diz respeito à esfera sim-
bólica, subjetiva, que constitui as experiências que produzem as relações humanas
em vários âmbitos. Aqui está parte da multideterminação e integração mútua entre
as esferas sociais, psicológicas e biológicas das quais falamos.
“Nessa direção, diversos autores, estudiosos do fazer em saúde, definem
o papel do profissional de saúde no paradigma sanitário atual como
cuidador, que implica a substituição do termo tratar pelo cuidar, no
qual tratar pressupõe um diagnóstico e cuidar tornaria possível uma
visão ampliada do sujeito alvo dos cuidados (AYRES, 2001; MANDÚ,
2004; PEGORARO; CALDANA, 2007; ZOBOLI, 2004). Esses autores
enfatizam o caráter essencialmente relacional deste cuidado, privilegiando-
se a produção de sentidos resultante do encontro de subjetividades
(AYRES, 2001; MANDÚ, 2004), e considerando quem se apresenta para

14
ser cuidado como um ser único, que tem uma história, uma visão de
mundo, uma maneira de entender, sentir, se relacionar e se expressar,
inclusive suas dores. Nessa concepção, a rede de interações e significados
a ela atribuídos é constituinte de identidades e construtora de saberes,
sentidos e olhares sobre a saúde e o adoecer. Também nesta concepção, a
subjetividade torna-se alvo de investimento e transformação do cuidado.”
(PEGORARO et al, 2011)

A subjetividade como chave importante deste processo, nos permite tratar da


emocionalidade como caminho para aprofundar a produção de outros sentidos
para a prática do cuidado. É na interação afetiva e nas relações onde a vida
psíquica e novos sistemas se integram na formação da subjetividade humana,
parte fundamental do que constitui a saúde, em perspectiva biopsicossocial.
Dessa forma, pautamos como necessário o desenvolvimento do olhar sobre si e
sobre o outro, do seu espaço no mundo e também o do outro, compreendendo
o que consiste saúde-doença (em mesmo processo), bem-estar, qualidade de
vida e autonomia. O conhecimento de si, e porque não dizer, também do outro,
desenvolve o olhar sobre a doença e permite a construção de um caminho de vida
saudável. (MANDÚ, 2004)
Dessa maneira, o encontro entre o profissional e o usuário no atendimento
envolve a escuta compartilhada de si mesmos, sempre se refletindo em
ambos. Esse encontro de subjetividades constitui um poderoso instrumento
que pode contribuir para a emancipação dos sujeitos alvo de cuidados e
possibilitar uma participação mais ativa destes na produção de sua saúde,
como também um maior protagonismo em relação a aspectos pessoais e
sociais. (PEGORARO et al., 2011)

Straus (2014), estudioso com formação em psicologia positiva, aborda sobre o poder
da situação social. Segundo o autor, “para muitos adolescentes (assim com adultos
jovens), os comportamentos de saúde costumam ser reações a situações sociais, em
vez de situações planejadas racionalmente. Eles bebem porque seus amigos bebem,
não porque tenham tomado uma decisão consciente de que gostam de álcool.”

Nesse mesmo estudo, aborda o modelo transteórico, ou seja a teoria de estágios


muito utilizada que afirma a passagem das pessoas por cinco estágios quando
tentam mudar de comportamentos relacionados com a saúde: pré-contemplação;
contemplação; preparação; ação e manutenção.

Na próxima unidade estudaremos um pouco sobre boas práticas em saúde, bem


como algo da formação do SUS e de como os conceitos que trabalhamos até então
se aplicam a esta experiência e às políticas públicas em saúde no Brasil. Esperamos
que tenha feito bom proveito do estudo da unidade. Não se esqueça de fazer as
atividades e se atentar aos prazos.

15
15
UNIDADE As Dimensões Subjetivas no Processo Saúde-Doença

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

  Sites
Physis: Revista de Saúde Coletiva
BUSS, PM; PELLEGRINI FILHO, A. A saúde e seus determinantes sociais. Physis
[periódico na internet] 2007
Disponível em: https://goo.gl/WeSEuS

 Livros
Determinação social da saúde
BARBOSA, IR.; COSTA, IC. Determinação social da saúde. In: Proposição para o
Debate. 1º Simpósio de Políticas e Saúde do Cebes; Niterói: 2009.
La salud-enfermedad como proceso social
LAURELL, AC. La salud-enfermedad como proceso social. Revista Latinoamericana
de Salud. 1982; 2:7-25.

16
Referências
AYRES, J.R.C.M. Sujeito, intersubjetividade e práticas em saúde. Ciência e
Saúde Coletiva, v. 6, n. 1, p. 63-72, 2001.

SILVA, J.L.L. O processo saúde-doença e sua importância para a promoção


da saúde. Informe-se em promoção da saúde, v.2, n.1. p.03-05. UFF, 2006.

VIANNA, L.A.C. Módulo político gestor: Especialização em saúde da família.

BARBOSA, I.R.; COSTA, I.C.C. A determinação social no processo de


adoecimento no contexto das populações negligenciadas [Internet]. Recife (PE):
Portal DSS-Nordeste; 2013 Mar 27. Disponível em: http://dssbr.org/site/
opinioes/a-determinacao-social-no-processo-de-adoecimento-no-contexto-das-
populacoes-negligenciadas/

BERLINGUER, G. A doença. In: BRÊTAS, A.C.P.; GAMBA, M.A. Enfermagem


e saúde do adulto. Barueri: Manole, 2006.

BRASIL Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Projeto Promoção


da Saúde. Distritos sanitários: concepção e organização o conceito de saúde e do
processo saúde-doença. Brasília. Ministério da Saúde, 1988.

BRASIL. Ministério da Saúde. Humaniza SUS: a clínica ampliada. Núcleo Técnico


da Política Nacional de Humanização. Ministério da Saúde: Brasília, 2004.

BRÊTAS, A.C.P.; GAMBA, M.A. Enfermagem e saúde do adulto. Barueri:


Manole, 2006.

