Você está na página 1de 42

UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ

CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA

MARIA ESTEVES DA SILVA

AS FINALIDADES E OBJETIVOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

Sobral - 2019
RESUMO

Esta monografia objetivou analisar a educação física que temos e a educação


física que queremos. Objetivou, ainda: detectar e debater o olhar da Educação
Física e do Esporte como práticas pedagógicas relevantes para crianças e
adolescentes dentro do âmbito educacional; e verificar as competências
necessárias para o desenvolvimento de uma intervenção pedagógica em
Educação Física e Esporte. O estudo se justifica e se faz relevante devido à cada
vez mais intensa preocupação com o processo de ensino-aprendizagem. Cresce
a importância assumida e conquistada pela Educação Física que, durante os
últimos vinte anos, transformou-se em um promissor campo de trabalho, pesquisa
e estudo, atraindo cada vez mais a atenção da sociedade em geral, que busca
novas formas de atingir o equilíbrio entre vida, trabalho e saúde. Concluiu-se que
a Educação Física como área que se propõe a desenvolver uma práxis sobre o
corpo, a corporeidade e o movimento, tendo o Esporte como um dos seus aliados,
não pode deixar de considerar também o indivíduo. É a partir da melhor
delimitação da sua intencionalidade que a Educação Física e o Esporte poderão
justificar sua presença e relevância dentro do projeto político pedagógico da
escola e da sociedade, e não somente por força de uma obrigatoriedade legal.

Palavras-chave: Educação Física; Esporte; Educação integral


ABSTRACT

This monograph objectified to analyze the physical education that we have and the
physical education that we want. It objectified, still: to inside detect and to debate
the look of excellent pedagogical the Physical Education and the Sport as practical
for children and adolescents of the educational scope; e to verify the necessary
abilities for the development of a pedagogical intervention in Physical Education
and Sport. The study if it justifies and if it makes excellent due to each time more
intense concern with the teach-learning process. The importance assumed and
conquered for the Physical Education grows that, during last the twenty years, was
changedded into a promising field of work, searches and study more, attracting
each time the attention of the society in general, that it searchs new forms to reach
the balance between life, work and health. The Physical Education was concluded
that as area that if considers to develop praxis on the body, the body and the
movement, having the Sport as one of its allies, cannot leave to also consider the
individual. It is from the best delimitation of its scienter that the Physical Education
and the Sport will be able to inside justify its presence and relevance of the project
pedagogical politician of the school and the society, and not only for force of a
legal obligatoriness.

Key words: Physical education; Sport; Integral education


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................10

1. O PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA.........................................................14

2. O CURRÍCULO...................................................................................................19
2.1. A Educação Física e o Esporte: competências...........................................21
2.2. A Educação Física de acordo com as novas diretrizes e projetos
pedagógicos..................................................................................................29

3. A EDUCAÇÃO FÍSICA QUE TEMOS VERSUS A EDUCAÇÃO FÍSICA QUE


QUEREMOS...........................................................................................................32
3.1 A Educação Física e o Esporte: Novas Necessidades Metodológicas........38

CONCLUSÃO.........................................................................................................44

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................46
INTRODUÇÃO

A Educação Física brasileira, ao longo de toda sua história,


caracterizou-se, e ainda caracteriza-se, por ser um campo de estudo com
múltiplas formas de intervenção, conhecimento, interesse e manifestações do ser
humano e sobre ele.

Ao voltar seu olhar para o corpo e para corporeidade do homem,


entendida segundo Pontes (2007) como uma indicação da natureza ou essência
dos corpos físicos, ou seja, como um estado corporal, a Educação Física
deparou-se, ou deveria deparar-se, com o homem/corpo sujeito e não com o
homem/corpo objeto. Como sujeito no mundo, o corpo é humanizado a partir da
própria existência, possuindo criatividade, identidade, capacidade, potencialidade
e acima de tudo, não é desprovido de intencionalidade.

Durante boa parte do século XX, com a dicotomização do homem


(separação entre corpo e mente), fruto de ideais como, por exemplo, o
cartesianismo de Descartes, o cuidado com o corpo físico, biológico, fisiológico
passou a ser uma frivolidade, ou até mesmo um desproposito. Valorizava-se
somente o intelecto, a aquisição do conhecimento formal.

Deste modo, não cabia a Educação Física um papel de importância


dentro dos sistemas educativos. As práticas corporais eram vistas como
desprovidas de um conhecimento mais elaborado e, portanto, deveriam ser
relegadas ao segundo plano do desenvolvimento humano.

Ao ser encarada como uma atividade menor, a Educação Física acabou


por desenvolver-se de forma menor, isto é, não buscou o desenvolvimento do
educando de forma global, preocupando-se apenas com a repetição mecanizada,
estereotipada e técnica dos movimentos, sem uma contextualização, uma
intencionalidade e/ou significado para o aluno.
Por um longo período da sua história a Educação Física ficou reduzida
ao ensino das modalidades esportivas e/ou a reprodução dos padrões de
movimento já existentes e aceitos socialmente. Podemos então, ao contrário do
que entende Neira (2003, p. 113), para quem “o corpo privilegiado nas aulas de
movimento, é o mesmo presente nas aulas de raciocínio”, conceber o ser humano
como portador de dois corpos distintos: um que raciocina, e outro que se
movimenta. Segundo Pontes (2007) “não se pensa sem corpo [...], quem pensa é
o corpo”.

Com o decorrer da história educacional brasileira, os modelos e/ou


tendências pedagógicas utilizadas nas escolas do país sofreram evidente
influência dos grandes movimentos educacionais internacionais, além de
expressarem, também, as especificidades da nossa história política, social e
cultural. De modo geral, podemos identificar como sendo quatro as tendências
que maior influência exerceram sobre a pedagogia brasileira: (a) pedagogia
tradicional; (b) pedagogia tecnicista; (c) pedagogia renovada; e (d) pedagogia com
preocupação social e política (BRASIL, MEC/SEF, 2001).

Essas tendências pedagógicas também exerceram influência bastante


significativa sobre o pensar e o agir tanto na Educação Física como nos Esportes,
o que acabou por vincular a Educação Física a Biologia e a pedagogia tradicional
e tecnicista, gerando como conseqüência uma preocupação mais acentuada com
a realização e com o resultado do movimento, do que com o agente realizador e
sobre o qual incide o movimento, o ser humano.

Ao definir o movimento humano como sendo seu objeto de estudo,


manifestação e conhecimento a Educação Física preocupou-se demasiadamente
com os aspectos técnicos, observáveis e mensuráveis do movimento, relegando
um papel secundário a outras questões, como o desenvolvimento sociocultural,
cognitivo, emocional e econômico, de importância tão grande quanto às questões
técnicas. Isso é um grande equívoco, pois o movimento é sempre realizado por
pessoas que o fazem por vontade própria ou como resposta a algum estímulo
(KUNZ, 2000).
Na visão de Tani et al. (1988) o movimento é indispensável à evolução
social, cultural, cognitiva e psicológica do ser humano. Culturalmente a Educação
Física sempre foi e, por muitos momentos, ainda é vista como sinônimo de
Esporte. Essa dependência, ou fusão, foi/é tão evidente que ao falar em
Educação Física logo se pensava/pensa em Esporte. Com isto, a aula de
Educação Física deixou de ser o momento de reflexão, debate, construção,
valorização e entendimento do corpo, da corporeidade e do movimento para ser o
local, muitas vezes, de uma atividade mecânica, vazia, sem conexão com o
cotidiano e de exclusão para aqueles que não mostravam/mostram capacidades.

Esta monografia objetiva analisar a educação física que temos e a


educação física que queremos. Objetiva, ainda: detectar e debater o olhar da
Educação Física e do Esporte como práticas pedagógicas relevantes para
crianças e adolescentes dentro do âmbito educacional; e verificar as
competências necessárias para o desenvolvimento de uma intervenção
pedagógica em Educação Física e Esporte.

O estudo se justifica e se faz relevante pois a partir da década de


setenta, e com maior força nos anos oitenta, todo processo envolvendo a
Educação Física começa a sofrer com profundas críticas e busca por
transformações, principalmente referente ao processo de ensino-aprendizagem e
as teorias que serviam, e ainda servem de referência a este processo. Cresce a
importância assumida e conquistada pela Educação Física que, durante os
últimos vinte anos, transformou-se em um promissor campo de trabalho, pesquisa
e estudo, atraindo cada vez mais a atenção da sociedade em geral, que busca
novas formas de atingir o equilíbrio entre vida, trabalho e saúde.

