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RESUMO
A revolução científica do século XVII substituiu a visão de verdade a partir das Sagradas
Escrituras e da fé, pelos princípios racionais instaurados por René Descartes, que pretendiam
controlar, medir e quantificar a realidade. Com a física moderna de Heisenberg e Einstein, é
estabelecida a noção de mundo como um todo unificado e inseparável, marcado pela
imprevisibilidade, incontrolabilidade e irreversibilidade de diversos eventos da natureza.
Descobre-se que o observador influencia, inevitavelmente o fenômeno que observa e/ou descreve.
Na ciência novo-paradigmática o critério da simplicidade dá lugar ao da complexidade, o da
estabilidade é substituído pelo da instabilidade, e a noção de objetividade é destituída pela da
intersubjetividade. Bertallanffy introduz a visão de sistema como um conjunto de elementos
interdependentes em interação, onde as ações e comportamentos dos membros produzem
influências recíprocas. No contexto da terapia, a realidade passa a ser co-construída na linguagem,
na intersubjetividade do cliente e terapeuta.
ABSTRACT
The scientific evolution of the 17th century substitutes the vision of the truth starting from the
writihgs of Holy Scripture and faith, through the rational principles initiated by René Descartes,
which were intended to control, measure and quantify reality. With modern physics, the
conception of the world is estabilished as a unified and inseparable whole, caracterized by the
unforeseeableness, uncontrollability and reversibility of several of nature’s events. The observer is
found, inevitably, exerting influence over the phenomenom observed and/or described by him. In
the new-paradigmatic science, the criterion of simplicity gives place to that of complexity: that of
stability to that of instability. The notion of objectivity is done way by that of intersubjectivity.
Bertalanffy introduces the system vision as a combination of elements, interdependent in
interaction, where the actions and behaviors of its members produce reciprocal influences. In the
context of therapy, reality commences to be co-constructed in the language and intersubjectivity
of both the cient and the therapist.
destaca o lugar central ocupado pelas leis da matemática na era moderna, o que repercute
em duas conseqüências principais: primeira, conhecer significa quantificar através do rigor
das medições, pois “o que não é quantificável é cientificamente irrelevante” (p. 15);
segunda, “o método científico assenta na redução da complexidade... conhecer significa
dividir e classificar para depois poder determinar relações sistemáticas entre o que se
separou.” (ibidem)
Segundo o mesmo autor, as leis da ciência moderna privilegiavam o funcionamento das
coisas em detrimento de qual o agente ou qual a finalidade delas. Foi a partir desta idéia
que houve um rompimento entre o conhecimento do senso comum e o conhecimento
científico. Assim afirma,
“um conhecimento baseado na formulação de leis tem como pressuposto
metateórico a idéia de ordem e de estabilidade do mundo, a idéia de que o
passado se repete no futuro [...] o determinismo mecanicista é o horizonte certo
de uma forma de conhecimento que se pretende utilitário e funcional,
reconhecido menos pela capacidade de compreender profundamente o real do
que pela capacidade de o dominar e transformar” (Santos, ibidem, p. 17).
O desconforto dessa visão mecanicista era evidente, não conseguindo mais responder
aos anseios das novas teorias da física e química, além de outras áreas de conhecimento. A
física moderna de Heisenberg e Einstein, dentre outros, estabelece a noção de mundo como
um todo unificado e inseparável; uma complexa teia de relações onde os fenômenos são
determinados por conexões com a totalidade. Essas conexões podem ser locais e não-locais,
instantâneas e imprevisíveis, conduzindo a uma nova noção de causalidade estatística, que
supera e transcende a concepção clássica e linear3 de causa e efeito.
Uma pluralidade de condições não apenas teóricas e sociais resultaram em uma crise de
paradigma. Quando Einstein admitiu a simultaneidade e a relatividade de acontecimentos,
provocou a primeira grande mudança no paradigma da ciência moderna, demonstrando que
a simultaneidade de acontecimentos distantes não poderia ser verificada, mas apenas
definida. O tempo e o espaço absolutos de Newton deixam de existir, o paradigma
mecanicista começou a abrir espaço para a mecânica quântica com Heisenberg & Bohr,
demonstrando que não é possível observar ou medir um objeto sem interferir nele ou alterá-
lo e, conseqüentemente, somente alcançar resultados aproximados e probabilísticos. Outra
condição teórica para a crise do paradigma clássico foram os avanços do conhecimento nos
domínios da microfísica, da química e da biologia.
3 modelo linear: uma relação causal se denomina linear quando não intervém processos de retroalimentação,
ou seja, quando a seqüência de causa e efeito não retorna ao ponto de partida... o caráter linear de causa e
efeito é evidente.
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A voz genial de Prigogine (1984), vinda da química, conquistou espaço nas ciências ao
ganhar o prêmio Nobel. Sua abordagem se aplica a todos os sistemas que trocam energia
com o ambiente. Denominou de estruturas dissipativas os sistemas abertos, assinalando
que, quanto mais complexo eles forem, mais energia dispenderão no funcionamento de suas
conexões. Introduziu uma nova concepção para o termo caos, considerando-o como
flutuações aparentemente desordenadas, mas que apresentam uma ordem dinâmica,
abandonando, assim, a antiga associação do termo à desordem ou a algo negativo. No
mundo vivo, ordem e desordem sempre são criadas simultaneamente, sem uma previsão do
que pode vir a acontecer. Na nova ciência da complexidade passou-se a admitir a
imprevisibilidade, a incontrolabilidade e a irreversibilidade de muitos eventos da natureza.
