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A Cada 100 Anos


FRAGMENTOS DA VIDA DE
FRANCISCO DAS CHAGAS
E
MARIA JOANNA DO BOMFIM

João Bosco Costa Vieira


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1ª Edição

Todos os direitos da obra


A Cada 100 Anos
Fragmentos da Vida de Francisco das Chagas e
Maria Joanna do Bomfim
Reservados ao Autor

Copyright do texto © João Bosco Costa Vieira,


2022

V658a Vieira, João Bosco Costa – 2022


A Cada 100 Anos / João Bosco Costa Vieira ̶
1. Ed. ̶ Fortaleza, CE : Ed. Do Autor, 2022.

ISBN: 978-65-00-47160-1

1. Biografia
I. Título II. Vieira, João Bosco Costa
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Dedicatória

Esta obra é dedicada à nossa amada tia Maria


Regina Chagas Costa Oliveira (in memoriam) que, com
muita alegria e emoção, amava nos contar as histórias de
nossos antepassados.
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5

Agradecimentos
Agradeço a Deus, que me concedeu saúde e me
permitiu investir tempo na idealização deste livro, além de
ter me presenteado com muito conteúdo que jamais
imaginei que existisse.
Agradeço à minha família que ficou sem o meu
tempo, que estava muitas vezes voltado para “ver as coisas
do Major”.
Dentre as diversas fontes de tradição oral às quais
deixo minha gratidão, aquela que trouxe inspiração inicial
me veio por meio de minha tia Maria Regina Chagas Costa
Oliveira, cujos depoimentos gravados em fita cassete pelo
meu irmão Paulo (in memoriam) e pelo meu irmão
Adalberto Filho, nos permitiram construir o alicerce desta
história. No texto Regina, assim como os demais citados,
serão mencionados apenas pelo primeiro nome.
As fotografias do casal foram preservadas por ela e
hoje estão aos cuidados de familiares que gentilmente nos
cederam, meu irmão Adalberto Filho e minha prima Flávia
Araújo Costa. As demais fotos, gentilmente fornecidas por
amáveis e atenciosos familiares, receberão os devidos
créditos ao final da obra.
A tia Francisca Costa Camarão, tia Franci, em sua
maravilhosa lucidez, resgatou do passado passagens
interessantes de nossos amados ancestrais. O primo
Fernando Chagas, filho de tia Maria Chagas, irmã de minha
avó Flávia, despendeu horas ao telefone resgatando de sua
memória fatos importantes que sua mãe, com muita
sabedoria, as fez questão de repassar para a posteridade.
Além da tradição oral, este livro obteve respaldo
documental a partir de valorosas colaborações.
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O amigo Harturo Bessa, advogado, escritor e


pesquisador, forneceu notícias de jornais, o artigo do
Instituto de Ceará e um documento da Paróquia de
Redenção, que permitiu localizar os testamentos do casal.
Harturo Bessa está preparando uma rica e detalhada
obra que será um referencial sobre a história de Redenção,
com seus vários personagens de destaque.
Agradeço, ainda, a preciosa ajuda da amiga Olinda
Vasconcelos. Sua habilidade me agraciou com a transcrição
dos testamentos e inventário citados, localizando ainda a
concessão da patente da Guarda Nacional e outras
informações pertinentes a esta pesquisa.
O amigo Alan Philipe da Silveira, historiador e
pesquisador do passado de Redenção, localizou e
habilmente transcreveu as certidões de nascimento do casal.
Arquivos da arquidiocese de dificílima compreensão!
Agradeço ao Secretário de Cultura do Estado do
Ceará, o amigo Fabiano dos Santos Piúba, cuja pasta é
responsável pelo Arquivo Público do Estado do Ceará,
órgão que preserva os processos de inventário de Francisco
das Chagas e dos testamentos de Lúcio José do Bomfim,
ambos citados nesta obra.
Miguel Ângelo de Azevedo, mais conhecido como
Nirez, um referencial em preservação histórica, sempre foi
muito solícito em ceder imagens preciosíssimas para esta
narrativa.
Ao final, o amado irmão Adalberto Costa,
enriqueceu este conteúdo com uma meticulosa revisão de
seu texto.
Aos demais familiares e amigos que, de uma forma
ou de outra, me ajudaram nesta reconstrução do passado,
deixo minha eterna gratidão.
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“O Major Chagas é um homem que de cem em cem


anos ou duzentos anos em duzentos anos nasce um!”
Maria Regina Chagas Costa Oliveira
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Sumário

Introdução ......................................................................... 11
Prólogo ................................................................................. 13
O Início ................................................................................ 19
Maria Joanna ................................................................... 25
Nasce Uma Família ....................................................... 29
Os Negócios Prosperam .............................................. 33
Ampliando Horizontes................................................. 37
Amenidades Quotidianas ........................................... 43
O Óbito de Francisco ................................................... 51
Os Filhos ............................................................................. 55
Testamentos e Inventário ........................................... 73
Epílogo ................................................................................. 83
Referências ........................................................................ 87
Créditos das Fotografias ............................................ 89
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Introdução

A
narrativa apresentada a seguir não se trata de obra
acadêmica que obedeça a regras ou metodologias,
antes está mais próxima de uma conversa informal
em família, aberta a todos que desejem dela participar. Não
se trata ainda de uma biografia e de fato poderia ser melhor
descrita como uma breve apresentação ilustrada,
apresentada por um dos seus descendentes, admirador desse
querido casal.
Da tradição oral é natural que, após cem anos ou
mais de alguns acontecimentos, existam algumas dúvidas
quanto à fidedignidade das informações narradas. Sabemos,
entretanto, que a essência dos fatos ocorreu, conhecemos os
narradores originais e tais relatos não dizem respeito a lenda
urbana ou a algum “causo” criado por alguém.
Este relato histórico não tem o intento de enaltecer
alguém como superior a seus contemporâneos. A função
precípua da preservação dos fatos aqui descritos é honrar a
memória daqueles que deixaram um belo legado a seus
familiares.
Apesar de realizada de forma leiga, esta pesquisa
preenche uma lacuna sobre o passado de Acarape e
Redenção. Até o presente, os nomes de Francisco das
Chagas e sua esposa Maria Joanna do Bomfim não foram
encontrados em nenhum texto acadêmico reportando aquela
época.
O conteúdo apresentado, com exceção de uma
narrativa específica, não aborda os caminhos trilhados pelos
filhos do casal, tal missão deixamos para outros
descendentes.
Todas as informações neste livro foram prestadas
por depoimentos, documentos e publicações. O autor não
12

criou conteúdo, apenas interligou e organizou os dados e


relatos de uma forma agradável à leitura.
A maior parte dos fatos desta narrativa aconteceu no
município de Redenção, no Estado do Ceará. Havia, neste
município, além da cidade sede de mesmo nome, o Distrito
de Acarape. Esta localidade se localiza a apenas três
quilômetros da sede e detinha grande relevância, sobretudo
por abrigar a estação ferroviária.
O casal tema deste livro residiu em Redenção, sede
do município, e no Distrito de Acarape, hoje município, que
se emancipou de Redenção no ano de 1987.
13

Prólogo

M eia noite do segundo ao terceiro dia de combate!


As muitas balas passavam raspando sobre as
cabeças. Ao redor, agachados para preservar suas
vidas, inúmeros valentes do pequeno Acarape ali, no centro
da maior guerra política do Estado. Nascia o fatídico 24 de
janeiro de 1912!
Uma composição diferente partira naquele dia 23
em direção à turbulenta capital com uma aparência que
mostrava aos transeuntes que algo não estava normal.
Dois vagões, que usualmente transportavam carga,
estavam à frente da locomotiva. Nestes veículos
descobertos, tais quais carrocerias de caminhões, se
acomodavam os chamados “patriotas”, ou apenas “os
homens do Major”.
Rifles, provavelmente Winchester 44, revólveres os
mais variados, incluindo os populares Smith & Wesson
niquelados e muita, muita munição.
As famílias aflitas se despediam com um misto de
medo e orgulho. Às esposas só restava o cuidar dos filhos e
lançar suas preces em socorro de seus homens enviados à
batalha.
Chegando à capital os valentes do antigo Calaboca
saltaram na parada chamada de Km8 e partiram em direção
à Praça do Ferreira, o centro da guerra civil.
O Estado estava dividido em dois grupos políticos,
os “aciolistas”, partidários de Acioly, Presidente do Ceará
e “rabelistas”, apoiadores do opositor Franco Rabelo. Major
Francisco das Chagas chegava com seus homens para
apoiar os aliados de Rabelo.
14