Com essa crescente procura e valorização do papel assumido pela


Educação Física, que é o de educar através do movimento e suas manifestações,
aumenta a responsabilidade e a necessidade de construir-se uma base, um
alicerce real e concreto, que represente claramente tudo aquilo que a Educação
Física, como área de conhecimento e produção de conhecimento, entende e
busca desenvolver em sua atuação prática.
Para alcançar os objetivos propostos optou-se por uma pesquisa do tipo
Revisão Bibliográfica, tendo como material consultado: livros, revistas, periódicos,
sites da Internet, dentre outras fontes.
1. O PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA

Verenguer (1996, p.245) investigou a legislação pertinente à


preparação profissional em Educação Física no Brasil e como esta influenciou as
propostas de mudança curricular das Instituições Públicas de Ensino Superior do
eixo Rio-São Paulo, chegando às seguintes observações:

a) a legislação atual, tanto no seu aspecto normativo (possibilidade da


opção pelo curso de Bacharelado, aumento da carga horária e duração
mínima), como por trazer à discussão a necessidade de caracterizar o
campo de conhecimento da Educação Física representa avanço;
b) a legislação atual no seu aspecto operacional (sugestão de matérias
e/ou disciplinas) para composição do currículo do curso de Educação
Física não apresenta nenhum elemento que exija aprimoramento do
processo de preparação profissional em Educação Física;
c) do ponto de vista estritamente legal, não se exige dos cursos de
graduação em Educação Física mudança profunda na composição da
estrutura curricular, a não ser aumento de carga horária e,
conseqüentemente, duração dos cursos;
d) a legislação e as discussões acadêmicas possuem pontos comuns,
sobretudo quando criticam os cursos de graduação e tratam de advogar
a criação do Bacharelado. Mas as discussões acadêmicas parecem
estar avançando na direção de um novo modelo para a preparação
profissional e produção de conhecimento na área;
e) as instituições pesquisadas, ao estruturarem seus cursos de
graduação, seguiram determinações normativas da lei. Por serem
instituições públicas e gozarem de autonomia, puderam ignorar a
sugestão de matérias e/ou disciplinas para composição do curso de
Educação Física;
f) à exceção da justificativa de mudança curricular apresentada pela
EEFD/UFRJ, as outras instituições desenvolveram suas respectivas
mudanças curriculares baseadas nas idéias encontradas na literatura,
embora partam de pontos de vista diferentes.

A Comissão de Especialistas de Ensino de Educação Física (1996,


p.249-263), fala sobre o currículo de Educação Física: Até 1987, a formação
superior em Educação Física foi pautada pelo currículo mínimo implantado em
1961 pela Lei 4024 – antes o currículo era aprovado por decreto presidencial – o
que se alterou, então, nesse ano, através da Resolução 03/87 do Conselho
Federal de Educação.
Essa alteração provocou muitas discussões sobre currículo em
Educação Física e procurou alterar a formação do profissional no sentido de
propiciar um maior equilíbrio nos conhecimentos tratados ao longo do curso.

O espaço nas ciências sociais e humanas foi ampliado, superando,


assim, o espaço acanhado que ocupava o currículo mínimo em relação às
ciências naturais.

As reformulações curriculares do final da década de 80 inscrevem-se


num quadro multifacetado. De um lado têm-se as solicitações do mercado de
trabalho que, em termos de qualificação técnica, são extremamente
diversificadas. Há trabalhos que identificam mais de trinta atuações possíveis, que
vão do Magistério (básico, fundamental, médio e superior), desporto em geral, das
arbitragens, dos hospitais, hotéis até a ginástica laboral em empresas e em outros
setores.

Esse extenso e diversificado leque de atuações possíveis fez com que


algumas instituições, de imediato, optassem pela criação de cursos de
bacharelado em esporte.

Se por um lado há esse quadro de resposta ao mercado, por outro há


aquele no qual se afirmam novos conhecimentos produzidos. Tornou-se evidente
a necessidade da introdução das ciências sociais e humanas no processo de
produção de conhecimento no campo da Educação Física. Pode-se afirmar que
esse é um momento de transição, que aponta já para a necessidade de uma
avaliação mais global das reformulações curriculares.

Justamente pela abrangência que hoje se verifica na área da Educação


Física, seja ela escolar ou não-escolar, é que se verifica uma ampla discussão
sobre a formação do professor de Educação Física com relação ao currículo.
Segundo Oliveira (1988, p.227):

O curso de licenciatura em Educação Física, que prepara apenas para a


atuação em escolas de 1° e 2° graus, deixa de atender às novas
demandas surgidas com a ampliação do mercado de trabalho (clínicas,
academias de dança e de ginástica, hospitais, escolas de natação, clubes
sociais e esportivos, etc.) e, por esse motivo tem contribuído para: atrair
um falso contingente de candidatos ao magistério; desproteger os
profissionais que atuam nesses locais em virtude da não-regulamentação
da profissão e, em conseqüência disso, da inexistência de entidades
sindicais afins; confundir a Educação Física com outras áreas como a
dança, a recreação e o lazer, não permitindo que aquela constitua um
corpo próprio de conhecimentos, na área escolar e não-escolar,
distinguindo-se sobretudo do desporto que também requer seus próprios
conhecimentos, visto que, além de ser uma área de incontestável
importância social, possui natureza, objetivos e características distintos.

O campo de trabalho da Educação Física é muito amplo, e seria muita


pretensão exigir dos cursos que formem alunos completos em todas as áreas.

Pellegrine (1988, p.255) diz que:

[...] as EEFs devem implementar em seus currículos uma formação


diferenciada para o especialista (técnico em desporto/bacharel) e para o
licenciado em educação física, uma vez que a formação generalista não
tem respondido às necessidades atuais do mercado de trabalho,
fornecido as bases necessárias para a formação de professores de 1º e
2º graus, nem formado profissionais para atuar como técnicos
esportivos, recreacionistas, etc.

Afirma ainda que:

[...] os resultados das atividades acadêmicas devem ter um impacto


sobre a formação profissional e sobre o desenvolvimento de programas
de educação física nos vários níveis de ensino, de forma que, enquanto
os professores ou profissionais da Educação Física estariam envolvidos
com a aplicação do conhecimento, os esforços acadêmicos deveriam
estar voltados para a produção e criação deste conhecimento
(PELLEGRINE, 1988, p.55).

Atualmente, este é um fator que já evidenciado em muitas


universidades.

Esta também poderia ser uma solução viável para que se solucionasse
o problema do generalismo que, numa análise final, não prepara o aluno nem
para o desporto nem para a escola, nem igualmente para a academia, restando a
ele buscar por si só maior desenvolvimento na área que mais lhe agrada.
Segundo Moreira (1988, p.263), os cursos que se dedicam somente à
licenciatura não têm conseguido desenvolver uma formação competente para o
professor que vai atuar no ensino formal de primeiro, segundo e terceiro graus,
em decorrência de sua estrutura: frágil, em termos da definição de identidade do
curso; rígida, pelo seu caráter acrítico, a-histórico e ideológico, em que ainda
prevalecem a negação do pensamento criativo, a transmissão, em detrimento da
produção de conhecimentos.

Partilhamos do entendimento de Faria Júnior (1987, p.28) quando diz


que:

A formação geral aparece revalorizada na sociedade contemporânea,


apresentando-se como mais importante do que a formação puramente
técnica, profissionalizante. A formação geral proporciona uma visão
muito mais ampla e flexível do que a oferecida pelo saber técnico no
sentido profissional. Ela é o ponto de encontro, a intersecção entre
vários subsistemas da sociedade [...] A distinção entre formação geral e
formação especial (habilitado, bacharel, etc.) não se justifica, pois se
trata de formar o educador: o geral e o específico são partes integrantes
e indissociáveis da formação pedagógica.

O professor de Educação Física precisa ter uma base geral consistente


e capaz de lhe proporcionar caminhos em qualquer área de atuação. Ainda acho
que, devido à grande área de atuação da Educação Física, faz-se necessária a
especialização no campo em que se deseja atuar.

Borges (1998, p.37) ao comentar o texto acima diz que “a crítica de


Faria Júnior recai sobre a formação do professor de educação física, que se torna
cada vez mais especializada e fragmentada, esfacelando com a idéia de formar
um profissional generalista”.

Partilhamos também com Betti (1992) quando diz que não se deve
vincular mecanicamente especialista a bacharel e generalista a licenciado.

Borges (1998) complementa essa idéia dizendo que, pela própria


tradição educacional brasileira, o licenciado também é um especialista, um
especialista de primeiro e segundo graus – hoje Ensino Fundamental e Ensino
Médio – e, além disso, ela lembra também das experiências fracassadas, tanto na
licenciatura quanto no bacharelado, que acabaram tornando os currículos
inchados, com conteúdos vazios, superficiais e repetitivos, desviando os focos do
estudo.

2. O CURRÍCULO
O currículo centrado somente na busca da qualidade, do conhecimento
técnico e científico, deixando em segundo plano as relações interpessoais, o lazer
e os momentos de descontração provavelmente não garantirão ao aluno uma
realização completa, que significa sucesso profissional, sucesso familiar e
satisfação pessoal.

No entanto, aquele currículo que prioriza o desenvolvimento integral do


ser humano, através da construção da sensibilidade, do perceber, do interpretar,
do criar, do recriar e do transmitir, conforme sua compreensão dos fatos, estará
preparando muito melhor o educando e fará com que ele supere, com muito mais
facilidade, as adversidades do mundo atual.

