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INTRODUÇÃO

É considerado um marco do surgimento da psicologia como ciência o primeiro laboratório de


pesquisa feito por Wilhelm Wundt, na universidade Leipzig, em 1879. A famosa frase de
Hermann Ebbinghaus descreveu a psicologia como algo com “um longo passado, mas uma
curta história” (Ebbinghaus, 1910, p. 9). Mas para que a psicologia alcançasse o status de
ciência da alma, ela percorreu um longo caminho que foi fortemente influenciado pelo
Zeitgeist ou o espírito da época. Podemos dizer que “para entender a história da psicologia, é
necessário analisar o contexto em que a disciplina se desenvolveu, as ideias predominantes na
ciência e cultura da época, ou seja o Zeitgeist ou o clima intelectual da época[...]" (Schultz,
2016, p. 09).

Dentre os diversos movimentos que influenciaram a psicologia, o presente trabalho visa


mostrar de forma sucinta como o Iluminismo a influenciou. O que foi esse movimento, em
que época ocorreu, quem foram os pensadores mais influentes e como suas ideias impactaram
a psicologia até os dias de hoje serão assuntos abordados neste projeto.
DESENVOLVIMENTO

O Iluminismo ou Ilustração, teve seu significado traduzido para diversas línguas. Assim,
temos Enlightenment para os de fala inglesa, Siècle des Lumières na França, Illuminismo na
Itália, e Aufklarung para alemães e austríacos. A origem da palavra que dá nome ao período
está na dicotomia entre trevas e luz, onde os filósofos iluministas se consideravam filósofos
das luzes ou iluminados, em virtude de serem detentores da razão e da verdade. É também
uma referência à tradição escolástica e medieval como era das trevas.
Teve início no século XVII, na França, e se espalhou por toda a Europa, tendo no século
XVIII o seu apogeu, o Século das Luzes. Ele foi uma continuação e uma superação ao
Renascimento.

Não é uma tarefa fácil definir o Iluminismo. Pensadores como Jonathan Israel afirmam que
houve um Iluminismo radical, com Baruch Spinoza, e um Iluminismo moderado, baseado em
John Locke. Já para Johnson Kent Wright, “o Iluminismo nunca se apresentou como um único
sistema teórico ou doutrina ideológica única” (Wright, 2004). E o professor Marcus Boeira
defende que há 4 correntes iluministas: a francesa, a inglesa, a americana e a ibérica. Percebe-
se nos filósofos iluministas uma grande variedade de ideias e não há uma fácil sistematização
de todos os conceitos produzidos nessa época.

Jorge Grespan, em seu livro “Iluminismo e a Revolução Francesa”, define o Iluminismo


como: “mais que uma atitude mental, o Iluminismo foi um movimento de ideias, no sentido
forte de um processo de constituição e acumulação de saber sempre renovado e sempre capaz
de ser modificado até nos fundamentos. Este é o significado da máxima latina com a qual
Kant definiu o iluminismo na sua resposta à polêmica de 1784, mencionada acima: sapere
aude – ouse saber, isto é, ouse servir-te do teu próprio entendimento, sem imitar ou aceitar
passivamente as ideias das autoridades reconhecidas e temidas. Mais que um convite ao
estudo, o lema é uma convocação à independência intelectual diante dos demais, incluindo aí
os grandes filósofos; independência diante dos consagrados modos de ver o mundo, diante de
todos o conhecimento que se apresenta como definitivo, diante dos pressupostos em que se
assenta o saber, inclusive o saber próprio” (Grespan, 2003).
Esse movimento cultural, filosófico, político e econômico nos deixou de herança ideias como
a negação ao Absolutismo Monárquico como forma de governo, os direitos naturais, ideias
sobre racionalismo e empirismo, a divisão dos poderes em executivo, legislativo e judiciário,
liberdade de expressão, propriedade privada, livre comércio, liberdade religiosa, entre outros.

Um fato que merece destaque foi a organização da Enciclopédia por, entre outros, o filósofo
Denis Diderot (1713-1784). O primeiro volume da Enciclopédia, organizada em parceria com
Jean le Rond d’Alembert (1717-1783), apareceu em 28 de junho de 1751, tendo sua
publicação se desenrolado até 1772. Ela foi o livro símbolo do movimento das Luzes, e
estabeleceu o modelo para a Enciclopédia como um multivolume, multiautor, ilustrado
trabalho de referência e em ordem alfabética ainda predominante hoje em dia. (Patricia Merlo,
2015).

Importantes movimentos da história mundial tiveram seus ideais fundados no Iluminismo,


como a Revolução Francesa, a Revolução Haitiana, a Inconfidência Mineira e a
Independências do Brasil.