Grandes canos de ferro que seriam usados na


distribuição de água, serviram como reforçada barricada.
Francisco, o garoto que um dia pelas mãos de sua
mãe chegara àquela terra estranha de Redenção, agora era
homem formado, Major da Guarda Nacional, chefe político
da terra que o adotou como filho.
Com seu olhar aguçado, de sua privilegiada posição
na casa do Dr. Paula Rodrigues, percebeu que a barricada
no canto da Travessa 24 de Janeiro (hoje Rua Guilherme
Rocha), estava abandonada e o pior, os soldados do governo
se arrastavam na escuridão para tomar essa valiosa posição
de combate.
Com a agilidade de um estrategista, rapidamente
partiu com seus homens e tomou posse da situação, isso
sem, contudo, não ter corrido grande perigo quando um
soldado tombou morto a poucos metros com baioneta em
riste!
Por volta da já mencionada meia noite uma notícia
angustiante, “está acabando a munição”.
15

Mas logo chegou a preciosa informação de que na


casa de ferragens Lima, na rua Major Facundo, havia quatro
mil balas de rifle. Imediatamente um grupo de patriotas
adentrou pelos fundos daquele estabelecimento e, com a
informação privilegiada da localização exata, recolheu toda
munição. Seria uma derrota vergonhosa a falta de balas.
As quatro mil balas foram recebidas com calorosos
vivas a Franco Rabelo e ao Ceará Livre.
A madrugada chegava com uma chuva que acalmou
os combatentes... nem parecia que pouco antes tombavam
corpos mortos e feridos de ambos os lados do combate.
Centenas de balas haviam passado o dia a perfurar
as paredes, janelas e cômodos do Palácio da Luz, sede do
governo, aonde se encolhia o Presidente do Estado Antônio
Pinto Nogueira Acioly. No dia anterior Acioly vira,
estupefato, a morte de um soldado dentro do vestíbulo do
palácio. Não havia a serenidade da foto a seguir na sede do
poder.

Major Chagas não ficava à retaguarda dando ordens


como se espera de um oficial, antes se posicionava à frente
da batalha, tendo o municiador João Firmino a recarregar
seus rifles para que o fogo cerrado não desse chance ao
inimigo.
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O sol raiou no terceiro dia de combates com muitos


populares, inclusive crianças, se posicionando nas
barricadas improvisadas. Não faltavam armas, incluindo
Mausers tomadas dos policiais mortos ou apreendidos na
batalha.
As residências próximas ofereciam acolhida aos
combatentes feridos, era um movimento armado de grande
apoio popular aos rabelistas.
Os “morra a oligarquia” e “morra Acioly” já eram
ouvidos pelos sitiados dentro do palácio e as balas
assobiavam pelos aposentos, causando terror aos que ali se
refugiavam! Ainda havia fome e sede por falta de
mantimentos! O plano era lançar um forte ataque às nove
da manhã e invadir o Palácio da Luz.
Acioly não dava ouvidos a nenhum dos que,
angustiados, mostravam o risco iminente de invasão.
Finalmente ele cedeu e autorizou o Coronel José
Faustino a declarar a rendição. Imediatamente, ordenou o
1.º Tenente Costa Pinheiro acenar por paz, dependurando
uma toalha de rosto na boca de uma carabina. Os
revolucionários acabavam de chegar em frente à guarda do
palácio, que logo depôs as armas. Soldados e populares se
abraçaram dando vivas ao Ceará Livre e a Franco Rabello.
Os patriotas, sendo pouco mais de quinhentos
lutaram como se fossem milhares, derrotando aquele que o
cômico povo cearense apelidara de “Babaquara”. 1

1
Narrativa composta com informações extraídas do artigo “A
Revolução de 1912 No Ceará” de autoria de Hermenegildo Firmeza, do
livro “A Libertação do Ceará” de Rodolfo Teófilo, ambas as obras
descritas nas referências finais, e ainda de narrativa de Fernando
Chagas, neto do Major Chagas. Fotos gentilmente cedidas pelo Arquivo
Nirez.
17

Agora, só
restava descansar
junto a todos os que
foram aliados nesta
inesquecível vitória
pela liberdade!
O prédio do
Palácio da Luz,
então sede do
governo estadual,
abriga atualmente a
Academia Cearense
de Letras.
Quem era o
Major Francisco
das Chagas, de onde surgiu este valente personagem?
18
19

O Início
Capitão Lúcio do Bomfim

S
egundo Regina, o destemido Francisco das Chagas
(*13/11/1863 +27/12/1930) que conhecemos em
combate, era filho de D. Sabina Maria da Conceição,
nascido nas proximidades do Rio Pirangi. Na época não foi
reconhecido como filho por aquele que ele afirmava ser seu
pai biológico, Domingos Carneiro de Souza, então dono da
Fazenda Cavalaria em Pacajus.
Logo em seu início de vida, Francisco nos deixou
uma controvérsia que merece atenciosa reflexão.
Em sua certidão de nascimento, lavrada quando
“recebeu os santos óleos” em seu batismo, consta que ele é
filho legítimo de João Ferreira da Silva. A mesma
informação consta na posterior certidão de casamento.
Como conciliar os dados dos documentos com a
narrativa oral da família de que Francisco era filho de
Domingos e não de João? Esta narrativa foi repassada pelo
próprio Francisco à Flávia, sua filha mais velha, e ao marido
dela, seu genro José Costa Ribeiro.
Por meio deste casal e, posteriormente, pela filha
Regina, esta narrativa oral chegou aos nossos dias, ou seja,
a narrativa está geograficamente e cronologicamente
próxima de quem vivenciou os fatos, o que agrega grande
credibilidade aos fatos apresentados.
Ajudando à compreensão da história, convém
atentar que existe entre os acadêmicos um consenso de que
os documentos nem sempre são confiáveis, podendo
20

apresentar dados que foram “construídos” por interesses


alheios à verdade dos fatos.
Neste caso concreto, o autor pensa, por diversos
motivos, que Francisco era, de fato, filho de Domingos. O
primeiro é a existência da já descrita narrativa oral. O
segundo motivo é a existência, por depoimento também de
Regina, da mesma versão dos fatos pela descendência de
Domingos Carneiro, conforme confirmado a ela por
Cristino Carneiro no início dos anos setenta.
Cristino, descendente de Domingos, contou que
Francisco não queria proximidade com o pai, Domingos,
mas que sempre ajudou aos descendentes da família
Carneiro que padeciam necessidade. A avó de Cristino, por
exemplo, fora acolhida nas secas do início do século XX.
Interessante como a presença de Domingos na
figura de padrinho de casamento de Francisco, pode indicar
uma tentativa de reaproximação ao filho.
Quanto à motivação que ensejou ter Francisco sido
registrado, tendo como pai alguém que não o reconhecia
como filho legítimo, é algo que repousa no fértil ambiente
das hipóteses e, como tal, cabe a cada leitor construir suas
próprias conjecturas.
Independente do que de fato tenha ocorrido, Sabina
era muito pobre. Talvez fosse empregada de Domingos e,
quando pôde, retirou seu filho daquele cenário que não era
propício à criança. Um motivo relevante para esta fuga de
Pacajus, segundo relato do próprio Francisco, surgiu por
Domingos não assumir a paternidade e as responsabilidades
advindas com a criação da criança.
Imaginamos ainda que a mãe temia que o pequeno
Francisco fosse discriminado em seu local de origem, o
“filho bastardo do homem rico”, o que lhe traria uma
infância socialmente penosa. Poderia haver ainda conflitos
de relacionamento entre João e o garoto que ele assumiu
21

legalmente como filho. Infelizmente ainda estamos presos


no cenário das suposições.
Sua mãe então, preocupada com o futuro do menino,
soube da existência de um certo Capitão Lúcio na cidade de
Redenção. Um rico fazendeiro conhecido por ser bondoso
e gostar de abrigar necessitados. Esta notícia surgiu como
uma oportunidade de dar ao pequeno Francisco alguma
esperança de um futuro melhor.
D. Sabina então trouxe a criança, provavelmente por
volta de seus dez anos de idade, não se sabe ao certo, para
ficar aos cuidados do Capitão Lúcio José do Bomfim
(*13.12.1832 +14.03.1917).
Na ocasião ela disse:
“Capitão Lúcio, eu trouxe o Francisco para
estudar, para o ano, venho deixar uma muda de roupa.”
Quando dizia isso, significava que ela ia colher o
algodão, fiar, tecer e confeccionar as roupas, tão pobre era
o contexto em que vivia. Nesta realidade é possível que
João já houvesse falecido ou lhe abandonado.
Um ano depois, quando veio cumprir o prometido,
ouviu do Capitão Lúcio:
“A senhora não precisa trazer mais nada para o
Francisco, o trabalho que ele faz nesta casa paga o que ele
come e o que ele veste.”
Capitão Lúcio José do Bomfim era filho de Antônio
José do Bonfim e Leonarda Maria Teixeira. O casal teve
nove filhos, mas os que têm ligação com nossa narrativa é
Lúcio e seu irmão Francelino Laurentino do Bonfim.
Descendentes de Francelino Laurentino se
estabeleceram em Acarape e ocorreram enlaces
matrimoniais entre descendentes dos dois irmãos. Esta
descendência está registrada no livro “Os Andrades” de
Francisco de Andrade Barroso.
22

Outro fato interessante, e que muito alegrou ao


autor, é o de que esta família Bomfim, segundo estudos de
genealogia realizados por Olinda Vasconcelos, é
descendente direta da judia portuguesa Joana de Góes de
Vasconcelos, que fora queimada viva na fogueira durante a
Inquisição. Todos os descendentes de Lúcio e Laurentino
são assim descendentes de judeus! (foto Lúcio do Bomfim).

