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Caro estudante,

Desde a criação da Unifacs, acreditamos que formação é muito mais do que


preparação técnico-científica e que nossa missão como Universidade é proporcio-
nar ao estudante uma educação para toda a vida, embasada no domínio do conhe-
cimento, na fixação de valores e no desenvolvimento de habilidades e atitudes. É
proporcionar o desenvolvimento integral do indivíduo.

Mais do que profissionais, queremos formar pessoas com visão abrangente


do mundo e das transformações da dinâmica social, com competência para avaliar
de forma crítica e criativa as questões que nos cercam. Pessoas capazes de enfren-
tar os desafios que se coloquem ao longo de sua vida e de sua trajetória profissio-
nal, e de aprender permanentemente e de forma autônoma.

Buscamos atingir este objetivo - fundamentados na nossa missão e no nos-


so Projeto Pedagógico Institucional - por intermédio das diversas atividades acadê-
micas, dentro e fora da sala de aula, que compõem o Currículo Unifacs e que desen-
volvem e fortalecem habilidades essenciais para a formação do perfil do egresso
Unifacs; como um “DNA” reconhecido pela sociedade e pelo mercado de trabalho.

Este Currículo compõe-se dos elementos descritos a seguir:

‚‚ Disciplinas de Formação Humanística: oferecidas em todos os cursos de gradua-


ção da Unifacs;

‚‚ Disciplinas de Formação Básica: conferem conhecimentos e competências comuns


aos cursos de uma mesma área do conhecimento, para o futuro exercício profissio-
nal;

‚‚ Disciplinas de Formação Específica: proporcionam a formação técnica e o desen-


volvimento de habilidades e atitudes necessárias ao perfil profissional do curso;

‚‚ Atividades integradoras: permitem vivenciar na prática os conteúdos teóricos tra-


balhados em sala de aula, através do desenvolvimento de projetos específicos;

‚‚ Atividades Complementares: oferecem oportunidades de ampliação do conheci-


mento fora da sala de aula, a exemplo da Iniciação Científica, ações comunitárias,
programas de intercâmbio, cursos de extensão e participação em Empresas Junio-
res, entre outras;

‚‚ Estágio Supervisionado;

‚‚ Trabalho de Conclusão de Curso e demais atividades acadêmicas.


As disciplinas de Formação Humanística, em especial, cumprem um papel
fundamental na consecução desse perfil. Preparam uma sólida base de conheci-
mentos gerais que permitirão uma compreensão mais ampla da formação técnica
de cada curso, estimulando o pensamento crítico e sensibilizando o estudante para
as questões sociais, políticas, culturais e éticas que envolvem sua atuação como
cidadão e profissional; motivando à busca do saber perene.

Em complementação, portanto, à formação técnico-profissional proporcio-


nada pelas disciplinas de Formação Básica e Específica, as disciplinas de Forma-
ção Humanística possibilitarão ao estudante adquirir quatro importantes saberes:
aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser.

Esta é a concretização do nosso compromisso de formar pessoas melhores,


cidadãos atuantes e profissionais comprometidos para a construção de um mundo
melhor.

Cordialmente,

Prof. Manoel J. F. Barros Sobrinho

Reitor
Formação Humanística Unifacs

Conforme explicitado no Projeto Pedagógico Institucional da Unifacs, as dis-


ciplinas de Formação Humanística têm como objetivo:

Possibilitar aos discentes a visão abrangente do mundo e da


sociedade, propiciando aquisição de competências relativas ao
processo de comunicação e raciocínio lógico, necessárias para
a formação profissional; bem como conhecimentos inerentes
aos direitos humanos, à ética, às questões sócio-ambientais
que envolvam aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políti-
cos, sociais, econômicos, científicos e culturais, delineando a
formação cidadã.

As disciplinas de Formação Humanística e seus objetivos são:

1. Comunicação

Desenvolver a capacidade de ler criticamente e produzir textos de forma


autônoma, adequando-se às diversas situações comunicativas presentes no dia-a-
dia, e reconhecer a importância do desenvolvimento destas habilidades para sua
vida pessoal e profissional.

2. Introdução ao Trabalho Científico

Despertar o interesse pela ciência, apontando seu papel na construção do


conhecimento e mostrar como o método científico pode ser utilizado para a solu-
ção de questões cotidianas.

3. Sociedade, Direito e Cidadania.

Promover uma reflexão sobre o exercício da cidadania e os mecanismos que


garantem sua efetividade, bem como a participação nos processos sociais, de for-
ma a interferir positivamente na sociedade.

4. Conjuntura Econômica

Habilitar à compreensão da dinâmica da economia e do impacto das suas


diversas variáveis e características no dia-a-dia de países, empresas e cidadãos.
5. Arte e Cultura

Proporcionar o conhecimento e a valorização das manifestações artísticas e


culturais e ampliar a percepção estética como habilidade relevante para profissio-
nais de qualquer área do conhecimento.

6. Meio Ambiente e Sustentabilidade

Transmitir conceitos fundamentais sobre ambiente, sustentabilidade e suas


relações com o desenvolvimento e despertar atitude político-ambiental nos estu-
dantes, a partir do entendimento de seu papel como profissionais e cidadãos.

7. Psicologia e Comportamento

Estudar as interações dos indivíduos no cotidiano, nos grupos dos quais fa-
zem parte, e avaliar papeis e funções nas relações pessoais e profissionais.

8. Filosofia

Discutir as grandes questões da vida humana pela compreensão das diver-


sas correntes de pensamento filosófico e de suas contribuições.

9. Empreendedorismo

Desenvolver a atitude empreendedora como elemento indispensável para


o sucesso pessoal e profissional, seja trabalhando em organizações ou como em-
presário.

10. Saúde e Qualidade de Vida

Enfatizar a importância dos cuidados preventivos com a saúde para obter uma
melhor qualidade de vida dando a base para o pleno desenvolvimento dos projetos
pessoais e profissionais.
SAÚDE E QUALIDADE DE VIDA
Autoras: Leila Tibiriçá e Ticiana Hupsel
Sumário
Formação Humanística Unifacs...........................................................................................................................................................3

SAÚDE E QUALIDADE DE VIDA......................................................................................................... 5

AULA 01 - demandas contemporâneas e os impactos na saúde e qualidade de vida...................... 11


AULA 02 - CONCEITO DE SAÚDE E QUALIDADE DE VIDA..................................................................................................... 23
AULA 03 - Saúde, Ciência e Religião....................................................................................................................................... 33
AULA 04 - O cuidar de si e o cuidar do Outro............................................................................................................... 45
AULA 05 - atuação em equipes interdisciplinares..................................................................................................... 53
AULA 06 - As políticas públicas em saúde........................................................................................................................ 61
AULA 07 - o impacto do trabalho na saúde do indivíduo................................................................................... 71
AULA 08 - gestão da própria saúde...................................................................................................................................... 81
APRESENTAÇÃO
A partir das mudanças no contexto sócio-econômico-cultural, bem como
através das novas exigências no mercado de trabalho, esta disciplina possibilita
uma visão abrangente sobre as principais questões contemporâneas que podem
influenciar o bem-estar das pessoas. Através das reflexões e integração dos dife-
rentes aspectos que constituem a saúde e qualidade de vida nos diversos âmbitos,
contribui para a formação pessoal e profissional, tendo em vista o compromisso
com a perspectiva científica, social e ética.

Com o objetivo prioritário de enfatizar a importância dos cuidados preven-


tivos com a saúde para obter uma melhor qualidade de vida dando a base para o
pleno desenvolvimento dos projetos pessoais e profissionais, foi dividida em três
partes:

1. Tempo, saúde e qualidade de vida

2. A qualidade das relações interpessoais

3. Planejamento da saúde e da qualidade de vida

Em Tempo, Saúde e Qualidade de Vida serão apresentadas as principais


questões contemporâneas e os impactos na saúde e na qualidade de vida, possi-
bilitando a compreensão do contexto atual a partir da análise crítica da vida coti-
diana. Em seguida, discutiremos sobre o conceito de saúde e qualidade de vida
para refletirmos sobre esses conceitos nas diversas etapas da vida humana. Para
concluir esta primeira etapa, discutiremos sobre a relação entre a ciência, religião e
saúde, considerando como os aspectos culturais podem interferir na noção de cura
e promoção de bem-estar.

Em A qualidade das relações interpessoais apresenta-se inicialmente a


importância do cuidar de si e do cuidar do outro, reconhecendo diferentes formas
deste cuidado para que em seguida possamos identificar os aspectos relevantes
no desenvolvimento do trabalho em equipes interdisciplinares. Com isso daremos
ênfase às relações pessoais e profissionais do nosso cotidiano.

Em Planejamento da Saúde e da Qualidade de Vida retomaremos alguns


destes conceitos básicos para aprofundarmos a discussão na questão das políticas
públicas em Saúde, possibilitando a identificação de ações do Sistema Único de
Saúde (SUS) em nossas vidas, bem como a percepção da contribuição de cada ci-
dadão na prevenção e promoção da saúde. Posteriormente, discorremos sobre o
impacto do trabalho na saúde do indivíduo para, enfim, refletirmos sobre a gestão
da própria saúde.

Esperamos que tenha uma boa leitura!

Profa. Leila Tibiriçá

Profa. Renata Mussi


AULA 01 - demandas contemporâneas e 11
os impactos na saúde e qualidade de

saúde e qualidade de vida


vida
Autora: Renata Mussi

“Às vezes estamos muitos dispostos a crer que o presente é o único


estado possível das coisas.”

[Marcel Proust]

Caro(a) aluno(a),

Nesta aula, conversaremos sobre os aspectos da contemporaneidade, ou seja,


investigaremos o que ocorre no dia a dia desta época em que tudo deve ser feito o
mais rápido possível, bem depressa, para que não tenhamos a sensação de que esta-
mos perdendo tempo. Essa realidade impacta a forma como nos relacionamos com o
mundo, as coisas e, sobretudo, uns com os outros.

Atualmente, a noção que temos de tempo e espaço é específica e em muito se


diferencia de como nossos avós concebiam essa relação. Com isso, o objetivo desta
aula não é julgar qual época é melhor, mas sim refletirmos sobre a realidade. Afinal,
como esse contexto se configura impacta nossos hábitos, formas de pensar, sentir e
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agir, e, consequentemente, influenciam a saúde e a qualidade de vida de toda a hu-
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manidade.
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Boa leitura!
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ASPECTOS DA CONTEMPORAEIDADE
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“Nosso tempo é uma sociedade planetária cheia de possibilidades
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e riscos, em que as ferramentas da velocidade não são mais as
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pernas.”
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[Carmen Zeli Vargas Gil Souza]
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A contemporaneidade tem como característica primordial a sensação humana
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de estar sempre com pressa. Estudiosos sobre o tema acreditam que a impressão de
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que tudo se torna cada vez mais veloz data de 1995 - com a chegada da internet no
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Brasil. Esse evento trouxe consigo uma avalanche de informações, o que permite, cada
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vez mais, pessoas a acessarem notícias instantâneas de tudo o que ocorre no mundo.
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O ritmo de vida é acelerado e não há espaço para sair desse auto-
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matismo, dessa robotização. Todas as “mazelas contemporâneas”
tentam ser suportadas com algum produto que irá aliviar a dor - isso
12 por conta de uma tecnologia de ponta que se coloca cada vez mais a
serviço do bem estar da humanidade. (SOUZA, 2010, p. 2)

saúde e qualidade de vida


As facilidades cotidianas, tais como caixa eletrônico, celular, controle remoto,
dentre tantas outras parafernálias tecnológicas, têm nos imprimido uma rotina em
que cada segundo pode ser preenchido com mais prazer e o custo de resposta para
aquisição de bem estar fica cada vez menor - basta termos cartão de crédito e dinheiro
no banco.

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________________________ Fonte: http://www.sxc.hu/browse.phtml?f=download&id=794351

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________________________ Fonte: http://www.sxc.hu/photo/1255371
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saúde e qualidade de vida


Fonte: http://www.sxc.hu/browse.phtml?f=download&id=1196729

Afinal, para que sair de casa se podemos fazer uso dos diversos serviços deli-
veries? Ao ficarmos trancados em casa, perdemos a possibilidade de um contato real
com pessoas e deixamos de exercitar o nosso lado sociável, porém podemos substituir
isso pelo contato virtual com diversas pessoas ao redor de todo o mundo. Assim, além
de mais modernos, também nos tornamos mais populares e, com apenas um clicar de
mouse, conseguimos nos relacionar com muitas pessoas ao mesmo tempo. Tornamo-
nos íntimos de alguém que nunca vimos (nem temos a certeza de que é como na foto
disponibilizada via web) e, em questão de minutos, temos, inclusive, a possibilidade de
conhecê-lo, coisa que, pessoalmente, se torna muito mais difícil.
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Tudo o que fora relatado acima é perfeitamente viável na atualidade, no entan-
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to, de acordo com Souza (2010), o contexto atual é paradoxal: apesar de estarmos em
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meio à sociedade globalizada, os homens estão cada vez mais abandonados em sua
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condição humana, cada vez mais sós, individualistas e individualizados.
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Diversidade, mudança e fragmentação são aspectos constantes do nosso coti- ________________________
diano. A todo o momento nos deparamos com a necessidade de mudar, nos aprimo- ________________________
rar. Afinal, temos que dar conta de acompanharmos os avanços tecnológicos e o ritmo ________________________
frenético das coisas que nos cercam. ________________________
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NOÇÕES DE TEMPO E ESPAÇO NA CONTEMPORANEIDADE ________________________
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“Este dia, esta hora, não voltam mais, se foram para sempre.”
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[Autor desconhecido]
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A citação acima nos revela o óbvio. Por sua vez, cotidianamente, pouco nos ________________________
predispomos a pensar... Portanto, convido você, leitor, a refletir o que essa frase de ________________________
fato revela. ________________________
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Juntos, podemos chegar à conclusão de que nela está contida a possibilidade
14 única que se esconde a cada instante. Por exemplo, no momento em que você decidiu
ler este módulo abdicou de fazer uma série de outras coisas que, se fossem priorizadas,

saúde e qualidade de vida


eliminariam a possibilidade de refletir sobre esse assunto. Assim, podemos compre-
ender que a vida se constrói a partir das nossas escolhas, no entanto, fazer escolhas
envolve assumir o risco da decisão e responsabilizar-se por tudo aquilo que você es-
colheu.

Acontece que tomamos decisões em frações de segundos e nem sempre nos


damos conta de que estamos optando por coisas em detrimento de tantas outras. A
rapidez com que vamos construindo a nossa vida, muitas vezes, não permite que to-
memos consciência do que estamos fazendo. Será que agimos de acordo com o que
esperam de nós? Ou será que faço o que acredito que deve ser feito? Por que será que
estou vestindo a camiseta que o protagonista da atual novela das 20h usa? Geralmen-
te, essa reflexão não ocorre, pois não temos tempo a perder, precisamos ser práticos e
isso envolve cada vez menos o pensar sobre aquilo que fazemos. Essa necessidade de
rapidez vem cada vez mais sendo posta a nossa realidade e, muitas vezes isso se impõe
de maneira sutil.

Recentemente, o noticiário abordava pesquisas feitas com os jovens da nova


geração, que são capazes de ouvir música, navegar na internet, assistir televisão e falar
ao telefone ao mesmo tempo, de uma maneira que conseguem falar sobre cada um
desses estímulos posteriormente. Esses jovens relataram que sabiam que, de certa for-
ma, perdiam os detalhes de cada coisa, mas, de todo modo, davam conta de fazer tudo
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ao mesmo instante, gerando uma sensação de melhor aproveitamento do tempo.
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________________________ CURIOSIDADE: Estudos do pesquisador Mauro Alencar da Universidade de São Paulo
________________________ mostraram que uma novela datada de 1972, como Selva de Pedra, transmitida pela TV
________________________ Globo, abordava cerca de quatro tramas por capítulo e a solução vinha ao logo de 80
episódios. Em Paraíso Tropical, exibida em 2007 pela mesma emissora, havia cerca de 12
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tramas por capítulo e o desfecho não demorava mais do que três capítulos. Desse modo,
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enquanto antes o mocinho levava três meses para declarar-se a amada, hoje basta um
________________________ simples olhar e aproximação de lábios.
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Fonte: Marinho (2008)
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________________________ Segundo Virilio (1999 apud FREZZA, GRISCI E KESSLER, 2009), o progresso tec-

________________________ nocientífico faz surgir um novo tempo com ritmo acelerado ao máximo, indicando o

________________________ fim da geografia. Essa consideração aponta que a aceleração do ritmo do tempo acaba

________________________ por aproximar os espaços, conforme salienta Bauman (1999):

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________________________ [...] as distâncias já não importam, ao passo que uma idéia de fron-
________________________ teira geográfica é cada vez mais difícil de sustentar no mundo real
________________________ [...] a sua extensão varia dependendo da velocidade com a qual
________________________ pode ser vencida (e, numa economia monetária, do custo envolvido
________________________ na produção desta velocidade) (BAUMAN, 1999, p.19).
Vale destacar que a noção 15
de tempo e do espaço é construí-

saúde e qualidade de vida


da socialmente e, desse modo, au-
xiliam a construção de um modelo
comum de perceber a realidade,
o que nos permite a uma concep-
ção de um mundo compartilhado,
onde se desenvolvem as relações
interpessoais. De acordo com Har-
vey (2004, p.198), “as ordenações
simbólicas do espaço e do tempo
Fonte: http://www.sxc.hu/photo/998272 fornecem uma estrutura para a ex-
periência, mediante a qual apren-
demos quem ou o que somos na
sociedade”.

Segundo Frezza, Grisci e Kessler (2009), da mesma forma que as categorias tem-
po e espaço são produtos e produtores de ações sociais, pode-se dizer que são efeitos
e fonte de poder social, e esse poder se articula com o controle do tempo, espaço e
dinheiro - ideia já cunhada por Harvey (2004):

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As formas de mensurar o tempo e de se apropriar do espaço podem
converter-se em domínio sobre o dinheiro, do mesmo modo que o
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dinheiro pode ser usado para o domínio e a apropriação do tempo e ________________________
do espaço (HARVEY, 2004, p. 198). ________________________
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Tais considerações nos fazem lembrar que a lógica capitalista tem a máxima de ________________________
que “quanto mais rápida a recuperação do capital posto em circulação, tanto maior ________________________
o lucro obtido” (HARVEY, 2004, p. 209). Sendo assim, o aumento do lucro fica estrita- ________________________
mente relacionado ao aumento da agilidade do processo que será conquistada não ________________________
somente com a velocidade de produção, mas também com a reorganização do espaço ________________________
para evitar barreiras e empecilhos à circulação de bens e serviços. ________________________
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Com toda a modificação quanto ao ritmo de produção, há também o impacto ________________________
no ritmo do consumo, modificando significativamente os hábitos dos consumidores. ________________________
Conforme Gomes (2010), ________________________
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Na sociedade de consumo, a estratégia do mercado de tratar o con- ________________________
sumidor como alguém que precisa sempre sair na frente na corrida ________________________
pelo sucesso, induz à preocupação exclusiva com a realização pesso-
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al. O estilo de vida consumista estimula os sujeitos a empenharem-
________________________
se com exclusividade na busca pelo sucesso particular, desconside-
rando a condição do outro, visto como um potencial concorrente.
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(GOMES, 2010, p.43)
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16 De acordo com Marinho (2008), especialistas afirmam que o comportamento
do consumidor é caracterizado pelo fenômeno da posse transitória, termo que define

saúde e qualidade de vida


o pouco tempo que permanecemos com os produtos que compramos e a sociedade
se torna cada vez mais descartável.

Como a noção de tempo, referências espaciais também refletem construções


culturais. Isso fica evidenciado nos dias atuais, com a aceleração da globalização, em
que as delimitações territoriais dos países estão cada vez mais diluídas. Além disso, a
relação entre a limitação entre o que é restrito ao espaço privado e o que encontramos
no espaço público difere em cada contexto.

Assim, o que se percebe é que o espaço público e a esfera privada se mistu-


ram de uma forma jamais vista. Esse fator se faz presente, sobretudo, na internet, mais
especificamente em sites de relacionamento - tais como, YouTube, Orkut, Facebook,
Twitter, MySpace. A intimidade se explicita em blogs e fotologs, acompanhados da
imagem do depoente exposta pela webcam. Esse registro está aberto para quem qui-
ser acessar. Há, portanto, um forte rompimento da barreira, outrora intransponível, da
esfera privada à pública. O resultado desse movimento acaba modificando também
a maneira como as pessoas se relacionam uma com as outras. Muita gente entra hoje
num relacionamento, já pensando na hora de sair. A prioridade está em resultados de
curto prazo e queremos tudo ao mesmo tempo e agora.

________________________ NOVOS ESTILOS DE RELACIONAMENTOS INTERPESSOAIS


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“E hoje em dia, como é que se diz eu te amo?”
________________________
________________________
[Trecho da música Vamos Fazer um Filme - Renato Russo]
________________________
________________________
________________________ Com a aceleração do tempo e o encurtamento das distâncias proporcionado

________________________ pela internet, qualquer parte do espaço pode ser alcançada instantaneamente, a qual-

________________________ quer hora e de qualquer lugar, sem que nenhuma parte precise ser privilegiada (BAU-

________________________ MAN, 2001). Nesse sentido, com a aproximação virtual, os fins (ter contato) passam

________________________ a sobrepor-se aos meios (como chego até o outro), fazendo surgir novas formas de

________________________ relacionamento.

________________________ No momento em que achamos algo mais atraente para fazer ou quando o papo
________________________ virtual deixa de ser prazeroso, convenientemente, nos desconectamos sem necessi-
________________________ dade de maiores explicações a outra pessoa, sem que precisemos buscar desculpas,
________________________ perdões e mentiras, num simples clicar do mouse estaremos a salvo... A facilidade de
________________________ acesso é a mesma com que rompemos os vínculos estabelecidos. Assim como na ló-
________________________ gica do consumo, a descartabilidade também aparece nas relações. Ou seja, quando a
________________________ mercadoria (coisa/pessoa) não atende mais às necessidades, nós a descartamos!
________________________
________________________ Esse fenômeno ocorre numa cultura movida pelo prazer (hedonismo), negação
________________________ do sofrimento e da constituição de identidade narcísica, em que o mais importante é o
________________________ meu bem estar. Cada vez mais o foco em si e a busca do prazer próprio sobrepõem-se
________________________ ao olhar para fora e enxergar o outro. Sem enxergarmos o outro, no entanto, teremos
________________________ alguma dificuldade de nos constituirmos sujeitos. O reconhecimento do eu dá-se no
momento em que aprendemos a nos diferenciar do outro, conforme Bock (1993):
Eu passo a ser alguém quando descubro o outro e a falta deste re- 17
conhecimento do outro não me permitiria que eu soubesse quem

saúde e qualidade de vida


sou eu na medida em que eu não teria elementos que o meu eu se
destacasse dos outros eus.

(BOCK, 1993, p.213)

Por isso, estudiosos discutem até que ponto a internet e suas ferramentas pos-
sibilitam relacionamentos efetivos. Alguns acreditam que a falta de proximidade con-
creta favorece a ausência de compromisso, tornando as relações cada vez mais efême-
ras. Nesse sentido, vale refletir sobre o texto abaixo, postado em um blog, em que o
autor questiona a necessidade de se ter sentimentos.

Para que sentimentos, já que inventaram o Orkut?

[Pedro Pregu]

Não somos mais pessoas, somos profiles. Aqui, somos quem queremos ser. Assumimos os
personagens que refletem os nossos anseios. Transmitimos a imagem que melhor se aproxima
de uma perfeição possível. Nas fotos, somos extremamente felizes, lindos, descolados.
Problemas? Ahh, pra que isso? Basta sorrir pra câmera que eles simplesmente desaparecem.

