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INTELIGÊNCIA E APRENDIZAGEM: ENFOQUES PARADIGMÁTICOS1

Júlia Eugênia Gonçalves

INTRODUÇÃO

Inteligência e aprendizagem são conceitos com os quais os profissionais das


áreas da educação e saúde trabalham em suas formulações teóricas. Os
resultados práticos destes estudos são aplicados nas propostas educacionais,
utilizados nos diagnósticos clínicos e na produção de materiais pedagógicos.

De acordo com o momento histórico e o paradigma científico dominante, tais


conceitos sofreram alterações significativas com repercussões sobre a forma
de se apresentar o fenômeno humano. Por isso, é necessária uma análise que
leve em consideração os conceitos e os paradigmas paralelamente, a fim de
que se possa compreender a evolução dos métodos e das técnicas aplicadas
por professores, psicólogos, psicopedagogos e demais profissionais envolvidos
na tarefa educativa.

Serão enfocados aqui os dois modelos de pensamento que dominaram o


século XX e que ainda influenciam as posturas pedagógicas da atualidade,
assim como a maneira como os conceitos de inteligência e aprendizagem
foram trabalhados em ambos.

O termo “modelo" é utilizado no sentido de expressar uma teoria sobre um


determinado domínio factual. Não deve ser considerado simplesmente como
analogia ou metáfora da realidade, mas como uma representação que cumpre
uma função heurística na construção do conhecimento.

A teoria de modelos é um recurso interpretativo do método utilizado neste


trabalho, já que a intenção é a de apresentar os conceitos de inteligência e
aprendizagem de acordo com determinados modelos de ciência.

Sempre que houver referência a uma corrente filosófica, será como um


“modelo” de pensamento ou paradigma, configurado a partir de uma visão
científico-cultural, acompanhado por um conjunto de valores que exercem forte
influência na sociedade e que permitem apreender a realidade da época.

O PARADIGMA MODERNO:

“O paradigma da modernidade é um projeto ambicioso e


revolucionário, mas é também um projeto com contradições internas.
Por um lado, a envergadura das suas propostas abre um vasto
horizonte à inovação social e cultural; por outro, a complexidade dos
seus elementos constitutivos torna praticamente impossível evitar

1
Capítulo do livro Mente e Corp: integração multidisciplinar em neurologia. Luiza Elena Ribeiro
do Valle( org) Rio de janeiro, editora Wak, 2007
que o cumprimento das promessas seja nuns casos excessivo e
noutros insuficiente.” 2
O conceito de modernidade pode ser analisado como um marco histórico-
temporal, como o advento de um novo modo de produção ou como uma
mentalidade, uma visão de mundo e um modelo de ciência. Modernidade ou
modernismo é um fenômeno ocidental. Situa-se no contexto histórico das
civilizações que se expandiram da Península Balcânica para a Itálica e Ibérica
atingindo todo o continente europeu e, dali, a América.

“Modernidade é aqui entendida como modernidade ocidental. Não se


trata de um paradigma sócio-cultural global ou universal, mas sim, de
um paradigma local que se globalizou com êxito, um localismo
globalizado”. 3

A modernidade se apóia nos pressupostos renascentistas de racionalidade


científica e de poder laico como forças que pretendem subtrair o homem das
tutelas da fé, da autoridade e do poder, trazendo consigo as promessas de
universalidade e felicidade do liberalismo econômico. Serviu de terreno para o
homem criar coletivamente um grande empreendimento que, a partir do século
XVI, viria a responder a seus anseios convertendo a ciência na principal
instância legitimadora de suas crenças. Tal ciência busca a exatidão: pretende
encontrar a verdade que deve estar contida nos fenômenos naturais. Por isso,
aspira ao domínio da natureza. A partir desta época, as coisas são ou não são.
Não há meio termo! O mundo é concebido como passível de ser conhecido
através de leis simples e imutáveis.

O saber da modernidade é totalmente dicotômico e excludente, produzindo


sempre a marginalidade seja entre o conhecimento científico e o senso comum,
entre homem e natureza ou entre o capitalista e o proletário. Alicerçada nestas
premissas a realidade é concebida como algo estático, constituída de
regularidades e regida por leis matemáticas e independentes do sujeito que as
conhece e as descobre. A natureza, por sua vez, é vista como um conjunto de
mecanismos revelados por meio de leis.

Este paradigma irá imperar durante séculos e ainda hoje subsiste, apesar de já
serem sentidos os impactos de uma nova transição paradigmática. Suas
características permitem definir toda a produção científica a partir dos séculos
XIV e XV como “moderna”, e configuram um novo modelo de pensamento.

“A partir dos séculos XVI e XVII, a modernidade ocidental emergiu


como um ambicioso e revolucionário paradigma sócio-cultural...” 4

O Modelo Positivista Clássico:

2
SANTOS, 2000.p.50
3
SANTOS, 2000.p.18.
4
SANTOS, 2000.p.15.
O Positivismo é considerado um “modelo” de pensamento da modernidade
porque, por intermédio da análise de suas teorias, é possível compreender a
realidade daquele momento histórico. Tem em Augusto Comte seu destaque e
vai influenciar o pensamento e a vida nos séculos XIX e XX. Comte elegeu a
palavra “Positivismo” considerando que ela assinalava a realidade e a
tendência construtiva que pretendeu imprimir ao aspecto teórico de sua
doutrina. De maneira geral, interessou-se em estudar como a vida social se
reorganizou para o bem da humanidade por intermédio do desenvolvimento do
conhecimento científico, permitindo o controle das forças da natureza.

Tentando justificar o avanço científico e o progresso advindo da revolução


industrial, evoca o passado e divide a evolução do pensamento humano em
três etapas: Teológica, Metafísica e Científica. Na primeira, de acordo com sua
ótica, a humanidade utiliza recursos sobrenaturais para explicar os fenômenos
naturais; o estado tem uma referência teológica e militar, característico das
sociedades antigas, cujo senso de unidade social era dado pela família. Na
segunda, as explicações são de natureza mais abstrata, o estado já tem
referência legal, característico das sociedades medievais, tendo no coletivo sua
força de coesão; na terceira, a humanidade teria atingido seu estado mais
evoluído – sociedades modernas – pois as explicações têm um cunho científico
e as leis naturais explicam por si só os fenômenos observados, por isso, o
universalismo é sua marca.