O jovem Francisco era dinâmico e muito inteligente,


tratava dos cavalos da fazenda, puxava os bois no arado,
fazia serviços gerais na casa, era foguista no engenho,
apanhava e levava o bagaço da cana para a caldeira e, aos
23

poucos, passou a ter destreza em todos os ofícios dos que


ali trabalhavam.
Na primeira ideia de comércio que teve, Francisco
conseguiu um cacho de bananas “curudas”, enfurnou
(colocou em local abafado) para ficarem maduras e, na
“hora da paga” dos funcionários do sítio as levou para
vender. Vendeu barato, mas conseguiu se desfazer de todas
as bananas, uma por uma. Com esse dinheiro apurado ele
comprou uma porquinha que começou a criar.
Alimentava a porquinha com os restos de comida da
casa grande. Criou a porca, levou para cruzar e, desta cria,
ele engordou e vendeu os machos, mas manteve as fêmeas
para aumentar a vara de porcos.
Da prosperidade advinda da venda de porcos, ele
montou um pequeno comércio no local que seria hoje o box
situado junto ao portão de entrada, no lado nascente do
mercado público de Redenção. A princípio vendia ali os
porcos abatidos de sua criação.
Com a expansão e crescimento de seu negócio
percebeu que seria ideal montar filiais nas propriedades
próximas, pequenas vendas que eram chamadas de
“fornecimento”.
Ali naqueles minimercados os empregados das
propriedades podiam adquirir itens de primeira necessidade
sem precisar se deslocar à cidade. O primeiro
“fornecimento do Chagas” foi em um imóvel que depois se
tornou uma garagem ao lado da casa do Sr. José Tinôco na
localidade de Pau Branco.
O jovem Francisco não frequentou escola como
sonhava sua mãe, mas não se deu por vencido. Começou a
recortar as manchetes dos jornais e a colar letras e palavras
em tábuas, formando uma cartilha do ABC improvisada em
seu ponto comercial.
24

Munido daquela limitada fonte, perguntava aos


clientes alfabetizados a pronúncia das letras e palavras.
Assim, com persistência e afinco, mesmo mediante
improvisada didática, aprendeu a ler e a “fazer contas”, um
conhecimento essencial a qualquer negociante.
Os negócios prosperaram e Francisco estabeleceu a
sede definitiva de seu comércio em um ponto comercial
construído em alvenaria, dentre os diversos que rodeavam
o pátio interno do mercado público de Redenção.
Nesta foto a seguir, se observa a estrutura do
primeiro “fornecimento do Chagas”.
Estava tudo dando certo na vida do jovem
Francisco, mas ainda faltava algo muito importante, aliás,
ainda faltava ela!
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Maria Joanna

N a mesma casa em que Francisco realizava suas


tarefas laborais, residia Maria Joanna do Bomfim
(*05/05/1865 +12/06/1943), filha natural do
Capitão Lúcio e Maria Joanna da Conceição, uma
empregada de sua casa.
Relatos feitos à Regina por Calu (Carolina Monte),
uma afilhada de Francisco e Maria Joanna, dão conta de que
Maria Joanna da Conceição era “uma mulata muito bonita,
de cabelos lisos na cintura, uma criatura ótima, muito
delicada”.
Esta bela jovem despertou a paixão de seu patrão e
este relacionamento gerou quatro filhos ao jovem Lúcio
enquanto solteiro: Joaquim José do Bomfim, Luís José do
Bomfim, José (este mencionado sem sobrenome no
testamento de 25/11/1878) e a mais nova, Maria Joanna do
Bomfim.
Supomos que José já havia falecido sem deixar
descendentes quando da lavratura do testamento de
30/11/1908, pois ali ele já não é mencionado.
Convém perceber que, pelo contexto cultural da
época, seria considerado normal Capitão Lúcio não
reconhecer estas crianças e deixá-las apenas com a alcunha
de “filhos da empregada”.
Ocorre que, apesar de não ter contraído matrimônio
com a mãe de seus filhos ele, sendo homem reconhecido
por sua integridade, lhes deu seu sobrenome e deixou aos
mesmos a terça parte de seus bens, como herança, no
testamento de 1878.
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No testamento de 1908, a filha Maria Joanna e


descendentes de seus irmãos, já falecidos, são beneficiários
de bens do espólio, como vemos nesta transcrição:
“Disse mais o testador, que o sítio "Lagoa Grande"
e açude "Pote", de que acima falou, seja em partes iguais,
à Maria Joanna do Bomfim, mulher de Francisco das
Chagas, à Antônia, filha do falecido Luiz José do Bomfim,
casada com Francisco das Chagas Moura, à Antônio
Bomfim, filho do falecido Joaquim José do Bomfim, ou aos
seus herdeiros, sendo que dito sítio Lagoa Grande extrema
ao norte com o de Manoel dos Santos, e ao sul com o do
major Francisco das Chagas, e o denominado Formiga, de
propriedade dele testador, com uma carreira de cajueiros
que atravessa em linha reta o riacho Oiticica e pela estrada
pública o portão e daí até o rio com Francisco das Chagas,
meus próprios conhecidos de longa data, e dos cajueiros
para serra na mesma direção destes.”
Conforme relatado à Regina por Calu, os filhos do
Capitão Lúcio com Maria Joanna da Conceição foram
criados na casa grande (foto abaixo) em convívio com o pai.
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Alguém pode questionar a paternidade destas


crianças já que, no corpo dos inventários, Lúcio afirma não
ter filhos. É preciso compreender que, pela legislação da
época, ele não poderia afirmar que tinha filhos quando
legalmente eles não eram “legítimos”.
Havia meios de se legitimar a filiação em um
processo junto à Igreja, mas na prática era algo
desnecessário, haja vista que socialmente o pai jamais
negou a paternidade, seu sobrenome ou amparo à sua prole.
Anos depois deste relacionamento, já em idade mais
avançada, Lúcio contraiu matrimônio com Florência
Perpétua do Bomfim, falecida em 04/06/1901. Desta união
não adveio filhos, mas o casal se apegou e adotou a José,
que veio a ser o filho nomeado herdeiro universal conforme
se observa nesta transcrição:
“[...]instituí para seu único e universal herdeiro, à
José de Araújo Bomfim, casado, afilhado e filho de criação
dele testador, e sobrinho da sua finada mulher [...]”
José de Araújo Bomfim se casou com D. Zulmira,
formando um casal honrado na cidade de Redenção,
deixando grande descendência e sendo bem relacionado
com Francisco e Maria Joanna. O casal, inclusive, foi
padrinho de batismo de Eugênia, filha do casal. Quando da
lavratura dos testamentos de Francisco e Maria Joanna, José
foi convidado a ser testemunha do ato.
Não se sabe a que tempo Lúcio “providenciou” para
Maria Joanna da Conceição, com quem tivera este fértil
relacionamento, um casamento com um empregado seu,
tendo ela outros filhos com o mesmo. Regina relata lembrar
destes garotos como os “irmãos da vovó” que frequentavam
o Sítio Pau Branco.
Não sabemos os motivos desta decisão de Lúcio em
arranjar marido para Maria Joanna, podemos apenas supor
28

alguns como, por exemplo, a preocupação com o futuro e a


velhice dela quando de sua ausência.
Esperamos que, após a divulgação deste relato,
outros descendentes de Maria Joanna da Conceição venham
a ser identificados. Quanto à filha Maria Joanna, esta
despertou o amor de um “certo rapaz”!
29

Nasce Uma Família

O
jovem Francisco se enamorou com Maria Joanna,
a filha de seu patrão. Tal romance agradou ao
Capitão Lúcio que abençoou o casamento que se
deu com as bençãos do Pe. Antônio de Souza Barros em 30
de junho do ano de 1888.
Inicialmente moraram na casa cedida pelo sogro, ao

lado da casa grande, hoje conhecida como “casa do Vicente


Bomfim” (foto acima). Nesta casa da foto nasceram os
primeiros filhos, Flávia e Pedro.
Posteriormente, o casal adquiriu o Sítio Santa Fé,
casa grande com sótão, nas margens da antiga Rua do Fogo
na localidade conhecida na época como Jordão. Nesta casa
nasceram todos os demais filhos.
Hoje em dia esta propriedade histórica não mais
pertence a descendentes do casal e tem sido alugada para
eventos sociais.
30