Nos identificamos em comunidades. Conhecemos pessoas novas, repudiamos e admiramos o


outro pelo que ela escreveu (ou copiou) no “quem sou eu”. Trocamos confidências, declarações,
conversamos “baixinho”, através de depoimentos. O verbo depor assumiu um significado
________________________
moderno, uma conveniência virtual. Status de relacionamento é o termômetro da relação. É
o outdoor do compromisso. Se nos “becos e vielas” da cidade virtual nos deparamos com um
________________________
rosto escultural, que decepção ao devassar aquela “vida” e percebê-la “namorando”... hahaha, ________________________
tem gente que casa mesmo sem casar, imagine! Adeus ao véu e grinalda. Caso haja o interesse, ________________________
é logo do lado esquerdo que não desviamos a atenção. Há quem espere ansiosamente que ________________________
aquelas letrinhas se transformem em solteiro(a) (leia-se: disponível no mercado). Não adianta ________________________
mais sentir; pra namorar, tem que colocar no orkut. Não rola mais “ser”, tem que “estar”
________________________
namorando. A primeira coisa que se faz quando o namoro termina é... tirar do orkut! Um casal
________________________
quando briga, se vê na paranóia obsessiva de monitorar o orkut do parceiro pra não pagar
vexame e “namorar sozinho”. ________________________
________________________
O orkut é a maneira mais simples de emoldurar nossas vidas e consequentemente de encarcerá-
las. Pode ser um apêndice da realidade, um atalho ao ser-humano, mas geralmente é cela, é ________________________
jaula, é limite. ________________________
________________________
Teclado e mouse são controles remoto da alma. Um dia sem internet, um dia perdido da vida.
________________________
Bastam 24 horas sem olhar o orkut pra emergir a sensação de parte da vida indo embora. Nesse
universo paralelo, há a miraculosa oportunidade da reencarnação. Profiles que morrem dando, ________________________
logo em seguida, vida a uma nova vida. Quantas vezes então, eu já pensei no “suicídio”? No ________________________
Orkut dá pra, inclusive, sermos dois, três, sermos vários, não sermos nós. As pessoas acreditam ________________________
em profiles. Já não vale mais a pena ser gente. Se não tá no orkut, é mentira; quem não tem ________________________
orkut, não existe. Afinal, quem não tem orkut, não tem vida. ________________________
Fonte:http://quatrop.blogspot.com/2009/03/pra-que-sentimento-ja-que-inventaram-o.html. ________________________
________________________
________________________
Dessa forma, podemos pensar que é cada vez mais comum nós não reconhe- ________________________
cermos os sentimentos das outras pessoas, até porque mal as enxergamos, por estar- ________________________
mos focados em saciar as nossas necessidades. Mas, isso vai impactar também a forma ________________________
como não identificamos o que estamos sentindo ou pensando... vamos vivendo a vida
18 (“Carpe diem” - aproveite o momento!).

Bauman (2010) afirma que os websites de bate-papo são as novas drogas que,

saúde e qualidade de vida


potentes, tornam os adolescentes dependentes. Na busca de manter-se em compa-
nhia, a conexão às redes virtuais full time tem sido uma estratégia de afastar a solidão.
Veja o relato abaixo:

Recentemente, o site Chronicle of Higher Education, registrou o caso


de uma adolescente que havia enviado 3000 mensagens de texto
em um mês, ou seja, ela enviou em média 100 mensagens por dia,
ou cerca de uma a cada 10 minutos - pela manhã, tarde e noite, dias
úteis e fins de semana, durante o horário escolar e almoço, enquan-
to fazia as tarefas de casa e na hora de escovar os dentes. (Psique
Ciência & Vida, n. 47 p. 36)

Diante desse registro, percebemos que a garota dificilmente permaneceu vir-


tualmente sozinha por mais de dez minutos, assim não teve a oportunidade de estar
somente consigo - em seus pensamentos, revisando o seu passado e planejando o
seu futuro. Vale lembrar que, de acordo com Silva (2009), o isolamento moderado con-
tribui para a reflexão sobre si mesmo, e a busca incessante de fuga da solidão pode
comprometer esse aspecto.

________________________ Ainda que a garota tenha permanecido acompanhada, ela não teve tempo
________________________ para estar na companhia física de outra pessoa. Assim, contraditoriamente, ficou iso-
________________________ lada (numa perspectiva do contato físico e da interação real). No Japão, existe registro
________________________ de uma pandemia de casos de jovens que se recusam a sair de seus quartos em função
________________________ do vício no uso de computadores, seja em jogos e outras atividades virtuais, seja em
________________________ conversas on line.
________________________
________________________ Para Cacioppo (2010), diretor do Centro para a Neurociência Social e Cogniti-

________________________ va da Universidade de Chicago, as circunstâncias atuais promovem maior isolamento.

________________________ Nesse sentido, muito se discute no que se refere aos efeitos do isolamento social. A

________________________ maior preocupação dos especialistas é de que as atividades virtuais acabem funcio-

________________________ nando como paliativo para as suas deficiências de interação social ou ainda que o

________________________ acesso precoce a estas atividades dificulte o desenvolvimento de habilidades sociais.

________________________ Desse modo, a falta de repertório social associada à estratégia de manter-se conecta-

________________________ do, pode vir a acentuar a solidão, criando laços instáveis e relações descartáveis - o que

________________________ tem impactado a construção e a manutenção das relações, em especial da amizade.

________________________ As relações de amizade vêm passando por transformações. Em 2009, o site iG


________________________ anunciou:
________________________
________________________
________________________
________________________ SE VOCÊ NÃO TEM AMIGOS E SOFRE COM A SOLIDÃO, SEUS PROBLEMAS ACABARAM!
________________________ AGORA JÁ É POSSÍVEL CONTRATAR UM AMIGO PARA ESTAR SEMPRE AO SEU LADO1.

________________________ 1 Para ver o anúncio na íntegra, acesse: http://jovem.ig.com.br/oscuecas/o_que_rola/2009/05/30/amigos+de+aluguel+6408915.html

________________________
Isso mesmo, aluguel de amigos é um dos mais novos serviços oferecidos pela 19
rede. As agências propõem companhia e cobram por hora de serviço, reforçando as-

saúde e qualidade de vida


sim a lógica consumista de que basta ter dinheiro para suprir as necessidades afetivas.
Note que, desse modo, há uma distorção quanto à semântica da amizade, que pres-
supõe um vínculo de diálogo numa condição de igualdade política, conceito incom-
patível com a palavra aluguel que está pautada em tempo e preço pré-determinado,
colocando o contratante em condição verticalizada em relação ao contratado.

Para finalizar este assunto, reflita...

‚‚ Como irá ocorrer a interação nesse tipo de relação? Será que existirão a gratuidade e a
generosidade inerentes à amizade?

‚‚ A estima e a confiança conquistadas num processo de interação que constrói a amiza-


de onde ficarão nesse caso?

‚‚ Será que a contratação de uma companhia temporária resolve a questão da solidão?

IMPACTOS NA SAÚDE E QUALIDADE DE VIDA

Construímo-nos a partir das relações sociais, no contato com o outro, mas, hoje
________________________
em dia, está cada vez mais difícil reconhecermos o outro, porque estamos centrados
________________________
em nós mesmos. Com o tempo corrido, não percebemos com quem cruzamos. E quan-
________________________
do reconhecemos alguém, é para preencher uma necessidade do momento, que, na
________________________
lógica da descartabilidade, não nos permite aprofundar essas relações. Isso traz pre-
________________________
juízos à noção e concretização da identidade, surgindo a necessidade de construção
________________________
de fakes. Isto é, na era das simulações, de que cada um quer “sair bem na foto” ou ter os “5
________________________
minutos de fama”, não queremos nos debruçar sobre algo que nos gere sofrimento, muito
________________________
menos se esse sofrimento não é nosso, e sim de outra pessoa!
________________________
A busca incansável pela felicidade faz com que a gente não saiba lidar com o ________________________
sofrimento, dores e perdas, que são aspectos inerentes à vida. Isso dificulta também ________________________
a criação de estratégias de enfrentamento da realidade, que vem sendo substituída ________________________
pela busca de remédios ou receitas que prometem a solução de todos os problemas, ________________________
mas quando o efeito desses paliativos passa, colhemos consequências danosas a nos- ________________________
sa saúde e descobrimos que nada se resolveu e... mais substâncias, mais dano à saúde ________________________
em prol de algum bem-estar momentâneo. ________________________
________________________
O ato de consumir, o comprar, surge como alternativa para suprir um vazio.
________________________
Frente a essa falta de amparo, de não querer encarar a dor/sofrimento, abusamos de
________________________
substâncias ou buscamos coisas/pessoas/ideias que nos proporcionem alívio imedia-
________________________
to. Assim, mais uma vez não investimos em estratégias de médio ou longo prazo - tudo
________________________
se resume ao aqui e agora!
________________________
Na correria, não temos tempo (e muitas vezes não queremos) de nos aprofun- ________________________
darmos em nós mesmos... Vamos vivendo a vida, sem saber reconhecer o processo das ________________________
coisas (início, meio e fim), fragmentamos a realidade para o aqui e o agora, seguimos ________________________
vivendo a superficialidade das relações e cada vez menos sabemos reconhecer o que
20 sentimos, as sensações e percepções que temos do mundo.

Como podemos prezar pela nossa saúde nesse contexto? O que consideramos

saúde e qualidade de vida


como qualidade de vida em meio a essa realidade?

Para respondermos a essas questões, na próxima aula, discutiremos o conceito


de saúde e qualidade de vida. Até lá, proponho que reflita sobre o que conversamos.

Até breve!

Síntese
Nesta aula, vimos como os aspectos da contemporaneidade influenciam a atual
noção de tempo e espaço, o que modifica a forma de experienciarmos o mundo e,
consequentemente, as relações interpessoais. Toda essa realidade impacta em novos
hábitos e influenciam a saúde e a qualidade de vida de toda humanidade.

questão para Reflexão


Como você tem vivido a realidade contemporânea?
________________________
________________________ Para fomentar essa ideia, assista ao documentário “História das Coisas” em http://
________________________ www.youtube.com/watch?v=PqaUjDTCsVI.
________________________
________________________
________________________
sugestão
________________________
________________________
Wall-E. Animação de produção da Walt Disney Pictures/Pixar Animation Stu-
________________________
dios, sob a direção de Andrew Stanton, o filme apresenta a consequência da poluição
________________________
humana na Terra. A humanidade deixou o planeta e passou a viver em uma gigantesca
________________________
nave, onde a rotina se estabelece a partir da facilidade de satisfação dos desejos, tudo
________________________
gira em torno da tecnologia e as pessoas se focam no contato com as outras através
________________________
de suas telas individuais.
________________________
________________________
________________________
________________________
sites indicados
________________________
http://chronicle.com
________________________
________________________ http://quatrop.blogspot.com/2009/03/pra-que-sentimento-ja-que-inventaram-o.
________________________ html.
________________________
________________________
________________________ Leituras indicadas
________________________
BAUMAN, Z. Modernidade Líquida. Trad. P. Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2001. (Obra original publicada em 2000). 21
Referências

saúde e qualidade de vida


BAUMAN, Z. Globalização: as consequências humanas. Trad. M. Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.
(Obra original publicada em 1998).

BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Trad. P. Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. (Obra original
publicada em 2000).

CACIOPPO, J. Solidão compartilhada. IN: Psiquê, Ciência e Vida. Ano IV, n. 47. São Paulo: Editora Escala,
2010. (p. 42)

FREZZA, M.; GRISCI, C.; KESSLER, C. Tempo e espaço na contemporaneidade: uma análise a partir de uma
revista popular de negócios. RAC, Curitiba, v. 13, n. 3, art.8 p. 487-503, Jul./Ago. 2009. Disponível em: http://
www.anpad.org.br/rac Acesso em 18/set/2010.

GOMES, L. G. Solidão compartilhada. IN: Psiquê, Ciência e Vida. Ano IV, n. 47. São Paulo: Editora Escala,
2010. (p. 43)

MARINHO, L. A. Sociedade Descartável. In: Revista Vida Simples, Jun. 2008 p. 80.

Revista Psiquê, Ciência & Vida. Ano IV, n. 47. São Paulo: Editora Escala, 2010.
________________________
SILVA, A. A. Relacionamento amoroso. São Paulo: Publifolha, 2009.
________________________
________________________
SOUZA, A. P. O lugar das relações interpessoais na contemporaneidade: breve análise de líricas de
________________________
Zeca Baleiro e Lenine. Disponível em: www.fadepe.com.br/restrito/conteudo_pos/4_fina_contro_0%20 ________________________
lugar%20das%20relacoes%20interpessoais%20nacontemporaneidade.doc. Acesso em 18/set/2010. ________________________
________________________
________________________
________________________
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22

saúde e qualidade de vida

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AULA 02 - CONCEITO DE SAÚDE E QUALIDADE 23
DE VIDA

saúde e qualidade de vida


Autora: Renata Mussi

Caro aluno,

A aula que segue tratará dos conceitos de saúde e qualidade de vida. Nesse
sentido, pergunto: você já parou para se perguntar se tem cuidado da própria saúde e
o que tem feito para promover a si mesmo qualidade de vida?

Muito embora, muitos de nós não tenhamos nos feito esses questionamentos,
provavelmente, todos concordam que são fatores importantes, ou melhor, devemos
apreender esforços para que a nossa saúde e qualidade de vida seja preservada. No
entanto, no dia a dia, nossos hábitos podem estar distantes dessa promoção...

Vamos à aula!

O Conceito de saúde

________________________
Saúde é algo onde o papel de cada indivíduo, de cada pessoa é
________________________
fundamental. É antes de tudo uma sucessão de compromissos que
se assume com a realidade, e que se mudam se reconquistam, se
________________________
redefinem, que se perdem e que se ganham. ________________________
________________________
Isso é saúde! ________________________
________________________
Dejours (1986) ________________________
________________________
Vivemos em uma cultura do dualismo - bom x mau; bonito x feio; alto x baixo... ________________________
Saúde x __________. Isso! Automaticamente, no preenchimento desta lacuna pensa- ________________________
remos na palavra doença! Assim, por uma influência destas polaridades, por muito ________________________
tempo a definição de saúde era ausência de doença. Nesse sentido, considerava-se ________________________
saudável todo indivíduo que não apresentasse qualquer tipo de doença. ________________________
________________________
No entanto, na concepção atual da OMS, a saúde não é apenas ausência de
________________________
doença, e sim, a situação de perfeito bem-estar físico, mental e social. Assim, a saúde
________________________
é compreendida como recurso que permite às pessoas manter uma vida individual,
________________________
social e economicamente produtiva.
________________________
A partir desse conceito, houve uma ampliação quanto à concepção da saúde. ________________________
Conforme Czeresnia (2003), ao pensar a saúde de maneira tão abrangente, estamos li- ________________________
dando com algo tão amplo como a própria noção de vida, que envolve tanto aspectos ________________________
individuais e macroestruturais, além da permanente interação destes aspectos. ________________________
________________________
No entanto, essa amplitude no conceito suscitou críticas de especialistas, den- ________________________
tre estes Christophe Dejours que aponta dois aspectos: (1) o estado de bem-estar e
24 de conforto é impossível de ser definido; (2) esse perfeito e completo bem-estar não
existe. Deste modo, salienta que esta definição não é concreta e, de acordo com suas

saúde e qualidade de vida


palavras:

Indo mais longe ainda, diríamos que esse estado de bem-estar é


qualquer coisa sobre a qual temos uma idéia. Em última instân-
cia, poderíamos considerar como sendo um estado ideal, que não
é concretamente atingido, podendo ser simplesmente uma ficção,
ou seja, uma ilusão, alguma coisa que não se sabe muito bem no
que consiste, mas sobre a qual se tem esperanças. Tenderíamos a di-
zer que a saúde é antes de tudo um fim, um objetivo a ser atingido.
Não se trata de um estado de bem-estar, mas de um estado do qual
procuramos nos aproximar; não é o que parece indicar a definição
internacional, como se o estado de bem-estar social, psíquico fosse
um estado estável, que uma vez atingido, pudesse ser mantido (DE-
JOURS, 1986, p. 8).

Essa concepção de saúde parte da consideração da instabilidade. O autor sa-


lienta que a fisiologia permitiu uma análise do funcionamento do organismo, esclare-
cendo-nos as regras que asseguram o seu equilíbrio e sua sobrevivência, no entanto,
destaca que esta ciência relata a instabilidade, ou melhor, que o organismo não se
encontra num estado estável, mas sim a todo tempo está em mudança. E, nesse sen-
tido, conclui que o estado de saúde, portanto, não é um estado de calma, ausência de
________________________ movimento, de conforto, de bem-estar e ociosidade, pelo contrário, é algo que muda
________________________ constantemente.
________________________
Outros autores também fazem ressalvas ao conceito e, de acordo com Segre e
________________________
Ferraz (1997), a definição da OMS está ultrapassada, porque ainda faz destaque entre
________________________
o físico, mental e o social. Esses autores defendem que a separação mente-corpo há
________________________
muito tempo foi superada. E, Consideram que o psíquico responde ao corporal e vice-
________________________
versa, ou seja, que estas esferas consistem em um sistema onde não se delineia uma
________________________
nítida divisão.
________________________
________________________ Ferraz (1997) propõe uma conceituação de saúde que abarque a relação destes
________________________ diferentes aspectos em constante transformação. Nesse sentido, sugere a saúde como
________________________ um estado de razoável autonomia entre o sujeito e a sua própria realidade.
________________________
Essa realidade atua sobre esse sistema complexo, sendo que o estilo e ritmo
________________________
de vida impostos pela cultura, a modalidade da organização do trabalho, a vida nos
________________________
grandes centros urbanos, a noção atual de tempo e espaço, discutida na aula anterior,
________________________
dentre tantos outros fatores, impactam na saúde e qualidade de vida do indivíduo.
________________________
Mas, afinal, o que é qualidade de vida?
________________________
________________________
________________________ O CONCEITO DE QUALIDADE DE VIDA
________________________
________________________ Atualmente, a melhoria da qualidade de vida (QV) passou a ser um dos resul-
________________________ tados esperados para realidade humana. Falar de qualidade de vida nos remete ao
________________________ grau de satisfação encontrado nas diversas esferas da vida - familiar, amorosa, social e
________________________ ambiental. É uma noção eminentemente humana, que abrange muitos significados.
A busca por uma melhor qualidade de vida nos remete a busca da felicidade. 25
Nessa busca, no dia a dia, somos incentivados a consumir determinados produtos,

saúde e qualidade de vida


com a promessa de que vamos alcançar essa condição. E, como visto na aula anterior,
esta busca incessante pela felicidade direciona nossas ações a “receitas de como ter
uma vida melhor”.

Assim, Seild e Zannon (2004) alertam para a diversidade da utilização deste


termo, tanto na linguagem cotidiana quanto no contexto da pesquisa científica. Há
controvérsias sobre o seu significado, embora seja um termo antigo, desde a década
de trinta já se encontra alusão a esta temática na literatura científica. Em meados de
1970, Campbell (1976 apud AWARD; VORUGANTI, 2000) aponta que “[...] qualidade de
vida é uma vaga e etérea entidade, algo que muita gente fala, mas que ninguém sabe
claramente o que é”.

Conforme Seidl e Zannon (2004), uma definição clássica de tipo global é apre-
sentada por Andrews e datada de 1974, que a considera como uma extensão em que
prazer e sofrimento têm sido alcançados. A partir da década de oitenta, passa-se a
priorizar conceitos mais específicos e em 1990, estudiosos concordam quanto a duas
dimensões relevantes para a compreensão do conceito: multidimensionalidade e sub-
jetividade.

O consenso quanto à multidimensionalidade refere-se ao reconhecimento de


que existem diferentes dimensões. Dentre as quais se destacam: (a) física que envolve
a percepção do indivíduo sobre sua condição física; (b) psicológica no que se refere à ________________________
condição afetiva e cognitiva; (c) relacional em que o indivíduo identifica os relaciona- ________________________
mento e papéis sociais adotados na sua vida; (d) ambiental que envolve a percepção ________________________
de como o indivíduo lida com os diversos aspectos relacionados ao ambiente em que ________________________
vive. ________________________
________________________
No que tange a uma compreensão subjetiva, destaca-se a Bioética, que pauta-
________________________
da no conceito de autonomia, entende a qualidade de vida como algo intrínseco ao
________________________
indivíduo, ou melhor, só possível de ser avaliada pelo próprio sujeito. Essa também é a
________________________
concepção defendida pela OMS, que destaca a qualidade de vida como “[...] a percep-
________________________
ção do indivíduo sobre a sua posição na vida, no contexto da cultura e dos sistemas
________________________
de valores nos quais ele vive, e em relação a seus objetivos, expectativas, padrões e
________________________
preocupações”.
________________________
Nessa perspectiva, considera-se a percepção da pessoa sobre o seu estado de ________________________
saúde e sobre os aspectos não médicos do seu contexto de vida mais amplo. De acor- ________________________
do com Minayo e cols. (2000) existem três referências para concepção do termo: (1) ________________________
histórica; (2) cultural e (3) estratificação social. Em outras palavras: ________________________
________________________
Em um determinado tempo de seu desenvolvimento econômico, ________________________
social e tecnológico, uma sociedade específica tem um parâmetro ________________________
de qualidade de vida diferente da mesma sociedade em outra etapa ________________________
histórica. Certamente, valores e necessidades são construídos e hie- ________________________
rarquizados diferentemente pelos povos, revelando suas tradições. ________________________
E, ainda, os padrões e as concepções de bem-estar são também es-
________________________
tratificados, sobretudo em sociedade heterogêneas e desiguais, as-
________________________
sim a idéia de qualidade de vida está relacionada ao bem-estar das
camadas superiores e à passagem de um limiar a outro (p. 2).
26

saúde e qualidade de vida


Sendo assim, o que um indivíduo identifica como qualidade de vida pode re-
fletir conhecimentos, experiências e valores particulares ou sob a influência cultural/
social a que ele se reporta em variadas épocas, espaços e histórias diferentes. E, nesse
sentido, o conceito abarca, portanto, uma construção da experiência no social. Vale
lembrar que a sociedade define um padrão de qualidade de vida e se mobiliza para
conquistá-lo. Além disso, as políticas públicas e sociais vigentes norteiam o desenvol-
vimento humano, as mudanças no modo, condições e estilos de vida.

Segue uma reflexão de João Ubaldo Ribeiro...

GRANDE QUALIDADE DE VIDA

Por João Ubaldo Ribeiro

Antigamente, não havia qualidade de vida. Quer dizer, não se falava em qualidade de vida.
Agora só se fala em qualidade de vida e, em matéria de qualidade de vida, sou um dos sujeitos
mais ameaçados que conheço. Na verdade, me dizem que venho experimentando uma
considerável melhora de qualidade de vida, mas tenho algumas dúvidas. Minha qualidade
de vida, na minha modesta opinião pessoal, não tem melhorado essas coisas todas, com as
providências que me fazem tomar e as violências que sou obrigado a cometer contra mim
mesmo. Geralmente suporto bem conversas sobre qualidade de vida, mas tendo cada vez mais
________________________ a retirar-me do círculo ou recinto onde me encontro, quando começam a falar nela.
________________________
A comida mesmo me faz estar considerando, no momento, comprar uma balança de precisão
________________________
e um computador de bolso com um programa alimentar especial. Antes eu comia do que
________________________ gostava. Fui criado, por exemplo, com comida frita na banha de porco ou, mais tarde, na
________________________ gordura de coco. Meus avós, todos mortos depois dos noventa (com exceção do que só comia
________________________ o saudabilíssimo azeite de oliva — e ele morreu de AVC) comiam banha de porco e torresmo
________________________ regularmente, mas, claro, ainda não tinha sido informados de que se tratava de prática mortal.
________________________ Aliás, comida saudável, que se ensinava nos manuais até para crianças, era composta de leite
integral, ovos, pão (com manteiga), carne vermelha ou peixe — frito, então, era uma maravilha
________________________
para estômagos delicados — frutas e legumes à vontade.
________________________
________________________ Depois disso, até atingirmos a atual qualidade de vida, fulminaram o leite. Alimento completo,
________________________ passou a ser encarado com desconfiança, e hoje não sei de ninguém que beba leite integral,
a não ser, talvez, algum gorila do Zoológico. O ovo sofreu ataque violentíssimo, assim
________________________
como o açúcar, a ponto de, tenho certeza, várias receitas tradicionais de doces serem hoje
________________________
achados arqueológicos, e as poucas que restam constituam uma imitação desenxabida das
________________________ que empregavam ingredientes normais e não essas massas e líquidos insossos que vivem
________________________ distribuindo, como leite, manteiga etc. Claro, mudaram de idéia a respeito do ovo recentemente,
________________________ mas a mudança de idéias deles só pode ser vista com desconfiança.
________________________
Não houve o tempo, e não é preciso ser nenhum Matusalém para lembrar, em que para
________________________
substituir a manteiga era exigida margarina, alimento saudabilíssimo, que não fazia nenhuma
________________________ das monstruosidades operadas pela manteiga? O negócio era margarina e durou bastante, até
________________________ que descobriram que margarina pode ser até pior do que manteiga. Melhor, na verdade, abolir
________________________ manteiga inteiramente. E margarina, claro, nem pensar. Carne vermelha é uma abominação.
________________________ Carne de porco é um terror. Vísceras de qualquer tipo devem ser evitadas como o diabo foge da

________________________ cruz. Açúcar, meu Deus! Sorvete? Só para crianças, e crianças de pais irresponsáveis. Aliás, é um
bom desafio achar algo unanimemente aprovado pelos nutricionistas, a não ser, tudo indica,
________________________
capim.
27
Mas ninguém pode viver de capim, de maneira que, relutantemente, deixam a gente comer

saúde e qualidade de vida


uma coisinha qualquer, contanto que não ultrapassemos o limite de calorias e não ingiramos
o proibido e, mesmo assim, com restrições. Peixe cozido ou grelhado, por exemplo, geralmente
pode, mas paira sobre seu infeliz consumidor a ameaça de que não esteja fresco ou esteja
contaminado por metais pesados e pelo lixo que jogam em rios e mares. Peito de frango (e eu
que sou homem de coxas e antecoxas) também assusta, por causa dos hormônios que dão às
galinhas e as neuroses que elas desenvolvem, nascendo sem mãe e sendo criadas em cubículos
em que mal podem se mexer, a ponto de terem de ser debicadas, para não se autodevorarem
histericamente. Ou seja, mesmo comendo um peito de galinha sem uma gota de qualquer
gordura e acompanhado somente por matos e alguns legumes (cuidado com a contaminação
de tomates, cenouras e alfaces!), o infeliz se arrisca.

