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EAD

Lazer: Formação e Atuação


Profissional

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1. OBJETIVOS
• Compreender como se organizam os bens culturais.
• Reconhecer a possibilidade de contribuição, por meio das
atividades de lazer, para a construção de uma cidade mais
justa e uma vida melhor aos seus habitantes.
• Entender o conceito de animação cultural.
• Abordar aspectos inerentes ao processo de formação e
atuação profissional no campo do lazer.
• Compreender a animação cultural como uma das possi-
bilidades para a elaboração de programas e projetos de
lazer.

2. CONTEÚDOS
• Profissionais do lazer: formação e atuação.
• A animação cultural.
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• Padrões de organização da cultura (cultura erudita, de


massas e popular).
• Paradigmas da animação cultural.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Estude um pouco todos os dias. Organize, cuidadosa-
mente, seu mapa de estudos. Leia, pelo menos durante
duas horas por dia. Não se esqueça de observar as datas
para a entrega das atividades e interatividades. Encontre
um horário não só para os estudos, mas também para
elaborar com antecedência todas as atividades. Lembre-
-se de que os preparativos para uma prova não devem,
nunca, serem feitos de última hora, mas, sim, com um
estudo diário e contínuo. Portanto, estude com técnica,
persistência e calma.
2) As pesquisas são muito importantes para seu aprendiza-
do, e a internet é uma das fontes mais ricas para se fazer
consultas. Todo site é resultado do trabalho de alguém;
assim, toda vez que fizer uso de textos, imagens e arqui-
vos de algum site, não deixe de citar sua fonte.
3) Para um enriquecimento do seu estudo, pesquise pro-
postas de ações no campo do lazer que se pautem em
pressupostos críticos.
4) Pesquise propostas de lazer que se baseiem nos pressu-
postos da animação cultural.
5) Levante na sua cidade e na região/bairro os espaços e
as oportunidades para que a população tenha acesso às
manifestações da cultura erudita.
6) Para estimular sua reflexão, aguçar seu senso crítico e
fortalecer sua autonomia, detenha-se com atenção no
tópico com as questões autoavaliativas presente nesta
unidade. Ali, você poderá verificar suas dúvidas e procu-
rar saná-las.
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7) Procures informações sobre cursos que promovam a


a formação (inicial e continuada) de profissionais que
atuam no campo do lazer.
8) Ao estudar esta unidade é importante sempre ter em
seu horizonte a necessidade de reconhecer a atuação do
profissional do lazer para além da mera reprodução de
atividades recreativas.
9) Converse com amigos que atuam no campo do lazer e
perguntem a eles quais saberes e competências são ne-
cessárias para atuação nesta área. Procure confrontar as
respostas com o sua trajetória ao longo do curso. Esta
será uma bela oportunidade de buscar uma qualificação
significativa.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Nesta unidade, trataremos das questões relativas ao proces-
so de formação e atuação profissional no campo do lazer, apresen-
tando suas especificidades quanto à formação e aos seus campos
de atuação na sociedade atual.
Esta unidade se justifica na medida em que o profissional da
Educação Física também é um profissional do lazer, atuando desde
o planejamento até a execução de ações de lazer.
Sendo assim, vamos aos estudos!

5. CONHECENDO OS PROFISSIONAIS DO LAZER


Diversas são as denominações para designar os profissionais
do lazer: recreador, animador sociocultural, animador cultural,
agente cultural, promotor de eventos, gentil organizador, dentre
outras (PIMENTEL, 2003).
Assim como são apresentadas várias expressões para deno-
minar os profissionais que promovem ações diretamente relacio-
nadas com essa prática social, temos também uma gama enorme

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de possibilidades de atuação, no que se refere a espaços, locais,


equipamentos de lazer e ações promovidas.
Pimentel (2003, p. 79) nos apresenta um conjunto de espaços
nos quais esses profissionais se encontram inseridos, tais como:
[...] academias, shopping’s, hotéis, associações, clubes, hospitais,
asilos, SESC, SESI, escolas, presídios, navios (cruzeiros), fábricas,
parques temáticos, condomínios, lojas de brinquedos, parques de
diversão e de peão (p. 79).

Além desses contextos de atuação, nos quais os profissionais


do lazer se encontram presentes, temos também diversas moda-
lidades de atuação que Pimentel (2003, p. 79) considera serem
corriqueiras e em interação com os mais diferenciados grupos e
instituições, variando desde órgãos públicos até grupos de inte-
resses, como: "oficinas culturais, exposições, saraus, colônias de
férias, shows, torneios, festivais, encontros, dias de lazer, cursos,
acampamentos, festas, excursões, promoções, torneios e jogos".
Entretanto, a reflexão sobre esse profissional não se encon-
tra restrita aos seus locais de atuação e às estratégias ou grupos/
instituições atendidas. Devemos estabelecer reflexões que tam-
bém contemplem sua formação e as perspectivas de mudança/
permanência, alienação/emancipação em sua atuação nos diver-
sos contextos sociais.
A formação profissional para a área do lazer, de acordo com
Isayama (2004), tem sido marcada por duas tendências. Uma ten-
dência vislumbra a formação baseada na técnica e com orientação
para o domínio de conteúdos específicos e metodologias, tendo
a prática como eixo principal na ação profissional e minimizando
o papel da teoria. Há, dessa forma, uma dicotomia entre teoria e
prática.
A outra tendência procura formar profissionais na área do la-
zer, tendo como bases o conhecimento, a cultura e a crítica. A sua
concretização se dá por meio da construção de saberes e compe-
tências fundamentadas no compromisso da disseminação de valo-
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res de uma sociedade democrática, assim como na compreensão


