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Resumo Gastro

Larissa Gusmão Guimarães

Assuntos:

 DRGE  Colecistite
 Úlceras pépticas  Colangite
 Gastrite  Icterícia
 Adenocarcinoma gástrico  Doença hepática
 Doença de Crohn  Cirrose
 Retocolite Ulcerativa  Carcinoma hepatocelular
 Colelitíase  Pancreatite

Definição

O refluxo gastresofágico (RGE) é, por definição, o deslocamento, sem esforço, do conteúdo gástrico do estômago
para o esôfago. Ocorre em todas as pessoas várias vezes ao dia e, desde que não haja sintomas ou sinais de lesão
mucosa, pode ser considerado um processo fisiológico.

A DRGE é uma “Condição na qual o refluxo do conteúdo gástrico causa sintomas que afetam o bem-estar do
paciente e/ou complicações”.

Epidemiologia

A prevalência estimada da DRGE baseia-se apenas na presença de sintomas clássicos.

No Brasil, foi realizado um estudo populacional que avaliou a frequência de pirose, concluindo que 12% da população
urbana tem a DRGE.

A DRGE afeta todos os grupos etários, mas os idosos procuram tratamento mais frequentemente.

Prevalência aumenta com idade.

Sem preferência por sexo.

Sintomas mais intensos na obesidade (fator de risco) e gestação (devido ao relaxamento do esfíncter promovido pela
progesterona + aumento da pressão intra-abdominal exercido pelo útero gravídico).

A DRGE é o distúrbio mais comum do trato gastrointestinal alto no mundo ocidental, respondendo por cerca de 75%
das esofagopatias.

Na criança, a DRGE predomina em lactentes, desaparecendo em 60% dos casos até a idade de 2 anos, e em quase
todo o restante após a idade de 4 anos. A principal explicação é a imaturidade do esfíncter aliada à permanência em
posição recumbente.

A incidência de adenocarcinoma de esôfago está aumentando, ao passo que a prevalência de infecção pelo H. pylori
está diminuindo. A infecção crônica por H. pylori de alguma forma protege contra o adenocarcinoma de esôfago. O H.
pylori coloniza tanto o antro quanto o fundo gástrico (“pangastrite”), e seus efeitos patogênicos diretos podem levar à
redução da secreção ácida.

Na DRGE complicada com esôfago de Barrett, a chance de adenocarcinoma aumenta muito (um a cada 200
pacientes/ano), o que demanda a monitorização endoscópica regular desses pacientes.

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Fatores de risco

 Idade: ocorre em todas as faixas etárias; entretanto, a prevalência desta condição clínica, bem como de suas
complicações (p. ex., estenoses e úlceras), é maior entre indivíduos idosos.
 Sexo: a evolução da doença do refluxo seja diferente entre homens e mulheres. A esofagite de refluxo seria
mais predominante em homens (3:1).
 Gravidez: entre as mulheres, durante a gravidez, a prevalência de pirose alcança 40 a 80% das pacientes.
 Obesidade: Indivíduos obesos apresentam maior frequência de sintomas relacionados com o refluxo,
havendo correlação entre o peso e a intensidade de refluxo.
 Fatores genéticos: A participação de fatores genéticos que condicionem a ocorrência de doença do refluxo
ainda não é conhecida, muito embora sintomas de refluxo sejam mais frequentes entre familiares de
pacientes do que em controles.
 Hérnia hiatal: A ocorrência de hérnia hiatal relaciona-se com as formas mais graves de esofagite de refluxo.
Nos pacientes com esofagite, há associação entre a intensidade desta afecção e o tamanho da hérnia hiatal.

Outros fatores que podem estar relacionados são: refeições volumosas antes de deitar, aumento da pressão intra-
abdominal e fumo.

OBS: Comida gordurosa → diminuição da pressão do esfíncter esofágico interno. Recomenda-se um intervalo de
cerca de 2 horas entre o jantar e o deitar.

FATORES QUE TENDEM A AUMENTAR O REFLUXO


 Obesidade abdominal
 Gravidez
 Estados de hipersecreção gástrica
 Retardo do esvaziamento gástrico
 Supressão da peristalse esofágica
 Glutonaria
 Ingestão de alimentos gordurosos
 Ingestão de café, chá preto, chocolate, bebidas alcoólicas e líquidos gasosos
 Hérnia de hiato

Fisiopatologia

A DRGE ocorre como consequência da exposição da mucosa esofágica ou supraesofágica a conteúdo intragástrico,
contendo agentes agressores, como ácido, pepsina, sais biliares e enzimas pancreáticas.

A magnitude da exposição depende da frequência dos episódios de refluxo gastresofágico, do volume e da


agressividade do conteúdo refluído, do tempo de contato do ácido com a mucosa esofágica e da resistência tecidual
a esse conteúdo agressivo.

Fatores de proteção esofágica: resistência tecidual ao conteúdo fluído (barreira pré-epitelial, epitelial e pós-epitelial) e
capacidade de depuração esofágica.

Em condições normais, existe exposição da mucosa esofágica ao conteúdo intragástrico, com episódios de refluxo de
curta duração e rápida depuração, geralmente no período pós-prandial, denominado de refluxo fisiológico.

O refluxo gastresofágico torna-se patológico quando a resistência do epitélio ao conteúdo refluído é superada. Vários
fatores contribuem para tornar o refluxo patológico: número excessivo de episódios de refluxo, depuração esofágica
prolongada ou deficiente, menor resistência da mucosa ao conteúdo refluído, ou pela interação do refluxo ácido com
cofatores dietéticos, comportamentais e emocionais.

Ademais, a ocorrência de sintomas intermitentes em alguns pacientes com DRGE sugere que haja um balanço
constante entre fatores agressivos e defensivos da mucosa eventualmente passíveis de alterações.

 Barreira antirrefluxo
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A barreira antirrefluxo, principal proteção contra o RGE, é composta por: esfíncter interno (EIE) e esfíncter externo
(formado pela porção crural do diafragma).

O EIE mantém-se fechado em repouso e relaxa com a deglutição e com a distensão gástrica.

O relaxamento não relacionado com a deglutição é chamado relaxamento transitório do EIE (RTEIE), sendo
considerado o principal mecanismo fisiopatológico associado à DRGE, responsável por 63 a 74% dos episódios de
RGE.

Em pacientes com formas graves de DRGE, a pressão de repouso do EIE está diminuída.

A maioria dos pacientes com DRGE tem pressão basal do EEI dentro de valores normais, o que reforça a importância
dos relaxamentos transitórios como mecanismo de refluxo.

Os relaxamentos transitórios do EEI ocorrem independentemente da deglutição, são acompanhadas de inibição do


diafragma crural e têm duração superior (> 10 s) em comparação aos relaxamentos do EEI relacionados com a
deglutição.

Acredita-se que tais relaxamentos sejam mediados por um reflexo vagovagal anômalo (o vago é ao mesmo tempo
aferência e eferência do reflexo) estimulado pela distensão gástrica.

Ao contrário dos relaxamentos desencadeados pela deglutição, os relaxamentos patológicos não são seguidos de
peristalse esofagiana eficaz (a peristalse ajudaria a “limpar” os conteúdos refluídos, diminuindo a exposição da
mucosa).

Condições podem justificar uma hipotonia verdadeira do EEI: esclerose sistêmica (pela fibrose e atrofia da
musculatura esofagiana), lesão cirúrgica do EEI (ex.: após esofagomiotomia de Heller), tabagismo, uso de drogas
com efeito anticolinérgico ou miorrelaxante (ex.: agonistas beta-adrenérgicos, nitratos, antagonistas do cálcio) e a
gestação.

A própria esofagite erosiva é capaz de reduzir o tônus do EEI (agressões repetidas resultam em fibrose e atrofia da
musculatura), gerando um ciclo vicioso.

A hipotonia do EEI é o principal mecanismo patogênico de DRGE em pacientes que apresentam esofagite erosiva
grave, pois o refluxo ocasionado por este mecanismo tende a ser mais intenso e mais prolongado (levando a uma
maior exposição da mucosa e, consequentemente, maior dano).

Muitas substâncias afetam a pressão do EIE:

A colecistocinina (CCK) é responsável pela diminuição da pressão de EIE observada após a ingestão de gorduras;
outros neurotransmissores estão envolvidos, entre os quais se destacam o óxido nítrico (ON) e o peptídio intestinal
vasoativo (VIP).

O comprimento total e o comprimento abdominal do EIE são outros parâmetros usados para avaliar a função do EIE,
e que são valorizados quando estão diminuídos.

A presença de hérnia hiatal contribui para o funcionamento inadequado da barreira antirrefluxo através da
dissociação entre o esfíncter externo e o interno e do refluxo sobreposto (fluxo retrógrado do conteúdo refluxado
preso no saco herniário para a porção tubular do esôfago).

A hérnia hiatal predispõe aos eventos refluídos ao ampliar a abertura da junção gastroesofágica e diminuir a pressão
do esfíncter esofágico inferior. O resultado é um aumento da exposição do esôfago ao ácido e a conteúdos gástricos,
com aumento dos episódios de refluxo durante o relaxamento fisiológico transitório do esfíncter esofágico inferior
e/ou aumento da pressão gástrica.

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As hérnias também atuam como reservatório de conteúdos gástricos quando os mecanismos de liberação esofágica
normal resultam em aprisionamento dos líquidos no saco herniário. Esses conteúdos podem causar refluxo no
esôfago quando o esfíncter esofágico inferior relaxa durante a deglutição subsequente.

A distensão gástrica, principalmente após as refeições, contribui para o refluxo gastresofágico.

O retardo do esvaziamento gástrico, o aumento da pressão intragástrica (ambos presentes quando há obstrução ou
semiobstrução antropilórica) e a alteração da secreção gástrica (como a hipersecreção da síndrome de Zollinger-
Ellison) são fatores que podem estar presentes, mas são pouco frequentes.

O gastrinoma são tumores surgem a partir de células no pâncreas que produzem gastrina. O excesso de gastrina secretada
pelo gastrinoma provoca a síndrome de Zollinger-Ellison, em que uma pessoa sofre os sintomas de úlceras pépticas
agressivas (como, por exemplo, dor ou sangramento) no estômago, duodeno ou em outros locais do intestino. No entanto,
até 25% das pessoas com a síndrome de Zollinge-Ellison podem não apresentar úlcera no momento do diagnóstico. Pode
ocorrer ruptura, hemorragia e obstrução intestinal, que podem ser fatais.

No entanto, em mais da metade das pessoas com gastrinoma, os sintomas não são piores que os provocados por uma
úlcera péptica normal. Em 25% a 40% das pessoas, a diarreia é o primeiro sintoma.

O médico suspeita da existência de um gastrinoma quando a pessoa apresenta úlceras pépticas frequentes ou múltiplas,
que não respondem aos tratamentos habituais. As análises de sangue para detectar altas concentrações anômalas de
gastrina são os exames diagnósticos mais confiáveis.

Assim que os exames de sangue tiverem diagnosticado o gastrinoma, o médico tenta localizar o tumor por meio de várias
técnicas de imagem como, por exemplo, tomografia computadorizada (TC) do abdômen, cintilografia (uma modalidade
de exame de medicina nuclear), ultrassonografia endoscópica, tomografia por emissão de pósitrons (PET) e arteriografia
(uma radiografia tirada depois que um contraste radiopaco é injetado em uma artéria). No entanto, esses tumores podem
ser difíceis de localizar, devido às suas exíguas dimensões.
A taxa de sobrevida é elevada se o tumor for totalmente removido.O tratamento inclui medicamentos para reduzir a
quantidade de ácido no estômago e, às vezes, cirurgia e quimioterapia.

O principal agente agressor da mucosa esofágica na DRGE é o material ácido oriundo do estômago (especialmente
aquele com pH < 4.0). Em alguns pacientes, o refluxo de bile e secreções pancreáticas também pode contribuir para
o dano mucoso.

Em portadores de DRGE, a maioria dos episódios de refluxo intensamente ácido ocorre nas primeiras 3 horas após
as refeições. Durante a refeição, o alimento se mistura à secreção gástrica, neutralizando seu pH ácido como se
fosse um “tampão”. Quando o estômago está cheio, parte do suco gástrico produzido no fundo do órgão fica meio
que “boiando” por cima do bolo alimentar, criando uma coleção líquida chamada “acid pocket”. O acid pocket se
localiza nas proximidades da cárdia, e é justamente ele que reflui durante o relaxamento do EEI no período
periprandial.

Nos pacientes com refluxo, a bolsa de ácido é mais comum e maior no comprimento do que nos indivíduos normais.
O deslocamento da bolsa de ácido através de uma hérnia do hiato também parece aumentar o refluxo ácido em
pacientes com DRGE.

O aumento da gordura intra-abdominal associada com a obesidade aumenta a pressão intragástrica, que aumenta o
gradiente de pressão gastroesofágica e a frequência de relaxamento transitório do esfíncter esofágico inferior,
levando assim o conteúdo gástrico a migrar para o esôfago.

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Além disso, a obesidade aumenta a separação espacial do diafragma crural e do esfíncter esofágico inferior,
predispondo os indivíduos obesos a uma hérnia do hiato. A síndrome metabólica que está associada à obesidade
pode também ter um efeito independente na promoção da lesão esofágica na DRGE.

 Mecanismos de depuração intraluminal

Quando ocorre contato da mucosa esofágica ou supraesofágica com o conteúdo intragástrico refluído, o efeito
deletério sobre a mucosa depende da magnitude desse contato: quanto maior o contato, mais grave a lesão.

A remoção do conteúdo refluído e sua neutralização dependem basicamente de dois fatores: peristalse esofágica e
ingestão de secreção salivar. Além destes, a ação da gravidade pode atuar como fator auxiliar no esvaziamento
esofágico.

A peristalse esofágica promove o esvaziamento esofágico da maior parte do conteúdo refluído. Pacientes com
doença do refluxo podem apresentar disfunções peristálticas caracterizadas em estudos manométricos, por falhas de
condução peristáltica e contrações débeis (< 30 mmHg) que se associam a distúrbios de esvaziamento, com
prolongamento do tempo de depuração esofágica.

A alteração do peristaltismo pode ser primária (no caso dos distúrbios motores do esôfago, como na motilidade
esofágica ineficaz) ou secundária (nas doenças do tecido conjuntivo, como esclerodermia, síndrome CREST ou
doença mista do tecido conjuntivo).

Denomina-se tempo de depuração esofágica o período necessário para elevar o pH intraesofágico acima de quatro,
após um episódio de refluxo. Essas alterações peristálticas são mais frequentes nos casos com esofagites mais
graves e naqueles em que há esclerose sistêmica progressiva.

A hérnia hiatal, sobretudo as não redutíveis, também pode afetar a capacidade de depuração esofágica. Nesses
casos, ocorre dificuldade de remoção do material refluído, por haver fluxo retrógrado a partir da hérnia, durante as
deglutições. Além disso, quando o conteúdo ácido fica coletado na hérnia hiatal, sua neutralização é menos eficiente
e propicia maior tempo de contato com maior potencial de lesão mucosa. Este fenômeno tem sido descrito como “re-
refluxo”.

A diminuição do fluxo salivar pode ser secundária à síndrome de Sjögren ou ao uso de diversos medicamentos. A
depuração do ácido pela saliva não é instantânea e, sob ótimas circunstâncias, requer 3 a 5 min para restaurar o pH
após um único episódio de refluxo.

Cada 7 ml de saliva é capaz de neutralizar 1 ml de HCl 0,1 N.

Episódios de refluxo ocorridos durante a noite, na posição supina, são duradouros e têm grande chance de causar
lesão mucosa devido à diminuição do fluxo de saliva, que ocorre normalmente à noite, associada à falta de ação da
gravidade.

Pacientes com xerostomia também apresentam alteração de sua capacidade de depuração ácida.

Além disso, o tabagismo parece influenciar o refluxo devido à diminuição no volume de saliva, o que ocasiona
aumento no tempo de depuração esofágica.

 Resistência intrínseca do epitélio

 A barreira pré-epitelial é formada por uma camada de muco, bicarbonato e água. Há neutralização do ácido pelo
bicarbonato. O muco atua tanto como lubrificante quanto como protetor, pois, embora pouco efetivo em bloquear a
passagem do íon H+, impede a passagem de moléculas maiores, como a pepsina. A barreira pré-epitelial esofágica é
muito menos efetiva que a barreira gástrica ou duodenal.

 A camada epitelial esofágica contém mecanismos de defesa estruturais e fisiológicos. A barreira anatômica,
composta pelas membranas celulares, junções intercelulares e matriz glicoproteica intercelular, constitui uma barreira

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mecânica, que limita a difusão do ácido e da pepsina. A defesa fisiológica é representada pelo tamponamento
intracelular e intercelular por HCO3, bem como por mecanismos de transporte iônico, por meio da troca do íon H+
intracelular pelo sódio, nas membranas basolaterais.

 A resistência pós-epitelial depende fundamentalmente do fluxo sanguíneo que carrega nutrientes e elementos
de defesa, como prostaglandinas, além de prover HCO3. A capacidade de replicação tecidual, com aumento de
replicação celular induzida por lesão, é outro mecanismo adicional de defesa da mucosa esofágica.

É provável que pacientes portadores da doença do refluxo gastresofágico, mesmo na forma não erosiva, apresentem
alterações primárias da resistência tecidual.

Estudos com microscopia eletrônica têm demonstrado que pacientes portadores de pirose persistente apresentam
dilatação de espaços intercelulares em comparação aos controles. Este aumento de espaço intercelular poderia
propiciar maior difusão de ácido.

A excessiva acidificação do lúmen esofágico provoca, inicialmente, alterações das junções intercelulares. Quando a
capacidade de tamponamento intercelular é vencida, ocorre maior difusão do ácido para o intracelular, por meio das
membranas basolaterais, com consequente acidificação do citosol. A acidificação do citosol representa o fenômeno
mais relevante que leva à lesão tecidual na doença do refluxo gastresofágico.

O material refluído gástrico contém vários elementos que contribuem como mediadores de lesão da mucosa
esofágica, como: pepsina, sais biliares, tripsina, lisolecitina, além de conteúdo hiperosmolar relacionado com a
ingestão de alimentos. Dentre esses, a pepsina parece ter função fundamental na agressão.

É possível que a ação proteolítica da pepsina sobre as junções intercelulares facilite a difusão do íon H+ no e
replicação tecidual, com aumento de replicação celular induzida por lesão, é outro mecanismo adicional de defesa da
mucosa esofágica.

Outro constituinte do material refluxado, que tem sido correlacionado com maior agressividade para a mucosa do
esôfago, é o conteúdo duodenal (bile e secreções pancreáticas), que atinge o estômago, através do piloro e,
subsequentemente, chega ao esôfago.

O refluxo duodeno-gastresofágico é um fenômeno fisiológico, de composição variada, que lesa a mucosa esofágica
pela ação das enzimas proteolíticas, potencializando a lesão provocada pelo ácido. A variabilidade da composição do
conteúdo refluxado é uma das possíveis explicações para os diferentes graus de esofagite observadas em pacientes
com a mesma quantidade de refluxo ácido demonstrado por exames pHmétricos.

O mecanismo responsável pelas manifestações extraesofágicas da DRGE, como tosse e broncospasmo, nem
sempre é a aspiração com lesão da mucosa de vias respiratórias por contato direto. Pode ser via reflexo vagal por
acidificação da mucosa esofágica distal. No caso de granulomas de cordas vocais e estenose subglótica, é
necessário, provavelmente, o contato direto com a mucosa das vias respiratórias.

 Manifestações respiratórias e otorrinolaringológicas

Sabe-se que o refluxo gastresofágico (RGE) é comum entre pacientes com asma.

Três mecanismos fisiopatológicos têm sido propostos para explicar a broncoconstrição em pacientes asmáticos
causada pelo refluxo de conteúdo ácido e não ácido no esôfago: aumento do tônus vagal, da reatividade brônquica e
da microaspiração do conteúdo gástrico para as vias respiratórias superiores.

 Hipersensibilidade do esôfago

A causa da azia em pessoas com exposição ácida esofágica normal não é completamente entendida, mas pode estar
relacionada com a sensibilidade esofágica aumentada (também conhecida como hiperalgesia visceral).

Quadro clínico

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 Sintomas típicos : pirose e regurgitação. Os pacientes podem relatar alívio com uso de antiácidos.
Sintomas são mais frequentes após as refeições ou quando o paciente está em decúbito supino ou em
decúbito lateral direito.
 Sintomas atípicos: dor torácica. O estímulo de quimiorreceptores da mucosa esofágica pelo refluxato
desencadeia essa dor, visto que a inervação do esôfago e do miocárdio é a mesma.
 Sintomas extraesofágicos: Manifestações extraesofágicas pulmonares (tosse crônica, asma, bronquite,
fibrose pulmonar, aspiração recorrente, dentre outras), otorrinolaringológicas (rouquidão, globus, roncos,
pigarro, alterações das cordas vocais, laringite crônica, sinusite e erosões dentárias). A maioria dos
pacientes com sinais e/ou sintomas extraesofágicos não apresenta sintomas típicos concomitantes.
 Sintomas de alarme: Odinofagia, disfagia, sangramento, anemia e emagrecimento.

Diagnóstico

 Exame clínico
Escon haficuldad
A identificação dos sintomas cardinais da DRGE (pirose e regurgitação) permite um diagnóstico presuntivo da DRGE
sem a necessidade da realização de outros exames complementares.

Um paciente com queixas de pirose e/ou regurgitação ácida, é segura a instituição de tratamento clínico empírico.

Na maior parte das vezes o diagnóstico de DRGE pode ser feito somente pela anamnese, quando o paciente refere
pirose pelo menos uma vez por semana, por um período mínimo de 4 a 8 semanas.

A resposta à prova terapêutica (redução sintomática > 50% após 1-2 semanas de uso de IBP) é considerada o
principal teste confirmatório.

 Phmetria esofágica prolongada

A pHmetria prolongada permite o diagnóstico da DRGE por demonstrar a presença de refluxo ácido gastresofágico
anormal.

Apesar de controvérsias é considerado “padrão ouro”.

Cerca de 25% dos pacientes sabidamente portadores de esofagite apresentam um estudo de pHmétrico normal.

A correlação entre o sintoma e o refluxo ácido é útil por determinar quando os sintomas referidos pelo paciente foram
provocados pelo refluxo ácido. É obtida através de manipulações estatísticas, que avaliam a relação temporal entre
episódios de refluxo e sintomas. Uma das correlações mais utilizadas é o índice de sintomas, definido pelo número
de refluxos associados a sintoma dividido pelo número total de sintomas e expresso em porcentagem. Esse método
apresenta limitações, pois não considera o número total de episódios de refluxo.

Há também o método exato de Fisher para analisar quatro possíveis associações temporais entre sintoma e refluxo:
refluxo e sintoma, refluxo sem sintoma, sintoma sem refluxo, e ausência de sintoma e de refluxo.

Outra aplicação muito importante da pHmetria é no monitoramento de pH intragástrico. Apesar de existirem diversos
métodos para estudo do pH intragástrico, o monitoramento prolongado do pH parece ser o mais confiável e utilizado.
Uma importante indicação desse estudo é na avaliação de drogas inibidoras da secreção ácida. Nesses casos, é
possível avaliar a magnitude do bloqueio da secreção ácida, bem como o início e a duração da ação de determinada
droga.

Como na maioria dos pacientes não é preciso realizar qualquer exame complementar, a pHmetria não é feita de
rotina.

Indicações de pHmetria de 24h:

 Sintomas refratários ao tratamento clínico.

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 Avaliação de sintomas atípicos (ex.: tosse, rouquidão, dor torácica).


 Documentação da real existência de DRGE antes de uma cirurgia antirrefluxo.
 Reavaliação de pacientes ainda sintomáticos após a cirurgia antirrefluxo.

Nesse exame há 2 sensores que calculam 6 variáveis (percentual do tempo total de refluxo, percentual do tempo de
refluxo em ortostase, percentual do tempo de refluxo em posição supina, número de episódios de refluxo, número de
episódios de refluxo com > 5min de duração, duração do maior episódio). Através de uma fórmula matemática,
calcula-se o chamado “índice de refluxo” (Índice de De Meester).

O diagnóstico de DRGE é objetivamente estabelecido quando o índice de De Meester é > 14,7. Outra forma de se
confirmar o diagnóstico é demonstrando que o pH intraesofagiano permanece abaixo de 4,0 por mais do que 7% do
tempo de exame.

Usuários de bloqueadores do receptor H2 de histamina devem interromper a medicação três dias antes do exame, e
usuários de inibidores de bomba de prótons precisam parar a medicação 14 dias antes.

 Impedância/phmetria

Trata-se de técnica que permite a identificação do refluxo gastresofágico independente de seu pH e de seu estado.
Sendo assim, possibilita a avaliação qualitativa do tipo de refluxo (ácido ou fracamente ácido), seu alcance proximal,
sua composição (líquido, gasoso ou misto), bem como do tempo de depuração (ou clareamento) esofágico.

A principal indicação da impedância/pHmetria é na avaliação de pacientes com sintomas típicos ou extraesofágicos


atribuídos à DRGE, que não responderam de forma completa ao tratamento com inibidores de bomba protônica.

 Endoscopia digestiva alta

A endoscopia digestiva alta é o exame de escolha para avaliação das alterações da mucosa esofágica secundárias à
DRGE, permitindo, além de sua visualização direta, a coleta de fragmentos esofágicos através de biopsias.

As principais indicações de realização de endoscopia digestiva em pacientes com suspeita de DRGE são:

 Excluir outras doenças ou complicações da DRGE, principalmente em pacientes com sintomas de alarme,
como disfagia, emagrecimento, hemorragia digestiva.
 Pesquisar a presença do esôfago de Barrett em pacientes com sintomas de longa duração.
 Avaliar a gravidade da esofagite.
 Orientar o tratamento e fornecer informações sobre a tendência de cronicidade do processo.
 Outros: idade > 45-55 anos, sintomas refratários ao tratamento.

A principal finalidade é identificar as complicações da DRGE, como esofagite (observada em 30- 40% dos pacientes),
estenose péptica, esôfago de Barrett e adenocarcinoma.

Também é útil para o diagnóstico diferencial com as condições que simulam os sintomas de refluxo.

Se diz que o paciente tem esofagite de refluxo quando há alterações inflamatórias na mucosa esofagiana visíveis
pela endoscopia.

A EDA normal não descarta a existência da doença.

A esofagite de importância clínica é aquela que possui erosões (soluções de continuidade limitadas à mucosa, com
pelo menos 3 mm de extensão).

A classificação de Los Angeles é a mais utilizada na atualidade para estadiar a gravidade da esofagite de refluxo.

 Grau A: uma ou mais erosões <5 mm de extensão, restritas ao fundo das dobras da mucosa.
 Grau B: Pelo menos uma erosão >5 mm, sendo todas restritas ao fundo das dobras da mucosa.

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 Grau C: Erosões contínuas que cruzam o topo das dobras da mucosa, acometendo <75% da circunferência
luminal.
 Grau D: Erosões contínuas que acometem 75% ou mais da circunferências do esôfago.

A resposta histológica da mucosa esofágica ao refluxo gastresofágico crônico mostra principalmente mudanças
reacionais (alongamento das papilas na lâmina própria e hiperplasia da camada de células basais) e alterações
inflamatórias (presença de neutrófilos e eosinófilos intraepiteliais). Podem existir também células com abundante
citoplasma pálido, chamadas células “em balão”, provavelmente devido ao aumento da permeabilidade.

Na vigência de esofagite erosiva devem ser coletadas biópsias da mucosa esofágica. As biópsias costumam revelar
hiperplasia da camada basal do epitélio estratificado, associada à papilomatose (proeminência das papilas da lâmina
própria, que podem se aproximar da superfície epitelial). A alteração histopatológica mais precoce é o aumento do
espaço intercelular no epitélio estratificado, mostrando que o ácido refluído “penetra” por entre as camadas de células
escamosas. A biópsia é imprescindível para confirmar o diagnóstico de esôfago de Barrett (metaplasia intestinal) e
para a pesquisa de displasia/ neoplasia nesse tecido.

 Estudos radiológicos

A cintigrafia e o esofagograma com bário são métodos radiológicos habitualmente utilizados na avaliação da DRGE e
suas complicações.

Os estudos baritados são úteis em pacientes com disfagia, visto que apresentam boa sensibilidade na detecção de
hérnias hiatais, estenoses e anéis esofágicos.

O diagnóstico de esofagite, de um modo geral, só é evidente radiologicamente em casos mais graves.

A cintigrafia para estudo da DRGE utiliza alimento marcado com tecnécio99. Trata-se de método de baixa
sensibilidade quando comparado com a pHmetria prolongada. Entretanto, como permite avaliar o refluxo
gastresofágico do material isotopicamente marcado, independente de sua acidez, pode ser útil em estudo de
pacientes gastrectomizados, portadores de anemia perniciosa, ou em vigência de tratamento com drogas inibidoras
da secreção ácida gástrica.

 Testes provocativos

O teste de Bernstein-Baker objetiva comprovar que o sintoma do paciente decorre do refluxo ácido gastresofágico.
Esse teste utiliza a infusão de ácido clorídrico a 0,1 N na luz esofágica, na tentativa de reproduzir o sintoma típico do
paciente, e a infusão de solução salina como placebo.

Considera-se o teste positivo naquele paciente que apresentou sintomas típicos apenas durante a infusão de ácido
clorídrico. Esse teste é considerado de alta especificidade ao atribuir a origem do sintoma ao refluxo ácido. Deve ser
reservado para situações em que não se dispõe de pHmetria prolongada, ou para pacientes que apresentam
sintomas infrequentes, e que não ocorreram durante o monitoramento esofágico do pH.