Mas vou usar o computador para calcular as calorias, as gorduras e outras características de
cada refeição, porque, agora que minha qualidade de vida está melhorando a cada dia, preciso
ser coerente. Fumar, não mais, nem uma pitadinha depois do café (que ninguém sabe direito
se faz bem ou faz mal, temperado com adoçante, que também ninguém sabe se faz bem ou
faz mal). Beber, esqueça, vai deixar você demente aos 60, além de dar cirrose e hepatite. O
famoso copinho de vinho, além de ser uma porção ridícula, também está sendo questionado no
momento. Parece que não é bem assim, e uma autoridade no assunto disse outro dia no jornal
que o melhor é tomar suco de uva — não industrializado, é claro, por causa dos aditivos.

Restam também os exercícios. Fico felicíssimo, quando, suando e bufando no calçadão, sinto o
ar fresco invadir os meus pulmões (preferia logo uma tenda de oxigênio), as pernas doendo e a
certeza de que minha qualidade de vida vai cada vez melhor. Até minha pressão arterial (13 a
14 por 8), que era considerada boa para minha idade, agora já é alta e o pessoal dos 12 por 8 já ________________________
começa a entrar na faixa de risco. Enfim, é duro manter esta boa qualidade de vida, ainda mais ________________________
agora que me anunciam que caminhadas somente não bastam, tem de malhar também. Ou ________________________
seja, temos que nos dedicar o tempo todo a manter nossa qualidade de vida. Mas, aqui entre ________________________
nós, se vocês no futuro virem um gordão tomando caldinho de feijão com torresmo no boteco,
________________________
depois de um chopinho, e o acharem vagamente parecido comigo, talvez seja eu mesmo,
________________________
sofrendo de uma pavorosa qualidade de vida. A diferença é grande. Tanto eu quanto vocês
vamos morrer do mesmo jeito, mas vocês, depois da excelente qualidade de vida que estão
________________________
desfrutando aí com sua rúcula com suco de brócolis, vão ter uma ótima qualidade de morte, ________________________
falecendo em perfeita saúde e eu lá, no meu velório, com um sorriso obeso e contente no rosto ________________________
dissoluto. ________________________
Fonte: http://www.almacarioca.net/grande-qualidade-de-vida-joao-ubaldo-ribeiro/ ________________________
________________________
________________________
________________________
________________________
Neste texto, fica evidente a ideia subjetiva inerente à concepção de qualidade
________________________
de vida. O autor também faz referência ao aspecto histórico cultural como fator rele-
________________________
vante desta concepção. Ele avalia a forma como vive a sua vida e a qualifica como po-
________________________
bre em qualidade partindo do parâmetro de conceito de qualidade de vida vigente da
________________________
época. Observa-se com clareza que, conforme dito anteriormente, as políticas públicas
________________________
delineiam o que deve ser feito para que se atinja saúde e bem-estar.
________________________
Dito isto, podemos voltar a pensar sobre a qualidade de vida relacionada à saú- ________________________
de. ________________________
________________________
________________________
28 Relação saúde e qualidade de vida

saúde e qualidade de vida


Os estudos demonstram que existe uma forte relação entre saúde e qualidade
de vida, ou seja, uma coisa depende e leva à outra, estão inter- relacionadas. De acordo
com Buss (2000), existem evidências científicas que mostram a contribuição da saúde
para a qualidade de vida de indivíduos e populações. Do mesmo modo que se sabe
que muitos componentes da vida social, que contribuem para uma vida com qualida-
de, são também fundamentais para que indivíduos e populações alcancem um perfil
mais adequado de saúde.

A influência da saúde sobre a qualidade de vida e vice-versa tem sido uma ocu-
pação histórica de políticos e pensadores, que há muito tempo têm se questionado
sobre o papel da medicina, saúde pública e do setor da saúde de uma maneira mais
genérica. Essa preocupação ocorre no intuito de conceber uma ação ampla o suficien-
te para que essa discussão seja relevante nos diferentes âmbitos.

Recentemente, relatórios diversos sobre a saúde mundial (WHO, 1998) e da re-


gião das Américas (OPAS, 1998) têm apontado melhoria contínua nas condições de
vida e de saúde dos países. Atribui-se essa melhora, sobretudo, aos progressos políti-
cos, econômicos, sociais e ambientais, bem como avanços na medicina e saúde pública,
mais especificamente a perspectiva de promoção à saúde. Promover a saúde partindo
de uma concepção ampliada do processo saúde-doença e seus determinantes vem se
mostrando uma estratégia promissora de enfrentamento dos múltiplos problemas de
________________________
saúde que afetam as populações humanas. Essa perspectiva propõe a articulação de
________________________
saberes técnicos e populares com a mobilização de recursos institucionais e comuni-
________________________
tários, público e privados.
________________________
________________________ O discurso da relação entre saúde e qualidade de vida, no campo da saúde,
________________________ existe desde o nascimento da medicina social, nos séculos XVIII e XIX, quando se ini-
________________________ ciaram as sistematizações referentes às políticas públicas. Nos últimos anos vem se
________________________ revigorando no conceito de promoção da saúde.
________________________
Destaca-se, no entanto, a importância da definição de promoção da saúde que,
________________________
de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS apud WHO, 1998), compreende
________________________
a promoção da saúde como um processo social e político focado em ações dirigidas
________________________
à mudança nas condições sociais, ambientais e econômicas de forma a amenizar o
________________________
impacto na saúde pública e individual. Complementar a essa ideia, a Carta de Ottawa
________________________
contempla o tema na seguinte expressão:
________________________
________________________
________________________
________________________ [a promoção da saúde institui-se como] um processo de capacitação
________________________ da comunidade para atuar na melhoria da sua qualidade de vida e
________________________ saúde, incluindo uma maior participação de todos no controle deste
________________________ processo (WHO, 1986, p. 32)

________________________
________________________
________________________ Sendo assim, há de se pensar: de que maneira nós podemos viabilizar uma me-
________________________ lhoria no que se refere ao âmbito individual (para que se possa, consequentemente,
pensar em algo que seja coletivo)? Como podemos adotar hábitos e fazeres no nosso
cotidiano que impliquem em promoção de saúde e qualidade de vida? 29
Para responder a estas perguntas, convido você a refletir junto com o autor

saúde e qualidade de vida


João Ubaldo Ribeiro, que problematizou esta temática no texto indicado na questão
para reflexão ao final da aula.

O que o texto nos coloca a pensar? Veja, o autor aponta para a relatividade
das coisas, se pensamos exageradamente em seguir receitas tidas como ideais para
preservação da saúde, podemos comprometer a nossa qualidade de vida, no sentido
de fazermos coisas que não necessariamente nos traga prazer. Por outro lado, se nos
entregarmos ao deleite sem ponderarmos as consequências à saúde podemos sofrer
posteriormente os danos causados... Êita vida difícil.

Até a próxima!

Síntese
Neste momento você teve acesso aos conceitos de saúde e qualidade de vida.
Problematizamos as diferentes concepções destes termos, discutimos a relação entre
eles. A partir das reflexões de João Ubaldo Ribeiro, tivemos a oportunidade de visuali-
zar a discussão teórica apresentada.

questão para Reflexão ________________________


________________________
________________________
________________________
MORRENDO EM PERFEITA SAÚDE ________________________
Por João Ubaldo Ribeiro ________________________
________________________
________________________
Não agüento mais de culpa, acusado de suicidar-me a cada instante, por matérias de revistas ________________________
e jornais, pelos amigos e por desconhecidos íntimos com que me bato aqui nas ruas do Baixo ________________________
Leblon. Venho de tempos bem mais amenos. Antigamente, o sujeito acordava, tomava uma ________________________
xícara de café com leite e comia um pãozinho com manteiga. Hoje, isto não é mais possível ________________________
e chega mesmo a ser encarado com horror pelos mais radicais. O café, além de poder conter
________________________
substâncias ilicitamente adicionadas pelo fabricante, também causa males recentemente
________________________
descobertos por um laboratório de Glasgow, ou Amsterdã ou Jacarta, que poderão deixar
o freguês abestalhado, tarado, astênico ou hiperexcitável a ponto de matar a família e ir ao ________________________
cinema. Leite, só desnatado e olhe lá, porque faz mal a muita gente que nem suspeita disso. ________________________
Talvez a maior parte de vocês não saiba, mas muitos adultos têm intolerância ao leite e seu ________________________
consumo os deixará abestalhados, tarados, astênicos, etc. Antigamente, ninguém sabia disso, ________________________
de maneira que nosso avozinho podia tomar seu leite morno tranqüilamente aos 80 anos, ________________________
enquanto hoje, se fizer isso, não passa dos 60. Pãozinho, nem pensar. Além dos aditivos, como
________________________
o tremebundo bromato, é perigosíssimo carboidrato de farinha refinada, a ser temido como
________________________
o diabo teme a cruz. E manteiga deve ser brevemente incluída nas listas de drogas proibidas,
juntamente com cocaína e heroína. E uma omeletezinha? E ovos estrelados, daqueles reluzentes ________________________
como o sol, que a gente encarava com requintes de esfregadinhas de pão na gema? Com ________________________
presunto? Com bacon? Livrai-nos, Senhor, de todas essas pragas infernais. ________________________
________________________
30 Vocês se lembram do tempo da margarina? Já faz algumas décadas, mas, coincidindo com
safras recordes de uma de suas matérias-primas principais, o milho, apareceram, principalmente

saúde e qualidade de vida


nos Estados Unidos, onde os excedentes do milho eram colossais, centenas (ou milhares) de
estudos mostrando como a margarina era muitíssimo preferível à execrável manteiga, razão por
que devíamos consumi-la aos potes. Agora, não é mais assim, a margarina é cheia de aditivos
químicos (aliás, é outra coisa interessante, esse negócio de químico, pois, afinal, toda matéria
é química de uma forma ou de outra — água é a composição química de dois átomos de
hidrogênio com um de oxigênio) e, segundo diversos, bem mais letal do que a manteiga.

E carne, meu Deus do céu? É caso de se embuçar, para ir a uma churrascaria. Outro dia, à
beira do pranto, meu amigo Carlinhos Judeu apareceu no boteco com a nova dieta que seu
médico lhe havia prescrito. Após cuidadoso escrutínio, todos os da mesa concluíram que a
única alimentação permitida a Carlinhos, sete dias por semana, 30 dias por mês, era peito
de frango com certas verduras. Quem come carne vermelha é expulso de certas mesas, como
se fosse um canibal. Há quem não coma mamíferos. Deve ser porque o mamífero mamou e
ficou contaminado com o maldito leite. Não se pode comer mamífero nem no Ártico, onde
Brigitte Bardot recomendou aos esquimós um regime vegetariano, sendo recebida com certa
perplexidade, porque indubitavelmente é bastante difícil plantar alface e repolho no Pólo Norte.

E o tempo da macrobiótica, lembram vocês? As pessoas iam a estabelecimentos de aparência


lúgubre, ao som de cítaras sinistras, onde sentavam em almofadas sebosas e mastigavam 30
vezes cada bocado das estranhíssimas iguarias que eram servidas (inclusive uma certa “água
descansada” que uma vez me serviram na Bahia, e morro de preocupação porque hoje em dia
só bebo água cansada), para depois todo mundo sair macilento e contrito, na convicção de que
em breve alcançaria o Nirvana por via da tortura alimentar. Na ocasião, fui muito atacado por
sustentar que, ao praticar a macrobiótica, o sujeito ficava com a aparência de 70 anos, mas disso
________________________
não passava. Suponho que ainda devem haver praticantes soltos por aí, embora seguramente
________________________
evitem passar pela porta do São João Batista à noite, a fim de não serem abatidos a estocadas de
________________________ madeira no coração.
________________________
Resta o delicado aspecto da malhação, sobre o qual há mais teses do que sobre o marxismo
________________________
antigamente. Deve-se malhar, é a unanimidade, assim como acabar o capitalismo era
________________________
unanimidade dos marxistas. Mas, como em relação à ideologia, aí cessa a harmonia, porque os
________________________ teóricos divergem em cada minúsculo pormenor da malhação.
________________________
________________________ Às vezes vejo amigos e amigas minhas — eis que todo dia há uma matéria sobre malhação nos
________________________ jornais de tevê — contando as horas diárias a que se entregam às mais exóticas contorções e
________________________ a aparelhos que seriam rejeitados por Torquemada como excessivamente cruéis. Quem hoje
________________________ não malha é um marginal. E nos tentam vender, em ofertas mirabolantes pela tevê, uma tal
quantidade de tralhas que nos transformarão em seres eternamente sadios, sem estresse e sem
________________________
problemas, que, se comprássemos tudo, íamos ter de morar num galpão do cais do porto.
________________________
________________________ É a qualidade de vida, me explicam. É óbvio que não se deixa de morrer, mas se vive mais e com
________________________ muito melhor qualidade de vida. Qualidade de vida como, cara-pálida? Comendo palha, sem
beber, sem fumar, sem comer doce, sem perder noite, aplicando cremes e loções várias vezes ao
________________________
dia, sem isso, sem aquilo (e aquilo outro também, de acordo com um médico que apareceu uma
________________________
vez na Bahia, afirmando que o homem é programado para ter quatro ou cinco orgasmos em
________________________ toda a vida, pois mais do que isso dá câncer na próstata e debilidade mental), dedicando enorme
________________________ parte da existência a escovar os dentes e o resto a preocupar-se com eventuais transgressões.
________________________
Que me perdoem a insensibilidade, mas dispenso essa qualidade de vida e prefiro morrer doente
________________________
mesmo a esticar as canelas em perfeita saúde.
________________________
________________________
________________________ Fonte: http://www.almacarioca.net/morrendo-em-perfeita-saude-joao-ubaldo-ribeiro/
Leituras indicadas 31

saúde e qualidade de vida


SEGRE, M.; FERRAZ, F. O Conceito de saúde. Revista Saúde Pública, São Paulo, v. 31,
n. 5, Outubro, 1997. Disponível em: http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0034-89101997000600016&lgn=en&nrm=iso. Acesso em 18 de
dezembro de 2008.

SEIDL, E. M.; ZANNON, C. M. Qualidade de vida e saúde: aspectos conceituais e


metodológicos. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n.2, abril 2004.
Disponível em: http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
311X2004000200027&lng=en&nrm=iso. Acesso em 18 dezembro 2008.

Sites Indicados
http://www.almacarioca.net - neste site você encontra outras reflexões de João
Ubaldo Ribeiro sobre temáticas do cotidiano, vale a pena conferir.

Referências
________________________
AWARD, G.; VORUGANTI, L. P. N. Intervention research in psychosis: issues related to the assessment of ________________________
quality of life. Schizophr Bull, 2000.
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________________________
BUSS, P. M. Promoção da saúde e qualidade de vida. IN: Ciência e Saúde Coletiva, 5 (1): 163-177, 2000.
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________________________
CZERESNIA, D. O.; FREITAS, C. E. M. (Orgs.) Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de
________________________
Janeiro: Editora Fiocruz, 2003.
________________________
________________________
DEJOURS, C. Por um novo conceito de saúde. IN: Revista Brasileira de Saúde Ocupacional. n. 54, vol. 14.
Abril, Maio, Junho, 1986. ________________________
________________________
MINAYO, M. C.; HARTZ, Z. M.; BUSS, P. M. Qualidade de vida e saúde: um debate necessário. Ciência e Saú- ________________________
de Coletiva, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, 2000. ________________________
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OPAS, Declaração de Santa Fé de Bogotá. pp. 41-47. In: Ministério da Saúde; FIOCRUZ. Promoção da Saú- ________________________
de: cartas de Ottawa, Adelaide, Sundsvall e Santa Fé de Bogotá. Ministério da Saúde/IEC, Brasília, 1992. ________________________
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RIBEIRO, J. U. Morrendo em perfeita saúde. Disponível em: http://www.almacarioca.net/morrendo-em- ________________________
perfeita-saude-joao-ubaldo-ribeiro/. Acesso em: 02 de outubro de 2010.
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RIBEIRO, J. U. Grande qualidade de vida. Disponível em: http://www.almacarioca.net/grande-qualidade-
________________________
de-vida-joao-ubaldo-ribeiro/. Acesso em: 02 de outubro de 2010.
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SEGRE, M.; FERRAZ, F. O conceito de saúde. Revista Saúde Pública, São Paulo, v. 31, n. 5, Outubro, 1997.
Disponível em: http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89101997000600016-
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&lgn=en&nrm=iso. Acesso em 18 de dezembro de 2008. ________________________
32 SEIDL, E. M.; ZANNON, C. M. Qualidade de vida e saúde: aspectos conceituais e metodológicos. Caderno
de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n.2, abril 2004. Disponível em: http://www.scielosp.org/scielo.

saúde e qualidade de vida


php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2004000200027&lng=en&nrm=iso. Acesso em 18 dezembro 2008.

WHO, The World Health Repport. Life in the 21st. Century - A Vision for All. Genebra, 1998.

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AULA 03 - Saúde, Ciência e Religião 33

saúde e qualidade de vida


Autora: Leila Tibiriçá

Olá!

Após você conhecer os conceitos de saúde e qualidade de vida, relacionando-


os aos aspectos da contemporaneidade, você pode se perguntar: será que a ciência
explica tudo? Qual é a relação entre saúde e religião?

Para uma maior compreensão acerca da relação entre saúde, ciência e religião,
temos que pensar epistemologicamente, ou seja, remontar um pouco sobre a história
da produção de conhecimento. Afinal, existem cinco formas de se explicar o que acon-
tece com o ser humano e com o mundo, dentre elas estão a religião e a ciência, além
do senso comum, da arte e da filosofia.

E o que é ciência?
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Fonte: Criação Unifacs Imagens: www.sxc.hu ________________________
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A ciência surge com o advento da modernidade, a partir do declínio de todo
________________________
o sistema político-econômico-social-cultural vigente na Idade Média. Com a queda
________________________
do sistema feudal, a ascensão da burguesia e a substituição do modelo teocêntrico
________________________
(em que o Deus era o centro do Universo) pelo modelo antropocêntrico (o homem
________________________
como este centro), o homem passa a exercer outro lugar frente à natureza, buscando
________________________
compreendê-la através do desvendamento das leis que a regem.
________________________
Com a ênfase na razão, o homem vai se afastando de explicações místicas em ________________________
que os dogmas da Igreja passam a ser substituídos pela produção de conhecimento
34 através de mensurações e observações realizadas pelo homem. Através dessa ativida-
de reflexiva, produz-se um conhecimento, uma verdade sobre determinado aspecto

saúde e qualidade de vida


da realidade, tanto referente ao mundo como ao próprio homem.

Ciência seria, então, uma atividade que busca compreender, elucidar e alterar o
cotidiano através de um estudo sistemático sobre o objeto de investigação. Para essa
construção, faz-se necessário o uso de métodos e técnicas, além da fundamentação
teórica para buscar uma compreensão de forma aprofundada sobre um aspecto da
realidade.

Segundo Bock, Furtado e Teixeira (2008), ciência é um

[...] conjunto de conhecimentos, sobre fatos ou aspectos da realida-


de (objeto de estudo), expresso por meio de uma linguagem precisa
e rigorosa. Esses conhecimentos devem ser obtidos de maneira pro-
gramada, sistemática e controlada, para que se permita a verifica-
ção de sua validade. (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2008, p.19)

Na sua origem, o modelo de se fazer ciência foi denominado como Positivismo,


________________________
já que se acreditava revelar exatamente as coisas como elas são. Com isso, não era
________________________
admitido nenhum tipo de influência entre o pesquisador e o seu objeto de estudo. A
________________________
partir da neutralidade e do controle das variáveis, o conhecimento obtido era conside-
________________________
rado como válido, e assim tomado como uma verdade absoluta.
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________________________ Fonte: Criação Unifacs Imagens: www.sxc.hu http://www.freedigitalphotos.net/

________________________
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Dos dogmas religiosos às verdades incontestáveis da ciência, os dados obti-
________________________
dos reproduziam explicações deterministas e reducionistas da realidade. É claro que o
________________________
modelo de ciência também foi se modificando com o passar do tempo. Embora o po-
________________________
sitivismo ainda exerça muita influência sobre nós, seres humanos, hoje, consideramos
________________________
outras formas de se fazer ciência.
________________________
________________________ Hoje em dia, por exemplo, fala-se na importância de se buscar a imparcialidade
________________________ do pesquisador ao invés de considerá-lo como neutro. Ou seja, considera-se, assim,
que os aspectos subjetivos (valores, crenças, percepções, preconceitos...) de cada pes-
quisador influenciarão a construção do conhecimento científico, entretanto, para este 35
conhecimento ser considerado como válido, faz-se necessário que ele busque estar

saúde e qualidade de vida


atento a tudo isso durante a sua produção, a fim de que possua um distanciamento
ótimo entre si e seu objeto de estudo.

A ciência hoje também concebe a realidade de outra forma. Dentro do paradig-


ma da complexidade, acredita-se que a realidade é composta por múltiplos aspectos
em constante relação e em permanente movimento de mudança. Dessa forma, fica
difícil pensar em explicações que reproduzam uma lógica linear, apontando a causa e
a consequência de determinado fenômeno, já que elas são diversas e exercem mútua
influência numa relação dialética.

Frente a esse paradigma e por considerar o mundo em constante transforma-


ção, a ciência passa a não mais produzir leis e sim teorias. Assim, o avanço da ciência
deve ser pensado de forma cumulativa e as verdades passam a ser consideradas como
relativas e provisórias.

Por isso, como vimos na aula anterior, não é à toa que vemos notas, nos diversos
meios de comunicação, que afirmam que consumir determinados alimentos, como o
café, a margarina, ovos e o vinho, faz bem a saúde e, um tempo depois, nos avisam que
esses mesmos alimentos podem trazer prejuízos. Porém, logo em seguida, reafirmam
que o consumo desses alimentos faz bem, citando os estudos que comprovam isso.