do papel social do profissional na educação para e pelo lazer.
A partir da primeira tendência apresentada por Isayama
(2004), acreditamos que algumas problemáticas se instalam na
atuação dos profissionais formados de acordo com tal concepção.
Diante desta tendências de formação profissional que aden-
tram o campo do lazer, percebemos um confronto que, em última
instância, traduz-se no embate entre bom humor e competência.
Marcellino (2000) argumenta que os profissionais do lazer,
cada vez mais, estão vendendo a sua personalidade, caindo em um
processo de alienação. O autor acredita que a venda da persona-
lidade é tamanha, que eles passam a pregar que o bom humor é
mais relevante que a competência.
O argumento utilizado por esse tipo de profissional é o se-
guinte: "bom humor não se aprende e competência se adquire"
(p. 128). Um profissional sempre solícito, de corpo belo e riso fácil,
é uma maneira de se conceber o profissional do lazer, baseada no
senso comum, como um indivíduo criativo, versátil e alegre, mas
que no fundo mascara algumas questões mal resolvidas em nossa
área.
Uma dessas questões seria a dificuldade de se visualizar (do
profissional e, por vezes, nossa também) o significado do lazer em
nossa realidade, em suas dimensões sociocultural e política, as-
sim como as contradições presentes nesse contexto (PIMENTEL,
2003). A outra seria a falta de condições e de equipamentos de
trabalho na sua atuação, não só do seu setor, mas da iniciativa
pública e privada (MARCELLINO, 2000).
Uma das alternativas que se apresenta seria o investimento
na formação desses profissionais, a fim de se conceber indivídu-
os mais conscientes, críticos e contextualizados social, cultural e
historicamente em sua atuação. Os caminhos são diversos para a
concretização desse projeto que se impõe como uma necessidade

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em nossa área, objetivando-se, dessa maneira, a contribuição para


a formação de uma sociedade mais digna e justa. Privilegiaríamos,
então, a segunda tendência apresentada por Isayama (2004).
Diversos autores, tais como Gomes (2008 e 2010), Pin-
to (2001), Pimentel (2003), Melo e Alves Junior (2003), Isayama
(2004 e 2010), Melo (2010), Silva e Campos (2010), Marcellino
(2010), dentre outros, apresentam contribuições relacionadas aos
mais diferentes aspectos (postura profissional, conteúdos, valores
inspiradores, formação continuada...), para uma formação/atua-
ção mais consistente e contextualizada dos profissionais do lazer.
Acreditamos que a inserção dos profissionais da Educação
Física, na condição de animadores culturais (conscientes, críticos e
criativos), , deve contribuir para uma ação mais significativa em di-
ferentes contextos. Deve haver o respeito às referências culturais
dos indivíduos com os quais eles atuam, bem como o estabeleci-
mento de um diálogo, potencializando o processo de construção
coletiva das experiências de lazer.
Diante dessa maneira de compreender o processo de forma-
ção profissional, Marcellino (2003, p. 15) contribui para o debate
ao afirmar que os animadores culturais possuem diferentes forma-
ções, o que julga ser necessário, pela própria abrangência da área
cultural, e que:
1. dominam um conteúdo cultural;
2. têm vontade de dividir esse domínio com outras pessoas, deven-
do, para isso;
3. possuir uma sólida cultura geral, que lhes dê possibilidade de
perceber a intersecção/ligação do seu conteúdo de domínio com
os demais;
4. exercer cotidianamente, a reflexão e a valoração próprias da
ação do educador, o que os diferenciará dos ‘mercadores’ da gran-
de maioria da indústria cultural, e
5. ter compromisso político com a mudança da situação em que
nos encontramos, atuando com base nessa perspectiva.
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O autor ainda enfatiza que a ação desse profissional deve se


dar na perspectiva do "educador", em vez daquela que se pauta
pela ideia de "mercador". Diante disso, esta tarefa inclui:
1. processos de recrutamento e seleção em consonância com os
valores que regem as políticas públicas;
2. fases de sensibilização aos valores norteadores da política;
3. cursos de formação e desenvolvimento (que incluam teoria do
lazer e do esporte, significado e valores de políticas públicas em ge-
ral e na área, técnicas e processos de formação de multiplicadores,
planejamento e repertório de projetos e atividades);
4. reuniões técnico-pedagógicas periódicas e
5. intercâmbios (estágios, participações em congressos, grupos de
discussão, organizações profissionais e científicas etc.) (MARCELLI-
NO, 2003, p. 16).

Mais à frente, apresentaremos uma experiência positiva, a


nosso ver, de atuação no âmbito do lazer. Com isso, estaremos re-
ferendando a necessidade de uma formação profissional nos ter-
mos aqui colocados.
No momento, passaremos a discutir a animação cultural.