Vemos nesta foto atual deste imóvel, que foi


preservado, restaurado e se encontra em belíssimo estado.
Na sede do Sítio Santa Fé, quando Francisco já tinha
a patente de Major, ocorreu um episódio inusitado.
Certa noite, já muito tarde, um homem chegou e
disse:
“Major Chagas, vim deixar uma carta.”
“Já fechei minha porta, só abro amanhã.”
Depois de algum tempo D. Maria Joanna viu, pela
janela do sótão, que o homem ainda estava fora e avisou:
“Chagas, o cabra não saiu, ele está aí.”
Francisco botou balas no rifle e abriu a porta. Neste
momento o indivíduo, faca em punho, saiu em desabalada
carreira em sua direção. Por providência divina tropeçou
em uma rede de cordas que havia no alpendre e caiu.
Neste instante, o filho Emílio vociferou:
“Tragam uma corda pra amarrar este cabra.”
31

“Se não tiver corda cortem os punhos da rede”,


completou a filha Flávia.
Sendo devidamente amarrado, o agressor foi
entregue à polícia e preso. Nunca passou necessidade no
cárcere porque o Major enviava alimento para ele
diariamente. Nunca confessou quem o contratara e, depois
de meses preso, foi solto e aconselhado a desaparecer da
região, o que o fez de imediato.
Francisco e Maria Joanna já tinham casa própria em
uma bela propriedade, uma fonte de renda no comércio e
poderiam explorar a agricultura e a pecuária. Para a maioria
das pessoas já seria o bastante.
Mas para Francisco das Chagas não bastava o
trivial, seus sonhos eram bem mais altos! Maria Joanna
estaria sempre ao seu lado, pois a vida apenas começava!
32
33

Os Negócios Prosperam

C
om sua empresa solidificada, Francisco passou não
apenas a abastecer de suprimentos diversas
propriedades da região pois, como um próspero
empresário, já atuava como um “capitalista”.
Capitalistas eram empresários abastados que eram
estimulados pelo governo a nutrir a sociedade com
financiamento mediante empréstimos, como forma de
prover desenvolvimento nas comunidades onde ainda não
havia o sistema bancário.
Quando os proprietários não conseguiam pagar a
dívida dos empréstimos, Francisco recebia suas terras que
haviam sido dadas em garantia.
Para a geração atual, pode alguém confundir esta
atividade legalizada com o crime de agiotagem. Mas é
preciso compreender que são realidades distintas. O
capitalista atuava, naquele contexto, como atuam hoje as
financeiras. Sua existência era crucial para o
desenvolvimento econômico das comunidades mais
distantes dos grandes centros urbanos e dos bancos
tradicionais.
Todas negociações do capitalista eram registradas
em cartório. Desta forma, como diz Fernando, “acumulou
propriedades do Outeiro ao Jenipapo”, bem como em outros
municípios.
Com o aumento de seu patrimônio, Francisco
adquiriu ainda propriedades no sertão, em outros
municípios distantes de Redenção.
Podemos observas, a seguir, alguns documentos
relativos ao trabalho de Francisco das Chagas.
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Junto à prosperidade financeira, veio o desejo de


prestígio social e político. A compra da patente de Major da
Guarda Nacional foi o primeiro passo, curiosamente um
posto acima de seu benfeitor, Capitão Lúcio do Bomfim.
Interessante o fato de que Francisco nunca quis ser
prefeito. Entretanto, o prestígio e a influência de ser um
chefe político trariam adversários, adversidades e muita
emoção!
36

A nomeação ao posto de Major da Guarda Nacional


foi publicada no Diário Oficial do dia 18 de novembro de
1898. Francisco escolheu participar de batalhão na comarca
de Pacatuba. A escolha é lógica, já que o oficial comandante
do batalhão de Redenção era Juvenal de Carvalho, cuja
relação conflituosa com Francisco será explicitada nas
próximas páginas.
37

Ampliando Horizontes

A
fabricação de aguardente de cana veio
naturalmente com a expansão dos negócios.
Engenhos movidos a vapor em diversas
propriedades garantiam expressiva produção.
Nesta foto, abaixo, vemos as ruínas do engenho
onde era produzida aguardente no Sítio Poço Escuro. O
local foi ampliado com o passar das décadas, mas esta
estrutura, incluindo a chaminé, é remanescente da época do
Major Chagas. Este complexo industrial era tão valioso na
época que, no inventário, foi avaliado à parte do restante da
propriedade.

A marca da sua bebida era Brunswick. Não sabemos


o porquê de ter adotado este nome, sabemos apenas que esta
marca foi utilizada por várias gerações, sendo
comercializada por seu filho Emílio Chagas e pelo seu neto
José Bomfim.
38

Vemos abaixo o rótulo da bebida em sua última


versão, já com acabamento simplificado em relação ao
original. Esta foto foi gentilmente cedida por Tetê
Albuquerque. Segundo relatos, após ser fotografada, por
acidente a garrafa se quebrou, o que torna ainda mais raro
qualquer exemplar ainda existente.
39

Na área do
comércio e no campo da
política, Francisco das
Chagas possuía um
adversário poderoso:
Coronel Juvenal de
Carvalho!
No entanto, nem a
força ou a influência
social e política de seu
opositor impediu o
crescimento dos negócios
e de seu patrimônio. Esta
rara foto do Coronel pode ser apreciada na recepção do
Colégio que leva seu nome, em Fortaleza.
Quando já estava muito próspero Domingos
Carneiro lhe ofereceu a Fazenda Cavalaria, mas a mágoa do
passado impediu o negócio e uma reaproximação. Este
encontro foi presenciado por seu genro José Costa Ribeiro.
Francisco das Chagas teve participação relevante na
Revolução de 1912 que depôs o Presidente do Estado do
Ceará, o Comendador Antônio Pinto Nogueira Acioly.
A batalha que ocorreu naquele janeiro de 1912 foi
descrita no prólogo desta obra.
Em 1914 outro episódio social e político contou com
o protagonismo do Major Chagas. Na “Sedição de
Juazeiro”, jagunços vieram por vários caminhos do sertão à
capital, agora para depor o aliado de Francisco, Franco
Rabelo. Passaram por Acarape trazendo grande terror, e a
“cabeça do Major posta a prêmio”, como consta no Jornal
A Época, de 04/03/1914:
40

Regina nos deixou o relato de que, para tentar parar


o avanço dos jagunços, o governador (Presidente do
Estado) enviou telegrama mandando destruir a ponte que
liga o centro de Redenção ao Alto do Bode.
De pronto o Major, como chefe político, com
postura destemida, tomou a frente e enviou resposta:
“A prefeitura está à disposição de vossa excelência,
mas a ponte grande feita no Império não vai ser destruída.”
41

Quando chegaram os jagunços, Chagas com sua


esposa e filhos, refugiaram-se acampando em uma
localidade chamada “Cacimba dos Porcos”, na serra do hoje
distrito de Canta Galo em Acarape.
Passaram quinze dias escondidos ali, acampados em
barracas improvisadas, com suprimentos e seguranças
armados, esperando que os inimigos deixassem o
município, pois estavam saqueando propriedades e
matando desafetos políticos.
Segundo relata Fernando, os jagunços, chegando na
casa da família, cortaram o pescoço de um peru, soltaram o
animal a se debater e destilaram o ódio em palavras:
“Se o Major estivesse aqui, ia ser desse jeito com
ele.”
Felizmente, a vida do casal não contemplou apenas
conflitos e perigos. Amizades e amenidades traziam um
agradável frescor que amenizava as dores e preocupações.
42
43

Amenidades Quotidianas

U m grande amigo de Francisco era Fernandes Júnior,


um renomado comerciante de Fortaleza. (foto
abaixo)
Regina relata que certa vez Fernandes precisou de
100 contos de réis
para ser usado
como caução em
garantia na
manutenção de
uma de suas
representações.
Havia a
suspeita de que
algum grande
empresário queria
“tomar” esta
representação e
contava com o
fato de que seria
impossível
Fernandes
conseguir os 100
contos de réis. Ele não se deu por vencido e pediu três dias
de prazo para conseguir o dinheiro. Tomou o trem e veio a
Acarape na casa de seu amigo Chagas.
“Fernandes, você por aqui?”
“Chagas estou precisando de 100 contos de réis.”
“Maria Joanna, abra o cofre, conte 100 contos de
réis e entregue ao Fernandes.”
44

Como muitos relataram à Regina, se confirmava o


dito de que:
“quando seu avô era amigo, era amigo mesmo.”
Convém lembrar, em honra à sua memória, que
Manoel Fernandes Júnior, além de próspero empresário, foi
o fundador do Aero Club Cearense em 07 de abril de 1929.
O evento foi realizado nos salões do Clube Iracema, em
Fortaleza, e angariou elogios de autoridades e da imprensa
local e nacional, dando grande destaque a esta “patriótica
idéa”! (Jornal A Razão de 06/04/1929)
Cleano, falecido marido de Franci, neto do casal e
filho de Eugênia, contava que o Francisco gostava de dizer:
“se eu tivesse direito de ter apenas um amigo,
chamar-se-ia Manoel Fernandes Júnior!”
Foi a este amigo Fernandes Júnior que um dia
Francisco das Chagas confidenciou um desejo:
“Fernandes quero comprar um automóvel.”
“Chagas o que eu acho mais difícil é o ‘chauffeur’”.
“Não tem problema, a Francisca aprende!”
Francisca, filha mais nova de Francisco, também era
carinhosamente chamada de Nini.
Adquirido o Chevrolet 1928, foi contratado o
“Lusquinha”, motorista de caminhão de Acarape para
ensinar à jovem que, provavelmente, foi a primeira mulher
a dirigir automóvel no Ceará.
O Major usava o veículo para ir à missa aos
domingos, pois na semana ele andava em animal de
montaria.
Nos registros fotográficos podemos apreciar Nini,
de vestido mais escuro, e sua melhor amiga Alzira, posando
no automóvel da família.
45

A placa tem o número 3 de Redenção. É provável


que dois caminhões adquiridos pelos sócios da Usina Cariri,
conforme anúncio em jornais, tivessem as placas 1 e 2.