 Manometria esofágica

A manometria esofágica apresenta uma indicação limitada na avaliação inicial da DRGE e não deve ser realizada
para diagnóstico dessa doença. Esse exame pode ser útil na avaliação da gravidade da DRGE.

A Manometria esofágica é um procedimento que mede a força e a função dos músculos do esôfago.

A melhor indicação da manometria na DRGE é na avaliação de diagnósticos diferenciais de afecções que podem
provocar sintomas semelhantes aos da DRGE, como regurgitação e disfagia, frequentemente observadas em
portadores de esclerodermia e acalasia (distúrbio de motilidade esofágica congênito caracterizado por peristaltismo
esofágico defeituoso e falta de relaxamento do esfíncter esofágico inferior durante a deglutição).

 Bilitec

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Resumo Gastro
Larissa Gusmão Guimarães

O Bilitec® foi criado visando à detecção dessas substâncias que possuem um alto pH e, portanto, não são
detectadas pela pHmetria prolongada. Esse sistema percebe a presença de bilirrubina através de espectrofotometria.
Apresenta limitações, como sua incapacidade de diferenciar substâncias com coloração semelhante à da bilirrubina,
exigência de dieta líquida (pouco fisiológica) durante o exame, e é pouco utilizado em nosso meio.

Tratamento

A maioria (80%) apresenta recidiva do quadro após a suspensão da terapia.

A cirurgia antirrefluxo é essencialmente reservada para os casos refratários ou com complicações (que são aqueles
onde a probabilidade de alterações anatômicas na barreira antirrefluxo – que podem ser corrigidas com uma
fundoplicatura – é maior), mas muitos autores (principalmente cirurgiões) advogam seu emprego nos portadores de
DRGE leve e bem controlada com o tratamento clínico, desde que eles sejam jovens e se mostrem dependentes da
medicação. Há controvérsias a respeito das indicações cirúrgicas na DRGE. Ainda não existe consenso absoluto
acerca de qual seria a melhor abordagem para a DRGE.

 Medidas antirrefluxo

Devem ser indicadas de maneira individualizada, conforme as queixas de cada paciente.

1. Elevação da cabeceira do leito (15 a 20 cm).


2. Reduzir a ingestão de alimentos que relaxam o EEI ou que têm efeito diretamente “irritante” para o esôfago:
gorduras, cítricos, café, bebidas alcoólicas e gasosas, menta, hortelã, molho de tomate, chocolate,
condimentos em excesso (alho, cebola, pimenta etc.).
3. Evitar deitar após as refeições, devendo-se esperar de 2-3h; quanto mais comer e mais gordura ingerir, mais
esperar.
4. Evitar refeições copiosas; fracionar a dieta.
5. Suspensão do fumo.
6. Evitar líquidos às refeições.
7. Evitar atitudes que aumentem a pressão intra-abdominal (agachar, fazer abdominais, usar roupas e cintos
apertados etc.).
8. Redução de peso em obesos.
9. Evitar, se possível, as drogas que relaxam o EEI (antagonistas do cálcio, nitratos, derivados da morfina,
anticolinérgicos, progesterona, diazepam, barbitúricos, teofilina).

 Tratamento farmacológico

As classes de medicamentos empregadas no tratamento da DRGE são:

(1) bloqueadores do receptor H2 de histamina (BH2);


(2) Inibidores da Bomba de Prótons (IBP);
(3) antiácidos.

Os procinéticos (ex.: bromoprida, domperidona, metoclopramida) não são mais indicados de rotina. Os procinéticos
eram sempre prescritos como adjuvantes ao tratamento antissecretor, com o intuito de melhorar o tônus e a
motilidade da região esofagogástrica, mas nunca foi demonstrado um benefício consistente para a maioria dos
pacientes. Os procinéticos podem ser prescritos para pacientes que, além dos sintomas típicos de refluxo,
apresentam outras queixas dispépticas sugestivas de gastroparesia associada (ex.: náuseas, saciedade precoce,
plenitude pós-prandial).

Bloqueadores H2: Bloqueiam os receptores H2 de histamina nas células parietais


gástricas, inibindo, desse modo, uma das três vias de estímulo neuroendócrino à
secreção ácida (as outras duas são mediadas por acetilcolina e gastrina). São
comprovadamente menos eficazes do que os IBP, não devem ser prescritos na
vigência de esofagite grave ou outras complicações (ex.: esôfago de Barrett). Os
BH2 devem sempre ser tomados 2x ao dia.

Inibidores da Bomba de Prótons: Inibem a H+/K+ATPase (“bomba de prótons”)


bloqueando a via final para a secreção de ácido pelas células parietais do
estômago. São as drogas de escolha quando o paciente é muito sintomático, e
também quando apresenta esofagite ou outras complicações da DRGE.

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Resumo Gastro
Larissa Gusmão Guimarães

A resolução da esofagite é esperada em > 80% quando a dose padrão é utilizada (1x ao dia, 30min antes do café da
manhã), e quase todo o restante melhora quando a dose é “dobrada” (2x ao dia, 30min antes do café da manhã e
30min antes do jantar).

Raramente os IBP produzem efeitos adversos.

Paraefeitos agudos: Cefaleia, Diarreia e Dor Abdominal são sintomas mais comuns, e podem ser resolvidos com uma
simples troca da medicação (ex.: trocar omeprazol por pantoprazol).

Paraefeitos CRÔNICOS são: (1) maior risco de enterocolite infecciosa, incluindo infecção por Clostridium difficile; (2)
maior risco de pneumonia (por enteropatógenos Gram-negativos que passam a colonizar a mucosa gástrica e podem
ser aspirados para a via aérea); (3) má absorção intestinal de ferro, cálcio, magnésio e vitamina B12, provocando
anemia (ferropriva e/ou megaloblástica), hipomagnesemia e fraturas osteoporóticas, especialmente fraturas de
quadril.

Usuários crônicos de IBP também estão mais propensos a desenvolver pólipos gástricos fúndicos, porém, o
significado clínico deste achado ainda é incerto

Antiácidos: Os antiácidos (ex.: hidróxido de alumínio e/ou magnésio, como o Mylanta Plus® 10-20 ml VO)
neutralizam diretamente a acidez do suco gástrico, sem interferir na secreção cloridropéptica das células parietais.
NÃO são úteis no tratamento prolongado da DRGE, pois seu efeito é de curta duração (cerca de 2h): seriam
necessárias muitas tomadas diárias a fim de manter o pH gástrico controlado, uma conduta simplesmente inviável na
prática (até porque, durante a noite, o paciente ficaria desprotegido).

Podem ser utilizados como “SOS” para alívio imediato. Os antiácidos isolados não têm eficácia na cicatrização da
esofagite erosiva, tampouco na presença de outras complicações. Formulações contendo magnésio devem ser
evitadas em portadores de doença renal crônica, pelo risco de causar hipermagnesemia.

 Cirurgia antirrefluxo

Indicações consensuais de cirurgia na DRGE:

 Refratariedade ao tratamento clínico (principalmente quando existe persistência da regurgitação e/ou hérnia
de hiato associada).
 Pacientes impossibilitados de utilizar IBP em longo prazo (por problemas financeiros, alergia medicamentosa
ou opção pessoal).

Na presença de complicações da DRGE (esofagite,úlceras esofágicas, estenose péptica e esôfago de Barrett), a


maioria dos cirurgiões indica a cirurgia.

Portadores de obesidade mórbida devem ser prioritariamente submetidos à cirurgia bariátrica, e não a um
procedimento antirrefluxo. Em muitos desses casos a DRGE melhora após a perda de peso.

 Delineando a estratégia terapêutica

- Sintomas Leves e Intermitentes: medidas antirrefluxo. Quando os sintomas aparecem com frequência < 1x/semana,
podemos optar pelo “tratamento sob demanda”, isto é, os medicamentos são usados apenas conforme a
necessidade. As drogas de escolha são os antiácidos ou os BH2.

- Sintomas Mais Graves e Frequentes: drogas de escolha são os IBP em dose padrão (1x ao dia), mantidos por 4-8
semanas. Cerca de 10-20% dos pacientes não melhoram com a dose padrão após as primeiras 2-4 semanas,
situação que autoriza o médico a “dobrar a dose” empiricamente (2x ao dia).

Tratamento de manutenção: Pacientes que respondem de forma satisfatória ao IBP na dose padrão devem tentar
suspender a medicação após o tratamento inicial. Cerca de 80% evoluem com recidiva dos sintomas, geralmente
dentro dos primeiros 3 meses, e para estes indivíduos as seguintes opções são válidas: (1) reintroduzir o IBP na dose
padrão e mantê-lo indefinidamente; (2) utilizar o IBP na dose padrão, mas de forma intermitente (cursos alternantes
de 2-4 semanas); (3) utilizar o IBP “sob demanda” (isto é, somente para resolver sintomas eventuais). Alguns autores
também consideram válido tentar manter o paciente em uso contínuo de BH2 (2x ao dia), desde que não haja história
de esofagite erosiva ou complicações. O fato é que a estratégia a ser adotada dependerá da frequência e do impacto
dos sintomas na qualidade de vida do paciente, bem como de suas preferências pessoais.

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Para pacientes que necessitaram de IBP em dose dobrada durante o tratamento inicial, bem como para aqueles
diagnosticados com complicações da DRGE, recomenda-se NÃO TENTAR A SUSPENSÃO DA MEDICAÇÃO,
devendo o tratamento ser mantido indefinidamente com a menor dose efetiva possível.

Complicações

 Estenose péptica do esôfago

Ocorre em 5% dos portadores de esofagite erosiva, devido a uma cicatrização intensamente fibrótica das lesões.
Esta complicação se inicia no terço inferior do órgão, assumindo, com o passar dos anos, um padrão “ascendente”.

A disfagia por obstrução mecânica (predominando para sólidos) é a característica clínica mais marcante, geralmente
aparecendo de forma INSIDIOSA, precedida em anos por sintomas como pirose. A pirose, por outro lado, costuma
diminuir ou desaparecer quando da instalação de uma estenose péptica, pois esta última acaba atuando como
“barreira antirrefluxo”.

Outro dado sugestivo é que os portadores de estenose péptica – ao contrário dos portadores de estenose maligna
perdem pouco ou nenhum peso.

 Úlcera esofágica

Além de erosões (geralmente superficiais), a esofagite de refluxo pode complicar com a formação de úlceras (lesões
mais profundas que alcançam a submucosa e a muscular).

Esses pacientes se queixam de dor ao deglutir (odinofagia) e têm hemorragia digestiva oculta (anemia ferropriva).
Raramente eles perfuram o esôfago. Com frequência, as úlceras relacionadas à DRGE se localizam em áreas de
epitélio metaplásico (“úlcera de Barrett”), quer dizer, tais lesões estão sempre presentes no 1/3 distal do órgão.

Os principais diagnósticos diferenciais são a síndrome de Zollinger-Ellison (gastrinoma) e as úlceras induzidas por
comprimidos.

 Asma relacionada à drge

O refluxo pode ser a única causa para o broncoespasmo ou, mais comumente, a DRGE apenas exacerba uma asma
previamente existente. O próprio tratamento da asma (pelo uso de agonistas beta-adrenérgicos, que relaxam o EEI)
também pode induzir refluxo.

Critérios de Suspeição para Asma Relacionada à DRGE:

1. Asma de difícil controle.


2. Crises asmáticas que predominam no período pós-prandial.
3. Coexistência de sintomas típicos de DRGE (pirose, regurgitação e/ou disfagia).

 Epitélio colunar: esôfago de barrett

Quando o refluxo gastroesofágico é acompanhado por esofagite erosiva, a cicatrização das áreas lesadas pode se
dar pela substituição do epitélio escamoso normal por um epitélio colunar de padrão intestinal, altamente resistente
ao pH ácido (metaplasia intestinal). Trata-se do famoso epitélio ou Esôfago de Barrett (EB).

O EB é encontrado em 10-15% dos pacientes submetidos à EDA devido a sintomas de refluxo. É uma doença
principalmente de homens brancos, e sua prevalência aumenta com a idade até um pico entre 45-60 anos, podendo
estar presente cerca de 20 anos antes de ser reconhecida. Sabemos atualmente que a obesidade também é fator de
risco independente para EB.

A dificuldade no diagnóstico é justificada pela ausência de queixas específicas: os sintomas, quando presentes, são
oriundos da DRGE subjacente, e muitos pacientes são oligo ou mesmo assintomáticos. Aqui valem algumas
observações curiosas: o epitélio colunar pode realmente diminuir os sintomas da DRGE (até 25% dos pacientes com
EB são insensíveis ao ácido); o consumo de vinho tinto, a infecção crônica por H. pylori e a raça negra são fatores de
proteção contra o esôfago de Barrett.

O diagnóstico é suspeitado pela inspeção do endoscopista, que visualiza no terço inferior do órgão as típicas
“línguas” de coloração vermelho-salmão. A confirmação é feita pela biópsia, sendo sua principal característica

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histopatológica (que define a presença de metaplasia do tipo “intestinal”) o encontro de células caliciformes (repletas
de mucina), melhor identificadas pelo corante alcian-blue, que as torna azuis claras.

O grande problema do EB é que ele representa uma lesão precursora do Adenocarcinoma (AC) de esôfago.
Portadores de EB têm risco de AC 40x maior do que a população geral, o que equivale a 0,5% ao ano ou 10% no
total.

 Hemorragia

A forma mais comum de hemorragia é a que se manifesta por perda crônica de sangue. A hemorragia maciça
provocada por refluxo é rara. A utilização de AINE em pacientes com DRGE pode resultar em hemorragia importante;
porém, o que se nota habitualmente é o sangramento insidioso, com quadros de anemia do tipo ferropriva,
especialmente em indivíduos acima de 60 anos.

O Consenso de Roma III, direcionado para as doenças funcionais do aparelho digestório, sugere que, para o
diagnóstico de dispepsia, sejam considerados estes sintomas: a dor epigástrica (sensação subjetiva e desagradável
que os pacientes sentem quando está havendo lesão tecidual, restrita à região do epigástrio), a pirose epigástrica
(sensação desagradável de queimação limitada à região do epigástrio), a plenitude pós-prandial (sensação
desagradável que o alimento permanece prolongadamente no estômago) e a saciedade precoce (sensação que o
estômago fica cheio logo depois de iniciar a alimentação, desproporcional ao volume ingerido).

O consenso propõe ainda diferentes tipos de dispepsia:

 Dispepsia funcional, em que os sintomas não estão relacionados a doenças de base orgânica e os achados
de endoscopia são normais ou menores (gastrite);
 Dispepsia orgânica, em que os sintomas dispépticos estão relacionados a uma doença orgânica, como a
úlcera péptica;
 Dispepsia não diagnosticada, quando os sintomas dispépticos ainda não foram investigados e para o qual o
consenso propõe apenas algumas regras gerais de abordagem.

Propõe-se ainda que, quando os sintomas predominantes do paciente sejam pirose retroesternal, azia (sensação de
regurgitação ácida ou azeda) ou regurgitação, anteriormente definidos como dispepsia tipo refluxo.

Diagnóstico

 História e exame físico

Deve-se averiguar a natureza dos sintomas, sua frequência e cronicidade, especialmente em relação com a ingestão
de refeições e à possível influência de fatores dietéticos específicos.

A presença da perda ponderal e a quantidade perdida precisa ser avaliada, assim como outros sintomas alarmantes,
como anemia, perda de sangue e disfagia.

Avaliações adicionais de sintomas ou sinais de desordens sistêmicas (diabetes mellitus, doença cardíaca, transtornos
da tireoide) e a história pessoal e familiar do paciente vão indicar se ele está em risco de uma doença orgânica
específica que pode se manifestar como dispepsia.

Achados no exame físico, como uma massa abdominal ou visceromegalia, ascite ou sangue oculto nas fezes,
determinam a necessidade de avaliações adicionais. Atenção específica deve ser dada ao relato de pirose. A dor em
queimação restrita à região epigástrica é um sintoma básico de dispepsia e não é considerado como sendo pirose a
não ser que essa dor se irradie para a região retroesternal.

A presença de sintomas típicos e frequentes de refluxo deve levar a um diagnóstico provisório de DRGE em vez de
dispepsia, e o paciente deve inicialmente ser tratado para DRGE. A superposição da DRGE à dispepsia é
provavelmente frequente e precisa ser considerada quando os sintomas não respondem ao tratamento apropriado da
DRGE.
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A possível presença de síndrome do cólon irritável (SCI) superposta deve também ser avaliada, e os sintomas que
melhoram após as evacuações ou se associam a alterações na frequência ou na consistência das evacuações
devem levar a um diagnóstico presumido de SCI.

O uso de medicações deve ser revisto, e as medicações comumente associadas à dispepsia (especialmente AINES)
devem, se possível, ser suspensas. Em pacientes cujos AINES não possam ser suspensos, uma tentativa com o
inibidor de bomba de prótons deve ser considerada. Algumas orientações recomendem avaliação endoscópica para
afastar úlcera péptica.

 Testes laboratoriais e de imagem

Não foi estabelecida a eficácia em relação ao custo de testes laboratoriais rotineiros, especialmente em pacientes
mais jovens com dispepsia não complicada. Muitos clínicos consideram os testes de rotina (hemograma completo,
eletrólitos de rotina, nível de cálcio sérico, testes bioquímicos do fígado e testes da função da tireoide) em pacientes
acima de 45 anos a 55 anos.

Outros estudos, como nível sérico de amilase, anticorpos para doença celíaca, teste de fezes para se encontrar ovos
e parasitas ou antígenos de Giardia, e teste de gravidez, podem ser considerados em certos casos. São realizadas
em pacientes com dispepsia progressiva ou refratária que não respondam às abordagens de tratamento inicial.

Teste para doença celíaca e infecção por Giardia são úteis para pacientes com sintomas refratários, especialmente
quando acompanhados de perda de peso.

Em pacientes com dor intensa ou perda de peso de maior gravidade, ultrassonografia abdominal ou tomografia
computadorizada pode ser utilizado para se afastar uma doença pancreatobiliar e para avaliar a estenose das
grandes artérias abdominais.

Em caso de plenitude pós-prandial grave e especialmente em casos de náuseas e vômitos refratários, pode-se
considerar o teste de esvaziamento gástrico utilizando cintilografia ou teste respiratório. Em casos de retardo grave
no esvaziamento gástrico, uma seriografia do intestino delgado pode afastar obstrução mecânica como fator
contribuinte.

Em casos de dor intermitente ou queimação epigástrica refratária, o pH esofágico com monitoramento da impedância
é útil para o diagnóstico de manifestações atípicas de DRGE que não respondam à terapia antissecretora empírica. A
avaliação psicológica e psiquiátrica é recomendada em casos de sintomas refratários ou debilitantes de longa
duração.

Eletrogastrografia, estudos barostáticos ou testes simples de sobrecarga de nutrientes têm sido utilizados em estudos
fisiopatológicos, mas não estabeleceram o papel do tratamento clínico de pacientes dispépticos.

 Recomendações

Paciente dispéptico jovem (menos de 45 a 55 anos) e sem características alarmantes, a endoscopia inicial não pode
ser recomendada, pois o rendimento é baixo e não acrescenta dados para a abordagem do paciente.

Em uma população com uma alta prevalência (>20%) de infecção por H. pylori, a abordagem de teste e tratamento
permanece atrativa porque ela vai curar pacientes com doença ulcerosa péptica.

Os testes de escolha para a infecção por H. pylori são o teste de depuração respiratória da ureia ou o teste de
antígenos fecais.

Os pacientes H. pylori-positivos devem receber um período de 7 a 14 dias de terapia de erradicação de H. pylori. No


resultado negativo, um inibidor da bomba de prótons pode ser prescrito por 1 ou 2 meses.

Nas populações em que a prevalência da infecção por H. pylori for baixa, a terapia antissecretora empírica (inibidor
da bomba de prótons por 1 ou 2 meses) parece ser a opção preferencial.

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Os pacientes que não respondam a essas abordagens iniciais, e possivelmente aqueles com sintomas recorrentes
depois da interrupção da terapia antissecretora, devem ser submetidos à endoscopia, embora a produtividade ainda
possa ser baixa.

Em pacientes com mais de 45 a 55 anos sem características alarmantes, a maioria das orientações recomenda uma
endoscopia diagnóstica inicial.

Tratamento

 Medidas gerais

Tranquilidade e educação alimentar.

Medidas para alterar o estilo de vida e a dieta são geralmente prescritas a pacientes com dispepsia funcional. Fazer
com que os pacientes façam refeições mais frequentes e menores parece lógico.

Como a presença de lipídios no duodeno aumenta a sensibilidade gástrica, pode ser aconselhável evitar refeições
com um alto conteúdo lipídico.

Os estudos mostraram que os pacientes com dispepsia funcional têm uma prevalência maior de comorbidades
psicossociais. Com base em parte nessas comorbidades, intervenções psicológicas tais como grupos de apoio com
treinamento de relaxamento, terapia cognitiva, psicoterapia e hipnoterapia têm sido utilizadas em pacientes com
dispepsia funcional.

 Teste e tratamento para a infecção por h. Pylori

Os pacientes com resultado de teste positivo recebem terapia de erradicação (um inibidor da bomba de prótons e
dois antibióticos, como amoxicilina e claritromicina, ingeridos por 7 a 14 dias), já pacientes com resultado negativo
são tratados empiricamente, em geral com um inibidor da bomba de prótons.

A claritromicina e a amoxicilina (ou metronidazol) são primeira escolha, exceto em regiões de alta resistência à
claritromicina (superior a 15%-20%).

A terapia quádrupla com IBP, bismuto, tetraciclina e metronidazol pode ser alternativa (nível de evidência 1a, grau de
recomendação A). Para aumentar a efetividade de tais regimes, o Consenso sugere o uso de IBP 2 vezes ao dia e
até mesmo o uso de dose dobrada de IBP mais modernos, 2 vezes ao dia.

A extensão da terapia tríplice de 7 dias para 10 a 14 dias também pode aumentar sua efetividade.

 Terapia antissecretora empírica

Normalmente é feita com inibidores da bomba de prótons. Os IBPs proporcionam alívio sintomático superior ao dos
agonistas dos receptores para histamina H2, e a resposta se dá geralmente dentro de 2 semanas do início da terapia.
As desvantagens da terapia empírica com inibidores da bomba de prótons são a recidiva rápida dos sintomas após a
interrupção da terapia e a hipersecreção gástrica de rebote quando a terapia é suspensa. Muitos pacientes vão
continuar a usar cronicamente a terapia com inibidores da bomba de prótons.

 Procinéticos

Os procinéticos (bromoprida, domperidona, metoclopramida) não são mais indicados de rotina. Os procinéticos eram
prescritos como adjuvantes ao tratamento antissecretor, para melhorar o tônus e a motilidade da região
esofagogástrica. Nunca foi demonstrado benefício consistente para a maioria dos pacientes. Os procinéticos podem
ser prescritos para pacientes que, além dos sintomas típicos de refluxo, apresentam queixas dispépticas sugestivas
de gastroparesia associada (náuseas, saciedade precoce, plenitude pósprandial).

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Fármacos procinéticos aumentam a pressão do EEI, melhoram o clearance esofágico e o esvaziamento gástrico.
Nenhum deles mostrou-se eficaz em diminuir a frequência dos episódios de relaxamento transitório do EEI,
considerado o mecanismo mais importante para a ocorrência do RGE.

Exemplos: cisaprida, metoclopramida, domperidona, bromoprida e eritromicina.

 Antiácidos

Os mais antigos fármacos utilizados no tratamento de desconforto gastrintestinal são antiácidos de uso popular,
muitas vezes adquiridos sem prescrição médica. São constituídos de sais básicos, em formulações contendo sal
único (bicarbonato de sódio) ou em associação (hidróxido de alumínio e hidróxido de magnésio).

Na presença de ácidos como o ácido clorídrico, complexam-se, tamponando o ambiente (HCl + NaHCO3 ⇔ NaCl +
H2O + CO2). São pouco eficazes, pois essa reação estequiométrica promove neutralização local momentânea,
aliviando parcialmente alguns sintomas como queimação e desconforto gástrico.

Estudo randomizado mostrou que, embora a administração desses sais básicos, em indivíduos saudáveis e em
jejum, aumente significativamente o pH após 30 minutos, quando em comparação com o placebo, não há
persistência desse efeito ao longo do tempo. No estado alimentado, esse efeito persiste por cerca de 60 minutos,
mantendo o pH >5,0 e prolongando o efeito antiácido.

Combinações de hidróxido de alumínio e de magnésio são pouco absorvidas em comparação com o bicarbonato e
apresentam efeito antiácido mais prolongado, sendo preferidas para alívio de sintomas de desconforto gástrico.

Os usuários devem ser alertados quanto ao uso crônico e indiscriminado, pois, embora raros, os efeitos adversos
compreendem aumento do pH sanguíneo por sobredose de bicarbonato, o que resulta em alcalose, caracterizada por
alterações do padrão respiratório (hiperventilação), náusea, vômito, tremores e confusão.

O uso crônico ou a ingestão de doses elevadas de bicarbonato, concomitantemente à ingestão de leite ou de


suplementos contendo cálcio, resultam em síndrome do leite alcalino, com aparecimento de sintomas como
natriurese (micção frequente), dor muscular, fadiga e insuficiência renal. Esta última, como resultado de
hipercalcemia, redução da secreção do hormônio paratireóideo, retenção de fosfato e precipitação de sais de cálcio
no rim. O alumínio contido em alguns antiácidos complexa-se com o fosfato, o que resulta em fraqueza, mal-estar e
anorexia, em associação com quadro de hipofosfatemia.

 Inibidores de bomba de prótons (ibp)

São os mais potentes supressores da acidez gástrica, ao inibirem a enzima H+/K+-ATPase gástrica (bomba de
prótons).

Os IBP atualmente disponíveis incluem omeprazol, pantoprazol, rabeprazol, lansoprazol, esomeprazol (isômero-S do
omeprazol), dexlansoprazol (enantiômero-R do lansoprazol) e pantoprazol di-hidratado associado a magnésio.

Embora alguns IBP tenham meia-vida mais longa, todos eles têm eficácia equivalente se usados em doses
comparáveis.

Os IBP são pró-fármacos ativados em pH ácido, são formulados como grânulos de liberação entérica em cápsulas de
gelatina ou comprimidos de liberação entérica, protegendo-os da ativação já no estômago. Uma maior
biodisponibilidade também é observada após uso crônico, uma vez que a inibição da secreção ácida protege contra
sua ativação gástrica. Após rápida absorção, o pró-fármaco acumula-se nos canalículos de secreção ácida da célula
parietal, onde é ativado pela formação de sulfenamida tetracíclica catalisada por prótons, que impede que o mesmo
se difunda pela membrana canalicular. A forma ativada liga-se covalentemente com grupos de sulfidrila de cisteínas,
inativando irreversivelmente a bomba de prótons.

Apesar da meia-vida curta (0,5 a 2 horas), os IBP promovem supressão prolongada da secreção ácida, de 24 a 48
horas, tempo necessário para que se sintetizem novas moléculas da enzima H+/K+-ATPase anteriormente inibida.

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Por bloquearem a etapa final da produção ácida, sua ação não é influenciada por outros fatores estimulantes da
secreção como histamina, acetilcolina ou gastrina.

O pH baixo dos canalículos da célula parietal é necessário para a ativação do fármaco, justificando sua maior eficácia
se administrado em jejum ou 30 minutos antes das refeições. A administração de IBP junto às refeições pode diminuir
discretamente sua biodisponibilidade.

Como as células parietais não são todas inibidas ao mesmo tempo, a supressão ácida máxima é observada em 2 a 5
dias após o início do tratamento com doses únicas diárias, sendo possível antecipar esse efeito pela administração
de 2 doses diárias.

De modo geral, os IBP inibem o metabolismo de diazepam, carbamazepina, fenitoína e varfarina, necessitando de
monitorização sérica desses fármacos para controle dos efeitos adversos graves. Também, por alteração do pH
gastrintestinal, aumentam a absorção de digoxina, nifedipina e cetamina.

Os IBP são fármacos geralmente bem tolerados e com poucos efeitos adversos, sendo os mais comuns: náusea,
cefaleia, dor abdominal, constipação, flatulência e diarreia. Menos frequentemente, o uso de IBP como o omeprazol
está associado a miopatias agudas, artralgias, exantemas cutâneos, osteoporose e fratura óssea, hipomagnesemia,
pólipos gástricos, infecções entéricas, nefrite intersticial e pneumonia. Também se observa hipergastrinemia, que
pode levar a aumento da produção ácida após a interrupção do uso de IBP (hipersecreção de rebote). Em função do
aumento do pH gástrico e da redução da liberação do fator intrínseco, necessário para a absorção intestinal da
vitamina B12, há evidências de que o tratamento crônico com IBP reduza a biodisponibilidade da vitamina B12.

Indicações: úlcera péptica, doença de refluxo gastresofágico (DRGE), síndrome de Zollinger-Ellison, sangramento
gastrintestinal alto, dispepsia funcional, esofagite eosinofílica, insuficiência pancreática exócrina, uso profilático em
usuários crônicos de fármacos com potencial lesivo sobre a mucosa gastrintestinal, como AINE, antineoplásicos e
outros.

Os IBP aumentam os níveis de fator de crescimento transformante alfa (TGF-alfa) e de receptores de fator de
crescimento epidérmico (EGF-r), promovendo a renovação da mucosa.

Definição

As úlceras pépticas constituem soluções de continuidade da mucosa


gastrintestinal secundárias ao efeito corrosivo do ácido clorídrico (HCl) e
da pepsina, estendendo-se através da muscularis mucosae, atingindo a
camada submucosa e, mesmo, a muscularis propria.