6. A ANIMAÇÃO CULTURAL
Caminhando diretamente ao assunto, traremos uma defini-
ção que será fundamental para esta unidade. Trata-se do conceito
de "animação cultural". Segundo Melo (2006, p. 28-29), animação
cultural é:
[...] uma tecnologia educacional (uma proposta de intervenção pe-
dagógica), pautada na idéia radical de mediação (que nunca deve
significar imposição), que busca permitir compreensões mais apro-
fundadas acerca dos sentidos e dos significados culturais (conside-
rando as tensões que nesse âmbito se estabelecem), que conce-
dem concretude à nossa existência cotidiana, construída a partir
do princípio de estímulo às organizações comunitárias (que pressu-
põe a idéia de indivíduos fortes para que tenhamos realmente uma
construção democrática), sempre tendo em vista provocar ques-
tionamentos acerca da ordem social estabelecida e contribuir para
a superação do status quo e para a construção de uma sociedade
mais justa.

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Para o autor, trata-se de uma proposta de Pedagogia Social


que não se limita a um único campo de intervenção e nem pode
ser compreendida a partir de uma única área de conhecimento
(MELO, 2006).
Partamos dessa citação, que também é uma definição, para
compreender melhor o que ela pretende dizer. Por certo, você já
deve ter percebido que não compreendemos os momentos de la-
zer como instantes de fuga, que pouca relação teria com o restante
da vida. Entendê-lo dessa forma seria reverenciar as abordagens
funcionalistas do lazer.
Para nós, mesmo que tenhamos a busca do prazer como um
dos pressupostos fundamentais – e até mesmo por isso –, mo-
mentos de lazer são aqueles em que os indivíduos constroem suas
subjetividades, encharcados de tensões típicas do cenário socio-
cultural, que podem contribuir para a construção de uma nova so-
ciedade ou, ao contrário, para a perpetuação dos atuais modelos.
Mas como entender melhor nosso papel na atuação profissional?
Que elementos considerar?
A primeira coisa que devemos ter em conta é: se o contexto
cultural apresenta um conjunto de valores e representações que
norteiam nossa vida em sociedade, nem sempre (ou quase nun-
ca) seguimos exatamente esses ditames. De outro lado, também
não conseguimos fugir de tudo, nem podemos: é esse conjunto
que permite que vivamos juntos em sociedade, que estabelece,
implícita ou explicitamente, os pactos que concedem concretude
à nossa coexistência.
Obviamente, em função de sua importância no mundo con-
temporâneo, existem tensões no âmbito cultural, relações de po-
der, tentativas de encaminhamentos que possam interessar a esse
ou a outro grupo específico, isto é, queremos dizer que há uma
articulação clara entre as dimensões econômicas e as culturais, e
daí vem o caráter estratégico das últimas.
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Nós, profissionais da Educação Física que atuamos (ou atu-


aremos), e que aqui estamos sendo denominados como "anima-
dores culturais", não podemos nos esquecer disso, já que temos
responsabilidade de intervir exatamente nesse espaço.
Veja que corremos sempre o risco de frequentar os extre-
mos: ou cremos que nossa contribuição destina-se somente a pas-
sar o tempo das pessoas e que nada podemos fazer pela cons-
trução de um novo mundo, ou, no afã de contribuir, desprezamos
o caráter de prazer e de diversão, encaminhando linearmente a
programação de lazer e não deixando espaço para que os indivídu-
os se posicionem e aprendam a escolher. O profissional caminha
sempre em uma linha arriscada, e ter consciência disso é um passo
fundamental para que encaremos nossos desafios.
Podemos, sim, contribuir para despertar o senso crítico de
nosso público-alvo, mas não podemos negligenciar que os mo-
mentos de lazer também têm um caráter de escolha, de repouso,
de recuperação das forças. Apenas não podemos concordar que
essas dimensões sejam utilizadas na perspectiva de alienar as pes-
soas, de desviar a atenção para situações contraditórias que ocor-
rem no seio da sociedade.
Com isso, não estamos negando que os momentos de lazer
tenham também um caráter de repouso, de descanso, de recupe-
ração das forças. Achamos que esses objetivos, por si só, não são
negativos. O que é negativo é o uso que deles faz o sistema. Ou
seja, esses momentos devem ser redimensionados para uma ópti-
ca que não privilegie somente aqueles que detêm o poder.
Sendo assim, alguns parâmetros iniciais podem ser conside-
rados balizadores de nossa atuação:
1) podemos, por meio das diversas linguagens culturais
que se constituem nossas estratégias de intervenção,
estimular nosso público-alvo a buscar novas formas de
ver o mundo;

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2) podemos estimular os indivíduos a perceber que podem


encontrar novas formas de participação em seus mo-
mentos de lazer, não somente consumindo determina-
dos produtos, mas também acessando-os de forma mais
crítica e até mesmo se envolvendo com eles mais ativa-
mente;
3) podemos contribuir para que os indivíduos se sintam es-
timulados a buscar e a acessar determinados bens cul-
turais que normalmente se encontram muito disponí-
veis, inclusive alguns relacionados com nossa tradição e
nossa cultura popular, contribuindo também para nossa
memória social;
4) podemos contribuir para que os indivíduos entendam
que, se o trabalho é uma dimensão importante, os mo-
mentos de não trabalho são tão relevantes quanto ele,
ajudando a nos constituir em seres humanos e colabo-
rando para a construção de nossa subjetividade.
A partir das reflexões anteriormente iniciadas, vamos esmiu-
çar um pouco mais nossas reflexões sobre esses parâmetros.