Tal atitude de busca da lei com o esclarecimento das causas como condição
absoluta de conhecimento é o fundamento sobre o qual vai repousar a
modernidade, que encontra na causalidade lógica e no empirismo suas
expressões mais significativas.

Os princípios fundamentais do positivismo clássico podem ser assim


resumidos:

 Desprezo pela metafísica e por toda proposta não vinculada a fatos


constatados;
 Desprezo pelos juízos de valor que não estejam apoiados em leis
científicas;
 Reconhecimento do empirismo como o único meio capaz de concluir
investigações sistemáticas e verdadeiras, das quais é possível a
dedução de conclusões válidas;
 O fenomenalismo, que somente aceita a experiência obtida pela
observação dos fenômenos;

O positivismo torna-se uma postura frente ao problema do conhecimento


humano e a expressão mais abrangente do espírito científico do século XIX. A
realidade empírica passa a ser a verdade e o único objeto digno de ser
conhecido. Necessita ser explicada com o auxílio do método científico porque
engloba a totalidade dos fenômenos, sejam de ordem natural ou espiritual.
Aquilo que não pode ser submetido a tais premissas e condições perde
completamente o valor. Tudo o que se encontra além da relação causa/efeito,
pertence à fantasia.

A CONCEPÇÃO QUANTITATIVA DE INTELIGÊNCIA E APRENDIZAGEM:

A concepção filosófica positivista vai influenciar os estudos sobre a inteligência


humana porque, para explicar, necessita compreender, o que diz respeito à
intuição do psíquico.

A palavra inteligência5 está associada a funções intelectuais, significando a


faculdade mental de apreender ou compreender. Expressa atributos de
sagacidade, discernimento. O termo está enraizado nas matrizes filosóficas
gregas e no pensamento ocidental como síntese de várias funções do
conhecimento ou como “faculdade” distinta das outras tais como afetividade,
vontade ou sensibilidade. Foi tratado de forma científica pela Psicologia,
disciplina que ganha status de ciência no início do século XIX, período em que
predominava o pensamento positivista e no qual a sociedade industrial
capitalista em expansão demarcava claramente a diferença entre trabalho
mental e trabalho físico.

As necessidades de recrutamento e seleção de mão-de-obra para as


indústrias, com demandas de classificação e predição de desempenhos,
concorreram para o desenvolvimento da psicometria e dos estudos
quantitativos relacionados com a inteligência. Em 1905, surge a primeira escala
métrica individual de inteligência: a de Binet-Simon, definindo o que se
chamaria idade mental e QI (quociente intelectual), expressando a relação
entre idade mental e idade cronológica.

Parece fácil estabelecer relações entre estas proposições e o pensamento


positivista, na medida em que, como já foi dito, esta corrente filosófica
sustentava um pensamento científico que considerava verdadeiro o que
pudesse ser medido e expresso por meio de linguagem matemática.

A concepção de inteligência característica do pensamento positivista separa as


pessoas em grupos dicotômicos a partir de seu QI, acreditando que esta
faculdade é fixa e determinada por fatores genéticos e hereditários. Sustenta a
percepção de que os indivíduos dotados de maior quociente de inteligência
estão mais aptos para a aprendizagem do que aqueles menos dotados e
influenciando sobremaneira o sistema escolar. Considera que a inteligência é
um componente inato, porém distinto, e por isso mesmo diferenciador entre os
seres humanos e que isso é uma lei natural. A avaliação crítica denuncia a
focalização da capacidade mental humana como um atributo ou traço fixo,
associado enfaticamente ao potencial genético

5
BREGUNCI, 1997, p76-81 passim.
Compreender a inteligência e a aprendizagem desta maneira teria concorrido,
portanto, para aguçar as superstições, os preconceitos, reduzindo o biológico
ao genético e convertendo a hereditariedade “genética” em hereditariedade
“social”, bem de acordo com o “darwinismo social”, proposto e defendido por
Durkheim6. É sabido que o funcionalismo expressa o pensamento positivista no
âmbito da sociologia.
Há uma ordem linear e causal que sustenta a visão científica moderna: todo
fenômeno é efeito de uma causa. Do encadeamento entre causas e efeitos
progride o pensamento humano na busca da verdade. O termo linear origina-se
de “linha”, cuja definição básica é a de ser “distância entre dois pontos.”
Pressupõe um espaço no qual os pontos estão situados e um tempo que
decorre em seu traçado. Esse conceito traz em si a ideia de continuidade,
presente nas paralelas e na espiral.

O que se denomina de pensamento linear é, portanto, uma forma de encarar a


realidade como fenômeno situado entre dois pontos. Isto fica patente na
sistematização histórica, dividida em períodos cronológicos a partir de eventos
significativos, formando uma série expressa em uma “linha de tempo”. O
pensamento linear implica num espaço contíguo e num tempo imediato.

A linearidade se expressa pela ideia de que há sempre um sujeito que pratica


uma ação da qual deriva uma consequência que mobiliza o sujeito para outra
ação, levando ao progresso e à evolução sucessiva. O conceito de linearidade
implica em que a cada causa corresponda uma consequência, numa série
infinita. Implica também numa visão sempre dicotômica, posto que separe
sujeito de objeto e ação de reação. Traz como consequência o afastamento
entre a teoria e a prática, o que vai servir para justificar os sistemas de
exploração colonial que se formam na modernidade, baseados na dicotomia
entre trabalho intelectual e trabalho manual. A ciência moderna realizou a
tarefa de criar teorias para fundamentar as práticas existentes, o que é
absolutamente novo na história da humanidade.

Ainda hoje se vive sob a influência desta visão, expressa em tendências


presentes na sociedade ocidental. Os sistemas de ensino são seriados,
registros os mais diversos também o são; a sociedade é dividida em classes e
os partidos políticos em facções.