Em questão acerca de veículos, Major Chagas


adquiriu também um trator Fordson. Conta Fernando que,
na primeira vez que o tratorista foi manobrar a novidade, o
arado ficou preso a algum galho, o trator empinou e tombou
sobre ele de forma fatal!
46

Triste com o episódio, Francisco mandou recolher o


veículo à garagem e nunca mais o quis usar, voltando a ser
utilizado por seus descendentes, apenas após a sua morte.
Autodidata, Francisco lia textos em Francês com
interpretação simultânea ao português, bem como traduzia
textos em inglês. Estudou música e tocava flauta.
Quando o filho Pedro, que estudava no mosteiro dos
monges beneditinos em Quixadá com Lourival Monte, teve
dificuldades na escola em álgebra, Chagas estudou a
matéria e ensinou a ambos.
Regina resumia emocionada:
“Tudo o que meu avô quis fazer, ele fez!”
Ela ainda relatava que “Mamun” (Raimunda), que
trabalhava na casa de Eugênia e Alfredo cuidando de seus
filhos, costumava dizer diante do retrato do Major Chagas:
“Major, Deus lhe abençoe, Deus lhe dê o Reino dos
Céus.”
Isso porque o pai dela, Raimundo Amaro, que
trabalhava como destilador no engenho de Francisco,
faleceu, deixando-a angustiada, pois era ele o provedor da
família.
Após tal tragédia, Francisco a tranquilizou,
afirmando:
“Raimunda, não se preocupe.”
Todo domingo ele se achegava na entrada da casa
dela, deixando ali, debaixo de uma pedra, no alpendre da
casa, na Rua do Fogo, recursos que lhe permitia ir à feira
livre e fazer suas compras da semana. Segundo Regina,
Mamun faleceu sem nunca esquecer este ato de bondade.
Dois relógios, um Waltham americano de algibeira,
ou de bolso, e um relógio de parede, pertencentes a
47

Francisco das Chagas, hoje estão na posse de dois


descendentes do referido casal.
O relógio de bolso, segundo relatos de Regina e
Franci, fora encomendado por João do Monte em joalheria
na região norte. João do Monte, nesta época, era próspero
seringueiro no auge do ciclo da borracha. Sua esposa,
Carolina, a já mencionada Calu, nesta época de riqueza, era
chamada de “A Baronesa do Acre”.
O relógio de parede, Fernando relatou que foi
presente do dono de uma relojoaria de Fortaleza. Nele se

observa no pêndulo as iniciais FC, “Pau Branco” na parte


superior e “1926” na inferior.
No Waltham, mesmo com alguns danos, é possível
perceber uma foto de Francisco em uma tampa do
mecanismo e as letras do nome de sua amada em lugar dos
numerais. Na parte interna existe a gravação “SALVE 13-
11-909”, indicando que foi um presente de aniversário.
Relata-se também que Francisco possuía um relógio
de bolso em prata, cuja tampa traseira trazia, em relevo, a
cena de Dom Pedro I na Proclamação da Independência.
48

Estes relógios marcaram o tempo, no entanto, o


tempo de Francisco junto aos seus estava findando!
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51

O óbito de Francisco

M ajor Chagas costumava tomar uma coalhada à


tarde, por volta das quatro e meia. Um dia, após
comer sua coalhada habitual, vinha um menino
subindo do rio com uma cuia na cabeça cheia de cajás.
“Menino, encosta aqui”, e comeu três cajás “por
cima” da coalhada.
Daí a pouco começou a passar mal, vomitando,
sendo acometido de forte desinteria. Naquela época, havia
o hábito de que não se deveria beber água com tais
sintomas, o oposto do hoje recomendado. Logo, ficou muito
desidratado.
Enviaram o motorista, em seu Chevrolet, para
buscar um médico no bairro de Parangaba em Fortaleza. O
deslocamento não foi de todo tranquilo. Policiais
abordaram o veículo naquela viagem inusitada no meio da
noite e desconfiaram de uma bengala sem dono repousando
no automóvel.
O Sr. Odmar de Castro viria junto à Fortaleza, mas
ao desistir esqueceu sua bengala a bordo. Os militares
desconfiaram de que aquela bengala pertencesse ao
proprietário do veículo que poderia ter sido vítima de crime.
Mais tempo se perdeu na elucidação dos fatos.
A desidratação foi severa e, quando o médico
chegou no dia seguinte, o quadro estava muito grave e
Francisco, infelizmente, não resistiu. Não se sabe se ele já
estava com alguma enfermidade maior e aquele episódio foi
apenas consequência daquele suposto problema.
52

Seu amigo Fernandes Júnior ajudou a conduzir a


urna funerária até o jazigo, como descrito nesta nota do
Jornal “A Razão” de 27/12/1930.

Francisco das Chagas foi sepultado no túmulo que


fizera para a sua família no cemitério de Redenção, onde,
anos depois sua amada esposa iria ali também repousar.
O local pode ser visitado sem dificuldade, já que se
situa ao lado do corredor central e próximo do túmulo da
família de sua filha Flávia. Diversos descendentes foram ali
sepultados.
Francisco partiu e deixou uma abençoada família
que, a partir dali, cuidou da mãe e do patrimônio herdado.
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Os Filhos

T ranscrição das listas datilografadas em papel


timbrado das empresas “Francisco das Chagas” com
nomes dos filhos de Francisco das Chagas e Maria
Joanna do Bomfim. (cópias autenticadas em cartório,
preservadas por Regina; no entanto, não localizamos os
originais.)
Apresentamos inicialmente os quatro filhos do casal
que faleceram ainda crianças.

JULIO - nasceu no dia 24 de maio de 1889, sexta-feira às


cinco horas da manhã; batizou-se no dia 26 de junho,
quarta-feira às 5 horas da tarde; padrinhos Lucio Bomfim e
Florência Bomfim. Faleceu no dia 21 de abril de 1898, dia
quarta-feira às três e meia da madrugada.
FLAVIO – nasceu a 10 de setembro de 1891, quinta-feira;
batizou-se no dia 9 de outubro, sexta-feira às 5 horas da
tarde; padrinhos Izabel Carneiro e Francisco Bonfim.
Faleceu no dia 22 de outubro de 1892, sábado às 10 horas
do dia.
EUGENIO – nasceu a 20 de fevereiro de 1898, domingo 11
horas da noite; batizou-se a 20 de março às 9 horas do dia,
padrinhos Carlos Garcia e Cândida Garcia. Faleceu terça-
feira às 8 horas e quarenta e cinco minutos da noite do dia
28 de abril de 1903.
JULIA – nasceu no dia 12 de maio de 1899, sexta-feira 10
horas da noite batizou-se no dia 15 da mesma segunda-feira
às 9 horas. Padrinhos José Cassiano e Barbara Cassiano.
Faleceu dias depois.
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PEDRO - nasceu em 29 de junho de 1890, domingo às 11


horas da noite, batizou-se no dia 10 de agosto do mesmo
ano, domingo, padrinhos José da Cunha Holanda e
Adelaide Holanda.
Pedro formou-se médico no Rio de Janeiro, se casou
com D. Olga Câmara e fixou residência em Maringá (PR).
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Quando viúvo, se casou com D. Dea de Moraes.


Filhos do primeiro matrimônio: Pedro, Nancy, Newton,
Olga, Francisco Romero, Regina, Leda Maria, Paulo,
Rubens, João Batista, Gisela, Manoel (Nelito), Weber,
Mariângela.
Filhos do segundo matrimônio: Antônio e Maria
Lúcia. Convém apontar que, Olga, Maria Lúcia e Antônio,
continuam em vida aos cuidados de seus descendentes.
58

FLÁVIA – nasceu a 7 de junho de 1893, dia de quarta-feira


às cinco horas da manhã, batizou-se no dia de 30 de julho,
domingo. Padrinhos Manoel de Holanda e Isabel Holanda,
batizou-se às seis horas da tarde.
Flávia se casou com José Costa Ribeiro.

