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TENSIONANDO AS FRONTEIRAS
Introdução
newtoniano pelo da complexidade, processo esse atravessado por rupturas cada vez mais
se preparando há algum tempo em função dos novos objetos complexos que emergiam
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Doutora em Educação. Professora da Universidade de Santa Cruz do Sul: UNISC
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Membro Efetivo da SPPA
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Complexidade de Edgar Morin, aquele que não separa as dimensões da realidade, que
procura juntar o que foi “desconjuntado” pela abordagem cartesiana. Para Morin:
“complexo” é aquilo que se tece junto. (1991) Isso nos remete às questões de rede que
axiomática, reinou autoritariamente por dois mil anos. Foi sobre ela que Kant ergueu a
arquitetônica da razão (Bachelard, 1985). Com esse arcabouço ficava muito difícil
atender-se necessidade apregoada por este autor de se construir uma “epistemologia não-
cartesiana” para responder aos fenômenos colocados pelos novos rumos da ciência agora
euclidiana e, bem mais sarde, o conceito de homeóstase, novos caminhos se abrem para a
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metade do século XX, dois novos campos do conhecimento emergem causando uma
numa mesma paisagem homens, coisas, natureza e máquinas. No interior desses sistemas
estudados o que emerge são os problemas de autonomia e, por isso, o conceito de auto-
Norbert Wiener ao cunhar esse termo mostrava toda a sua preocupação com as
interno do sistema. Um exemplo: a mesma luz que produz uma imagem no olho de um
que há uma circularidade entre sujeito e desempenho. Essa interface surge pelo
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Por “circular” entendemos sempre “realimentada” (feedback)
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interface com a teoria biológica de Maturana e Varela que, por isso mesmo, eles
poiesis, que quer dizer criação e auto, por si mesmo. O pressuposto mais significativo
dessa teoria é o da circularidade entre ser e conhecer, entre ser e viver, entre produtor e
produto. É precisamente essa lógica circular que junta sujeito cognitivo e ação no
entradas e saídas que são processadas internamente pelo sistema do tipo “caixa preta”.
informação não é algo que exista por si só, independente da ação do sujeito.
A partir dos anos 50, descobertas perturbadoras emergem com muita força e
Essas descobertas trazem para o centro da pesquisa científica aquilo que Prigogine
científico. Para este, as questões científicas somente poderiam girar em torno do patente
tentou criar uma ciência que prescindisse de alguns desse pressupostos. A complexidade
Freud, no entanto, não conseguiu dar conta dessa tarefa sozinho. Esse
levado adiante por outros psicanalistas que foram reinventando a Psicanálise num
dada pelos movimentos. É exatamente por esse motivo que a lógica aristotélica, que lida
com o objeto imóvel, não responde às necessidades de uma temática complexa. Além
disso, a lógica identitária é sempre igual a si mesma e por isso não dá conta da diferença
mesmo modo como falhava para qualquer objeto complexo. Freud construiu uma
singularização. Com isso, ele apenas iniciava um processo muito complexo que viria
Psicanálise como ciência. Significa também falar num outro nível dessa mesma
podemos abrir uma interface com a nova física do não-equilíbrio. Com isso, há um
evolução para a desordem. Prigogine nos mostra uma outra visão da realidade a partir da
papel do sujeito cognitivo que não é mais visto como consequência automática de um
inseparabilidade entre as leis que regem o cosmos e as leis que regem os microcosmos
ou sistemas singulares.
estrutural” é um conceito de Maturana e Varela para explicar a relação entre seres vivos
acontece nas conversações” (1997) Com isso, ele está mostrando que é através do
funcionamento do modelo rede dos seres vivos com a inclusão da linguagem nos
humanos que ocorre a configuração da vida das pessoas num “acoplamento estrutural”
que nos diz: "O "entre-dois" e a contradição parecem representar assim a força e o
num “acoplamento estrutural” onde analista e analisando realizam suas autopoiesis num
processo de mútuas perturbações. Para Bion (1979), o conceito de perturbação era muito
Francisco Varela, falando de uma perspectiva autopoiética diz que: “A Psicanálise seja
talvez a disciplina mais familiar e próxima aos ocidentais que tende a uma visão
mais importante, porém, é que a Psicanálise lida com conflitos, portanto, com
ciência cartesiana.