Outro exemplo dessa diversidade dentro da própria ciência pode ser observa-
________________________
do através explicações sobre a origem da vida humana. Alguns defendem que a vida
________________________
do ser humano se inicia no momento da fecundação, em que o espermatozóide entra
________________________
no óvulo. Outros consideram que este início se dá quando o bebê apresenta atividade
________________________
cardíaca, ou com a formação do sistema nervoso central ou ainda a partir da atividade
________________________
cerebral.
________________________
Assim, percebemos que existem explicações diferentes para compreender a ________________________
origem da vida humana, seja no momento da fecundação ou com o início de alguma ________________________
função específica do organismo humano. Por isso, constata-se que a ciência hoje, di- ________________________
ferentemente da ciência positivista, não consegue explicar um fenômeno a partir de ________________________
uma única resposta ou versão. Deparamo-nos, o tempo inteiro, com uma diversidade ________________________
de teorias, sendo algumas mais validadas e reconhecidas do que outras. ________________________
________________________
A ciência vai se construindo a partir da existência dessas múltiplas teorias que
________________________
se confrontam e se reafirmam, bem como constroem novos conhecimentos. Com isso,
________________________
vale ressaltar que a ciência é uma dentre as outras formas de se produzir conhecimen-
________________________
tos, sem apontar, hierarquicamente, para a mais ou a menos importante. Afinal, em se
________________________
tratando de uma realidade complexa, a coexistência dessas diversas formas de expli-
________________________
car o mundo e a via humana faz-se cada vez mais presente.
________________________
Dentre essas “reviravoltas do saber”, Foucault (2003 apud ANDRADE, 2006) criti- ________________________
ca a institucionalização do discurso científico e de práticas consolidadas consideradas ________________________
até então como inquestionáveis. Aponta para a valorização das “técnicas de si”, ou seja, ________________________
dos conhecimentos produzidos por cada um, pelas experiências no seu cotidiano, ________________________
além de valorizar as explicações dadas pelos especialistas, oriundos das mais variadas ________________________
ciências (FOUCAULT, 2004). ________________________
36 Esses conhecimentos construídos espontaneamente ou intuitivamente, seja
por experiência própria, por observar alguém ou saberes transmitidos de geração em

saúde e qualidade de vida


geração, por alguém com autoridade reconhecida, propõem uma verdade. Essa com-
preensão acumulada no nosso cotidiano também elabora “teorias” (interpretações)
para facilitar o nosso dia a dia, de forma a simplificar o real. Para tal, o saber produzido
pelo senso comum realiza uma mistura e reciclagem de outros saberes, oriundos das
diversas formas de produção de conhecimento.

Saberes produzidos no senso comum estimulam problemas a serem investi-


gados por cientistas, como teorias científicas são apropriadas no nosso cotidiano, de
forma simplificada. Afinal, quem já não ouviu falar que tomar chá de boldo é bom para
quem tem problemas estomacais ou que maracujá acalma? Quantas vezes também
não ouvimos falar que uma criança “mais cheinha” é sinônimo de criança saudável ou
que pensar num indivíduo sedentário é sinônimo de uma pessoa com um maior status
social e econômico?

Essas crenças vão sendo desmistificadas com o avanço da ciência. Por exemplo,
hoje, a obesidade e o sedentarismo são considerados doenças relacionadas à qualida-
de de vida, que devem ser prevenidas e tratadas; como também dispomos de informa-
ções que permitem uma maior compreensão através de fundamentos sobre o que de-
terminadas substâncias encontradas em plantas proporcionam ao nosso organismo.

A partir dessa relação entre saberes, vamos construindo crenças, comporta-


________________________ mentos, valores, instituições, regras morais que permeiam e identificam uma socie-
________________________ dade. Assim, vamos reproduzindo e criando a cultura do contexto em que estamos
________________________ inseridos. Afinal, a cultura é o resultado dos modos como os diversos grupos humanos
________________________ foram resolvendo os seus problemas ao longo da história.
________________________
Foucault (2004) aborda os diferentes olhares sobre o corpo e sobre a saúde, nos
________________________
diferentes contextos históricos, apontando o corpo como uma realidade biopolítica.
________________________
Assim, os conceitos de saúde e corpo são regidos por normas sociais e pelos saberes,
________________________
como se refere o mesmo autor ao abordar o nascimento da medicina social. Nesse sen-
________________________
tido, ele afirma que, a partir do final séc.XVI e início do séc. XVII, surge a preocupação
________________________
das nações européias com o estado de saúde da população e, apenas a partir do séc.
________________________
XVIII, emerge uma preocupação com a higiene nas cidades, levando em conta todos
________________________
os aspectos políticos, econômicos e culturais de cada um desses momentos.
________________________
________________________ Então, podemos perceber que a cultura sofre mudanças de forma dinâmica,
________________________ com traços que se perdem, outros que são adicionados em velocidades distintas nas
________________________ diferentes sociedades. Não é por acaso que temos diferentes compreensões sobre o
________________________ que é saúde e sobre cuidados com a saúde, bem como sobre algumas doenças, de-
________________________ pendendo do contexto em que estejamos inseridos. Se pensarmos no simbolismo so-
________________________ bre a lepra ou sobre a tuberculose, remetemo-nos a uma compreensão diferenciada
________________________ do que nós temos nos dias atuais.
________________________
Assim, ao pensarmos sobre a saúde como realidade complexa, temos que com-
________________________
preender os aspectos culturais relacionados a essa concepção, porque, dependendo
________________________
do grupo social, num determinado lugar e período, alguns hábitos ou explicações são
________________________
considerados aceitáveis (comuns, dentro da normalidade) e outros nem tanto.
________________________
Cultura envolve, então, crenças, comportamentos, medos, estigmas e expec- 37
tativas com relação à vida dos seres humanos. Um exemplo disso é o estudo de caso

saúde e qualidade de vida


sobre surdez apresentado por Diniz (2003), em que a comunidade surda por ele re-
tratada defende a preferência pelo nascimento de crianças surdas, a fim de manter a
identidade cultural dessa comunidade. Nesse grupo, a surdez não é considerada uma
deficiência e a diferença, a partir da audição, não deve ser considerada como um sinal
patológico, como algo anormal, que deve ser medicalizado ou curado.

Constatamos que as crenças ou os valores culturais de uma comunidade inter-


ferem na concepção de cura e de bem-estar que eles mesmos possuem. E, ao falarmos
de crenças, relacionamos aos saberes arraigados de valores espirituais, idéias místicas
ou explicações religiosas. Afinal, buscamos outras formas de explicar o mundo e a vida
humana através de outros conhecimentos que tomamos como verdade que não ape-
nas pela ciência.

Mas o que seria religião?

Podemos afirmar que diversos são os fenômenos denominados como religião.


Apesar de alguns autores apontarem para a dificuldade em englobar toda essa multi-
plicidade num único conceito, outros enfocam a religião como um fenômeno cultural
(BELZEN, 2009). ________________________
________________________
Religião seria outra forma de produção de conhecimento, de obtenção de uma
________________________
verdade para o que não consegue ser comprovado, através de explicações que não
________________________
são científicas. Afinal, existem diferentes pontos de vista entre religiosos e cientistas
________________________
sobre as mesmas situações, como também ainda há questões para as quais os cientis-
________________________
tas permanecem sem respostas, mesmo diante de toda essa evolução tecnológica.
________________________
Essa verdade é constituída a partir da relação entre símbolos e a vida social, ________________________
através das situações que as pessoas passam no seu dia a dia, fazendo com que elas se ________________________
apropriem, confrontem e reinterpretem esses símbolos através da religião. Esta pode ________________________
ser definida, então, como ________________________
________________________
________________________
________________________
Um sistema de símbolos que atua para estabelecer poderosas, pene-
________________________
trantes e duradouras disposições e motivações nos homens, através
da formulação de conceitos de uma ordem de existência geral, e ves-
________________________
tindo essas concepções com tal aura de fatualidade que as disposi- ________________________
ções e motivações parecem singularmente realistas. ________________________
________________________
________________________
(GEERTZ, 1978, p.104-105 apud RABELO, 1993, p. 323-324).
________________________
________________________
________________________
Para muitos, as crenças religiosas são consideradas fontes privilegiadas de co-
________________________
nhecimento que sobrepõem a qualquer outra. Nessa busca de explicações através da
________________________
religião, Pereira (2003 apud PEREIRA, 2008, p.09) afirma que a fé pode ser entendida
38 como “a resposta à dúvida, em que o ser humano é levado pela necessidade premente
buscando a solução do que lhe perturba o ser”. Ou seja, segundo o autor, a fé seria

saúde e qualidade de vida


“confiar em meio à desconfiança”, já que é a convicção de que algo seja verdade sem
nenhuma prova de que este existe na realidade.

A religiosidade e a fé não estão necessariamente atreladas a alguma instituição,


pois, como vimos, é uma busca por uma verdade. Mas, ao pensarmos especificamente
no contexto brasileiro, deparamo-nos com uma cultura extremamente religiosa. Afi-
nal, um bom número de brasileiros frequenta práticas religiosas de vários cultos.

A partir do Censo Demográfico de 2000, realizado pelo IBGE, sabemos que a


religião predominante da população do Brasil é católica (73,5%). Veja na tabela:

Tabela 1 - Distribuição percentual da população residente, por religião - Brasil 2000

Religião (%)
Católica Apostólica Romana 73,6
Evangélicos 15,4
Espíritas 1,3
Umbanda e Candomblé 0,3
Outras religiosidades 1,8
________________________ Sem religião 7,4
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000 - Características Gerais da População: Resultados da Amostra
________________________
________________________
________________________ Vale ressaltar o crescimento da religião evangélica com o passar dos anos, con-
________________________ tabilizando a uma percentagem de 15,4% em 2000. Além disso, o número de pessoas
________________________ que se denominam como “sem religião” é mais alto no Rio de Janeiro (15,5%), Pernam-
________________________ buco (10,9%), Bahia (10,3%), enquanto a média nacional é de 7,4%.
________________________
________________________
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________________________
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________________________ Fonte: http://www.sxc.hu

________________________
Especificamente na Bahia, devemos considerar a constituição histórica por uma 39
mescla de raças, representando uma diversidade cultural e um sincretismo religioso

saúde e qualidade de vida


constante. Assim, a nossa história, enquanto cultura brasileira e baiana, está permeada
por crenças movidas pela fé. Soma-se a isso, ainda, a evidência, cada vez mais frequen-
te, que a mídia dá a curas através de diversos rituais religiosos, por uma evolução espi-
ritual ou por uma aproximação com o divino.

Qual é a relação entre saúde e religião? Será que podemos falar em


“cura pela fé”?

Em contextos de cuidado de saúde, Faria e Seidl (2006) afirmam ser comum


observar a influência de aspectos religiosos como auxiliares na cura e no tratamento
de algumas doenças. Isso acontece porque, muitas vezes, as pessoas atribuem a Deus
o aparecimento ou a resolução dos seus problemas de saúde, recorrendo a esta enti-
dade como um recurso cognitivo, emocional ou comportamental (PARGAMENT, 1990
apud FARIA; SEIDL, 2006).

Já Koenig (2001b apud PANZINI; BANDEIRA, 2007) afirma que existem quatro
razões para associação entre religião e saúde. São elas:

________________________
‚‚ As crenças religiosas provêm uma visão de mundo que dá sentido positivo ou negati- ________________________
vo às experiências.
________________________
‚‚ As crenças e práticas religiosas podem evocar emoções positivas. ________________________
________________________
‚‚ A religião fornece rituais que facilitam/santificam as maiores transições de vida, tais
________________________
como a adolescência, o casamento e a morte.
________________________
‚‚ As crenças religiosas, como agentes de controle social, dão direcionamento/estrutura ________________________
para tipos de comportamentos socialmente aceitáveis.
________________________
________________________
________________________
Com isso, constatamos que as crenças religiosas bem como os conhecimentos ________________________
produzidos pela ciência dão sentido à vida humana a partir da produção de suas ver- ________________________
dades. Essas crenças vão se somando a outras, além de hábitos e valores, constituindo, ________________________
assim, a cultura de um determinado grupo social. ________________________
Nessa comunidade, algumas situações/manifestações são reconhecidas como ________________________
normais, direcionando, dessa forma, comportamentos que são considerados aceitá- ________________________
veis, como vestir algumas roupas e alguns acessórios ou não ingerir bebidas alcoólicas, ________________________
por exemplo. Além disso, alguns comportamentos são esperados, referentes a alguns ________________________
rituais da vida como um todo ou em situações específicas, como ao lidar com alguma ________________________
enfermidade. ________________________
________________________
A experiência religiosa repercute na vida do sujeito, no seu bem-estar, como ________________________
afirma Amatuzzi (1997 apud PEREIRA, 2008) que ________________________
________________________
40 A experiência religiosa tem uma repercussão direta na vida da pes-
soa. Ela a tal que transforma ou modifica a vida [...]. A experiência

saúde e qualidade de vida


religiosa abre a pessoa para um mundo inteiramente novo e dife-
rente do cotidiano, do qual só é possível dar conta a partir de dentro
dele mesmo.

(AMATUZZI,1997, p.35-37, apud PEREIRA, 2008, p.06).

De acordo com Moreira-Almeida, Lotufo Neto e Koenig (2006, p. 242, apud PE-
REIRA, 2008) diversos estudos apontam que os níveis mais elevados no envolvimen-
to religioso associam-se, de forma positiva, a indicadores de bem estar psicológico,
tais como satisfação com a vida, felicidade, afeto positivo e moral mais elevado, como
também menos depressão, pensamentos e comportamentos suicidas, e uso/abuso de
álcool/drogas.

Faria e Seidl (2006) consideram que diversos são os benefícios a partir de suas
crenças e práticas religiosas relacionadas à adaptação psicológica em contextos de
ameaças ou danos à saúde, como a sensação de força, poder e controle, disponibili-
dade de suporte social e senso de pertencimento, facilitação da aceitação da doença,
alívio do medo e da incerteza frente à morte. O bem-estar também está atrelado ao
aspecto subjetivo, isto é, como cada um pensa e sente em relação à sua própria vida.
________________________
Conforme Dalgalarrondo (2006 apud PEREIRA, 2008), há um maior bem-estar
________________________
em sujeitos que desenvolvem atividades religiosas, como frequência a cultos, orações
________________________
e leitura de textos religiosos, dentre outras. Ressalta-se, assim, o apoio social dos gru-
________________________
pos religiosos, além da existência de crenças que dão sentido à vida e ao sofrimento.
________________________
________________________ As experiências religiosas facilitam o acesso a redes de suporte e de integração
________________________ social, além de estimular comportamentos saudáveis, direcionando novos estilos de
________________________ vida relacionados à saúde, como a alimentação, ao comportamento sexual, relação
________________________ com os filhos e/ou membros familiares, dentre outros. Associa-se, assim, à fé e a algu-
________________________ mas práticas religiosas a cura de algumas pessoas, ou seja, a melhoria das condições
________________________ de saúde delas.
________________________
Isso não significa pensarmos em substituição da fé por recursos das especiali-
________________________
dades da saúde, ou dos demais saberes sobre a saúde do homem. A fé deve ser pen-
________________________
sada como uma aliada aos medicamentos e aos tratamentos convencionais. Afinal,
________________________
os estudos apenas comprovaram que a devoção ativa possibilita novos significados e
________________________
criações de estratégias para um maior bem-estar, relacionando aspectos fisiológicos a
________________________
fatores emocionais.
________________________
________________________ A relação entre esses aspectos proporciona a recuperação ao sujeito, diferente-
________________________ mente de afirmar que a fé cura alguém, até porque, como foi dito nas aulas anteriores,
________________________ o conceito de saúde abarca os aspectos sociais, além de biológicos e psíquicos. Por
________________________ isso, para que os símbolos religiosos estejam relacionados à cura, é preciso que eles se-
________________________ jam compartilhados entre o curador, a pessoa com a enfermidade e a sua comunidade
________________________ de referência (RABELO, 1993).
________________________
Neste sentido, a cura não é o resultado direto de estratégias terapêuticas que 41
faz parte de algum culto ou alguma prática religiosa. É uma realidade que se constrói

saúde e qualidade de vida


continuamente no dia a dia, a partir de constantes negociações e confirmações para o
doente como para as pessoas que compõem a rede de apoio e cuidado. O sentido da
cura através da religião vai atribuindo visões de mundo e projetos de enfrentamento
aos envolvidos, que passam a incorporá-los à sua experiência cotidiana.

Sobre esse aspecto vale a pena ler o caso que Rabelo (1993) relata na busca de
Benedita da cura de sua filha, o que a faz aderir a diferentes religiões. Em cada uma das
tentativas, novas explicações e interpretações são dadas aos sintomas apresentados,
justificando o porquê destes, como dando encaminhamentos diferenciados ao que
deve ser feita por elas. A partir do contato com o Pentecostalismo, com o Espiritismo
e com o Candomblé, há compreensões diferenciadas de entender e tratar a doença,
de acordo com a constante avaliação e reavaliação aos projetos dos cultos, de acordo
com os seus objetivos, realizados por Benedita nesta busca pela cura.

A partir desse caso, a ideia não é apresentar a partir de qual culto se obtém uma
maior eficácia, mas sim pensar, em linhas gerais, que o sucesso de um determinado
projeto religioso de cura depende de um entrelace entre vários aspectos. Inclui o pró-
prio curso da doença, como as pessoas envolvidas lidam com ela, além das próprias vi-
sões desse projeto de cura, oriundas da experiência religiosa. Aliás, vale ressaltar que,
em todos os cultos religiosos frequentados, elas reconheceram a necessidade de um
acompanhamento paralelo com o tratamento realizado por especialistas da área da
________________________
saúde.
________________________
________________________
________________________
________________________
E qual é a relação entre bem-estar, religiosidade e enfrentamento?
________________________
________________________
Entendemos por enfrentamento o conjunto de estratégias, cognitivas e com-
________________________
portamentais, utilizadas pelos indivíduos com o objetivo de manejar situações em
________________________
suas vidas. Esse conceito origina-se da palavra inglesa Coping, que significa “lidar com”,
________________________
“adaptar-se a”, “enfrentar” ou “manejar”, traduzido pela área da psicologia da saúde como
________________________
referente ao modo como a pessoa entende e lida com as situações.
________________________
A religião é um entre outros sistemas de crenças e de práticas, com seus respec- ________________________
tivos recursos para esse enfrentamento. Sendo assim, nem todas as pessoas utilizam a ________________________
religiosidade como parte desse manejamento ao lidar com situações de suas vidas. Ali- ________________________
ás, normalmente, quem faz esse uso são aquelas que estabelecem crenças e práticas ________________________
religiosas como parte de seus valores, de sua visão de mundo. Entretanto, algumas só ________________________
recorrem à religião em momentos que considera cruciais, como em casos de doenças ________________________
severas. ________________________
________________________
Um enfrentamento religioso considerado positivo refere-se à busca de apoio,
________________________
perdão, enfrentamento colaborativo, ligação espiritual e redefinição benevolente do
________________________
estressor. Já o enfrentamento religioso com padrão negativo está relacionado a um
________________________
descontentamento com a religião, presença de conflitos pessoais com membros do
________________________
grupo religioso e presença de dúvidas sobre a interferência dos poderes divinos na
________________________
situação estressora (FARIA; SEIDL, 2006).
42 A maioria das pesquisas indica que crenças e práticas religiosas estão associa-
das com a melhoria da saúde, considerando os aspectos biopsicossociais. A espiritua-

saúde e qualidade de vida


lidade e o envolvimento em religiões organizadas podem proporcionar aumento do
senso de propósito e significado da vida, que são associados à maior resiliência e re-
sistência ao estresse relacionado às doenças (LAWLER; YOUNGER, 2002 apud PANZINI;
BANDEIRA, 2007).

Dessa forma, você pode perceber que ciência não exclui atribuições de signi-
ficados religiosos, bem como a prática religiosa não exclui a adesão de tratamentos
propostos pelas teorias. Essas formas de produção de conhecimento devem ser con-
sideradas de forma complementar, possibilitando que os indivíduos atribuam sentido
às suas vidas.

Além disso, você pode observar que valores, crenças e significados têm a ver
com a história de cada ser humano e do grupo social que este faz parte. Assim, torna-
se evidente a importância da cultura para a construção de concepções como bem-
estar e enfrentamento. Na próxima aula, serão abordados aspectos sobre como se
compreende e pratica o cuidar de si e o cuidar do outro.

Síntese
________________________ Embora muitos sejam os impasses entre religiosos e cientistas, constatamos
________________________ que a fé pode vir a ser um facilitador na busca da promoção da saúde, interferindo po-
________________________ sitivamente na vida de um ser humano. Dessa forma, abordar a religiosidade como um
________________________ fenômeno cultural implica o reconhecimento da dimensão da experiência humana,
________________________ em seu caráter social, histórico e simbólico.
________________________
A partir dos estudos mencionados, observamos os benefícios que a religiosi-
________________________
dade pode trazer à vida do indivíduo, proporcionando um maior bem-estar. Vimos,
________________________
ainda, que a concepção de enfrentamento, bem-estar e cura são influenciadas pelas
________________________
crenças e pelos valores culturais de um determinado contexto.
________________________
________________________
________________________
________________________ questão para Reflexão
________________________
Qual é a relação entre crenças e saúde?
________________________
________________________ Ao pensar em doenças características da contemporaneidade, quais as concep-
________________________ ções de cura que atrelamos a elas? E quais as possibilidades de enfrentamento delas?
________________________
________________________
________________________
________________________ Leitura indicada
________________________
________________________ RABELO, M. C. Religião e Cura: algumas reflexões sobre a experiência religiosa das
________________________ classes populares urbanas. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 9 (3): 316-325, jul/set,
________________________ 1993.
Referências 43

saúde e qualidade de vida


ANDRADE, M. Z. R. F. Resistência e Modos de Subjetivação na prática de Resolução de Conflito Fa-
miliar – Mediação. 2006. 77 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Pontifica Universidade Católica de
Minas Gerais, Belo Horizonte.

BELZEN, J. A. Psicologia cultural da religião: perspectivas, desafios, possibilidades. 2009. http://www.


pucsp.br/rever/rv4_2009/t_belzen.htm. Acesso em out/2010.

BOCK, A. M; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologias: Uma introdução ao estudo de Psicologia. 12. ed.
São Paulo: Saraiva, 1999.

DINIZ, D. Autonomia reprodutiva: um estudo de caso sobre a surdez. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro,
19 (1): 175-181, jan-fev, 2003.

FARIA, J.B.; Seidl, E.M.F. - Religiosidade e enfrentamento em contextos de saúde e doença: revisão de litera-
tura. Psicologia em Estudo, Maringá, 11(1):155-164, 2006.

FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. 20ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 2004.

MENDES, J.; CAVALCANTI, K.; MOREGOLA, R. 11 perguntas que os cientistas (ainda) não conseguem respon-
der - Tudo sobre misteriosos fenômenos, como a cura pela fé, o fim do mundo e a premonição, que ainda
desafiam o conhecimento humano. Rev. ISTO É – Ciência. Edição 2090, 27.Nov. Disponível em: http://istoe-
________________________
vip.terra.com.br/reportagens/18155_11. Acesso em abril/2010.
________________________
________________________
PANZINI, G.R.; BANDEIRA, D.R. Coping (enfrentamento) religioso/espiritual. Revista de Psiquiatria Clínica,
São Paulo, V. 34: 126-135, 2007. Disponível em: http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol34/s1/126.html.
________________________
Acesso em maio de 2010. ________________________
________________________
PEREIRA, D. M. Experiência religiosa da fé e desenvolvimento humano. Trabalho de Conclusão de Curso ________________________
I, do Curso de Psicologia, da Universidade São Francisco, São Paulo/2008. ________________________
________________________
RABELO, M. C. Religião e Cura: algumas reflexões sobre a experiência religiosa das classes populares urba- ________________________
nas. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 9 (3): 316-325, jul/set, 1993. ________________________
________________________
________________________
________________________
________________________
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________________________
________________________
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44

saúde e qualidade de vida

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________________________
________________________
AULA 04 - O cuidar de si e o cuidar do 45
Outro

saúde e qualidade de vida


Autora: Leila Tibiriçá

“O cuidar parece deixar de ser um procedimento,

uma intervenção para ser uma relação

onde a ajuda é no sentido da qualidade do outro

ser ou de vir a ser, respeitando-o, compreendendo-

o, tocando-o de forma mais afetiva. O cuidar

agora parece ser feito com o outro”

(WALDOW, 1998: 23).

Olá!
________________________
________________________
A partir da compreensão da relação entre saúde, ciência e religião, bem como ________________________
através do conhecimento de que as diversas formas de enfrentamento, a noção de ________________________
bem-estar e cura são influenciadas pelas crenças e valores culturais de um determina- ________________________
do contexto parte-se para a discussão sobre o cuidar. ________________________
________________________
O que é o cuidar e como ele está atrelado à experiência humana? Quais os sig- ________________________
nificados sociais e históricos do cuidado? E por que estabelecemos uma relação entre ________________________
o cuidar de si e o cuidar do Outro? ________________________
Nesta aula visamos então reconhecer as formas de cuidar de si e do outro, além
________________________
de possibilitar o reconhecimento da importância do cuidado para a qualidade das re-
________________________
lações interpessoais.
________________________
________________________
________________________
________________________
O cuidar ________________________
________________________
Para começarmos a responder a estas perguntas, vamos pensar qual o empre- ________________________
go que você dá ao verbo cuidar. Habitualmente o empregamos como sinônimo de: ________________________
________________________
________________________
‚‚ Sinal de alerta: Cuidado! ________________________
________________________
________________________
46

saúde e qualidade de vida

Fonte: Cliparts
Figura 1 - imagens fazendo menção a cuidado como alerta!