A concepção de aprendizagem sofre os efeitos da visão linear, pois é


compreendida como resultado de esforço, atenção e repetição por parte do
aluno e de trabalho e dedicação da parte do professor. Os conhecimentos, para
serem aprendidos, necessitam estar separados em disciplinas estanques, que
não se comunicam entre si e as dificuldades organizadas em séries
ascendentes, por pré-requisitos. A relação pedagógica é pautada na diferença
de papéis entre professor e aluno, na medida em que o primeiro é considerado
sujeito da ação e o segundo, o objeto desta.

6
Cfr. GOMES, 1994. p 31-44 passim.
O positivismo clássico e a ciência moderna incentivaram a causalidade na
investigação da realidade e elegeram o pensamento linear como a forma pela
qual as relações entre os fatos e os fenômenos se apresentam. Isso se
encontra de tal maneira impregnado no pensamento do homem ocidental que
tem caráter de dogma, impedindo que novas formas de pensar possam ser
aceitas e difundidas e colocando o homem contemporâneo em situação de
perplexidade diante da dificuldade em determinar os agentes, as ações e as
consequências delas advindas.

O PARADIGMA PÓS-MODERNO:

O que se chama de pós-modernidade ou pós-modernismo é um movimento


sociocultural que ganhou impulso a partir da segunda metade do século XX.
“Pós-modernismo é o nome aplicado às mudanças ocorridas nas
ciências, nas artes e nas sociedades avançadas desde 1950,
quando, por convenção, se encerra o modernismo (1900-1950). Ele
nasce com a arquitetura e a computação, nos anos 60, cresce ao
entrar pela filosofia, durante os anos 70, como crítica da cultura
ocidental. E amadurece hoje, alastrando-se na moda, no cinema, na
música e no cotidiano programado pela tecnociência (ciência +
tecnologia invadindo o cotidiano com, desde alimentos processados
até microcomputadores) sem que ninguém saiba se é decadência ou
renascimento cultural.” 7

Este movimento caracteriza-se por uma severa crítica aos padrões éticos e
estéticos que vigoraram no século passado e é típico das sociedades pós-
industriais baseadas na informação. Passou a incorporar uma visão de mundo
relacionada ao fim dos conflitos mundiais e à superação da “guerra-fria”.

Além de um movimento filosófico o pós-modernismo é um paradigma


sociocultural, baseado em novas premissas para a vida e a sociedade
humanas: a conquista do espaço extraterrestre; os avanços da biologia
molecular, com a descoberta do DNA; o aumento desenfreado do consumo nas
sociedades capitalistas e sua consequência mais imediata, o individualismo
exacerbado; a liberação feminina; a música eletrônica; o niilismo nas artes em
geral.

Em termos históricos o pós-modernismo acompanha a crise do pós-guerra e a


extinção dos modelos comunista-socialistas no mundo contemporâneo, assim
como o avanço desenfreado do capitalismo em sua feição globalizada e
neoliberal; testemunha o aumento da densidade populacional nos grandes e
médios centros urbanos e a crise de valores que se sucede. Passa a expressar
e ao mesmo tempo a criticar toda a lógica cultural do capitalismo avançado,
estabelecendo a união entre arte, cultura e mercado.

O prefixo “pós” indica o que vem depois, o que sucede à modernidade,


significando um corte não apenas no âmbito da política e da economia, mas,

7
SANTOS, 1986. p. 7-8
sobretudo no pensamento das pessoas, as quais compreendem que estão
vivendo uma fase de grandes transformações que afetam a todos direta ou
indiretamente e que é necessário compreender seu significado no contexto da
sociedade como um todo.

Tem sido comum caracterizar a pós-modernidade como um movimento de


oposição à modernidade, a partir da leitura de seus filósofos. Isso traz algumas
dificuldades, que podem ser exemplificadas pelo prefixo “pós”, já referido: ele
significa o que vem depois, o que sucede e, portanto, traz em si a idéia de
linearidade, aspecto negado pelo próprio movimento.
O que se verifica é que a pós-modernidade muda o enfoque sobre o sujeito
definido pelo iluminismo: um ser superior e localizado, com um perfil
eurocêntrico, branco, machista e colonizador. A relação sujeito/objeto, dirigida
pelo primeiro, privilegiava o segundo e acabava “objetivando“ o convívio
humano. O movimento pós-moderno passa a considerar o par sujeito/objeto
sob uma ótica humanista e ecológica, pautando suas ações pela cooperação e
pela solidariedade e não mais pelo domínio e competição.

Esta mudança de perspectiva traz profundas alterações no entendimento do


conhecimento científico, que vai se comprometer com promessas baseadas em
novos pressupostos, os quais, a priori, não podem garantir verdade e
felicidade.

“fica abalada até mesmo a máxima Kantiana do “caminho seguro da


Ciência”. Como veremos, esse desaguadouro – na medida em que
se pretende um campo desdogmatizado – implica uma postura de
humildade frente ao conhecimento em geral, e frente, especialmente,
ao conhecimento científico.”8

Houve um deslocamento do foco das investigações científicas, que deixaram


de lado a busca das bases racionais sólidas sobre as quais se poderia erigir
um conhecimento seguro, para a busca da compreensão das próprias práticas,
seus produtos e suas relações com a sociedade. Passou-se da reflexão
metafísica e da investigação lógica para a investigação histórica, hermenêutica,
compreensiva. Como conseqüência desta mudança a ciência não foi mais
submetida ao tribunal da razão e passou a se comprometer com o futuro da
humanidade, com seus efeitos morais e com a construção de uma sociedade
mais cooperativa.Na modernidade a ciência privilegiava a quantidade sobre a
qualidade. Hoje, existe a tendência marcante de retorno ao marco da
qualidade, o que caracteriza o período atual como de transição paradigmática.

O MODELO DA COMPLEXIDADE:

Para definir os contornos deste modelo, característico do paradigma pós-


moderno, é necessário que se defina o termo “complexidade” para que se

8
VEIGA NETO, 1997. p. 3.
possa compreender a visão de mundo da atualidade, em oposição à
“racionalidade“ da época moderna.