As úlceras pépticas podem se desenvolver em qualquer porção do trato


digestório exposta à secreção cloridropéptica em concentração e duração
suficientes, mas o termo “doença ulcerosa péptica” é geralmente
empregado para descrever ulcerações do estômago, do duodeno ou de
ambos.

Epidemiologia

A incidência da Doença Ulcerosa Péptica (DUP) vem caindo vertiginosamente ( relacionada a queda na prevalência
de colonização gástrica pelo H. pylori).

As úlceras duodenais predominam em populações ocidentais, enquanto as úlceras gástricas são mais frequentes na
Ásia, em especial no Japão.

A úlcera duodenal é cinco vezes mais frequente do que a úlcera gástrica.


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A úlcera duodenal em 95% dos casos localiza-se na primeira porção do duodeno e incide na faixa etária de 30 a 55
anos de idade.

As úlceras gástricas são encontradas com maior frequência em indivíduos mais velhos.

A localização mais frequente da úlcera péptica do estômago é na região de antro gástrico (80% na pequena
curvatura), no epitélio gástrico não secretor de ácido, geralmente próximo à transição para o epitélio secretor
localizado no corpo do estômago, em indivíduos entre 50 e 70 anos de idade.

De modo geral, as úlceras são mais comuns no sexo masculino (1,5 a 3 vezes).

O sangramento é a complicação mais


frequente da doença ulcerosa péptica,
ocorrendo em torno de 15 a 20% dos casos,
em sua maioria associados às úlceras
duodenais e com taxa de mortalidade de 5
a 10%.

A doença ulcerosa péptica representa a


causa mais comum de hemorragia digestiva
alta, responsável por aproximadamente
50% dos casos.

As perfurações são complicações ainda mais graves, observadas em até 5% dos pacientes e responsáveis por dois
terços das mortes por úlcera péptica. Ocorrem mais frequentemente na pequena curvatura gástrica e na parede
anterior do bulbo duodenal.

Fatores de risco

Os principais fatores de risco são: a infecção pelo H. pylori e o uso de AINEs.

 Fatores genéticos.
 Fatores fisiológicos: pacientes com úlcera duodenal apresentam várias alterações: maior secreção de ácido e
pepsina; maior massa de células parietais; maior sensibilidade da célula parietal ao estímulo da gastrina;
aumentada liberação de gastrina; controle deficiente na regulação da liberação de gastrina através do pH
ácido; esvaziamento gástrico acelerado; menor produção de bicarbonato pelo duodeno com deficiente
neutralização duodenal do ácido clorídrico.

É importante ressaltar que cada uma dessas alterações é encontrada em um maior percentual de pacientes com
úlcera duodenal que na população normal, mas nenhuma delas é observada em todos os pacientes.

 Fatores ambientais: tabaco, ácido acetilsalicílico, outros antiinflamatórios não esteróide e costicosteróides. O
tabagista apresenta percentuais menores de cicatrização e maiores de recidiva da úlcera péptica.

O ácido acetilsalicílico e os antiinflamatórios não esteróides estão associados à lesões


aguda da mucosa gástrica, enquanto os corticosteróides estão mais relacionados a alguns
casos de úlcera duodenal.

Quadro clínico

Os sintomas referidos pelos pacientes não permitem diferenciar úlcera duodenal (UD) e
úlcera gástrica (UG) e, algumas vezes, são muito discretos, atípicos ou ausentes.

Quando presente, a dor é habitualmente pouco intensa, em queimação, localizada no


epigástrio, circunscrita e descrita como “dor de fome, queimadura ou desconforto na boca
do estômago”.

18
Resumo Gastro
Larissa Gusmão Guimarães

A dor mantém-se por semanas, de forma rítmica.

A ritmicidade é relação íntima da dor com a alimentação: a melhora da dor com a ingestão de alimentos é
relativamente frequente nos portadores de UD (chamada de dor em três tempos: dói-come-passa), ao passo que, em
portadores de UG, a ingestão de alimentos às vezes
piora ou desencadeia o sintoma (dor em quatro tempos:
dói-come-passa-dói).

Outra característica da dor da úlcera péptica é a


periodicidade: períodos de acalmia (desaparecimento da
dor por meses ou mesmo anos) intercalados por outros
sintomáticos.

O fato de o paciente ser despertado pela dor no meio da


noite (“clocking”) é sugestivo da presença de úlcera,
particularmente duodenal.

A pirose ou azia é comum nos pacientes com UD, em


virtude da associação da UD com refluxo
gastresofágico.

Outros sintomas dispépticos, como eructação,


flatulência, sialorreia, náuseas, vômitos não são próprios
da úlcera péptica, mas podem estar associados.

O exame físico nada acrescenta, a não ser nos casos de complicações, como hemorragia, estenose ou perfuração.

Curiosamente, em 10% dos ulcerosos a hemorragia é a primeira manifestação da doença, e, em um terço dos
pacientes com úlcera perfurada, o abdome agudo foi o primeiro sintoma da doença.

Na dependência das complicações desenvolvidas, os pacientes com doença ulcerosa péptica complicada podem
apresentar- se com melena, hematêmese, perda de sangue oculto nas fezes, náuseas, vômitos, distensão
abdominal, sinais de peritonite ou instabilidade hemodinâmica.

Neoplasia, pancreatite, colecistite, doença de Crohn e insuficiência vascular mesentérica são exemplos de doenças
que podem apresentar sintomatologia semelhante à da úlcera péptica.

Fisiopatologia

Origem multifatorial.

O fator genético é, provavelmente, muito importante quanto ao fenótipo secretório de determinada população, não
só pela variação na população de células parietais, mas, também, pelo limiar de sensibilidade das células
envolvidas no processo secretório gástrico.

Fatores ambientais seguramente desempenham papel importante na eclosão da úlcera nos indivíduos
geneticamente predispostos e, entre eles, a infecção pelo H. pylori é, aparentemente, fundamental.

O H. pylori é uma bactéria espiralada. Atualmente, é incontestável a atuação do H. pylori na gênese da úlcera
péptica, em virtude da inflamação sobre a mucosa e da alteração dos mecanismos regulatórios da produção de
ácido.

Estima-se que cerca de 90 a 95% dos ulcerosos duodenais e de 60 a 70% dos portadores de úlceras gástricas
encontram-se infectados pela bactéria.

19
Resumo Gastro
Larissa Gusmão Guimarães

A liberação de citocinas inflamatórias e a resposta imunológica do hospedeiro seriam os moduladores da


agressão que determinaria a presença e o tipo de doença que o hospedeiro infectado apresentaria. A variedade da
cepa do H. pylori seria primordial na cascata de eventos que culminaria, eventualmente, na úlcera.

A secreção de ácido de um indivíduo varia na dependência de vários fatores ambientais. A alimentação, o uso de
determinados medicamentos, o hábito de fumar, o estado emocional influenciam a produção de ácido nas 24 h.

A produção de ácido está, em geral, aumentada nos portadores de úlcera duodenal e normal ou baixa nos
indivíduos com úlcera gástrica.

A secreção basal de HCl é 2 a 3 vezes maior nos ulcerosos duodenais, observando-se um intrigante imbricamento
dos valores pós-estímulo máximo.

O aumento da secreção ácida pode ser explicado pelas seguintes observações:

 Aumento da população de células parietais.


 Maior sensibilidade da célula parietal ao estímulo da gastrina.
 Menor sensibilidade da célula G aos mecanismos inibitórios.

O principal mediador da secreção ácida estimulada por alimentos é a gastrina; portanto, distúrbios da secreção ácida
relacionados com a hipergastrinemia tendem a se exacerbar com a ingestão de alimentos.

A resposta exagerada da gastrina pode resultar, também, da menor produção de somatostatina, hormônio que inibe a
célula G.

As citocinas localmente produzidas e a elevação do pH consequente à produção de amônia pela bactéria são
mecanismos lembrados como responsáveis pela diminuição da concentração da somatostatina.

O pepsinogênio, precursor da pepsina, encontra-se elevado na maioria dos ulcerosos. As frações 1 e 3 do


pepsinogênio I, que possuem maior atividade proteolítica, estão presentes em porcentagem maior nos ulcerosos. Os
ulcerosos duodenais apresentam, portanto, aumento no pepsinogênio total e, ainda de maior relevância, é o fato de a
atividade proteolítica desta enzima ser maior nos ulcerosos.

Além das alterações na produção de HCl e pepsinogênio, deve ser lembrada a equação agressão/defesa. A
diminuição da capacidade de defesa da mucosa é importante, tornando-a mais vulnerável aos elementos agressivos.

A inflamação da mucosa e a diminuição de peptídios envolvidos no estímulo dos elementos que mantém a mucosa
íntegra favorecem a lesão.

O H. pylori atuaria em ambos os lados dessa equação, diminuindo a disponibilidade endógena de prostaglandinas
(PG) e do fator de crescimento epitelial (EGF = Epithelial Growth Factor), reduzindo a defesa da mucosa, além de
aumentar a produção dos fatores agressivos.

As PG são responsáveis por estimular a produção de muco e de bicarbonato pelas células epiteliais, influenciam a
hidrofobicidade do muco adjacente à superfície epitelial, regulam o fluxo sanguíneo da mucosa e a capacidade de
replicação do epitélio. A redução dos níveis de PG resultaria em sério comprometimento dos mecanismos de defesa
da mucosa.

O EGF é elemento essencial na reparação da mucosa. O comprometimento de sua produção significa redução na
capacidade regenerativa da superfície epitelial.

Diminuição da concentração do EGF foi observada em pacientes portadores de úlcera gástrica e duodenal.

Nos pacientes com úlcera duodenal, em geral a inflamação está restrita ao antro gástrico e à região do corpo
poupada, ou comprometida por discreta inflamação. Em virtude da infecção e do processo inflamatório antral pela
bactéria, a produção de gastrina está aumentada e, como a mucosa do corpo está preservada, observa-se maior

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Resumo Gastro
Larissa Gusmão Guimarães

produção de ácido, que é ofertado em maior quantidade ao bulbo. Uma das consequências deste fenômeno é maior
frequência de metaplasia gástrica no bulbo duodenal.

Os locais onde existe metaplasia gástrica são colonizados pelo H. pylori, evoluindo com inflamação, tornando-se
mais suscetível à agressão pelo fator acidopéptico, cujo resultado final é a úlcera.

Além do distúrbio na secreção de ácido e alteração da defesa da mucosa, a própria ação lesiva da bactéria deve ser
lembrada como fator importante na etiologia da úlcera. Sabe-se que pacientes ulcerosos estão em geral infectados
por cepas cag-A (cytotoxin-associated gene) positivas que são, também, em geral, vac-A (vacuolating cytotoxin A)
positivas.

A proteína cag-A é um marcador de ilha de patogenicidade envolvendo outras citocinas importantes em determinar
a virulência da bactéria. Estudos recentes demonstraram um padrão constante, relacionando as cepas cag-A
positivas com maior produção de gastrina e de ácido pós-estímulo.

Outros genes, como das proteínas de adesão BabA e de membrana OipA, têm, também, elevada frequência nos
pacientes com doença ulcerosa, porém com um papel menos relevante na sua patogênese.

Em estudo recente realizado em nosso meio, a comparação entre pacientes ulcerosos e dispépticos não ulcerosos
demonstrou que a positividade de proteínas da ilha de patogenicidade cag (cag-T, cag-M, cag-A) representa
importante fator preditivo no desenvolvimento de úlcera péptica no Brasil.

 Papel dos aines

Especula-se que o maior número de pacientes submetidos ao tratamento de erradicação aumente a tendência ao
surgimento de úlceras relacionadas com o uso de AINE/AAS ou a situações raras, como gastrinoma, doença de
Crohn ou resposta secretória exagerada aos estímulos fisiológicos.

A fisiopatologia da lesão induzida por AINE/AAS baseia- se na supressão da síntese de prostaglandinas. O


mecanismo envolvido nessa situação indica a agregação de neutrófilos às células endoteliais da microcirculação
gástrica, diminuindo o fluxo sanguíneo gástrico efetivo, bem como a redução na produção de muco prostaglandina-
dependente e o comprometimento da capacidade de migração epitelial de células adjacentes à área lesada.

A circulação da mucosa e a capacidade de defesa celular ficam comprometidas, e a mucosa torna-se vulnerável à
agressão de fatores intraluminares, como ácido clorídrico, pepsina, sais biliares, H. pylori e medicamentos.

Pacientes em uso de AINE têm um risco 4 vezes maior desenvolver complicações, como sangramentos, quando
comparados a não usuários.

São consideradas condições de risco em usuários de AINE:

 Antecedente de úlcera;
 Idade avançada (> 60 anos);
 Presença de comorbidades;
 Uso de altas doses de aine;
 Associação com corticoides, aas ou anticoagulantes;
 Infecção pelo H. pylori.

A erradicação da bactéria isoladamente demonstra significativa redução na incidência de úlceras pépticas em


usuários crônicos de AINE/AAS; todavia, em indivíduos de alto risco, como naqueles com sangramento prévio, a
erradicação não é suficiente para a prevenção de novo sangramento, devendo-se associar supressão ácida como
medida de prevenção.

 Doença da Mucosa Relacionada ao Estresse

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Resumo Gastro
Larissa Gusmão Guimarães

A doença da mucosa relacionada ao estresse ocorre em pacientes com traumas graves, queimaduras extensas,
doenças intracranianas, que realizaram cirurgias de grande porte, que apresentam sérias doenças clínicas e outras
formas de estresse fisiológico grave.

 As úlceras de estresse são mais comuns em indivíduos com choque, sepse ou trauma grave.
 As úlceras que ocorrem no duodeno proximal e estão associadas a queimaduras graves ou traumas são
chamadas de úlceras de Curling.
 Úlceras gástricas, duodenais e esofágicas que surgem em pessoas com doença intracraniana são chamadas
de úlceras de Cushing e apresentam alta incidência de perfuração.

A patogenia da lesão da mucosa gástrica relacionada ao estresse é mais comumente relacionada à isquemia local.
Isto pode ocorrer devido à hipotensão sistêmica ou fluxo sanguíneo reduzido, causado pela vasoconstrição
esplâncnica induzida por estresse.

A regulação da óxido-nítrico sintase induzível e o aumento da liberação da endotelina-1 vasoconstritora também


contribuem para lesões isquêmicas da mucosa gástrica, enquanto o aumento da expressão COX-2 aparenta protegê-
la.

Sabe-se que as lesões associadas a lesões intracraniais são causadas pela estimulação direta dos núcleos vagais, o
que causa uma hipersecreção de ácido gástrico. A acidose sistêmica, um achado frequente em tais condições,
também pode contribuir para lesão na mucosa pela diminuição do pH intracelular das células mucosas.

Definição e epidemiologia

“Gastrite” significa inflamação gástrica. Esse termo é utilizado atualmente para indicar a
presença de infiltrado leucocitário inflamatório na mucosa do estômago, que pode ou não
se associar a alterações do aspecto endoscópico.

A gastrite por H. pylori e a gastrite autoimune (anemia perniciosa) são os dois principais
representantes.

A prevalência da Gastrite por Helicobacter tem caído nos países desenvolvidos, sendo
inversamente proporcional ao nível socioeconômico.

Fatores de risco

Nos Estados Unidos, a infecção por H. pylori está associada à pobreza, à superpopulação doméstica, à educação
limitada, à etnia afro-americana ou méxico-americana, à residência em áreas rurais. Humanos são os
transportadores primários, o que sugere que a transmissão é primeiramente feita através da via fecal-oral.

A colonização do estômago por H. pylori induz a gastrite crônica e está relacionada com o surgimento de úlceras
.
gástricas e duodenais, carcinoma gástrico e linfoma gástrico

 Gastrite aguda por h. Pylori

Adquirido por via oral, o microrganismo penetra na camada de muco e se multiplica em contato íntimo com as células
epiteliais do estômago. O epitélio responde com depleção de mucina, esfoliação celular e alterações regenerativas
sinciciais.

As bactérias liberam diferentes agentes quimiotáticos que penetram através do epitélio lesado e induzem a migração
de polimorfonucleares para a lâmina própria e epitélio.

22
Resumo Gastro
Larissa Gusmão Guimarães

Os produtos bacterianos também ativam os mastócitos e, através de sua degranulação, há liberação de outros
ativadores inflamatórios que aumentam a permeabilidade vascular, a expressão de moléculas de adesão de
leucócitos nas células endoteliais e também contribuem para uma maior migração de leucócitos.

O H. pylori estimula o epitélio gástrico a produzir uma potente citocina, a interleucina-8, cuja produção é
potencializada pelo fator de necrose tumoral e pela interleucina-1 liberados pelos macrófagos em resposta à
lipopolissacáride bacteriana.

Ocorre pronunciada hipocloridria e ausência de secreção de ácido ascórbico para o suco gástrico. A secreção ácida
retorna ao normal após várias semanas, e a secreção de ácido ascórbico para o suco gástrico persiste reduzida
enquanto durar a gastrite crônica. Esta fase aguda é de curta duração.

Com exceção de algumas crianças que eliminam espontaneamente a bactéria, a resposta imune é incapaz de
eliminar a infecção e, após 3 a 4 semanas, ocorre um gradual aumento de células inflamatórias crônicas. Como
consequência, a gastrite neutrofílica aguda dá lugar a uma gastrite ativa crônica.

QUADRO CLÍNICO: Embora a primoinfecção por H. pylori passe despercebida pela maioria dos pacientes, às vezes,
após um período de incubação variável de 3 a 7 dias, alguns indivíduos desenvolvem um quadro clínico
caracterizado por dor ou mal estar epigástrico, pirose, náuseas, vômitos, flatulência, sialorreia, halitose, cefaleia e
astenia. Os sintomas tendem a permanecer por 1 a 2 semanas.

 Gastrite crônica por h. Pylori

H. pylori são bacilos em forma de espiral. A infecção por H. pylori não produz sintomas suficientes para que haja um
alerta para cuidados médicos, na maioria dos casos; é a gastrite crônica que, por fim, faz com que o indivíduo busque
tratamento. Organismos H. pylori estão presentes em 90% dos indivíduos com gastrite crônica que afeta o antro.

A produção de ácido é normal ou elevada.

A produção de gastrina local pode ser aumentada, mas a hipergastrinemia (aumento do nível sérico da gastrina) é
rara. Quando a inflamação permanece limitada ao antro, o aumento da produção de ácido resulta em um risco maior
de úlcera péptica duodenal.

Em outros pacientes, a gastrite progride para envolver o corpo gástrico e o fundo. Essa gastrite atrófica multifocal
está associada a placas de atrofia da mucosa, redução da massa de células parietais e da secreção de ácido,
metaplasia intestinal e risco aumentado de adenocarcinoma gástrico.

Dessa forma, há um relacionamento inverso entre a úlcera duodenal e o adenocarcinoma gástrico, o qual se
correlaciona com o padrão da gastrite.

Os organismos H. pylori se adaptaram ao nicho ecológico fornecido pelo muco gástrico. Sua virulência está
relacionada aos seguintes fatores:

 Flagelos, os quais permitem que a bactéria seja móvel no muco viscoso.


 Urease, que gera amônia da ureia endógena e assim eleva o pH gástrico local e aumenta a taxa de
sobrevivência bacteriana.
 Adesinas, que acentuam a aderência bacteriana à superfície das células foveolares.
 Toxinas, como o gene A associado à citotoxina (CagA), que pode estar envolvido na progressão da doença.
A variação neste e em outros fatores bacterianos está fortemente relacionada ao resultado.

Polimorfismos genéticos, que resultam no aumento da expressão do fator de necrose tumoral (TNF), de citocinas pró-
inflamatórias e interleucina-1β (IL-1β), ou a queda de expressão da citocina anti-inflamatória interleucina-10 (IL-10),
estão associados ao desenvolvimento de pangastrite, atrofia e câncer gástrico.

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A deficiência de ferro também pode ser um fator de risco para o câncer gástrico associado ao H. pylori. A rota da
gastrite por H. pylori é, dessa forma, o resultado da interação entre as defesas das mucosas gastroduodenais,
respostas inflamatórias e fatores de virulência bacteriana.

A sequência infecção pelo H. pylori → gastrite crônica → atrofia glandular → metaplasia intestinal constitui um
conjunto de alterações associativas muito frequentemente observado na espécie humana e desencadeado pela
infecção pelo H. pylori ou tendo como passo inicial essa infecção.

Epidemiologia

Por motivos desconhecidos, a incidência e a taxa de mortalidade do câncer gástrico têm sofrido acentuada queda
nos últimos 75 anos em todo o mundo.

O risco de câncer gástrico é superior nas classes socioeconômicas inferiores.

O adenocarcinoma gástrico incide mais sobre homens, em uma proporção de 2:1 homem/mulher, assim como é mais
encontrado entre os negros.

Fatores de risco

O adenocarcinoma gástrico tem etiologia complexa e


multifatorial. Fatores dietéticos e hábitos de vida
tradicionalmente recebem grande ênfase no estudo do
adenocarcinoma gástrico.

 Fatores de redução de risco: Maior consumo de


frutas e vegetais e suplementação de vitaminas na
dieta. Esses fatores ainda precisam ser
confirmados.

O hábito de fumar constitui um fator de risco estabelecido


para o adenocarcinoma gástrico.

A gastrectomia parcial, geralmente a antrectomia com


anastomose à Billroth II, empregada antigamente no tratamento da úlcera péptica, está associada ao aumento de
incidência de câncer gástrico.

 A associação é mais evidente em gastrectomias realizadas para úlcera gástrica e menos convincente para
cirurgias em portadores de úlcera duodenal, não sendo essa associação observada com os tumores da região
cárdica do estômago.

Associação entre câncer gástrico, gastrite autoimune e anemia perniciosa.

A infecção por Helicobacter pylori (H. pylori) constitui hoje o maior fator de risco para o desenvolvimento do
adenocarcinoma distal de estômago. Sua presença no estômago humano eleva cerca de 6 vezes a incidência desse
tipo de tumor

Além disso, é sabido o papel da inflamação crônica do trato gastrintestinal na proliferação, adesão e transformação
celulares. No ambiente intragástrico, a proteína CagA produzida por algumas cepas de H. pylori é hoje considerada
como potencial agente oncogênico direto. Esta proteína, produzida pelo gene CagA, é introduzida dentro das células
epiteliais gástricas através do sistema de secreção tipo IV do H. pylori (como uma “seringa molecular”). Uma vez
injetada no interior da célula epitelial, esta proteína é fosforilada pelas quinases da família SRC e ativa a fosfoquinase
SHP2, que atua como oncoproteína humana, e, em conjunto com outras quinases, são capazes de subverter a

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fisiologia celular, gerando processos pré-neoplásicos como ativação de receptores de fatores de crescimento,
proliferação celular aumentada, evasão de apoptose, angiogênese sustentada, dissociação celular e invasão tecidual,
entre outros. Recentemente, estudos experimentais em ratos colonizados por H. felis têm questionado a teoria
epitelial para a carcinogênese gástrica. No experimento, a mucosa gástrica infectada tornou-se atrófica, sendo
colonizada por células-tronco da medula óssea que se diferenciariam em células intestinais, dando sequência à
metaplasia intestinal, displasia e câncer intraepitelial.

Aproximadamente 85% dos cânceres do estômago são adenocarcinomas e 15% são linfomas, bem como
tumores do estroma gastrintestinal (GIST) e leiomiossarcomas.

Os adenocarcinomas gástricos podem ser divididos em duas categorias:

 Tipo difuso, em que não há coesão celular, e as células individuais infiltram e espessam a parede gástrica
sem formar uma massa bem-definida. Mais comuns em pacientes jovens. Ocorrem em todo o estômago,
diminuem a elasticidade da parede (aspecto de “bolsa de couro”) e tem pior prognóstico.
 Tipo intestinal, caracterizado por células neoplásicas coesas que formam estruturas tubulares semelhantes
às glândulas. São mais ulcerativas, mais comuns no antro e na curvatura menor do estômago. Muitas vezes
um processo pré-canceroso prolongado as precede, geralmente iniciado pela infecção por Heliobacter pylori.

Classificação morfológica de Borrmann:

 Tipo I: polipoide, exofítico, papilar ou vegetante, correspondente às lesões que se projetam para o lúmen
gástrico e que, variando de tamanho, podem atingir grandes proporções.
 Tipo II: são os cânceres ulcerados que medem mais de 3 cm de diâmetro, bem delimitados, sem infiltração
do tecido vizinho. Suas bordas são caracteristicamente elevadas, irregulares e mamelonadas. Apresentam
fundo de cor acinzentada, com tecido necrótico mesclado com coágulos de sangue, podendo apresentar
ilhas de mucosa normal.
 Tipo III: câncer ulcerado e infiltrante, com bordas menos salientes que no tipo II e com disseminação
parcialmente difusa.
 Tipo IV: é a infiltração neoplásica difusa de um segmento da parede gástrica ou de toda essa parede,
podendo ocorrer ulcerações de profundidade variável.

Quando a infiltração se estende por todo o estômago, os limites não são distinguidos pela palpação, nem tampouco
por métodos radiológicos ou endoscópicos; é a chamada linitis plastica, na qual as paredes do estômago tornam-se
rígidas e o órgão toma forma tubular sugestiva de uma bota de couro.

Fisiopatologia

A ingestão de altas concentrações de nitratos, presentes em alimentos desidratados, defumados ou salgados, por
períodos prolongados parece estar associada a um risco maior. Acredita-se que bactérias convertam esses nitratos
em nitritos carcinogênicos.

A ingestão de alimentos parcialmente decompostos, muito comum entre as classes menos favorecidas em todo o
mundo, pode ser responsável pela introdução exógena de bactérias.

Outras bactérias como o H. pylori também podem contribuir para esse efeito ao causar gastrite crônica, perda da
acidez gástrica e proliferação bacteriana no estômago.

A acidez pode diminuir após a retirada cirúrgica das células produtoras de ácido do antro gástrico para controle da
doença ulcerosa péptica benigna. Outras causas de perda de acidez em idosos são a acloridria, gastrite atrófica e até
anemia perniciosa. Na gastrite atrófica, endoscopias seriadas documentaram substituição da mucosa gástrica comum
por células do tipo intestinal, processo chamado de metaplasia intestinal que pode ocasionar a atipia celular e, mais
tarde, neoplasia.

As úlceras gástricas e os pólipos adenomatosos já foram implicados algumas vezes, mas os dados em favor de uma
relação de causa e efeito são duvidosos.
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A dificuldade na diferenciação clínica entre úlceras gástricas benignas e pequenos carcinomas ulcerados pode
explicar em parte essa suposta associação.

A hipertrofia extrema das pregas gástricas (doença de Ménétrièr), dando a impressão de lesões polipoides, está
associada à elevada frequência de transformação maligna. No entanto, essa hipertrofia não representa a presença
de pólipos adenomatosos verdadeiros.

Os indivíduos do grupo sanguíneo tipo A apresentam maior incidência de câncer gástrico que os indivíduos do grupo
sanguíneo O, observação que pode ter relação com diferenças na atividade secretora da mucosa que afetam a
proteção que ela oferece contra carcinógenos.

A mutação germinativa do gene da E-caderina, que codifica uma proteína de adesão celular, tem transmissão
autossômica dominante e está associada a elevada incidência de cânceres gástricos ocultos do tipo difuso em
portadores jovens assintomáticos.

As úlceras duodenais não estão associadas ao câncer gástrico.

Considerando o modelo da carcinogênese em etapas, mutações em K-ras parecem ser eventos iniciais no câncer
gástrico do tipo intestinal.

Aproximadamente metade dos tumores do tipo intestinal apresentam mutações nos genes supressores de tumores
como TP53, TP73, APC (polipose adenomatosa coli), TFF (família do fator ter-foide), DCC (deletados no câncer de
colo) e FHIT (tríade de histidina frágil).

A superexpressão de ciclina E está associada à progressão da displasia.

Alterações epigenéticas (especialmente metilação aumentada) têm sido correlacionadas com um risco mais elevado
de doença invasiva.

A beta-catenina tem sido encontrada no núcleo de células tumorais na margem invasiva da lesão.

Manifestações clínicas

Os cânceres gástricos superficiais e curáveis cirurgicamente geralmente são assintomáticos.

À medida que o tumor se estende, os pacientes podem apresentar desconforto abdominal superior insidioso que
varia de plenitude pós-prandial vaga a dor intensa e constante.

A anorexia, muitas vezes acompanhada de náuseas leves, é muito comum, mas não costuma ser a queixa que traz
o paciente ao médico. Às vezes, há perda de peso.

As náuseas e os vômitos são mais acentuados nos tumores do piloro, e a disfagia e a saciedade precoce podem ser
os principais sintomas nas lesões difusas que se originam na cárdia. Não há sinais físicos precoces.

Uma massa abdominal palpável indica um longo período de evolução e sugere extensão regional.

Os carcinomas gástricos se disseminam por extensão direta através da parede gástrica para os tecidos perigástricos,
às vezes aderindo a órgãos adjacentes, como pâncreas, colo ou fígado. A doença também se difunde pelos vasos
linfáticos ou se implanta nas superfícies peritoneais.

Metástases para os linfonodos intra-abdominais ou supraclaviculares são frequentes, assim como os nódulos
metastáticos no ovário (tumor de Krukenberg), na região periumbilical (“nodo da irmã Maria José”) ou no
fundo-de-saco peritonial (prateleira de Blumer, palpável ao toque retal ou vaginal), linfonodos na fossa
supraclavicular esquerda (gânglio de Virchow-Troisier), linfonodos axilares à esquerda (Linfonodo de Irish).