7. PADRÕES DE ORGANIZAÇÃO DA CULTURA


Como vimos, o âmbito da cultura é eivado de tensões e des-
níveis. As relações de poder e condições econômicas podem tra-
zer influências diretas no acesso às diferentes linguagens culturais.
Vale a pena um esforço para identificar como esses desníveis se
manifestam. Mesmo sendo uma preocupação didática, isso nos
ajuda a melhor situar as dimensões que devemos considerar em
nossa prática cotidiana.
Um alerta é necessário para que possamos prosseguir. Não
entendam a classificação que vamos apresentar como algo estáti-
co. Na verdade, existe uma série de trânsitos culturais que comple-
xificam a questão dos diferentes padrões de organização cultural.
Existem encontros e interinfluências e as fronteiras não são
rígidas como parecem. Sendo assim, tenha a classificação a seguir
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como um norte, uma possibilidade de melhor visualizar seu traba-


lho, mas considere que é um esforço didático.

Cultura erudita
Trata-se de manifestações que normalmente se organizam
em "escolas" que contemplam certas características em comum.
São manifestações de longo alcance, que são destacadas por figu-
ras insignes, reconhecidas pela excelência de sua produção, que as
representam. Veja alguns exemplos:
• Artes plásticas: Renascimento – Leonardo da Vinci; Barro-
co – Caravaggio; Surrealismo – Salvador Dalí.
• Cinema: Expressionismo – Fritz Lang; Neorrealismo ita-
liano – Roberto Rosselini; Nouvelle Vague – François Tru-
ffaut; Cinema Novo – Glauber Rocha.
• Literatura: Greco-romana – Homero; Idade Média e Re-
nascença: Dante Alighieri e Shekespeare; pós-Renascença
– Goethe e Dostoiévski
• Música: Classicismo – Mozart; Período Romântico – Franz
Listz; Período Moderno e Contemporâneo – Erik Satie,
Claude Debussy e Maurice Ravel. Brasil – Machado de As-
sis, Manuel Bandeira e José de Alencar.
Essas manifestações normalmente gozam de prestígio so-
cial. Tendem a ser valorizadas e a estabelecer padrões estéticos.
Como são frequentadas notadamente por indivíduos ligados às
camadas privilegiadas economicamente, constroem ao seu redor
uma ideia de prestígio e certo poder de decisão.
Por que seriam acessadas prioritariamente por membros
das elites econômicas? Será que é por que as pessoas mais humil-
des não gostam desse tipo de diversão?
Certamente não. A primeira ressalva que deve ser feita: o
fato de alguém ser rico não o credencia automaticamente a apre-
ciar esse tipo de manifestação.

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O que muitas vezes acontece é que, em função das oportuni-


dades que teve no decorrer da vida (na escola, em casa, em cursos
livres, nos seus momentos de lazer), foi aprendendo as especifici-
dades das linguagens e desenvolvendo seu gosto. Mais uma vez,
lembramos: isso não é uma condição automática, mas de possibi-
lidades, de oportunidades.
É óbvio que todos os indivíduos dispõem de condições para
apreciar esses tipos de manifestações e frequentar seus espaços
específicos. Mas, para tal, as condições têm de ser criadas, tanto
no sentido de um projeto pedagógico que apresente e vá esclare-
cendo as peculiaridades das linguagens quanto na construção da
acessibilidade: é necessário que se possa encontrar, de preferên-
cia perto das residências, os espaços onde são oferecidas (teatros,
museus, cinemas) e se possa pagar os ingressos.
Veja, estamos falando de uma articulação entre predisposi-
ção, construída pela educação, e condições econômicas, que deve-
riam ser motivo de preocupação de políticas públicas e de todos os
profissionais de lazer (animadores culturais).
Cabe a nós pensar em estratégias para inserir essas linguagens
e manifestações em nossos programas de lazer. Por certo, sozinhos
não podemos dar conta de todo o processo de desigualdades de
acesso, mas podemos dar nossa contribuição para que um número
maior de pessoas descubra o prazer que a música clássica, o chama-
do cinema de arte e a poesia, por exemplo, podem proporcionar.
Assim, estamos gerando um foco de reivindicação, para que
se possa lutar por uma cidade que distribua melhor os diferentes
bens e equipamentos culturais.
Obviamente, para inserir tais atividades em nossos progra-
mas, precisamos pensar em um projeto estratégico. Como grande
parte das pessoas não tem o costume de acessá-las, precisamos
pensar em um percurso que parta de experiências menos hermé-
ticas para, paulatinamente, irmos apresentando as mais diferentes
possibilidades.
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Aqui há um ponto específico que também precisa ser enca-


rado pelo animador cultural. Normalmente, nós também não te-
mos acesso e formação adequada para trabalhar com tais possibi-
lidades.
Precisamos assumir o desafio de desenvolver novas compe-
tências, de ampliar nossa formação, de entender que nós, profis-
sionais, devemos também pensar em nossos momentos de lazer e
de autoformação cultural.

Cultura de massa
Chamamos de cultura de massa a que é produzida, em geral,
pela indústria do entretenimento, diretamente relacionada aos
meios de comunicação, e normalmente modulada para atender a
um grande contingente de pessoas.
Para atender ao gosto médio, a cultura de massa costuma re-
forçar alguns clichês, organizar-se de forma estandardizada, e não
investir em investigações ou experiências no âmbito das peculiari-
dades da linguagem.
Na verdade, a cultura de massa é bastante heterogênea, ofe-
recendo produtos bastante diferenciados, envolvendo os mais di-
ferentes desejos e gostos. Mais do que discutir a questão da quali-
dade, o fundamental é perceber que a ela se atrelam diretamente
estratégias comerciais e interesses de grupos específicos.
É lógico que existem coisas de melhor qualidade que conse-
guem romper o sem-número de atividades de qualidade duvidosa
que são oferecidas, mas essas constituem exceções em um quadro
que parece piorar a cada dia.
Com isso, não estamos adotando uma posição preconceituo-
sa. Muito pelo contrário, estamos preocupados com a possibilida-
de de que isso venha a ocorrer.
O prazer que as pessoas obtêm com as atividades da cultura
de massa é obviamente legítimo e não pode ser desconsiderado.