Dentro da formação do currículo, não pode-se esquecer jamais que o


ser humano não conseguirá atingir suas realizações somente com o que
chamamos de disciplinas humanas (biológicas) e também não tão-somente com
as disciplinas ditas exatas: o sucesso de um currículo está na integração das
duas áreas (se é que existem duas áreas), para que o indivíduo seja completo e
feliz.

Sperb (1976, p.22), analisando Anísio Teixeira, diz que:

[...] o cidadão comum deve ser capaz de compreender e de agir cada


vez mais lucidamente e mais eficientemente em sua ocupação e em sua
vida global, pois lhe cumpre sentir-se responsável por sua sociedade. A
situação em nossas escolas deve preparar o jovem para dirigir e
comandar a civilização científica que os homens estão iniciando. Sem
esta integração do homem com sua criação científica, seremos vencidos
no páreo entre educação e catástrofe.

Não acredita-se, no entanto, que a escola seja capaz de proporcionar


todas essas oportunidades ao aluno, para que ele possa viver plena e
eficientemente.

Sperb (1976, p.23) relata que:

[...] a seleção de objetivos, considerando a educação como um


processo que deve conduzir à modificação de comportamento, é feita no
sentido de alcançar a modificação da maneira de pensar, de sentir e de
agir. Pela educação o jovem deve adquirir idéias que antes não possuía,
habilidades antes desconhecidas, interesses mais amplos e mais
maduros, e maneiras de pensar mais eficientes.
Assim vistos, os objetivos da educação podem ser formulados em
termos de modificação de comportamento e, neste caso, existe uma
diferença entre as responsabilidades da escola e de outras agências
educativas.
A prioridade em relação a objetivos da educação deveria basear-se em
fins como os que seguem: ensinar ao aluno como aprender, como
atacar novos problemas, e como adquirir novos conhecimentos; ensinar
a usar processos racionais; educar a competência com habilidades
básicas; estimular o desenvolvimento da competência intelectual e
vocacional; levar à exploração de valores em novas experiências;
ensinar a compreender conceitos e generalizações.
Acima de tudo, a escola deve desenvolver no aluno a habilidade de
aprender por iniciativa própria e a fazê-lo com fervoroso interesse.

Este relato de Sperb é importante pois um dos objetivos da escola é


munir o aluno com grande capacidade autônoma, na qual a função do educador é
conduzir e mostrar os caminhos que podem ser seguidos pelo aluno.

Existem vários caminhos que podem ser seguidos pelos alunos, a fim
de alcançar um aumento de seus conhecimentos, não sendo, necessariamente,
aquele indicado pelos professores. Podemos deixar nossos alunos escolherem o
que é melhor para si e apenas ficar atentos ao desenvolvimento desses passos.
Vamos deixar o jovem aluno descobrir, experimentar, questionar, explorar e
construir seu próprio conhecimento.

Sperb (1976, p.95) declara que:

[...] seja qual for o tipo de currículo planejado, seu verdadeiro


funcionamento acontece na sala de aula, entre o aluno e o professor.
Quanto maior o afastamento do currículo do ensino mediante matérias
isoladas, maior são as exigências para com a competência profissional
do professor. Quanto maior a importância dada ao aluno, tanto mais se
aniquila o professor docente, o professor que sabe todas as coisas e
que dá todas as respostas. Assim, surge o professor líder, o educador
que sabe que o melhor líder é aquele que melhor sabe servir.

O professor é um condutor, um orientador, mas acima de tudo é um


educador. Educar e sentir-se comprometido com essa educação talvez seja mais
importante do que repassar fórmulas e conteúdos repetitivos. Talvez seja essa a
verdadeira missão de todos os professores: educar para aprender e para ensinar
o aluno a se auto-educar.
2.1. A Educação Física e o Esporte: competências

O processo de construção histórica da Educação Física tem mostrado


para todos que militam na área, ou que se dispõe a estudá-la, uma complexa
relação para o estabelecimento das competências que deveriam/devem fazer
parte da sua prática de ensino-aprendizagem diária no contexto escolar.

Tomando parte neste debate, três grandes linhas teóricas


coexistiram/coexistem nos rumos da Educação Física: a) biomédica; b) técnico-
desportiva; e c) pedagógico-humanista, cada qual com suas contribuições,
atribuições e características bastante próprias (FARINATTI, 1995).

De acordo com a Lei nº 9.696/98 (regulamentação da profissão de


Educação Física) é de competência do profissional da área

[...] coordenar, planejar, programar, supervisionar, dinamizar, dirigir,


organizar, avaliar e executar trabalhos, programas, planos e projetos, bem
como prestar serviços de auditoria, consultoria e assessoria, realizar
treinamentos especializados, participar em equipes multidisciplinares,
além de elaborar informes técnicos, pedagógicos e científicos, todos nas
áreas de atividade física e do esporte. (NEIRA, 2003, p.65)

Durante grande parte de sua existência, a Educação Física ficou


estigmatizada com o rótulo de que trabalhava apenas com o corpo e seus
atributos fisiológicos (força, resistência, velocidade, coordenação motora, entre
outras). Assim, o desenvolvimento das capacidades intelectuais do aluno não
passava, ou não deveria passar pelas aulas de Educação Física. Muito deste
estigma, muitas vezes, é culpa dos próprios professores e profissionais que
trabalhavam/trabalham dentro da Educação Física. Faltava-lhes/falta-lhes uma
maior competência pedagógica para ensinar.
Costa (apud KRUG, 1996) entende como sendo evidente que a melhora
dos efeitos educativos está, em grande parte, relacionada com a competência
pedagógica apresentada pelo professor. A competência pedagógica é fator
fundamental da intervenção pedagógica do professor (dentre os múltiplos fatores
que envolvem a sua intervenção), já que tem implicação com o saber, o saber
fazer e o fazer (KRUG, 1996).

Segundo Neira (2003, p. 180), “todos sabemos que a prática


corresponde a uma ou várias teorias, embora insistamos em falar de uma ‘prática
em si’, como se ela não fosse medida por uma teoria”.

Para Piaget, é importante para o professor tomar consciência do que


faz ou pensar a respeito da sua prática pedagógica, ter uma visão crítica das
atividades e procedimentos na sala de aula dos valores culturais de sua função
docente, adotar uma postura de pesquisador e não apenas de transmissor, e ter
um melhor conhecimento dos conteúdos escolares e das características do
desenvolvimento e da aprendizagem dos alunos (NEIRA, 2003).

O processo de ensino-aprendizagem dentro da Educação Física está


calçado nas concepções de corpo e movimento. Podemos, então, entender e
estabelecer que o objeto de estudo, conhecimento e intervenção da Educação
Física é o corpo, sua corporeidade e o movimento que é capaz de realizar. Devido
a sua origem de submissão e atrelamento aos mecanismos de dominação e
alienação presentes na história brasileira, a Educação Física delimitou tanto sua
reflexão quanto sua intervenção a respeito dos conceitos de corpo e movimento a
aspectos meramente fisiológicos e técnicos (BRASIL, MEC/SEF, 2001).

Desde o seu surgimento como atividade diária, até sua afirmação como
prática pedagógica presente na formação integral do ser humano, a Educação
Física tem centrado seu olhar sobre o estudo do movimento humano e suas
implicações para o processo de desenvolvimento do individuo.

Segundo Tani et al. (1988), o comportamento humano pode ser


classificado em três segmentos: cognitivo, afetivo-social e motor. No segmento
cognitivo estão presentes as operações mentais, com a descoberta ou
reconhecimento de informações; no domínio afetivo-social estão a emoção e o
sentimento; e por fim, com o segmento motor ou psicomotor estão os
movimentos. Contudo, os autores advertem que está classificação é mera
formalidade, pois não há como observar e/ou avaliar o comportamento humano
como sendo somente cognitivo, sem que o segmento psicomotor e/ou o segmento
afetivo-social se manifestem (TANI et al., 1988).

Conforme argumentam estes autores, ao estudar o comportamento


humano, devemos fazê-lo baseado em dois princípios: o da totalidade e o da
especificidade. E defendem seu argumento dizendo que:

Em termos práticos, quando se tem esta visão integrada e sistêmica do


comportamento humano, o trabalho na Educação Física com os
movimentos ou habilidades motoras desenvolve a afetividade, a
socialização a cognição e as qualidades físicas envolvidas. Isto somente
não acontece quando se considera o comportamento do ser humano
como uma soma de partes não relacionadas ou quando se fala em
globalidade de forma muito abstrata, sem analisar o significado real
desta globalidade, ou seja, os comportamentos, os mecanismos e as
suas interações (TANI et al, 1988, p. 07).

Na visão de Neira (2003, p.114), “o movimento humano é muito mais do


que um simples deslocamento do corpo no espaço, constitui-se em uma
linguagem que permite as crianças agirem sobre o meio físico e atuarem sobre o
ambiente humano, mobilizando as pessoas por meio de seu teor expressivo”.

Na mesma linha, Tani et al. (1988, p. 12), dizem que “é através do


movimento que o ser humano aprende sobre o meio social em que vive”. Desta
forma, os movimentos têm importância biológica, psicológica, social, cultural e
também evolutiva (TANI et al., 1988).