Segundo Foucault (1995), a constituição de um plano de subjetividade (interioridade


reflexiva) foi uma das maiores influencias do Iluminismo para a psicologia. Não havia, na
Antiguidade, uma busca de conhecimento de si mesmo. Apenas no século II d.c., a partir de
uma ética cristã, que ideias como buscar na própria alma a distinção entre pensamentos
divinos e pensamentos do mal foram estabelecidos. Entretanto, é na Modernidade que passam
a existir novas formas de relação consigo mesmo além da religiosa, onde há um convite para
conhecer o seu ser interior.

E para ilustrar, recorremos às ideias dos filósofos iluministas René Descartes, David Hume e
Emmanuel Kant que se destacaram em sua contribuição para a psicologia como ciência. Cada
um representa uma escola filosófica. Racionalismo ou Realismo, Empirismo ou Idealismo e o
Idealismo Transcendental.

René Descartes (1596-1650) foi um filósofo e matemático que nasceu na região de Touraine
na França e faleceu em Estocolmo na Suécia. Foi aluno no colégio Jesuíta e uma herança
familiar permitiu a ele uma vida dedicada aos estudos e viagens. Sua filosofia inaugura o
pensamento moderno, através de um sistema de pensamento científico e lógico, o
Racionalismo. Este é o autor da conhecida frase “Penso, logo existo” (cogito, ergo sum). Ele
acreditava no dualismo entre corpo e mente e na diferenciação entre ideias inatas e derivadas.
Temas que geram discussões e dividem opiniões em correntes psicológicas até os dias de hoje.

David Hume (1711-1776) foi um filósofo que nasceu na Escócia e foi educado na University
of Edimburg. Tinha especial interesse na filosofia pneumática e nos métodos de ciências
naturais. Para Hume o pensamento depende das sensações, “senso, ergo sum” (tenho
sensações, portanto existo). Ele fez distinção entre impressões e ideias e era considerado um
empirista radical por duvidar até da lei da causalidade. Todas as suas pesquisas em torno de
uma ciência da natureza humana contribuíram para que Wundt criasse a psicologia como
ciência mais de cem anos depois.

Emmanuel Kant (1724-1804) nasceu em Königsberg no leste da Prússia. Foi aluno e professor
na universidade de Königsberg durante toda a sua vida. Kant era da escola racionalista, mas
descreve que ao ler Hume foi desperto do sono dogmático da razão. Ele desenvolveu
conceitos como faculdades cognitivas e chamou de revolução copernicana a sua teoria do
conhecimento. Para Kant a ciência deveria ter objeto de estudo, método e fórmula matemática
e a psicologia falhava em ser uma verdadeira ciência ao não cumprir esses requisitos. Os vetos
kantianos tiveram tanto impacto que a primeira geração de psicólogos alemães teve de lutar
para estabelecer a psicologia como ciência.
CONCLUSÃO

O mundo não foi mais o mesmo depois do movimento Iluminista, já que ideias que parecem
tão comuns para nossa sociedade atual têm suas origens nele. Sendo assim, a psicologia
também foi fortemente influenciada pelo Iluminismo. Como vimos, o racionalismo cartesiano
e seus estudos sobre a mente como prova irrefutável da existência humana abrem caminhos ao
que seria posteriormente objeto de estudo da psicologia. Junto deste, o inatismo e o empirismo
continuam influenciando pesquisas científicas no campo da psicologia, buscando respostas
para questões como: se características humanas são herdadas pela natureza ou influenciada
pelo meio, por exemplo. Por fim, os vetos kantianos impulsionaram pesquisas na biologia e
fisiologia, para assim colocar a psicologia no hall das ciências humanas.
BIBLIOGRAFIA

HOTHERSALL, David. História da Psicologia. Grupo A, 2019. E-book. ISBN


9788580556285.

SCHULTZ, Duane P.; SCHULTZ, Sydney E. História da Psicologia Moderna –


Tradução da 11a edição norte-americana. Cengage Learning Brasil, 2019. E-book.
ISBN 9788522127962.

GRESPAN, Jorge. Revolução Francesa e Iluminismo. 1ª edição. São Paulo:


Contexto, 2008. ISBN 8572442367.

MERLO, Patrícia; MACHADO, Josemar. Recortes e Perspectivas sobre a História


Moderna. 1ª edição. Vitória: Universidade Federal do Espírito Santo, 2015. ISBN
9788563765116.

BRASIL PARALELO. Brasil Paralelo: Quem foram os filósofos das luzes, 2022.
Disponível em: < https://www.brasilparalelo.com.br/artigos/o-que-foi-o-iluminismo>
Acesso em: 15 de out. de 2022.

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