“Complexidade” expressa uma nova maneira de ver e entender o mundo,


diametralmente oposta à visão mecanicista moderna. Suas raízes emanam de
pesquisas na Biologia que vão culminar com a ”Teoria dos Sistemas Vivos“ de
Maturana e Varela9,os quais concluem que o ambiente vivo é complexo porque
o processo vital é uma atividade contínua que tem o poder de produzir e
reproduzir-se continuamente a si mesmo. Caracterizado por uma “organização
autopoiética”10 que implica um constante interagir, os seres vivos evoluem num
estado de operacionalidade que não comporta limites e se sustenta nas trocas,
nas conexões entre unidades autônomas, formando uma grande ”rede” de
relações.

É um conceito que também está ligado a uma visão sistêmica da realidade,


cujas raízes estão na física. Na concepção dos físicos pós-modernos o
universo é constituído por fenômenos determinados pela mútua consistência,
por conexões de partículas que interagem no cosmo por forças de atração e
retração recíprocas. Isto torna impossível a busca do “elementar”, da partícula
última, sólida, independente e isolada, perseguida pela física clássica na
construção do conceito de matéria. Os fenômenos físicos eram reduzidos ao
movimento das partículas que acontecia em razão das forças gravitacionais, as
quais eram expressas sob a forma de leis descritas em linguagem matemática
bem de acordo com a visão de mundo da modernidade.

O conceito de complexidade também está relacionado com a teoria da


informação e com as ciências cognitivas desenvolvidas nas últimas décadas do
século XX. O cérebro e seus neurônios em movimentos expansivos a partir das
conexões mantidas entre si alimentam a metáfora da rede, assim como o
processamento da informação que ali ocorre possibilita a compreensão de um
sistema que é sempre retroalimentado a partir das relações que estabelece
com outros sistemas com os quais interage.

A complexidade considera a ambiguidade, a diversidade, a diferença, os


limites, não como obstáculos, mas como oportunidades de criação de novos e
múltiplos sentidos e conceitos para a aventura de ser humano.

A metáfora rizomática se torna uma das bases desta nova epistemologia e vai
encontrar no conceito de transdisciplinaridade seu contraponto ideal.

9
Cf. MATURANA E VARELA, 2002. pp. 70-77.
10
O conceito de “autopoiese” foi construído por Maturana e Varela, e hoje é fundamental
na Biologia, com repercussões em vários campos do conhecimento humano. Expressa o
processo de constituição da identidade dos seres vivos, definida como circular: Uma rede de
produções metabólicas que, entre outras coisas, produzem uma membrana que torna possível
a existência mesma da rede. Esta circularidade fundamental é, portanto, na opinião destes
autores, uma autoprodução única da unidade vivente em nível celular. O termo autopoiese
designa esta organização mínima do vivo.
O conhecimento humano passa a ser visto com o auxílio de outros vetores, os
quais evoluem de posturas disciplinares para atitudes transdisciplinares. Para
se compreender tal evolução de pontos de vista, é mister que se faça uma
apreciação destes termos.

A atitude disciplinar frente ao conhecimento humano, como já se viu, é fruto da


visão cartesiana moderna que tinha no processo mental da análise sua base
interpretativa, seguindo a suposição de que para conhecer o todo é preciso
compreender as partes.

No início do século XX esta visão foi substituída por duas outras, que
coexistiram durante várias décadas: a interdisciplinaridade e a
multidisciplinaridade ou pluridisciplinaridade. A primeira diz respeito a uma
transferência de método de uma disciplina para outra, abrindo espaços,
algumas vezes, para o aparecimento de novas contribuições no campo das
ciências, mas seus objetivos permanecem afeitos ao âmbito das disciplinas.

A transdisciplinaridade constitui uma visão sistêmica que representa a


superação da visão dicotômica e dualista dos tempos modernos e se opõe à
separação rígida dos saberes. Neste sentido, o conceito de
“transdisciplinaridade” tem sido aceito no ambiente universitário porque se
coaduna com o espírito da Universidade.

Apesar da adoção da “abordagem transdisciplinar” nas Universidades,


sobretudo nos cursos de formação em novos campos do conhecimento
humano tais como a mecatrônica, a bioquímica, a biomedicina ou a
psicopedagogia, existe nos meios acadêmicos alguma reserva ao conceito de
transdisciplinaridade, já que sua adoção importa numa revisão das estratégias
de conhecimento desenvolvida na modernidade e que ainda não caíram em
desuso.

INTELIGÊNCIA E APRENDIZAGEM SEGUNDO O MODELO DA


COMPLEXIDADE:

O que se verifica nos tempos pós-modernos é a superação das perspectivas


inatistas e ambientalistas em termos de concepção de inteligência e
aprendizagem.

Propostas sócio construtivistas imperam a partir da década de setenta do


século passado, com as teorias de Piaget, Vygotsky e Wallon, os quais, mesmo
se identificando com os modelos positivistas de pensamento, inauguram nova
visão acerca destas questões. Estes autores, apesar de muitas vezes serem
considerados antagônicos, podem ser analisados numa perspectiva de
coautoria, trazendo um novo enfoque a respeito da inteligência e aprendizagem
humanas. 11

11
VASCONCELOS, 1995. p. 19. A perspectiva co-construtivista redimensiona os
vínculos presentes entre as perspectivas construtivistas e sociogenética, preservando o papel
Na abordagem co-construtivista são expostos dois modelos vinculados às
ideias da psicologia do desenvolvimento e aprendizagem: o unidirecional, que
considera o sujeito em processo de socialização como um ser passivo que
recebe a informação e só pode aceita-la ou rejeitá-la, nunca transformá-la; e o
bidirecional, que explica a transmissão cultural por meio de um fluxo constante
de construções ativas das gerações anteriores, pertinentes ao processo de
formação das novas gerações.