‚‚ Imaginar, pensar, meditar, cogitar.

‚‚ Ex.: Eu estou cuidando desse material.

‚‚ Refletir, julgar e supor


________________________
‚‚ Ex.: Cuida bem desta ideia!
________________________
________________________
________________________ ‚‚ Olhar, supervisionar, atentar
________________________
________________________ ‚‚ Fazer os preparativos ou tratar
________________________
‚‚ Ex.: Esta senhora cuida desta carne para ficar mais saborosa.
________________________
________________________
________________________
‚‚ Ter cuidado consigo mesmo, com sua saúde, a aparência ou apresentação
________________________
________________________
________________________
________________________ Com isso, podemos perceber que falar sobre cuidado faz parte do nosso dia a
________________________ dia. O tempo inteiro nós estamos cuidando ou estamos sendo cuidados por algo ou
________________________ alguém. Na família, nas nossas relações, na escola, na organização... ...nos diferentes
________________________ espaços que ocupamos!
________________________
________________________
________________________
________________________
________________________
________________________
________________________
________________________
47

saúde e qualidade de vida


Figura 2 - Imagens de cuidado com relação à sua própria saúde e cuidado com outras pessoas
Fonte: http://www.sxc.hu

Entretanto, em algumas situações e contextos, porém o cuidar/cuidado assume


funções ou papéis bem específicos (WALDOW, 1998). Afinal, sabemos que na nossa
cultura, as mulheres têm sido associadas ao cuidar/cuidado. Como também algumas
profissões estão mais relacionadas ao papel do cuidar, no sentido da finalidade do seu
fazer, como o que ocorre com as profissões de saúde.

Além disso, em espaços como o hospital têm-se papéis bem definidos de quem
é o cuidador, os profissionais de saúde e quem deve ser cuidado, reconhecido como
paciente ou cliente. Outro exemplo seria ao pensar no contexto familiar, no cuidado
dos pais para com os filhos ou até dos filhos para com os pais.

O cuidar apresenta-se como sendo de fundamental importância, porque cria ________________________


possibilidades, tendo dentre elas a possibilidade de dar e receber ajuda, como tam- ________________________
bém favorece condições de pertencimento e interesse. ________________________
________________________
Assim, através do cuidado, o ser humano vive o significado de sua vida. Por ________________________
isso, Mayeroff (1971 apud WALDOW, 1998) define o cuidar como um processo de ajuda ________________________
para o outro crescer e se realizar. A ação do cuidado humano envolve então valores, ________________________
desejo/intenção e um compromisso para cuidar, além de incluir conhecimento, ações ________________________
e consequências. (WALDOW, 1998, p. 28) ________________________
________________________
Ao cuidar, proporcionamos bem-estar e primamos pela boa qualidade de vida
________________________
para as pessoas que nos cercam como também para nós mesmos (GASPERI, 2006).
________________________
Manifestações comportamentais como o olhar, escutar ou compreender expressam
________________________
esse primor, este zelo consigo mesmo ou na relação com outras pessoas.
________________________
Entretanto, ao pensar sobre isso, faz-se necessário distinguir o cuidar do assistir. ________________________
Como afirma Waldow (1998) ________________________
________________________
________________________
________________________
O termo cuidar parece mais uma ação dinâmica, pensada, refleti-
________________________
da e o cuidado dá a conotação de responsabilidade e zelo. O termo
assistir, por sua vez, denota uma ação mais passiva de observar, ________________________
acompanhar, favorecer e a assistência como o auxílio, a proteção. ________________________
(WALDOW, 1998, p.28) ________________________
________________________
Falar em assistir e/ou em assistência não necessariamente pressupõe o cuidar/ ________________________
cuidado, pois quem assiste pode não estar se envolvendo com outro, num sentido
48 pleno, com responsabilidade e interesse. Como exemplo, pode-se pensar no ajudar,
prestar socorro (assistir) a alguém, apenas no sentido de cumprir uma obrigação, a fim

saúde e qualidade de vida


de aliviar um sentimento de culpa ou para pagar uma dívida.

Afinal, o cuidar implica uma proteção, o desenvolvimento e a preservação da


dignidade humana. Falar sobre cuidado implica reconhecermos que, a partir dessas
relações sociais, em que somos cuidadores ou cuidados, nos construímos como sujei-
to. Nesse sentido configura-se a plenitude do cuidar.

E isso fica claro a partir de filósofos como Heidegger, Martin Buber, Mayeroff
e Eric Fromm, que consideravam o cuidar/cuidado como uma condição existencial.
Dessa forma, compreende-se o ser humano como um ser no mundo, constituído por
suas atitudes através do cuidado, ou seja, este Ser é constituído através do cuidado.
(WALDOW, 1998).

Mas qual a importância do outro para a construção do sujeito?

O ser humano confronta-se a si mesmo somente quando em relação a outro ser


humano. A nossa identidade, o que nos constitui, o que nos compõe como sujeito é
dado a partir das relações sociais. Ou seja, na medida em que nos distinguimos dos
outros seres humanos e/ou de outros objetos, assumimos quem somos.

Entende-se assim o Outro como sendo as outras pessoas ou coisas com que nos
________________________
relacionamos. Este pode ser um amigo, parente, colega de trabalho ou este módulo,
________________________
por exemplo, bem como você é o Outro para eles. De acordo com a Psicologia Social,
________________________
nós nos construímos como sujeito a partir destes Outros, através das nossas relações
________________________
sociais.
________________________
________________________ O texto a seguir de Madalena Freire ilustra essa relação de espelho, em que nós
________________________ identificamos sentimentos, pensamentos, ações no momento em que nos deparamos
________________________ com o Outro. Vale à pena conferir!
________________________
________________________
________________________
________________________
________________________ “EU NÃO SOU VOCÊ, VOCÊ NÃO É EU”
________________________
________________________
________________________ Eu não sou você

________________________ Você não é eu


________________________
Mas sei muito de mim
________________________
________________________ Vivendo com você.
________________________
E você, sabe muito de você vivendo comigo?
________________________
________________________ Eu não sou você

________________________ Você não é eu.


________________________
Mas encontrei comigo e me vi 49

saúde e qualidade de vida


Enquanto olhava pra você

Na sua, minha, insegurança

Na sua, minha, desconfiança

Na sua, minha, competição

Na sua, minha, birra birra infantil

Na sua, minha, omissão

Na sua, minha, firmeza

Na sua, minha, impaciência

Na sua, minha, prepotência

Na sua, minha, fragilidade doce

Na sua, minha, mudez aterrorizada

E você se encontrou e se viu, enquanto olhava pra mim?

Eu não sou você

Você não é eu.

Mas foi vivendo minha solidão que conversei ________________________


Com você, e você conversou comigo na sua solidão ________________________
________________________
Ou fugiu dela, de mim e de você?
________________________
Eu não sou você ________________________
________________________
Você não é eu
________________________
Mas sou mais eu, quando consigo ________________________
Lhe ver, porque você me reflete ________________________
________________________
No que eu ainda sou
________________________
No que já sou e ________________________
________________________
No que quero vir a ser…
________________________
Eu não sou você ________________________
Você não é eu ________________________
________________________
Mas somos um grupo, enquanto
________________________
Somos capazes de, diferenciadamente,
________________________
Eu ser eu, vivendo com você e ________________________
Você ser você, vivendo comigo. ________________________
________________________
Fonte: http://pensador.uol.com.br/frase/NDY2Nzgz/ ________________________
________________________
________________________
50 Com isso, percebe-se que o ser humano não vive senão em relação com o outro,
neste confrontar-se a si mesmo somente quando em relação a outro ser. Portanto, o

saúde e qualidade de vida


homem se distingue por sua relação com outros seres e/ou objetos e, nessa convivên-
cia, enxergamos-nos a partir do olhar do Outro. É através do outro que o sujeito se
reconhece e expressa seus desejos, dirige suas ações e se torna pessoa disponível, ser
do cuidado com o outro e consigo mesmo.

E por que falar de cuidado influencia na qualidade das relações


interpessoais?

“...para nos cuidarmos de forma adequada, precisamos, antes, nos


conhecer.”

(GASPERI, 2006:-)

Desde a Grécia, reconhece-se a importância do cuidado de si (cura sui) como


trajetória necessária para o autoconhecimento, entendido também como superação
________________________ de si mesmo, o domínio sobre os desejos e vontades que poderiam ser dominados
________________________ pelo próprio homem na sua constituição como ser (LUNARDI et al, 2000).
________________________
Nesse domínio sobre seus impulsos, remete-se uma moralidade aos nossos
________________________
atos, no exercício da liberdade, atrelada aí ao exercício da autonomia. Isto é, para os
________________________
gregos, este exercício da sua liberdade implicava um cuidar de si.
________________________
________________________ Por isso, falava-se na Antiguidade sobre a ética como prática reflexiva da liber-
________________________ dade, através do “cuida-te a ti mesmo”. (FOUCAULT, 1987 apud LUNARDI et al, 2000).
________________________ Assim,
________________________
________________________
________________________
________________________ o cuidado de si surge como uma exigência ontológica e como uma

________________________ questão ética, na tentativa de tornar-se um bom dirigente: consti-


tuir-se em um sujeito que governa e dirige outros pressupõe a cons-
________________________
tituição de um sujeito que governa e dirige a si, isto é, cuida de si,
________________________
ocupa-se de si. (LUNARDI et al, 2000, p. 127)
________________________
________________________
________________________
Para constituir-se como sujeito, entende-se como necessário um olhar para si,
________________________
auto-refletir, cuidar de si. O cuidado compreendido como existência, como o próprio
________________________
Ser do ser humano. E, como Heidegger aponta, este ser se configura nos modos como
________________________
está presente no mundo, numa reconstrução constante de si mesmo e desse mundo.
________________________
Isto é, nas suas ações e interações, o sujeito vai se constituindo.
________________________
________________________ Este cuidar de si é apontado por Foucault (1987 apud LUNARDI et al, 2000) como
o reconhecimento dos seus deveres e limites nas diferentes relações que estabelece
com os outros, relacionando este cuidar também ao cuidado do outro, bem como ao 51
processo de saúde.

saúde e qualidade de vida


Desta forma, considera-se que o cuidar envolve uma interatividade, uma rela-
ção entre eu consigo mesmo (“eu-eu”) ou eu com o Outro (“eu-Outro”), o que em geral
desencadeia uma reação, dentro de um determinado contexto, ou seja, a partir de
uma sociedade, dos aspectos histórico-políticos-econômicos-culturais que a compõe.

Fonte: http://www.sxc.hu ________________________


________________________
________________________
Então, podemos afirmar que a qualidade das relações interpessoais depende
________________________
do saber cuidar de si. Afinal, para o desenvolvimento de aptidões para relacionar-se
________________________
de forma mais eficiente com as outras pessoas ou com grupos de pessoas, deve-se
________________________
relacionar bem consigo mesmo, se conhecer (MINUCCI, 2001).
________________________
Ao pensar o cuidado como construção ontológica no sujeito (sobre o sentido ________________________
da existência), que só existe a partir das relações sociais, pode-se afirmar que o cuidar ________________________
só existe a partir da legitimação do cuidador pelo ser cuidado, e vice-versa. E isso irá ________________________
influenciar as práticas de saúde de uma forma geral. ________________________
________________________
Por isso, a importância do cuidar de si refere-se àqueles que desempenharão ________________________
suas atividades profissionais como cuidadores, mas também àquelas outras profissões ________________________
com diferentes finalidades. Afinal, vale a pena lembrar que o cuidar faz parte do nosso ________________________
cotidiano e que é cada vez mais comum a exigência no mercado de trabalho pessoas ________________________
que saibam se relacionar bem. ________________________
________________________
________________________
Síntese ________________________
________________________
Nesta aula vimos qual o emprego que damos ao cuidar/cuidado e como o pesar ________________________
no cuidado como constituição de existência do sujeito implica o estabelecimento da ________________________
relação com o Outro, sejam outros seres ou objetos. E isso está atrelado à qualidade ________________________
das nossas relações, bem como influenciam na nossa saúde e qualidade de vida. ________________________
52

saúde e qualidade de vida


questão para Reflexão
Em quais os contextos você se percebe como cuidador/ser cuidado e o que isso
implica para a sua construção como sujeito?

Leituras indicadas

AYRES, J. R. C. M. O cuidado, os modos de ser (do) humano e as práticas de saúde. In: Saúde e Sociedade,
v.13, n.3, p.16-29, set.-dez. 2004.

Referências

GASPERI, P. De; RADUNZ, V. Cuidar de si: essencial para enfermeiros. In: Rev. Min. Enferm., v.10, n.1, Belo
Horizonte, Jan. 2006.

LUNARDI, V. L.; MALHEIRO, A. D.; CAURIO, D. P.; LUNARDI FILHO, W. D.; CHAPLIN, M. J. Problemas no coti-
________________________
diano do trabalho e sua relação com o cuidado de si e o cuidado do outro. In: Rev. Gaúcha Enferm. Porto
________________________
Alegre, v.21, n.2, p.125-140, jul. 2000.
________________________
________________________ MINICUCCI, A. Relações Humanas: psicologia das relações interpessoais. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2001.
________________________
________________________ WALDOW, V. R. O cuidado na Saúde: as relações entre o eu, o outro e o cosmos. 2. ed. Petrópolis: Vozes,
________________________ 2004.
________________________
________________________
________________________
________________________ ______. Definições de cuidar e assistir: uma mera questão semântica? Rev. Gaúcha Enferm., Porto

________________________ Alegre, v.19, n1, p.20-32, jan. 1998. Disponível em: http://www.seer.ufrgs.br/index.php/RevistaGauchade-
Enfermagem/article/viewFile/4170/2208. Acesso em: jan./09.
________________________
________________________
________________________
________________________
________________________
________________________
________________________
________________________
________________________
________________________
________________________
________________________
________________________
AULA 05 - atuação em equipes interdis- 53
ciplinares

saúde e qualidade de vida


Autora: Leila Tibiriçá

“O trabalho interdisciplinar, tão discutido nos dias de hoje, não


remete às disciplinas constituídas que, aliás, não estão dispostas
a deixar seus princípios fluírem. Para se fazer alguma coisa inter-
disciplinar não basta escolher um objeto (tema) e reunir em torno
dele duas ou três áreas de conhecimento. Interdisciplinariedade
consiste em criar um novo objeto que não pertença a ninguém.”

[Barthes, 1984]

Olá!

Nesta aula daremos continuidade à discussão sobre a qualidade das relações


interpessoais. Assim, após reconhecermos a importância de cuidar de si para cuidar do
Outro, o que impacta nas relações que estabelecemos no nosso cotidiano, partimos
para uma maior compreensão das características referentes a estas relações no âmbito
profissional. Com isso, pretendemos apresentar quais os aspectos relevantes para o
desenvolvimento adequado de um trabalho em equipe interdisciplinar, bem como a
importância deste na sociedade contemporânea.
________________________
________________________
________________________
Equipe e as relações profissionais ________________________
________________________
Ao longo das aulas anteriores foi apresentado o quanto o aspecto social é im- ________________________
portante para a constituição do nosso estado de bem-estar, ou seja, para a nossa saú- ________________________
de e qualidade de vida, juntamente com os outros aspectos biológicos e psíquicos. ________________________
________________________
Este aspecto social refere-se às nossas relações com os diversos Outros que ________________________
temos em nossas vidas. Estes Outros podem ser nossos familiares, amigos, vizinhos, ________________________
como também o bairro que moramos, a cidade....além dos nossos colegas de traba- ________________________
lho. ________________________
Assim, foi visto ainda que a partir destes Outros nos constituimos como sujeitos ________________________
e como é importante cuidarmos deles, como uma forma também de cuidar de si. Por ________________________
isso, se faz necessário pensarmos em diferentes aspectos que constituem as nossas ________________________
relações no mundo do trabalho, a fim de pensarmos no impacto que isso nos propor- ________________________
ciona. ________________________
________________________
Este impacto das relações profissionais está atrelada ao impacto do trabalho ________________________
na saúde e qualidade de vida dos sujeitos, que será melhor descrito na aula 07. Entre- ________________________
tanto, compete pensarmos aqui, um pouco mais sobre a importância da equipe como ________________________
forma de interação entre diferentes profissionais na busca da realização de uma tarefa ________________________
comum. E isso se faz necessário já que a sociedade contemporânea exige cada vez ________________________
mais o trabalho em equipes. ________________________
54 De acordo com o novo paradigma científico, ao passarmos a enxergar a reali-
dade como complexa, faz-se necessário o estabelecimento de relações de diferentes

saúde e qualidade de vida


saberes e fazeres para a compreensão desta. Porém, sabemos que nem sempre é fácil
lidarmos com o diferente, com uma outra forma de ver o mundo, de explicá-lo ou até
de se expressar.

Devemos pensar assim que quando falamos em equipe de trabalho pressupõe


formas diferentes de ser, de sentir, pensar e agir no mundo, que devem coexistir de
forma respeitosa para o cumprimento de um objetivo em comum.

Além disso, em cada contato com as demais pessoas que compõem a equipe,
em cada passo para a realização deste objetivo, pressupõe consequências para cada
sujeito envolvido. E isso pode aguçar ainda mais algumas diferenças entre as percep-
ções de mundo destes profissionais.

Sabe-se ainda que são muitas as possibilidades de funcionamento de equipes


no mundo do trabalho. Por isso vale à pena conceituarmos algumas destas composi-
ções para identificarmos melhor como se dá a comunicação e estas relações entre os
sujeitos envolvidos numa dada situação.

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________________________ Fonte: http://www.freedigitalphotos.net

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________________________ O QUE É INTERDISCIPLINARIDADE?
________________________
________________________ A interdisciplinaridade é parte de um movimento que busca a superação da
________________________ disciplinaridade, ou seja, da organização do conhecimento em disciplinas. Vale pensar
________________________ que cada disciplina tem um objeto de estudo bem delimitado, produzindo teorias a
________________________ partir da aplicação de métodos e pressupostos específicos.
________________________
Falar de interdisciplinaridade remete a pensarmos nos novos modelos que a
________________________
ciência vem assumindo, como nós discutimos anteriormente. Afinal, deixamos de re-
________________________
conhecer que só existe uma explicação para uma determinada situação, ou uma única
causa que influencia no seu estado de saúde, para passarmos a reconhecer que a é 55
composta por múltiplos aspectos.

saúde e qualidade de vida


Ao pensarmos que a saúde é uma realidade complexa, composta por aspectos
bio-psicossocias, necessitamos de uma pluralidade de olhares, da articulação de diver-
sas referências para a construção do conhecimento sobre esta realidade. Com isso, é
importante que tenhamos um olhar para o ser humano de uma forma mais abrangen-
te, mas que também sejam consideradas as diversas partes que compõem este todo.

Entretanto, com a mudança de um pensamento cartesiano para encarar a rea-


lidade como complexa, implica numa compreensão das coisas como num constante
devir. Isto é, como um processo de constante construção-desconstrução e reconstru-
ção, em que as verdades são tidas como relativas e questionáveis.

Mas, além de um conceito, interdisciplinaridade se constitui como um movi-


mento e uma prática. Isso pressupõe uma nova forma de ver o mundo e produzir co-
nhecimentos sobre ele, bem como uma nova forma de pensar e agir. Como segue a
afirmação:

Interdisciplinaridade se realiza como uma forma de ver e sentir o


mundo. De estar no mundo. Se formos capazes de perceber, de en-
tender as múltiplas implicações que se realizam, ao analisar um
________________________
acontecimento, um aspecto da natureza, isto é, o fenômeno dimen-
são social, natural ou cultural... somos capazes de ver e entender o ________________________
mundo de forma holística, em sua rede infinita de relações, em sua ________________________
complexidade. (Fundação Darcy Ribeiro) ________________________
________________________
________________________
Podemos considerar a formação de uma equipe interdisciplinar como uma ________________________
dentre estas múltiplas possibilidades de relações entre saberes e fazeres realizadas ________________________
pelos diferentes profissionais envolvidos. ________________________
________________________
No nosso cotidiano ouvimos falar bastante sobre a interdisciplinaridade, porém ________________________
na maioria das vezes empregamos essa nomeclatura de forma não correspondente ao ________________________
que seria equipe interdisciplinar. ________________________
Santomé (1998) afirma que a interdisciplinaridade “não é apenas uma proposta ________________________
teórica, mas, sobretudo uma prática” na busca de uma compreensão da realidade não ________________________
fragmentada, não-linear. Isto é na compreensão do objeto complexo como composto ________________________
por múltiplos aspectos, plural e emergente, em constante construção. ________________________
________________________
Nesta nova forma de estar no mundo, a equipe interdisciplinar funciona através ________________________
da cooperação entre os profissionais envolvidos. Isso porque falar em interdisciplina- ________________________
ridade pressupõe a construção de um espaço comum entre os saberes/fazeres. Com ________________________
essa reciprocidade, há um enriquecimento mútuo para as disciplinas, transformando ________________________
os seus métodos, conceitos... ________________________
________________________
Claro, que quando falamos de relações entre disciplinas ou de saberes ou faze-
________________________
res, engloba-se ai a relação entre os profissionais. Como alerta Almeida Filho (1997),
56 são estes que estabelecem ou não esta prática.

A partir da figura a seguir, podemos pensar sobre as características da interdis-

saúde e qualidade de vida


ciplinaridade. Ou seja, constitui-se como uma construção comum a partir da relação
de disciplinas conexas, na qual uma destas disciplinas assume um nível hierárquico
superior a partir da proximidade com a temática num dado momento.

Figura 1. Interdisciplinar (ALMEIDA FILHO, 1997: 13)

Esta disciplina atua como integradora e facilitadora do diálogo entre as outras


disciplinas, coordenando o campo interdisciplinar (ALMEIDA FILHO, 1997). Porém, de-
________________________ pendendo da temática as outras disciplinas envolvidas também podem assumir esta
________________________ posição hierárquica superior.
________________________
________________________ Dessa forma, pode-se constatar que na equipe interdisciplinar há uma tendên-
________________________ cia a horizontalização das relações de poder entre os saberes. Entretanto, as disciplinas
________________________ não se correlacionam sozinhas, dependem de quem as representa... Faz-se importante
________________________ pensar mais uma vez que para que ocorra essa articulação depende da postura dos
________________________ profissionais envolvidos.
________________________ Mas como isso se configura no mundo do trabalho? Vamos ver!
________________________
________________________
________________________
________________________ RELAÇÃO INTERDISCIPLINAR NO MUNDO DO TRABALHO
________________________
________________________ Para um diálogo constante em prol da construção de um campo comum, faz-
________________________ se necessário que os profissionais saibam agir de forma flexível, com uma postura de
________________________ abertura para lidar com o novo, com o inesperado. Isto é, exige um repertório para
________________________ lidar com as possibilidades de mudanças constantes e com a imprevisibilidade, segun-
________________________ do Santomé (1998).
________________________
Também é necessário um agir solidário, pensando na tomada de decisões de
________________________
forma democrática, além de um pensar criticamente. Vale ressaltar que a crítica é no
________________________
sentido de suscitar reflexões, de propiciar estas mudanças na forma de ver, sentir e
________________________
agir.
________________________
________________________ A interdisciplinaridade supõe uma abertura de pensamento, uma curiosidade
para buscar além de si mesmo ou para além do que as coisas costumam ser explica-
das. 57
Com isso, a interdisciplinaridade difere-se das relações de uma equipe multidis-

saúde e qualidade de vida


ciplinar, por exemplo. Afinal, nesta configuração as disciplinas tratam de um assunto
de forma simultânea, sem que os profissionais envolvidos estabeleçam relações efe-
tivas, seja no campo técnico ou científico.

Atualmente muito se fala sobre interdisciplinaridade, atuação em equipes no


mundo do trabalho, bem como sobre a importância de pensarmos na qualidade das
nossas relações... Aliás, no mercado de trabalho ressalta-se a necessidade do desenvol-
vimento de habilidades sociais para garantir o reconhecimento profissional, além do
conhecimento técnico e específico.

Desta forma, podemos pensar que para garantir o seu espaço no mercado de
trabalho, independente da área que você venha a atuar, é importante que você conhe-
ça seus limites e suas possibilidades como sujeito, bem como saiba se relacionar com
as outras pessoas.

