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A importância da Psicologia Analítica para a contemporaneidade

Nilma Figueiredo de Almeida

Nas Universidades públicas, e na academia em geral, percebe-se um silêncio, uma ausência,


quando se fala em Carl Gustav Jung. Por que é tão difícil encontrar na grade curricular uma
disciplina referente a Psicologia Analítica? Por que, mesmo no século XXI, ainda se encontram
resistências à sua teoria, à sua Psicologia?
Nas leituras realizadas consegue-se vislumbrar algumas respostas e compreender as atitudes de
pesquisadores e professores, principalmente da área da Psicologia, em relação à Psicologia
Analítica.
Para compreender a importância de Jung para a Psicologia contemporânea faz-se necessário
compreender sua trajetória acadêmica, a mudança paradigmática ocorrida na Ciência e o
espírito da época.
A Psicologia tem importância fundamental na empreitada de transformação da concepção de
Homem, neste século XXI. A cosmovisão do homem ocidental precisa mudar e entender que
o Universo não é mais composto por partes, que somadas, nos dão informações sobre o todo.
O Universo não é mais visto como uma imensa máquina, mas concebido com a complexidade
de um imenso pensamento.
Quando se pensa em termos de teorias psicológicas ainda se constata a dicotomia mente/corpo
e o paradigma clássico da visão newtoniana-cartesiana. Esta maneira de ver o mundo e fazer
ciência não está conseguindo responder às crises e aos problemas que enfrentamos hoje no
mundo. O homem pensou que a ciência trazendo progresso supriria todas as suas carências,
fossem elas materiais ou filosóficas (metafísicas/espirituais), além de garantir a felicidade.
Não é exatamente isto que constatamos. Vemos uma humanidade cada vez mais confusa,
perdida em meio a tantas informações, que, muitas vezes não fazem sentido para sua
realidade.

Os pensadores que formaram o conhecimento ocidental, como hoje se apresenta, podem ser
agrupados em duas perspectivas: a linear e a não linear. Na perspectiva linear, encontra-se a
história das ideias, como se constituiu oficialmente dentro do conhecimento ocidental, de
acordo com o caráter progressivamente temporal e evolutivo. É uma visão construtivista do
saber que segue um ritmo sequencial, cumulativo e evolutivo, marcada pela separabilidade.
Na perspectiva não-linear, compreende-se a forma de organizar o conhecimento que se
reporta, de fato, ao conteúdo ou significado das ideias. Esta visão, ao se relacionar com o
conteúdo das ideias, prioriza a interação entre elas e uma apreensão global ou não
fragmentada do conhecimento. A problemática atual em epistemologia liga-se à questão da
linearidade do pensamento científico, por buscar a relação de causalidade, transitividade,
hierarquização, dicotomização e correspondência, colocando o fenômeno dentro de uma
ordem sequencial, onde não se consegue fugir a uma determinação mecanicista.

Capra utiliza os conceitos orientais de yin e yang para discutir as perspectivas linear e não
linear, associados, respectivamente, aos métodos intuitivo e racional. O método intuitivo é
tradicionalmente associado à religião ou ao misticismo, e o método racional, à ciência. São
modos complementares de funcionamento da mente humana. O pensamento racional é linear,
concentrado, analítico, pertence ao domínio do intelecto, cuja função é discriminar, medir e
classificar. O conhecimento racional tende a ser fragmentado. O conhecimento intuitivo, por
outro lado, baseia-se numa experiência direta, não intelectual, da realidade, em decorrência de
um estado ampliado de percepção consciente. Tende a ser sintetizador, holístico e não linear.

Capra ressalta o dinamismo do Universo e coloca a realidade como um emaranhado de


eventos interconexos, uma inter-relação entre observador e observado, uma troca permanente
de energia e informação. Admite também que o espaço e o tempo são equivalentes, unificados
num continuum no qual as interações de partículas podem se estender em qualquer direção.

Fazendo um paralelo com o tempo psicológico, onde tudo existe simultaneamente e de forma
dinâmica, excluise a possibilidade de atribuição de categorias como antes e depois, a
interligação entre os eventos não pode ser explicada em termos de causalidade. Portanto, os
saberes que lidam com fenômenos não extensos, como a psicologia, encontram-se diante de
duas possibilidades: a adoção de um modelo oriundo de uma visão fisicalista do mundo, com
o risco da distorção reducionista, ou a produção isolada do conhecimento, levando consigo o
ônus da não legitimação de seu discurso e o consequente preconceito causado pelo
questionamento de sua cientificidade. Foi o que se verificou com Jung que, apesar de ser um
empírico, erudito e realizar um trabalho transdisciplinar, foi considerado um místico.