EVANS, R.G.; STODDART G.L. Producing health, consuming health care. In:
Evans R.G., Barer M.L., Marmor, T. R., editors. Why are people healthy and
others not: the determinants of health of populations. p. 41-64. New York:
Walter de Gruyter, 1994.

MANDÚ, E.N.T. Intersubjetividade na qualificação do cuidado em saúde. Revista


Latino-Americana de Enfermagem, v. 12, n. 4, p. 665-675, 2004.

OLIVEIRA, M.A.C.; EGRY, E.Y. A historicidade das teorias interpretativas do


processo saúde-doença. Rev. Esc. Enf. USP, São Paulo, v. 34, n. 1, jan. 2000.

PEGORARO, R.F.; CALDANA, R.H.L. Sofrimento psíquico em familiares de


usuários de um Centro de Atenção Psicossocial. Interface – Comunicação,
Saúde, Educação, v. 12, n. 25, p. 295-307, 2008.

SENI, TTSOP; BARROS, MNS; AUGUSTO, MCNA. O cuidado em saúde: o


paradigma biopsicossocial e a subjetividade em foco. Mental vol.9 no.17 Barbacena:
dez. 2011.

ZOBOLI, E.L.C.P. A redescoberta da ética do cuidado: o foco e a ênfase nas relações.


Revista da Escola de Enfermagem da USP, v. 38, n. 1, p. 21-27, 2004.

17
17
Psicologia da Saúde
Material Teórico
Boas Práticas em Saúde; Políticas em Saúde e SUS

Responsável pelo Conteúdo:


Profa. Dra. Carmen Conti

Revisão Textual:
Prof. Ms. Claudio Brites
Boas Práticas em saúde; Políticas
em Saúde e SUS

• Indtrodução
• A regulamentação das Boas Práticas em Saúde no Brasil
• Boas Práticas no Contexto das Organizações de Saúde
• O Acolhimento Como Boa Prática
• A Disponibilidade para a Escuta – Ativa, Qualificada e Resolutiva

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Compreender o que significa Boas Práticas em saúde. Conhecer a
regulamentação das Boas Práticas em saúde no Brasil, estabelecida
pela ANVISA. Compreender como a regulamentação se relaciona
e se aplica nas realidades específicas, em suas particularidades.
Compreender a dimensão do diálogo e do acolhimento como boa
prática em saúde.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como o seu “momento do estudo”.

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo.

No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também
encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão,
pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato
com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem.
UNIDADE Boas Práticas em Saúde; Políticas em Saúde e SUS

Introdução
Nas últimas unidades tratamos de expor os conceitos de saúde e doença, os
aspectos que envolvem o processo que constitui saúde e doença e as vertentes e
abordagens de diferentes áreas e teorias. Gostaríamos, neste momento, de tratar
um pouco do que sejam boas práticas em saúde e relacioná-las às políticas públicas
e ao surgimento/funcionamento do Sistema Único de Saúde no Brasil, o SUS.

Partimos, para falar em Boas Práticas, da abordagem biopsicossocial tratada no


último capítulo, sobretudo da dimensão subjetiva, fundamental a ser considerada
em qualquer forma de acompanhamento e tratamento – no âmbito da cura e da
prevenção. E o que a dimensão subjetiva que tratamos anteriormente tem a ver
com a discussão sobre boas práticas em saúde? Você se lembra do que falamos
acerca do projeto de humanização do atendimento e do tratamento do processo
saúde-doença? Em que medida a humanização em saúde se relaciona com isso que
chamamos aqui de Boas Práticas em saúde? É o que veremos nesta unidade.

Figura 1

8
A regulamentação das Boas Práticas em
Saúde no Brasil
Para adentrarmos ao nosso tema em termos teóricos, é fundamental que
tomemos conhecimento da regulamentação das boas práticas em saúde no Brasil.
Em 25 de novembro de 2011, a diretoria colegiada da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (ANVISA) aprovou o Regulamento Técnico que determinou
os Requisitos de Boas Práticas para o funcionamento de Serviços de Saúde. O
regulamento técnico em questão se fundamenta na humanização, atenção e gestão
– bases sobre as quais viemos trabalhando os conceitos de saúde e doença –, na
qualificação dos profissionais e das práticas, bem como na redução e no controle
de riscos aos usuários e ao meio ambiente (ANVISA, 2011, p.1)

Com abrangência nacional, em todos os aparelhos de saúde, sejam eles públicos


ou privados, de atendimento civil ou militar, incluindo as áreas de educação
e pesquisa. São adotados alguns critérios de implementação, que garantem a
adequação às particularidades e ao padrão do estabelecimento da norma. Entre
eles estão:
• Garantia de qualidade, que implica nas ações sistemáticas para a garantia dos
padrões de qualidade exigidos aos serviços prestados;
• Gestão de tecnologias, a fim de prever a implementação a partir de bases
científicas e técnicas, normativas e legais, de modo a garantir controle
e segurança na prestação de serviços em saúde – nos procedimentos de
atendimento, na proteção ao trabalhador e na preservação do meio ambiente
e da saúde pública;
• Humanização no atendimento e na gestão, com ênfase no que viemos tratando
à respeito da dimensão subjetiva e social, em todas as práticas de saúde. Nesse
aspecto, destacam-se as questões de gênero, etnia, raça, orientação sexual
e populações específicas, e a atenção especial em seu cuidado e educação/
informação, partindo de suas demandas particulares;
• Licença atualizada, que implica na emissão de documento emitido pelo
Estado em seu órgão sanitário competente, que permite o funcionamento do
estabelecimento em questão (todos aqueles que atuam sob regime de vigilância
sanitária) em todos os níveis;
• Planejamento para gestão de Resíduos nos Serviços de Saúde (PGRSS). Trata-
se de um documento que delimita as ações relativas ao manejo de resíduos
sólidos, levando em conta os seus riscos, desde a sua geração até a sua
disposição final, com fins de preservação do meio ambiente;
• Políticas de qualidade, que englobam as diretrizes globais das instituições
ligadas à qualidade de atendimento e funcionamento;
• Habilitação dos profissionais com garantias legais de sua formação e competência;