Um bom exemplo disso é que a física clássica entendia ser possível a observação objetiva
das partículas atômicas, determinando com precisão a velocidade e a localização do objeto
em um dado momento, o que se revelou impossível mediante o princípio da incerteza,
instaurado por Heinsenberg (1958), que percebeu mudança de localização no elétron,
quando sob observação.
Boaventura (1987) menciona as investigações de Prigogine afirmando que
“a teoria das estruturas dissipativas e o princípio da ‘ordem através de
flutuações’ estabelecem que em sistemas abertos, ou seja, em sistemas que
funcionam nas margens da estabilidade, a evolução explica-se por flutuações de
energia que em determinados momentos, nunca inteiramente previsíveis,
desencadeiam espontaneamente reações que, por via de mecanismos não
lineares, pressionam o sistema para além de um limite máximo de instabilidade e
o conduzem a um novo estado macroscópico [...] a situação de bifurcação, ou
seja, o ponto crítico em que a mínima flutuação de energia pode conduzir a um
novo estado, representa a potencialidade do sistema em ser atraído para um novo
estado de menor entropia. Deste modo, a irreversibilidade nos sistemas abertos
significa que estes são produto de sua história” (p. 28).
A espantosa constatação da física subatômica, que exige uma total revisão da teoria do
conhecimento tradicional, é a de que o observador influencia o fenômeno observado. Capra
(1996) afirma que não há realidade que possa ser observada independente da mente do
observador; sendo assim, a dualidade cartesiana, mente e matéria, desaparece. O ideal da
objetividade é demolido diante da evidência de que nossa singularidade subjetiva e nossos
valores são atuantes e decisivos na percepção da realidade: toda descrição do mundo é auto-
descrição; toda teoria científica é, ao mesmo tempo, auto-confissão.
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4 É o estudo de como os indivíduos conhecem, pensam e decidem; é o processo de reflexão sobre os modelos
que guiam as nossas ações, as quais são organizadas implícita ou explicitamente pela cultura na qual vivemos
e pela língua que utilizamos (Telfner, 1992).
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5 Termo introduzido por Luduig Von Bertallanffy como o conjunto de elementos colocados em interação, não
sendo constituído, portanto, por partes independentes, mas sim interdependentes, o que constitui uma unidade
ampla, inteira. (In Interfaces Rev. de Psicologia, jan/jul 1999, vol. 2, n. 1)
6 Propriedade dos sistemas estabelecida por uma seqüência de eventos interconectados de modo que o
“último” ponto da cadeia age retornando ao ponto inicial... assim, cada ação de um dos participantes do
sistema constitui uma reação numa premissa de influência recíproca complexa. (In Silvia Bonino, Psicologia
per la Salute 1988)
7 Propriedade relacionada à lei da imprevisibilidade, já que através do comportamento atual do sistema não se
pode prever o futuro ou mesmo o histórico do mesmo. As condições iniciais de um sistema não determinam
rigidamente o seu estado final, ou seja, duas famílias com o mesmo estado inicial podem apresentar resultados
finais diferentes, bem como famílias com um funcionamento similar, podem ter tido condições iniciais muito
diversas (Watzlawick e cols., 1988).
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8 Disfunção relacional familiar: uma família disfuncional é um sistema que respondeu às exigências internas e
externas de mudança estereotipando o seu funcionamento. (In Minuchin, 1980)
9Pertencimento: significa a garantia que o indivíduo tem de fazer parte de uma determinada família com
crenças, valores, mitos, preconceitos e regras próprias, que formam sua identidade familiar. (Bowen & Kerr,
1990)
10Individuação: o sentido de separação no processo de formação de identidade do ser humano a partir da
participação do mesmo em diferentes subsistemas familiares e grupos extra-familiares dando autonomia ao
indivíduo, o fazendo-o experenciar como separação. (In Minuchin, 1988)
11Denominação dada ao portador do sintoma, que exprime – em nome dos demais membros do sistema
familiar – as dificuldades relacionadas ao crescimento e à evolução.
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CONCLUSÃO
Após toda essa revolução paradigmática, não é mais possível distinguir ciências
humanas e ciências da natureza, pois toda ciência é ciência humana da natureza (Esteves de
Vasconcellos, 1995), uma vez que é o homem quem atribui significados à natureza e a si
mesmo, mediante a linguagem, construída em suas experiências e relações interindividuais.
O entendimento das noções de complexidade e instabilidade é fundamental para se
chegar a uma intersubjetividade capaz de respeitar as diferenças (não só de conhecimentos,
mas individuais, culturais, regionais, religiosas, etc.) e compreender que, como seres
humanos, temos um papel ativo na realidade que construímos, sendo, portanto,
responsáveis por ela.
REFERÊNCIAS
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CAPRA, F. (1993). O Ponto de Mutação. São Paulo: Cultrix.
CAPRA, F, (1996). A Teia da Vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos.
São Paulo: Cultrix.
CECCHIN, G. (1996). Construcionismo Social e Irreverência Terapêutica. Em
SCHINITMAN, D. F. (Org.). Novos Paradigmas, Cultura e Subjetividade (pp.
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