Com o movimento assumindo um papel de fundamental importância na


vida humana, estando presente em todas as atividades do cotidiano, de lazer, do
trabalho e do Esporte humano, em que a diferença primordial encontra-se nas
informações específicas recebidas, processadas, organizadas e utilizadas para
realização dos movimentos, a Educação Física deve utilizar e buscar as mais
diversas áreas que tratam do conhecimento e do desenvolvimento do
conhecimento humano para constituir seu campo de conhecimento a respeito do
movimento (TANI et al., 1988).
Na visão destes autores, o movimento deve ser construído, entendido e
conceituado a partir de dois fatores: “o primeiro é que ele é um comportamento
observável, e o segundo é que ele é produto de todo um processo interno do
indivíduo” (TANI et al., 1988, p. 08). No entanto, como adverte o PCN, “o ter e o
poder corporal ainda predominam sobre o ser-corpo que pensa, age, sente e se
comunica pelos seus gestos e expressões” (BRASIL, MEC/SEMT, 1999, p. 160).

Na mesma linha, Tani et al. (1988, p. 11), dizem que

[...] se a Educação Física pretende contribuir para o desenvolvimento


adequado das crianças, é preciso que ela abandone a ênfase excessiva
sobre o sistema muscular, para adotar um enfoque onde todos os
mecanismos envolvidos e os fatores que afetam o funcionamento
destes mecanismos sejam convenientemente trabalhados e
desenvolvidos.

Com a Educação Física desenvolvendo um olhar mais voltado para as


questões humanas do movimento, entendendo-o e relacionando-o a fatores
pedagógicos, sócioculturais, afetivos, econômicos, entre outros, tem início um
profundo processo de contestação da estrutura vigente para o desenvolvimento e
atuação prática da Educação Física.

Para Kunz (2000), a Educação Física do Brasil, em especial nos últimos


dez anos, está seguindo para um desenvolvimento cada vez mais diferente em
relação á sua prática.

De um lado, a Educação Física tradicional e seu modelo que busca


preservar os princípios básicos da elite dominante e do outro lado cada vez mais,
aparece uma Educação Física preocupada não apenas com a sua atuação
prática, mas, também, com sua atuação no processo de formação integral do
educando e da sociedade.

Ferreira Neto (1995), argumenta que em virtude da sedentarização e


progressiva privação de experiências de movimento e ludicidade por parte das
crianças, devido à economia de espaço e padronização de estilos, determinam a
necessidade de uma atenção especial sobre o desenvolvimento da criança e uma
reposição do valor da Educação através da Motricidade como prática geral na
formação escolar. O mesmo autor ainda salienta que o desenvolvimento e
modificação da estrutura social e econômica das sociedades atuais, como
resultado dos processos de modernização e inovação tecnológica, acabaram por
gerar inúmeras transformações nos hábitos de vida diária do homem e sua
relação com o meio em que vive.

Essas transformações têm exercido influência bastante significativa


dentro das instituições familiares e escolares, exigindo uma responsabilidade
crescente quanto ao trabalho educacional, fazendo do papel de socialização
assumido pela escola uma das principais ações da sociedade moderna
(FERREIRA NETO, 1995).

Atualmente, com a inserção ao mundo do trabalho e do consumo, a


preservação do meio ambiente, os cuidados com o próprio corpo e com a saúde,
além da educação sexual, são alguns temas que começam a ganhar maior
importância dentro da própria sociedade. Desta forma, é função primordial da
escola proporcionar ao aluno o conhecimento dos recursos capazes de conduzir
ao debate dessas formas de conhecimento e sua utilização crítica, na perspectiva
da participação social e política.

Ainda em relação à presença da Educação Física como componente


pedagógico escolar Farinatti (1995, p. 14), argumenta:

Acreditamos que a Educação Física somente poderá afirmar-se como


disciplina acadêmica, perfeitamente identificável, através da sua
afirmação como disciplina curricular. E, para defender sua presença no
quadro mais geral da Educação, deve ter algo a oferecer que já não o
seja por outras disciplinas. Sua justificativa enquanto força pedagógica
importante à formação do individuo, e assim presente na escola, então,
deveria repousar acima de tudo sobre os seus conteúdos específicos.
Impor-se, enfim, pela valorização de objetos concretos de ensino, que
apenas ela pode trabalhar com o aluno.

Segundo o PCN (BRASIL, MEC/SEF, 2001, p. 46),

[...] os conhecimentos que se transmitem e se recriam na escola


ganham sentido quando são produtos de uma construção dinâmica que
se opera na interação constante entre o saber escolar e os demais
saberes, entre o que o aluno aprende na escola e o que ele traz para a
escola, em um processo contínuo e permanente de aquisição no qual
interferem fatores políticos, sociais, culturais e psicológicos.

E na ótica de Farinatti (1995, p. 13), “[...] é na escola que a Educação


Física pode ser firmar mais consistentemente como instituição com vocação
pedagógica.

No entanto, Neira (2003) entende que somente após a determinação da


real função da escola no processo de Educação, é que poderá definir-se o papel
específico desta instituição, que é, por meio da construção do conhecimento, a
promoção e desenvolvimento das potencialidades. Desta maneira, poderemos
afirmar, que por meio dos caminhos do conhecimento, estará sendo propiciado ao
educando uma real atuação cidadã. O processo de ensino-aprendizagem exige
do professor não apenas um conhecimento para atuação prática de determinado
conteúdo, mas, também, exige um conhecimento teórico que sirva de base e
justificativa para o seu desenvolvimento. Ao selecionar determinado conteúdo, o
professor deve cuidar para que este possua algum significado para o aluno,
trazendo-lhe um importante aporte para sua ação efetiva como ser atuante e
consciente.

A atividade deve estar relacionada não apenas as ações práticas, mas,


também, e principalmente, ao conhecimento teórico e possuir como característica
o estabelecimento de relações não arbitrárias, mas pertinentes e valiosas entre o
que conhecem e o que pretendem aprender. É através desta atividade que os
alunos se permitirão obter uma representação individual de um conteúdo social
(MATTOS; NEIRA, 2000).

Segundo o PCN (BRASIL, MEC/SEF, 2001b, p. 46), “o desenvolvimento


de capacidades torna-se possível mediante o processo de construção e
reconstrução de conhecimentos”.
Para Mattos e Neira (2000, p. 35), “[...] o conhecimento é construído
mediante um processo de elaboração pessoal em que nenhum aluno pode ser
substituído por outro, isto é, algo que ninguém pode realizar em seu lugar”.
E, seguindo com estes autores: “a construção de conhecimentos é
possível graças à atividade que o aprendiz desenvolve para atribuir significado
aos conteúdos escolares apresentados”.

Dentro do mundo ocidental moderno a Educação Física possui uma


história de aproximadamente um século e meio, com uma tradição e um saber-
fazer buscando a formulação de um recorte epistemológico próprio. “Assim, a
área de Educação Física hoje contempla múltiplos conhecimentos produzidos e
usufruídos pela sociedade a respeito do corpo e do movimento” (BRASIL,
MEC/SEF, 2001, p. 27).

No entendimento de Farinatti (1995), se por um lado a Educação Física


necessita de uma base epistemológica-filosófica guiadora das suas ações
educacionais, ou seja, é preciso uma identidade sobre a qual possamos construir
e integrar os aspectos relevantes e relacionados à Educação Física, não se pode
negar que os conhecimentos biológicos, técnicos e desportivos fornecem
importantes ferramentas ao cumprimento, pela Educação Física, da sua função
pedagógica.

De acordo com o que está exposto no PCN (BRASIL, MEC/SEF, 1998,


p. 62), a Educação Física deve ser entendida “como a área do conhecimento que
introduz e integra os alunos na cultura corporal do movimento, com finalidades de
lazer, de expressão de sentimentos, afetos e emoções, de manutenção e
melhoria da saúde”.

Para Neira (2003), o conhecimento transmitido comumente nas aulas


de Educação Física, baseados na técnica e conteúdos pré-estabelecidos, torna a
prática pedagógica inexistente, descontextualizada, estática, sem sentido para
professores e alunos, e, por fim, acrítica.

Na mesma linha, Tani et al (1998) entendem que a realidade prática da


Educação Física, mesmo defendendo a importância da integração corpo-mente,
ainda demonstra uma preocupação predominante com o desenvolvimento
muscular, dirigindo pouca atenção para o desenvolvimento global do aluno.
Conforme está posto na tabela 01, a Educação Física e o Esporte
devem desenvolver as seguintes competências nos alunos:

Representação e  Demonstrar autonomia na elaboração das atividades


Comunicação corporais, assim como capacidade para discutir e
modificar regras, reunindo elementos de várias
manifestações de movimento e estabelecendo uma
melhor utilização dos conhecimentos adquiridos
sobre a cultura corporal.
 Assumir uma postura ativa na prática das Atividades
Físicas, e consciente da importância destas na vida
do cidadão;
 Participar de atividades em grandes e pequenos
grupos, compreendendo as diferenças individuais e
procurando colaborar para que o grupo possa atingir
os objetivos a que se propôs.
 Reconhecer nas convivências e práticas pacificas,
maneiras eficazes de crescimento coletivo,
dialogando, refletindo e adotando uma postura
democrática sobre diferentes pontos de vista postos
em debate;
 Interessar-se pelo surgimento das múltiplas variações
da Atividade Física, enquanto objeto de pesquisa e
área de interesse social e de mercado de trabalho
promissor.