9
9
UNIDADE Boas Práticas em Saúde; Políticas em Saúde e SUS

• Uso do prontuário único do paciente, constituído das informações, sinais e


imagens gerados a partir de fatos e acontecimentos relativos a esse e sua saúde
e acompanhamento – de caráter sigiloso, legal e científico, a fim de servir aos
diferentes membros das equipes (multi)profissionais no atendimento;
• Relatório de transferência, que consiste em um documento que acompanha
o paciente no caso de remoção ou transferência para outro serviço, com sua
identificação, dados clínicos e justificativa de transferência ou laudo de exames;
• Garantia de responsável técnico legalmente habilitado para assumir a
responsabilidade pelo serviço de saúde;
• Conjunto de ações que visam à proteção ao cliente em relação a riscos e
adversidades durante o atendimento;
• Existência de estabelecimento de saúde com fins de prestação de assistência à
população no sentido preventivo, de tratamento, recuperação e reabilitação.

Explore a Resolução da Diretoria Colegiada - RDC n. 63 de 25 de novembro de 2011, para se


Explor

aprofundar nas especificidades da regulamentação vigente.


Disponível em: https://goo.gl/xIFTp7.

Boas Práticas no Contexto das Organizações


de Saúde
Conhecemos um pouco da regulamentação acerca das boas práticas em saúde
no Brasil a partir do contato com a resolução da ANVISA. Como toda norma, ela
se depara com diferentes realidades e deve ser transformada em prática através das
ações das equipes profissionais e das instituições e suas direções. Considerando
aquilo que conversamos nas últimas unidades, sobre o projeto de implementação
do SUS – suas dificuldades estruturais, o trabalho junto a comunidades e suas
demandas, aparelhos públicos hoje em estado calamitoso –, como trabalhar a
implementação dessas normas? Como essa regulamentação é transformada, no
Brasil, em prática humana de saúde?

Para implementar ações de saúde, é preciso ter como norte um resultado positivo,
a partir do uso de procedimentos, técnicas e metodologias. Sempre se almeja
o dispêndio de menos recursos possíveis com a finalidade de um atendimento
satisfatório e eficaz. Como cada campo de atuação demanda especificidades, é
fundamental a atenção de adequação desses métodos e procedimentos às diferentes
condições, realidades e necessidades.

A adaptação das soluções aos problemas, portanto, é muito importante, na


medida em que contribuem para o funcionamento de fato das intervenções.

10
Entende-se que ações e serviços de saúde devem estar adaptados às
circunstâncias locais, à população para a qual se destina, aos recursos
disponíveis e aos atores participantes. Assim, as boas práticas no campo
da saúde incluem, na sua formulação e desenvolvimento, além dos
fundamentos teóricos (evidências científicas), a compreensão do ambiente
e do contexto no qual se localizam. Levam em conta, também, as crenças,
os valores e princípios éticos daqueles que constroem e dos que são alvo
das ações e serviços, focando na promoção e melhoria das condições de
vida e saúde da população (GUERRERO et al., 2013, p.133)

É a partir dessas considerações que gostaríamos de tratar da dimensão da


aplicabilidade do que se entende por boas práticas, focando os aspectos humanos e
da subjetividade, no contexto da Atenção Básica de saúde. Quais são os significados
e as práticas que os profissionais de saúde e os gestores – e também os usuários, por
que não? – atribuem ao acolhimento, na medida em que esse é considerado parte
das boas práticas em saúde? As dimensões do diálogo, postura e reorganização dos
serviços de saúde são certamente chave importante nesse processo.

O Acolhimento como Boa Prática


Aquilo que chamamos de humanização do atendimento, e mesmo do processo
de humanização dentro do SUS, passa por aspectos estruturais, da reorganização
institucional, e também pelas práticas e ações das equipes profissionais atuantes.
No cotidiano dos centros de saúde, a adaptação ou flexibilização daquelas normas à
realidade da unidade, a realização de práticas que promovam vínculo com os usuários
– como a visita domiciliar ou o acompanhamento através de grupos terapêuticos –
são também considerados boas práticas (GUERRERO et al., 2013, p. 134)

Alguns aspectos que podem promover vínculo com os usuários, importantes para uma
Explor

prática acolhedora em saúde:


- promoção de grupos terapêuticos, de acompanhamento;
- escuta seguida de orientação;
- agendamento por área de abrangência;
- atuação dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS).

11
11
UNIDADE Boas Práticas em Saúde; Políticas em Saúde e SUS

Explor
Você conhece Nise da Silveira? Foi uma alagoana nascida em Maceió em 1905, renomada
psiquiatra e terapeuta junguiana, conhecida por sua força e enfrentamento a práticas
violentas – como a lobotomia e o uso abusivo de química com os usuários – no tratamento
de pessoas esquizofrênicas e com outras doenças psíquicas.
Sugerimos que assista ao filme feito sobre o seu trabalho no Centro Psiquiátrico Pedro II, no
Rio de Janeiro, quando se vale fortemente do que falamos aqui sobre acolhimento, diálogo
e escuta. Desenvolveu trabalho importantíssimo no campo da terapia ocupacional neste
hospital, sendo parte fundamental da criação de um centro interno ao hospital de produção
de artes plásticas.