Também pode ocorrer ascite maligna.

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O fígado é o local mais comum de disseminação


tumoral hematogênica. A presença de anemia
ferropriva em homens ou de sangue oculto nas
fezes em ambos os sexos exige a pesquisa de lesão
oculta do trato gastrintestinal.

Uma avaliação cuidadosa é especialmente


importante em pacientes com gastrite atrófica ou
anemia perniciosa.

Algumas manifestações clínicas incomuns, que


podem estar associadas aos adenocarcinomas
gástricos, são: tromboflebite migratória, anemia
hemolítica microangiopática, ceratose seborreica
difusa (conhecida como sinal Leser-Trélat) e
acantose nigricans.

Diagnóstico

Nos casos de doença precoce, o diagnóstico é possível apenas quando se realizam programas de rastreamento na
população assintomática.

Nos casos de doença avançada, os exames laboratoriais podem demonstrar anemia (42% dos casos), presença de
sangue oculto nas fezes (40% dos casos), hipoproteinemia (26% dos casos) e anormalidades das provas de
função hepática (26% dos casos).

A determinação dos níveis plasmáticos do pepsinogênio A e C em combinação com a soro positividade do H.


pylori têm sido sugeridas como exames promissores para o rastreamento de lesões pré-malignas do estômago.

Embora o estudo contrastado do estômago possa contribuir para o diagnóstico do adenocarcinoma gástrico,
a endoscopia digestiva alta constitui o procedimento mais empregado por sua segurança e especificidade.

Quando associada a biopsias múltiplas, com retirada de múltiplos fragmentos (em torno de 10 fragmentos) tanto da
base como da borda da lesão para estudo anatomopatológico, a sensibilidade desse procedimento ultrapassa 98%.

Outros métodos de imagem como a tomografia computadorizada do abdome podem delimitar a extensão do
tumor primário, bem como a presença de metástase para linfonodos regionais ou a distância. A comparação
entre os achados da tomografia com os da laparotomia exploradora indica que a tomografia pré-operatória
frequentemente subestima a extensão da doença, sobretudo se existem metástases radiologicamente não
detectáveis para linfonodos, fígado e omento.

O ultrassom endoscópico é capaz de determinar a profundidade e a penetração do tumor na parede gástrica


e revelar a presença de metástases para linfonodos regionais, sendo particularmente útil no estadiamento de
tumores precoces.

Os marcadores tumorais sorológicos, antígeno carcinoembriogênico (CEA), níveis de alfafetoproteína e CA


19 a 9 usados comumente como marcadores de tumores hepáticos e pancreáticos não são muito usados e
eficientes.

Outras opções propedêuticas utilizadas no estadiamento do tumor gástrico incluem ultrassom ou ressonância
magnética do abdome, PET-scan e laparoscopia.

Tratamento

Tratamento endoscópico: O princípio básico para a ressecção endoscópica da neoplasia gástrica superficial é
quando a possibilidade de comprometimento linfonodal for mínima ou inexistente. O desejável é que o espécime seja

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removido em monobloco, com margens macroscópicas livres e fixado adequadamente para uma avaliação precisa do
patologista. A erradicação profilática do H. pylori após a ressecção endoscópica por câncer gástrico precoce deve ser
empregada para prevenir o desenvolvimento de carcinoma gástrico metacrônico.

Tratamento cirúrgico: na ausência de metástase a distância, está indicada a ressecção cirúrgica que constitui a
única forma eficaz de tratamento com finalidade curativa (menos de 33% dos pacientes são operáveis). Esta inclui a
exérese de tumor com margens de segurança proximal e distal, bordas de secção cirúrgica livres de neoplasia e
remoção dos linfonodos locorregionais, independentemente de serem suspeitos ou não de acometimento. Inclui,
também, a ressecção, em monobloco, de estruturas, órgãos ou segmentos de órgãos eventualmente envolvidos por
contiguidade, além da remoção de ambos os omentos, da lâmina anterior do mesocólon transverso e do peritônio
pré-pancreático.

A gastrectomia subtotal é o tratamento de escolha em pacientes com carcinomas distais, enquanto tumores mais
proximais exigem gastrectomias totais ou subtotais. A inclusão de dissecções linfonodais extensas a esses
procedimentos parece aumentar o risco de complicações sem aumentar a sobrevida. O prognóstico após uma
ressecção cirúrgica completa depende do grau de penetração tumoral da parede gástrica.

O acometimento de linfonodos regionais, a invasão vascular e conteúdo anormal de DNA (p. ex., aneuploidia) pioram
o prognóstico. Se não houver ascite ou metástases peritoneais ou hepáticas extensas, deve-se oferecer a ressecção
da lesão primária até mesmo a pacientes que a cirurgia não possa curar, pois seria o melhor paliativo, podendo
melhorar o resultado da terapia subsequente.

Radioterapia: O CG é relativamente resistente à radioterapia, requerendo doses de radiação que excedem a


tolerância das estruturas vizinhas, como mucosa intestinal, fígado e medula espinal.

Quimioterapia: A indicação de tratamento quimioterápico adjuvante ao tratamento cirúrgico para pacientes


considerados de alto risco para recaída tem-se tornado mais consistente, de acordo com resultados de estudos
recentes.. A quimioterapia primária ou neoadjuvante não tem ainda papel estabelecido no tratamento de CG,
devendo ser evitada fora de protocolos de pesquisa .

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Estadiamento

A doença intestinal inflamatória (DII) é uma condição intestinal crônica de mediação imune.

A DII idiopática crônica refere-se a dois distúrbios inflamatórios: retocolite ulcerativa e doença de Crohn.

 Doença de crohn: doença inflamatória transmural e recidivante que pode acometer qualquer segmento do
tubo digestório, da boca ao ânus, caracterizada por inflamação descontínua dos segmentos digestivos
acometidos, com formas distintas de manifestações em cada indivíduo (luminal, penetrante ou fistulizante). É
também considerada uma doença sistêmica, pois apresenta manifestações extraintestinais que podem ou
não estar ligadas à atividade da doença digestiva.

 Retocolite ulcerativa: é uma doença inflamatória que atinge preferencialmente a mucosa do reto e do cólon
esquerdo, mas, eventualmente, todo o cólon. Trata-se de uma doença crônica, com surtos de remissão e
exacerbação, caracterizada por diarreia e perda de sangue.
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As características clínicas, endoscópicas, histológicas são críticas para o diagnóstico, mas não existe nenhum
achado que isoladamente permita o diagnóstico definitivo de uma ou de outra.

Epidemiologia

A incidência de DII varia em diferentes áreas geográficas.

A DC e a RCU ocorrem com incidência mais alta na Europa, no Reino Unido e na América do Norte.

A mortalidade é mais alta durante os primeiros anos da doença e nos com a doença de longa duração, por causa do
risco de câncer colônico.

A faixa etária para o início da RCU e DC fica entre os 15 e 30 anos. Um segundo pico ocorre entre os 60 e 80 anos.

A RCU e DC surgem em uma frequência duas a quatro vezes maior nas populações judaicas.

As áreas urbanas apresentam maior prevalência de DII que as áreas rurais.

As classes socioeconômicas mais elevadas apresentam prevalência mais alta que as classes mais baixas.

A DII é uma doença familiar em 5 a 10% dos pacientes.

Tanto a RCU quanto a DC estão associadas à síndrome de Turner, enquanto a síndrome de Hermansky-Pudlak
associada à colite granulomatosa. Os distúrbios de imunodeficiência grave, como síndrome de Wiskott-Aldrich e
doença granulomatosa crônica, estão associados à DII.

AINES podem estar associados ao novo início da doença e a exacerbação.

A dieta não afeta claramente o curso da doença.

RELAÇÕES DC RCU
TABAGISMO PIOR PROGNÓSTICO MELHOR EVOLUÇÃO
CONTRACEPTIVOS ORAIS RELACIONADOS
APENDICECTOMIA RISCO AUMENTADO PROTETORA
MARCADORES ASCA ANCA
LOCAL QUALQUER PARTE DO TGI (MAIS RETO E CÓLON
FREQUENTE NO ÍLEO DISTAL E
CÓLON PROXIMAL)
FORMA DA INFLAMAÇÃO ESPAÇADA CONTÍNUA
PROFUNDIDADE TRANSMURAL AFETA APENAS A MUCOSA

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Tem havido aumento na incidência da DC, enquanto a RCU permanece estável.

Predisposição familiar é, sem dúvida, o fator de risco mais importante.

A prevalência da DC parece mais alta em áreas urbanas que nas rurais e nas classes sociais
mais elevadas.

Etiopatogênese

Considerada idiopática.

 Fatores ambientais

Relação com infecções intestinais, higiene, agentes microbianos, dieta, cigarro, ocupação, poluição e estresse.

O consumo de açúcar refinado e gorduras polinsaturadas poderia ser uma explicação, mas não há provas. Ao
contrário, sanitarismo precário e exposição a parasitos intestinais poderiam influenciar a imunidade intestinal e
reduzir a suscetibilidade nos indivíduos geneticamente predispostos.

Eventos perinatais têm sido associados a alto risco para o desenvolvimento de DII, tais como infecção pré-natal da
mãe; complicações da gestação como pré-eclâmpsia, ameaça de aborto e diabetes gestacional; exposição perinatal
ao vírus do sarampo.

 Fatores genéticos

As doenças e os fatores de risco genéticos que são compartilhados com a DII incluem artrite reumatoide (TNFAIP3),
psoríase (IL23R, IL12B), espondilite anquilosante (IL23R), diabetes melito tipo 1 (IL10, PTPN2), asma (ORMDL3) e
lúpus eritematoso sistêmico (TNFAIP3, IL10).

O início precoce da DC e sua gravidade podem ser geneticamente determinados e ligados à suscetibilidade em locus
do cromossomo 16.

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Até o presente momento, os polimorfismos associados à DC estão no gene NOD2/CARD15. Mutações no NOD2
resultam em diminuição na resposta de ativação de células imunes ao lipopolissacarídio, corroborando o papel da
responsividade bacteriana aberrante em pacientes com DC.

NOD2 está associada ao fenótipo clínico específico no qual os pacientes são mais jovens no início da enfermidade e
apresentam a doença no intestino delgado, além de predisposição ao desenvolvimento de fibroestenose. O NOD2
não é apenas um gene de suscetibilidade: é também gene modificador de doença, com efeitos fenotípicos “dose-
dependentes”.

História familiar positiva para RCU ou DC é o fator mais importante. O risco de descendentes apresentarem DII é de
1,6 e 5,2%, respectivamente, nas duas doenças. Em descendentes de judeus Askenazi, chega a 10 a 12,6%.

Estudos familiares evidenciam famílias em que há casos de RCU e DC, sugerindo que estas duas entidades podem
ter um ou mais genes em comum ou que representem pleiomorfismo.

Esforços conjuntos em vários centros de pesquisa têm alcançado sucesso na identificação de genes na DC, incluindo
CARD15 (NOD2): DLG5, SLC22A4 e SLC22A5, CARD4, IL-23R, ATG16L1, PHOX2B e NCF4.

A proteína CARD15 induz apoptose e a ativação da via de sinalização do fator de transcrição nuclear kappa beta
(NF-κβ). O NF-κβ desempenha função importante na manutenção da homeostasiada mucosa e também age como
mediador nas respostas específicas a patógenos.

Os principais polimorfismos do gene CARD15 (R702W, G908R e 3020insC) podem ser encontrados em até 33% dos
pacientes com DC nas populações caucasianas. Indivíduos portadores de um destes polimorfismos têm um risco
aumentado de 2 a 4 vezes para o desenvolvimento da DC, enquanto portadores homozigotos ou heterozigotos
compostos têm um risco de 20 a 40 vezes.

A descoberta do gene ATG16L1 (autophagy-related 16-like 1) salienta a participação da resposta imune inata na DC.

A IL-23 promove, junto com o TGF-β1 e IL-6, a expansão de células secretoras de IL-17 pró- inflamatórias. Acredita-
se que a IL-23 seja responsável pela manutenção ou estabilização da resposta Th17 e, junto com seu receptor, o IL-
23R, são apontados como importante via de sinalização na imunopatogênese da DC.

 Fatores imunológicos

O epitélio intestinal pode participar da resposta imune inicial da mucosa de três formas:

a. aumentando a permeabilidade e a absorção do antígeno,


possivelmente de origem bacteriana, intensificando o estímulo
imune;
b. inflamação pela liberação de citocinas, quimiocitocinas, e outras
substâncias inflamatórias;
c. atuando como célula apresentadora de antígenos.

O macrófago é a primeira célula a receber o antígeno e o apresenta ao


complexo maior de histocompatibilidade (MHC), para a célula CD4+.

Os macrófagos ativados elaboram as citocinas pró-inflamatórias: fator de necrose tumoral-α (TNF-α) e interleucina-
12, induzindo resposta Th1. As células CD4+ ativadas podem se diferenciar em células Th1 ou Th2, que diferem no
tipo de citocinas liberadas e em sua função.

As células Th1 produzem grande quantidade de citocinas IL-2 e interferona (IFN-gama), enquanto as células Th2
produzem IL-4, IL-5 e IL-10. Com a cronicidade do processo inflamatório da mucosa intestinal, há progressão em
direção ao perfil Th1, caracterizado por aumento significativo de IL-2, de IFN-λ e de citocinas inflamatórias (IL-1, IL-8,
TNF-α).

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Nas lesões crônicas, IFN-γ desempenha papel importante ao estimular o macrófago que irá produzir TNF-α, daí a
importância dos anticorpos anti-TNF-α, que não somente neutralizam o TNF-α, mas, sobretudo, provocam a lise das
células que têm o TNF-α em sua superfície.

Infecções entéricas bacterianas ou virais, toxinas ambientais e drogas anti-inflamatórias não esteroides (AINEs)
induzem habitualmente à lesão transitória na mucosa intestinal. Em indivíduos normais, com supressão eficiente da
cascata imunológica, opera-se rápida resolução do processo inflamatório, com reparação completa do dano tecidual.
Já no hospedeiro geneticamente suscetível, falha na imunorregulação leva à amplificação da resposta inflamatória,
resultando em inflamação crônica, destruição tecidual, fibrose e, consequentemente, ocorrência de danos
irreversíveis.

Fisiopatologia

O aumento da permeabilidade intestinal tem sido implicado na patogênese da DC com consequente aumento da
carga de antígenos pelo sistema imune da mucosa que inicia e perpetua a inflamação.

A DC pode afetar qualquer área do intestino. Tipicamente, há áreas descontinuamente afetadas (lesões em salto). A
primeira anormalidade visível é o aumento dos folículos linfoides com um anel de eritema em volta (sinal do anel
vermelho). Isso leva à ulceração aftoide que, por sua vez, progride a ulcerações profundas, fissurando, com aspecto
de “pedra de calçamento”, fibrose, estenose e fistulização.

Inflamação e fibrose predispõem a estenoses intestinais, apresentando-se com sintomas obstrutivos e perfuração
local da parede intestinal, levando à formação de abscesso.

Na DC a dor abdominal, no início da doença, decorre de obstrução funcional, por espasmo e edema, e,
posteriormente, a obstrução se torna orgânica por fibrose e estenose.

O comprometimento seroso, pela inflamação transmural lesando terminações nervosas, vai intensificar e perpetuar a
dor com a evolução da doença.

A inflamação da mucosa, o edema, a fibrose, a obstrução linfática, quando localizados no intestino delgado, podem
provocar diferentes fenômenos disabsortivos.

A extensão e a localização anatômica da lesão determinam o grau de má absorção, assim como a especificidade do
nutriente envolvido.

 Duodeno e jejuno proximal: má absorção de folatos, vitaminas, ferro, glicídios e lipídios;
 Íleo distal: má absorção de gorduras e de aminoácidos;
 Íleo terminal: má absorção de vitaminas B12 e de lipídios.

Depleção de potássio ocorre com certa frequência por falta de ingestão e por perda excessiva através das
fezes.

Hipopotassemia, acompanhada às vezes de hipomagnesemia, pode ser observada em alguns pacientes em
consequência à hipoalbuminemia, à esteatorreia e à má absorção de vitamina D.

A hipoalbuminemia é frequente e pode ser explicada pela ingestão reduzida consequente à anorexia, pela
diminuição de síntese nos casos com lesões hepáticas, pela má absorção dos aminoácidos e pela perda
proteica através do intestino inflamado e ulcerado, que pode ser observado na maioria dos casos.

A anemia é frequente e habitualmente é do tipo microcítica hipocrômica por depressão tóxica da medula, pelo
processo inflamatório crônico e/ou carência de ferro por ingestão reduzida, e pelas perdas sanguíneas
através do intestino inflamado.

Eventualmente, pode ser megaloblástica nas lesões extensas do íleo, por déficit de vitamina B12.

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Esses fenômenos disabsortivos somados à ingestão insuficiente de calorias levam ao grande déficit de
crescimento, observado em 20 a 30% dos pacientes pediátricos, especificamente nos que apresentam
comprometimento do jejuno e de íleo.

Nas lesões do intestino grosso, ocorre perda de proteínas por exsudação devido ao processo inflamatório e
alteração da função absortiva, especificamente de sódio e água. Deficiência de zinco pode acompanhar esta
excessiva perda entérica.

Quadro clínico

O quadro clínico é muito variado, pois depende da duração, localização, extensão, atividade da doença, e
presença ou não de complicações.

Às vezes, especialmente nas fases iniciais da doença, a extensão das lesões é tão pequena que o paciente
permanece assintomático e a doença é descoberta acidentalmente; ou são tão extensas que provocam
intensas manifestações clínicas.

Em algumas crianças, a evolução pode ser muito grave, em forma fulminante, principalmente naquelas com
início da doença antes do primeiro ano de vida, nos doentes com grande extensão da doença e também nas
situações de comprometimento extraintestinal.

A dor abdominal é o sintoma mais comum, geralmente em caráter de cólica,


intensa. Em algumas ocasiões, é caracterizada como cólica periumbilical, pós-
prandial, mas geralmente tende a se localizar em quadrante inferior direito,
devido à grande frequência do comprometimento do íleo terminal.

O desconforto abdominal tende a se iniciar após as refeições em pacientes com


envolvimento do intestino delgado, particularmente do íleo terminal.

Cólica aumenta antes da defecação, relacionada com o trânsito do conteúdo


intestinal através do segmento intestinal inflamado e/ou estenosado.

A dor abdominal pode acordar o doente durante o sono noturno.

Comprometimento do trato digestório superior, a dor abdominal pode ser epigástrica, mimetizando doença péptica.

Odinofagia, disfagia, pirose e anorexia estão presentes quando há envolvimento do esôfago.

A DC de esôfago é rara, menos de 80 casos na literatura, geralmente se localiza no terço distal, é sempre
sintomática e em geral está associada ao comprometimento do intestino delgado e grosso.

O trato digestório superior deve sempre ser avaliado nos pacientes com queixas digestivas altas. Pacientes com
envolvimento ileocolônico têm maior risco de formação de fístulas e, frequentemente, apresentam dor em
quadrante inferior direito e massa abdominal palpável.

A dor abdominal pode ainda apresentar-se de forma aguda e acompanhada de febre, simulando quadro de
apendicite aguda.

A progressão do processo inflamatório, particularmente do intestino delgado, pode resultar em segmentos


intestinais estenosados com obstrução intestinal parcial ou total. Tais pacientes reclamam de dor abdominal tipo
cólica progressiva e frequentemente acompanhada de borborigmos, distensão abdominal e vômito,
necessitando de monitoramento clínico, pois há risco potencial de perfuração intestinal com formação de
abscessos, peritonite ou fístulas.

A febre aparece em 20 a 50% dos casos, seja pelo processo inflamatório em si, seja pelas complicações do tipo
supurativo (abscessos, fístulas), podendo ser manifestação única ou predominante, levando, muitas vezes, à
investigação exaustiva de febre de origem indeterminada.
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A diarreia pode acompanhar o sintoma principal (dor abdominal), é de intensidade moderada, geralmente
intermitente, ocorrendo com maior frequência nos casos de comprometimento difuso do intestino delgado
ou isolado do cólon. No primeiro caso, tem mais características de esteatorreia e, no segundo, as fezes, por
serem mucossanguinolentas, confundem- se com as da RCU.

O sangramento retal na DC, de modo geral, é menos frequente do que na RCU, mas, quando presente traduz
comprometimento do colon.

A perda de peso pode ser o sintoma inicial da DC.

O déficit de crescimento e o retardo de maturação sexual ocorrem em cerca de 6 a 50% dos casos de crianças.

A corticoterapia e a inflamação crônica intestinal agravam o déficit de crescimento. O TNF-α pode também ser
importante mediador da falência de crescimento, pois estudos experimentais comprovam seu efeito inibidor direto
sobre o condrócito da placa de crescimento. Não há benefício com uso de hormônio de crescimento.

A doença perianal é observada em 15 a 40% dos pacientes e pode se destacar como a primeira manifestação da
DC. A doença perianal pode se apresentar nas seguintes formas:

 Lesão de pele: maceração, erosão, ulceração e abscessos, pregas;


 Lesão do canal anal: fissura, úlcera, estenose com induração;
 Fístula: baixa (canal anal para a pele), alta (reto para a pele), retovaginal;

 Manifestações extraintestinais

As manifestações extraintestinais da DC são bastante frequentes.

Muitas se relacionam com exacerbações da afecção,


cedendo quando a doença básica se torna inativa; outras,
uma vez estabelecidas, seguem curso independente e,
conforme sua gravidade, podem levar o paciente ao óbito.

Manifestações sistêmicas, como fadiga, febre e


emagrecimento, são notadas na maioria dos pacientes
com DC. Pode haver comprometimento de vários
órgãos, mas os chamados órgãos-alvo costumam ser
articulações, pele e mucosas, olhos, fígado e rins.

Complicações

 Hemorragia: É menos comum na DC e é mais por


doença no íleo. Cerca de 5 a 10% dos pacientes
com DC têm ulcerações no estômago ou duodeno,
e, nas crianças, o comprometimento do intestino
delgado proximal é mais frequente.
 Perfuração intestinal.
 Abscesso intrabdominal.
 Estenoses.
 Suboclusão e obstrução intestinal (são as mais
frequentes, surgem em consequência de
inflamação aguda ou edema, ou fibrose crônica);
 Fístulas e doença perianal.
 Megacólon tóxico (relativamente raro, associado a
grave estado toxêmico dos pacientes).

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 Malignidade: maior risco de câncer de cólon após 8 anos de doença, principalmente com grande área do
cólon comprometida. Maior risco conforme duração da DC, idade precoce de começo, ou história familiar de
câncer colorretal. Há também risco aumentado para adenocarcinoma do intestino delgado. Colangite
esclerosante primária pode ocorrer na DC e aumenta o risco para colangiocarcinoma;

Diagnóstico

Eminentemente clínico.

Como a doença pode ser grave, lembrar que os exames invasivos podem piorar as condições emocionais dos
pacientes e de seus familiares.

História Clínica: Queixa de dor abdominal intensa, noturna e associada a diarreia constituem os dados mais
valorizáveis na anamnese.

Exame Físico: Dados antropométricos e de desenvolvimento sexual relacionados com a idade; dor à palpação
principalmente no quadrante inferior direito do abdome com ou sem massa palpável; presença de fissuras, abscessos
ou fístula na região perianal e lesão perineais são importantes, podendo ser o único achado de exame.

Exames laboratoriais:

 Exames de fezes
 Rotina para parasitos, bactérias, vírus.
 Clostridium difficile e toxina, pesquisar mesmo na ausência de uso de antibióticos.
 Pesquisa de leucócitos e/ou sangue oculto.
 Pesquisar citomegalovírus, principalmente em pacientes com uso de imunossupressores.
 Pesquisa de alfa-1-antitripsina, calprotectina ou lactoferrina para determinar atividade da doença.

 A dosagem de alfa-1-antitripsina fecal pode ser útil no controle da atividade da doença, pois, como mede a
perda proteica intestinal, a elevação de seus títulos traduz aumento nas fases de aumento da permeabilidade
intestinal e atividade da doença; e sua diminuição reflete acalmia do processo inflamatório intestinal.

 A calprotectina é uma proteína neutrofílica abundante extremamente estável nas fezes. Reflete a inflamação
intestinal em crianças com DII. Seu nível plasmático aumenta de 5 a 40 vezes em condições
infecciosas/inflamatórias, porém nas fezes a calprotectina pode ser determinada facilmente por ELISA.

 A lactoferrina é considerada marcador sensível e específico da inflamação, tanto para diagnóstico, como para
monitorar a manutenção, pois seus níveis se correlacionam bem com os escores de atividade e com a PCR.

 Exames de sangue
 Hemograma.
 Eletrólitos.
 Proteínas e frações.
 Ferritina (pode estar elevada na DC ativa e pode estar normal mesmo na vigência de deficiência grave de
ferro).
 Transferrina deve ser feita para avaliar anemia.
 Dosagem de vitamina B12.
 Provas de função hepática.
 HIV.
 Velocidade de hemossedimentação ou proteína C reativa ultrassensível.

O hemograma, na fase aguda, mostra leucocitose com desvio à esquerda, linfopenia, eosinofilia moderada ou
acentuada, plaquetose. Pode ainda revelar anemia microcítica, enquanto a anemia megaloblástica é mais rara,
mas pode ser observada na DC, por alterações na absorção de vitamina B12 no íleo terminal.

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A hemossedimentação está elevada na fase inicial e se reduz com o tratamento, sendo um dos indicadores de
atividade da doença, bem como a proteína C reativa (PCR).

Entre os pacientes tratados com azatioprina ou 6-mercaptopurina, a PCR ultrassensível parece ser um indicador
inflamatório negativo melhor do que a velocidade de hemossedimentação.

As alterações das frações proteicas, principalmente a acentuada redução da albumina, o aumento da alfa-2-
globulina (supostamente sintetizada nos cólons) são muito importantes na avaliação do prognóstico e
prenúncio da recidiva da doença.

As transaminases, a fosfatase alcalina, a gama glutamiltransferase e a função pancreática com a dosagem da


amilase e lipase séricas podem estar alteradas, traduzindo comprometimento hepático e pancreático, mas não
têm valor diagnóstico ou prognóstico.

O encontro de baixos níveis de ferro e zinco séricos podem ser secundários à pobre ingestão alimentar, perda
pela mucosa inflamada do intestino ou pelo sangramento intestinal.

O cálcio e o magnésio podem estar baixos devido à baixa ingestão e/ou perda através das células epiteliais
descamadas ou de sangramento intestinal.

Lembrar-se de diagnosticar e/ou prevenir infecções oportunistas, cada qual por seu método próprio.

 Vírus: citomegalovírus, vírus Epstein-Barr, hepatite B, herpes simples, influenza, varicela, papilomavírus.
 Bactérias: Clostridium difficile, exclusão de tuberculose.
 Fungos: histoplasmose, Pneumocystis jiroveci (carinii).

Anticorpos para epítopos oligomanosídicos do fungo Saccharomyces cerevisiae (Sc) (ASCA) são novos marcadores
para DC.

São testes realizados por técnicas padronizadas de imunofluorescência indireta (ANCA) e ELISA (ASCA).

A presença de ASCA em pacientes com DC está associada a comprometimento do intestino delgado. As


evidências sugerem que, assim como o pANCA, a expressão de ASCA não seja um epifenômeno de agressão
intestinal (alteração da permeabilidade), e, sim, um reflexo de resposta específica imunomediada pela mucosa.

O ASCA é marcador altamente específico para DC e é mais frequentemente expresso em pacientes com DC de
início precoce (até 70%) do que com início tardio (25% dos pacientes com DC iniciada após os 40 anos de idade). Já
que os antígenos self não reagem com o ASCA, este marcador imune sérico não é considerado um autoanticorpo.

A presença de anticorpos anti-Saccharomyces cerevisiae (ASCA) tem sido proposta como marcador sensível e
específico para DC, principalmente se for em combinação com ANCA negativo.

Considerar, também, que a positividade dos anticorpos é baixa em crianças com menos de 5 anos.

Também, altos títulos de ASCA IgG e IgA estão associados à DC complicada, principalmente com ressecções
intestinais.

Em conclusão, os testes sorológicos dão suporte clínico para diagnóstico e categorização de pacientes com DII e
podem ser de valor na tomada de decisões terapêuticas.

Exames de imagem: Minimizar o uso da radiologia convencional devido ao potencial risco de irradiação para o
desenvolvimento de malignidade.

Têm muita importância a determinação da idade óssea (raios X de punhos) em crianças e a densitometria óssea
(DEXA) em todas as idades, pois revelam comprometimento do metabolismo do cálcio.

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A rotina de raios X simples de abdome (em pé, deitado e em decúbito lateral com raios horizontais) é essencial se
houver suspeita de obstrução intestinal. Pode delinear presença e extensão da colite, diagnóstico de obstrução ou
perfuração, oclusão de megacólon tóxico. Litíase urinária ou da vesícula biliar pode ser detectada.

Raios X contrastados não são recomendados em casos graves. O exame contrastado do esôfago, estômago e
duodeno pode revelar algum sinal de espessamento da mucosa ou estreitamento da luz nos casos suspeitos de DC.

O trânsito intestinal, com estudo detalhado do íleo terminal sob fluoroscopia, é de importância central no
diagnóstico da DC do intestino proximal ao íleo terminal, mostrando estenoses, ulcerações e fistulizações. O
comprometimento do intestino delgado está presente em mais de 90% dos pacientes com DC.

O estudo radiológico através do enema opaco, convencional ou de duplo contraste, está contraindicado na fase
aguda, pelo risco de perfuração ou dilatação (megacólon tóxico). Pode ser totalmente normal em casos leves ou
apresentar redução das haustrações, contraste disposto como vidro fosco ao longo do cólon, em espículas e
irregularidade no contorno do cólon, na presença de microulcerações.