Investigação e  Compreender o funcionamento do organismo humano de


Compreensão forma a reconhecer e modificar as atividades corporais,
valorizando-as como melhoria da sua aptidão física;
 Desenvolver as noções conceituais de esforço, intensidade
e freqüência, aplicando-as em suas práticas corporais;
 Refletir sobre as informações específicas da cultura
corporal, sendo capaz de discerni-las e reinterpretá-las em
bases cientificas, adotando uma postura autônoma, na
seleção de atividades e procedimentos para a manutenção
ou aquisição da saúde.

Contextualização  Compreender as diferentes manifestações da cultura


Sócio-Cultural corporal, reconhecendo e valorizando as diferenças de
desempenho, linguagem e expressão.

Fonte: PCN (1999)


Ainda fazendo referência ao PCN (BRASIL, MEC/SEMT, 1999),
encontra-se a divisão das competências acima citadas em blocos a serem
desenvolvidos durante o processo educacional, buscando uma Educação Física
mais envolvida e participativa na realidade do educando, através de uma
investigação e atualização constante da sua atuação como mecanismo de
desenvolvimento do ser humano não deve ser apenas mais um objetivo de ação,
mas, sim, deve ser o principal objetivo da ação pedagógica da Educação Física
enquanto componente curricular de ensino.

Para Neira (2003, p. 09), “[...] por trás de toda prática educativa há,
implícita, uma concepção de aprendizagem; ou seja, todo ensino é norteado por
aquilo que o professor entende por aprendizagem”.

Esta prática pedagógica deverá estar articulada com o projeto político


pedagógico da escola, e com os objetivos assumidos para a Educação do aluno.
Para isto, devem considerar a situação concreta do aluno, as peculiaridades da
comunidade onde vive e, também, a formação do professor (NEIRA, 2003).
Mesmo convivendo com algumas questões que ainda necessitam de um melhor
entendimento e desenvolvimento, atualmente a Educação Física é vista como
fundamental para formação geral do indivíduo em qualquer faixa etária
(FARINATTI, 1995).

2.2. A Educação Física de acordo com as novas diretrizes e projetos


pedagógicos

Na nova legislação a educação física, que era considerada simples


atividade dentro da escola, estando assim desvinculada do processo/projeto
educacional, passa a ter o caráter de obrigatória e com novas propostas
pedagógicas.

Vale lembrar que nos documentos que compõe esta proposta (LDB,
1996; Diretrizes Curriculares, 1996; Proem, 1997 e PCNs, 1996), a educação
física faz parte da área de conhecimento denominada linguagem, códigos e suas
tecnologias, na qual o respeito à diversidade é o principal eixo da proposta.

Atitudes como “pesquisar, selecionar informações, analisar, sintetizar,


argumentar, negociar significados, cooperar, de forma que o aluno possa
participar do mundo social, incluindo-se aí a cidadania, o trabalho e a
continuidade dos estudos” (PCN’s, 1996, p.32), deverão fazer parte do processo
para uma mudança qualitativa através desta nova proposta.

No que diz respeito aos conteúdos, pela análise dos Parâmetros


Curriculares Nacionais (PCN’s), percebe-se que o aluno deve ser detentor de
sólidos conhecimentos referentes à cultura corporal. O esporte também precisa
ter espaço nas aulas de educação física, no entanto, sendo trabalhado através de
uma proposta que seja extensiva a todos os alunos e não apenas aos que
possuem maiores habilidades. A aula de educação física não pode constituir-se
em espaço para treinar equipes de alto desempenho. Segundo Brandl (2003,
p.72), “[...] este espaço poderá ser assegurado por meio de atividades
extracurriculares, permitindo que os maiores interessados possam exercer
atividades de sua preferência”. Os PCN’s orientam também para que haja uma
maior integração da Educação Física com as demais disciplinas que integram os
conteúdos curriculares, objetivo este que pode ser alcançado por meio de
trabalhos que priorizem os projetos interdisciplinares.

Com relação à metodologia de ensino, a própria Lei de Diretrizes e


Bases (LDB) juntamente com os PCN’s reforçam que o currículo de Educação
Física adotará metodologias de ensino e de avaliação que estimulem a iniciativa
dos estudantes, atividades modernas e adequadas, a aula como momento de
reflexão, aprendizagem e vivência de situações problema, são alguns dos
aspectos que o professor deve levar em consideração.

A partir do momento em que o processo ensino aprendizagem for


caracterizado pela participação efetiva do aluno e do professor, em que haja troca
de experiências, esse relacionamento trará muitas contribuições para o
desenvolvimento da autonomia do educando, e o professor estará
desempenhando o seu papel de educador e não de ditador de ordens e regras.

De acordo com Hermida (2002, p.29)


A forma de avaliação indicada é de que professor e alunos devem
discutir os critérios utilizados, porque essa abertura trará contribuições
no entendimento do programa a ser desenvolvido naquele período
letivo, como também poderá ampliar a compreensão dos alunos sobre o
que o professor busca alcançar, responsabilizando todos pela trajetória
a ser percorrida. Propõe também a utilização de auto-avaliação como
momento para reflexão do educando sobre as contribuições das suas
ações no seu crescimento individual e coletivo.

A concepção filosófica que permeia a LDB traz indicações de mudanças


qualitativas. O discurso da corporeidade da educação motora, de teorias que
concebem o aluno como um ser total, de uma educação física que atenda o ser
humano em todas as suas dimensões.

3. A EDUCAÇÃO FÍSICA QUE TEMOS VERSUS A EDUCAÇÃO FÍSICA QUE


QUEREMOS
A extraordinária evolução experimentada pela humanidade,
principalmente a partir da Revolução Industrial, transformou completamente o
modelo de sociedade que se apresentava até então. Novos valores e interesses
foram absorvidos pela sociedade capitalista que ali surgia; novas preocupações
transformaram por completo o panorama mundial, refletindo sobre a política, a
economia, a cultura, a sociedade e, conseqüentemente, sobre o corpo deste
“novo homem”.

Essa fantástica evolução, em especial do conhecimento científico,


acaba gerando, como conseqüência, uma dificuldade significativa na tentativa de
compreensão global e ao mesmo tempo particular dos acontecimentos que
envolvem nossa existência. A formação profissional está cada vez mais voltada
para a especialização, buscando o entendimento máximo sobre “à parte”, sem,
contudo, entender ”o todo” (MEDINA, 1990).

Essa formação descentralizada acaba gerando um conhecimento


fragmentado, parecendo e atuando, na maioria dos casos, de modo
descontextualizado e descompromissado.

Diante deste novo contexto, a escola passou a ser de fundamental


importância na preparação e formação desta sociedade que começava a
vislumbrar, debater e a vivenciar novos valores sociais, éticos, morais e culturais.
Essas mudanças trouxeram, e ainda trazem, muitos conflitos para o sistema
educacional.

Ao prefaciar Medina (1990) diz que se há um meio que deva exprimir


vivamente a pluralidade da vida, bem como a sua dinâmica de contradições em
contraponto, este é o meio educacional.

É bastante comum que, ao longo da vida estudantil, principalmente no


ensino fundamental e médio, os alunos não sejam estimulados a desenvolver
uma abordagem muito ampla e diversificada quando orientados a pesquisa. Se
levarmos em consideração todas as complicações que o desenvolvimento de um
trabalho acadêmico resulta e impõe, pode-se compreender este quadro. No
entanto, é claro a falta de estímulo ao ato de refletir o todo onde a particularidade
se constrói e desenvolve (MEDINA, 1990).

As formas de dominação dentro desta sociedade (brasileira) não são


articulados apenas através do Estado (não apenas através da coerção nem
apenas através do direito), mas também através da ideologia, da educação, da
religião, de todas as formas de vida social e cultural que se imagine (SOARES,
1994).

Com a tendência de limitar ao máximo o universo de pesquisa


manifestando-se cada vez mais pressente na atividade científica, impede-se o
poder de amadurecimento crítico e reflexivo do indivíduo por meio do sistema
educativo, pois “não persegue a visão do todo” (MEDINA, 1990, p. 18).

Segundo Gadotti (1992, p. 09), “a escola está perdendo a sua


autonomia e também está perdendo sua capacidade de educar para a liberdade”.
Porém, nem tudo que acontece ou desenvolve-se no ambiente escolar é
demonstração da vontade do professor ou do aluno. Os acontecimentos diários
têm como pano de fundo o espelho do sistema político, cultural, social e
econômico de cada sociedade. Neste caso, podemos concluir que a escola, como
instituição, é fruto da sociedade a qual pertence; e mesmo que em algum
momento ela busque atingir novos valores e padrões para a transformação social,
sempre que caminhar nesta direção estará agindo de forma revolucionaria,
conspiratória e subversiva; “e toda vez que isso ocorrer, sofrerá pressões de
forças sociais para ser o que deseja” (MEDINA, 1990, p. 19).