Figura 2
Filme: Nise – O coração da loucura, dirigido por Roberto Berliner, 2016.
Há ainda um outro filme, documentário, que trata do trabalho, vida e obra de Nise da
Silveira, que pode ser visto no Youtube.
Filme: Nise da Silveira – Posfácio: Imagens do Inconsciente, direção de Leon Hirzman, 1986-
2014.
Disponível em: https://youtu.be/EDg0zjMe4nA

A escuta que segue a orientação possibilita uma vinculação importante do


usuário, na medida em que cria laço de confiança e satisfação, incentivando a
autonomia do mesmo no pós-atendimento e no diálogo com o centro de saúde.
Este acolhimento se transmuta em laço entre profissionais da saúde, gestores e
usuários, na medida em que a dimensão do diálogo gera maior integração entre
os trabalhadores da unidade de saúde e o usuário. Essa foi uma mudança muito
importante incorporada ao projeto do SUS (SCHOLZE, 2009, p. 303)

Essa transformação possui importante impacto no modelo comunicacional até


então adotado, na medida em que potencializa e amplia as possibilidades de diálogo
entre as partes que convivem dentro dos aparelhos de saúde.
O diálogo e a conversa têm sido apontados como a substância do trabalho
em saúde. Nesse sentido, a rede de atenção à saúde constitui uma rede de
conversações que permeia todos os momentos do encontro trabalhadores-
-usuários e os fluxos de atenção. A partir dessa premissa, a compreensão
do acolhimento amplia-se, convertendo-se num lugar de encontro entre tra-
balhadores e usuários, que reporta tanto a um espaço físico disponível para
o cuidado, quanto a um espaço simbólico de relações sociais e de diferentes
percepções e demandas de cuidado (GUERRERO et al., 2013, p. 135)

12
Se o espaço onde se promove a saúde, a cura, o acompanhamento é repleto
de diálogo, é reconhecido e identificado pelas partes como local de encontro,
acontece o que a Antropologia chama da demanda pelo exercício de alteridade,
do reconhecimento do outro, suas particularidades, sua experiência e seus
conhecimentos (CAVALCANTE FILHO, 2009, p. 316)

ALTERIDADE: É um conceito muito trabalhado na Antropologia, nas Ciências Humanas e


Explor

estudos da linguagem. Trata-se da natureza do que constitui o outro, o seu universo que é
alheio. Pode se referir ao outro no sentido individual ou enquanto grupo. Delimita-se a partir
do contato com o outro, na medida em que – em sentido filosófico – o “eu” só é possível em
contato com o outro – sabemos o que somos a partir da relação com o outro.

Essa dinâmica de assumir a alteridade como critério para a prática é muito


interessante em saúde, na medida em que implica considerar e legitimar a
percepção e a experiência do outro, sem a verticalidade de uma relação unilateral
entre profissionais da saúde e usuários. A relação é construída, sob esse ponto de
vista, em via de mão dupla, em que ambas as partes se reconhecem.

Não sei se parece fácil em teoria. Certamente na prática envolve um campo


de tensionamento, constituindo muitas vezes um exercício difícil, que passa por
negociações e gerenciamento de conflitos. O diálogo não é pré-estabelecido, dado
à priori. É construído, com os ruídos que qualquer tipo de relação possui, e nesse
sentido demanda preparo profissional para essa lida. A falta de preparo pode gerar
intolerância e problemas mais graves na relação entre trabalhadores e usuários,
como mal atendimento e reações adversas. (LIMA, 2007, p.15)

A Disponibilidade para a Escuta – Ativa,


Qualificada e Resolutiva
Iniciando já a costura final de nossa unidade, damos destaque a esse aspecto da
disponibilidade para a escuta. A postura de acolhimento possibilita o fortalecimento
dos vínculos, como viemos dizendo, entre usuários e profissionais. A responsabilidade
do cuidado do usuário por parte das equipes profissionais, em âmbito individual
e comunitário, quando assumido a partir de uma postura acolhedora, estabelece
vinculação e aproximação do usuário ou da comunidade com o centro de saúde.

Nessa relação, contudo, podem ser geradas tensões não só a partir do


estabelecimento do diálogo e da alteridade, mas da lida com as expectativas
da comunidade diante da demanda de saúde. Em termos de saúde pública, por
exemplo, vivemos em uma realidade em que as verbas são cortadas aos milhões a
cada novo planejamento de orçamento dos governos. É a realidade conhecida por
qualquer brasileiro, a precariedade dos aparelhos de saúde, sobretudo no que diz
respeito ao acesso a medicações, equipamentos, exames, aquilo que se chama por

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13
UNIDADE Boas Práticas em Saúde; Políticas em Saúde e SUS

aí de “fila do SUS”. Esse nome dá calafrios a qualquer um. Como profissional da


saúde, é preciso também gerir as expectativas e a realidade dos aparelhos. A relação
de alteridade e de reconhecimento do usuário como parte daquela realidade – que
deve ser parte ativa – possibilita estabelecer a franqueza na relação. O acolhimento
contribui certamente para o trato com as condições adversas.
Embora o acolhimento represente o reconhecimento do direito à saúde,
na prática, por vezes, há o descumprimento desta garantia constitucional.
Faz-se necessário uma reflexão ética das situações-problemas do
cotidiano dos serviços básicos para superar os limites, reavaliar as atitudes
e efetivamente construir novas práticas na atenção à saúde (GUERRERO
et al., 2013, p. 137).

Nesse sentido, apesar da realidade muitas vezes controversa, é importante


trabalhar para colocar o acolhimento em prática nos centros de saúde, partindo
do preparo e da qualificação dos profissionais para tanto. É preciso, sobretudo,
o trabalho conceitual do acolhimento, o estabelecimento desse como referência
teórico-humanístico, que deve ser base de todas as relações dentro de qualquer
unidade de saúde – usuários com trabalhadores, trabalhadores com trabalhadores
(GUERRERO et al., 2013, p. 17).

Chegando ao fim da nossa unidade, esperamos que tenham apreendido os


principais conceitos, desde o estabelecimento da regulamentação das boas práticas
em saúde, estabelecida pelas instituições fiscalizadoras e reguladoras; passando
pelo debate metodológico do que sejam as boas práticas e de como devem ser
compreendidas no âmbito das unidades de saúde; chegando até a realidade que,
como sempre, é a parte mais difícil. Ela exige de nós flexibilidade para mediar a
regra e as demandas concretas, e isso faz com que muitas vezes tenhamos dúvidas
de como proceder. Porque as regras, de modo geral, são feitas em um nível mais
abstrato, distante das particularidades, e a realidade é viva e rica em detalhes, e
nos mostra que a humanidade da prática em saúde deve ser viva também nesse
entendimento, de que a relação com nosso espaço de trabalho é boa parte do
caminho. Escutar, acolher, compreender a particularidade são as melhores formas
de aplicar aquilo que se regulamentou como critério.