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Além do que, temos de entender que os indivíduos não "engolem"


as manifestações e as mensagens difundidas de forma absoluta-
mente linear. Há processos de ressignificação, de reelaboração,
que devem ser considerados pelas próprias instituições da cultura
de massa em seu processo de atuação. Aí está, aliás, uma de suas
características mais notáveis: a capacidade de se recriar a partir do
diálogo com o público.
Mesmo com essas ressalvas, não sejamos ingênuos: os res-
ponsáveis pela cultura de massa sabem de seu poder e usam-no
de acordo com seus interesses. Com um quadro de acesso desi-
gual, são essas as atividades que acabam sendo as mais (e em mui-
tos casos as únicas) acessíveis ao grande conjunto da população,
que tem dificuldade de encontrar e frequentar cinemas, teatros,
museus, enquanto o acesso à televisão e ao rádio é muito simples.
O que você acha da programação da nossa televisão? Você
a julga de qualidade? Há muitos exemplos de programas que con-
tribuem para o engrandecimento do ser humano e da sociedade?
Para encarar o desafio de definir o que é uma programação de
qualidade, façamos uso das palavras de Milton Santos (2000, p. 18):
O conceito de cultura está intimamente ligado às expressões de
autenticidade, integridade e liberdade. Ela é uma manifestação co-
letiva que reúne heranças do passado, modos de ser do presente e
aspirações, isto é, o delineamento do futuro. Por isso mesmo, tem
de ser genuína, isto é, resultar das relações profundas dos homens
com seu meio, sendo por isso o grande cimento que defende as
sociedades locais, regionais e nacionais contra as ameaças de de-
formação ou dissolução de que podem ser vítimas.

Assim, precisamos ter claro qual é a melhor forma de lidar


com as manifestações organizadas no âmbito da cultura de massa.
Como lembra o já citado Milton Santos (2000, p. 18):
O Brasil, pelas suas condições particulares desde meados do século
20, é um dos países onde essa famosa indústria cultural deitou raízes
mais profundas e por isso mesmo é um daqueles onde ela, já solida-
mente instalada e agindo em lugar da cultura nacional, vem produ-
zindo estragos de monta. Tudo, ou quase, tornou-se objeto de ma-
nipulação bem azeitada, embora nem sempre bem-sucedida (p. 18).
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Nossa perspectiva de atuação, então, deve se afastar de ido-


latrias ou detratações. Devemos entender que podemos partir de
algumas das atividades organizadas no âmbito da cultura de massa
para, paulatinamente, estimular nosso público-alvo a conhecer e
buscar novas possibilidades. Sem deixar de reconhecer sua exis-
tência e seu poder, podemos mediar um processo de crítica e de
ampliação de horizontes. Nossa atuação não se dá necessariamen-
te contra a cultura de massa, mas a favor da diversidade.

Cultura popular
Quando falamos em cultura popular, normalmente estamos
nos referindo a uma produção local, bastante relacionada a uma
tradição.
Por certo, nos dias de hoje, em função da ação dos meios
de comunicação, muitas vezes as atividades relacionadas à cultura
popular já conseguem chegar a um grande número de pessoas,
algumas vezes com suas características notadamente modificadas,
em função não só dos encontros culturais, mas também da ação do
mercado, que as transforma, tornando-as mais "palatáveis", mais
vendáveis, um produto de consumo. Isso quer dizer que, como
normalmente têm menor poder de influência e decisão, muitas
vezes as atividades relacionadas à cultura popular tornam-se mais
frágeis perante a ação do mercado cultural.
Essa dimensão deve ser observada. Não adianta acreditar
que devemos preservar as manifestações exatamente na sua for-
ma original, se é que isso é possível. Devemos perceber que muitas
vezes seus parâmetros são tão alterados que, no fundo, estamos
observando outro produto, uma distorção profunda dos sentidos
originais.
Mas, mesmo com tantas ações do mercado cultural, há re-
sistências. Muitos grupos conseguem preservar o essencial de sua
manifestação ou conseguem dialogar com a cultura de massa sem
perder a consciência de suas origens. A questão, mais uma vez re-

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tornamos a ela, não é ser contra ou querer excluir os produtos da


indústria cultural, mas reservar o direito de algumas manifesta-
ções manterem sentidos próximos ao de suas origens, mesmo que
seja normal e esperado o diálogo com o que lhe é contemporâneo.
Assim, como animadores culturais, no que se refere à cultura
popular, nossa função é atentar para a necessidade de incluir essas
manifestações em nosso programa, tomar cuidado quando utili-
zarmos manifestações originais que foram bastante modificadas
pela cultura de massa e dar nossa contribuição para os grupos que
necessitam de apoio para manter suas atividades.
Vejamos um exemplo de como são arriscados determinados
usos da cultura popular.
Muitas escolas continuam a organizar anualmente suas fes-
tas juninas. Contudo, elas parecem mais estratégias de captação
de recursos do que uma preocupação pedagógica.
O conteúdo não é trabalhado nas disciplinas, os alunos par-
ticipam sem ter clara a história dessas festas. As peculiaridades de
sua forma de organização nem sequer permanecem.
Vemos determinadas festas juninas, por exemplo, tocando
funk como música de fundo e sem venderem as comidas e as be-
bidas típicas.
Isso seria um simples diálogo normal na dinâmica cultural ou
uma distorção profunda de seus sentidos? Cabe-nos sempre ter
essa questão e os limites em mente.