Filhos do casal: Olga, Cléa, José Costa Filho (Zé


Costinha), Francisca (Franci), Maria Zélia (genitora do
autor desta obra), Maria Luiza (Lulu), Samuel, Regina,
Margarida (Guida), Maria José (Mazé ou Zeca).
Francisca, Maria Luíza e Maria José continuam em
vida, sob cuidados de seus descendentes.
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EUGENIA – nasceu no dia 18 de novembro de 1894,


domingo uma e meia da madrugada, batizou-se no dia de
sexta-feira às 5 horas 18 de janeiro do outro ano.
Padrinhos José Bomfim e Zulmira Bomfim.

Eugênia se casou com Alfredo Theóphilo Camarão.


Filhos do casal: Paulo, Marcelo, Cleano, Alfredo,
Fernando, Cordélia, José Augusto, Luciano e Newton.
Cordélia desfruta sua vida na companhia de seus familiares.
61

EMILIO – nasceu no dia 23 de março de 1896, segunda-


feira às 5 e meia da manhã; batizou-se domingo na tarde 14
de junho; padrinhos Raymundo Sá e Juliêta Sá.
62

Emílio se casou com D. Maria Quineau Tinôco


Chagas.

Filhos do casal: José, Núbia, Celso (que faleceu


pilotando o avião que conduzia o ex-presidente Castelo
Branco), César, Eudoro, Aline, Vanda, Maria Helena,
Cesarina, Maria Teresa e Francisco.
Francisco, o mais novo, desfruta sua vida na
companhia de seus familiares.
63

ÁUREA – nasceu em 12 de agosto de 1900, às duas e meia


da madrugada, domingo e batizou-se sexta-feira às 5 horas
da tarde 24 de agosto, padrinhos Theofilo Barboza e Gloria
Barboza.
Áurea se casou com Antônio José Bomfim e o casal
deixou, como filho único, Francisco.
64

ARMINDO – nasceu em 25 de maio de 1902 às 4 horas da


tarde, domingo; batizou-se no dia de sexta-feira pela
manhã, padrinhos José Christino e Francisca Benvindo.
Armindo nasceu especial, nunca falou e foi criado
com sua irmã Flávia, sendo o cunhado José Costa Ribeiro
seu curador especial.
Em sua lápide no tumulo da família consta uma
homenagem das sobrinhas: “Viveu como mártir silencioso
desde o nascer a 26/05/1901 até falecer em 21/10/1966.
Saudade de Mazé e Regina.” A data de nascimento discorda
entre as duas fontes citadas.
65

MARIA – nasceu em 4 de fevereiro de 1904 no dia de


quinta-feira a uma hora da madrugada, batizou-se terça-
feira às cinco horas da tarde do dia 9 de fevereiro, padrinhos
João de Souza Montes e Felisbela de Souza Montes.
66

Maria se casou com Carlos Neves de Castro. O casal


deixou os filhos: Cecília, Rosélia, Luiza, Fernanda,
Fernando, Antonio, Hugo, José, Alberto e Paulo. Fernanda,
Fernando, Paulo e Cecília desfrutam da companhia de seus
familiares. Na foto, com a irmã Flávia.
67

HILDEGARDA – nasceu a 17 de setembro de 1905. Às 12


e três quartos da tarde no dia de domingo; batizou-se às 5
horas da tarde dia de domingo, 1º de outubro, padrinhos
Augusto Vianna e Maria Vianna.

Hildegarda casou com Francelino Bastos Bomfim,


“Seu Lindô”, pais do José, Maria Valdélia, Maria Valmeire,
Francisca Valdenice, Flávio, Maria Valkiria, Maria
Hildegarda, Valberto, Francisco das Chagas Neto e Valder.
68

Valdenice, Valkiria, Francisco, Valberto e Valder


vivem hoje na companhia de seus familiares.
Em maio de 1945, aos 39 anos de idade Hildegarda
sofreu uma morte dolorosa. Grávida, em pleno inverno,
com fortes dores de parto, não conseguindo dar à luz,
precisou ser transportada deitada na cama de sua casa na
localidade de Poço Escuro até Acarape. Retiraram a
cabeceira e oito homens a suspenderam, tendo sido
necessário passar por dentro da lagoa do Sítio Pau Branco,
que estava cheia com as chuvas.
Este fato foi presenciado por Fernando, então ainda
criança. Na estação ferroviária, foi providenciada pelo
amigo Chico Vieira, uma locomotiva com uma composição
de carga, que a esperava para efetuar o transporte até
Fortaleza.
Na foto ao lado,
Chico Vieira e
família.
Infelizmente ela
não resistiu durante
o atendimento
médico na capital.
Falece a mãe bem
como também a
criança. Na volta a
Acarape, a mesma
composição
ferroviária a
conduziu em sua
urna funerária, com
a criança.
O irmão Emílio
veio tocando o apito
da locomotiva de
69

Água Verde até chegar na estação de


destino aonde uma comovida
multidão aguardava.
O toque de três notas daquele
apito marcou profundamente a
Emílio que, na ocasião, pediu ao
amigo Chico Vieira que removesse
aquele apito da locomotiva, pois
seria uma lembrança daquele
fatídico dia. Até esta data o apito
continua na caldeira da época de
Emílio no Sítio Pau Branco.
A generosidade de Hildegarda era conhecida por
todos. Franci conta que a mesma, no Natal, adquiria muitas
peças de tecido para presentear as famílias de trabalhadores
em Poço Escuro!
70

FRANCISCO – nasceu no dia 3 de fevereiro de 1907, às


nove horas da noite e batizou-se no dia 14 do mesmo mês,
quinta-feira às 7 horas da noite; padrinhos Ernesto Carlos
de Oliveira e Maria Alcantara de Oliveira.
Francisco (Chaguinha), casou com Maria de
Lourdes. O casal deixou os filhos José, Alice, Franciner,
Osvaldo, Maria (Mocinha), Celeste, Francisco de Assis,
Jandira, Núbia, Maria Joana, Maria de Lourdes, Edmundo
(Wilson) e Regilene. Jandira, Wilson, Maria de Lourdes e
Regilene vivem na companhia de seus familiares.
71

FRANCISCA – nasceu no dia 7 de junho de 1909, dia de


segunda-feira às 9 e meia da noite, batizou-se sábado às 6
horas da tarde 12 de junho. Padrinhos Pedro Chagas e
Flávia Chagas.
Francisca se casou com Sebastião Gonçalves,
posando com ele ao lado do automóvel da família.
O casal deixou a filha Rita Maria que vive junto de
seus familiares.

No verso desta foto consta uma dedicatória de


poucos meses antes da morte de Francisco. “Ao papai e
mamãe o Sebastião e Nini oferecem. Acarape 7-6-930.”
72

Nini, com Rita Maria, ainda criança, em um passeio


na Praia de Cacimbas em Acaraú.
A música sempre esteve presente na vida da mãe,
que já começava a acompanhar a filha, como se observa
neste pequeno violão.
73

Testamentos e Inventário

L avrados aos 26 de agosto de 1923 no Sítio Pau


Branco pelo Tabelião Vicente Nogueira Salles, no
Livro de Notas de nº 15 do Cartório do 1º Ofício de
Redenção, os testamentos de Francisco e Maria Joanna
possuem peculiaridades curiosas.
Os documentos foram redigidos na presença de
cinco testemunhas: Antônio Borges de Souza, Vicente
Ferreira do Valle, Manoel Teixeira Jóca, José de Araújo

Bomfim e Antônio de Andrade Bomfim.