Temos ainda uma última Unidade. Nela, gostaríamos de aprofundar um pouco


sobre a interdisciplinaridade no trabalho das equipes. Além disso, pensar um pouco
na realidade do trabalhador da área de saúde, à luz do que conversamos ao longo
dessas cinco unidades.

Lembre-se das atividades do curso que devem ser realizadas. E qualquer dúvida,
recorra ao tutor!

Bons estudos!

14
Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livros
A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão E Emoção
Santos M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 2002.

Leitura
Guia para a Documentação e Partilha das “Melhores Práticas” em Programas de Saúde
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Guia para a Documentação e
Partilha das “Melhores Práticas” em Programas de Saúde. Escritório Regional Africano
Brazzaville: OMS, 2008.
https://goo.gl/T984Z

15
15
UNIDADE Boas Práticas em Saúde; Políticas em Saúde e SUS

Referências
AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA – ANVISA. Resolução da
Diretoria Colegiada – RDC n. 63 de 25 de novembro de 2011.

CAVALCANTE FILHO, J. B.; VASCONCELOS, S. E. M.; CECIM, R. B.; GOMES,


L. B. Acolhimento coletivo: um desafio instituinte de novas formas de produzir
o cuidado. Interface: Comun Saúde Educ., v. 31, n. 13, p. 315-328, dez. 2009.

GUERRERO, P.; MELLO, A. L. S. F.; ANDRADE, S. R.; ERDMANN, A. L. O


acolhimento como boa prática na atenção básica à saúde. Texto Contexto
Enferm, Florianópolis, v. 22, n. 1, p. 132-140. 2013.

LIMA, M. A. D. S.; RAMOS, D. D.; ROSA, R. B.; NAUDERER, T. M.; DAVIS, R.


Acesso e acolhimento em unidades de saúde na visão dos usuários. Acta Paul
Enferm, v. 20, n. 1, p. 12-17. 2007.

SCHOLZE, A. S.; DUARTE JUNIOR, C. F.; FLORES E SILVA, Y.. Trabalho em


saúde e a implantação do acolhimento na atenção básica à saúde: afeto,
empatia ou alteridade? Interface – Comunic. Saúde Educ., v. 13, n. 23, p. 303-
314, out./dez. 2009.

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Psicologia da Saúde
Material Teórico
Interdisciplinaridade no trabalho em equipes – o trabalho e os
trabalhadores em Saúde

Responsável pelo Conteúdo:


Profa. Dra. Carmen Conti

Revisão Textual:
Prof. Ms. Claudio Brites
Interdisciplinaridade no trabalho em
equipes – o trabalho e os trabalhadores
em Saúde

• Interdisciplinaridade no trabalho em equipes – o trabalho e os


trabalhadores em Saúde
• A origem do trabalho em equipe em saúde
• O trabalho em equipe, desde então
• O trabalho em equipe nos dias de hoje – como se dá? Quais são as
demandas?

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Compreender o contexto de formação de equipes em saúde, os critérios
e as dinâmicas possíveis e a importância da interdisciplinaridade
nessa formação. Trabalhar temas da vida profissional na área
da saúde hoje vinculadas à questão da interdisciplinaridade e da
formação de equipes, resgatando o debate feito em outras unidades
acerca da importância do diálogo, da dimensão do acolhimento e da
relação ética entre profissionais e usuários.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como o seu “momento do estudo”.

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo.

No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também
encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão,
pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato
com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem.
UNIDADE Interdisciplinaridade no trabalho em equipes –
o trabalho e os trabalhadores em Saúde

Interdisciplinaridade no trabalho em
equipes – o trabalho e os trabalhadores em
Saúde
Estamos dando início à última unidade da disciplina de Psicologia da Saúde. Até
aqui, conversamos a respeito de uma série de conceitos e de linhas de pesquisa
dessa área, de modo que pudemos ter contato com as principais discussões do
campo, a fim de contribuir para a sua formação como profissional da saúde. Ao
longo das cinco últimas unidades, tratamos em vários momentos da importância
da composição de equipes multidisciplinares de trabalho em saúde, sua forma de
atuação e a relação entre os integrantes dessas equipes.

Gostaríamos agora de aumentar as lentes para olhar mais de perto essa questão
tão importante: o trabalho em equipe. Esse é tão caro ao projeto de saúde
pública do país e também para aquilo que estamos construindo como abordagem
contemporânea, integrada, com práticas humanizadoras e universalizantes. Além
do trabalho em equipe, trataremos um pouco da dimensão do trabalho em saúde:
quais são as questões de ser trabalhador dessa área?

Vamos caminhar um pouco mais juntos?

Figura 1
Fonte: iStock/Getty Images

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A origem do trabalho em equipe em saúde
A noção de trabalho em equipe surge a partir da combinação entre três fatores,
fundamentalmente. O primeiro deles é a ideia de integração, a partir dos preceitos
encampados pela medicina preventiva da década de 1950, a medicina comunitária
da década de 1960 e os programas de extensão de cobertura implementados no
Brasil na década de 1970. O segundo diz respeito às mudanças na abordagem
do processo saúde-doença, que vão desde uma perspectiva de causa única àquela
concepção, que já tratamos anteriormente, que considera os múltiplos fatores que
influenciam a saúde e a doença – nos âmbitos biológicos, psíquicos e sociais. Por
fim, o terceiro diz respeito às alterações na abordagem e nos processos de trabalho,
buscando a ampliação da intervenção e a redefinição do campo a partir do uso de
novas tecnologias (PEDUZZI, 2009, p. 1).