O sucesso prático do saber newtoniano fez com que o homem deixasse de perceber o
conhecimento como fruto de uma época, para considerar seus valores eternos e imutáveis, em
função da crença em categorias universais e na supremacia da racionalidade, como
contraponto ao mundo caótico dos desejos e emoções humanas.
O espírito de nossa época ainda tem como problema fundamental na Psicologia a questão da
materialidade, só se considera “científico” e aceitável, o manifestamente material ou o que se
pode deduzir de causas acessíveis aos sentidos. Como o nascimento da psicologia moderna
ocidental remonta ao final do século XIX, quando muitos pensadores iniciaram as tentativas de
estabelecer uma psicologia científica, independente da filosofia, teologia, medicina e biologia, a
visão de mundo e o sistema de valores que estão na base de nossa cultura foram formulados
entre os séculos XVI e XVII e, mesmo com as novas descobertas na Física e outras ciências
no século XX, ainda vigoram e influenciam o pensamento contemporâneo.
Percebe-se na academia uma predominância do paradigma newtoniano-cartesiano, que
consiste na utilização dos métodos analítico e experimental, da linguagem matemática e na
ênfase em especializações. A sensibilidade, valores, sentimentos, motivos, alma, consciência,
espírito foram excluídos do domínio da ciência, assim como a experiência humana.

Na academia não se consideram outras formas de conhecimento e de apreensão da realidade, mais


sutis e menos perceptíveis pelos sentidos, por serem mais complexas de serem provadas
empiricamente. A ciência é um instrumento do espírito ocidental, é o modo como apreendemos a
realidade para compreendê-la e só obscurece nossa percepção do mundo quando traz para si o
privilégio de ser a única maneira adequada ou certa de ver o mundo. Somente a ruptura com a
forma exclusivamente linear de pensamento caracterizaria uma nova modalidade epistêmica em
ciência.

Jung, em sua formação, demonstrou interesse nas ciências naturais, sem deixar de lado, em sua
juventude, a leitura de drama, poesia, história, romances e aventuras populares, traduções de
romances ingleses, os clássicos da literatura alemã, Goethe, Schiller. Leu os filósofos, desde os
pré-socráticos (especialmente Heráclito) a Platão, Leibniz, Mestre Eckhart, Schopenhauer, Kant,
Carus, Von Hartmann, Nietzsche, Dilthey. Ele teve influências de Eugen Bleuler, Pierre Janet,
Théodore Flournoy, Wundt, James, Freud, para citar algumas personalidades, na formulação de
sua obra.
Diversas controvérsias marcaram o surgimento da psicologia, seja em relação ao seu status
como ciência, seja em relação ao seu objeto de estudo. A rápida proliferação de “psicologias”
de vários estilos, com termos e componentes próprios, demonstrou o pouco consenso
existente em relação aos métodos, objetivos e identidade do objeto. As críticas feitas a Jung,
considerando-o não científico, não procedem, pois ele havia adotado o método científico em
seu trabalho ao observar, classificar, estabelecer relações e sequencias entre os dados
observados, com possibilidade de predição. Jung sempre manifestou interesse na estruturação
da psicologia como ciência, foi um pensador muito implicado em fornecer um caráter
científico universalmente aceito à Psicologia em função da natureza de seu próprio objeto, a
psique humana. Importante lembrar que a descoberta por Jung dos complexos de tonalidade
afetiva ocorreu com a aplicação do teste de associação de palavras, em laboratório, utilizando
o método experimental. Aberto a novas ideias, Jung viveu em uma época de muitas mudanças
no campo da Ciência, notadamente na Física.
Surgiu um novo paradigma, sistêmico, caracterizado por conceber a realidade na inter-relação
e interdependência de todos os fenômenos físicos, biológicos e psicológicos, sociais e
culturais. Influenciado pelos novos estudos, Jung publica seu trabalho sobre Sincronicidade e
estabeleceu pesquisa com Pauli para discutir as relações entre Física e Psicologia. Os estudos
de Jung tiveram uma aceitação mais expressiva em áreas como a teologia, religião, artes,
literatura, além de impulsionar a Psicologia Transpessoal, que estuda os diferentes estados de
consciência.

Como reflexão final verificou-se que a Psicologia Analítica tem pouca expressividade no
mundo acadêmico devido ao pioneirismo de Jung em face do paradigma emergente. Sua visão de
mundo está dentro do novo paradigma sistêmico, onde a realidade é estruturada em múltiplos
níveis, e mente e matéria se inter-relacionam havendo uma ordem implicada além da percepção
dos sentidos. O paradigma emergente considera a diversidade e a multiplicidade e é, portanto,
holístico. A psicologia analítica de Carl Gustav Jung representa outra forma de abordar os
fenômenos psicológicos, considerando fatores distintos não considerados por Freud, e
introduzindo novos conceitos para a compreensão ampliada da psique.

Para Jung, a Psicologia Analítica era uma ciência, não uma visão de mundo, mas tinha um
papel importante a desempenhar na formação de uma nova cosmovisão. Sua contribuição
consistia na importância do reconhecimento dos conteúdos inconscientes, o que permitiria a
construção de uma visão de mundo relativista. O que a academia ainda não absorveu.

REFERÊNCIAS:

CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. 20 ed.


São Paulo: Cultrix, 1997.

JUNG, Carl Gustav. O homem e seus símbolos. 11 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992

JUNG, Carl Gustav Memórias, sonhos, reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975.
JUNG, Carl Gustav. Fundamentos de Psicologia Analítica. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
1985.

SILVEIRA, Nise da. Jung: vida e obra. 11. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

SHAMDASANI Sonu. Jung e a Construção da Psicologia Moderna: o sonho de uma


Ciência. Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2006.

SHAMDASANI Sonu. C. G. Jung: uma biografia em livros. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

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