Algumas vezes, podem ser encontradas imagens de aspectos muito irregulares pela presença simultânea de
ulcerações e de formações de pseudopólipos, sinais de espessamento da mucosa, ulcerações, pseudopólipos e
estreitamento do lúmen intestinal e, outras vezes, dilatações de alças e trajetos fistulosos. As lesões são
descontínuas na DC, descritas como lesões em salto.

A ultrassonografia (US) pode ser útil na identificação de espessamento da mucosa intestinal e presença de
adenomegalia e líquido na cavidade abdominal. É econômica, largamente disponível, não envolve radiação e avalia
complicações periviscerais e extraintestinais. Soma-se a isso a possibilidade de se conhecer a atividade da doença
ao se monitorar o volume do fluxo na artéria mesentérica superior.

A ultrassonografia endorretal é útil no caso de fístulas, mas restrita devido à dor.

A tomografia computadorizada de abdome (TC) pode definir precisamente a anatomia de fístulas e cavidades na
DC; ou ser útil para identificar abscesso ou linfoma. É uma técnica rápida, bastante disponível, bem tolerada e que
permite completa avaliação do cólon quando a endoscopia é incompleta.

A ressonância magnética (RM) é superior à US na identificação de fístulas e estenoses, e na localização de


segmentos afetados, principalmente no intestino delgado proximal. O uso de contraste com gadolínio,
endovenoso, melhora a técnica e permite separar doença da mucosa (RCU) da doença transmural (DC), além
de identificar comprometimento do intestino delgado proximal.

Em relação a abscessos, sua utilidade na diferenciação de abscessos isquirretais e pelvirretais. Permite visualizar
infiltração do tecido adiposo e espessamentos significativos na parede intestinal, ambos fatores evidentes de
processo inflamatório agudo.

Outra vantagem do método é a de permitir localizar “zonas quentes”, isto é, áreas de inflamação particularmente
graves, em atividade da DC. Como não requer radiação ionizante, é indicada para casos em que há necessidade de
repetições do exame, principalmente em crianças e adolescentes.

Score para determinação da gravidade da DC perianal através da RM:

- Número de trajetos fistulosos: nenhum, único sem ramos, ou ramificado, múltiplos;


- Localização: extra ou interesfinctérico, transesfinctérico, supraesfinctérico;
- Extensão: infraelevador ou supraelevador;
- Hiperintensidade em imagens T2: ausente, discreta, pronunciada;
- Coleções (cavidades > 3 mm de diâmetro): ausentes ou presentes;
- Comprometimento retal: normal ou espessado.

Enterografia por TC ou RM mostra detalhes da morfologia das alças intestinais e faz melhor avaliação do processo
inflamatório e do grau de fibrose, além de analisar estenoses com maior sensibilidade.
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Colangiorressonância quando há evidência de colestase.

Exames endoscópicos:

Enteroscopia de duplo balão ou video push enteroscopy é utilizada para acessar áreas do intestino delgado
altamente suspeitas, quando outras modalidades diagnósticas foram negativas, ou para atingir áreas estenosadas
para dilatação com o balão.

A enteroscopia tem sido indicada na localização de sangramento digestivo proveniente do intestino delgado quando
outros métodos diagnósticos falham. Também pode ser indicada para estudo de afecções, inclusive no diagnóstico
da DC. A tolerância é boa e não são relatadas complicações. Tem a vantagem de permitir biopsias. Entretanto,
poucos centros dispõem de aparelhos e profissionais treinados para este método.

Assim, a colonoscopia, com estudo de todos os segmentos dos cólons e reto, e possibilitando visualização da
válvula ileocecal e do íleo terminal, tem sido o exame endoscópico de escolha. Está indicada na falta de resposta à
terapia habitual, quando se pretende afastar citomegalovírus em pacientes crônicos em uso de imunossupressores, e
para verificar colite por Clostridium difficile em exames duvidosos.

As úlceras são as alterações endoscópicas mais frequentes, com tamanhos e formas variáveis, recobertas por
fibrina, bordos elevados, limites nítidos, sendo poupada a mucosa entre as lesões. Podem localizar-se em todos os
segmentos do trato digestivo, da boca ao ânus, sendo mais frequentes, porém, em cólon e íleo terminal,
preservando o reto na grande maioria das vezes. Os casos crônicos, de longa duração, podem apresentar
mucosa espessada, com aspecto em “paralelepípedo”, associada a estenoses segmentares únicas ou múltiplas,
fístulas complexas (peritoneais, perineais e retovaginais) de difícil controle clínico-endoscópico.

Endoscopia virtual do intestino delgado e colonoscopia virtual não mostraram grande vantagem, mas podem
ser úteis em casos de estenoses, principalmente se intransponíveis aos colonoscópios.

Cápsula endoscópica (CE) fornece informação sobre o tipo de lesões e a extensão da enfermidade, principalmente
em casos de difícil diagnóstico pelos outros métodos.

 Indicações na DC

 Avaliação do envolvimento do intestino delgado em pacientes com DII e colite isolada;


 Determinação da extensão da DC do intestino delgado;
 Suspeita diagnóstica de DC;
 Seguimento dos pacientes com DC;
 Monitoramento do tratamento.

Vantagens:

 Potencial de visibilizar diretamente toda a superfície mucosa do intestino delgado;


 Capacidade de detectar lesões superficiais sutis, evidentes ou não em radiografias tradicionais com contraste
ou fora do alcance dos endoscópios tradicionais;
 Menor invasividade que a endoscopia tradicional;
 Ausência de sedação ou anestesia;
 Aceitação geral pelos pacientes;
 60.000 imagens geradas em cada exame, compactadas em um vídeo.

Desvantagem:

 A desvantagem é que, infelizmente, não permite coleta de fragmentos para estudo histológico.

As lesões que podem ser observadas são:

 Aftas mucosas, constituídas por áreas de mucosa eritematosa com zona central esbranquiçada;
 Placas eritematosas e/ou despapiladas, focais;
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 Erosões;
 Úlceras lineares ou irregulares;
 Fissuras.

Na população infantil, em que cerca de 85% dos casos apresentam comprometimento do intestino delgado, podendo
cursar com sintomas inespecíficos, que provocam atraso de desenvolvimento ponderoestatural, a CE é de muita
utilidade.

Colangiopancreatografia endoscópica retrógrada (CPER) pode ser útil na suspeita de colestase e/ou colangite.

Exame anatomopatológico: O comprometimento histológico gastroduodenal ocorre em mais de um terço dos


pacientes, exclusivamente no delgado em 30 a 35%, no íleo terminal e em alguns segmentos do cólon,
principalmente no ascendente, em 50 a 60%; e a doença limitada ao cólon em 10 a 15% das crianças e
adolescentes.

 Aspectos macroscópicos

Nos locais do intestino afetado, observa-se o envolvimento total da parede, com hiperemia e depósito de exsudato no
peritônio visceral, com aspecto rugoso e nodular, propiciando aderência entre as alças, entre estas e outras vísceras
e até com a parede abdominal.

Em fases mais avançadas, toda a parede e, em especial, a válvula ileocecal tornam-se fibróticas, espessadas e
rígidas.

A lesão da mucosa é representada por úlceras aftoides que se unem, aumentando de tamanho, formando lesões
irregulares e serpiginosas, intercaladas com áreas normais, chamadas de “lesões em salto”.

A mucosa preservada, mas com edema, entre as áreas com úlceras, pode apresentar aspecto polipoide, chamado de
pseudopólipo, podendo também estar presentes os pólipos inflamatórios.

O conjunto de achados: úlceras aftoides, ulcerações serpiginosas, edema, ulcerações lineares (aspecto em
“cobblestone”) e os pseudopólipos são importantes para o diagnóstico de DC.

 Aspectos microscópicos

Os sinais de cronicidade da doença são marcados por glândulas distorcidas e ramificadas e a presença de
metaplasia das células de Paneth no cólon.

A criptite (neutrófilos dentro do epitélio) e abscessos crípticos (neutrófilos na luz da glândula), assim como a redução
da mucina, estão presentes em menor proporção do que na RCUI. A mucosa entre as áreas afetadas pode mostrar
infiltrado linfoplasmocitário na parte profunda da lâmina própria.

A DC ativa é caracterizada por infiltrado de neutrófilos e monócitos no epitélio intestinal e na lâmina própria, na
superfície exsudato fibrinoleucocitário, abscessos crípticos e agregados de linfoides ao longo dos linfáticos em toda a
espessura do epitélio. São também observadas vasculites e hiperplasia e hipertrofia dos plexos neurais autônomos.

Os granulomas epitelioides, não caseosos, algumas vezes contendo células gigantes multinucleadas, são
encontrados em cerca de 25% dos casos de pacientes investigados com biopsias colonoscópicas; e em 60% dos
com ressecção cirúrgica intestinal. Embora não essenciais para o diagnóstico, quando presentes são considerados
como marcadores histológicos para o diagnóstico definitivo e diferencial entre a DC e a RCUI.

Com marcadores imunológicos utilizando o anticorpo monoclonal CD68, marcador de todos os tipos de macrófagos,
observou-se que este facilita o encontro dos microgranulomas. Há risco aumentado de câncer em áreas
cronicamente inflamadas da mucosa do intestino delgado, colorretal ou anorretal. Infere-se que os achados
histológicos têm maior valor preditivo do que os achados endoscópicos no diagnóstico de DC do trato digestório
superior, o que significa que a biopsia é obrigatória nas endoscopias altas dos pacientes.

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Comportamento biológico

Quanto ao comportamento biológico, há subgrupos de pacientes com:

a. Forma fibroestenosante (não perfurante);


b. Forma fistulizante (perfurante);
c. Forma inflamatória.

Alterações totais da parede do intestino

A partir de peças cirúrgicas, observam-se úlceras cicatrizadas causando distorção da arquitetura, proliferação do
tecido conjuntivo e fibrose da submucosa e muscular da mucosa. Na submucosa, pode-se observar dilatação de
linfáticos. Toda a extensão da parede intestinal apresentará, à microscopia, infiltrado inflamatório rico em
plasmócitos, linfócitos, macrófagos, mastócitos, eosinófilos e neutrófilos.

Acúmulo de gordura no mesentério na DC

Em peças cirúrgicas encontra-se espessamento e endurecimento da borda mesentérica com hipertrofia significativa
do tecido adiposo. Tais acúmulos aparecem também à TC e à RM. Constitui uma “característica” da DC. A origem
desta gordura excessiva é desconhecida.

Relação nociva entre clostridium difficile e dii

A comorbidade com Clostridium difficile pode causar retardo no diagnóstico de casos novos de DII, desencadear
recorrência na doença já estabelecida, confundir tratamentos e servir como indicador de um defeito subjacente na
imunidade inata.

O Clostridium difficile é a causa mais frequente de diarreia por infecção hospitalar em países desenvolvidos. Os
fatores de risco para a infecção incluem exposição a antibióticos, hospitalização, idade avançada e cirurgias
gastrintestinais.

Tratamento

As medidas preconizadas atualmente não são curativas nem alteram a história natural da doença, na maioria dos
casos conseguindo apenas aliviar os sintomas e prevenir complicações.

As decisões terapêuticas são determinadas por uma avaliação inicial da localização primária da doença e da sua
gravidade estabelecida segundo parâmetros clínicos:

 Localização da inflamação;
 Estenose (obstrução);
 Processos fistulosos;
 Manifestações sistêmicas e extraintestinais.

Assim, podem-se definir:

 DC leve-moderada: Pacientes de ambulatório capazes de tolerar alimentação VO, sem manifestações de


desidratação e de toxicidade (febre alta), sem dor abdominal, massa dolorosa ou obstrução.
 DC moderada-grave: Pacientes com falha na resposta ao tratamento para doença leve-moderada, ou
aqueles com sintomas mais proeminentes, como febre, emagrecimento importante (mais de 10% do peso),
dor abdominal e dor à palpação sem sinais de irritação peritoneal, náuseas e vômito intermitentes (sem sinais
de obstrução), ou anemia significativa.
 DC grave-fulminante: Pacientes com sintomas persistentes a despeito da introdução de corticosteroides,
como pacientes não hospitalizados; ou doentes com febre alta, vômito persistente, evidência de obstrução
intestinal, sinais de irritação peritoneal, caquexia ou evidência de abscesso.

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 DC em remissão: Pacientes assintomáticos ou sem sequelas inflamatórias, ou que responderam à


intervenção aguda de medicamentos, ou que foram submetidos a ressecções cirúrgicas sem doença residual
macroscópica. Pacientes que necessitam de corticosteroides não são considerados “em remissão”.

 Medidas gerais

Parar de fumar.

Nas formas leves, o tratamento é ambulatorial, com retirada de lactose, sacarose e dieta hipoalergênica, com
diminuição de fibra vegetal.

Nas formas moderadas desde o início ou em sequência a um surto grave, mas superado, as bases terapêuticas são
repouso relativo, regime hospitalar ou não, dieta líquida e depois pastosa, isenta de lactose, sacarose e
hipoalergênica, e reduzida em fibra vegetal.

Nas formas graves, em surto inicial ou reagudizado, com hemorragia maciça ou megacólon tóxico, o paciente deve
ser mantido em cuidados intensivos a fim de monitorar e corrigir a anemia aguda, hipotensão, distúrbios eletrolíticos,
especialmente de potássio. Hidratação correta, transfusões de sangue e plasma, reposição de albumina, pausa
alimentar, nutrição parenteral total, sondagem nasogástrica contínua e repouso são medidas essencias. O paciente
deve ser vigiado constantemente, pois, conforme a evolução, torna-se obrigatória a indicação de cirurgia de urgência.

O impacto da dieta na atividade da DII é pouco entendido, mas algumas considerações merecem ser feitas:

 Durante aumento da atividade, é apropriado diminuir a quantidade de fibras e manter produtos lácteos se
forem bem tolerados.
 Dieta de baixo resíduo pode diminuir a frequência das evacuações.
 Dieta com grande quantidade de resíduos pode ser indicada em casos de constipação intestinal.

Suplementação nutricional nos casos com sub ou desnutrição ou durante os períodos de restrição da ingestão oral.
Medidas nutricionais podem ser utilizadas como terapêuticas primárias ou adjuvantes.

As sondas colocadas por gastrostomia são seguras e mais bem toleradas do que as sondas nasogástricas de uso
prolongado.

 Agentes bioterapêuticos

Agente bioterapêutico (ABT) ou probiótico é um microrganismo vivo que, após sua ingestão em certo número,
contribui para aumentar a saúde do hospedeiro ao tratar ou prevenir infecções causadas por cepas patogênicas,
melhorar a função de barreira e alterar a resposta da citocina normalmente suscitada por agentes patogênicos.

Diversos mecanismos de ação dos probióticos, relacionados com as DII, foram elucidados:

a. competição exclusiva, e os probióticos competem com microrganismos patogênicos;


b. imunomodulação e/ou estimulação da resposta imune;
c. atividade antimicrobiana e supressão do crescimento dos patógenos;
d. melhora da atividade de barreira;
e. indução de apoptose das células T.

 Tratamento medicamentoso

Doença leve a moderada: Tradicionalmente, recomenda-se a estratégia conhecida como “step up”, isto é, o
tratamento começa com drogas menos potentes, passando-se para as mais potentes somente se houver intolerância
ou refratariedade.

Medicamentos sintomáticos

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 Antidiarreicos somente se não houver doença fulminante;


 Colestiramina para ressecções ileais;
 Analgésico, como acetaminofeno, ou até codeína, se necessário;
 Suplementação de vitamina b12 e/ou vitamina d se houver deficiência;
 Cálcio e vitamina d como rotina nos usuários de corticosteroides;
 Suplementação de multivitaminas para todos;
 Suplementação de ferro oral e, se não tolerado, ferro im ou iv nos casos de anemia crônica ferropriva.

Corticosteroides

 Os corticosteroides são drogas capazes de induzir a remissão da grande maioria dos pacientes com DC,
independentemente da distribuição das lesões. Entretanto, são ineficazes na manutenção da remissão.
 Ponto importante: o tratamento com corticosteroides não está associado a melhora endoscópica!
 A corticoterapia parenteral é reservada para os casos fulminantes.
 O tratamento tópico pode ser utilizado isoladamente na doença localizada, restrita ao retossigmoide, ou como
coadjuvante, para alívio rápido dos sintomas de urgência e desconforto retal.
 O uso crônico de corticosteroide, ainda que apenas tópico, associa-se a efeitos colaterias sistêmicos
significativos. .

Aminossalicilatos

 O mecanismo de ação dos compostos contendo ácido 5-aminossalicílico (5-ASA) na DII não está totalmente
esclarecido. A sulfasalazina foi a primeira formulação oral do 5-ASA.
 A introdução da droga pode ser feita de modo gradativo. Sua retirada também é feita lentamente, até ser
atingida a dose ideal para a manutenção.
 Como a sulfasalazina interfere na absorção de folato, recomenda-se suplementação com dose diária de 1 mg
de ácido fólico para crianças e 5 mg para adultos, com a finalidade de se evitar anemia megaloblástica.

Mesalazina

 Para se evitar que o 5-ASA seja absorvido nas porções superiores do trato digestivo e que alcance, assim, os
locais de inflamação, um dos recursos utilizados foi o de “recobrir” a mesalazina com resina acrílica sensível
a pH maior de 7, o que permite sua liberação no íleo distal e cólon. Tais modificações aumentariam a
tolerância à droga, e 80 a 90% dos pacientes intolerantes à sulfasalazina aceitam bem a mesalazina.
 As preparações que dependem da liberação do pH são consideradas inadequadas para tratar DC de
comprometimento delgado, pois são efetivas no íleo terminal e cólon. As mesalazinas com pontes
dissulfídicas (olsalazina, sulfasalazina, balsalazida) não têm indicação para DC do intestino delgado, com
base no seu mecanismo de liberação baixa.
 A mesalazina está associada à baixa incidência de efeitos colaterais, incluindo diarreia, cefaleia, náuseas,
dor abdominal, dispepsia, vômito e rash. Em alguns pacientes, pode se associar nefrotoxicidade.

Imunomoduladores

o Azatioprina e 6-mercaptopurina:

Efeito imunossupressor e propriedades linfocitotóxicas. O mecanismo de ação destas drogas parece estar
relacionado com a inibição da função dos linfócitos, primariamente das células T. Como tais efeitos são observados
apenas 2 meses após a introdução de 6-MP ou AZA, estes medicamentos não são adequados para o tratamento das
formas agudas. Todavia, são indicados para o tratamento de corticodependência, refratariedade ao tratamento ou
fistulização grave na DC.

Entre os efeitos adversos relacionados com estes fármacos, cita-se a supressão da medula óssea, particularmente
neutropenia e plaquetopenia, disfunção hepática e pancreatite, que respondem bem à retirada da droga. Estas
drogas têm se mostrado seguras em crianças e adultos e existe evidência crescente de sua segurança na gestação.

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O metotrexato não tem boa absorção quando administrado por via oral e parece não dar bons resultados para
fechamento de fístulas

Quando suspender o uso de imunossupressores? Até o presente, não se tem a resposta.

o Tracolimus

Embora o tracolimus tenha um mecanismo de ação semelhante ao da ciclosporina, sua absorção VO é boa, mesmo
na DC do intestino delgado.

o Mofetila micofenolato

O mofetila micofenolato foi indicado para pacientes que não toleraram AZA e 6-MP. Esta droga inibe a síntese de
purinas nos linfócitos T e B. Parece agir mais rapidamente que a AZA e a 6-MP. Como é usada em transplantes,
doenças imunoproliferativas têm sido descritas em alguns pacientes.

Antimicrobianos

 Os antimicrobianos são efetivos em algumas situações, particularmente na doença perianal. São de algum
benefício na doença do intestino delgado, mas de uso principal na doença dos cólons. Alteram a flora
intestinal e diminuem a estimulação antigênica ao sistema imune da mucosa do intestino, sendo usados
como tratamento primário ou de infecções intercorrentes.
 O metronidazol mostra-se efetivo no tratamento da doença fistulosa perianal, provavelmente por ser um
potente agente antianaerobiose por afetar a capacidade dos neutrófilos para migrar aos locais da inflamação.
 O tratamento prolongado (4 a 6 meses) acarreta risco de neuropatia periférica, especialmente nos pacientes
recebendo mais que 10 mg/kg/dia. Essa droga não é efetiva na ileíte da DC, isolada. Efeitos colaterais:
náuseas, gosto metálico e risco de neuropatia periférica. O paciente deve evitar o uso de álcool.

Antibióticos

Há risco aumentado para colite associada a C. difficile quando se usam antibióticos, concluindo-se que pacientes
com surto de diarreia devem ser checados para este e outros patógenos.

Terapia biológica

Ocorrência de sérios efeitos adversos pode aumentar o risco do tratamento, apesar do benefício que possa ser
alcançado.

o Infliximabe (anti-TNF-a)

Infliximabe (Remicade®) é um anticorpo monoclonal quimérico antifator de necrose tumoral.

O infliximabe é capaz de neutralizar o TNF-α e não há dúvida de que exerce atividade anti-inflamatória e induz
apoptose de células T ativas.

Recentemente, foram relatados casos do desenvolvimento de linfoma hepatoesplênico-células T, que é uma forma
rara de linfoma não Hodgkin, ocorrendo mais frequentemente em adolescentes e adultos jovens masculinos. Os
pacientes estavam também recebendo azatioprina ou 6-mercaptopurina.

Outros eventos adversos incluem infecções oportunistas, reativação de tuberculose e ocorrência de doenças
malignas.

o Adalimumabe (anti-TNF-α)

É um anticorpo monoclonal, totalmente humano, antagonista do fator de necrose tumoral (anti- TNF), liberado para
uso na DC de adultos.

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o Talidomida

A talidomida parece ser potente inibidor do fator de necrose tumoral-alfa (TNF-alfa). Os efeitos colaterais são
teratogenicidade, neuropatia periférica, dermatite, constipação intestinal e sedação excessiva.

Estratégia de tratamento ascendente (step-up)

Trata-se de uma abordagem mais conservadora, sendo a maneira


mais frequentemente utilizada no uso dos agentes biológicos,
atualmente. Consiste na utilização sequencial de classes de
medicamentos, dando-se tempo para que sua ação possa ser
comprovada.

É iniciada com a budesonida oral, derivados do 5-ASA e antibióticos,


e, caso os pacientes venham a apresentar maior gravidade na
evolução do tratamento, passa-se a utilizar imunossupressores e
corticoides sistêmicos.

Reserva-se, com esta forma de terapia, os agentes biológicos para


um último momento, na falha de ação dos medicamentos
previamente utilizados, ou na presença de complicações apesar do
tratamento realizado por período de cerca de 6 meses.

Estratégia de tratamento descendente (top-down)

Esta estratégia é baseada no uso precoce de terapia biológica em


pacientes selecionados, que teriam critérios de agressividade da
DC. Nestes casos, o uso precoce de biológicos, aventado por
alguns autores, pode trazer benefícios com um tratamento
preventivo de complicações da DC, diminuindo-se internamentos e
cirurgias.

Trata-se de utilização de IFX ou ADA logo após o diagnóstico


da DC, sem a necessidade prévia de intratabilidade ou
intolerância ao tratamento convencional com antibióticos,
corticoides, derivados do 5-ASA ou imunossupressores.

Esta estratégia deixa a cirurgia como alternativa para os


casos mais graves, em fases mais tardias da DC ou na falha
da terapia biológica.

 Tratamento cirúrgico

Estima-se que cerca de 70 a 90% dos pacientes


necessitarão de alguma forma de tratamento cirúrgico no decorrer de sua vida, que varia desde simples drenagens
de abscessos anais até complexas ressecções de segmentos intestinais.

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Diagnóstico diferencial

Antes de submeter o paciente a métodos invasivos, descartar causas infecciosas e parasitárias. Devido às variadas
manifestações clínicas da DC, muitas afecções podem ser aventadas no diagnóstico diferencial:

 Afecções ileocecais: Ileítes agudas, adenites mesentéricas, hiperplasia nodular linfoide, linfossarcoma,
tuberculose, yersiniose. Entretanto, a apendicite aguda é a situação mais frequentemente confundida. Tem
importância, pois o índice de fistulização é elevado quando se procede à ressecção do apêndice;
 Doenças cólicas: RCU, disenteria bacteriana ou parasitária, tuberculose, síndrome do intestino irritável;
 Afecções psicogênicas: Anorexia nervosa;
 Doenças febris: Febre de origem indeterminada, brucelose, colagenoses;
 Doenças endócrinas: Retardo de crescimento inexplicado, hipopituitarismo;
 Distúrbios do trato digestório superior: Gastrenterites, doença celíaca, insuficiência pancreática, úlcera
péptica, jejunoileítes agudas;
 Afecções geniturinárias: Infecção urinária, litíase etc.;
 Obstrução intestinal de diferentes etiologias;
 Outras: doença de Behçet, púrpura de Henoch-Schönlein.

Surge principalmente em pessoas jovens ou de meia-idade. Além das alterações locais, frequentemente apresenta
complicações sistêmicas.

Epidemiologia

A incidência é 3 a 5 vezes maior nos EUA e países do Norte da Europa em relação aos países do sul. Este gradiente
norte-sul sugere que fatores ambientais e, consequentemente, estilo de vida desempenham importante papel na
etiologia da doença.

É incomum na Ásia, mas estudos recentes demonstram aumento tanto na incidência como na prevalência. Exceções
incluem Austrália e Nova Zelândia, onde a ocorrência segue padrão americano e europeu.

A doença acomete ambos os sexos, na mesma proporção, embora com tendência de ocorrer mais em mulheres. Há
uma distribuição etária bimodal para homens, com picos entre 15 e 35 anos e 60 e 70 anos.

Por sua vez, em mulheres, a faixa mais acometida é dos 15 aos 35 anos.

Afeta mais as pessoas brancas e jovens.

Há uma história familiar positiva para a doença.

Etiopatogênese

Os investigadores concordam que fatores ambientais, genéticos, a flora intestinal e o sistema imune estão
envolvidos.

Resulta de uma resposta imunológica exagerada da mucosa do cólon a antígenos luminais, possivelmente
microbianos, em indivíduos geneticamente predispostos.

 Fatores ambientais

Dieta: substâncias, como as bebidas à base de cola, chocolate, açúcar refinado e dietas pobres em fibras e ricas em
gorduras, como é o caso do chamado fast food, também têm sido relacionadas com a RCU, representando um
universo de produtos utilizados na alimentação, que poderiam representar fatores de risco.

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Alguns autores argumentam que a substituição do leite materno por leite de vaca logo após o nascimento poderia
acarretar o desenvolvimento de DII possivelmente por mecanismo de hipersensibilidade. Estudos recentes mostram
que a falta de leite materno parece estar associada ao aparecimento de RCU.

Infecção: exaustiva pesquisa microbiológica e de microscopia eletrônica para vírus, bactérias e fungos não foi capaz
de demonstrar uma relação de causa e efeito entre qualquer agente e a doença. Mesmo bactérias saprófitas foram
suficientes para o surgimento da doença.

Apendicectomia: Há cerca de 20 anos, foi sugerida uma intrigante associação entre apendicectomia e baixo risco de
surgimento de RCU. Estudos recentes demonstraram que indivíduos acometidos de apendicite ou linfadenite
mesentérica na infância ou na juventude têm, sim, menor probabilidade de desenvolverem a doença. A explicação
mais aceitável para este fato é que a resposta inflamatória evocada por estas doenças no passado induziria
alterações imunológicas duradouras com efeito protetor contra RCU.

Fumo:

 A RCU é 2 a 6 vezes mais frequente em não fumantes.


 Setenta e cinco por cento dos pacientes desenvolveram sua doença após pararem de fumar.
 Pacientes com RCU, fumantes intermitentes, têm reativação da doença em geral nos períodos em que não
estão fumando.

Os possíveis mecanismos pelos quais o fumo participaria na gênese da doença são:

a. Redução do fluxo sanguíneo na mucosa retal


b. Diminuição na produção de radicais livres
c. Diminuição na secreção de eicosanoides
d. Alteração na aderência da camada de muco
e. Efeitos imunossupressores
f. Efeitos ansiolíticos

Duas décadas após estas observações, estudos recentes confirmam o efeito protetor do fumo não só no surgimento
da doença, mas também no seu curso clínico e no aparecimento de manifestações extraintestinais da doença.

 Fatores genéticos

Na RCU, foi encontrado apenas um possível Locus chamado de IBD2 localizado no cromossomo 12, mas ainda
carece de confirmação a sua ligação com a doença. Até hoje, foram identificados trinta Locus, e pelo menos 5 deles
preenchem os critérios preestabelecidos de probabilidade de ligação com as doenças inflamatórias.

Inúmeras evidências sugerem que realmente fatores genéticos estão envolvidos na etiopatogênese da RCU, dentre
eles:

a. História familiar e ocorrência da doença em gêmeos, principalmente monozigóticos.


b. A associação com síndromes ou doenças comprovadamente genéticas.
c. A correlação com marcadores genéticos, tais como sistema HLA, autoanticorpos, entre outros.

A alta incidência de RCU em judeus e o fato de que a doença praticamente não existe entre os beduínos árabes,
além do aumento de até 15% na incidência entre os descendentes de primeiro grau dos doentes, direcionam a
maioria das pesquisas para os fatores genéticos.

Vários marcadores genéticos, como sistema HLA, autoanticorpos, aumento na permeabilidade intestinal,
anormalidades da mucina, têm sido estudados, mas, por enquanto, não forneceram elementos suficientes para
implicar definitivamente os fatores genéticos como responsáveis pela gênese da RCU.