Nos Estados Unidos, nos anos 1950, algumas mudanças foram implementadas
na prática médica que redefiniram o papel do médico no atendimento, surgindo
pela primeira vez a perspectiva do trabalho em equipe multiprofissional liderada
pelo médico (AROUCA, 2003; SILVA, 2003 apud PEDUZZI, p. 1). A medicina
preventiva passou a ser trabalhada em outras especialidades, transformando, como
vimos anteriormente, a visão do processo saúde-doença com a relocalização desses
dois aspectos da vida, um relacionado ao equilíbrio e o outro à interação com o
ambiente. O conceito global e multicausal de saúde – que considera o bem-estar
físico, mental e social – foi assumido pela Organização Mundial de Saúde (OMS)
em 1946.

Talvez você esteja se perguntando o que a pluralidade nas equipes tem a ver com
isso. Ao considerar a importância dessas três dimensões fundamentais da saúde – a
que denominamos em unidades passadas de abordagem Biopsicossocial –, torna-se
fundamental que profissionais que atuam sobre cada uma dessas especificidades,
que determinam o equilíbrio e o cuidado com as consequências da relação com o
indivíduo (ou de grupos sociais) e com o ambiente, sejam parte de uma equipe. Essa
equipe deve trabalhar de forma integrada e ser preparada para atuar conjuntamen-
te, em cooperação.
[...] a ideia de equipe de saúde aparece respaldada principalmente pela
noção de atenção integral ao paciente, tendo em conta os aspectos
preventivos, curativos e de reabilitação que deveriam ser contemplados
a partir dos conceitos de processo saúde-doença, de história natural das
doenças e da estratégia de integração. Porém, mantém-se a centralidade
do trabalho médico, em torno do qual outros trabalhos especializados se
agregam (PEDUZZI, 2009, p. 1).

Um dos aspectos importantes que também dizem respeito à necessidade de


formação de equipes é a redução de custos no tratamento e atendimento de usuários.
Você sabia que na década de 1950, nos Estados Unidos, o trabalho de enfermagem
foi organizado em equipes, com liderança de médicos, em razão da escassez de

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9
UNIDADE Interdisciplinaridade no trabalho em equipes –
o trabalho e os trabalhadores em Saúde

profissionais na área da Enfermagem em razão da Segunda Guerra Mundial? Ao


longo do tempo, vão sendo buscadas alternativas para resolver o problema do
alto custo no atendimento. Nesse sentido, a saúde comunitária ganha um espaço
importante, considerando os aspectos sociais como fundamentais naquilo que se
compreende como fator de influência para o processo saúde-doença.

Figura 2
Fonte: iStock/Getty Images

Para essa transformação e ampliação das áreas que se integraram ao trabalho nas
equipes, foi necessária uma readequação do que se entendia pela prática médica,
que passa a estar mediada pelo trabalho conjunto aos profissionais das equipes.
O processo de divisão de trabalho por meio do qual se dá essa distribuição
de tarefas ocorre no interior de um processo social de mudanças
da concepção de saúde e doença, já referido anteriormente, que é
acompanhado de alterações introduzidas nos processos de trabalho e no
modelo assistencial (PEDUZZI, 2009, p. 1).

Assim, o trabalho em equipe surge com o objetivo de garantir a ampliação do


acesso e da cobertura, a partir da redução de custos – possível com a racionalização
da assistência – e também com a necessidade de que as diferentes áreas se
integrassem para atender às novas necessidades pautadas para as práticas de
saúde, visando a uma abordagem Biopsicossocial.

O trabalho em equipe, desde então


Se observarmos através do tempo, perceberemos que várias transformações
foram empreendidas nas políticas de saúde, no que diz respeito aos modelos
adotados e na evolução da abordagem a partir dos trabalhos em equipe. Havia,
por exemplo, na década de 1970, muita deficiência na formação de profissionais,
por vezes sem qualificação, o que atribuía a esses profissionais um caráter pouco
de equipe, tendo como ideia a de que o médico avaliava e o outro profissional se
colocava como mero atendente.

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A partir da década de 1980, essa tendência começou a ser suplantada, com
o aumento do número de profissionais qualificados – sobretudo da área da
Enfermagem – e a presença mais substancial de profissionais de outras áreas não-
médicas, o que possibilitava que equipes de fato fossem constituídas em nível mais
interessante e complexo (MACHADO et al., 1992 apud PEDUZZI, 2009, p.1)

Você Sabia? Importante!

Em 1986, foi realizada a VIII Conferência Nacional de Saúde, que dá o pontapé e indica
a necessidade de uma reforma sanitária no país. Nessa conferência, um dos aspectos
ressaltados diz respeito à equipe de saúde e sua importância como unidade produtiva
em saúde, substituindo o trabalho individual e independente de cada profissional em
sua especialidade. Para mais informações, acesse o relatório final no link abaixo:
https://goo.gl/rVjBW8

Figura 3 – VIII Conferência Nacional de Saúde, que redefiniu bases importantes sobre
as quais trabalhamos até hoje, a partir de uma reforma sanitária no país
Fonte: Wikimedia Commons

Já nos anos 1990, a questão da atuação profissional passou centralmente pela


intensificação dos debates acerca da noção de integralidade da saúde. Trata-se da
atenção integral aos usuários de determinado território, que exige intenso traba-
lho das equipes junto às comunidades (MATTOS, 2004, p. 141). Essa forma de
atuação em equipes inclui ampla gama de profissionais que podem contribuir para
a construção de saberes e estabelecer novas práticas a partir das diferentes dimen-
sões que abarcam o processo saúde-doença. Como falamos em outro momento,
o Programa Saúde da Família (PSF), implementado em 1994, é ponta de lança
dessa perspectiva de organizar a atenção da saúde com destaque ao trabalho em
equipe. O trabalho em equipe, nesse caso, é “pressuposto e diretriz operacional
para a reorganização do processo de trabalho em saúde” (PEDUZZI, 2009, p. 1).
[...] embora o ímpeto inicial para o trabalho em equipe tenha sido aumentar
o potencial dos médicos da atenção primária, cuja oferta era baixa, outros
imperativos agora estão à frente, pois o envelhecimento da população e o
aumento das doenças que duram mais ou recorrem mais frequentemente
têm criado a necessidade de uma abordagem de atenção primária mais

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11
UNIDADE Interdisciplinaridade no trabalho em equipes –
o trabalho e os trabalhadores em Saúde

ampla e qualificada, o que sustenta o movimento em relação ao ‘trabalho


de equipe’ nos vários países (idem).