Isto, no entanto, não transforma a instituição escolar em uma instituição


estática e que atua somente como reprodutora daquilo que já existe. Ela muda
sim, renovando-se constantemente ao mesmo tempo em que as contradições e
novos arranjos sociais ou discursos ideológicos vão impondo-se. Contudo, essas
“transformações” concentram-se basicamente ao nível dos métodos, pois a
preservação dos interesses de uma só classe, sua grande finalidade, permanece
em sua essência. Sendo assim, o homem, o corpo, a corporeidade e suas
manifestações culturais, e não apenas a escola, será produto e/ou subproduto
das estruturas que modelam este sistema capitalista, dependente e altamente
hierarquizado socialmente.

Na visão de Gadotti (1992, p. 36), a educação brasileira é caracterizada


por uma pedagogia baseada no conteúdo com objetivo funcional e que leva a
desmotivação do professor e sua alegria de construir o conhecimento junto com
seus alunos, “é uma pedagogia que sufoca a multiculturalidade própria do nosso
tempo [...]”. Esta pedagogia “impõe um saber que contém dentro dele, elementos
que legitimam a dominação e que inibe a possibilidade de o homem se
transformar em sujeito da própria história” (ARGUMEDO, 1985 apud GADOTTI,
1992, p. 36).

Este autor ainda vai mais além dizendo que este saber “é um saber que
foi expropriado e é devolvido aos seus criadores na forma de receitas, instruções
e postulados” (ARGUMEDO, 1985 apud GADOTTI, 1992, p. 36).

Para Medina (1990) é preciso resgatar a relação dialética existente


entre o indivíduo e a sociedade, entre a estrutura e a consciência social, entre a
organização e planejamento político-econômico-social e o corpo, pois é através
desta relação que o papel da escola não será esvaziado.

Conforme expõe Shigunov (2001), o processo de ensino deve ter


relação com o cotidiano, com a realidade do aluno. Amparado em Dieckert (1997)
e Mattos e Neira (2000), este autor diz que “a escola deve possibilitar a cada
aluno o uso de suas aptidões e interesses, levando ao máximo a diversidade na
procura e potencialidades individuais, tanto no ensino geral, como em especial na
Educação Física” (SHIGUNOV, 2001, p. 57).

Para que a escola pública seja sinônimo de escola popular, autonomia,


cidadania e qualidade, Gadotti (1992, p. 55-57) expõe o que deveriam ser os dez
mandamentos da escola:

(1º) A escola pública autônoma é, antes de tudo, democrática (para


todos), democrática na sua gestão, democrática quanto ao acesso e
permanência de todos. É, além disso, popular, isto é, tem um caráter
social comunitário, espaço do público para elaboração da sua cultura.
(2º) Para ser autônoma não pode ser dependente de órgãos
intermediários que elaboram políticas das quais ela é mera executora.
(3º) A escola cidadã deve valorizar o contrato de 40 horas com
dedicação exclusiva do professor: 04 horas diárias de aula e 04 de
outras atividades e substituições (equipe interdisciplinar). Valorizar a
escola significa não levar trabalho para casa a não ser que na escola
haja lugar adequado.
(4º) Ação diretiva. Valorizar a iniciativa e os projetos das escolas. O
problema não está na crise da escola, mas na crise do sistema (na
rotina que produz).
(5º) A escola autônoma cultiva a curiosidade, a paixão pelo estudo, o
gosto pela literatura e pela produção de textos, escritos ou não.
Aprendizagem criativa e não mecânica. Propõe a espontaneidade e
inconformismo.
(6º) É uma escola disciplinada. A disciplina que vem do papel específico
da escola (o sistemático e o progressivo).
(7º) A escola não é mais um espaço fechado. Sua ligação com o mundo
se dá como trabalho. Ela é um laboratório do mundo que penetra.
(8º) A transformação da escola não se dá sem conflitos. Ela se dá
lentamente. Pequenas ações, continuadas, são melhores no processo
de mudança, que eventos espetaculares, mas passageiros. Só a ação
direta de cada professor, de cada classe, de cada escola, pode tornar a
educação um processo enriquecedor.
(9º) Não há duas escolas iguais. Cada escola é fruto do
desenvolvimento de suas contradições.
(10º) Cada escola deveria ser suficientemente autônoma para poder
organizar o seutrabalho da forma que quisesse.

Segundo Sander (1984 apud GADOTTI, 1992) a escola, enquanto


administração pública, pode ser fundamentada a partir de um olhar metódico
estreito que busca respaldo nos aspectos estatísticos ou, então, a partir de um
olhar dinâmico valorizando a contradição, a mudança, o conflito. Desta forma,
podemos então entender a escola a partir de um sistema fechado e um sistema
aberto (GADOTTI, 1992).

No sistema fechado não há e/ou não se buscam as contradições e os


conflitos. Em contrapartida, a tensão e o conflito são as guias do sistema aberto.
Contudo, isto não significa que no sistema aberto não haja situações de tensão;
elas
existem, mas ao serem detectadas logo são camufladas ou integradas ao
sistema. O sistema fechado é marcado pela pouca, ou quase nenhuma
participação dos seus usuários e prestadores de serviço, já que estes não têm
e/ou não demonstram um sentimento de responsabilidade pela escola. Por outro
lado, o sistema aberto tem como base primordial do processo educativo a escola
e a sala de aula, o que possibilita a comunidade escolar ter maior participação
nas tomadas de decisões.

No entanto, Gadotti (1992) afirma que não é simples detectar estes dois
paradigmas contrários e contraditórios de ensino, pois estes não estão claramente
expostas.

De modo geral, predomina o confronto entre um olhar prático estático


da educação e um olhar dialético, renovável do processo.

Nesse confronto de concepções e práticas o sistema tende a uma


síntese superadora, uma espécie de sistema único e descentralizado, a
semelhança do sistema de saúde (art. 198 da Constituição), conquistado graças à
pressão dos profissionais da área. O sistema único e descentralizado de saúde
favorece a igualdade na assistência, sem preconceitos e privilégios, e preserva a
autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral, princípios
que seriam muito úteis se adaptados ao sistema de ensino (GADOTTI, 1992, p.
62).

Contudo, seja no sistema educacional seja no sistema de saúde, um


sistema descentralizado somente vai cumprir sua função de democratização,
qualidade e transparência através da participação sólida e efetiva da sociedade.
Em um sistema público de ensino orientado pela participação e democratização
na produção, no desenvolvimento e na veiculação do conhecimento, é onde há
maior possibilidade de formar para cidadania (GADOTTI, 1992).

Para que o princípio da gestão autônoma e democrática, objetivados na


própria legislação nacional seja atingido, buscando a superação do princípio
centralizador presente nas escolas, é preciso que haja uma profunda
transformação no sistema de ensino atual.

Todavia, segundo coloca e entende o PCN: “[...] deve ser evitada a


abordagem simplista de encarar a educação escolar como fator preponderante
para as transformações sociais, mesmo reconhecendo-se sua importância na
construção da democracia” (BRASIL, MEC/SEF, 1998, p. 42).

Desta forma, a escola deve servir e atuar como meio auxiliar e não
promotor destas transformações.

Embora, por alguns momentos, bastante tímida, LDB fornece subsídios


rumo à descentralização e a autonomia escolar, mesmo ainda conservando a
estrutura centralizadora com herança do período autoritário e pela pressão de
entidades mergulhadas em um Estado conservadorista, conflituoso e
contraditório. Isto fica claro quando esta mesma LDB prevê total autonomia as
instituições de ensino superior, mas que ao tratar da autonomia para as
instituições de educação básica mostra-se mais reservada (GADOTTI, 1992).

De acordo com Demo (1988), há duas formas de pobreza classificadas


como não Ter e não Ser. Uma não depende e/ou determina a outra, e uma não
pode ser considerada mais importante do que a outra.

“Há quem tenha muito, e não é nada, como há quem seja muito, sem
nada ter. Uma é de ordem socioeconômica, quantitativa, material; a outra é de
ordem política, quantitativa, imaterial” (DEMO, 1988, p. 18).

Segundo este autor, a pobreza não deve ser vista apenas como um
dado natural, mas sim como resultado da organização histórica das sociedades.
“Muitos não só pouco ou nada tem, como pouco ou nada são” (DEMO, 1988, p.
20).

Um conceito clássico de política, e que se tornou um ideal a ser


alcançado, busca entende-la como a “esfera de realização do bem comum”
(COTRIM, 2000, p. 291).

Com o avanço da modernidade, a política começou a ter um


estreitamento com os laços do poder. Isto fica claro a partir da definição de H. D.
Lasswell e A. Kaplan (apud COTRIM, 2000, p.291), onde a “política é o processo
de formação, distribuição e exercício do poder”.