8. POSSIBILIDADES DE INTERVENÇÃO
Animação cultural é a postura do profissional de lazer peran-
te a cultura erudita, a cultura de massas e a cultura popular. Ani-
mação é originária da palavra grega anima, que quer dizer alma.
Dessa forma, encontramos o termo que julgamos mais ade-
quado para definir o profissional de lazer: ou seja, "animador cul-
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tural". Esse termo define com mais rigor a natureza do seu conhe-
cimento e da sua intervenção.
Por certo, outros termos serão encontrados para definir o
profissional de lazer (recreador, gentil organizador, agente cultural
e até professor), mas nenhum deles pode definir com tanta pre-
cisão o que esperamos ser seu compromisso político-pedagógico
específico ao se trabalhar na dupla perspectiva educacional: edu-
cação para e pelo lazer.
Observamos, também, que alguns estudiosos preferem a
utilização do termo "animação sociocultural", mas o sentido é se-
melhante ao de animação cultural.
É interessante observar que ambas as dimensões educativas
não estão livres de risco nem definem, a priori, uma atuação cujo
compromisso seja o de superação do status quo.
As abordagens funcionalistas também concordam com as
duas dimensões, utilizando-as a partir de sua visão de mundo.
Sendo assim, devemos tomar cuidado para que educar não seja
adaptar os indivíduos à sociedade em vigor, mas, sim, o processo
contrário, de questionamento dessa ordem.
É interessante, então, discutir um pouco mais sobre as possí-
veis intencionalidades existentes ao redor de diferentes perspecti-
vas de animação cultural.
Para entendermos de forma ampla as diversas possibilidades
de intervenção da animação cultural, recorremos à classificação
proposta por P. Besnard e aceita por José Antonio Caride Gomez
(1997). Conforme esses autores, podemos encontrar três grandes
perspectivas de atuação, sendo uma delas diretamente relaciona-
da à manutenção da ordem social. A outra entende serem neces-
sárias reformas nessa ordem, enquanto a terceira tenta promover
uma transformação completa dessa estrutura.

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Passemos a apresentar, então, as características dessas três


perspectivas, ou, como chamam os autores, os paradigmas tecno-
lógico, interpretativo e dialético.
No paradigma tecnológico, a animação é encarada como en-
genharia cultural. Isto é, o animador cultural interpreta a realida-
de, vê o que está faltando, o que está errado, e coloca as peças no
seu devido lugar para restabelecer a ordem.
Agindo dessa forma, podemos perceber que o animador en-
tende a realidade como externa à sua existência, como algo gené-
rico, único e objetivo. Ele pretende intervir de forma vertical nessa
realidade, na medida em que é o detentor do saber, de um conhe-
cimento tido como instrumental, advindo de uma supervaloriza-
ção do conhecimento científico.
Seu intuito é provocar de forma linear uma reflexão dirigida
e eficaz, determinando os comportamentos que devem ser toma-
dos, de forma hierarquizada e técnica, o que acaba por descon-
siderar as individualidades dos que estão sendo educados: todos
devem seguir e estar atentos para seu estímulo.
O animador é responsável, então, por descrever e prescrever
todas as ações e as soluções que julgar necessárias. Obviamente,
dentro dessa perspectiva, que não deixa espaço para a tomada de
consciência a partir do desenvolvimento das potencialidades in-
dividuais e sociais, não existe uma pretensão de intervenção na
ordem social no sentido de sua superação, mas sim no intuito,
mesmo não consciente, de adequação.
Tal perspectiva de intervenção pode ser comumente encon-
trada nos mais diferentes âmbitos de atuação do profissional de
lazer. É o "recreador" que chega às colônias de férias com os qua-
dros de trabalhos prontos e não dá, para as crianças, espaço de
discussão.
O mesmo acontece em hotéis-fazendas e acampamentos,
quando os hóspedes acabam seguindo um rígido programa (que
© U4 - Lazer: Formação e Atuação Profissional 167

lembra mais o mundo do trabalho por seu rigor, inclusive com o


horário), sem a oportunidade de escolha. Podemos dizer que, la-
mentavelmente, essa ainda é a postura mais identificável entre os
profissionais de lazer.
Já no paradigma interpretativo, a animação é vista como
formação cultural, como forma de dar aos indivíduos acesso aos
bens culturais construídos historicamente. À primeira vista, essa
ideia parece ótima, mas os problemas começam a se apresentar
quando entendemos melhor as intencionalidades dessa "difusão
cultural".
Estando em um extremo oposto ao do paradigma anterior,
no interpretativo, o animador considera a realidade como imedia-
ta, particular, subjetiva e plural, o que determina então que sua
ação deve ser horizontal.
Se cada um compreende uma coisa e as individualidades são
tão múltiplas que devem ser respeitadas a todo custo, cabe ao ani-
mador simplesmente apresentar um rol de atividades possíveis,
mesmo que encaminhe os sentidos e os significados destas não só
ao organizar, como também ao selecionar os modos de organiza-
ção.
O animador avança em relação ao paradigma anterior, quan-
do convida a uma reflexão construída a partir da experiência de
cada um, buscando uma ação que seja relacional e criadora, mas é
bastante ingênuo ao acreditar que basta somente convidar, ainda
mais quando a ordem social conclama exatamente ao contrário: à
inatividade e ao consumo fácil.
Nesse paradigma, o animador interpreta e favorece experi-
ências, acreditando no desenvolvimento individual que poderia
construir uma ordem social reformada. Pela fragilidade de sua
proposta de intervenção em um ambiente de lutas simbólicas e
concretas, acaba pouco contribuindo para a superação da ordem
social.