Alguns aspectos importantes do Trabalho em Equipe:


• Complexidade dos objetos de intervenção;
• Intersubjetividade entre profissional e usuário;
• Interdisciplinaridade nas práticas;
• Fuga à lógica da divisão do trabalho;
• Ausência de fragmentação dos conhecimentos e práticas.

Esse aspecto da divisão do trabalho e da fragmentação são muito importantes e


caminham na contramão da organização do trabalho no sistema capitalista atual-
mente. O imperativo da organização do trabalho no capitalismo contemporâneo é
a fragmentação, a atuação do profissional sobre parte do processo e a sua aliena-
ção do produto final ou da totalidade do processo do qual ele faz parte. Essa forma
de organização esvazia o sentido do trabalho, gera o que chamamos de alienação.

Alienação: Ao buscar no dicionário, percebemos que de modo geral o que expressa o sentido
Explor

de alienação é o fato de se estar alheio a algo, separado, não vinculado.


Para nós aqui, é importante compreender o sentido relacionado ao trabalho. Existe ampla
literatura na Sociologia e na Filosofia que trabalham esse conceito fundamental na era do
capitalismo. Fundamental porque é estruturante da forma de organização do trabalho que
conhecemos atualmente. Como foi tratado anteriormente, o envolvimento com apenas
uma parcela da produção de alguma coisa, sem o contato com a sua totalidade, gera uma
condição de alheamento daquilo que se produziu em parte. O sentido do trabalho, portanto,
torna-se fragmentado e não encontra seu sentido de contribuição social. É mecânico, não
demanda elaboração muitas vezes. É alienado do todo.

O trabalho em equipe nos dias de hoje


Como se dá? Quais são as demandas?
Uma das questões importantes dos dias de hoje é a problematização do trabalho
em equipe na forma em que historicamente foi aplicado. Funcionou sempre como
o trabalho de vários profissionais num mesmo espaço trabalhando conjuntamente.
Desde a década de 1990, estudos vêm sendo feitos sobre uma perspectiva que
busque cada vez mais a integralidade no trabalho em saúde.

Para Peduzzi (2001, p. 103), o trabalho em equipe multiprofissional é uma


forma de trabalho coletivo estabelecido através da relação entre pares, de parte a
parte, com intervenções técnicas de diferentes ordens e interação de profissionais
de diferentes áreas, resultando na articulação das ações e da cooperação através

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da comunicação, fundamentalmente. Vejamos que existe uma tipologia no trabalho
em equipe que não constitui forma única e desprovida de transformação ao longo
do tempo; ao contrário, em contato com a realidade, vai se mudando.

Equipe Integração Articulação das ações e interação dos agentes

Equipe Agrupamento Justaposição das ações e agrupamento dos profissionais

Várias podem ser as perguntas a fazer para cada tipo de organização de equipe,
sobre a sua dinâmica de comunicação, sua composição, se existe hierarquia interna,
de que modo se organiza o trabalho e as especialidades, se existe autonomia
profissional dentro de uma lógica interdependente e se existe a busca de um projeto
de assistência comum aos profissionais.

A natureza do trabalho interdisciplinar possui, como temos visto, novas formas


de se relacionar, desde o ponto de vista da hierarquia institucional, da gestão e da
organização/divisão do trabalho. A relação que os trabalhadores estabelecem entre
si é muito importante e determina em muito a natureza da composição das equipes.
Essas mudanças se distanciam da fragmentação e hierarquização taylorista-
fordista e se aproximam das chamadas “novas formas de organização do
trabalho” (NFOT). A influência do modelo fragmentado de organização
do trabalho, em que cada profissional realiza parcelas do trabalho sem
uma integração com as demais áreas envolvidas, tem sido apontada como
uma das razões que dificultam a realização de um trabalho em saúde
mais integrador e de melhor qualidade, tanto na perspectiva daqueles
que o realizam como para aqueles que dele usufruem. Considerando-se a
realidade e as especificidades do trabalho em saúde, que é desenvolvido
por seres humanos para outros seres humanos, cuja complexidade
ultrapassa os saberes de uma única profissão, é que se tem defendido que
o trabalho em saúde deve envolver práticas que se identificam com o que
tem sido classificado como multi, pluri, inter e transdisciplinaridade, por
uma necessidade própria da evolução do conhecimento e da complexidade
que vão assumindo os problemas de saúde na realidade atual (MATOS et
al., 2009, p. 1).

Para Campos (1997, p.32), o trabalho em equipe em saúde deve ser gerenciado
a partir dos conceitos de campo e núcleo de competências e responsabilidades.

Saberes e responsabilidades referentes a várias profissões


Campo e especialidades da saúde de forma comum. Partilham dos
mesmos saberes e responsabilidades.

Núcleo de competências e Conjunto de saberes e responsabilidades que cada


profissão ou especialidade abarca. É o que determina a
responsabilidades diferença entre os membros de uma equipe.

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UNIDADE Interdisciplinaridade no trabalho em equipes –
o trabalho e os trabalhadores em Saúde

Outro aspecto importante destacado por Campos (1999, p. 46) é a organização


dos serviços de saúde de acordo com a formação de uma equipe de referência com
apoio especializado matricial. Isso significa que cada serviço teria como base uma
equipe composta – seja para o atendimento na rede básica, hospitais, serviços
especializados etc.

De que maneira essas equipes devem ser compostas, de acordo com o autor?
São três os critérios, sendo eles: o objetivo da unidade de saúde, as características
territoriais ou locais e os recursos disponíveis para tanto. Dessa forma, cada equipe
seria responsável por um conjunto pré-delimitado de pessoas, contando com
especialistas reunidos em uma equipe matriz. As equipes matriciais dão apoio a
outras equipes de referência de locais específicos (para um conjunto de equipes de
referência), com característica multiprofissional.
• Objetivo das equipes de referência: elaborar e aplicar os projetos terapêu-
ticos individuais;
• Diretrizes para aplicação do objetivo: estabelecer vínculo terapêutico, ges-
tão colegiada e transdisciplinaridade nas equipes.