Para Bertrand Russell (apud COTRIM, 2000, p.292) o “poder é a posse


dos meios que levam a produção dos efeitos desejados”.

3.1. A Educação Física e o Esporte: Novas Necessidades Metodológicas

Ao longo da evolução e desenvolvimento da Educação Física como


área de atuação, reflexão e produção de conhecimento, podem-se colocar três
tendências básicas que, segundo Freire (1997), formaram o tripé de sustentação
da Educação Física no Brasil: (1) pedagogia; (2) esporte/treinamento esportivo;
(3) fitness/atividade física e saúde.

Prática mais comum para atuação nas escolas como meio de


intervenção, o pensar e agir pedagógico da Educação Física sofre mudanças
radicais a partir da década de oitenta, o que na visão de alguns professores e
estudiosos acabou desfigurando totalmente um sistema de ensino que apesar de
muito questionado cumpria seu dever.

Com o fim do governo militar e, conseqüentemente, da ditadura


educacional, houve uma tentativa de varrer das escolas e dos métodos de ensino-
aprendizagem qualquer vestígio do modelo autoritário que por mais de vinte anos
censurou toda e qualquer manifestação de liberdade e contestação expressa pela
sociedade. No entanto, não era possível substituir automaticamente um sistema
autoritário já profundamente enraizado na práxis da Educação Física e do
Esporte, por um modelo democrático e completamente novo para todos (FREIRE,
1997).

A ausência por um longo período de anos de uma Educação Física com


compromisso e coerência social, cultural, política e pedagógica resultou em uma
profunda desvalorização tanto como área de atuação quanto como área de
conhecimento, gerando, a partir disso, uma práxis descompromissada,
descontextualizada e excludente para a maioria dos envolvidos pela Educação
Física (pais, alunos, professores, escolas, sociedade). No entendimento de Freire
(2002, p. 134),

[...] passarão décadas até que tenhamos novamente uma intervenção


pedagógica coerente com as idéias democráticas nas aulas de
Educação Física, [pois], trata-se de um processo que está sendo
desenvolvido a cada dia, tanto no cotidiano das aulas como no ambiente
acadêmico.

Na segunda ponta deste tripé, encontramos outra prática muito comum


e difundida na Educação Física brasileira: o ensino do Esporte e o treinamento
esportivo de alto rendimento. Visto por alguns como o grande oásis da Educação
Física, o Esporte teve seus rumos definidos por um longo período, em especial
dos anos cinqüenta em diante, pela ciência ou cientificismo, criando uma área
denominada Ciência do Esporte.

Para Bracht (1999, p. 19),

[...] o cientificismo entra na educação física muito em função da pressão


externa para que a educação física se legitimasse como campo
científico, [...] foi, também, fator determinante o enorme avanço que
sofreu, após a II Guerra Mundial, o fenômeno esportivo e como foi
absorvido ou se impôs à educação física.

Com essa absorção ou imposição do Esporte em relação à Educação


Física, professores que atuam em qualquer que seja a instituição de ensino
privilegiam o Esporte como conteúdo máximo e único da Educação Física, pois
oferece, segundo seu entendimento, maior oportunidade de crescimento pessoal,
financeiro e social/status (BRACHT, 1999). Porém, o campo esportivo é quase
que completamente fechado para a imensa maioria dos professores de Educação
Física.

“O fato é que esse campo de intervenção profissional, que parecia tão


promissor, é extremamente seletivo e não resultou na abertura que tantos
esperavam. O Esporte é um grande negocio para bem poucos” (FREIRE, 1997, p.
135).
Por um longo período, falar em Educação Física era como falar em
Esporte. Isto graças ao entendimento difundido, até certo ponto, pelos próprios
professores de Educação Física que durante as suas intervenções utilizavam-se
do Esporte como única ferramenta para o desenvolvimento de suas atividades
com os alunos. Ao utilizar o Esporte como ferramenta didática, a Educação Física
encampou o pacote esportivo com todas as suas finalidades, sem imprimir-lhe as
modificações necessárias para ser utilizado como mecanismo de intervenção com
intencionalidade pedagógica (OLIVEIRA et al, 2002).

A prática pedagógica que caracterizou a Educação Física até meados


da década de sessenta foi posta em segundo plano, e esse modelo de Educação
Física que já vigora por mais de trinta anos, transformou “essa área em um
espaço entendido como formador de atletas, local exclusivo da prática esportiva,
e tem introjetado nas gerações desse período o entendimento simplificado e
limitado da área” (OLIVEIRA et al, 2002, p. 143).

Na última ponta deste tripé, temos o Fitness e a Atividade Física e


Saúde formando um campo promissor de atividade profissional. De acordo com
Freire (1992, p. 135) “mais que um conjunto de práticas, [o fitness] agrega uma
forma de pensamento que se espalha a passos largos pelo planeta, uma
ideologia”. Segundo entende este autor, o fitness é a contribuição da Educação
Física para o fortalecimento e constituição definitiva do neoliberalismo em sua
porção mais maléfica; nenhuma revolução ou novidade pedagógica pode ser
atribuída ao fitness, “ao contrario, reúne o que de mais antigo temos em
pedagogia” (FREIRE, 1997, p. 135).

Bastante crítico ao movimento fitness, este autor diz que muitas das
práticas desenvolvidas nada mais são que meras aulas calistênicas utilizando
coreografia e música; as referências científicas e filosóficas utilizadas para sua
intervenção são as mesmas utilizadas na prática esportiva (empirismo e
comportamentalismo); a massificação, padronização e universalização dos gestos
e coreografias não são novidades para aqueles que acompanharam o que
aconteceu através da educação da juventude nazista; qualquer um que consiga
juntar meio dúzia de passos harmonizados com alguma música ensurdecedora,
registra sua patente e passa a distribuir franquias, claro, devidamente
remuneradas (FREIRE, 1997, p. 136).

Em virtude das diferentes abordagens oferecidas, com a identificação


cada vez mais clara dos benefícios para uma boa qualidade de vida, a atividade
física vem mostrando-se um campo em constante evolução nos últimos anos.
Objetivando desenvolver nas pessoas o hábito por um estilo de vida saudável,
buscando através de atividades simples, como a caminhada, a prática regular de
alguma atividade/modalidade esportiva, etc., atingir um número cada vez mais
significativo de pessoas com padrão saudável e de vida.

Para Guedes (apud OLIVEIRA et al, 2002, p. 78), “quando o indivíduo


pratica atividade física se vê envolvido em um amplo processo adaptativo, com
repercussão os diferentes domínios do comportamento humano”.

Conforme destaca Nahas (2001), é a combinação dos múltiplos fatores


que controlam e diferenciam o cotidiano de cada indivíduo que irá determinar a
qualidade de vida para as pessoas ou comunidades. Ainda conforme este autor,
“qualidade de vida é a condição humana resultante de um conjunto de parâmetros
individuais e sócio-ambientais, modificáveis ou não, que caracterizam as
condições em que vive o ser humano” (NAHAS, 2001, p. 05); e dentro do atual
contexto de industrialização e sedentarismo crescente, a atividade física vem
tornando-se um fator preponderante da qualidade de vida em todas as camadas
sociais e, também, em todas as idades.

Conforme Mattos e Neira (2000), a educação para a saúde vem


conquistando um valor inestimável na sociedade de hoje, tendo como meta o
desenvolvimento e compreensão de como as condições relativas à saúde/doença
constroem-se de acordo com cada especificidade, e, com isso, propiciar ao aluno
maior competência ao agir na promoção e recuperação da saúde.

O processo de ensino-apredizagem não pode limitar-se a instituir um


padrão de intervenção único e homogêneo para todos os alunos. A prática
educacional é bastante complexa, trazendo ao contexto das aulas questões de
ordem afetiva, emocional, cognitiva, física e de relação pessoal, e que exercem
influência determinante no desenvolvimento das atividades.

CONCLUSÃO

Muito atrelada a fatores e interesses políticos, a Educação Física tem


lutado de forma bastante significativa por um reconhecimento mais justo e claro
da sua práxis pedagógica, principalmente, junto a sua maior área de atuação e/ou
intervenção que são as instituições de ensino público e privado. Não se pode
deixar de considerar, também, as instituições de ensino tecnológico, e de ensino
superior que formam um importante campo de conhecimento e intervenção a ser
explorado com maior atenção por todos aqueles que militam na área da Educação
Física. Geralmente ligada à prática esportiva, ou ginástica na época de seu
surgimento, a Educação Física perdeu muito em legitimidade ao não lutar de
maneira mais eficaz contra este estigma de desenvolver somente os atributos
biológicos e/ou motores dos educandos, sem preocupar-se com a sua formação
intelectual, afetiva e cognitiva.