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168 © Recreação e Lazer

Podemos encontrar essa perspectiva de intervenção em


muitos museus, centros culturais e instituições patronais, como
é o caso do Serviço Social do Comércio. Os animadores culturais
montam, de fato, exposições e espetáculos atraentes, refinados e
importantes para o desenvolvimento cultural. Contudo, o público
não é conclamado a tomar decisão e pouco participa da elabora-
ção e da organização das propostas.
Essas instituições ainda procuram minimizar tal distancia-
mento a partir do oferecimento de guias/instrutores, que, se tra-
zem alguma vantagem, por apresentarem importantes elementos
do que está exposto, são também perigosos, pois corremos o risco
de ver o apresentado pelo olhar muito direcionado do guia/instru-
tor. Além disso, não são suficientes por não estarem inseridos em
um esforço de formação contínua e permanente.
Na verdade, as preocupações com a formação de plateia/
público, embora existam, ainda parecem bastante incipientes e
menores perante a preocupação com o desenvolvimento das lin-
guagens, que jamais devem ser banalizadas, pois não se trata de
"facilitar" ou "fazer concessões" ao público, mas sim de pensar
um processo de educação que permita às pessoas compreender
e sentir (extraindo maior prazer) as mais diferentes manifestações
culturais.
O último paradigma, o dialético, entende a animação como
construção de uma democracia cultural. O animador considera a
realidade a partir do contexto em que ela se apresenta, tentan-
do interpretá-la de forma global, complexa, dialética e diacrônica.
Identificando a realidade como historicamente construída, está
preocupado com que o conhecimento também seja socialmente
situado, sempre na busca por despertar novas consciências.
Esse paradigma defende que não se trata de impor uma
programação de forma vertical, tampouco de somente oferecer
opções de forma horizontal. Podemos falar de uma postura dia-
gonal, com o animador tentando gerar uma reflexão construída e
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problematizada. Sua preocupação é organizar uma ação comuni-


tária, que, se não significa agredir frontalmente as individualida-
des, significa, no entanto, educar os indivíduos para que entendam
que a construção de uma coletividade vai significar negociações,
concessões, mediações. A partir disso, espera-se gerar uma ação
transformadora e emancipadora.
Sem o sentimento de vanguarda, o animador não se vê como
aquele que vai conduzir os rebanhos à liberdade, mas sim como o
que investe na mediação para tentar desvelar e recriar realidades,
gerando, em conjunto com o público, alternativas de libertação, na
medida em que crê na transformação social a partir do desenvol-
vimento de consciências e responsabilidades, que são simultanea-
mente individuais e coletivas.
Chama-se a atenção para a necessidade de que essa ação
não se confunda com os parâmetros de outras formas de organiza-
ção política (como a partidária e a sindical), e que tampouco vá de
encontro a princípios básicos do lazer, como a questão do prazer e
de uma liberdade maior.

9. COMENTANDO UM EXEMPLO DE ATUAÇÃO NO


CAMPO DO LAZER
Você deve se lembrar que um dos autores comentados em
nossa terceira unidade de estudos foi Mascarenhas (2003). Esse
autor é um dos estudiosos que articulava, de maneira coerente, as
dimensões do lazer e da educação.
Em sua obra, Mascarenhas descreve uma possibilidade de
intervenção no lazer. Considerando a importância dessa obra para
nossas reflexões, retomemos as abordagens desenvolvidas pelo
autor.
Acreditando ser o lazer um fenômeno tipicamente moderno,
resultante das tensões entre o capital e o trabalho, que se materia-
liza como um tempo e espaço de vivências lúdicas e se traduz como

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lugar de organização da cultura, indubitavelmente perpassado por


relações de hegemonia, Mascarenhas (2003) encontra suporte te-
órico em autores marxistas, dentre eles Paulo Freire (autor consi-
derado uma importante referência também em nossos estudos).
A partir daí, ele elabora uma possibilidade de intervenção,
tendo a ação comunitária, pautada na experiência lúdica e edu-
cativa, como uma possibilidade de os trabalhadores e os grupos
sociais das camadas menos favorecidas da população refletirem
sobre a própria realidade e transformá-la.
Seguindo as orientações freireanas, o primeiro passo do
método especificado por Mascarenhas (2003) é o reconhecimen-
to inicial da realidade do grupo. Em outras palavras, é uma ação
diagnóstica, na qual serão identificados determinantes a partir de
atenta investigação das condições objetivas de vida do grupo que
possibilitem a descoberta dos problemas e suas respectivas con-
tradições, fornecendo elementos para desvelar a realidade. A par-
tir dessa ação diagnóstica, são identificados os temas geradores.
As contradições e os problemas inerentes à prática do lazer
aparecem como aspectos geradores de interesses para o grupo,
em uma correspondência direta e dialética com as contradições e
os problemas presentes nas demais práticas sociais daquela reali-
dade. Portanto, o tema gerador é o elo entre o lazer e o contexto
do grupo praticante.
Operacionalmente, cria-se uma rede temática, em que um
conjunto de perguntas e respostas insere o tema em um debate,
envolvendo o particular da atividade de lazer com o conjuntural
e estrutural do tema. O lazer manifesta-se como fonte de tensão
e equilíbrio. O tema extraído do grupo transforma-se em um pro-
blema.
Ao desenvolver as atividades, os componentes do grupo inter-
rogam o tema e a si mesmos, descobrindo-se e fazendo-se sujeitos.
A rede temática é o instrumento de organização e coordenação em
todo o processo de investigação e realização das atividades.
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Nesse sentido, qualquer atividade de lazer torna-se uma