 Fatores imunológicos

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Os principais elementos imunológicos envolvidos na patogênese da RCU são:

a) o microbioma: O microbioma, ou flora intestinal, consiste em uma diversidade de microrganismos que afeta o
desenvolvimento do sistema imune intestinal, fornece energia e modula o metabolismo energético. Pacientes com DII
e em modelos animais mostram que certos antibióticos são efetivos em alguns casos e o desenvolvimento de colite
em ratos necessita de bactérias para que ocorra inflamação. Apesar de um grande número de agentes microbianos
terem sido incriminados na gênese da DII, nenhum foi confirmado.

b) o epitélio intestinal: O epitélio da mucosa do intestino, na interface entre o microbiona e o tecido linfoide do
sistema gastrintestinal, desempenha papel fundamental na formação de resposta imune da mucosa. As células da
mucosa intestinal constituem uma barreira contra a entrada excessiva de bactérias e outros antígenos do lúmen para
a circulação. A barreira mucosa intacta depende das junções intercelulares que ajudam a selar o espaço entre as
células epiteliais adjacentes (espaço paracelular) e as junções firmes que constituem os elementos chaves para este
selo.

Na DII o espaço paracelular apresenta um aumento da permeabilidade, e a regulação da junção firme é defeituosa.
Estas alterações podem ser devidas a defeito primário da barreira ou consequência da inflamação. Existem ainda
células especializadas, como, por exemplo, as células de Paneth, que auxiliam na proteção contra invasão
bacteriana, secretando peptídios antimicrobianos, tais como as defensinas alfa.

c) a resposta inflamatória: A lâmina própria da mucosa intestinal contém uma complexa população de células
imunes que controlam o equilíbrio entre as necessidades de tolerância imunológica em relação à flora com a
necessidade de defesa contra patógenos.

A característica principal do processo inflamatório na RCU é a pronunciada infiltração, na lâmina própria de células
imunes inatas (neutrófilos; macrófagos, células dendríticas e células T (natural killer) e células adaptativas (B e T). O
aumento do número destas células na mucosa acarreta aumento do fator de necrose alfa, da interleucina-1-β do
interferon gama e de citocinas.

A resposta imune inicial à flora é regulatória, determinando tolerância ou defesa. Desequilíbrio nesta resposta pode
ser a chave para o surgimento da doença inflamatória. O braço inato do sistema imune provê resposta inicial rápida
secretando muco, peptídios antimicrobianos, imunoglobina A e outras proteínas. A seguir, entram em cena outras
células como células T helper (Th1, Th2 e Th17) e outros subgrupos de células regulatórias como CD4. O resultado é
a secreção de vários tipos de citocinas e interleucinas.

 Fatores sociopsicossomáticos

Fatores psicológicos e psicossociais têm sido implicados na gênese da RCU há vários anos. É universalmente aceito,
hoje, que fatores emocionais e sociopsicossomáticos interferem com a motilidade gastrintestinal; com a função
secretora; com a irrigação sanguínea das vísceras e com os mecanismos imunológicos e inflamatórios,
provavelmente mediados por neuro-hormônios, tais como VIP, glucagon, substância P entre outros.

Classificação

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Curso clínico

O curso clínico da RCU varia muito de um paciente para outro.

A localização da doença correlaciona-se estreitamente com a evolução. Desta forma, colite extensa está associada a
aumento do risco de colectomia e câncer de cólon, assim como aumento na mortalidade.

Quadro clínico

A sintomatologia da RCU é variável e depende da extensão e intensidade das


lesões. O início da doença pode ser insidioso ou abrupto, e a evolução é, em geral,
crônica, com surtos de exacerbação intercalados com períodos de acalmia.

O sintoma predominante é a diarreia, com inúmeras evacuações por dia,


geralmente com fezes líquidas misturadas com sangue, muco e pus.

Na fase aguda, em geral há dor em cólica no abdome, febre, perda de peso e mal-
estar geral.

 Manifestações extraintestinais

20% dos pacientes com RCU apresentarão manifestações extraintestinais.

A artrite ou artralgia é a mais frequente, acometendo 10 a 20% dos casos.

Envolvimento articular não produz deformações, é migratório, assimétrico, ocorrendo preferencialmente nas
articulações dos joelhos, quadris, tornozelos e cotovelos. Em alguns casos, podem ocorrer sacroiliite e
espondilite ancilosante, muitas vezes como primeira manifestação da doença.

O envolvimento da pele e da mucosa oral ocorre em 4 a 20% dos pacientes. Na boca, as lesões são as aftas e
acompanham a atividade da doença intestinal.

O eritema nodoso ocorre em 2 a 4% dos casos. Caracteriza-se por lesões nodulares, avermelhadas, dolorosas,
não ulceradas, com diâmetro de 1 a 5 cm, mais comumente nas regiões anteriores das pernas.

Pioderma gangrenoso pode surgir em qualquer parte do corpo, sendo, entretanto, mais frequente nas áreas de
maior trauma e de punção por agulhas. São úlceras grandes, profundas, com centro necrótico e geralmente
infectadas. Em geral, dependem da atividade da doença, mas podem ocorrer mesmo após colectomia total.

Várias outras lesões de pele, como vitiligo, vasculites, rosácea, alopecia, podem ocorrer.

Manifestações oculares acometem 1 a 10% dos pacientes, sendo as mais comuns episclerite, uveíte e irite.

Os sintomas mais comuns são dor ocular, fotofobia, borramento da visão e cefaleia. Essas lesões podem
preceder o início dos sintomas intestinais e não guardam relação com a atividade da doença.

O envolvimento hepático é relativamente frequente. Entretanto, pela sua gravidade, a manifestação mais
preocupante é a colangite esclerosante. Ocorre em 1 a 5% dos pacientes com RCU. Caracteriza-se por astenia,
prurido, icterícia, dor abdominal e febre. Laboratorialmente, nota-se elevação dos níveis séricos das enzimas
indicadoras de colestase. O diagnóstico definitivo é dado pela colangiografia endoscópica retrógrada.

Os prováveis mecanismos responsáveis pelas manifestações extraintestinais são:

 Imunocomplexos circulantes.
 Antígenos bacterianos.
 Crioproteínas circulantes.
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 Reações imunes que envolvem anticorpos contra antígenos de células epiteliais intestinais.

Diagnóstico

É feito por meio da avaliação conjunta do quadro clínico, dos achados laboratoriais, radiológicos, endoscópicos e
histológicos.

 Exame físico

Deve ser direcionado não só ao trato gastrintestinal, mas, sobretudo, à pesquisa de manifestações extraintestinais
(aftas, pioderma, eritema nodoso, artrites, uveítes etc.), para demonstrar alterações sistêmicas, nas formas graves da
doença (febre, taquicardia, desidratação), e auxiliar na detecção de complicações, como megacólon tóxico e
perfuração intestinal, entre outras.

Nas formas leves e moderadas da doença, o exame, em geral, é normal.

 Alterações laboratoriais

Inespecíficas, mas servem para fazer uma avaliação global.

As alterações mais frequentes: anemia ferropriva, leucocitose, aumento do número de plaquetas,


hipoalbuminemia, elevação da velocidade de hemossedimentação, dos níveis sanguíneos de proteína C
reativa e alfa-1-glicoproteína ácida.

Distúrbios eletrolíticos como hipopotassemia, hipocloremia, hiponatremia, alcalose ou acidose metabólica são
frequentes, sobretudo nas formas graves da doença.

O exame parasitológico e a cultura das fezes é importante para eliminar outras causas de diarreia.

Existem exames para a avaliação de atividade inflamatória, mas que ainda não fazem parte da rotina. Dentre estes,
destacam-se: calprotectina sérica, β2-microglobulina sérica, interleucina-6, eotaxina 2, dipeptidil peptidase IV.

 Marcadores sorológicos

A utilização de marcadores sorológicos (p. ex., anticorpos) fundamenta-se na hipótese de que a presença destes
anticorpos séricos refletiria este desequilíbrio do sistema imune. Tais marcadores são úteis, sobretudo para monitorar
o tratamento. Mais de 20 anticorpos diferentes já foram identificados no soro de pacientes com doença inflamatória
intestinal. Estes anticorpos parecem refletir uma resposta anormal a proteínas estranhas, pois não são encontrados
em indivíduos sadios nem em pacientes com outra doença intestinal. Dentre os anticorpos com possível aplicação
clínica, destacam-se:

 ANCA: anticorpos antiestruturas citoplasmáticas dos neutrófilos. No caso da RCU, o padrão de ANCA mais
encontrado nas colorações é o perinuclear, daí surgiu a sigla pANCA. Este anticorpo é produzido pelas células ββ na
mucosa intestinal e pode refletir a resposta local a antígenos, próprios da mucosa ou a bactérias. A frequência de
pANCA em pacientes com RCU varia de 23 a 89%, comparada a 4% em indivíduos normais.

 ASCA: anticorpos anti-Saccharomyces cerevisiae Anticorpos anti-Saccharomyces cerevisiae referem- se ao


anticorpo contra o fermento de padaria. Têm sido en- contrados em 50 a 70% dos pacientes com doença de Crohn e
somente em 6 a 14% na RCU.

 Anticorpos antibacterianos: estes anticorpos podem ajudar na identificação de subgrupos de pacientes nos quais a
inflamação é perpetuada por bactérias existentes no lúmen intestinal e podem responder à terapêutica direcionada
em alterar a flora.

 Exames de imagem

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Raios X simples do abdome: deve ser sempre realizada, especialmente nos pacientes com formas graves da
doença. Se o cólon estiver cheio de ar, podemos observar encurtamento do órgão, perda das haustrações e,
eventualmente, alterações grosseiras do relevo mucoso. Observam-se sinais de complicações, como dilatações
extremas no megacólon tóxico, presença de pneumoperitônio nas perfurações intestinais e alterações consequentes
às manifestações extraintestinais, ou seja, sacroiliite e espondilite ancilosante.

Enema opaco: útil, principalmente quando feito com a técnica do duplo contraste (bário e ar). Permite não só
estabelecer o diagnóstico, mas também avaliar a extensão da doença. Não deve ser realizado nos casos graves
devido ao risco de perfuração intestinal. A alteração mais precoce ao enema opaco é o aspecto granuloso da
mucosa, consequente ao edema que a infiltra. Com a progressão da doença, podemos notar erosões e ulcerações,
que conferem ao órgão um aspecto característico “em papel rasgado, ou borda de selo”. Quase sempre, há perdas
das haustrações e afilamento e encurtamento do cólon. Só é recomendado o enema opaco quando a colonoscopia
não está disponível prontamente, ou quando existir estenose no cólon que impeça uma avaliação endoscópica.

Ultrassonografia e tomografia computadorizada: são exames que não fazem parte da propedêutica de rotina da
RCU. Entretanto, podem ser usados em casos selecionados em que há suspeita de coleções intra-abdominais.

 Exames endoscópicos

Retossigmoidoscopia: A colonoscopia ou a retossigmoidoscopia constituem os exames de escolha para o


diagnóstico de RCU. A retossigmoidoscopia é um exame fundamental, sobretudo porque o reto está quase sempre
comprometido nesta doença. Deve ser realizada na primeira consulta, mesmo sem preparo intestinal. O exame inicia-
se com uma cuidadosa inspeção da região perianal, pesquisando-se fissuras, fístulas, abscessos ou outras lesões.

Os achados endoscópicos dependerão da cronicidade e da intensidade da doença. As lesões mais precoces são
eritema e edema da mucosa, com apagamento da trama vascular. O edema é caracterizado por um aspecto
granuloso da mucosa.

Durante o exame, notam-se, também, friabilidade da mucosa, sangrando facilmente ao toque do aparelho, e
exsudato mucopurulento, com ou sem sangue. Com a progressão da doença, podem surgir erosões, ulcerações
superficiais e pseudopólipos.

A colonoscopia é muito útil, para estabelecer a extensão da doença, para o diagnóstico diferencial com a DC e nos
programas de vigilância preventiva contra o câncer do cólon. Não deve ser realizada se houver suspeita de
megacólon tóxico, perfuração intestinal e/ou peritonite.

Histopatologia: A RCU é uma doença caracteristicamente da mucosa do cólon. Inicia-se no reto e pode estender-se
até o ceco. Na maioria dos casos, entretanto, limita-se ao reto e sigmoide. As alterações histológicas mais
encontradas nesta doença são tipicamente confinadas à mucosa e são as mesmas observadas nas colites ativas. Os
achados macroscópicos habituais são: hiperemia, congestão, edema, friabilidade, ulcerações, exsudato fibrinoso e
sangramento.

A microscopia revela infiltrado inflamatório agudo e crônico com distorção e perda da arquitetura das criptas,
microabscessos, depleção de células caliciformes, congestão vascular, hemorragias focais e ulcerações. Nas formas
graves, poderão ocorrer necrose da mucosa, ulcerações e pólipos inflamatórios.

Tratamento

 Medidas gerais

É fundamental que o médico informe o paciente sobre o caráter crônico da RCU e a necessidade de controles
periódicos, que forneça o devido suporte emocional e estimule a boa relação médico-paciente.

Pacientes com doença grave devem, preferencialmente, ser internados. Reposição hidreletrolítica, transfusão de
sangue e suporte nutricional (nutrição enteral e, eventualmente, parenteral) devem ser individualizados e são também
úteis no preparo do paciente para eventual cirurgia.
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Em pacientes na fase de atividade da doença, é recomendável a orientação dietética, pois ela pode auxiliar na
redução dos sintomas. Suplementos podem ser utilizados.

A dieta, na fase ativa da RCU, deve ser obstipante, evitando-se alimentos irritantes e/ou apimentados, frutas
laxativas, raízes vegetais e os carboidratos produtores de gás (leite e grãos em geral). Assim que a remissão da
doença for alcançada, o paciente deve receber uma dieta normal, bem balanceada.

Tem sido conduta a utilização de antibióticos nos casos graves, em virtude do aumento da permeabilidade intestinal e
da possibilidade de translocação bacteriana, acrescidos dos distúrbios imunológicos que costumam acompanhar os
pacientes.

Os esquemas podem ser:

a) ceftriaxona (1 a 2 g IV, cada 24 h);


b) imipeném (1 g IV, cada 6 ou 8 h);
c) ciprofloxacino (500 mg VO ou IV, 12/12 h) + metronidazol (400 a 500 mg VO ou IV,
cada 8 ou 12 h); este último esquema tem a vantagem de permitir o tratamento VO.

Medicações antidiarreicas (p. ex., opiáceos) e anticolinérgicas (p. ex., antiespamódicos) devem ser
administradas com cautela, pois podem desencadear o megacólon tóxico.

Da mesma forma, o consumo de anti-inflamatórios não esteroides, mesmo os mais modernos, devem ser
evitados, uma vez que podem exacerbar a doença.

Derivados salicílicos

 Neste grupo de medicamentos, incluímos a tradicional sulfassalazina (SSZ) e os novos derivados salicílicos.
Entre os vários mecanismos de ação do 5-ASA, estão a inibição da produção de leucotrienos e de
anticorpos, além da capacidade de assimilação de radicais livres.
 Mais recentemente, constatou-se que a chance de desenvolvimento do câncer colorretal em pacientes com
RCU pode ser substancialmente reduzida com o uso dos derivados salicílicos (p. ex., SSZ, mesalazina),
como manutenção. Neste caso, o 5-ASA agiria primariamente, impedindo a transformação neoplásica celular,
e secundariamente, reduzindo o processo inflamatório.
 Efeitos colaterais com a SSZ têm sido relatados em até 45% dos pacientes. São geralmente dose-
dependentes, e incluem: dor abdominal, náuseas, vômitos, anorexia, cefaleia, hemólise, infertilidade
masculina etc.

Corticoides

 Pacientes com o primeiro quadro de agudização da RCU responderam melhor do que aqueles com recaída
da doença.
 De maneira geral, na RCU ativa, de intensidade moderada a grave, iniciamos prednisona oral (0,75 a 1
mg/kg/dia, sem ultrapassar 60 mg/dia) até a remissão clínica, quando então passamos a diminuir o
corticoide.
 Se, durante o “desmame”, houver recaída da doença, pode-se aumentar o corticoide para a penúltima dose
que precedeu aquela em que ocorreu a recaída.
 Havendo nova recaída com o desmame, recomenda-se a utilização de medicação imunossupressora (p. ex.,
azatioprina, 6-mercaptopurina etc.) com o intuito de deixar o paciente sem corticoide.
 Em casos graves, internados, hidrocortisona, 100 mg IV a cada 6 ou 8 h, pode ser administrada e, em
seguida, substituída por prednisona oral tão logo o estado do paciente assim o permita.
 Os corticoides não devem ser usados como droga de manutenção, mesmo em doses baixas (< 10 a 15
mg/dia) em virtude de seus efeitos colaterais.

Imunomoduladores (ou imunossupressores)

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 Neste grupo de medicamentos, comumente incluímos a azatioprina (AZA) e a 6-mercaptopurina (6-MP), a


cloroquina, a ciclosporina e o metotrexato. Mais recentemente, tacrolimus (FK 506) e micofenolatomofetila
têm sido testados.
 AZA e 6-MP são potentes imunossupressores, inibindo a atividade de linfócitos T e B, além de células NK
(natural killer). AZA e 6-MP também induzem apoptose celular, o que é benéfico para os pacientes com DII,
cujos linfócitos e monócitos têm redução de apoptose.
 Em altas doses, AZA também inibe a síntese de prostaglandinas.
 De maneira geral, o uso de AZA e 6-MP está indicado nas formas corticoide-resistentes (ou refratárias) e
corticoide-dependentes, facilita a redução/suspensão do corticoide (corticoid sparing effect), promove
manutenção da remissão.
 Cloroquina, um reconhecido agente contra a malária com propriedades anti-inflamatórias e
imunomoduladoras, foi tão eficaz quanto a SSZ (3 g/dia), na dose de 500 mg/dia, VO, no tratamento da RCU
ativa.
 Ciclosporina é um peptídio extraído do fungo Tolypocladium inflatum que, sem dúvida, revolucionou os
transplantes de órgãos e o tratamento de doenças autoimunes. Seu principal mecanismo de ação é a
redução na produção de interleucina-2 (IL-2) pelas células T auxiliadoras (T-helper).
 Metotrexato (MTX) é um antagonista do folato e interfere na síntese de DNA. Age sobre a atividade de
citocinas e mediadores inflamatórios, bloqueando a ligação da IL-1 ao seu receptor e reduzindo a síntese de
IL-2, IL-6, IL-8, interferona-gama e leucotrieno B4. Na RCU, o MTX não parece trazer benefício.
 Tacrolimus (FK 506), um antibiótico macrolídico com propriedades imunomoduladoras e eficaz na prevenção
de rejeição após transplante hepático. Em pacientes com RCU, tacrolimus em altas doses (o suficiente para
manter níveis séricos de 10-15 ng/ml) VO e por 14 dias foi benéfico em pacientes internados com quadro
grave, corticoide-dependentes ou corticoide-refratários. A droga age de forma semelhante à ciclosporina,
porém sua ingestão oral é seguida de melhor absorção, mesmo diante de mucosa lesada.
 Micofenolatomofetila (MMF) é um éster do ácido micofenólico com ação imunossupressora, reduzindo a
produção de interferona-gama e a proliferação de linfócitos. Na RCU, MMF não foi superior à AZA.

Terapia biológica

A terapia biológica pode ser dividida em quatro grandes grupos:

1) agentes que incrementam o efeito de barreira da mucosa gastrintestinal, incluindo a estimulação da


imunidade inata;
2) agentes que inibem ou modulam citocinas;
3) agentes que bloqueiam a atividade de células T (imunidade adquirida);
4) agentes que bloqueiam a adesão e migração de células inflamatórias (p. ex., neutrófilos).

 Tratamento cirúrgico

O momento da indicação cirúrgica para a RCU é geralmente protelado devido à preocupação de clínicos e pacientes
com relação à feitura de ileostomias e/ou colostomias, temporárias ou definitivas, com suas consequências do ponto
de vista físico e de convívio social.

Indicações:

 Intratabilidade clínica.
 Complicações agudas: As mais importantes são sangramento incontrolável por medidas clínicas, megacólon
tóxico e perfuração do cólon.
 Riscos de câncer: Essa situação é mais frequente quando o surto inicial da doença ocorre na juventude,
naqueles em que todo o cólon está comprometido, e quando o processo se prolonga por mais de 10 anos.
Após a primeira década de doença, cerca de 2% dos pacientes desenvolverão o câncer colônico a cada ano.
 Retardo de desenvolvimento somático nas crianças: Essa situação é dependente da lesão intestinal. A
cirurgia deverá ser realizada antes do fechamento do espaço epifisário e, portanto, em condições de a
criança retornar ao seu desenvolvimento físico.

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 Complicações extraintestinais: As complicações extraintestinais não constituem indicações para colectomia.


A indicação de operação dependerá da situação da doença colônica, da resposta ao tratamento e do tempo
de duração da RCU. Essas complicações poderão, todavia, reforçar a decisão de operar. Podem ser:
 Dependentes da lesão intestinal: pioderma gangrenoso, eritema nodoso, estomatite aftoide, irites, artrites
periféricas;
 Independentes da lesão intestinal: colangite esclerosante, espondilite ancilosante, nefropatias crônicas e
amiloidose.

Fígado está localizado abaixo do diafragma, em sua maior parte no lado direito do corpo.

Uma cápsula de tecido conjuntivo recobre o fígado, sendo, por sua vez, recoberta
pelo peritônio, a túnica serosa que recobre a maior parte da víscera.

A vesícula biliar é um saco em forma de pera, que pende da margem frontal


inferior do fígado.

Estrutura do fígado e da vesícula biliar

Microscopicamente, o fígado é formado por diversos componentes:

1. Hepatócitos: São células funcionais importantes do fígado que realizam as funções


endócrinas, de metabolismo e de secreção.

2. Canalículos biliares: Esses são pequenos ductos entre os hepatócitos que coletam a bile produzida pelos
hepatócitos.

Dos canalículos biliares ductos biliares  formam os ductos hepáticos esquerdo e direito ducto hepático comum
+ ducto cístico da vesícula biliar  ducto colédoco. A partir dele, a bile entra no intestino delgado para participar da
digestão. Quando o intestino delgado está vazio, o músculo esfíncter do ducto colédoco fecha-se, à entrada do
duodeno, e a bile retorna ao ducto cístico até à vesícula biliar, para o seu armazenamento.

3. Sinusoides hepáticos: Esses capilares altamente permeáveis que ficam entre as colunas de hepatócitos recebem
sangue oxigenado dos ramos da artéria hepática e sangue desoxigenado rico em nutrientes dos ramos da veia porta.
Lembre-se que a veia porta traz sangue venoso dos órgãos gastrintestinais para o fígado. Os sinusoides hepáticos
convergem e entregam sangue na veia central.

Das veias centrais  veias hepáticas  veia cava inferior.

Também presentes nos sinusoides hepáticos estão fagócitos fixos, chamados de células reticuloendoteliais
estreladas (células de Kupffer), que destroem células sanguíneas brancas e vermelhas desgastadas, bactérias e
outras matérias estranhas no sangue venoso oriundo do trato gastrintestinal.

Bile: Os sais biliares auxiliam na emulsificação, a quebra de grandes glóbulos de lipídeos em uma suspensão de
pequenos glóbulos de lipídeos, e na absorção de lipídeos seguida de sua digestão. Os pequenos glóbulos de lipídeos
formados como resultado da emulsificação apresentam uma área de superfície muito grande, de modo que a lipase
pancreática pode digeri-los rapidamente.

O principal pigmento biliar é a bilirrubina, que é derivada do heme. Quando as hemácias degastadas são quebradas,
o ferro, a globina e a bilirrubina são liberados. O ferro e a globina são reciclados, mas parte da bilirrubina é excretada
na bile.

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A bilirrubina finalmente é degradada no intestino, e um de seus produtos de degradação, a estercobilina ̧ dá às fezes
sua cor marrom normal. Após funcionarem como agentes emulsificantes, a maioria dos sais biliares é reabsorvida,
por meio de transporte ativo, na porção final do intestino delgado (íleo) e entra no sangue da veia porta do fígado.

O fígado desempenha muitas outras funções vitais, além da secreção de bile e sais biliares e da fagocitose de
bactérias e material estranho ou morto pelas células de Kupffer.

Resumidamente, contudo, as outras funções vitais do fígado incluem as seguintes:

 Metabolismo dos carboidratos.


 Metabolismo de lipídeos.
 Metabolismo de proteínas.
 Processamento de fármacos e hormônios.
 Excreção de bilirrubina.
 Armazenamento de vitaminas e minerais.
 Ativação da vitamina D.

A litíase biliar é condição altamente prevalente nos países ocidentais, onde 10


a 15% da população adulta abriga cálculos no interior da vesícula.

A litíase dos canais biliares resulta, geralmente, da migração a partir da


vesícula. Menos frequentemente, os cálculos podem se formar nos próprios
canais, quando há infecção ou estase biliar.

A classificação mais simples divide os cálculos em: cálculos de colesterol e os


pigmentares.

Cálculos de colesterol: cor castanho-clara, polidos ou facetados, únicos ou


múltiplos e, à seção, têm aspecto lamelar ou cristalino. Representam 70 a 80% dos cálculos no mundo ocidental e,
embora possam ser puros, em sua maioria são do tipo misto, compostos por mais de 70% de colesterol
monidratado, com quantidades variáveis de sais de cálcio, sais biliares, ácidos graxos, proteínas e fosfolipídios.

Cálculos pigmentares: Os cálculos pigmentares contêm menos de 25% de colesterol em sua formação, podendo
ser divididos em cálculos negros e castanhos. O principal componente é o bilirrubinato de cálcio. Geralmente, os

Sealedaca
cálculos negros são mais comuns em pacientes com cirrose ou hemólise crônica, e os castanhos são associados a
infecção. Em&geral, os pacientes com cálculos pigmentares são homens mais idosos do que aqueles com cálculos
de colesterol. vesicula
Tanto os cálculos de colesterol como os pigmentares contêm, na maioria dos casos, um núcleo constituído por
pigmento biliar envolvido por matriz proteica, geralmente uma glicoproteína.

Etiologia

Predisposição genética: A agregação familiar de colelitíase se deve, provavelmente, à influência genética. Em tais
pacientes, vagas de crises dolorosas, frequentemente iniciadas antes dos 40 anos e cerca de 50% deles apresentam
uma anomalia do gene MDR3 (mutações homozigotas ou heterozigotas).

A proteína MDR3 constitui mais de 80% das proteínas canaliculares no homem e ela permite a transferência através
da membrana do principal fosfolipídio biliar, a fosfatidilcolina.

- Multiparidade: A diminuição da motilidade vesicular é um fator importante, efeito adicional dos hormônios. Existe
maior prevalência de litíase em multíparas, quando comparadas com nulíparas, e evidências recentes confirmam o

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tradicional conceito de que o risco de adquirir cálculos vesiculares aumenta com o número de gestações. Durante a
gestação há também relativa hiperlipoproteinemia e alterações motoras da vesícula.

- Obesidade: Os cálculos de colesterol são três vezes mais frequentes na obesidade acentuada. A colelitíase está
presente em cerca de 25 a 45% dos obesos mórbidos. É considerada a terceira doença mais frequente na
obesidade. A patogênese está relacionada com um relativo excesso de colesterol ou à insuficiência de sais biliares
acarretando supersaturação da bile. As dietas hipercalóricas estão associadas à presença de bile litogênica, o
mesmo sendo observado com as dietas ricas em colesterol.

- Nutrição parenteral total por longo período.


- Cirrose: Os cálculos são geralmente pigmentares e parecem resultar de deficiência de conjugação da bilirrubina ao
nível do hepatócito, além da sobrecarga de bilirrubinas resultante da hemólise crônica pelo hiperesplenismo em
alguns desses pacientes.

- Distúrbios hemolíticos: mais jovens do que os acometidos pela litíase em geral. A maior incidência é nos casos de
microesferocitose, seguida pelos casos de anemia falciforme e talassemia. Esse mesmo mecanismo, a hemólise
crônica, explica a maior incidência de litíase em pacientes portadores de prótese valvular cardíaca.

- Parasitos biliares: a colecistite por febre tifoide e a migração de vermes para o colédoco, como o Ascaris
lumbricoides e o Clonorchis sinensis, situação esta comum no Oriente.

- Rápida perda de peso.


- Neoplasias malignas na infância
- Doenças do íleo terminal (tuberculose, doença intestinal inflamatória, síndrome do intestino curto.

Admite-se, também, que fatores ambientais sejam responsáveis pela diferença na composição dos cálculos entre o
Oriente e o Ocidente.

Países ocidentais: predominam os cálculos de colesterol.

Japão: predominavam os de bilirrubinato de cálcio.

A predominância se faz a partir da quinta década de vida, aumentando progressivamente com a idade.

É mais frequente na mulher, na qual ocorre mais cedo do que no homem (Influências hormonais).