O testamento de Maria Joanna é bem breve, deixa


seus bens a serem divididos da seguinte forma: metade a
seu marido e a outra metade em partes iguais a seus filhos.
O testamento de Francisco é o que apresenta a descrição
detalhada do patrimônio.
74

Quando do óbito de Francisco, a partilha não pôde


se dar da forma descrita no testamento, pois havia a
presença de um filho incapaz, Armindo.
Existem algumas particularidades do texto, a seguir
transcrito, que merecem nossa atenção.
“Disse mais que lhe sendo permitido pelo Codigo Civil
Brasileiro, artigos mil quatrocentos e vinte e três (1423) e
mil seiscentos e setenta e seis (1676) gravar de
inalienabilidade enquanto existir um de seus filhos, não só
todos os bens immoveis imputados á legítima de seus
herdeiros como igualmente os bens da mesma natureza de
que os institue fedeicommisarios, por morte de sua mulher.
[...] Disse mais que, tendo um seguro de vida, na Sociedade
de Seguros “Equitativa dos Estados Unidos do Brasil”, na
importância de dez contos de réis-10:000/r000-; uma vez
liquidado o referido seguro, será dita quantia recolhida um
Banco e o seu rendimento, por intermédio do Parocho da
Freguesia de Redenpção, applicado perpetuamente do
seguinte modo: metade para celebração de missas em
intenção das Almas do Purgatório e, outra metade, para ser
dividida pelos pobres socorridos da Sociedade de São
Vicente de Paula, deste município. [...] Disse finalmente
75

que, ao Parocho da Freguesia de Redenpção, bem como a


seus sucessores sem solucção [...]”
Percebemos que Major Chagas tinha uma visão
incomum para sua época. Deixou claro que seus filhos não
poderiam se desfazer dos bens e muito menos dá-los em
garantia a qualquer tipo de empréstimo. Esta medida
impedia que algum filho terminasse seus dias em pobreza,
por imaturidade ou inaptidão na gestão de seu patrimônio.
Por outro lado, percebemos em Francisco a
preocupação com a vida espiritual de seus contemporâneos,
“encomendando” missas para as almas do purgatório e, ao
mesmo tempo, deixando recursos para caridade,
direcionada àqueles que viviam um “purgatório de
pobreza” na terra.
Estas doações direcionadas à igreja seriam providas
através de um seguro de vida de dez contos de réis, uma
quantia considerável no contexto econômico da época.
O inventário de Francisco das Chagas foi aberto por
decisão judicial. Após seu falecimento, a viúva, D. Maria
Joanna, ingressou na Justiça pedindo cumprimento de seu
testamento.
O juiz encerrou o processo pois, com a presença de
um filho incapaz, no caso Armindo, o testamento não
poderia ser executado de forma direta. O Código Civil
determinava que fosse aberto o processo de inventário.
Na petição inicial na próxima página, vemos D.
Maria Joanna desistindo de seus bens em favor de seus
filhos, o que mostra, como seu marido, uma visão de mulher
além de sua época.
Na descrição do que a esposa recebeu foi
especificado o valor correspondente que era relativo a um
percentual do bem descrito. Este percentual seria, após esta
partilha inicial, repassado a seus filhos.
76

O patrimônio do falecido foi avaliado pelos


partidores aprovados e juramentados, Sr. Joaquim José da
Silva e Sr. Sigefredo Franco de Oliveira. Na ocasião os
mesmos afirmaram que os bens somavam a quantia de
quatrocentos e setenta contos de réis assim discriminados
por transcrição do texto original:
Imóveis:
Sítio Pau Branco, o qual se limita ao nascente com José
Carlos da Silva, ao poente com os ausentes conhecidos por
Cazumbás, ao norte e ao sul, onde der a meia légua do rio
Acarape, com casa de morada e de moradores, armazém,
casa de fábrica com engenho a vapor, alambique contínuo,
catavento e mais acessórios para a fabricação de
77

aguardente, com plantações de cana e fruteiras, sito neste


município e avaliado por noventa contos de réis.
Fazenda Quiniporó, terra de plantar e criar situada no
município de Quixadá, com uma casa de tijolo coberta de
telha, casas de taipa, um açude de terra, mangas de arame
farpado e currais para gado, extremando, ao nascente, com
terras do Riacho do Penha, onde tem também duas partes
em comum com outros herdeiros, ao poente com terras de
S. Caetano, ao sul com terras do Boa Água e Cansanção, e
ao norte com terras do Quati, e que foi avaliado por quinze
contos de réis.
Sítio Poço Escuro situado neste município e que se limita
ao nascente com terras de Cândido Ferreira da Silva, ao
poente com terras de Antônio Alves de Almeida, ao norte
onde der a meia légua do rio Acarape e parte na margem do
mesmo rio, com casa de morada e de moradores, plantações
de cana e fruteiras e mais benfeitorias que se encontrarem e
que foi avaliado por cinquenta contos de réis.
Uma casa da fábrica com engenho a vapor, alambique e
mais acessórios para fabricação de aguardente encravada no
mencionado sítio Poço Escuro, que foi avaliada por dez
contos de réis.
Sítio Santa Fé, situado neste município e que se limita ao
nascente com herdeiros de Antônio Duarte Franco e
Bárbara Franco de Oliveira, ao poente e ao norte com José
de Araújo Bomfim, ao sul com Luiz Bemvindo de
Vasconcelos e terras do sitio Riachão, com casa de morada
e de moradores, com plantações de cana e fruteiras e mais
benfeitorias que se encontrarem, que foi avaliado por trinta
contos de réis.
Casa de fábrica, situada no mesmo Sítio Santa Fé, com
engenho a vapor, alambique contínuo e mais acessórios, e
que foi avaliada em oito contos de réis.
78

Sítio Rio Novo, situado em Guaiúba, município de


Pacatuba, com casa de morada e moradores, casa de fábrica,
engenho a vapor, alambique contínuo e mais acessórios
para fabricação de aguardente, um açude de terra e mais
benfeitorias, extremando ao nascente com Jacob Santiago,
ao norte com Manoel Paulino e Henrique Bezerra, ao sul e
ao poente com Isaú Accioly, que foi avaliado por trinta
cinco contos de réis.
Sitio Bôa União situado neste município, com casa de
morada e de moradores, casa de fábrica com maquinismos
em ruínas, Plantações de cana e fruteiras, inclusive os
terrenos da Serra conhecidos por Sitio São Pedro,
extremando ao nascente com terras do Boqueirão, ao poente
com o rio Acarape, ao norte com Isabel Emília e ao sul com
os herdeiros de Raimundo Antônio de Queiroz, com mais
benfeitorias que se encontrarem, e que foi avaliado por
trinta cinco contos de réis. (foto abaixo) Único bem ainda
de propriedade de descendentes, com a originalidade
preservada.

Sitio Riachão, situado neste município e que se limita ao


nascente com Luiz Bemvindo de Vasconcelos, ao poente,
com Francisco de Souza Milhome, ao norte, com o Sítio
Santa Fé, e ao sul, com Ananias Arruda, com casa de
79

morada e de moradores, casa de fábrica com engenho a


vapor, alambique contínuo e mais acessórios para
fabricação de aguardente de cana, fruteiras e mais
benfeitorias, e que foi avaliado por vinte cinco contos de
réis.
Fazenda Curralinho, no município de Quixadá, com casa
de morada e de moradores, terras de plantar e criar, mangas
de arame e curral para gados, extremando ao nascente, com
os herdeiros do coronel Nanã, ao poente, com José de
Araújo Bomfim, ao sul, no rio Sitiá, e ao norte, onde der a
meia légua do dito rio, e que foi avaliada por sete contos de
réis.
Sítio Capoeira, situado neste município e que foi havido
por herança do capitão Lúcio José do Bomfim, à
inventariante, com plantações de cana e fruteiras e extrema
conhecidos e respeitados, e que foi avaliado por cinco
contos de réis.
Fazenda Jurema, terra de plantar e criar no município de
Quixadá, com casa de morada e de moradores, mangas de
arame farpado e de madeiras, currais para gado e mais uma
parte de terra ligada à mesma pelos fundos, no lugar
Carcará, do rio Sitiá, extremando ao nascente, com terras de
Carnaúba, ao norte, onde der a légua do rio Banabuiú, ao
sul, na margem do mesmo rio, e ao poente, com terras dos
irmãos Eufrásio, a qual foi avaliada em quinze contos de
réis.
Uma casa de morada toda de tijolo coberta de telha, de
quatro portas de frente, sita nesta cidade a praça da Matriz,
avaliada em quatro contos de réis. (imóvel onde hoje se
situa agência da Caixa Econômica Federal).
Um quarto no mercado público desta cidade, de tijolo,
com prateleiras e balcão, a rua municipal, avaliado em um
conto de réis. (aberto para área interna do mercado junto
ao portão do lado nascente).
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Valor em dinheiro: setenta e cinco contos e trezentos e


vinte e um mil réis.

Semoventes:
20 burros avaliados em cinco contos de réis.
150 vacas avaliadas em quinze contos de réis.
100 novilhotes avaliados em seis contos de réis.
100 garrotes avaliados em quatro contos de réis.

Bem móvel:
Um trator Fordson, com arados e grades, já usados no
valor de quatro contos seiscentos setenta e nove mil réis.
(O automóvel Chevrolet 1928 deveria estar registrado no
nome de Maria Joanna pois não consta no inventário.
Inclusive o veículo era usado prioritariamente para levar a
família à missa aos domingos. Existe relato de que a
mudança da residência do Sítio Santa Fé para o Sítio Pau
Branco, foi algo que desagradou a Maria Joanna pela
grande distância até a Matriz. Pensa o autor que o veículo
foi um presente para compensar a tristeza a este incômodo.)
Aguardente:
25.000 canadas avaliadas em trinta contos de réis. (66.550
litros pela medida usada na época).