Não cabe aqui, no entanto, simplesmente negar essa “marca


tradicional” da Educação Física, principalmente na realização da sua práxis diária;
pelo contrário, ao buscar uma intervenção pautada no corpo, na corporeidade e
no movimento humano, certamente os conhecimentos baseados nos
fundamentos biológicos, motores e fisiológicos tornam-se essenciais neste
processo. Mesmo considerando que a Educação Física seja o resultado
materializado de uma tradição humana em separar Cultura e Natureza, o que não
pode acontecer é tornar a intervenção pedagógica da Educação Física, e também
do Esporte, numa intervenção simplesmente biológica, fisiológica e mecânica,
pois tanto a Educação Física quanto o Esporte atuam com o homem a partir da
integração destes dois aspectos.

O corpo humano não é apenas cultural ou natural, mas, sim, cultural e


natural, ou seja, entender o indivíduo com ser biológico não significa excluir o
indivíduo como social.

Para não perder seu significado, a Educação Física não deve deixar de
considerar que a intencionalidade do movimentar humano está no contexto onde
é realizado, isto é, o que imprime uma característica a uma determinada ação
corporal e torná-la digna de um olhar pedagógico da Educação Física é a própria
consideração e analise desta ação na dinâmica cultural própria do contexto em
que é realizada.

A esportivização da Educação Física trouxe, quase que de forma


generalizada, uma conseqüente exclusão dos alunos que não “estavam aptos” a
fazer parte das equipes esportivas organizadas nas escolas. Aqueles mais
fraquinhos, mais baixinhos, menos resistentes, menos habilidosos, menos velozes
eram praticamente desconsiderados das aulas. Ao primar pelo desenvolvimento
fundamentado no desempenho e não na intencionalidade pedagógica e no fazer
compromissado, a Educação Física passa a ser justificada somente para a
minoria e não para todos.

Mesmo apresentando uma natural impulsividade e curiosidade pelo


movimento, pouco a pouco as crianças foram abandonando as práticas corporais
(resultado, também, da sedentarização das sociedades contemporâneas),
passando a imprimir uma valoração cada vez menor às brincadeiras, às
manifestações corporais, às práticas esportivas e à descoberta da sua
corporeidade. Ao entender a criança e o adolescente como muito mais do que
estruturas osteomusculares em deslocamento, mas como os principais
personagens da práxis pedagógica da Educação Física, valorizando toda riqueza
de conhecimento que tanto a criança quanto o adolescente podem dispor ao
processo pedagógico, e aproveitando toda disponibilidade para experimentar algo
novo, diferente, desafiador, mas que fundamentalmente desconsidere o seu
mundo e sua forma de agir e pensar este mundo, a Educação Física poderá,
certamente, estar muito mais próxima de cumprir com seu principal objetivo: ter
uma intencionalidade pedagógica.

Primar por processo de ensino-aprendizagem com ênfase na


consciência crítica, partindo da realidade do indivíduo, com compromisso ético-
social e sem deixar de preparar para o mercado de trabalho e de consumo estão
entre as competências exigidas pela atual legislação para formação educacional
da sociedade. Inegavelmente o que temos é uma evolução no entendimento dos
fatores que permeiam todo processo de educação, que deixou de ser sinônimo de
ensino-formal, para ser discutido a partir das relações de interação do educando
com a família, no trabalho, na convivência social e muito mais. Ou seja, passou-
se a dar maior valor às relações humanas e a importância assumida por estas no
desenvolvimento do ser humano.

Para não perder o rumo dos acontecimentos, novas metodologias e


competências são assumidas tanto pela Educação Física quanto pelo Esporte,
fundamentadas na multidisciplinaridade, na formação e na integração total do
indivíduo. As novas competências exigidas pela sociedade para uma intervenção
comprometida, imprimem a Educação Física e ao Esporte uma necessária
redescoberta das suas intencionalidades pedagógicas, social e criticamente
contextualizada.

A Educação Física como área que se propõe a desenvolver uma práxis


sobre o corpo, a corporeidade e o movimento, tendo o Esporte como um dos seus
aliados, não pode deixar de considerar também o indivíduo.

É preciso que as amarras biomédicas e técnico-esportivas sejam


superadas em prol de uma intervenção crítica, concreta, compromissada com o
aluno. É a partir da melhor delimitação da sua intencionalidade que a Educação
Física e o Esporte poderão justificar sua presença e relevância dentro do projeto
político pedagógico da escola e da sociedade, e não somente por força de uma
obrigatoriedade legal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BETTI, Mauro. Valores e finalidades na educação física escolar: uma concepção


sistêmica. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, 16 (1):1421, 1992.

BORGES, Cecília Maria Ferreira. O professor de educação física e a


construção do saber. Campinas – SP: Papirus, 1998.

BRACHT, V. Educação física e ciência: cenas de um casamento (in) feliz. Ijuí:


UNIJUÍ, 1999.
BRANDI, C. E. H. A nova política para o ensino médio: um estudo da educação
física a partir das novas diretrizes e dos novos projetos pedagógicos. Revista
Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, v. 24, n. 3, p. 71-86, maio, 2003.

BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Lei de Diretrizes e


Bases da Educação. Brasília: MEC/SEF, 1996.

______________. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Parâmetros


Curriculares Nacionais – Educação Física. Brasília: MEC/SEF, 1997.

_______________. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Parâmetros curriculares


nacionais: educação física. 3 ed. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental,
2001. 3 edição. V. 7.

_______________. SECRETARIA DE ENSINO FUNDAMENTAL. Parâmetros


curriculares nacionais: terceiros e quartos ciclos do ensino fundamental:
introdução aos parâmetros curriculares nacionais: ensino de quinta a oitava série.
Brasília: MEC/SEF, 1998.

___________. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Parâmetros curriculares


nacionais: introdução. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental, 3 ed,
2001, vol. 3.

___________. MINISTERIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO


MÉDIA E TECNOLOGIA. Parâmetros curriculares nacionais: ensino médio.
Brasília: Ministério da Educação, 1999.

COMISSÃO de Especialistas de Ensino de Educação Física. Formação


profissional em educação física. In: Revista Brasileira de Ciências do Esporte.
v. 18, n. 3, maio de 1997, p. 249-263.

COTRIM, G. Fundamentos da filosofia: história e grandes temas. 15 ed. São


Paulo: Saraiva, 2000.

DEMO, P. Pobreza política. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1988.

DIECKERT, J. Ensinar e aprender na educação física. Rio de Janeiro: Ao Livro


Técnico, 1997.

FREIRE, J. B. Educação de corpo inteiro: teoria e prática da educação física. São


Paulo: Scipione, 1997.

GADOTTI, M. Escola cidadã. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1992.

HERMIDA, T. O lugar da educação física na nova Lei de Diretrizes e Bases da


educação nacional: trajetória, limites e perspectivas. Revista Paranaense de
Educação Física, Curitiba, v. 1, n. 1, maio 2002.
MATTOS, M. G. de; NEIRA, M. G. Educação física na adolescência:
construindo o conhecimento na escola. São Paulo: Phorte, 2000.

MEDINA, J. P. S. O brasileiro e seu corpo. 2 ed. Campinas, SP: Papirus, 1990.

MOREIRA, W. W. Repensar a formação profissional. In: PASSOS, S. (org.).


Educação Física e esportes na universidade. Brasília: Seed/ME/Unb/DEF,
1988, p.263-275.

NAHAS, M. V. Atividade física, saúde e qualidade de vida: conceitos e sugestões


para um estilo de vida ativo. Londrina: Midiograf, 2001.

NEIRA, M. G. Educação física: desenvolvendo competências. São Paulo: Phorte,


2003.

OLIVEIRA, J. G. M. Preparação profissional em educação física. In: PASSOS, S.


(org.). Educação física e esportes na universidade. Brasília –
Seed/ME/UnB/DEF, 1988, p. 227-245.

OLIVEIRA, A. A. B. de; SONOO, N. C.; SOUZA, C. (Orgs.). Educação física e


esportes: os novos desafios da formação profissional. Maringá, PR: Def, 2002.

PELLEGRINE, A. M. A formação profissional em educação física. In: PASSOS, S.


(org.). Educação física e esportes na universidade. Brasília:
Seed/ME/UnB/DEF, 1988, p. 249-255.

PONTES, L. M. de. O homem o corpo e a corporeidade na educação física:


uma visão filosófica. Disponível em: <http://www.e-muitomais.com/web_pages/
edfisica/artigos/artigo27otemas.html>. Acesso em: 19 abr. 2007.

SHIGUNOV NETO, A.; SHIGUNOV, V. (Orgs.). A formação profissional e a


prática pedagógica: ênfase nos professores de educação física. Londrina, PR: O
Autor, 2001.

SOARES, C. L. Educação física: raízes européias e Brasil. Campinas, SP:


Autores Associados, 1994.

SPERB, D. C. Problemas gerais de currículo. 2 ed. Porto Alegre: Ed. Globo,


1976.

TANI, G. et al. Educação física escolar: fundamentos de uma abordagem


desenvolvimentista. São Paulo: EPU/EDUSP, 1988.

VERENGUER, R.C.G. Preparação profissional em educação física: das leis à


implementação dos currículos. In: Revista Brasileira de Ciências do Esporte. v.
18, n. 3, maio de 1996, p. 245.

Você também pode gostar