 Anticoncepcionais duplicam a incidência e o uso de estrogênios na pós-menopausa estava associado a


incidência duas vezes e meia maior.
 O tratamento das hiperlipemias com clofibrato agrava o potencial litogênico da bile, já que a redução do
colesterol se faz à custa de uma secreção biliar aumentada.
 Observou-se maior incidência de colelitíase em diabéticos. A explicação para isso pode ser o distúrbio do
metabolismo lipídico ao nível do hepatócito.
 A incidência aumentada de cálculos vesiculares ou ductais que ocorre em pacientes com estenose de
colédoco terminal é explicada pela presença de estase biliar acima da obstrução.
 As operações sobre o estômago e a vagotomia troncular ou seletiva parecem levar a uma redução do fluxo
biliar com tendência à formação de cálculos. Mas essa maior incidência é, ainda, objeto de muita discussão.
 A incidência de litíase sintomática após as gastroplastias redutoras para tratamento da obesidade mórbida
varia em média de 2,8 a 38%, ocorrendo, principalmente, nos primeiros meses de pós-operatório e tendem a
estabilizar após o segundo ano.
 Maior incidência de litíase biliar também é descrita no hipotireoidismo, pelo distúrbio do metabolismo lipídico,
e na porfiria, pela precipitação do pigmento porfirínico, não hidrossolúvel, nas vias biliares.
 Alguns medicamentos podem originar precipitados na bile e cálculos biliares: a ceftriaxona e o dipiridamol
(vasodilatador e antiagregante plaquetário).
 As dietas hipercalóricas parecem ser litogênicas, assim como o jejum prolongado. Por outro lado, as dietas
ricas em fibras diminuem a concentração biliar do colesterol, havendo menor tendência à formação de
cálculos de colesterol.
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 Há evidências anatomopatológicas de que a doença coronariana é mais avançada em portadores de litíase
biliar. Por sua vez, a chamada tríade de Saint (colelitíase, hérnia hiatal e doença diverticular dos cólons)
parece ser muito mais coincidência de afecções altamente prevalentes no mesmo ambiente geográfico do
que resultante de fator etiológico comum.

Fisiopatologia

 Litíase de colesterol

A formação compreende três estágios principais: supersaturação biliar com formação de bile litogênica, nucleação e
crescimento dos cálculos.

Na etiopatogenia da litíase de colesterol, atribui-se papel primordial à secreção pelo fígado de bile supersaturada em
colesterol, também chamada bile litogênica (excesso de colesterol em relação aos sais biliares e fosfolipídios).

A bile transforma-se em um sistema bifásico, contendo colesterol em estado cristalino.

Indivíduos normais, entretanto, também apresentam bile hepática hipersaturada em certos períodos do dia
entretanto, mistura-se com grandes quantidades de bile vesicular insaturada, perdendo as suas características
litogênicas.

Dentre os mecanismos intra-hepáticos que podem levar a uma secreção de “bile litogênica”, destaca-se a deficiência
de solventes (sais biliares e/ou fosfolipídios), que pode ocorrer nas seguintes condições:

1) hipersensibilidade do mecanismo de retroalimentação de sais biliares ao nível do fígado;


2) perda excessiva de sais biliares (doenças no, ou operações sobre o íleo terminal);
3) síntese deficiente de sais biliares;
4) redução na síntese de fosfolipídios.

O outro mecanismo é o excesso de soluto (colesterol): obesidade, em grupos étnicos ou genéticos, dietas
hipercalóricas, dietas de redução de peso, dietas ricas em colesterol, no uso de drogas, como a colestiramina, e em
distúrbios metabólicos, tais como hipertrigliceridemias, hiperlipoproteinemias e diabetes.

Em determinados casos, pode haver tanto aumento do soluto como deficiência do solvente.

Entre os defeitos genéticos, há evidências modernas de que a hipersecreção de colesterol na bile também
dependeria da atuação de um genótipo da apolipoproteína E4: o polimorfismo genético da apoE poderia influir na
eficiência da absorção intestinal de colesterol e na síntese hepática dessa substância, assim como na secreção biliar
de colesterol e de sais biliares.

Os mecanismos extra-hepáticos causadores de bile “litogênica” são:

1) circulação acelerada de sais biliares;


2) distúrbios primários da vesícula, canais ou esfíncteres.

O fenômeno da nucleação é o processo pelo qual os cristais de colesterol monoidratado se formam e aglomeram.

O tempo de nucleação da bile vesicular dos indivíduos com litíase é muito menor do que em indivíduos controles,
mesmo que tenham bile hipersaturada.

Estudos sucessivos sobre os transportadores do colesterol na bile parecem demonstrar que o tempo de nucleação
está relacionado com a fração de colesterol transportada pelas vesículas de fosfolipídios.

A nucleação é precedida pela formação das vesículas (organelas) unilamelares de colesterol, ingressando em uma
fase metastável, formam vesículas multilamelares, que, posteriormente, dão origem aos cristais líquidos,
antecedendo a precipitação dos cristais sólidos de colesterol monoidratado. Fatores antinucleantes (apoproteínas A1
e A2), que são encontrados na bile não litogênica, impedem a formação de agregados de cristais de colesterol.
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O cálcio parece promover a fusão de vesículas ricas em colesterol e acelera o crescimento dos cristais de colesterol.

Os microcálculos vão crescendo pela influência de fatores encontrados no interior da vesícula biliar.

O muco vesicular também tem papel no crescimento dos cálculos. Assim, admite-se que o gel de mucina age por
diferentes mecanismos:

1) formando bolsões que retêm os cristais;


2) as moléculas de glicoproteínas da mucina parecem formar um cimento intercristalino que provoca a
aderência entre os cristais;
3) devido à hipomotilidade vesicular, cristais permanece na vesícula por tempo prolongado, permitindo
a moldagem de cálculos grandes pela adição contínua de novos cristais.
 Litíase pigmentar

Os cálculos pigmentares castanhos são maciços e sem formas definidas. Contêm sais de bilirrubina e outras
substâncias.

A litíase pigmentar predomina na litíase primária dos ductos biliares, formando-se na vigência de infecção.

A sua patogenia varia com as diferentes etiologias. Assim, nas hiper-hemólises, os cálculos se formam devido à
sobrecarga hepática de bilirrubina.

O mecanismo mais provável seria através da desconjugação de bilirrubina conjugada secretada. A incidência
aumentada de litíase pigmentar em cirróticos seria decorrente da diminuição da capacidade de transporte da
bilirrubina pelo mecanismo micelar.

A estase vesicular prolongada é o mecanismo aventado para explicar os cálculos pigmentares que acompanham a
hiperalimentação parenteral.

E, finalmente, a redução do pool de sais biliares, secundária à interrupção de sua circulação êntero-hepática causada
pela ressecção ileal, justificaria a litíase nessa condição, isso por causa da perturbação no transporte micelar da
bilirrubina.

 Lama biliar

O desenvolvimento da ultrassonografia permitiu o reconhecimento frequente da lama biliar no interior da vesícula. É


considerada precursora da litíase, embora nem sempre se desenvolvam cálculos macroscópicos em uma vesícula
que contém lama.

A sua história natural é variada, podendo persistir por longos períodos, com episódios de desaparecimento e
reaparecimento.

A lama biliar é geralmente uma mistura de muco, bilirrubinato de cálcio e cristais de colesterol monoidratado. A lama
tem sido observada, com frequência, em situações de estase vesicular, como ocorre em até 40% das mulheres
normais no terceiro trimestre da gravidez, pacientes em pós-operatório de grandes cirurgias e em nutrição parenteral.

A lama tem sido relatada em pacientes em uso prolongado de certos medicamentos, como a ceftriaxona e o
octreotídio. Nessas circunstâncias, a lama é um fenômeno reversível, que pode desaparecer com a remoção da
causa básica.

História natural da litíase biliar

A maioria dos portadores de litíase biliar, até 80% é assintomática ou oligossintomática. Uma minoria é plenamente
sintomática, em consequência da obstrução do canal cístico. Apresentam dor recidivante, podendo evoluir para
quadros de colecistite aguda, empiema e perfuração vesicular.

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Larissa Gusmão Guimarães

Fístula biliar interna ou externa e peritonite são consequentes à ruptura do colecisto. Em 10 a 15% dos casos, há
passagem de cálculos para o colédoco. Embora nem todos sejam sintomáticos, 75 a 90% apresentarão crises
dolorosas, icterícia obstrutiva, colangite e/ou pancreatite biliar.

Por ocasiões, o quadro inflamatório é brando e transitório, persistindo leve inflamação crônica da mucosa com
exacerbações agudas de permeio. É o quadro da colecistite crônica calculosa, que pode ser assintomática.

Quadro clínico da litíase biliar

 Litíase da vesícula biliar

Os sintomas não são específicos. A litíase vesicular normalmente é assintomática, quando sintomática, o paciente
pode relatar discreta dor epigástrica ou no quadrante superior direito.

O episódio mais característico é a chamada cólica biliar. A dor é intensa, contínua, e,


raramente, em cólica, com períodos de exacerbação, localizada em epigástrio ou
hipocôndrio direito, às vezes irradiando-se para a região interescapulovertebral. Pode
também ser referida na região lateral do pescoço.

É de início súbito, aumentando de intensidade rapidamente. Se persistir por mais de 3


h, deve-se pensar em colecistite aguda. Ocorre mais frequente à noite (posição
horizontal) facilitando a mobilização dos cálculos para o cístico. O intervalo entre as cólicas
é variável.

É frequente a presença de náuseas e vômito. Os sintomas dispépticos, a intolerância a


alimentos gordurosos, a cefaleia e a pirose dificilmente poderiam ser atribuídos à litíase
biliar. A cólica pode iniciar sem nenhum evento precipitante.

Não se conseguiu demonstrar relação entre o tipo de dieta e o início da dor.

Um fato clínico interessante é que pode ocorrer desaparecimento de cálculos biliares no interior da vesícula, sem que
se constitua fístula bilioentérica. A primeira possibilidade corresponde à migração dos cálculos para o intestino,
mesmo sem dor ou icterícia. A segunda possibilidade refere-se à dissolução espontânea de cálculos de
colesterol.

Diagnóstico

Comprovação diagnóstica: Dados clínicos + exame de imagem.

Tipicamente associada a exames hematológicos normais.

Os métodos complementares de diagnóstico mais importantes são os exames radiológicos e ultrassonográficos.

Ultrassonografia abdominal (primeiro e melhor método para evidenciar cálculos biliares): sensibilidade e
especificidade de 95% para cálculos maiores de 2mm. Em casos suspeitos, sem alterações à ultrassonografia,
prossegue-se com a colecistografia oral e prova motora. Esse método, embora pouco usado hoje, ainda pode ser
útil.
 Os cálculos vesiculares apresentam-se como imagens lineares ou esféricas, hiperecogênicas, com sombra
acústica posterior, independentemente de sua constituição bioquímica.

 Obesos e aqueles com gás sobre a área vesicular, as imagens podem ser prejudicadas e as lesões vesiculares
podem passar despercebidas.

Radiografia simples pode diagnosticar cálculos radiopacos, eventualidade que não excede 15% dos casos.

Colecistografia oral: quando a vesícula não é identificada, convém repetir o exame no dia seguinte com dose dupla
de contraste. Se, ainda assim, persistir a falha de impregnação, há 95% de chance de existir doença vesicular.
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Colangiografia venosa (CV): Há grande possibilidade de a vesícula opacificar-se sem demonstrar cálculos contidos
no seu interior. Erros diagnósticos são elevados. Esse procedimento quase não é mais usado.

Colangiografia retrógrada por via endoscópica (CRE): constitui um meio muito sensível de diagnosticar a litíase
ductal.

Colangiografia por ressonância nuclear magnética: só pode servir para fins diagnósticos, e não terapêuticos. É
um método que pode ser usado em grávida, pois não é ionizante.

Ecoendoscopia: esperança no diagnóstico de cálculos ductais, mas é método ainda restrito a alguns serviços.

TC computadorizada do abdome: no diagnóstico da litíase vesicular fica entre 78 e 83%. A imagem tomográfica
pode ser negativa devido a uma mínima diferença de densidade entre os cálculos e a bile em que estão
mergulhados.

Tratamento

Indicações de tratamento:

a. Pacientes com sintomas de dor biliar e cálculos.


b. Pacientes com doença biliar complicada.
c. Vesícula biliar em porcelana.
d. Pacientes com vesícula funcionalmente excluída.
e. Casos selecionados de litíase assintomática: Paciente com expectativa de vida superior a 30 ou 40 anos.
Portadores de múltiplos cálculos vesiculares menores que 5 mm. Indivíduos de populações com alto índice
de câncer da vesícula biliar. Portadores de cálculos que vivem em ou viajem para regiões sem condições de
assistência médica. Pessoas que, por motivos psicológicos, ou por conhecerem e temerem complicações,
prefiram a colecistectomia.
f. Pacientes portadores de litíase nos canais biliares, sintomáticos ou não.

O método mais definitivo e curativo da doença litiásica vesicular: colecistectomia.

 Métodos de fragmentação

1) Litotripsia por ondas de choque extracorpóreas.

2) Litotripsia intracorpórea por contato (ação direta): laser e eletro-hidráulica. O método é indicado em menos de 10%
dos casos de litíase vesicular sintomática, conforme os seguintes critérios:

- Critérios de Inclusão: História de dor biliar. Vesícula funcionante (contrastada à colecistografia oral). Cálculo
vesicular radiotransparente, com diâmetro maior que 4 mm e inferior a 30 mm, ou até três cálculos com diâmetros
que, somados, não ultrapassem 30 mm. Admite-se a inclusão de cálculos com camada periférica delgada calcificada,
ou com núcleo de calcificação, ambos inferiores a 3 mm. Não deve haver interposição de pulmão, osso, cisto ou
aneurisma no trajeto das ondas de choque. Ducto cístico prévio. Paciente motivado e bem esclarecido a respeito do
método. Anuência assinada.

- Critérios de Exclusão: Vesícula não funcionante (excluída à colecistografia oral). Presença de colecistite aguda,
colangite ou pancreatite aguda. Presença de cálculos ductais concomitantes. Úlcera péptica gastroduodenal em
atividade. Coagulopatia. Hepatopatia em atividade. Arritmia cardíaca grave. Presença de marca-passo. Gravidez.
Terapia com anticoagulantes ou inibidores de agregação plaquetária.

O sucesso terapêutico depende do tamanho e do número de cálculos.

A incidência da recidiva após a LCEC é consideravelmente alta. Pode atingir 20% nos primeiros 2 anos e 50% nos
primeiros 5 anos, ou mesmo mais. A terapia adjuvante com ácidos biliares VO no período pós-tratamento parece
diminuir discretamente a recidiva apenas nos pacientes que eram portadores de pequenos cálculos solitários.

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Complicações : cólica biliar, pancreatite aguda, hematúria, colecistite aguda por obstrução do cístico ou colangite.

 Dissolução de cálculos vesiculares por medicamentos usados VO

- Critérios deinclusão: cálculos de colesterol pouco numerosos e com diâmetro inferior a 5 a 10 mm; vesícula
funcionante, com ducto cístico pérvio; pacientes magros e com cálculos que boiam na bile.

 Ácido ursodesoxicólico: VO, 8 a 10 mg/kg/dia, 8/8 h, durante longo período (até 2 anos).
 Ácido quenodesoxicólico: VO, 250 mg, 12/12 h, durante 2 semanas; a seguir, aumentar gradativamente a
dose, até atingir 13 a 16 mg/kg/dia e surgir intolerância. (Eficácia não comprovada nos cálculos radiopacos.
Pode ser eficaz nos cálculos radiotransparentes de colesterol). Pode ser melhor com a associação da
estatinas, que ativam o gene MDR3, e limitada pelos fibratos, que aumentam a secreção de colesterol e não
estimulam o gene MDR3.
Efeitos colaterais: diarreia, hipercolesterolemia e, raramente, lesão hepática. Pode também ocorrer obstrução dos
canais biliares, gerada por migração de cálculos, ocasionando cólica biliar, colecistite ou colangite.

Contraindicações: cálculos radiopacos, vesícula não funcionante, colecistite aguda, colangite, calculose do
colédoco, doenças inflamatórias intestinais e insuficiência renal.

Em pacientes magros e com cálculos pequenos, flutuantes e radiotransparentes, a dissolução ocorre em 40 a 55%
dos pacientes tratados por 6 a 12 meses. A incidência de recidiva é alta, chegando a 50% dos casos aos 5 anos após
interrupção da terapêutica.

 Dissolução de cálculos vesiculares por éter metiltertbutil (EMTB) através de cateter percutâneo transepático
(uso raro).

O EMTB é um solvente de contato. É um éter alifático que dissolve cálculos de colesterol in vitro 50 vezes mais
rápido que a monoctanoína. É preferível não infundi-lo nos canais biliares por causa dos seus efeitos tóxicos:
duodenite, hemólise e pneumonia hemorrágica. A vesícula é puncionada por via percutânea transepática e
posicionado cateter em seu interior, sob controle ultrassonográfico ou fluoroscópico.

Cinco a 10 ml de éter são instilados e trocados a cada 4 a 6 min (o que pode ser feito por máquina automática).

Os inconvenientes do método incluem: necessidade de introdução e retirada do éter inúmeras vezes por tempo
prolongado, risco de coleperitônio, permanência da vesícula in situ.

 Colecistectomia videolaparoscópica

Atualmente, é considerado o “padrão-ouro” de colecistectomia.

Em torno de 6 h após o término da operação, a soroterapia é suspensa, o paciente deambula e reinicia a ingesta oral
de líquidos. Em alguns centros, os pacientes recebem alta hospitalar no mesmo dia.

Em torno de 7 dias, os pacientes estão em condições de voltar às suas atividades habituais.

Complicações: lesão do hepatocolédoco, a hemorragia e a lesão de outros órgãos abdominais. As pequenas


hemorragias são facilmente controláveis por eletrocoagulação.

Hemorragias mais graves resultam da lesão da artéria cística, ou mesmo da hepática.

A conversão para operação aberta é observada entre 1,8 e 7%.

As complicações pós-operatórias são semelhantes àquelas observadas após a colecistectomia aberta. As infecções
das feridas operatórias são pouco frequentes e predominam na incisão ao nível do umbigo.

Complicações da colelitíase

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 Cólica biliar
 Colecistite aguda
 Pancreatite aguda biliar
 Colescistite enfisematosa
 Vesícula hidrópica
 Colecistite crônica
 Spindorme de Mirizzi
 Dístulas e perguração livre
 Obstrução intestinal
 Obstrução gástrica (síndrome de Bouveret)
 Ca de vesícula

A colecistite aguda é caracterizada pela inflamação aguda da parede da vesícula biliar.

Pode instalar-se sobre uma vesícula cronicamente doente, isto é, uma agudização sobre colecistite crônica.

As alterações inflamatórias são variáveis: edema, congestão e infiltração de células inflamatórias até necrose,
gangrena e perfuração.

A evolução da doença é imprevisível e, principalmente em idosos, a sintomatologia nem sempre corresponde à


gravidade das lesões.

Acomete entre 20 e 25% dos portadores de litíase vesicular sintomática, e sua maior prevalência em idosos está
relacionada com a frequência crescente da litíase nas últimas décadas da vida.

Doença torna-se progressivamente mais grave à medida que a idade aumenta.

A colecistite aguda está associada à obstrução litiásica do canal cístico em cerca de 90 a 95% dos casos. Entretanto,
formas especiais de colecistite se desenvolvem sem obstáculo aparente ao esvaziamento vesicular.

 Colecistite aguda calculosa

Complicação da litíase biliar e depende da obstrução do canal cístico por um ou mais cálculos biliares.

Fisiopatologia

A migração de cálculo(os) pode provocar uma obstrução. Se esta não é aliviada, há aumento da pressão intraluminal
e distensão da vesícula. Isso provoca os sintomas dor, náusea e vômito.

A inflamação resulta de três fatores, mecânico, químico e infeccioso. Com a obstrução do canal cístico, a bile torna-
se hiperconcentrada em sais biliares e colesterol, causando irritação química e consequente edema da mucosa. A
lesão da mucosa libera enzimas intracelulares, que, por sua vez, ativam mediadores da inflamação. Ocorre um
aumento da produção de prostaglandinas, com consequente menor produção de muco pela mucosa, levando a
espessamento da parede vesicular, aumento da pressão intraluminar e compressão dos vasos sanguíneos e
linfáticos. Essas alterações vasculares, caracterizadas por insuficiência arterial e congestão venosa intensa,
interferem secundariamente na evolução da colecistite aguda e influem na extensão da necrose da parede vesicular.
Inicialmente, o processo é estéril, mas, com a persistência da obstrução, ocorre invasão bacteriana.

As bactérias aeróbias geralmente encontradas são E. coli, Streptococcus faecalis, Streptococcus não hemoliticos,
Klebsiella e Proteus. Entre os anaeróbios, os principais são C. welchii e C. perfringens.

A evolução natural da doença e a gravidade das lesões dependem da persistência da obstrução, da contaminação
bacteriana, da virulência dos germes e do grau de isquemia da parede vesicular.

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Alterações macroscópicas: edema, congestão e espessamento da parede vesicular. O peritônio perde o brilho e é
coberto por exsudato serofibrinoso. Formam-se aderências. A inflamação estende-se à junção do cístico com a via
biliar principal, e o linfonodo do cístico geralmente aumenta de volume.

Quando a vesícula está fibrosada e retraída devido a crises prévias, as alterações inflamatórias são menos
evidentes.

Empiema vesicular é a formação de um abscesso dentro da vesícula. Nas formas progressivamente mais graves,
observam-se áreas de necrose e gangrena, com esfacelo parcial ou total do órgão.

A perfuração em peritônio livre causa peritonite aguda.

O exame histopatológico evidencia quatro fases evolutivas.

a. A fase aguda, observada na 1.a semana, caracteriza-se por edema maciço da parede, com hemorragia e
necrose da mucosa. No 2.o ou 3.o dia, já se inicia a proliferação de fibroblastos.
b. Na fase subaguda, que corresponde à 2.a semana, notam-se infiltração leucocitária pronunciada,
regressão do edema e maior proliferação de fibroblastos, além de necrose e abscessos intramurais.
c. A fase subcrônica, durante a 3.a e a 4.a semanas, é marcada pela substituição dos leucócitos
polimorfonucleares por linfócitos e células plasmáticas. Aparecem eosinófilos e lesões granulomatosas
na parede vesicular.
d. Na fase crônica, que se inicia com 5.a semana, a mucosa torna-se fina e sem vilosidades. Observa-se
acentuada fibrose de todas as túnicas.

 Colecistite aguda acalculosa

Pequeno número de casos.

Pode ocorrer por: neoplasia, estenose fibrosa, Ascaris lumbricoides, compressão por linfonodos aumentados, artérias
císticas ou hepáticas anômalas, aderências, ou de vólvulo da vesícula com angulação acentuada do canal cístico.
Após intervenções não relacionadas com as vias biliares, traumatismos de guerra e queimaduras graves.

A inflamação decorre da estase de bile hiperconcentrada em consequência de jejum prolongado, anestesia,


opiáceos, desidratação e imobilização, além de infecção por germes oriundos de diferentes setores do organismo.
Têm sido descritos casos em pacientes imunodeprimidos, tais como em aidéticos, doentes submetidos a
quimioterapia antineoplásica, leucêmicos e portadores de linfomas.

Quadro Clínico e Diagnóstico

A dor é a queixa mais frequente, localizando-se geralmente no QSD, acompanhada de vômito e febre.

Ao exame físico, o mais constante sinal é a defesa no hipocôndrio direito e, menos frequentemente, palpa-se
tumefação nessa área.

A icterícia é achado inconstante.

O hemograma apresenta leucocitose com frequente desvio para a esquerda. A hemocultura, nas septicemias, pode
demonstrar o agente infeccioso implicado na CAA.

Nos casos de pneumocolecistite (colecistite enfisematosa ou gasosa), demonstra-se ar na parede da vesícula e nos
ductos biliares na radiografia simples do abdome, sinal que, entretanto, demora de 24 a 48 h para aparecer.

O principal exame por imagem é a ultrassonografia abdominal. Nesta, quando a espessura da parede da vesícula
mede 3,5 mm ou mais e na ausência de ascite, o diagnóstico é provável em 98% dos casos.

A tomografia computadorizada mostra sensibilidade de 95% e é particularmente útil para excluir outras doença.
Entretanto, depende da mobilização do paciente para o aparelho, o que pode ser impossível em casos muito graves.
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Pode-se, ainda, recorrer à cintigrafia (IDA), mas resultados falso-positivos podem ser encontrados em pacientes
alcoólatras, em casos submetidos a nutrição parenteral e em doentes em jejum prolongado ou que se alimentaram
recentemente. Também pode dar resultado falso-negativo.

Tratamento

O tratamento é cirúrgico e consiste na colecistectomia sempre que possível. Em casos especialmente graves, pode-
se optar pela colecistostomia.

Alguns pacientes muito graves, com ascite e distúrbios acentuados da coagulação, não poderão sequer ser tratados
por colecistostomia percutânea. Para esses casos, é possível tentar a colecistostomia transpapilar endoscópica e
colocar um cateter de drenagem nasobiliar no interior da vesícula.

Aconselha-se o uso de antibióticos, e todos os esforços devem ser feitos para caracterizar a bactéria eventualmente
envolvida e prescrever o antibiótico mais conveniente.

 Colecistite enfisematosa

Esta forma de colecistite caracteriza-se por infiltração gasosa da parede vesicular, de sua luz, de ductos biliares e até
de tecidos perivesiculares. Pode tanto complicar a doença litiásica da vesícula quanto surgir em uma vesícula sem
cálculos.

A flora responsável varia, mas o principal agente é o Clostridium welchii; a Escherichia coli e outras bactérias
anaeróbias podem estar envolvidas.

Os homens são mais acometidos do que as mulheres, em uma proporção de 3:1.

Cerca de 20% dos doentes são diabéticos.

Suspeita-se que a doença seja desencadeada por obstrução da artéria cística e consequente isquemia vesicular.

Quadro clínico e diagnóstico

O quadro clínico é semelhante ao que se descreveu para as outras formas de colecistite aguda, mas a dor é mais
pronunciada e o paciente mostra um aspecto mais grave e tóxico.

O melhor método de diagnóstico é a ultrassonografia, e as alterações da vesícula e vizinhanças são detectadas mais
precocemente que ao exame radiológico simples de abdome.

Tratamento

O tratamento inclui a imediata introdução de antibióticos (penicilina, clindamicina ou, então, imipenen), em doses
plenas, e colecistectomia tão cedo quanto possível.

A complicação local mais grave é a gangrena da parede do colecisto e sua per- furação. A morbidade e a mortalidade
são superiores às observadas nas outras formas de colecistite.

 Colangite esclerosante primária

A CEP é uma síndrome colestática crônica que se caracteriza por inflamação e fibrose difusas que acometem toda a
árvore biliar, resultando em colestase crônica. Esse processo patológico acaba resultando em obliteração tanto intra-

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hepática quanto extra-hepática da árvore biliar, evoluindo para cirrose biliar, hipertensão portal e insuficiência
hepática.

Etiologia

Permanece desconhecida.

Tem sido relacionada a infecções bacterianas e virais, toxinas, predisposição genética e mecanismos imunológicos.

Quadro clínico

Fadiga, prurido, esteatorreia, deficiências das vitaminas lipossolúveis e as consequências associadas. A fadiga é
profunda e inespecífica. Com frequência, o prurido pode ser debilitante e está relacionado com a colestase.

Achados laboratoriais

Avaliação de enzimas hepáticas anormais. A maioria dos pacientes exibe um aumento de pelo menos duas vezes na
ALP e também pode ter aminotransferases elevadas.

Os níveis de albumina podem estar reduzidos e os tempos de protrombina são prolongados em uma proporção
substancial dos pacientes por ocasião do diagnóstico.

Um certo grau de correção do tempo de protrombina prolongado pode ocorrer com a vitamina K parenteral.

Um pequeno subgrupo de pacientes demonstra elevações das aminotransferases superiores a cinco vezes o limite
superior do normal e pode evidenciar características de HAI na biópsia.

Os autoanticorpos são com frequência positivos nos pacientes com a síndrome de superposição, porém são
negativos nos pacientes que sofrem apenas de CEP. Um autoanticorpo, o anticorpo contra o citoplasma de
neutrófilo peri- nuclear (p-ANCA) é positivo em cerca de 65% dos pacientes com CEP. Mais de 50% dos pacientes
com CEP também sofrem de colite ulcerativa (CU); consequentemente, uma vez estabelecido o diagnóstico de CEP,
deve-se realizar uma colonoscopia em busca de possíveis evidências de CU.

Diagnóstico

A CPRM É recomendada atualmente como o método de escolha para investigação inicial de CEP. Os achados
colangiográficos típicos da CEP consistem em estreitamentos multifocais e numerosas projeções arredondadas
(contas de um rosário) que acometem a árvore biliar tanto intra-hepática quanto extra-hepática. Entretanto, apesar
de o acometimento poder ser apenas dos ductos biliares intra-hepáticos ou apenas dos ductos biliares extra-
hepáticos, é mais comum o acometimento de ambos.

A ultrassonografia endoscópica, caso disponível, pode também ser empregada.

Tratamento

Não existe nenhum tratamento específico comprovado para a CEP, embora estejam em andamento estudos que
utilizam altas doses (20 mg/kg/dia) de AUDC para determinar seus benefícios.

A dilatação endoscópica dos estreitamentos dominantes pode ser útil, mas o tratamento definitivo é o transplante
de fígado.

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Uma complicação temida da CEP é o surgimento de um colangiocar-cinoma, que constitui uma contraindicação
relativa para o transplante de fígado.

 Colangite aguda

A colangite aguda é uma síndrome clínica caracterizada por febre, icterícia e dor abdominal que se desenvolve como
resultado de estase e infecção no trato biliar.

As causas mais frequentes de obstrução biliar em pacientes com colangite aguda sem stents do ducto biliar são
cálculos biliares (28 a 70%), estenose biliar benigna (5 a 28%) e malignidade (10 a 57%).

As estenoses biliares benignas podem ser Congênitas, pós-infecciosas (por exemplo, colangiopatia por AIDS) ou
inflamatórias (por exemplo, colangite esclerosante primária).

