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O QUE É EDUCAÇÃO FÍSICA

Autora: Carol Kolyniak Filho1

O termo educação física é composto por dois elementos: educação, que o vincula a um determinado conjunto de
práticas sociais; física, que o circunscreve ao domínio daquilo que se entende por físico. Sendo assim, aparentemente o
significado de educação física é simples: a prática ou o processo de educar o físico, ou educar por meio do físico.
Uma análise mais atenta, contudo, mostra que essa forma de definir a educação física não é suficiente para esclarecer
com profundidade o seu significado. Vejamos por que.
Em primeiro lugar, cabe definir o que se entende por educar. O processo educacional tem sido definido e
praticado de formas variadas, em diferentes sociedades e épocas. Por exemplo, há quem acredite que educar é,
fundamentalmente, "rechear" a mente do aluno com conhecimentos, enquanto outros defendem que, pelo contrário,
trata-se de levar o aluno a manifestar capacidades que estão adormecidas, em estado latente. Nessas duas posições,
estão implícitas duas formas opostas de conceber o homem e o processo de conhecer. Em última análise, as
concepções e práticas educacionais estão relacionadas a formas de conceber o homem, a sociedade e o mundo.
Assim sendo, quando se fala em educação física, é necessário que se pergunte: de que educação se está falando?
Em segundo lugar, é preciso compreender o termo físico. Será físico aquilo que não é espiritual? Será aquilo que
não é psicológico? Será algo que se comporta segundo leis precisas, matemáticas, imutáveis, eternas? Enfim, o
que é físico e o que é não-físico? Quando essa questão se refere ao homem, a resposta não é unívoca e universal.
Neste caso, como ocorre com o conceito de educação, a resposta também depende de uma concepção de mundo,
de homem e de sociedade.
Uma vez evidenciado que o significado da expressão educação física depende dos pressupostos filosóficos de
quem a utiliza, cabe explicitar que essa expressão pode referir-se, também, a diferentes práticas sociais. Segundo o
contexto e a intenção com que é utilizada, a educação física pode significar:
- Um conjunto de práticas sistematizadas voltadas para o desenvolvimento de propriedades motoras do organismo
humano, práticas essas que podem ocorrer em diferentes contextos institucionais ou mesmo informalmente.
- Um componente curricular de processos educacionais formais que têm lugar na instituição escolar.
- Uma área de conhecimento que estuda determinados fenômenos através da metodologia científica e
sistematiza o conhecimento assim produzido, organizando-o em conjuntos de proposições correlacionadas, que
podem constituir teorias.
Isso posto, fica claro que há diferentes entendimentos do significado da educação física, sendo tal diversidade
de significados decorrente de pressupostos filosóficos variados e de referência a diferentes (embora
correlacionadas) esferas de práticas sociais.
É importante que se compreenda que os diferentes significados atribuídos à educação física construíram-
se a partir de práticas sociais concretas. Tais práticas, por sua vez, sempre foram atravessadas por ideologias
específicas, reflexos da organização sócio-político-econômica em que ocorreram. Sendo assim, a educação física
jamais foi uma prática politicamente neutra. Pelo contrário, tem sido utilizada, em maior ou menor escala,
como elemento constitutivo da perpetuação das relações sociais, em diferentes épocas e sociedades. Por isto
mesmo, também pode ser um elemento no processo de transformação da sociedade, dependendo da
consciência que se tenha de suas origens, suas possibilidades e seus limites no conjunto das práticas sociais.