No primeiro, impera uma modalidade de transmissão cultural centrada na


emissão/recepção de mensagens, que sustentou as práticas pedagógicas na
concepção moderna de educação. A aprendizagem é compreendida de forma
unilateral, a partir de um professor que ensina para um aluno que deve
aprender. A informação é fixa e a forma de transmiti-la é unificada para toda a
classe. Seja numa perspectiva inatista – tudo está definido pela natureza –, ou
numa perspectiva ambientalista – tudo será definido pelo ambiente –, o
desenvolvimento e a aprendizagem obedecem a uma direção que acontece
unidirecional mente e a cultura é vista como algo a ser apreendido e nunca
recriado.

No segundo, o processo de desenvolvimento e aprendizagem é entendido


como sistema aberto, no qual a novidade será sempre uma possibilidade
esperada de maneira constante e vista de forma positiva.
“O modelo de transmissão cultural bidirecional assume de início que: (I)
todos os outros sociais, presentes no convívio diário do sujeito, participam
do processo de transmissão cultural; (II) todo participante de um processo
de transmissão cultural é um participante ativo, o que o torna um
modificador ativo da cultura; (III) todo processo de transmissão cultural
envolve, incondicionalmente, mudanças no sujeito (receptor), na mensagem
(informação cultural) e no transmissor (agente cultural); (IV) toda
mensagem carrega com ela um pouco das características de quem a passou
e (V) a mensagem será recebida de acordo com as características do
receptor.” 12

Os autores co-construtivistas já mencionados trazem à discussão aspectos


progressistas e vão influenciar o pensamento pós-moderno sobre o
desenvolvimento e o funcionamento cognitivo da espécie.

Piaget compreende a inteligência como uma forma de os seres humanos se


adaptarem à realidade, num processo evolutivo que se organiza de forma
progressiva em busca do equilíbrio com o ambiente externo (equilibração
majorante)13. Para ele a ação humana advém de alguma necessidade que

central do sujeito ativo e subjetivo, que constrói seu próprio mundo psicológico, em constante
relação e confronto com o mundo psicológico dos outros e o meio externo em geral.
12
VASCONCELOS, 1995. p. 21.
13
Cf. GARCÍA, 2000. p 104. Este autor apresenta uma análise do modelo geral de
equilibração como uma necessidade no âmbito da epistemologia construtivista de encontrar um
esquema explicativo dos processos que geram o desenvolvimento do conhecimento em
oposição ao modelo empirista, segundo o qual se trataria, em definitivo, da sucessiva aplicação
deve ser satisfeita, de algum problema a ser resolvido. Nela dois processos
mentais entram em cena: assimilação e acomodação. Por intermédio do
primeiro o homem capta da realidade, com o auxílio de seus sentidos, as
características que ela possui e estabelece relações com as informações
armazenadas em seu cérebro; por intermédio do segundo é capaz de utilizar o
que assimilou em situações novas, apresentando um comportamento
adequado e eficiente, adaptando-se às mudanças.

Vygotsky compreende a inteligência como o resultado de funções psicológicas


superiores que o cérebro humano adquire, potencializadas no decorrer do
desenvolvimento da espécie em função de sua organização social. Segundo
esse autor a linguagem estruturada em signos teria sido o fator mais importante
para o progresso da humanidade na medida em que possibilitou a construção
histórica. Sob este ponto de vista a interação social desenvolve a inteligência, a
qual, por sua vez, é condição de evolução das sociedades.

Wallon acrescenta que a inteligência humana é mobilizada para a ação


transformadora sobre a realidade, de acordo com as emoções suscitadas pelos
problemas a serem solucionados. Acredita que a emoção tem o poder de
desenvolver ou atrasar o funcionamento cognitivo e que não é possível separar
no homem os aspectos objetivos dos subjetivos.

Dentre estes três autores14, Piaget foi aquele cujo pensamento mais interferiu
na formação das novas visões sobre inteligência e aprendizagem. Em seu
último livro publicado, quando ainda vivia (1980) 15, ele apresenta contribuições
acerca dos processos de desenvolvimento do conhecimento humano, incluindo
neles a dialética em sua tríplice dimensão: interiorizável (perspectiva do
sujeito), exteriorizável (perspectiva do objeto) e sintetizante (modelos).

A partir destes três enfoques, novos porque não destacam apenas aspectos de
natureza orgânica, ganha contorno uma visão da inteligência humana que
acabará por influenciar toda a concepção sobre a própria natureza do homem
como um ser distinto dos demais animais, porque não nasce dotado de todas
as habilidades e conhecimentos necessários à sua sobrevivência. Um ser que
precisa aprender a ser e a viver como os demais de sua espécie e que tem
uma natureza cultural tão importante quanto à física; um ser que se constrói
diariamente em face dos problemas que enfrenta, tendo sempre uma resposta

de explicações ad hoc ou de modelos teóricos aos dados empíricos obtidos pela observação e
experimentação. Considera que o esquema de equilibração de Piaget resolve o problema da
relação sujeito/objeto de conhecimento na construção do desenvolvimento humano sem,
contudo, abandonar os princípios mecanicistas modernos.
14
As ideias destes três autores foram apresentadas em suas diversas obras. Nesta Tese
não se pretendeu apresentá-las em profundidade, apenas registrar aquelas mais gerais,
expostas, por exemplo, em: PIAGET, J. (1967). Seis Estudos de Psicologia. Rio de
Janeiro: Forense; VYGOTSKY, L. S. (1994) A Formação Social da Mente. São Paulo:
Martins Fontes; WALLON, H. (1941). L'évolution psychologique de L’Enfant. Paris, A. Colin.
15
Cf. Piaget, J. (1996). As formas Elementares da Dialética.
diferente para oferecer; um ser que tem na capacidade de mudar, criar, inovar,
a sua característica mais marcante.

“Refiro-me, quando menciono uma possível habilidade particular dos


seres humanos, tal qual ocorre com os demais vivos, a um recurso
particular de adaptação, aquele recurso que garante as interações
com o meio ambiente. Ora, todos sabemos que não há, para o ser
humano, um ambiente particular a relacionar-se com a habilidade
particular. Os humanos habitam um meio ambiente cultural e não
natural. Portanto, nosso ambiente não possui as características um tanto
inflexíveis que caracterizam os meios naturais: sendo cultural, esse meio
caracteriza-se pela plasticidade típica das coisas sujeitas à criação
permanente do homem." 16

Toma forma uma perspectiva inovadora para o conceito de inteligência na pós-


modernidade, priorizando os processos de aprendizagem sobre os processos
de transmissão cultural, seja num modelo unidirecional ou bidirecional,
afastando-se de critérios de medição expressos por meio de dados
quantitativos e adquirindo bases mais qualitativas.