A equipe interdisciplinar pode ser composta por profissionais de uma mesma


área de atuação, como por pessoas com formações diferenciadas. E embora a maior
parte da bibliografia dê exemplos desta articulação na área da saúde, não se restringe
a esta.

Desta forma, falar em interdisciplinaridade é algo que perpassa qualquer am-


biente de trabalho. Porém um trabalho numa equipe inter não é algo simples! ________________________
________________________
Vamos pensar, por exemplo, que cada profissão tem um código de ética especí-
________________________
fico, além dos valores de cada profissional. Assim, numa dada situação deve haver uma
________________________
construção que envolva todos estes valores, pensando no bem-estar dos profissionais
________________________
envolvidos, bem como dos clientes e da instituição que estes se encontram.
________________________
Falar de relação interdisciplinar no mundo do trabalho pressupõe o respeito às ________________________
diferenças, a partir da compreensão que estas se complementam. ________________________
________________________
Assim, além de uma construção técnica e científica, a relação inter modifica ________________________
a existência de todos os indivíduos implicados numa dada situação. E este impacto ________________________
refere-se tanto ao âmbito profissional, como ao pessoal. ________________________
A qualidade das relações no trabalho implica numa qualidade do desenvolvi- ________________________
mento deste. Para isso, dentro de uma equipe inter faz-se imprescindível o estabeleci- ________________________
mento de uma comunicação eficaz. ________________________
________________________
________________________
________________________
COMUNICAÇÃO NO MUNDO DO TRABALHO ________________________
________________________
No ambiente profissional, o primeiro item para o estabelecimento de bons re- ________________________
lacionamentos é a comunicação eficaz. Temos que saber expressar as nossas ideias ________________________
com clareza e nos esforçarmos para que compreendamos o que os colegas nos têm a ________________________
dizer. ________________________
________________________
Isso significa que compete a cada profissional na equipe saber qual o seu pa-
58 pel. Estar ciente do seu espaço para poder mostrar a sua competência sem invadir o
espaço do outro.

saúde e qualidade de vida

Fonte: http://www.freedigitalphotos.net

Com isso, cada um garante a confiança do grupo no seu trabalho e aceitar a


colaboração dos demais, entendendo que cada componente possui um “saber-fazer”
fundamental para a construção do todo.

________________________ Para tal, é importante que os profissionais envolvidos ultrapassem os termos


________________________ técnicos dos saberes e fazeres que representam e estabeleçam uma linguagem em
________________________ comum.
________________________
A partir disso, de fato deve ocorrer uma troca de conhecimentos para um en-
________________________
riquecimento mútuo. Além disso, o agir democraticamente só será possível através
________________________
desta troca com os profissionais envolvidos.
________________________
________________________ Esta troca deve manter ainda a transparência dos fazeres para que todos sai-
________________________ bam o que estão desenvolvendo e a importância de cada tarefa ao longo do processo.
________________________ Evita-se assim o retrabalho e a competição das pessoas envolvidas.
________________________
________________________ Sendo assim, quando não há um bom entendimento de que todos devem se

________________________ articular para a construção de um algo comum, corre-se o risco dessa construção pen-

________________________ der para algum das disciplinas que a constituiu. Como também há o risco de que um

________________________ dos profissionais direcione para si esta construção, estabelecendo uma coordenação

________________________ que não facilita a construção coletiva e democrática.

________________________ Outro risco refere-se à postura de não abertura, ou seja, que um ou alguns pro-
________________________ fissionais se fechem nesta articulação da equipe e com isso, não há construção comum
________________________ nem um enriquecimento mútuo.
________________________
________________________ Devemos considerar ainda outros aspectos que podem proporcionar estes ru-
________________________ ídos na comunicação, tais como: expectativas diferenciadas, valorização de algumas
________________________ ações e descréditos de outras para alguns dos profissionais, como também por ques-
________________________ tões de competição em busca de um maior destaque na equipe.
________________________ Vimos que muitos são os desafios da interdisciplinaridade e todos eles têm uma
relação sobre o desenvolvimento da comunicação dentro da equipe. Eles podem ser
resumidos em dois grandes blocos: da descaracterização e do risco de perder o caráter 59
interdisciplinar.

saúde e qualidade de vida


Nesse sentido, Rios (2001, p.133) afirma que para um trabalho em equipe inter-
disciplinar faz-se necessário “distinguir para unir”. Devemos conhecer muito bem a nós
mesmos, ou a disciplina que representamos para estarmos dispostos a construir algo
em conjunto com outras pessoas. E tudo isso só é possível a partir de bons diálogos!

Assim, ao pensarmos na qualidade das nossas relações interdisciplinares, iremos


refletir nas próximas aulas sobre o planejamento da saúde e da qualidade de vida.

Síntese
Nesta aula vimos alguns dos aspectos que estão atrelados ao mundo do tra-
balho e qual o impacto que isso gere a saúde do trabalhador. Além disso, enfocamos
no estabelecimento de um trabalho em equipe interdisciplinar que ilustra a constru-
ção de um objeto comum, através do enriquecimento mútuo de todos os envolvidos,
tendo como base uma preocupação com a comunicação entre os profissionais que
compõe esta equipe.

questão para Reflexão ________________________


________________________
Como você trabalha em equipe? Pode considerar este trabalho como sendo ________________________
interdisciplinar? Por quê? ________________________
________________________
________________________
Leituras indicadas ________________________
________________________
ALMEIDA FILHO, N. Transdisciplinaridade e Saúde Coletiva. Ciência e saúde coletiva, ________________________
2 (1/2), 5-20, 1997. ________________________
________________________
________________________
Referências ________________________
________________________
________________________
ALMEIDA FILHO, N. Transdisciplinaridade e Saúde Coletiva. Ciência e Saúde Coletiva, 2 (1/2), 5-20, 1997;
________________________
________________________
FAZENDA, I. C. A. Interdisciplinaridade: história, teoria e prática. São Paulo: Papirus, 2001;
________________________
________________________
FIGUEIREDO, L. C. M. Revistando as psicologias: da Epistemologia à Ética das práticas e discursos psicoló-
gicos. 3ª ed.rev. ampl. Petrópolis: Vozes, 2004;
________________________
________________________
JAPIASSU, H. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de janeiro: Imago, 1975; ________________________
________________________
RIOS, T. A. Ética e interdisciplinaridade. In: FAZENDA, I. A pesquisa em educação e as transformações do ________________________
conhecimento. 3ª ed. São Paulo: Papirus, 2001, p.121-136; ________________________
60 SANTOMÉ, J. T. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. Porto Alegre: Artmed, 1998;

saúde e qualidade de vida


VASQUEZ, A. S. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasil., 1982.

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AULA 06 - As políticas públicas em saúde 61

saúde e qualidade de vida


Autora: Leila Tibiriçá e Ticiana Hupsel

Olá!

Esta aula dá início ao conteúdo sobre planejamento da saúde e da qualidade


de vida. Para tal, faz-se necessário compreender como vêm se configurando as polí-
ticas públicas em saúde no Brasil. A partir da constatação das transformações ocorri-
das, apresentaremos o que é o Sistema Único de Saúde (SUS), possibilitando que você
identifique ações do SUS no seu cotidiano, bem como perceba a importância de cada
cidadão na prevenção e promoção da saúde.

A saúde no Brasil

No Brasil, a saúde sempre constituiu um dos maiores problemas sociais nacio-


nais, refletindo grande descaso com a maioria da população carente. Muitas pessoas
pensam que sempre foi assim e que sempre será, que não há jeito, que o importante
mesmo é ter condições financeiras para pagar um plano de saúde e não depender do
Sistema Único de Saúde (SUS). Mas não é bem assim... ________________________
________________________
A saúde já sofreu grandes e importantes avanços. Hoje em dia, é difícil cogitar a ________________________
saúde sem ser um direito do cidadão, porém antigamente ela não era concebida desta ________________________
forma. A saúde enquanto direito não fazia parte, por exemplo, da Declaração dos Direi- ________________________
tos do Homem e do Cidadão, marco histórico da Revolução Francesa! ________________________
Até a década de 80, no Brasil, o acesso à saúde era dividido em três categorias: ________________________
os que pudessem pagar por serviços de saúde privados, os que tinham direito à saúde ________________________
pública porque contribuíam com a Previdência Social e aqueles que não tinham direi- ________________________
tos algum. Ou seja, havia a exclusão da maior parte dos cidadãos do direito à saúde. ________________________
________________________
E este fato só começou a mudar após um longo processo de embates políticos ________________________
e sociais, com pressões de movimentos sociais articulados em todo o território nacio- ________________________
nal que buscavam uma ruptura com as desigualdades sociais e uma democratização ________________________
do direito à saúde. Foi a chamada Reforma Sanitária. Mais do que uma luta setorial da ________________________
saúde, a Reforma buscava, antes de mais nada, servir à democracia e à consolidação ________________________
da cidadania no País. ________________________
________________________
Assim, na 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, diversos atores sociais
________________________
- gestores, técnicos em saúde, movimentos sociais organizados – discutiram e propu-
________________________
seram uma mudança no paradigma da saúde e no modelo de organização do sistema.
________________________
Para eles, a saúde não era mais encarada como uma questão de doença, individual e
________________________
mercadológica, e passa a ser encarada como um bem-estar biopsicossocial, um bem
________________________
coletivo e direito de todos os cidadãos.
________________________
Este movimento sanitário culminou em mudanças significativas na Constitui- ________________________
ção Brasileira de 1988. Foi a partir desta que a saúde passou a ser considerada um:
62 Direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de

saúde e qualidade de vida


outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços
para sua promoção, proteção e recuperação. (CONSTITUIÇÃO BRA-
SILEIRA, 1988)

Diante desta mudança na lei, houve grandes transformações: mudou o jeito de


pensar a saúde, de organizar os serviços e de ofertá-los à população. Foi preciso pen-
sar em políticas sociais e econômicas para organizar um serviço de saúde público que
garantisse o acesso universal à saúde a toda população, superando as desigualdades
na assistência à saúde. Foi aí que surgiu o Serviço Único de Saúde, o SUS1.

O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - SUS

O SUS é um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo. Ele foi criado
em 1990 para oferecer um atendimento igualitário e cuidar e promover a saúde de
toda a população.

Abrange ações de promoção à saúde, prevenção de doenças e assistência à


saúde, desde o simples atendimento ambulatorial até o transplante de órgãos, garan-
________________________
tindo acesso integral, universal e gratuito para todos.
________________________
________________________ Os principais princípios doutrinários do SUS são:
________________________
________________________
________________________ ‚‚ Universalidade: saúde como direito de todos através do acesso aos serviços de saúde
________________________ em todos os níveis de assistência;
________________________ ‚‚ Integralidade da assistência: todas as necessidades de saúde das pessoas devem
________________________ ser atendidas, sejam elas de promoção, prevenção ou assistência/curativo, ou seja, as
________________________ pessoas devem ser enxergadas como um todo, de modo integral;
________________________
‚‚ Equidade: todos devem ser atendidos em suas necessidades, com igualdade de opor-
________________________ tunidade, porém respeitando as diferenças entre as pessoas;
________________________
________________________ ‚‚ Descentralização: atenção à saúde nas três esferas de governo (federal, estadual e
municipal), sendo que cada uma tem atribuições próprias, mas pactuadas entre si. Vale
________________________
destacar que o município vem assumindo cada vez mais a responsabilidade na presta-
________________________
ção e gerenciamento dos serviços;
________________________
________________________ ‚‚ Regionalização e hierarquização: os serviços são organizados em três níveis de com-
plexidade: a atenção primária, secundária e terciária, sendo que a primeira deve ser ofer-
________________________
tada diretamente a toda a população, respeitando as características de saúde de cada
________________________
área de abrangência. Os outros níveis de atenção devem ser procurados apenas quando
________________________ necessário;
________________________
‚‚ Participação da comunidade: busca-se a participação da sociedade para a melhoria
________________________
dos serviços de saúde através do controle social (controle exercido pela sociedade sobre
________________________
________________________ 1 As leis nº. 8080/90 e 8142/90 regulamentam a base de funcionamento do SUS, os serviços ofertados e a participação da sociedade. A partir
daí, várias outras leis vieram para aprimorar o SUS.
o governo), que pode se dar através da participação nas conferências de saúde, conse- 63
lhos de saúde e Ouvidoria.

saúde e qualidade de vida


Você sabe?

Conferências de Saúde são espaços destinados a analisar os avanços e retrocessos do SUS


e a propor diretrizes para a formulação de políticas públicas. Os participantes são gestores,
profissionais e usuários do SUS. Ocorrem a cada quatro anos e as conferências municipais e
estaduais antecedem as nacionais.

Já os Conselhos de Saúde são órgãos permanentes e deliberativos que reúnem


representantes do governo e prestadores de serviços, profissionais de saúde e usuários do
SUS. Podem ser nacionais, estaduais, municipais e, ainda, em cada distrito de saúde.

E a Ouvidoria é um canal de comunicação entre o SUS e os cidadãos para fazer reclamações,


obter informações, fazer denúncias, sugestões e elogios. Existe a Ouvidoria Geral do SUS
(tel: 0800 61 1997), a Ouvidoria Geral do Estado da Bahia (tel: 0800 284 00 1) e a Ouvidoria
da Secretaria Municipal de Saúde de Salvador: 160.

Para que tudo isso ocorra, é preciso que todas as instâncias de governo (federal, ________________________
estadual e municipal) se articulem para a gestão e o cuidado à saúde através de ações ________________________
e programas. O Ministério da Saúde do Governo Federal normalmente cria programas ________________________
de atenção à saúde que são seguidas e respeitadas pelos estados e municípios, mas ________________________
também adaptadas à realidade local de cada cidade. Vale destacar que estes progra- ________________________
mas não são permanentes, ou seja, dependem da gestão governamental, nas três ins- ________________________
tâncias, bem como das necessidades locais. ________________________
________________________
Os programas são ações de saúde planejadas especificamente para um tipo de
________________________
público ou uma enfermidade/doença, visando ofertar os serviços necessários tanto
________________________
para a cura quanto para a prevenção das doenças, trazendo a saúde para perto do
________________________
cidadão. Atualmente, no Ministério da Saúde, os principais programas e ações são:
________________________
SAMU 192 (prestar socorro em casos de urgência), Farmácia Popular do Brasil (ampliar
________________________
o acesso aos medicamentos essenciais), Combate à Dengue, Brasil Sorridente (melho-
________________________
rar as condições da saúde bucal dos brasileiros), Controle do Tabagismo, Viva Mulher
________________________
(controle do câncer do colo do útero e de mama), Doação de Órgãos, HumanizaSUS
________________________
(implantar práticas de humanização e troca solidária entre gestores, profissionais e
________________________
usuários da saúde), entre outros.
________________________
Já entre os programas oferecidos atualmente pela Secretaria de Saúde do Es- ________________________
tado da Bahia (SESAB) estão: humanização do pré-natal e nascimento; assistência in- ________________________
tegral à saúde da mulher; atenção integral à saúde da criança; saúde do adolescente; ________________________
saúde bucal; prevenção e assistência ao deficiente; saúde mental; idoso; hipertensão ________________________
arterial; diabetes mellitus e prevenção do abuso de substâncias psicoativas. ________________________
________________________
As ações e programas são realizados nas unidades básicas de saúde (UBS), Pro-
________________________
grama Saúde da Família (PSF), CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), centros ambu-
64 latoriais e hospitais.

Para melhor utilizarmos estes equipamentos de saúde é necessário entender-

saúde e qualidade de vida


mos a diferença entre eles. A atenção básica de saúde é a porta de entrada da po-
pulação aos cuidados em saúde e constitui-se em um conjunto de ações de saúde,
no âmbito individual e coletivo, que abrangem a promoção e a proteção da saúde, a
prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da
saúde. Sua principal estratégia é o Programa de Saúde da Família (PSF).

O PSF tem como objetivo atuar na promoção e manutenção da saúde das pesso-
as, bem como na prevenção de doenças, alterando, assim, o modelo de saúde centrado
em hospitais. Para isso, cada equipe de profissionais é responsável pelo acompanha-
mento de um número definido de famílias localizadas em uma área geográfica espe-
cífica através não apenas de consultas, mas também de visitas domiciliares, grupos e
palestras educativas e programas de controle e assistência voltados para as principais
enfermidades. As equipes básicas são formadas por médico, enfermeiro, técnico de
enfermagem e agentes comunitários de saúde, e as ampliadas incluem a equipe de
saúde bucal, ou seja, dentista e auxiliar de consultório dentário.

Desde 2008, o Ministério da Saúde implantou os Núcleos de Apoio à Saúde da


Família (NASFs) que são grupos de profissionais de diversas categorias (assistente so-
cial, educador físico, farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, psicó-
logo e terapeuta ocupacional, além de médicos acupunturista, psiquiatra, pediatra,
________________________ homeopata e ginecologista) que vêm apoiar as equipes de saúde da família no intuito
________________________ de ampliar as ações e dar maior resolutividade da atenção à saúde na atenção básica.
________________________ Esta nova estratégia vem ratificar o conceito ampliado de saúde como bem-estar biop-
________________________ sicossocial, enxergando a saúde como multifatorial, a despeito da noção mecanicista
________________________ e meramente biológica.
________________________
Nesta lógica, retoma e amplia-se o conceito antigo de médico da família, aquele
________________________
que sabe, de modo ampliado, o que acontece aos membros daquela família, não ape-
________________________
nas individualmente, mas nas relações interpessoais e condições sociais, que – já se
________________________
sabe – afeta a condição de saúde daquelas pessoas. Assim, é um programa que reflete
________________________
a mudança do conceito de saúde e o modo de lidar com ela. O intuito é a ampliação
________________________
destes programas em todo o Brasil, substituindo as unidades básicas de saúde tradi-
________________________
cionais.
________________________
________________________ Já os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) também surgiram como mudança
________________________ do conceito de saúde e, assim, da reforma e reorganização do sistema. Estes centros
________________________ são dispositivos de atenção à saúde mental e visam prestar assistência aos indivíduos
________________________ com transtornos mentais graves de modo humano, buscando sua reinserção social e
________________________ fortalecimento familiar e comunitário.
________________________
Os CAPS surgiram após a Reforma Psiquiátrica Brasileira, iniciada na década de
________________________
70, que criticou o modelo centrado no hospital psiquiátrico para o tratamento destes
________________________
pacientes, que os excluíam da sociedade, e lutou pelos seus direitos. A partir desta
________________________
Reforma, foi realizada a organização de uma rede integrada de atenção à saúde men-
________________________
tal substitutiva ao Hospital Psiquiátrico no país, que incluem os CAPS, as Residências
________________________
Terapêuticas, o “Programa de Volta para Casa”, entre outros. Vale lembrar que atenção
________________________
à saúde mental não envolve apenas assistência àquelas doenças mentais psiquiátricas
estigmatizadas pela sociedade como “loucura” – as esquizofrenias, por exemplo -, mas 65
inclui também os casos de depressão e de uso e abuso de álcool e drogas, tão crescen-

saúde e qualidade de vida


tes no país.

Além dos programas realizados nestes centros de saúde, há as campanhas na-


cionais, como as de vacinação contra algumas doenças buscando a prevenção e o con-
trole das mesmas e as campanhas que visam à conscientização da população na busca
da erradicação ou mesmo da prevenção de doenças.

Um exemplo claro é a tão conhecida dengue, doença a qual tentamos erradicar


no país há tanto tempo e depende não apenas das ações do Ministério da Saúde como
de toda a população. Para isso, existem as campanhas de educação para prevenção
da proliferação do mosquito transmissor em todo o país, uma vez que ainda não há
vacinas para imunização dos indivíduos, atualmente em teste. Ações isoladas do Mi-
nistério da Saúde não são suficientes para o combate da doença.

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Fonte: http://www.freedigitalphotos.net
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Políticas públicas em Saúde ________________________
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Dessa forma, compreende-se que políticas públicas em saúde dependem não ________________________
só de ações do Estado, mas da articulação deste com a comunidade. Como afirmam ________________________
Belluzzo e Victorino (2004), as políticas públicas são definidas como ações do Estado ________________________
em sua interação com os movimentos do público e voltadas para o atendimento de ________________________
necessidades de um coletivo. Elas podem ser consideradas então, como produtos da ________________________
democratização, já que a comunidade, juntamente com os representantes do Estado, ________________________
participa de todo o processo decisório. ________________________
________________________
Essa noção de beneficiário para cidadão, como participante ativo da constru-
________________________
ção das ações públicas, emerge também a partir de grandes mudanças na legislação
66 brasileira. Ou seja, todos nós, como cidadãos, somos responsáveis pelas políticas pú-
blicas em saúde no Brasil.

saúde e qualidade de vida

________________________ Fonte: http://www.freedigitalphotos.net

________________________
________________________
Como exemplo disso, podemos pensar nas campanhas que atuam antes do sur-
________________________
gimento das doenças visando à prevenção das mesmas e à promoção da saúde, como
________________________
a campanha de conscientização quanto ao descarte do lixo, que direta ou indireta-
________________________
mente afetam as condições de saúde da população.
________________________
________________________ Não adianta o Estado, nos seus três âmbitos, elaborar campanhas, realizar ações
________________________ sem a população aderir e modificar os seus hábitos. E se quisermos ignorar este fato,
________________________ estamos sendo irresponsáveis com a nossa própria saúde, bem como a das pessoas
________________________ que nós amamos, convivemos e com a sociedade como um todo.
________________________
Assim sendo, ao contrário do que muitos pensam, toda a população está di-
________________________
reta ou indiretamente envolvida com a saúde pública! Mesmo não sendo usuário
________________________
direto dos serviços de assistência ofertados pelo SUS, como o caso de uma parcela
________________________
da população que tem planos privados de saúde, todo cidadão se beneficia e implica
________________________
diretamente nas ações deste sistema público. Há uma relação recíproca e interdepen-
________________________
dente entre o SUS e a sociedade!
________________________
________________________ Como um exemplo dessa relação existe a Vigilância Epidemiológica que tem
________________________ como intuito prevenir e controlar doenças e agravos, conceituada pela Lei Orgânica
________________________ da Saúde (Lei 8.080/90) como:
________________________
________________________
________________________
________________________ [...] o conjunto de atividades que permite reunir a informação indis-
pensável para conhecer, a qualquer momento, o comportamento
ou história natural das doenças, bem como detectar ou prever al- 67
terações de seus fatores condicionantes, com o fim de recomendar

saúde e qualidade de vida


oportunamente, sobre bases firmes, as medidas indicadas e eficien-
tes que levem à prevenção e ao controle de determinadas doenças.

(Lei 8.080/90)

Vamos pensar, por exemplo, que em 2009, houve uma epidemia do vírus H1N1
no mundo, mais conhecido como gripe suína, não foi? E então o Ministério da Saúde
detectou e acompanhou a incidência de casos no Brasil, ao mesmo tempo em que pro-
videnciou a produção e disponibilização de vacinas contra esta gripe gratuitamente
para a população. É uma ação do SUS! É a Vigilância Epidemiológica atuando!

Além dessas ações, você sabia que o SUS também tem a responsabilidade de
impedir que a saúde dos cidadãos seja exposta a riscos, ou, quando já ocorrido, tem a
obrigação de intervir em busca da eliminação e/ou diminuição destes riscos à saúde?
É o que chamamos de Vigilância Sanitária. E, para isso, ela atua no controle dos portos
e fronteiras, no controle de bens de consumo (na fiscalização da produção, circulação
e armazenamento de mercadorias e alimentos até ser consumido pelo indivíduo), e
até mesmo no controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indireta-
mente com a saúde.
________________________
Para clarear, um exemplo: o SUS fiscaliza todos os supermercados, bares e res-
________________________
taurantes, tanto privados quanto públicos, para verificar se estão seguindo critérios
________________________
rigorosos de qualidade para não expor o consumidor a qualquer risco à sua saúde. E o
________________________
mesmo ocorre com as clínicas de saúde e estética.
________________________
Ou seja, você, assim como qualquer cidadão brasileiro, está diariamente sendo ________________________
influenciado pelas ações do Sistema Único de Saúde, mesmo sem se dar conta disso. E ________________________
isto, antes da criação do SUS não era possível. ________________________
________________________
Assim, percebe-se que, nos últimos 20 anos, a saúde avançou muito no Brasil. ________________________
Mesmo com algumas dificuldades que ainda existem no acesso aos serviços, o direito ________________________
à saúde agora é para todos. ________________________
Porém, sabemos que os avanços precisam continuar, seja com o aumento da ________________________
população atendida, com uma maior facilidade de acesso aos serviços de saúde, com ________________________
o aumento da oferta de serviços e profissionais, mas também com uma maior partici- ________________________
pação de toda a sociedade. ________________________
________________________
É importante que nós, como cidadãos e usuários do SUS tomemos conheci- ________________________
mento e façamos uso dos serviços corretamente, além de participarmos das campa- ________________________
nhas de prevenção e promoção à saúde, ajudando na construção do SUS através de ________________________
participação e controle social. Afinal, sugerir, denunciar, reclamar, criticar, elogiar atra- ________________________
vés das Ouvidorias em Saúde ou, ainda, definir, acompanhar a execução e fiscalizar ________________________
as ações de saúde através dos seus representantes nos Conselhos de Saúde são um ________________________
direito e dever de todo cidadão. ________________________
________________________
68

saúde e qualidade de vida


CURIOSIDADE!