Após a divisão dos bens entre a mãe e os filhos e,


posteriormente, com a doação da parte materna aos filhos,
se observa que algumas famílias se acomodaram em várias
das propriedades herdadas.
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Flávia e Armindo já residiam no Sítio Boa União e


ela, ao final, ficou com toda a propriedade. Emílio já residia
no Sítio Pau Branco e ficou com parte daquela propriedade.
Maria já residia no Sítio Pau Branco e ficou com parte
daquela propriedade. Hildegarda já residia no Sítio Poço
Escuro e ficou com a maior parte desta propriedade.
Eugênia já residia no Sítio Santa Fé e ficou com esta
propriedade. Chaguinha já residia no Sítio Rio Novo e
herdou toda esta propriedade. Francisca já residia no Sítio
Pau Branco e ficou com parte desta propriedade.
Com o passar dos anos foi natural descendentes
venderem entre si ou a terceiros os bens herdados. Havia a
cláusula impedindo a venda pelos filhos e, por força de lei,
a transferência só poderia ocorrer obedecendo critérios
legais específicos.
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O processo foi homologado pelo Dr. Josias


Sisnando de Lima, Juiz de Direito da comarca de
Maranguape e arquivado definitivamente em Redenção na
data de 09 de fevereiro de 1931, 44 dias após o óbito.
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Epílogo

C
ompartilhados os fatos da vida de Francisco, sua
esposa e seus filhos, alguém poderia perguntar “e
não vais contar os erros, enganos e pecados destes
protagonistas?”
A pesquisa realizada para este breve relato não foi
profunda a ponto de exaurir todas as fontes documentais
sobre as vidas aqui relatadas. Antes esta obra busca
despertar em outros o desejo de ir além numa procura mais
abrangente sobre as vidas de Francisco e Maria Joanna.
Não foi encontrado nada publicado, nem se recebeu
relato de fatos contrários aos personagens. Existe a
possibilidade real de que notícias criticando Francisco das
Chagas sejam encontradas, principalmente propagadas por
seus opositores políticos.
Há muitos anos o autor ouviu uma crítica isolada
que acusava Major Chagas de ter construído seu patrimônio
de forma desonesta.
Hoje, à luz de tudo que foi coletado, o autor conclui
que aquela narrativa, de alguém que sequer era adulto
quando da morte de Francisco, não passava de uma falácia,
algo fruto de uma enfermidade moral que circunda a quem
prospera, a inveja dos demais!
O primeiro motivo para este pensamento é de cunho
familiar. Os reiterados testemunhos de José Costa Ribeiro à
Regina, sua filha, ao admirar a honestidade do sogro,
mesmo anos após sua morte são, aos olhos do autor, algo de
sólida credibilidade. José trabalhou ao lado do sogro na
gestão dos negócios durante vários anos.
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O segundo motivo é de cunho puramente óbvio.


Envolvido na política, caso houvesse qualquer deslize na
conduta pessoal de Chagas, em uma época onde a moral era
o alicerce maior do homem público, ele teria tido sua
imagem aniquilada aos olhos de seus contemporâneos de
Redenção.
Passada a época do óbito a vida continuou, sua
descendência cresceu e se multiplicou.
Maria Joanna, agora viúva, passou a residir com a
filha mais nova Nini e veio a óbito em 12 de junho de 1943,
sendo sepultada ao lado de seu amado esposo.
Pedro fixou residência em Maringá PR. Trabalhou
como médico na Revolução Constitucionalista de 1932 ao
lado de seu amigo e colega de profissão Juscelino
Kubitschek.
Armindo residiu com sua irmã Flávia até sua morte
em 21 de outubro de 1966.
Emílio continuou a trabalhar na produção de
aguardente, gostava de tocar violão. Há relato de que,
quando relembrava sua querida irmã Hildegarda, passava a
tarde triste, acionando o apito da locomotiva que estava
montado na caldeira, alterando a pressão do vapor e
interrompendo assim a produção.
Lindô, viúvo de Hildegarda, se casou novamente e
continuou também a trabalhar na produção de aguardente.
José Costa Ribeiro herdou o prestígio político do
sogro e foi prefeito de Redenção em dois mandatos.
Chaguinha chegou a produzir uma aguardente na
década de cinquenta de nome “Guaiubinha”, mas não restou
nenhum exemplar ou rótulo da garrafa.
Nini herdou do pai, que tocava flauta, o gosto pela
música. Rita Maria conta que ela tinha e tocava de ouvido
diversos instrumentos como piano, violão, violino,
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acordeão, cavaquinho, realejo, pandeiro, triângulo, reco-


reco e ainda improvisava uma percussão com duas colheres,
uma virada contra a outra na mão. Gostava ainda de
pescaria e de praticar tiro!
Fernando, filho de Maria, vivia muito adoentado
quando criança. Tal incômodo lhe permitiu que estivesse
sempre muito próximo da mãe, que aproveitava e contava
ao filho muitos dos relatos familiares que enriqueceram este
livro.
Francisco seria totalmente desconhecido da atual
geração, não fosse uma homenagem prestada por seu
bisneto Flávio Chagas Bomfim Júnior, primeiro prefeito
eleito do município de Acarape.
Por meio da Lei Municipal 300/2003, o Centro de
Saúde, localizado na Rua José Guilherme em Acarape,
passou a ser denominado de “Major Francisco das Chagas”.
Na frente da atual Unidade Básica de Saúde se
omite, por motivos desconhecidos ao autor, o termo
“Major” de sua denominação oficial (foto abaixo).
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Ocorreram diversos casamentos entre primos, filhos


dos filhos de Francisco e Maria Joanna. Câmara, Costa,
Tinôco, Bomfim e diversos outros sobrenomes vieram a
somar nesta abençoada descendência que hoje pode
transmitir aos seus descendentes este belo relato de vida.
Convém relembrar as palavras de Hermenegildo
Firmeza: “Do Acarape, terra clássica da liberdade, que
entre nós primeiro aboliu seus escravos, chegara, horas
antes, um trem expresso com grupos de patriotas, tendo à
sua frente o Major Francisco das Chagas, que se bateu
com grande heroísmo. É justo assinalar este fato, para
glória daquele povo.”
Era uma vez um garoto que não se abateu pelas
adversidades, soube abraçar as oportunidades, vencer as
intempéries da vida e, junto de sua amada Maria Joanna,
construir uma bela família em uma vida repleta de
emoções!
Francisco das Chagas, apenas das Chagas!
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Referências
BARROSO, Francisco de Andrade. Os ANDRADES,
de Goiana-PE a Maranguape-CE. Disponível em
https://drive.google.com/file/d/15JcP8ZmCr6EpVmyXttS
4WNr_FRgz-Nin/view?usp=drivesdk

FIRMEZA, Hermenegildo de Brito. A Revolução de 1912


no Ceará. Disponível em
https://www.institutodoceara.org.br/revista/Rev-
apresentacao/RevPorAno/1963/1963-
ARevolucaode1912noCeara.pdf

THEÓPHILO, Rodolpho. A Libertação do Ceará.


Disponível em https://www.fwa.org.br/livros/libertacao-
do-ceara-queda-da-oligarquia-acioly-1997.pdf

Jornais mencionados disponíveis em


http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx

Prefeitura Municipal de Acarape. Lei 300/2003.


Disponível em
https://acarape.ce.gov.br/arquivos/562/LEIS%20MUNICI
PAIS_300_2003_0000001.pdf

Processos de Testamentos e Inventário mencionados,


disponíveis em pasta compactada em:
https://drive.google.com/file/d/1Oaoqx6iTkEpwYY4HEy
M860yiq9bg2OSD/view?usp=sharing
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Créditos das Fotografias

Fotos expostas na sede do Sítio


Boa União, preservadas por Flávia Araújo Costa,
descendente do casal. Reprodução feita pelo autor.

Fotos do acervo de
Maria Regina Chagas Costa Oliveira, gentilmente cedidas
por Adalberto Vieira Costa Filho, irmão do autor.

Foto gentilmente cedida por Rita Cássia


Bomfim, descendente do casal.

Foto gentilmente cedida por Rogério


Chagas, descendente do casal.
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Foto gentilmente cedida por Nancy


Chagas, descendente do casal.

Foto gentilmente cedida por Gisela Camarão,


descendente do casal.

Foto gentilmente cedida por Fernanda


Chagas, descendente do casal.

Foto gentilmente cedida por Maria Luíza


Costa Soares, descendente do casal.

Foto gentilmente cedida por João Paulo


Chagas, descendente do casal.

Foto gentilmente cedida por Verônica


Fernandes, descendente de Manoel Fernandes Júnior.

Foto gentilmente cedida por Sirena Bomfim,


descendente de Lúcio José do Bomfim.
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Fotos
gentilmente cedidas por Rita Maria Gonçalves,
descendente do casal.

Fotos gentilmente cedidas


por Fco. Áureo Chagas de Castro (Aurinho), descendente
do casal.

Foto gentilmente cedida por Tetê


Albuquerque.

As fotos presentes no Prólogo foram as cedidas pelo


Arquivo Nirez, já mencionado em nota de rodapé.
As demais fotos foram realizadas pelo autor.
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