Freire relaciona tais progressos a Piaget, estabelecendo um paralelismo entre


seus últimos estudos e os de Monod acerca das mutações genéticas. Lembra
que em seu texto O possível e o Necessário (1985) ele falava de mutações
cognitivas que ocorrem em função do contato dos seres humanos com o novo,
que está sempre presente no contexto social e cultural.

“Creio que se pode dizer que Piaget falou de verdadeiras mutações


cognitivas e da diversidade que se seguia a isso. A diferença básica
é que, enquanto os genes sofrem perturbações de várias ordens,
provocando mutações que se acumulam, as estruturas cognitivas
sofreriam perturbações incessantes acarretadas pela novidade, isto
é, o sujeito do conhecimento depara-se a cada instante com
situações originais, ao menos parcialmente; novas, portanto,
provocando transformações internas no sistema cognitivo, chamadas
por Piaget de possíveis, porque, perante essas situações, antes de
agir o sujeito torna suas ações possíveis. Ora, um novo possível na
pessoa não se forma do nada; a partir das interações de possíveis
existentes com a novidade, um ou alguns deles, certamente os que
mais se aproximam do problema, atuam no sentido de, tanto
conservarem-se como são, como diferenciarem-se em tantos outros
assemelhados, porém diferentes o suficiente para aumentar as
chances de darem conta da nova situação.” 17

Por isso é que se pode considerar Piaget como um dos pensadores que,
apesar de expressar um pensamento moderno, abre possibilidades para que
as ideias pós-modernas acerca de sistema, rede, complexidade cheguem até a

16
FREIRE, 2002 p. 21.
17
FREIRE, 2002. p.102.
psicologia e interfiram nas novas postulações acerca da inteligência e da
aprendizagem humanas.

Detterman18 será dos primeiros a incorporar uma visão sistêmica da


inteligência. Esse autor a considera como uma qualidade da mente humana,
um sistema complexo integrado por numerosos processos cognitivos
independentes, os quais contribuem para o que ele denomina fator geral, ou
fator g. Para ele, a inteligência é uma qualidade geral e, como tal, emerge de
muitos elementos inter-relacionados que atuam independentemente ou em
conjunto e que, portanto, não pode ser expressa em termos de um coeficiente
porque este não é capaz de expressar suas bases formadoras. Defende a
necessidade de se desenvolver medidas mais precisas, moleculares e
independentes, sobre as distintas funções do sistema de inteligência; medidas
complexas, que reflitam as atividades de todas as demais partes inter-
relacionadas.
Fonseca assim resume as características do conceito de inteligência proposto
por Detterman:

“Cada parte do sistema relaciona-se com todas as outras”.


O funcionamento de cada parte do sistema indica a eficácia das
outras partes do mesmo.
As partes do sistema estão inter-relacionadas, mas são
funcionalmente independentes na sua atividade específica.
Os produtos funcionais das partes diferentes correlacionam-se entre
si, uma vez que esses resultados estão conjuntamente determinados
por partes comuns do sistema.
Cada parte influencia, numa dada proporção, o resultado final do
sistema." 19

Utilizando a metáfora da Universidade, Detterman diz que, além de armazenar


conhecimentos, a inteligência humana está sempre criando novos
conhecimentos.

Outro autor de suma importância para a concepção pós-moderna de


inteligência é Sternberg20. Ele desenvolve o conceito de inteligência
estabelecendo um paralelismo com as funções de governo de um país: a
inteligência seria um autogoverno mental. 21 Em sua opinião, a inteligência
fornece meios de o homem se autogovernar, organizando de forma coerente e
intencional os pensamentos e as ações, tendo em vista as suas necessidades
internas e as do meio ambiente.

18
DETTERMAN, D. K. (1994). ”A System theory of intelligence”. D. K. Detterman (Ed)
Curvet Topics in human intelligence, 4 vols. Theories of Intelligence (págs 85-115). Nowood,
NJ, Ablex Publishing Corporation.
19
FONSECA, 1998.p 27.
20
STEMBERG, R. (1988) The Triarchic Mind. New York: Viking Press.
21
FONSECA,1998. p. 28.
Sua teoria, segundo Fonseca22, é pautada no ponto de vista de que as
anteriores foram insuficientes para explicar o funcionamento da mente. Esboça
uma concepção triárquica, segundo a qual os componentes, as experiências e
os contextos são distintos da própria inteligência aplicada às situações práticas.

“La teoría triárquica parte de la premisa de que el `locus` de la


inteligencia debe buscarse simultáneamente en el individuo, en el
comportamiento y en los contextos del comportamiento, y no en
alguno de ellos por separado. Desde estas premisas, la inteligencia
se estructura en tres partes o subteorías denominadas
componencial, experiencial y contextual.” 23

TEORIA TRIÁRQUICA DA INTELIGÊNCIA DE STERNBERG:


Subteoria componencial

 Relaciona a inteligência ao mundo interior;


 Baseia-se no processamento da informação: input sensorial – representação
conceitual – output motor;
 Metacomponentes, componentes de performance e componentes de
aquisição de conhecimentos;
 Interação entre os componentes.

Subteoria experimental

 A psicometria (QI) centra-se mais no produto final do que nos processos


mentais, sem ter em conta a familiarização e a automatização;
 A familiarização (experiência) interfere com a performance;
 A automatização (prática) dá lugar a uma maior capacidade de
processamento;

Subteoria contextual

 Relaciona a inteligência ao mundo exterior;


 A inteligência acadêmica é inadequada para a adaptação ao meio;
 O QI como preditor da idade mental não explica o comportamento diário;
 A inteligência se refere a uma adaptação ao contexto;
 A seleção do envolvimento alternativo ou desejável aumenta o desempenho

TABELA 4 - TEORIA TRIÁRQUICA DA INTELIGÊNCIA DE STERNBERG


FONTE: FONSECA, 1998.p.31

Sternberg introduz o conceito de estilos intelectuais, que seriam as formas


prediletas das pessoas pensarem ou a maneira como elas podem utilizar suas
habilidades intelectuais. Em sua teoria do autogoverno mental, ser inteligente é
mais do que dispor das habilidades de análise, criatividade e prática, é ser
capaz de aplicar tais habilidades a diversas tarefas.