Você sabia que existe uma “Carta dos direitos dos usuários da saúde”? É importante que
cada um conheça os seus direitos para poder lutar pela sua realização! Procure se informar
e divulgar, porque aí sim estará contribuindo para a construção de um SUS melhor e mais
humanizado!

Princípios da Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde:

1. Todo cidadão tem direito ao acesso ordenado e organizado aos sistemas de


saúde

2. Todo cidadão tem direito a tratamento adequado e efetivo para seu proble-
ma

3. Todo cidadão tem direito ao atendimento humanizado, acolhedor e livre de


qualquer discriminação

4. Todo cidadão tem direito a atendimento que respeite a sua pessoa, seus va-
lores e seus direitos
________________________
________________________ 5. Todo cidadão também tem responsabilidades para que seu tratamento acon-
________________________ teça da forma adequada
________________________
6. Todo cidadão tem direito ao comprometimento dos gestores da saúde para
________________________
que os princípios anteriores sejam cumpridos
________________________
________________________
________________________
________________________ Síntese
________________________
________________________ A partir desta aula podemos compreender que o Sistema Único de Saúde está

________________________ presente em nosso cotidiano e que nós somos, como cidadãos e usuários deste sis-

________________________ tema, responsáveis pela a prevenção e promoção da nossa saúde assim como a da

________________________ sociedade brasileira como um todo.

________________________
________________________
________________________ questão para Reflexão
________________________
________________________ Quais as ações do SUS presentes no seu cotidiano?
________________________
________________________
________________________
________________________ Leituras indicadas
________________________
BRASIL, Ministério da Saúde; Conselho Nacional de saúde; Comissão Intergestora
________________________
de Tripartite. Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde,
2006. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/SAUDE/area.cfm?id_area=1114. 69
Acesso em: nov/10;

saúde e qualidade de vida


Sites Indicados
www.saude.gov.br

www.portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro092.pdf

Referências

BELLUZZO, L.; VICTORINO, R. de C. A juventude nos caminhos da ação pública. São Paulo em Perspecti-
va, 18(4): 8-19, 2004;

BRASIL. Ministério da Saúde – Secretaria Nacional de Assistência à Saúde. ABC do SUS: doutrinas e princí-
pios. Brasília: Ministério da Saúde, 1990;

BRASIL, Ministério da Saúde; Conselho Nacional de saúde; Comissão Intergestora de Tripartite. Carta dos
Direitos dos Usuários da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. Disponível em: http://portal.saude.
gov.br/SAUDE/area.cfm?id_area=1114. Acesso em: jan./09; ________________________
________________________
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 1988; ________________________
________________________
LACERDA, E. et al. O SUS e controle social: guia de referência para conselheiros municipais. Brasília: Minis- ________________________
tério da Saúde, 1998. ________________________
________________________
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70

saúde e qualidade de vida

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AULA 07 - o impacto do trabalho na 71
saúde do indivíduo

saúde e qualidade de vida


Autora: Renata Mussi

“Há no trabalho, segundo a natureza da obra e a capacidade do


trabalhador, todas as gradações, desde o simples alívio do tédio às
satisfações mais profundas.”

Bertrand Russell

Olá!

Nesta aula discutiremos sobre o impacto do trabalho na saúde do indivíduo a


fim de refletirmos sobre qualidade de vida neste contexto. Para isso, iremos proble-
matizar o significado do trabalho e as exigências contemporâneas do mercado para
com os trabalhadores. Ao final deste estudo espera-se que você possa refletir sobre as
estratégias que as empresas adotam como forma de minimizar os efeitos danosos do
trabalho à saúde.

________________________
Boa leitura!
________________________
________________________
________________________
O Significado do trabalho ________________________
________________________
A etimologia da palavra trabalho, originada do latim tripalium, indica instru- ________________________
mento de tortura composto de três paus ou varas cruzadas, ao qual se prendia o réu. ________________________
Nesse sentido, a idéia de trabalho associa-se a uma situação de constrangimento, rela- ________________________
cionada a sacrifício, dor e sofrimento. ________________________
________________________
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Fonte: Clipart
72
Segundo Magalhães (2007), na antiguidade, o trabalho era tido como algo des-

saúde e qualidade de vida


valorizado, sendo considerado como uma atividade inferior. Naquela época, o ócio era
valorizado e quanto mais desocupado de trabalho fosse o homem, mais status ele pos-
suía. Com o passar do tempo e as transformações sociais, o trabalho passa a ter valor
e ganha legitimidade, sobretudo na sociedade capitalista. Nesse contexto, o trabalho
passa a ser exaltado como dever moral e sinônimo de dignidade. Sendo assim, o seu
significado modifica-se com o passar do tempo sendo influenciado pela organização
sócio-econômica e cultural de uma época.

Alguns autores defendem o caráter estruturante do trabalho para o ser o hu-


mano, outros destacam a perspectiva produtiva como fator central. Em meio a essa
discussão, Borges (1998 apud ARGOLO e ARAÚJO, 2004) defende que ao trabalho hu-
mano são atribuídos diversos significados e tal diversidade se deve, em parte, ao fato
de que a tarefa de atribuir significados é carregada de subjetividade. Nessa perspec-
tiva define:

O trabalho humano comporta uma gama de sentidos que vão do in-


dividual ao social, referindo-se a subsistência, ao sentido existencial,
à estruturação da personalidade e identidade do individuo, além de
________________________ ocupar lugar de centralidade na organização societal. (BORGES,
1998 apud ARGOLO e ARAÚJO, 2004 p. 162)
________________________
________________________
________________________
________________________ Desta forma, verifica-se que o significado do trabalho inspira uma percepção
________________________ particularizada, originada da experiência do sujeito e, ao mesmo tempo, uma percep-
________________________ ção socialmente construída. E por apresentar aspectos socialmente compartilhados,
________________________ associado às condições históricas da sociedade, o significado do trabalho passa a ser
________________________ percebido como um constructo sempre inacabado e passível de modificações cons-
________________________ tantes.
________________________
Nos dias atuais, Borges e Tamayo (2001) destacam a centralidade que o trabalho
________________________
ocupa na vida dos indivíduos. Essa centralidade é resultante da importância que estes
________________________
atribuem ao trabalho, quando comparando às outras esferas da vida: família, lazer,
________________________
religião e comunidade. Essa realidade se explicita na música Capitão de Indústria dos
________________________
Paralamas do Sucesso, cujo refrão:
________________________
________________________
Eu acordo prá trabalhar
________________________
________________________ Eu durmo prá trabalhar

________________________ Eu corro prá trabalhar


________________________
Eu não tenho tempo de ter
________________________
________________________ O tempo livre de ser
________________________
De nada ter que fazer
________________________
É quando eu me encontro perdido
73

saúde e qualidade de vida


Nas coisas que eu criei

E eu não sei

Eu não vejo além da fumaça

O amor e as coisas livres, coloridas

Nada poluídas

Ah, Eu acordo prá trabalhar

Eu durmo prá trabalhar

Eu corro prá trabalhar

Ouça em http://letras.terra.com.br/os-paralamas-do-sucesso/47931/

Conforme a mensagem transmitida pela canção referida, observa-se que o ho-


mem pós-moderno passa mais tempo trabalhando, do que vivenciando situações fora
do espaço de trabalho. A vida dentro e fora do trabalho é afetada por demandas, ex-
pectativas, desafios, realizações, alegrias e sofrimentos, vivenciados no dia a dia das or-
ganizações trabalhistas. Frente a essa realidade, o mercado de trabalho cada vez mais
demanda esforços dos trabalhadores, o que colabora ainda mais para que o trabalho
se mantenha como centro de investimento da vida.

________________________
Exigências do mercado de trabalho na contemporaneidade ________________________
________________________
O processo de globalização fomentou a competição e obrigou as empresas a ________________________
buscarem estratégias para obter potenciação da capacidade produtiva da força de ________________________
trabalho. Em um ambiente de constantes mudanças, espera-se que o trabalhador se ________________________
adapte com rapidez e seja flexível. E, para isso, este deve ter ampla capacidade de ________________________
diagnóstico, de solução de problemas, capacidade de tomar decisões, de intervir no ________________________
processo de trabalho, de trabalhar em equipe, auto-organizar-se e enfrentar situações ________________________
inusitadas. ________________________
________________________
A ordem é que se contratem trabalhadores polivalentes que sejam altamente
________________________
especializados, porém essa especialização deve contemplar uma grande variedade de
________________________
áreas - isso não parece um paradoxo? Ao mesmo tempo em que se exige especializa-
________________________
ção, espera-se que o trabalhador conheça de tudo.
________________________
Antigamente, ou você era generalista (sabia um pouco sobre tudo) ou especia- ________________________
lista (sabia muito sobre uma única área). Hoje você deve ser um “generalista especia- ________________________
lista”. Ou seja, isso lhe exige novas formas de investimento em educação e capacitação ________________________
para o trabalho. No entanto, o mercado lhe exigirá também uma postura cidadã que ________________________
contemple uma atitude socialmente responsável, com compromisso sócio-político e ________________________
com o bem-estar coletivo. ________________________
________________________
O trabalho já não pode ser pensado a partir da perspectiva de um determinado
________________________
posto, o trabalhador tem que dominar as tarefas referentes à sua especificidade, mas
________________________
também deve possuir um conjunto de competências comuns que são requeridas de
________________________
todo e qualquer trabalhador. De acordo com Deluiz (2004):
74 Este conjunto de competências amplia-se para além da dimensão
cognitiva, das competências intelectuais e técnicas (capacidade de

saúde e qualidade de vida


reconhecer e definir problemas, equacionar soluções, pensar estra-
tegicamente, introduzir modificações no processo de trabalho, atu-
ar preventivamente, transferir e generalizar conhecimentos), para
as competências organizacionais ou metódicas (capacidade de
autoplanejar-se, auto-organizar-se, estabelecer métodos próprios,
gerenciar seu tempo e espaço de trabalho), as competências comu-
nicativas (capacidade de expressão e comunicação com seu grupo,
superiores hierárquicos ou subordinados, de cooperação, trabalho
em equipe, diálogo, exercício da negociação e de comunicação in-
terpessoal), as competências sociais (capacidade de utilizar todos
os seus conhecimentos - obtidos através de fontes, meios e recursos
diferenciados - nas diversas situações encontradas no mundo do
trabalho, isto é, da capacidade de transferir conhecimentos da vida
cotidiana para o ambiente de trabalho e vice-versa) e as competên-
cias comportamentais (iniciativa, criatividade, vontade de aprender,
abertura às mudanças, consciência da qualidade e das implicações
éticas do seu trabalho, implicando no envolvimento da subjetivida-
de do indivíduo na organização do trabalho). (DELUIZ, 2004, p. 3)

________________________ Visto isso, atualmente, não adianta um excelente currículo, recheado de experi-
________________________ ências e conhecimentos técnicos, exige-se que o trabalhador tenha capacidade de se
________________________ relacionar com outras pessoas. Nesse sentido, cada vez mais os processos de seleção
________________________ privilegiam a inteligência emocional (IE) em detrimento do quoeficiente de inteligên-
________________________ cia (QI) - fator anteriormente amplamente valorizado.
________________________
Assim, as atuais demandas nos colocam diante do desafio do constante apri-
________________________
moramento pessoal e profissional. Para dar conta de atender a estas expectativas, o
________________________
indivíduo moderno se envolve em diversas tarefas, dentre as quais, a busca incessante
________________________
pela autossuperação. Diante de todas as atuais exigências ao trabalhador, verifica-se
________________________
uma sobrecarga de atribuições, que muitas vezes pode vir a se tornar prejudicial à
________________________
saúde física e psíquica do indivíduo.
________________________
________________________
________________________
________________________
________________________
________________________
________________________
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________________________
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________________________
________________________
________________________ FONTE: Clipart

________________________
O impacto do trabalho na saúde do trabalhador 75

saúde e qualidade de vida


É importante destacar que se por um lado o trabalho seja gratificante do ponto
de vista financeiro, da inclusão e status social, também proporciona desconforto físico
e mental. Assim, observa-se que a atividade laboral vincula-se tanto ao prazer quanto
ao sofrimento pessoal do trabalhador. De acordo com Dejours (1996):

O sofrimento é inevitável e ubíquo. Ele tem raízes na história singu-


lar de todo sujeito, sem exceção. Ele repercute no teatro do trabalho
ao entrar numa relação, de complexidade com a organização do
trabalho. (DEJOURS, 1996, p. 137)

Conforme Ladeira (1996), quando executado em condições insalubres ou inse-


guras, o trabalho tem efeito sobre o bem-estar do homem. Determinadas condições
físicas, químicas e biológicas presentes nos postos de trabalho, bem como a forma
como o trabalho é organizado e as condições nas quais é executado podem culminar
em desgaste para o trabalhador. O elevado número de agentes estressores presentes
no contexto de trabalho exige do trabalhador adaptação permanente.

No entanto, nem sempre o ambiente é o único responsável, deve-se lembrar


que a forma como encaramos o nosso trabalho também pode gerar danos. Paremos
para pensar... Quem não conhece um workalcoholic? ________________________
________________________
________________________
________________________
CURIOSIDADE
________________________
WORKALCOHOLIC - expressão americana derivada da palavra alcoholic que significa ________________________
alcoólatra, utilizada para caracterizar pessoas viciadas em trabalho. ________________________
________________________
________________________
Características: ________________________
‚‚ Não consegue se desligar do trabalho mesmo fora dele ________________________
________________________
‚‚ Abdica de suas relações pessoais priorizando as tarefas laborais
________________________
‚‚ As relações sociais restringem-se ao convívio com pessoas que de alguma forma ________________________
tem ligação com seu trabalho ________________________
________________________
________________________
Consequências: ________________________
‚‚ Comprometimento da qualidade de vida ________________________
________________________
‚‚ Auto cobrança exagerada que gera insônia, surtos de mal humor, impotência, atitu-
________________________
des agressivas em situações de pressão ou desconformidade com os resultados que
________________________
se esperava
________________________
‚‚ Medo de fracassar que impulsiona o viciado a buscar sempre mais e cada vez mais ________________________
forte por melhores resultados.
________________________
76
‚‚ Afastamento social - amigos e família

saúde e qualidade de vida


A tendência, como em qualquer vício é dilatar as doses do veneno. No começo o excesso
é brando com aumento diário de uma hora, duas, três, quatro, cinco... Depois de algum
tempo, o trabalho ocupa todo o seu tempo de vida, tem pessoas que utilizam mais de 11
horas do dia na execução de atividades laborais.

Fonte: Guia RH

________________________
________________________
________________________
________________________
________________________
________________________
________________________
Fonte: Clipart
________________________
________________________
________________________ Pesquisas apontam que nas últimas décadas acentuou-se significativamente o
________________________ número de pessoas viciadas em trabalho. No entanto, salienta-se que este tipo de pes-
________________________ soa sempre existiu no passado, porém, estas se prendiam à sobrevivência, necessidade
________________________ de dinheiro e à busca por status social. Atribui-se esse crescimento à alta competição,
________________________ que acaba por fomentar esta atitude.
________________________
Por tudo isso, não é a toa que constantemente ouve-se dizer que alguém teve
________________________
que se afastar das tarefas de trabalho devido a uma estafa mental ou complicações de
________________________
saúde. Veja o relato abaixo e reflita o quanto o exagero de trabalho pode impactar na
________________________
vida de um trabalhador.
________________________
________________________
________________________
________________________
________________________
________________________
________________________
João foi viajar de férias com a família para o litoral. 77
Durante onze dias, esteve com a família na praia - sol forte, bronzeador, cadeira de praia,

saúde e qualidade de vida


água de coco e, no colo, o notebook... A esposa se deu conta de que ele não estava de férias,
apenas estava trabalhando de sunga e ao ar livre. Cansada destas atitudes do marido, que
nunca estava de fato com a família, em um acesso de fúria tomou o notebook de suas mãos
e atirou no mar. Resultado: interrupção das férias e separação do casal.

Muito embora tenha se ressentido com o fim da relação, João se adaptou a situação, que
era até mais cômoda, afinal poderia trabalhar até em casa, sem reclamações constantes
dos filhos e esposa. Após quarenta dias de tranqüilidade e excelente ritmo de trabalho,
aconteceu um fato que mudou a história toda...

Era tarde da noite quando a sua esposa ligou para avisá-lo de que o filho menor não estava
nada bem. Apesar da ter ficado preocupado, pediu a ela que o levasse ao médico, pois
havia um relatório para entregar na manhã seguinte e por isso não foi ver o garoto. No dia
seguinte a esposa voltou a ligar pedindo a ele que passasse no hospital, pois o filho tinha
ficado internado e estava fazendo uma bateria de exames.

Depois de muito insistir e passados três dias de internação do filho, João teve tempo para ir
vê-lo e no leito do hospital o médico responsável pelo caso lhe informa de que o seu filho
não tinha nenhuma doença. Muito pragmático, João pergunta então ao filho o que ele
________________________
estava sentindo e a criança responde:
________________________
- Muita saudade de você, papai. É tão forte que me dói no peito. Eu me sinto fraco e triste ________________________
por estar longe de você. ________________________
________________________
________________________
Neste dia ele viu seu filho de apenas dois anos adormecer na cama de um hospital
________________________
segurando com sua pequena mão um dos seus dedos, e pode perceber que aquele
________________________
pequeno e indefeso ser já tinha dois anos e ele não percebeu, não tinha notado que estava
deixando de lado uma das razões da sua vida, talvez a mais importante. ________________________
________________________
Relato de caso adaptado.
FONTE: Violin (2003) ________________________
________________________
________________________
________________________
________________________
A partir da leitura do caso apresentado, pensemos juntos... Será que para se
________________________
ter ambição e sucesso profissional, necessariamente devemos nos afastar das demais
________________________
esferas da vida? Qual o preço disso? O salário que recebemos paga?
________________________
Existe um velho ditado popular que diz: Tudo o que é demais, sobra. Em excesso, ________________________
até o ar que respiramos pode nos fazer mal. Para se ter uma história de sucesso não dá ________________________
para focar o empenho em somente um dos aspectos da vida - neste caso, o trabalho. ________________________
Para sermos capazes de aproveitarmos o resultado do esforço laboral, há de se admi- ________________________
nistrar o tempo de forma que contemple outras esferas da vida. ________________________
________________________
Contraditoriamente a esse padrão de comportamento, os estudos sobre feli-
________________________
cidade destacam que o bem-estar é fonte primária de produtividade. Deste modo,
78 o excesso de trabalho pode, inclusive, impactar negativamente nos resultados pro-
dutivos. Considerando as pesquisas e percebendo os impactos da carga de trabalho

saúde e qualidade de vida


nos trabalhadores, com o passar do tempo, as empresas se deram conta de que havia
necessidade de cuidar da saúde do trabalhador, posto que este “recurso” humano tam-
bém sofre desgaste. Assim como os demais recursos, necessita de cuidados para que
continue a funcionar adequadamente e proporcione os resultados esperados. Nesse
contexto, surge o termo qualidade de vida no trabalho.

Qualidade de vida no trabalho

O termo qualidade de vida no trabalho refere-se à preocupação com o bem-


estar geral e a saúde dos trabalhadores no desempenho de suas tarefas. De acordo
com Fleury (2002), esta concepção foi apresentada em 1970 por Louis Davis através
de uma proposta de compreensão do desenho dos cargos. A ideia inicial se referia ao
estudo dos aspectos físicos, ambientais e psicológicos do contexto de trabalho a fim
de maior garantia de produtividade e qualidade no trabalho executado.

As organizações de trabalho perceberam que para alcançar elevados níveis de


qualidade e produtividade havia a necessidade de ter pessoas motivadas e que parti-
cipassem ativamente para o alcance das metas. Nesse sentido, atualmente, muitas or-
________________________ ganizações investem em programas de qualidade de vida no trabalho que asseguram
________________________ o bem-estar do colaborador acreditando que isso se reverterá em resultados. Dentre
________________________ os aspectos contemplados nestes programas destacam-se: satisfação com o trabalho
________________________ executado, possibilidade de futuro, reconhecimento pelos resultados alcançados, be-
________________________ nefícios, ambiente adequado e seguro, possibilidade de maior participação e liberda-
________________________ de de decisões.
________________________
No entanto, o objetivo desta reflexão não se restringe aos fazeres organizacio-
________________________
nal quanto à promoção da saúde e qualidade de vida no trabalho, conforme visto an-
________________________
teriormente, se faz importante que o trabalhador seja proativo e cuide, ele mesmo, de
________________________
sua carreira, sendo também o responsável pela promoção da sua saúde e qualidade
________________________
de vida. Nesse sentido, cabe a cada um de nós mapearmos a natureza do trabalho
________________________
que estamos desenvolvendo, a fim de criarmos mecanismos para promoção da nossa
________________________
saúde e qualidade de vida. Na próxima aula discutiremos mais de perto esta questão...
________________________
Até breve!
________________________
________________________
________________________
________________________
Síntese
________________________
Sabe-se que o trabalho se constitui como uma das atividades mais valorizadas
________________________
pela sociedade atual. No entanto, o significado do trabalho e a maneira com que nos
________________________
predispomos a realizá-lo são influenciados pelo momento sócio-econômico-cultural
________________________
de uma determinada época. Nesse sentido, percebe-se uma constante transformação
________________________
no que se refere ao valor atribuído a esta atividade, bem como ao dispêndio de tempo
________________________
e esforços que apreendemos ao executá-lo, conseqüentemente o impacto da ativida-
________________________
de laboral na saúde dos trabalhadores é variável e depende de uma série de atributos,
como por exemplo, a carga horária diária e a natureza do trabalho. 79

saúde e qualidade de vida


questão para Reflexão
Certo dia o pai chega em casa cansado de mais um dia de trabalho. Seu filho
de 6 anos o esperava na sala. Assim que o homem entrou pela porta já ouviu a voz do
garoto perguntando:

- Pai quanto o senhor ganha por hora?

- Por que quer saber? – perguntou o pai.

- Porque sim oras!

- Eu ganho 8 reais por hora.

- Hummm, então me dá dois reais? – pediu o filho.

O pai ficou furioso e retrucou: “Ah então é por isto, seu pequeno interesseiro,
que saber quanto eu ganho para me pedir dinheiro, vá já para sua cama”. Após algum
tempo o pai se acalmou e percebeu que tinha sido duro demais com o filho. Foi até
o quarto do garoto, o acordou e desculpou-se pelo ocorrido, entregando-lhe os dois ________________________
reais. ________________________
________________________
O menino pulou radiante da cama, pegou os dois reais e correu para abrir a ga-
________________________
veta de sua cômoda e tirar de lá um punhado de moedas e algumas notas de dinheiro
________________________
bem amassadas. Correu ao encontro do pai e o entregou. Sem entender nada e o pai ia
________________________
perguntar o motivo de tal atitude quando foi interrompido que lhe disse:
________________________
- Aqui tem oito reais e 13 centavos, você pode me vender uma hora do seu ________________________
tempo para nós brincarmos? ________________________
________________________
________________________
_______________________________________________________ ________________________
________________________
________________________
O Trabalho e o descanso na justa medida ________________________
________________________
________________________
A mente não se deve manter sempre na mesma intenção ou tensão, antes deve ________________________
dar-se também à diversão. Sócrates não se envergonhava de brincar com as crian- ________________________
ças, Catão aliviava com vinho o seu ânimo fatigado dos cuidados públicos e Cipião ________________________
dançava com aquele corpo triunfante e militar (...) O nosso espírito deve relaxar: fica- ________________________
rá melhor e mais apto após um descanso. Tal como não devemos forçar um terreno ________________________
agrícola fértil com uma produtividade ininterrupta que depressa o esgotaria, também ________________________
o esforço constante esvaziará o nosso vigor mental, enquanto um curto período de ________________________
repouso restaurará o nosso poder. O esforço continuado leva a um tipo de torpor men- ________________________
tal e letargia. Nem os desejos dos homens devem encaminhar-se tão depressa nesta
80 direcção se o desporto e o jogo os envolvem numa espécie de prazer natural; embora
uma repetida prática destrua toda a gravidade e força do nosso espírito. Afinal, o sono

saúde e qualidade de vida


também é essencial para nos restaurar, mas se o prolongássemos constantemente, dia
e noite, seria a morte.