Os autores variam no uso das denominações inter, trans e multi, disciplinar e profis-
sional. Você pode encontrar na literatura os termos: multidisciplinar, transdiscipli-
nar, interdisciplinarm multiprofissional etc. Variações que convergem na compreen-
são/concepção de modo geral.

O trabalho em equipe e a integração das especialidades revelam uma modalidade


de trabalho de natureza coletiva substancialmente, onde se estabelecem relações
de troca entre as possibilidades de intervenção técnica e abordagem, ao passo que
se dá a interação dos agentes de diferentes especialidades e áreas. Essa forma
de organização do trabalho, além de sua dimensão objetiva na realidade, possui
também um aspecto simbólico importante, morador do universo da linguagem,
através do qual as ações multiprofissionais cooperam e trocam os conhecimentos
de diferentes áreas. A dimensão do diálogo mais uma vez aparece como chave em
nossa matéria de trabalho.

De acordo com o Departamento de Orientação Profissional da Escola de En-


fermagem da Universidade de São Paulo, demonstrou-se, a partir de pesquisas, a
possibilidade de construção da equipe-integração, ainda que em situações em que
os profissionais dentro das equipes se encontrem em lugares distintos do ponto de
vista hierárquico ou de qualificação. A arguição da técnica, sobretudo, e da forma
de valoração entre condições sociais dos distintos trabalhos poderão apontar dife-
renças na integração. A comunicação, através da atitude-comunicativa, potenciali-
za as premissas técnicas e aponta o horizonte ético (PEDUZZI, 2001, p. 104)

Vamos chegando ao final de nossa unidade e também de nossa disciplina. Ao


longo dela, pudemos tomar contato e desenvolver os conceitos de saúde, doença,
compreender as transformações desses conceitos e da abordagem do processo

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saúde-doença ao longo da história. Perceber que como todos os fenômenos
humanos, a saúde não está alheia à história, suas transformações e às questões
relevantes a cada tempo/momento.

Não se trata de um percurso caminhado em linha reta. É fruto de embates,


lutas, enfrentamentos, pesquisas, descobertas, superações. Todo conhecimento é
produzido em meio a ebulições da técnica e das formas e organizações sociais. Com
a saúde não é diferente. Durante o transcorrer da disciplina, tentamos apresentar o
vínculo entre Psicologia e Saúde por meio dos laços históricos e o que esse vínculo
produziu a partir de suas próprias lutas internas e descobertas.

Foi ótimo caminhar com você até aqui! Esperamos que tenha feito bom proveito
e que os conhecimentos trabalhados contribuam para a sua formação profissional,
ética e humana. Não se esqueça de realizar as atividades propostas e recorrer aos
tutores quando houver dúvidas, indagações ou questionamentos.

Um abraço e bons estudos!

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UNIDADE Interdisciplinaridade no trabalho em equipes –
o trabalho e os trabalhadores em Saúde

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

 Leitura
Relatório Final da VIII Conferência Nacional de Saúde
https://goo.gl/rVjBW8
Trabalho em equipe: o significado atribuído por profissionais da estratégia de saúde da família
NAVARRO, A. S. S.; GUIMARÃES, R. L. S.; GARANHANI, M. L. Trabalho em
equipe: o significado atribuído por profissionais da estratégia de saúde da família.
Revista Mineira de Enfermagem. 2013.
https://goo.gl/7wVK86
Saúde mental e trabalho interdisciplinar: a experiência do “Cândido Ferreira” em Campinas
QUEIROZ, M. S; DELAMUTA, L. A. Saúde mental e trabalho interdisciplinar:
a experiência do “Cândido Ferreira” em Campinas. Ciênc. saúde coletiva, Rio de
Janeiro, v.16, n. 8, ago. 2011.
https://goo.gl/uGK0aP

16
Referências
CAMPOS, G.S.W. Subjetividade e administração de pessoal: considerações
sobre modos de gerencial trabalho em equipe de saúde. In: ONOKO, R.; MERHY,
E. E. (org.). Agir em Saúde: um desafio para o público. São Paulo/Buenos Aires:
Hucitec/Lugar Editorial, 1997.

CAMPOS, G.S.W. Equipes de referência e apoio especializado matricial: um


ensaio sobre a reorganização do trabalho em saúde. Ciência & Saúde Coletiva.
1999.

MACHADO, M. H. et al. O mercado de Trabalho em Saúde no Brasil: estrutura


e conjuntura. Rio de Janeiro: Fiocruz/Ensp, 1992.

MATTOS, R. A. A integralidade na prática (ou sobre a prática da integralidade).


Cad. Saúde Pública, v. 20, n. 5, p. 1411-1416. 2004.

PEDUZZI, M. Equipe multiprofissional de saúde: conceito e tipologia. Rev Saúde


Pública, v. 35, n. 1, p.103-109. 2001. Disponível em: <www.fsp.usp.br/rsp>.
Acesso em: 28 mar. 2017.

PEDUZZI, Marina. Trabalho em Equipe. Dicionário da Educação


Profissional em Saúde. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2009.
Disponível em: http://www.sites.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/traequ.html
Acesso em: 28 mar. 2017.

PEDUZZI, M. Equipe multiprofissional de saúde: conceito e tipologia. Revista de


Saúde Pública, v. 35, n. 1, p. 103-109. 2001.

Matos, e.; Pires, D. E. P. de; CAMPOS, G. W. de S. C. Relações de trabalho


em equipes interdisciplinares: contribuições para a constituição de novas formas
de organização do trabalho em saúde. Rev. bras. enferm.,  Brasília, v. 62,  n.
6,  nov./dez.  2009. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0034-71672009000600010. Acesso em: 28 mar. 2017.

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Você também pode gostar