1 KOLYNIAK Filho, Carol. Educação física – uma introdução. São Paulo: EDUC, 1996.p. 7-10.
EDUCAÇÃO FÍSICA: A BUSCA DA AUTONOMIA PEDAGÓGICA
Autor: Valter Bracht2
Parece-me necessário, antes de mais nada, realizar um esforço no sentido de estabelecer uma certa clareza
terminológica quanto à expressão Educação Física. Este termo tem sido utilizado no Brasil, concomitante-mente,
num sentido restrito e num sentido amplo, o que tem gerado um verdadeiro caos conceituai, que dificulta a
comunicação científica e a reflexão teórica.
No seu sentido restrito, o termo EF abrange as atividades pedagógicas tendo como tema o movimento corporal
e que toma lugar na instituição eduucacional. No seu sentido amplo tem sido utilizado para designar,
inadequadamente, ao meu ver, todas as manifestações culturais ligadas à ludomotricidade humana, que, no seu
conjunto, parecem-me melhor abarcadas por termos como cultura corporal ou cultura de movimento.
Em parte, a confusão se deve ao fato do profissional denominado Professor de Educação Física ou Licenciado
em Educação Física (3), requerer para si o direito de atuação profissional com todas as atividades corporais de
movimento — da Educação Física, passando pelo esporte, pela dança, até a ginástica de academia. Essas
atividades estavam desde logo presentes nos currículos de formação de professores de Educação Física no Brasil,
donde a célebre afirmação de que o esporte, a dança, os jogos a ginástica, etc., são os meios da Educação Física -
até aí nada de mais, -derivando-se daí a falsa conclusão de que o termo Educação Física seria mais "abrangente" do
que os de Esporte, Ginástica (recreação [4]), etc., porque os compreendia. Neste escrito, portanto, a expressão
Educação Física será utilizada no seu sentido restrito, definido acima.
O tema Educação Física, como mencionado anteriormente, é o movimento corporal - é o que confere
especificidade à Educação Física no interior da Escola. Mas o movimento corporal ou movimento humano que é seu
tema, não é qualquer movimento, não é todo movimento. É o movimento humano com determinado
significado/sentido, que por sua vez, lhe é conferido pelo contexto histórico-cultural. O movimento que é tema da
Educação Física é o que se apresenta na forma de jogos, de exercícios ginásticos, de esporte, de dança, etc. Esses
movimentos não são propriedade exclusiva desta área ou desta prática pedagógica, muito pelo contrário, a
Educação Física apoderou-se em maior ou menor grau (ou foi ela que foi instrumentalizada?) dessas atividades
corporais, pedagogizando-as (ou pretendendo pedagogizá-las). Estas atividades, como disse, possuem um
determinado código que denuncia seu condicionamento histórico, expressam/comunicam um sentido, incorporam-se
a um contexto que lhes confere sentido (5).
Por exemplo, os movimentos na forma de exercícios ginásticos, de corridas, etc., que incorporam os programas
de preparação militar no interior desta instituição, expressam e possuem um sentido, um determinado código que só
pode ser apreendido, se considerados o sentido e os códigos que vigoram na própria instituição militar como um
todo. Isto é, o movimento corporal, na forma de ginástica, foi aí instrumentalizado.
Se analisarmos, através da literatura específica, a forma cultural do movimento corporal que tem sido objeto da
Educação Física no Brasil, veremos que inicialmente (pelo menos até a década de 40 deste século), havia o
predomínio do exercício ginástico - principalmente o de orientação militarista — que, a partir de então, cede lugar
progressivamente ao movimento na forma cultural de esporte. É lógico que outras expressões da cultura corporal ou
de movimento, estiveram/estão presentes ou são tematizados na Educação Física, como a dança, jogos e
brincadeiras populares. Parece-me, no entanto, que essas expressões constituem minoria, e que podemos falar da
ginástica e posteriormente de esporte, como as atividades, nos respectivos -momentos históricos, que se
apresentam como hegemónicos na Educação Física.
Por outro lado, a Educação Física, em se realizando na instituição educacional, presume-se, assume o estatuto
de atividade pedagógica e como tal, incorpora-se aos códigos e funções da própria escola. Assim sendo, parece-me
que a Educação Física, no Brasil, vai desenvolver sua identidade (?), seus códigos, a partir da relação que
estabeleceu/estabelece com um meio ambiente que compreende, fundamentalmente, a instituição escola, a
instituição militar e a instituição esporte. E é neste conjunto de relações que buscaremos, inicialmente, as bases para
a discussão de dois pontos que nortearão nossas reflexões daqui por diante:
• o grau de autonomia pedagógica (identidade da EF) alcançada na sua relação com as instituições referidas acima;
• as bases de legitimação como integrantes do sistema formal de ensino – o que compreende a questão dos
objetivos-conteúdos da disciplina.

2 BRACHT, Valter. Educação física e aprendizagem social. Porto Alegre: Magister, 1997. p. 15-18.

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