Séneca, in ‘Da Brevidade da Vida’

Leituras indicadas

CHIAVENATO, I. Gestão de pessoas: o novo papel dos recursos humanos nas organizações. Rio de Janeiro:
Elsevier, 1999.

Referências

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cidade do Natal. RAC. Revista de Administração Contemporânea. v.8, n.4, p.161-182, 2004.

BORGES, L. O. & TAMAYO, A. A estrutura cognitiva do significado do trabalho. Revista Psicologia: Organi-
zações e Trabalho, 1 (2), p. 11- 44, 2001.

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DELUIZ, N. A globalização econômica e os desafios à formação profissional. Rio de Janeiro: Boletim
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Técnico do SENAC, v. 30, n. 3, p. 73-79, dez., 2004.
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DEJOURS, C. Uma nova visão do sofrimento humano nas organizações. IN: CHANLAT, Jean-François (Co-
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________________________ ção. São Paulo, v. 3, n. 1, p. 64-74, jan/mar 1996.
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________________________ Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

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VIOLIN, F. L. O sucesso a qualquer preço. Guia RH. Texto postado em Janeiro de 2003. Disponível em:
________________________
http://www.guiarh.com.br/z41.htm acessado em 26 de novembro 2010.
________________________
________________________
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AULA 08 - gestão da própria saúde 81

saúde e qualidade de vida


Autora: Renata Mussi

Olá!

Nesta última aula temos um grande desafio, a gestão da nossa própria saúde! O
organismo humano precisa de cuidados para que funcione e nos permita continuar-
mos acelerados e adaptados às demandas da contemporaneidade.

No entanto, podemos considerar que a atividade de gestão consiste em algo


complexo, envolve disciplina e monitoramento para o alcance de resultados. E será a
partir da concepção ampliada do conceito de saúde e de acordo com as considerações
feitas nas aulas anteriores, que iremos enveredar na reflexão sobre o que podemos
empreender no sentido de promover saúde a nós mesmos.

Bom trabalho!

Pressupostos básicos ________________________


________________________
A palavra gestão, comumente aplicada ao ambiente das organizações de traba- ________________________
lho, consiste em um conjunto de tarefas que, através do uso eficaz de recursos, garante ________________________
o alcance de objetivos pré-determinados. Nesse sentido, gerir envolve a tomada de ________________________
decisão fundamentada em informações pertinentes ao que se objetiva, planejamento ________________________
e monitoramento de ações de forma a atingir as metas estabelecidas. ________________________
Considerando os principais aspectos da gestão, recorreremos à produção refe- ________________________
rente à educação e promoção da saúde para que possamos obter informações ao que ________________________
pode ser feito no sentido de garantir um maior bem-estar. Precisaremos também nos ________________________
engajar em um planejamento referente à busca de recursos e construção de um am- ________________________
biente mais saudável, além do monitoramento de nossas necessidades vitais, aspectos ________________________
pertinentes a garantia de saúde. ________________________
________________________
No entanto, para pensarmos em gestão da própria saúde, precisamos ter claro ________________________
qual o objetivo que cada um de nós tem ao pensar sobre uma vida saudável... Então, ________________________
de início, nos deparamos com um grande desafio, pois, conforme discutimos anterior- ________________________
mente, esse conceito é abstrato e relativo... ________________________
________________________
Nas aulas anteriores verificamos que o bem-estar, qualidade de vida e estar sau-
________________________
dável são condições determinadas por muitas variáveis, dentre as quais, a concepção
________________________
particular de cada um de nós e os aspectos socioculturais de uma época. Discutimos
________________________
também que a mídia e os movimentos sociais influenciam nossos hábitos. Assim, para
________________________
que pensemos em gestão da nossa saúde, precisamos estar atentos à realidade na
________________________
qual estamos inseridos e, sobretudo, conhecermos os sinais do nosso organismo, tan-
________________________
to no aspecto físico quanto emocional.
82

saúde e qualidade de vida

Fonte: http://www.freedigitalphotos.net/

Lembremos que o conceito de saúde extravasa a ausência de doença, portanto


não basta pensarmos em afastar possíveis perigos ao nosso organismo. Sim, a saúde
física se estabelece como responsabilidade básica de cada um de nós, no entanto, cabe
lembrar que além do aspecto físico, a saúde abrange a dimensão emocional e social.

Assim, a boa saúde é muito mais que um corpo físico que funciona adequada-
mente. No entanto, é importante reconhecermos que um corpo físico saudável favo-
rece na qualidade de vida e no pleno funcionamento do organismo.

Nesse sentido, nos próximos capítulos, iremos refletir sobre a responsabilidade


do auto cuidado e identificar quais são os recursos utilizados pela medicina preventiva

________________________ no sentido de prover melhor saúde e qualidade de vida à população humana, a fim de

________________________ que estejamos preparados para o pleno desenvolvimento dos nossos projetos pesso-

________________________ ais e profissionais.

________________________
________________________ Responsabilidade do autocuidado
________________________
________________________ Embora os recursos atuais da medicina estejam disponíveis a todos, a responsa-
________________________ bilidade de cuidar da nossa saúde recai sobre nós mesmos. E, se refletirmos um pouco
________________________ sobre esse assunto, perceberemos que desde o nascimento, o organismo humano é
________________________ capaz de dar sinais de saúde e doença. Ainda que de forma rudimentar, o bebê é o
________________________ responsável por comunicar suas necessidades à comunidade que o cuida - família e
________________________ equipe de saúde.
________________________
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Fonte: http://www.freedigitalphotos.net/
Com o passar do tempo, entretanto, vamos aprimorando a nossa capacidade 83
de percebermos o nosso corpo, conhecer os sinais que nosso organismo nos oferece

saúde e qualidade de vida


e de comunicação. À medida que desenvolvemos a linguagem, vamos aprendendo a
discriminar e explicitar para os outros aquilo que sentimos. Por isso, vamos observan-
do os outros e elaborando modelos de como cuidar da nossa saúde.

Além disso, ao seguir modelos, nos engajamos em comportamentos mais


adaptativos. Porém, ultimamente observa-se que nem sempre “optamos” por adotar
estilos de vida saudáveis... O que será que tem acontecido?

Conforme vimos nas aulas anteriores, vivemos uma realidade em que a rapidez
e o momentâneo são prioridades, deste modo, muitas vezes apresentamos hábitos
que nos distanciam da sáude. De acordo com Poni (2010), os relatórios sobre saúde
pública indicam que as principais causas de morte prematura são as “doenças de causa
pessoal”, como ataques cardíacos, derrames, câncer, acidentes automobilísticos, sui-
cídios, violência, diabetes, uso de drogas e poluição ambiental. Cada vez mais cedo,
as pessoas se engajam em hábitos prejudiciais à saúde como estratégias de enfrenta-
mento para uma rotina hostil e estressante.

Observa-se, entretanto, que outros estilos de vida se mostraram protetores e,


nesse sentido, desde a década de 1980, a taxa de mortalidade começou a diminuir
devido ao crescente número de pessoas engajadas num estilo de vida saudável. Deste
modo, percebe-se que a forma como vivemos é um fator preponderante quando se
refere à saúde... Mas pensemos: por que agimos desta forma? ________________________
________________________
________________________
Geralmente agimos de acordo com o que nos é ensinado, seja através de ins- ________________________
trução do que devemos fazer, seja através da imitação de um modelo socialmente ________________________
valorado. Quando crianças, tendemos a atuar de forma a nos adaptar ao mundo. A par- ________________________
tir das necessidades fisiológicas e sociais, nos engajamos em comportamentos tidos ________________________
como comuns ou corretos pela comunidade a qual pertencemos. Assim, na medida ________________________
em que realizamos algo, e esse algo é considerado adequado, passamos a adotar essa ________________________
conduta. ________________________
________________________
________________________
________________________
________________________
CURIOSIDADE ________________________
________________________
De acordo com Gomes (2007), a representação do cuidar se expressa, na cultura Ocidental,
________________________
como uma tarefa feminina. Somado a isso, um imaginário social que vê o homem como ser
invulnerável acaba contribuindo para que os homens menos se cuidem e mais se exponha a ________________________
situações de risco. ________________________
________________________
Por conta disso, o Ministério da Saúde trata desta temática fragmentando a população
________________________
adulta por gênero e estabelece ações específicas para o cuidado da saúde masculina e
feminina, com programas que contemplem a necessidade de cada gênero para estimular ________________________
os homens a um maior cuidado - visite o site http://portal.saude.gov.br/portal/saude/area. ________________________
cfm?id_area=1391 e verifique as especificidades de cada ação. ________________________
________________________
84 Quando falamos em seguir tendências, lembramos do papel da mídia, que,
muito embora possa atuar como veículo que estimule a população a hábitos saudá-

saúde e qualidade de vida


veis, por vezes nos apresenta modelos que nem sempre prezam por condutas que
favoreçam a saúde...

Através da disseminação do corpo perfeito e padrão de beleza “pré fabricado”, a


mídia estimula jovens a um padrão de conduta que algumas vezes pode distanciá-las
de uma vida saudável em prol de uma aceitação social, a partir do cumprimento de
estereótipos de beleza. Ainda que ser aceito socialmente também seja algo saudável,
isso só deve ser considerado se essa prática não estiver incompatível com a manuten-
ção da saúde física.

Por outro lado, a mídia também tem sido um veículo de estímulo de padrões
saudáveis, como exemplo algumas telenovelas que tratam o assunto com responsabi-
lidade e informam a população sobre riscos a saúde e prevenção de doenças. Há ainda
alguns programas televisivos que transmitem receitas saudáveis, ensinam exercícios
físicos e entrevistam especialistas com o intuito de aumentar o interesse do telespec-
tador em cuidar da própria saúde.

Assim, no que se refere à influência da mídia enquanto modelo, há muito o que


ser feito junto aos adolescentes, uma vez que, de acordo com Sichieri et al (2006):

________________________
________________________ Adolescentes são particularmente influenciáveis em seu estilo de
vida e deveriam ser prioritariamente contemplados em programas
________________________
de saúde coletiva. Vários estudos indicam que a manutenção de um
________________________
peso considerado adequado entre meninas adolescentes se faz atra-
________________________ vés de práticas alimentares inadequadas, como omitir refeições, e
________________________ que o consumo de nutrientes como cálcio e ferro é inadequado neste
________________________ grupo. (SICHIERI et al 2006, p. 229)
________________________
________________________
________________________ Nesse sentido, tomemos cuidado para não sermos ludibriados pelos meios de
________________________ comunicação que veiculam informações e disseminam padrões interessantes para
________________________ uma lógica do consumo que nem sempre se preocupa com o verdadeiro bem estar
________________________ físico.
________________________
________________________ Por exemplo, no que se refere ao comportamento saudável, o que deveria au-
________________________ mentar em frequência seria a ingestão de alimentos adequados e a prática de exercí-
________________________ cios físicos - fatores considerados básicos para uma boa saúde. No entanto, o modelo
________________________ apresentado em uma lógica de consumo nem sempre direciona este tipo de compor-
________________________ tamento. Vivemos em uma realidade em que o mais prático e rápido tende a ser mais
________________________ “adequado”, haja vista a velocidade impressa à realidade contemporânea.
________________________ Mas, se pensarmos por essa lógica, a tendência seria desanimadora, porém
________________________ verifica-se que a taxa de sobrevida vem aumentando graças à medicina preventiva
________________________ que dissemina informações a respeito de hábitos mais saudáveis. Nesse sentido, este
________________________ fazer tem se mostrado eficaz ao engajar os indivíduos em padrões de comportamen-
________________________ tos mais saudáveis.
Além disso, os estudos atuais apontam para diversos modelos que dão ênfase 85
não só à informação dos indivíduos e das populações para assumirem atitudes cons-

saúde e qualidade de vida


cientes e responsáveis quanto à sua saúde, mas também à importância da criação de
ambientes estruturais favoráveis para a promoção de estilos de vida saudáveis. Nesse
sentido, Pereira (2006) questiona a tradicional Educação para a Saúde, que se preo-
cupa essencialmente com a alteração dos estilos de vida - e por isso baseia-se com a
vontade própria do indivíduo para que ocorra a mudança de hábitos.

Esta abordagem defende que as pessoas cumpram o programa que lhes é apre-
sentado, deste modo atribui culpa àquele que não altera o seu comportamento, jul-
gando que isso ocorre por opção ou vontade própria. Assim, a “cultura do estilo de vida
preventivo” coloca sobre o indivíduo certa responsabilidade por sua vida e saúde.

Atualmente, devido à facilidade de acesso a informações, muitas pessoas são


conscientes dos hábitos saudáveis, mas nem sempre isso é garantia de sucesso. Os psi-
cólogos comportamentais comprovaram, através de estudos científicos, que a cons-
ciência não altera o comportamento. Sendo assim, não basta saber o que fazer para
melhorar a nossa saúde, precisamos, sim, fazermos algo efetivo nesse sentido.

E, para estimular a “vontade interna”, Pereira (2006) sugere uma estratégia com-
plementar de criação de ambientes infra-estruturais (físicos e sócio-econômicos) favo-
ráveis a promoção de estilos de vida saudáveis. Acredita-se que propostas como esta
favorecem na motivação humana, no sentido de modificar aspectos do ambiente a
favor de hábitos mais saudáveis. ________________________
________________________
Dito isto, não basta que tenhamos informações sobre os indicadores de saúde,
________________________
dicas de como cuidar-se... Embora estes aspectos sejam pré-requisitos, o mais relevan-
________________________
te na gestão da própria saúde consiste em se predispor a agir. Agir no sentido de ex-
________________________
perimentar novos hábitos a fim de monitorar os resultados alcançados a partir destas
________________________
mudanças para que se possa encontrar o jeito particular de gestão.
________________________
________________________
________________________
________________________
A vida saudável
________________________
________________________
________________________
Será possível identificarmos um modelo ideal de vida saudável? Existe uma fór- ________________________
mula a ser seguida que nos leve ao alcance da qualidade de vida? Conseguiremos ________________________
encontrar uma receita única em que todos possam seguir para um resultado que seja ________________________
comum - o da SAÚDE??? ________________________
________________________
Conceituar vida saudável pode nos colocar diante do dilema já debatido, o da
________________________
relatividade... Nem sempre o que é indicado para um servirá ao outro... Mesmo se esti-
________________________
véssemos partindo de uma discussão puramente física, ainda assim não conseguiría-
________________________
mos encontrar respostas factíveis, posto que, apesar de sermos de uma mesma espé-
________________________
cie, o organismo humano reage ao meio de uma maneira particular e incapaz de ser
________________________
generalizada, por conta da variabilidade individual...
________________________
Nem sempre precisamos das mesmas coisas e reagimos de forma similar - um or- ________________________
ganismo pode se adaptar bem a um determinado tipo de alimento, enquanto que
86 para outro este mesmo alimento pode causar disfunção.

E, principalmente quando concebemos o saudável em esfera mais ampla, veri-

saúde e qualidade de vida


ficaremos de imediato que não dá para enquadrarmos todos em um só modelo... Mas
sem que possamos discutir numa esfera mais generalista como podemos então tratar
desta questão ao nível de políticas públicas?

As políticas públicas de prevenção e promoção à saúde partem de evidências


empíricas, testadas cientificamente, no estabelecimento de ações que favoreçam a
uma vida saudável de um indivíduo médio, ou seja, o que na maioria das vezes serve
para o ser humano sem considerar suas diferenças. E, muito embora, saibamos que as
ações nem sempre sejam bem sucedidas, precisamos partir delas para nortear o cui-
dado à saúde. Assim, neste trecho da nossa aula, serão evidenciadas sugestões do que
tem sido considerado em programas de prevenção e promoção de saúde.

Diferentes ações têm sido pensadas no sentido de estimular a autonomia das


pessoas para a escolha e favorecer a adoção de práticas saudáveis. Nesse sentido, têm-
se como foco a criação de ambientes favoráveis, o desenvolvimento de habilidades
pessoais e o empoderamento, a mobilização e a participação social, eixos nos quais
são desenvolvidas as ações da área.

E assim, como uma forma de reduzir as mortes e doenças em todo o mundo,


ações globais de prevenção da saúde vêm se consolidando. Destaca-se que na maioria
das ações o foco tem sido para a alimentação saudável, e isso não ocorre por acaso...
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________________________ Fonte: http://www.freedigitalphotos.net/

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De acordo com Sichieri (2000), um nível ótimo de saúde depende da nutrição
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do organismo. Portanto, em uma época em que o tempo é curto, em que as refeições
________________________
têm que ser rápidas, comumente, optamos por uma alimentação que nos forneça sen-
________________________
sação de saciação. Para atender a demanda dos seus clientes, os serviços de fast food
________________________
investem em pratos com pequena quantidade de alimento, mas para que promovam
________________________
esta sensação de saciedade, estes são bem calóricos. Por isso, cada vez mais os hábitos
________________________
alimentares têm sido o principal alvo de ação no sentido de melhoria da saúde.
________________________
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Especialistas concordam que para que uma pessoa seja considerada fisicamen-
te saudável, esta deve evitar a ingestão de substâncias prejudiciais ao organismo hu- 87
mano, especialmente fumo e álcool. Além disso, incentiva-se comer alimentos ade-

saúde e qualidade de vida


quados, engajar-se na prática de exercícios físicos regulares e na manutenção do peso
normal.

Também é importante compreender as limitações naturais do corpo e o proces-


so de envelhecimento para que se possa repor os nutrientes que se perdem ao longo
da vida. Por exemplo, sabe-se que as mulheres possuem uma variação no peso ao
longo da vida, sobretudo no período da pós-menopausa, momento em que há maior
vulnerabilidade de aumento de peso, deposição abdominal de gordura e grande difi-
culdade para perda de peso.

No entanto, muito embora tenhamos a ideia de que um corpo magro é o ideal


de saúde, destaca-se que existem controvérsias quanto ao que se considera peso ade-
quado para adultos. Os estudos demonstram que manter um peso corporal adequado
e não ganhar peso durante a vida adulta parece associar-se a menor mortalidade e
maior bem estar. Sendo assim, os médicos e a população em geral têm feito uso do cál-
culo do IMC (Índice de Massa Corpórea) como estratégia de monitoramento do peso.

________________________
Para calcular o IMC, divida o seu peso, em quilogramas, pela sua altura, em me-
________________________
tros, elevada ao quadrado. O cálculo é válido para pessoas com idade entre 20 e 60
________________________
anos e a partir do resultado, você pode identificar o seu estado nutricional, conforme
________________________
itens abaixo:
________________________
Abaixo do peso: IMC< 18,5 ________________________
________________________
Peso adequado: 18,5<IMC>24,99
________________________
Alerta de sobrepeso: 25<IMC>29,99 ________________________
________________________
Alerta Obesidade: IMC > 30 ________________________
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Fonte: Criação Unifacs - http://www.sxc.hu http://www.freedigitalphotos.net
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saúde e qualidade de vida


CURIOSIDADE

Verifique se a sua alimentação esta adequada ao padrão estabelecido pelo Ministério da


Saúde do Brasil: http://nutricao.saude.gov.br/teste_alimentacao.php.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, as recomendações para uma


alimentação saudável devem basear-se em alimentos específicos que contemplem os
nutrientes adequados. E, para a manutenção do peso ideal recomenda-se com fre-
quência o consumo de alimentos variados, em quatro refeições ao dia, associado ao
aumento da atividade física diária.

O Ministério da Saúde implicado em ações educativas elabora cartazes e pan-


fletos que sugerem dicas de alimentação nas diversas fases do desenvolvimento. De
maneira geral, destacam-se os dez passos para uma alimentação saudável:

1. Faça pelo menos 3 refeições (café da manhã, almoço e jantar) e 2 lanches saudáveis por
dia. Não pule as refeições.

2. Inclua diariamente 6 porções do grupo do cereais (arroz, milho, trigo pães e mas­sas),
tubérculos como as batatas e raízes como a mandioca/macaxeira/aipim nas refeições. Dê
________________________
preferência aos grãos integrais e aos alimen­tos naturais.
________________________
________________________ 3. Coma diariamente pelo menos 3 porções de legumes e verduras como parte das refeições
e 3 porções ou mais de frutas nas sobremesas e lanches.
________________________
________________________ 4. Coma feijão com arroz todos os dias ou, pelo menos, 5 vezes por semana. Esse pra­to
________________________ brasileiro é uma combinação completa de proteínas e bom para a saúde.
________________________
5. Consuma diariamente 3 porções de leite e derivados e 1 porção de carnes, aves, peixes ou
________________________ ovos. Retirar a gordura aparente das carnes e a pele das aves antes da preparação, tornando
________________________ esses alimentos mais saudáveis!
________________________
6. Consuma, no máximo, 1 porção por dia de óleos vegetais, azeite, manteiga ou marga­rina.
________________________
Fique atento aos rótulos dos alimen­tos e escolha aqueles com menores quantidades de
________________________ gorduras trans.
________________________
7. Evite refrigerantes e sucos industrializa­dos, bolos, biscoitos doces e recheados,
________________________
sobremesas doces e outras guloseimas como regra da alimentação.
________________________
________________________ 8. Diminua a quantidade de sal na comida e retire o saleiro da mesa. Evite consumir
________________________ alimentos industrializados com muito sal (sódio) como hambúrguer, charque, sal­sicha,

________________________ lingüiça, presunto, salgadinhos, conservas de vegetais, sopas, molhos e temperos prontos.

________________________ 9. Beba pelo menos 2 litros (6 a 8 copos) de água por dia. Dê preferência ao consumo de
________________________ água nos intervalos das refeições.
________________________
10. Torne sua vida mais saudável. Pratique pelo menos 30 minutos de atividade físi­ca todos
________________________ os dias e evite as bebidas alcoóli­cas e o fumo. Mantenha o peso dentro de limites saudáveis.
________________________
FONTE: http://nutricao.saude.gov.br/documentos/10passos_adultos.pdf
________________________
________________________
Ainda que as recomendações contemplem o organismo humano, nos seus as- 89
pectos bio-psiquico-sociais, sabemos que cada um é um, assim se faz importante ter

saúde e qualidade de vida


consciência de que o que pode ser indicado para uns pode não ser para outros. Lem-
bremos que existe uma variabilidade que nos torna organismos únicos e isso não deve
ser menosprezado.

Síntese
Nesta aula abordamos o tema gestão da nossa própria saúde. Verificamos que
a atividade de gestão exige alguns pressupostos. Descobrimos que desde muito cedo
somos responsáveis em reconhecer e sinalizar as condições de nossa saúde e por isso
nos tornamos os principais responsáveis em nos prover hábitos que favoreça a nossa
saúde e qualidade de vida. Assim, a partir de agora cada um de nós deve se engajar na
gestão da própria saúde, compreendendo, enfim, que os nossos hábitos influenciam
no nosso bem estar e que precisamos investir no autoconhecimento a fim de encon-
trarmos o nosso caminho para hábitos mais saudáveis e melhor qualidade de vida.

questão para Reflexão


Liste os seus hábitos alimentares e a partir da indicação do cálculo do seu IMC, ________________________
reflita sobre o que você tem feito para prover a si mesmo uma melhor saúde e qualida- ________________________
de de vida. Será que você tem gerido bem a sua saúde? ________________________
________________________
________________________
________________________
Sites Indicados ________________________
________________________
http://nutricao.saude.gov.br
________________________
http://portal.saude.gov.br/portal/saude/area.cfm?id_area=1391 ________________________
________________________
________________________
________________________
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Referências ________________________
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PEREIRA, I. Educação Profissional em Saúde. IN: Dicionário da Educação Profissional da Saúde. São Pau-
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SICHIERI, Rosely et al. Recomendações de alimentação e nutrição saudável para a população brasilei-
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Você também pode gostar