Viena que alertava para os riscos de atravessar o Rubicão epistemológico. Outros, numa
variante, trataram de pragmatizar suas relações com a sociedade local, adotando seus
valores indiscriminadamente. Jacques Lacan sacudiu a roseira com seu “retorno a Freud”
perder o sujeito, “jogando fora o nenê com a água do banho”, como dizia Freud (1910),
metodológicos para lidar com realidades complexas. Entre eles, Melanie Klein, Wilfred
consequências. Apesar de que afirme e reafirme isso, na verdade ela está criando novos
antecipando por décadas esta constatação corriqueira nos dias atuais de que um bebê de
poucos minutos de vida “sabe” que tem uma língua como a do pai que a mostra para ele e
imita o gesto, pondo para fora a sua língua também (Klaus & Klaus, 1985), o que implica
extremamente formal como lógico, inaugura um novo olhar sobre essa mesma lógica ao
“inventar” sua bi-lógica, segundo ele, a forma natural do ser humano apreender a
realidade e lidar com ela. A lógica peculiar ao inconsciente, dita "simétrica", encontra-se
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muito além da formal, da lógica aristotélica, chamada por ele de "assimétrica". Com isso,
situamos esse pensador no paradigma da complexidade uma vez que ele está lidando com
repetitivo, construindo tijolo por tijolo uma teoria extremamente complexa, afasta
aqueles menos ligados ao seu profundo sentir, parecendo devanear sobre futilidades
ocorrer a discriminação.
valorizada, seja justamente essa percepção de que seres humanos somos máquinas de
somos constituídos e ao, mesmo tempo, constituímos realidade num processo de vir-a-ser
rumo ao infinito. Esse resgate se dá tanto sob o ponto de vista ontológico como
epistemológico.
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Nesse contexto de turbulência onde se situa a transição paradigmática,
chave em Bion pois ele rompe com uma lógica linear afirmando ao longo de toda a sua
obra uma complexidade. Quando ele fala de mudança catastrófica não está somente
inserido num pressuposto caótico (“order from noise”) como também está ao mesmo
tempo articulando de forma profunda o conhecer com o ser. A presença de uma ideia
nova, por exemplo, que tem um potencial “disruptivo” muito grande, perturba todo o
todo esse artigo. Bion fala sobre isso em “Transformações”: “A realidade tem que ser
“sendo”: deveria existir um verbo transitivo “ser” expressamente para uso com o termo
bioniana. Podemos ilustrar isso com suas próprias palavras: “Na metodologia
psicanalítica o critério [de validade] não pode ser se um procedimento particular está
certo ou errado, significativo ou verificável, mas antes pelo fato de ele promover ou não
desenvolvimento.” (Bion, 1977, Introduction). Aqui fizemos uma ponte com von
Foerster que pensa numa metodologia cibernética: “Não seria acaso recomendável
Através deles podemos identificar todos esses pressupostos que estamos discutindo aqui,
inclusive a presença da autonomia sinalizando que esse estudioso se situa num paradigma
instrumento metacognitivo que nos mostra uma autoria/autonomia, quando ele sugere que
cada um pode/deve construir sua própria grade. Ela também demonstra uma tendência a
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uma complexificação ascendente de crescimento rumo a O na medida em que aumenta,
Rezende expressa muito bem essa dimensão da obra de Bion com as palavras: “A
expansão do universo dá-se a partir de um começo real que não é apenas físico-material,
quando mostra que o fracasso de Descartes está ligado à essa impossibilidade de duvidar
Nesse sentido, “Second Thoughts”, obra na qual esse autor faz uma
reflexão sobre o caminho percorrido nos parece ser um exercício de metacognição. Por
isso ele diz, então, que a Psicanálise é pequena demais para conter o pensamento
roda” a cada momento nessa interação só possível no “setting” psicanalítico, que imita a
vida sob condições peculiares. Tudo isso nos autoriza a reafirmar que entendemos o
Considerações finais
e foi por ela afetado na medida em essa ciência surgiu no bojo de um paradigma
lançou e tem lançado mão de dispositivos teóricos e metodológicos que ultrapassam cada
para sempre. O ser humano, como um microcosmos que contém o cosmos, também esta
em expansão para sempre so sentido da complexificação crescente que vai criando com
limita essa expansão? O papel engessador do formalismo que nega a interação como
perspectiva, poderíamos afirmar que seria a falta de amor que garantiria a manutenção
dos elos da rede vida. Para Maturana: “O amor não e uma questão trivial” .(Maturana,
BIBLIOGRAFIA