22
FONSECA, 1998. p. 31.
23
PIENDA, NÚNEZ Y ROCES, 2000. p. 19.
O enfoque tradicional encarava inteligência como potencial relacionado com as
estruturas neurofisiológicas ou como conjunto de conhecimentos, de acordo
com as concepções do ensino formal. Na atualidade inteligência é vista como
estratégia e os estudos procuram ir além das capacidades cognitivas
propriamente ditas, para centrar-se nos estilos cognitivos.

“Fierro (1990) define los estilos cognitivos como”patrones


diferenciales de reacción ante la estimulación recibida de
procesamiento cognitivo de la información y, en definitiva, de
aprendizaje y de afrontamiento cognitivo de la realidad, los estilos se
relacionan más con la estructura del pensamiento, antes que con su
contenido o con su eficacia; y se refieren a cualidades o modos de
conocimiento y no a algo así como la cantidad de capacidad o
aptitud.” 24

Gardner25 é outro autor que traz uma contribuição pós-moderna ao conceito.


Segundo sua teoria os seres humanos seriam dotados de múltiplas
inteligências, numa relação direta com a complexidade que caracteriza este
modelo de pensamento. Ele dá ênfase aos sistemas simbólicos como aqueles
que estimulam determinados tipos de inteligência em detrimento de outros.
Porém, salienta que todos têm a multiplicidade como característica cognitiva e
a simultaneidade como condição operativa.

Sua concepção é a de que inteligência é a capacidade humana de resolver


problemas e criar produtos que são válidos e úteis para os contextos culturais.

“Gardner sugere, através de sua teoria das inteligências múltiplas,


que a aquisição e a expressão da informação, se espalha por
trajetórias evolutivas particulares pelos sete tipos de inteligência, que
consubstanciam, no seu todo holístico e sistêmico, os processos e as
estruturas cognitivas humanas por meio dos quais se manifesta”. 26

O que se pode concluir a respeito do conceito de inteligência na pós-


modernidade é que ela é vista como um sistema total, composto por vários
subsistemas integrados e inter-relacionados num âmbito complexo. Tal
totalidade sistêmica se apresenta como a síntese das funções mentais
humanas, um mix cognitivo composto por funções e operações mentais

O foco se desloca naturalmente da inteligência para a aprendizagem. Se o


homem se constrói em sua humanidade ele o faz porque é capaz de aprender.
A aprendizagem assim compreendida passa a ser processo vital, fundamental
para a manutenção da vida. Processos cognitivos tornam-se relevantes para a
sobrevivência da espécie e a biologia ganha o centro das discussões
científicas.

24
PIENDA, NÚNEZ Y ROCES, 2000. p. 20.
25
GARDNER, 1994. Estruturas da Mente: a teoria das inteligências múltiplas. Porto
alegre: Artes Médicas.
26
FONSECA, 1998.p. 32.
“Transladam-se, cada vez mais explicitamente, também às relações
sociais em geral, aquelas características notórias dos processos
vivos no nível bio-orgânicos: a vida só consegue ser e continuar
sendo vida na medida em que é aprendizagem adaptativa”. 27

“O ponto de partida fundante de toda uma nova visão do


conhecimento consiste em entender a profunda identidade entre
processos vitais e processos de conhecimento. Aconteceu uma
redefinição significativa do conceito de vida nas biociências e na
informática avançada, onde surgiu o conceito de vida artificial. Muito
se pode discutir, evidentemente, sobre a validez e os limites das
analogias que os cientistas enxergam entre vida natural e vida
artificial. Mas o aspecto fundamental, que precisamos entender, é
que toda vida só é vida enquanto é uma cadeia ininterrupta de
aprendizagem”. 28

O progresso tecnológico conduz a uma nova configuração do conceito de


aprendizagem que inclui os sistemas técnicos materiais, as máquinas
pensantes e a inteligência artificial.

“Quanto aos processos cognitivos, estamos hoje certamente diante


de uma acelerada mudança do que se deve entender por
aprendizagem, porque os novos e variados tipos de ativação
cognitiva de sistemas técnicos externos (computadores que imitam
redes neurais) nos leva a uma nova forma de interação com eles,
que inclui obviamente níveis de relativa autonomia das máquinas”. 29

A chamada inteligência artificial é uma revolução na maneira de se encarar a


aprendizagem. Os computadores mais avançados são verdadeiras máquinas
cognitivas ou máquinas aprendentes, pois além de acumular e processar
informação, são capazes de produzir emergências imprevistas pelos próprios
programadores, levando a uma revisão crítica do que se entende por aprender
e conhecer.

Demo, referindo-se ao fenômeno da aprendizagem, chama a atenção para a


discussão acerca do predomínio de fatores emocionais ou cognitivos a ela
relacionados, concluindo que em toda situação de aprendizagem ambos estão
presentes. Sendo assim, questiona o conceito de máquinas aprendentes, pois
só pode relacionar aprendizagem com humanidade.
“De qualquer maneira, emoção faz parte da aprendizagem mais
qualitativa, admitindo-se já que o computador somente poderá
aprender, quando puder manejar emoção de modo adequado, como
supõem, entre outros, Picard e Kurzweil, bem como todos os autores
que correlacionam inteligência com a corporeidade humana”. 30

27
ASSMANN, 1998.p. 25.
28
ASSMANN,1998.p. 27.
29
ASSMANN,1998.p. 84.
30
DEMO, 2000. p. 32.
“O computador tem cara da lebre: processa tudo com velocidade
cada vez mais estonteante, mas não tem organicidade complexa,
hermenêutica, sensível, da relação humana”. 31

Como a vida humana é social, o conceito de aprendizagem se amplia,


transcendendo os indivíduos e alcançando as comunidades e todos os
segmentos da sociedade. Surgem os conceitos de comunidades aprendentes
ou sociedades de aprendizagem e inteligência coletiva como metáforas
produzidas pelos filósofos pós-modernos.