situação-problema, e o grupo só a reconhecerá como tal quando
sentir a necessidade de sua transformação. É a emersão do grupo,
provocada pela percepção e pela superação da situação-limite e
sua inserção na atividade, que garante a consciência da situação-
-problema, demandando do grupo uma prática reflexiva na busca
de sua solução.
O ciclo temático será o ordenador dos conteúdos e das ati-
vidades e deve contemplar a fase preparatória, avaliativa e de
recuperação. O ciclo é um ponto de chegada que imediatamente
remete ao início de outro ciclo, definindo seu caráter dinâmico,
sistemático e dialético. Mascarenhas apresenta-nos um exemplo
desse método de intervenção em grupos sociais e convida-nos ain-
da a repensar o papel do agente de lazer/educador em um proces-
so de ação educativa como este.
O autor contribui com a articulação entre teoria e prática,
problematizada em outros momentos, discutindo o lazer a partir
de um ponto de vista ideológico e com uma proposta concreta. En-
tretanto, é imprescindível que essa articulação seja lida não como
uma proposta pronta, mas como um indicativo de trabalho, dada
a necessidade de considerar as múltiplas realidades existentes em
nossa sociedade. Como vimos, o contexto social mudou e são inú-
meras as consequências dessas mudanças, inclusive para o lazer.
Em Lazer como prática da liberdade, Mascarenhas insiste em
uma concepção de sociedade marcada pelas diferenças de classes
– opressores e oprimidos –, hoje menos definidas, mas nem por
isso menos conflituosas.
Ao expressar seu entendimento de lazer, tendo como refe-
rência a educação popular embasada no pensamento de Paulo
Freire, o autor afirma ser o lazer-educação uma posição política
e político-pedagógica de compromisso com os grupos sociais me-
diante sua "resistência e luta cotidiana pela sobrevivência", com
vistas a conquistar um mundo melhor e mais digno para todos.

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Consideramos que não basta fazer uma transposição dos


princípios de educação popular para o lazer em função das pecu-
liaridades de cada um. Sendo assim, não podemos incorrer na in-
genuidade de considerar que o lazer possa reunir respostas para
problemas sociais complexos, como se fosse um álibi para a solu-
ção destes. A luta e a resistência pela sobrevivência foram ressig-
nificadas.

10. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Cite os principais espaços que podem ser ocupados pelos profissionais do
lazer.

2) Marcellino (2003) apresenta cinco aspectos que devem ser contemplados


pelos animadores socioculturais em sua atuação profissional. Diante do pen-
samento desse autor, aponte:
a) quais são estes aspectos;
b) como cada um deles poderia ser exemplificado.
3) O que significa o conceito de animação cultural? Quais são as implicações
desse conceito para o campo de estudos do lazer?

4) Quais são os paradigmas da animação cultural? Idenfique-os.

5) Aponte e comente os padrões de organização da cultura, apresentando,


para cada um deles, exemplos ilustrativos.

6) Elabore e sistematize uma experiência de lazer pautando-se na ideia de ani-


mação cultural. Para essa empreitada, você pode contar com a descrição da
experiência elaborada por Mascarenhas (2003).

11. CONSIDERAÇÕES FINAIS


Chegamos ao fim desta unidade, que teve por objetivos dis-
cutir questões pertinentes ao processo de formação e atuação
profissional no campo do lazer. Para fins de construção deste Ma-
terial Didático Mediacional, chamamos de "animador cultural" o
profissional de Educação Física que atuará no campo do lazer.
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Com isso, ao longo dos estudos desta unidade, buscamos


definir o conceito de animação cultural como uma forma de en-
tendimento mais amplo para aqueles que se aventuram ou irão se
aventurar nessa área. Advogamos por uma formação mais crítica
e consistente, a fim de que possamos proporcionar intervenções
brilhantes no seio da prática social do lazer.
Finalizamos com o relato de uma intervenção brilhante en-
caminhada por Mascarenhas (2003), que fortalece o vínculo entre
teoria e prática, brindando-nos com a possibilidade de uma ação
crítica no âmbito do lazer.

12. E-REFERÊNCIAS

Sites pesquisados
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Disponível em: <http://www.anima.eefd.ufrj.br/>. Acesso em: 05 out. 2012.
UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA (Unimep). Grupo de pesquisas em lazer.
Disponível em: <http://www.unimep.br/gpl/index.php?fid=81&ct=1682>. Acesso
em: 18 set. 2012.

13. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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MELO, Victor Andrade de; ALVES JÚNIOR, Edmundo de Drummond. Introdução ao lazer.
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