Pierre Lévy traz uma abordagem inovadora sobre a construção de


conhecimento na sociedade. Analisa o surgimento de redes de informação e de
inovação no mundo globalizado e aponta para a necessidade do exercício
móvel e cooperativo das competências humanas na construção do que
denomina inteligência coletiva. Sua filosofia indica novos caminhos para a
compreensão do humano e do social no tempo histórico do capitalismo
tecnológico.
“É uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente
valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em uma
mobilização efetiva das competências”. 32

Em sua opinião, esta inteligência coletiva é a consequência natural da


constatação de que toda atividade social, toda comunicação humana, toda
relação com o outro, implica sempre em aprendizagem. Isso o leva a
considerar a existência de um sujeito coletivo, múltiplo, disperso, heterogêneo,
compondo as “massas”. Porém, este sujeito, em sua visão, não é impessoal
como se pretendia, mas pleno de desejo, afetividade, símbolos e imagens,
extremamente competente e cooperativo, buscando firmar-se em novos
espaços, tais como o virtual, por meio das redes de comunicação – internet.

“Dar a uma coletividade o meio de proferir um discurso plural, sem


passar por representantes, é o que está em jogo, do ponto de vista
tecnopolítico, na democracia do ciberespaço. Essa fala coletiva
poderia, por exemplo, apresentar-se como uma imagem complexa ou
um espaço dinâmico, um mapa móvel das práticas e idéias do grupo.
Cada um poderia se situar em um mundo virtual para cujo
enriquecimento e modelagem todos contribuiriam por meio de seus
atos de comunicação. Coletivo não é necessariamente sinônimo de
maciço e uniforme. O desenvolvimento do ciberespaço nos fornece a
ocasião para experimentar modos de organização e de regulação
coletivos, exaltando a multiplicidade e a variedade.” 33

Pródiga em novas definições sobre aprendizagem, a pós-modernidade tende a


superar os modelos modernos baseados em transmissão de conhecimento,
enfatizando aspectos criativos e reconstrutivos da competência humana em
busca de espaços políticos solidários e democráticos.

31
DEMO, 2000. p. 34.
32
LÉVY,1998.p. 28.
33
LÉVY,1998.p. 66.
De acordo com o pensamento pós-moderno aprender é fundamental para a
manutenção da vida e a aprendizagem ganha âmbitos abrangentes como
aqueles delineados pela UNESCO ao definir os quatro pilares nos quais devem
se basear a educação no século XXI: aprender a aprender; aprender a fazer;
aprender a viver junto e aprender a ser.

Sendo assim, a aprendizagem não é vista mais como evento circunscrito num
espaço/tempo definido institucionalmente. A escola deixa de ser a instância
social que organiza os procedimentos de transmissão de conhecimentos, para
se transformar na geradora e propiciadora de “ambientes de aprendizagem”.

A pós-modernidade, enquanto modelo de pensamento, apresenta pelo menos


três eixos de problematização na área de relação entre conhecimento,
aprendizagem e inteligência:
1- Nova maneira de encarar a aprendizagem, colocando em relação
indissociável processos cognitivos e processos vitais e fundando novas
hipóteses sobre a morfogênese do conhecimento tendo como referência teórica
as biociências;
2- Novos espaços organizados de aprendizagem possibilitados pelo uso de
recursos tecnológicos que configuram o campo da inteligência artificial, vida
artificial e cibernética;
3- Nova cultura de aprendizagem, numa sociedade que privilegia o
conhecimento, inaugurando a chamada ecologia cognitiva que integra
aprendizagens individuais e coletivas.

“Em qualquer ser vivo verifica-se uma unidade entre processos vitais
e processos de aprendizagem. Nos animais simbolizadores, as
próprias bases biológicas da vida ficaram impregnadas e
entrelaçadas com os processos cognitivos. Não há mais como
separar o viver do aprender, que se desenvolvem em processo
unificado. Por isso, para o ser humano, não aprender significa não
poder sobreviver. Isso é verdade no plano biofísico da corporeidade;
mas torna-se inteiramente crucial no plano da convivialidade social
da espécie, que hoje atingiu um nível de trocas simbólicas e
informativas sumamente intensas, compactada, pluriforme. A
evolução dos seres aprendentes humanos chegou a uma fase
evolutiva em que eles estão literalmente imersos em sistemas
aprendentes de avançada tecnologia”. 34

CONCLUSÃO:

O registro destas concepções mostra que elas contribuem para a compreensão


da grande mudança conceitual a respeito da inteligência e aprendizagem
humana que, segundo se compreende neste trabalho, estão relacionados com
a mudança do modelo epistemológico.

34
ASSMANN,1998.p. 130.
Todo profissional que está inserido no mercado, atuando nas áreas da
educação e da saúde, é confrontado com práticas tradicionais e teorias
vanguardistas sobre inteligência e aprendizagem, levando-o muitas vezes a
assumir atitudes incoerentes.

È necessário que o estudo aprofundado das vertentes teóricas sobre estes


assuntos chegue aos cursos de formação, contribuindo para o esclarecimento
das dúvidas que surgem nas situações práticas do dia a dia, quando cada um
se depara com a necessidade de tomar decisões que influenciam o futuro de
outras pessoas

Muitas concepções são construídas de forma inconsciente, pela impregnação


das ideias presentes no ambiente social. Desta maneira, o paradigma
científico-cultural dominante exerce uma influência considerável na mente
humanas determinando, muitas vezes, suas ações.
Compreender este fato e poder discernir quais teorias embasam tais ações,
permite ao profissional agir de maneira consciente na escolha dos
procedimentos utilizados em seu trabalho. Em termos de educação e saúde,
não há dúvidas de que esta atitude garante menos discriminação e colabora
para a construção de situações de maior equidade social.

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