A colangite aguda também pode ocorrer após a colangiopancreatografia endoscópica retrógrada.

Outras causas raras de obstrução que levam à colangite aguda incluem compressão extrínseca do ducto biliar devido
a um divertículo periampullar duodenal (síndrome de Lemmel), inflamação secundária à pancreatite aguda ou pedra
afetada no ducto cístico ou no pescoço da vesícula biliar (síndrome de Mirizzi).

As causas intrínsecas da obstrução biliar incluem coágulos sanguíneos e infecções parasitárias (principalmente
vermes hepáticos e ascaris).

PATOGÊNESE

A colangite aguda é causada principalmente por infecção bacteriana em um paciente com obstrução biliar. Os
organismos geralmente ascendem do duodeno. A disseminação hematogênica da veia porta é uma fonte rara de
infecção.

As bactérias são capazes de entrar no trato biliar quando os mecanismos normais de barreira são interrompidos. Isso
ocorre após a esfincterotomia endoscópica, cirurgia do colédoco ou inserção de stent biliar.

A obstrução biliar aumenta a pressão intrabiliária e leva ao aumento da permeabilidade dos ductos biliares,
permitindo a translocação de bactérias e toxinas da circulação portal para o trato biliar.

A pressão elevada também favorece a migração de bactérias da bile para a circulação sistêmica, aumentando o risco
de septicemia. Além disso, o aumento da pressão biliar afeta adversamente vários mecanismos de defesa do
hospedeiro, incluindo células de Kupffer, fluxo biliar e produção de IgA.

As bactérias também podem passar espontaneamente através do esfíncter de Oddi em pequenos números. A
presença de um corpo estranho, como uma pedra ou um stent, pode então atuar como um nulo para a colonização
bacteriana. A bile retirada de pacientes sem obstrução é estéril ou quase estéril.

A cultura de bílis, pedras ductais e stents biliares bloqueados é positiva em mais de 90% dos casos de colangite
aguda, produzindo um crescimento misto de bactérias gram-negativas e gram-positivas.

E. coli é a principal bactéria gram-negativa isolada (25 a 50 por cento), seguida pelas espécies Klebsiella (15 a 20
por cento) e Enterobacter (5 a 10 por cento).

As bactérias grampositivas mais comuns são as espécies de Enterococcus (10 a 20 por cento).

Anaeróbios, como Bacteroidese Clostridia, geralmente estão presentes como parte de uma infecção mista.

Quadro clínico

A apresentação clássica da colangite aguda é febre, dor abdominal e icterícia (tríade de Charcot), embora apenas
50 a 75% dos pacientes com colangite aguda tenham todos os três achados.

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Pacientes com colangite grave (supurativa) podem apresentar hipotensão e alterações do estado mental (Reynolds
pentad).

A hipotensão pode ser o único sintoma presente em pacientes idosos ou em uso de glicocorticóides. Pacientes com
colangite aguda também podem apresentar complicações de bacteremia, incluindo abscesso hepático, sepse,
disfunção de múltiplos órgãos e choque.

Diagnóstico

Suspeita e avaliação clínica.

Inclui hemograma completo, eletrólitos, painel metabólico abrangente, tempo de protrombina (TP) e razão
normalizada internacional de TP.

Um teste de gravidez deve ser realizado em todas as mulheres em idade fértil.

As hemoculturas devem ser realizadas em todos os pacientes nos quais há suspeita de colangite para ajudar na
antibioticoterapia direta. As culturas também devem ser obtidas a partir da bile ou stents removidos na
colangiopancreatografia endoscópica retrógrada.

Revelam uma contagem elevada de glóbulos brancos com predominância de neutrófilos e um padrão colestático de
anormalidades nos exames hepáticos, com elevações na fosfatase alcalina sérica, gama-glutamil transpeptidase e
concentração de bilirrubina (predominantemente conjugada). No entanto, um padrão de necrose aguda de
hepatócitos pode ser observado, no qual as aminotransferases podem atingir até 2000 UI / L. Esse padrão reflete a
formação de microabcessos no fígado.

Ultrassom abdominal: Os recursos sugestivos de colangite aguda incluem dilatação biliar ou evidência da etiologia
subjacente.

Tomografia computadorizada abdominal: tem alta sensibilidade para identificar a dilatação do ducto biliar e pode
identificar estenose biliar (por exemplo, carcinoma biliar, câncer de pâncreas ou colangite esclerosante), mas a
tomografia convencional tem baixa sensibilidade para cálculos do ducto biliar (25 a 90% ). A TC helicoidal mostrou
desempenho melhorado do que a TC convencional para coledocolitíase.

Imagem por ressonância magnética / colangiopancreatografia por ressonância magnética (RM / MRCP): A RM /
MRCP é usada para geração de imagens quando um diagnóstico não é claro, apesar da ultrassonografia abdominal
ou da tomografia computadorizada. A CPRM pode delinear claramente o ducto biliar sem o uso de contraste e possui
maior precisão diagnóstica na identificação da causa da obstrução biliar quando comparada à tomografia
computadorizada e à ultrassonografia abdominal. Os achados de imagem na colangite aguda incluem aumento na
intensidade do sinal ao redor do ducto biliar em imagens ponderadas em T2 e aprimoramento heterogêneo da parede
do ducto biliar em imagens ponderadas em T1 com contraste.

Ultra-sonografia endoscópica dos ductos biliares: o EUS é ocasionalmente usado como uma ferramenta de
diagnóstico para avaliar suspeita de coledocolitíase em pacientes que não podem ser submetidos a MRCP e podem
ser terapêuticos.

Diagnóstico: Um diagnóstico de colangite aguda é feito se um paciente tiver evidências de inflamação sistêmica com
um dos seguintes:

 Febre e / ou calafrios.
 Evidência laboratorial de uma resposta inflamatória (contagem anormal de glóbulos brancos, aumento da
proteína C reativa sérica ou outras alterações sugestivas de inflamação).

e ambos os seguintes:

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 Evidência de colestase: Bilirrubina ≥2 mg / dL ou químicas hepáticas anormais (fosfatase alcalina elevada,


gama-glutamil transpeptidase, alanina aminotransferase ou aspartato aminotransferase, para> 1,5 vezes o
limite superior do normal).
 Imagem com dilatação biliar ou evidência da etiologia subjacente (por exemplo, estenose, pedra ou stent).

Tratamento

 Cuidados de suporte

Devem ser internados no hospital. Com base na gravidade, necessitam de hidratação intravenosa e correção de
distúrbios eletrolíticos associados, além de analgésicos para o controle da dor.

 Antibióticos

Antimicrobianos com atividade contra estreptococos entéricos, coliformes e anaeróbios.

 70 a 80% dos pacientes com colangite aguda respondem ao tratamento inicial com antibioticoterapia. Em
pacientes com colangite leve a moderada, a drenagem biliar deve ser realizada dentro de 24 a 48 horas.

 Pacientes com colangite leve a moderada que não respondem ao tratamento conservador por 24 horas, e
pacientes com colangite grave (supurativa) requerem descompressão biliar urgente (dentro de 24 horas).

É recomendada a esfincterotomia endoscópica com extração de cálculos e / ou inserção de stent para estabelecer a
drenagem biliar na colangite aguda, em vez do tratamento apenas com antibióticos.

Se a descompressão endoscópica não for tecnicamente viável ou falhar em estabelecer a drenagem biliar, a
drenagem biliar pode ser alcançada por colangiografia transhepática percutânea.

A descompressão cirúrgica para colangite aguda é mais mórbida e reservada apenas para pacientes nos quais
outros métodos de drenagem biliar não podem ser realizados ou falharam.

Prognóstico

As taxas de mortalidade relatadas para colangite aguda são altamente variáveis, variando de 2 a 65%.

Definição

Icterícia consiste em uma coloração amarelada da pele, escleróticas e mucosas decorrente da


impregnação dos tecidos por pigmentos biliares.

Manifesta-se clinicamente quando os níveis séricos de bilirrubina excedem 2,5 mg/dl, no


adulto, e 8 a 9 mg/ dl, no neonato.

Fisiopatologia

A bilirrubina resulta da degradação final da fração heme do sangue, sendo um composto potencialmente tóxico aos
tecidos. A fração heme converte-se em bilirrubina por meio de dois processos: primeiro, ela é convertida em
biliverdina pela enzima microssomal heme oxigenase; segundo, a biliverdina sofre a ação de sua enzima citosol
redutase e é convertida em bilirrubina. A fração heme origina-se da degradação da hemoglobina eritrocitária existente
em todas as células do corpo, primariamente pelos macrófagos, com uma pequena fração originada de formas
imaturas de hemoglobina no baço e na medula óssea, enquanto as proteínas heme originam-se no fígado como
mioglobinas e citocromos.

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A bilirrubina é transportada por moléculas de albumina e captada pela membrana sinusoidal dos hepatócitos de
forma bastante eficaz, com o auxílio de possíveis produtos de gene, como polipeptídios de transporte de ânion
orgânico. Após sua captura sinusoidal, a bilirrubina é conjugada no retículo endoplasmático, pela ação enzimática da
uridina difosfato glicuroniltransferase (UGT). Este processo no fígado converte a bilirrubina em conjugado
hidrossolúvel, possibilitando sua eliminação da corrente sanguínea e excreção pelas vias biliares e, finalmente, é
convertida em urobilinogênio no cólon. O urobilinogênio é excretado preferencialmente pelas fezes, sendo uma
pequena fração reabsorvida e excretada pelos rins.

Ocorrendo falha em qualquer etapa desse processo, surge o quadro de icterícia.

Causas

I. Doenças do fígado: hepatite infecciosa, esteatose grave, hepatite alcoólica, cirrose hepática, neoplasias,
hepatopatia por medicamentos (paracetamol, eritromicina, estrogênios, nitrofurantoína, rifampicina, estatinas,
isoniazida, valproato, halotano, oxacilina, clorpromazina, sulfonilureia), doença de Wilson.
II. Doenças das vias biliares: colangiolite, cirrose biliar, litíase do colédoco, neoplasias.
III. Doenças do pâncreas: pancreatite crônica, neoplasias.
IV. Doenças do sistema hemopoético: anemia falciforme, talassemia, esferocitose hereditária.
V. Doenças infecciosas: malária, febre amarela, septicemia, leptospirose.
VI. Anomalias genéticas: síndromes de Gilbert, de Rotor, de Dubin-Johnson, de Crigler-Najjar.
VII. Neonatal: ligeira icterícia é fisiológica, mas, níveis muito elevados de bilirrubina ao nascer podem causar
encefalopatia (Kernicterus).

As síndromes ictéricas podem estar ou não associadas à colestase.

 Não colestáticas: causadas pela maior oferta de bilirrubina ao fígado, por deficiência de captação pelo
hepatócito, ou por defeito no seu transporte extracelular e/ou na conjugação, caracterizando-se por
hiperbilirrubinemia indireta. De forma inversa, quando ocorre por déficit na excreção hepatocitária, existe
predomínio da bilirrubina direta.
 Colestase: consiste em uma alteração da formação e excreção da bile, alteração que pode estar localizada
desde o hepatócito até a ampola de Vater. Compreende a grande maioria das síndromes ictéricas, e há
importância na realização precoce do diagnóstico etiológico e introdução da terapêutica adequada. A
colestase é classificada em intra-hepática e extra-hepática.

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O aumento das bilirrubinas não conjugadas pode ser causado por produção excessiva (hemólise, reabsorção de
grandes hematomas ou alteração da eritropoese), defeito de transporte ou de captação (icterícia neonatal,
medicamentos), defeito de conjugação (icterícia do recém-nascido e do leite materno, síndromes de Gilbert, Crigler-
Najjar, Lucey-Driscoll).

O aumento das bilirrubinas conjugadas, que produzem icterícia mais intensa por penetrarem mais facilmente no
tecido conjuntivo, está relacionado com lesões intra-hepáticas, hepatocelulares (hepatites, síndrome de Rotor e
Dubin-Johnson) e canaliculares (atresia das vias biliares, cirrose biliar primária, colangite esclerosante,
colangiocarcinoma, medicamentos) e extra-hepáticas benignas (litíase ou ligadura do colédoco) e malignas
(neoplasias da papila, da vesícula, do colédoco e do pâncreas).

Síndromes

 Síndrome de gilbert (Bilirrubina não conjugada)

Dentre as hiperbilirrubinemias hereditárias é a mais frequente. Origem na mutação do gene da enzima uridina
difosfato glicuronosiltransferase 1A1 (UGT1A1), causando a redução do processo de conjugação das bilirrubinas,
tornando a icterícia evidente em situações intermitentes, como longos períodos de jejum.

 Síndrome de crigler-najjar tipos i e ii (Bilirrubina não conjugada)

Também denominada icterícia congênita não hemolítica, causada pela deficiência hereditária da bilirrubina UGT.

Síndrome de Criegler-Najjar tipo I: doença rara e, muitas vezes, associada à consanguinidade. Tem como
característica a ausência da UGT, com níveis séricos de bilirrubina podendo atingir valores de 25 a 35 mg/dℓ e
elevado risco de desenvolver kernicterus (do alemão, kern: núcleo + icterus: amarelo). Este efeito de neurotoxicidade
por impregnação de bilirrubina não conjugada em certas regiões do cérebro está associado a diversos achados
clínicos, como reflexo lento de Moro, opistótono, hipotonia, vômito, hipertermia e convulsões, com elevado índice de
mortalidade.

Síndrome Criegler-Najjar tipo II: além dos níveis de bilirrubinas serem mais baixos, eles respondem com redução
significativa após administração de fenobarbital, que age como fármaco indutor enzimático, aumentando a produção
de UGT1.

 Síndrome de dubin-johnson (Bilirrubina conjugada)

Apresenta quadro de hiperbilirrubinemia de grau moderado não hemolítica, caracterizada por redução na secreção de
bilirrubina para o canalículo biliar, assim como de outros ânions orgânicos como a bromossulfoftaleína. Tem como
causa um defeito genético por ausência de expressão no gene da proteína associada à resistência a múltiplos
fármacos 2 (MRP2, multidrug resistance protein 2).

O fígado adquire coloração negra, por falhas na excreção dos metabólitos da epinefrina. A doença é pouco frequente.

 Síndrome de rotor (Bilirrubina conjugada)

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A mais rara incidência mundial. Existem indícios de que a alteração nessa síndrome ocorra na captação hepática
e/ou na ligação intracelular dos ânions orgânicos no fígado. Geralmente, a hiperbilirrubinemia conjugada atinge níveis
de 2 a 5 mg/dℓ e sua detecção, na maioria dos casos, é acidental, visto que não se desenvolve nenhuma
sintomatologia. Não apresenta indicações terapêuticas específicas e tem excelente prognóstico, com vida normal
para o paciente.

Classificação

 Icterícia hemolítica: Causada por destruição excessiva de hemácias.


 Icterícia de origem hepática: Ocasionada por lesão dos hepatócitos ou condutos biliares intra-hepáticos.
 Icterícia obstrutiva: Causada por obstrução das vias biliares extra-hepáticas.

Exames complementares

 Dosagem de bilirrubinas: dado fundamental para o raciocino diagnóstico.


 Transaminases (AST, ALT): elevação indicam necrose de hepatócitos.
 Gamaglutamiltranspeptidase ou gama-GT (GGT): indicador de colestase.
 Colesterol: elevado nas colestases extra-hepáticas e diminuído nas anemias hemolíticas.
 Dosagem de albuminas e globulinas: a albumina está diminuída nas icterícias hepatocelares crônicas com
elevação da gamaglobulina.
 Dosagem de protrombina: indicador de lesão hepática quando não responde à administração de vitamina K.
 Dosagem de marcadores sorológicos e virológicos das hepatites.
 Exames imunológicos: necessários nas doenças autoimunes e neoplásicas.
 Ultrassonografia abdominal: fundamental nas obstruções extra-hepáticas.
 Outros exames de imagem.

Quadro clínico

Nas síndromes não colestáticas, os pacientes podem ser assintomáticos,


apenas apresentando leve icterícia em algum momento da vida, como na
maioria dos defeitos hereditários e nas causas metabólicas.

No entanto, podem apresentar quadros gravíssimos, com acometimento


neurológico (kernicterus), consequente à impregnação dos núcleos de
base, e morte neonatal, como na síndrome de Crigler-Najjar tipo I e na
beta-talassemia grave, traduzida pela hidropisia fetal, causando elevados
índices de mortalidade nos recém-natos.

A hepatomegalia em geral é observada nos quadros hemolíticos, nos


quais, caracteristicamente, os doentes também podem exibir úlceras maleolares, cálculos biliares, dores articulares,
deformidades ósseas e anemia.

Suspeita-se clinicamente de colestase na presença de icterícia, hipocolia/acolia fecal e prurido, associados à


elevação dos níveis séricos de fosfatase alcalina, gamaglutamiltransferase e 5-nucleotidase, em desproporção com
os níveis séricos das aminotransferases. Paralelamente, elevam-se os valores da fração conjugada da bilirrubina,
mais acentuados nas formas crônicas.

A colestase pode ser de instalação abrupta ou insidiosa e, quando associada a dor, febre, calafrio, perda ponderal e
idade avançada, sugere neoplasia maligna.

O prurido, termo derivado do latim prurire, é atribuído à deposição de sais biliares na pele.

Segundo algumas teorias, a secreção deficiente de ácidos biliares pode levar à lesão hepática, induzindo a produção
de pruritógenos, substâncias que atuariam, então, sobre o sistema nervoso central ou periférico, provocando a
sensação do prurido. Pode ocorrer também devido aos opiáceos endógenos e compostos serotonina-símile.

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Prurido difuso e alguns pacientes referem predomínio nas regiões palmar e plantar, sobretudo no período noturno.
Pode ser intenso e desesperador, levar a escoriações, a infecção secundária e ser fator desencadeador de distúrbios
psicológicos. É de pior controle nos portadores de colestase crônica.

A dor praticamente inexiste na colestase intra-hepática. Quando está presente, é do tipo surda, em peso e
constante.

É mais comum na colestase extra-hepática, tipo cólica, localizada preferencialmente em hipocôndrio direito,
podendo irradiar- se para dorso e ombro direitos e epigástrio, como ocorre na colelitíase, coledocolitíase e nas
doenças pancreáticas. Quando se associa a febre e calafrio, caracterizando a tríade de Charcot, é sinal
patognomônico de colangite.

A hepatomegalia é mais frequente na colestase extra-hepática, sendo o fígado de consistência endurecida à


palpação e, por vezes, doloroso, sobretudo na coexistência de colangite e abscessos.

A vesícula palpável, distendida e tensa, pode significar tumor da região periampular, sinal clássico de
Courvoisier-Terrier, consequência de uma vesícula hidrópica, devido a cálculo impactado no seu infundíbulo,
ou síndrome de Mirizzi.

Esplenomegalia ocorre apenas nos casos decorrentes de doenças colestáticas crônicas, como na cirrose biliar
primária e na colangite esclerosante, como consequência da hipertensão portal.

Nas colestases benignas crônicas, ocorre má absorção de vitaminas A, D, E e K, totalmente dependente dos
sais biliares, levando a déficits nutricionais, com osteodistrofia, osteoporose e hipoprotrombinemia. Há, ainda,
esteatorreia, que resulta da deficiente digestão das gorduras, sendo proporcional ao grau de icterícia.

O metabolismo do cobre encontra-se prejudicado, uma vez que, quase em sua totalidade, o metal absorvido é
excretado juntamente com a bile e eliminado nas fezes.

O acúmulo crônico de lipídios, sobretudo do colesterol, leva à formação de xantomas, principalmente localizados
na região palmar, abaixo dos seios, no tórax, dorso, pescoço e ao redor dos olhos, quando é denominado
xantelasma.

As lesões tuberosas aparecem mais tardiamente nas superfícies extensoras e pontos de pressão. O desenvolvimento
de cirrose e de insuficiência hepática processa-se de forma insidiosa, acompanhada desde o início por icterícia e,
posteriormente, evoluindo com acentuação da pigmentação amarelada da pele, acrescida do aparecimento de ascite,
edema de membros inferiores e hipoalbuminemia.

A intensidade do prurido tende a aumentar, sendo, muitas vezes, critério de indicação de transplante ortotópico de
fígado. Os distúrbios da coagulação tornam-se, cada vez mais, vitamina K-dependentes. Na fase terminal, ocorre
encefalopatia hepática. A depender da causa e do tempo de instalação da colestase, ocorrem repercussões
sistêmicas importantes, principalmente sobre as funções hepática e renal.

Como consequência da alteração da homeostase intestinal, ocorre translocação bacteriana, com ascensão contínua
de bactérias, principalmente gram-negativas, ricas em endotoxinas para a árvore biliar, com o fígado colestático,
tendo, em decorrência do precário poder de clareamento do seu sistema reticuloendotelial, sobretudo das células de
Kupffer, capacidade de detoxificar. Assim, atinge a circulação sistêmica e leva à endotoxemia, podendo desenca-
dear complicações sépticas, coagulação intravascular disseminada (CIVD) e insuficiência renal.

Observações: Em algumas pessoas saudáveis a pele apresenta tonalidade amarelada, mas sem coloração da
esclerótica, relacionada com alguns alimentos (mamão, cenoura) e medicamentos (antimaláricos). Em
afrodescendentes pode-se perceber uma tonalidade amarelada na parte exposta da esclerótica, não relacionada com
aumento das bilirrubinas. É decorrente de uma fina camada de gordura na conjuntiva. Denomina-se icterícia
verdínica quando a pele adquire tom esverdeado que é observado na icterícia obstrutiva de longa duração.

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Definição

A doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) refere-se à presença de


esteatose hepática quando não há outras causas para o acúmulo secundário de
gordura hepática.

Pode progredir para cirrose.

DHGNA é subdividi-se em:

 Fígado gorduroso não alcoólico (NAFL): há esteatose sem evidência de


inflamação significativa.
 Esteatohepatite não alcoólica (NASH): a esteatose hepática está associada a inflamação hepática que pode
ser histologicamente indistinguível da esteato-hepatite alcoólica.

Epidemiologia

É a doença hepática mais comum nos países industrializados ocidentais.


Em pacientes portadores de obesidade grave (quando o IMC ≥ 40
kg/m2), a prevalência é bem maior.
A ENA pode evoluir para cirrose em 15 a 25% dos pacientes; e 30 a 40%
desses apresentam falência hepática antes de completar dez anos de
diagnóstico.

Fatores de risco

 Obesidade central.
 Diabetes mellitus tipo 2.
 Dislipidemia.
 Síndrome metabólica.

Etiologia

 Fatores Primários, associados à síndrome metabólica


(obesidade, diabetes mellitus tipo 2 ou resistência insulínica,
adiposidade visceral, dislipidemia e hipertensão arterial);
 Fatores Secundários, associados ao uso de nutrição parenteral
total prolongada, desnutrição, perda de peso rápida e
acentuada, uso de drogas como amiodarona, corticóide,
tamoxifeno, lipodistrofias, abetaliproteinemia, doença de wilson,
e exposição ocupacional de substâncias voláteis tóxicas, entre
outras.
Fisiopatologia

A teoria dos dois hits: Essa teoria aponta a resistência insulínica como condição inicial (first hit) para o acúmulo de
ácidos graxos no hepatócito (esteatose) e o estresse oxidativo como segundo estímulo (second hit) para o
desenvolvimento de inflamação e fibrose (esteato-hepatite).

A hiperinsulinemia (first hit) favorece a lipogênese hepática e a lipólise periférica aumentando excessivamente o
aporte de ácidos graxos ao fígado. Além disso, há um prejuízo na exportação do triglicérideo pelo hepatócito.
Dessa forma, a esteatose hepática (condição inicial) é resultante de uma combinação de fatores:

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 Aberrações na lipólise pós-prandial relacionada à insulina com aumento de ácidos graxos livres,
 Excesso de carboidratos na dieta, resultando em nova síntese hepática de ácidos graxos,
 Falha na beta-oxidação mitocondrial
 Depleção de adenosina trifosfato, além de um complexo mecanismo deficiente de transporte de
triglicérides.
O aumento da EROS(second hit), consequente ao excesso de ácido graxo no hepatócito direcionado para a
mitocôndria para ser oxidado, seria importante na evolução de esteatose para esteato-hepatite e fibrose.
O estresse oxidativo se estabelece quando as defesas intracelulares antioxidantes são insuficientes para detoxificar
os EROS ou, também, quando há produção excessiva de EROS. Nesse contexto, o excessivo aporte de ácidos
graxos ao fígado pode promover esgotamento da oxidação mitocondrial e aumento na produção de EROS, bem
como a ativação de outras vias de oxidação lipídica (via peroxissomal e microssomal), que geram, por sua vez, mais
EROS, aumentando o estresse oxidativo hepático. Esse aumento pode causar peroxidação lipídica cujos produtos
intermediários são importantes agentes pró-inflamatórios e parecem ativar fibroblastos, favorecendo a fibrogênese.
Ferro hepático, leptina, deficiências antioxidantes e bactérias intestinais foram todos sugeridos como potenciais
estressores oxidativos.

Quadro clínico

A maioria é assintomática, embora alguns com NASH possam apresentar queixa de


fadiga, dispepsia mal-estar e desconforto abdominal superior direito vago.

Raramente, sintomas como náuseas, anorexia e prurido são referidos pelos pacientes.

Achados físicos

Pacientes com DHGNA podem apresentar hepatomegalia.


No exame físico, em geral, pacientes portadores de DHGNA estão acima do peso com
IMC maior de 25 kg/m2, são hipertensos e apresentam adiposidade visceral.
Acantose nigricans (hiperpigmentação da pele em forma de placas escuras).

Achados laboratoriais

Podem ter elevações leves ou moderadas na aspartato


aminotransferase (AST) e alanina aminotransferase (ALT), embora
os níveis normais de aminotransferase não excluam NAFLD. Quando
elevados, o AST e o ALT são tipicamente 2 a 5 vezes o normal, com
uma proporção de AST: ALT < 1.
Podem aumento de ferritina ou saturação de transferrina.
Ferritina sérica acima de 1,5 vezes o limite normal está associada a
um maior escore de NASH e a fibrose hepática avançada.
Podem ter autoanticorpos séricos positivos (anticorpo-antinuclear,
anticorpo anti-músculo muscular).
Pode ocorrer elevação da gama-glutamiltransferase (GGT)..

Imagem

US é a mais utilizada.
Pode-se utilizar TC e a RNM.
Espectroscopia por ressonância magnética, ainda não disponível em todos os centros ( inovador).
Biópsia hepática o padrão de referência para diagnóstico da ENA.

Histopatológico

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Principais alterações: esteatose macrogoticular, balonização hepatocelular e infiltrado inflamatório misto lobular.
Fibrose, corpúsculos de Mallory e necrose podem estar presentes, mas não são obrigatórios.
Alguns achados da hepatopatia alcoólica não são vistos na DHGNA: necrose hialina esclerosante, lesão
veno-oclusiva e proliferação ductular exuberante são os principais.
Embora os aspectos histológicos do fígado sejam o padrão-ouro no diagnóstico da ENA, a necessidade de se realizar
biópsia hepática tem sido motivo de controvérsia na prática clínica.

Tratamento

O tratamento da DHGNA baseia-se no tratamento das condições associadas .


A recomendação da perda do excesso de peso e exercícios físicos deve ser sempre preconizada, independente do
grau histopatológico do paciente.
A perda recomendável não deve ser maior do que 230 g/dia (1,6 kg/semana); pois, quando rápida, pode piorar a
histologia hepática.
Em pacientes portadores de obesidade mórbida, as cirurgias bariátricas que utilizam bypass jejunoileal devem ser
evitadas.
Em pacientes diabéticos e dislipidêmicos, o controle laboratorial dessas condições é preconizado, contudo nem
sempre reverte a DHGNA.
Drogas antidiabéticas que reduzem a resistência à insulina como metformina e derivados das tiazolidinedionas têm
tido alguns resultados benéficos na redução da DHGNA e ENA em âmbitos experimental e clínico.
As glitazonas vêm sendo aventadas como mais uma possibilidade terapêutica, pois agem estimulando os receptores
nucleares PPAR-gama (peroxisome proliferator activated receptor), reduzindo a resistência insulínica e diminuindo os
níveis de ácidos graxos livres.
O ácido ursodeoxicólico (UDCA), um epímero do ácido biliar quenodeoxicólico, apresenta propriedades citoprotetora,
imunológica e antioxidante.
Betaína, um componente normal do ciclo da metionina, aumenta os níveis de S-adenosilmetionina, a qual protege o
depósito de triglicerídios no hepatócito.
Outras drogas antioxidantes, como vitaminas C e E, também já demonstraram benefícios em estudos não
controlados na redução das aminotransferases.

Divide-se em: esteatose, hepatite alcoólica e cirrose.

Etiologia

A dose ingerida e o tempo são importantes. O tipo de bebida não parece ser importante,
mas sim a quantidade equivalente de álcool puro ingerida. .

O desenvolvimento de doença hepática não está relacionado necessariamente à


embriaguez..

A DHA tem maior prevalência em indivíduos acima da quarta década de vida, podendo ocorrer em pessoas mais
jovens.
As mulheres apresentam maior suscetibilidade em desenvolver dano hepático e também índices de mortalidade por
cirrose mais elevados do que homens. Isso ocorre devido a menor atividade da ADH gástrica e maior etanolemia,
menor água corpórea e maior predisposição a doenças auto-imunes, o que facilitaria a lesão parenquimatosa
induzida pelo álcool e seus metabólitos.

Doses de 40 a 80 g de etanol/dia no homem podem levar à cirrose; já em mulheres, apenas 20 a 60 g de etanol/dia
constituem risco para desenvolvimento de cirrose.

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Cerca de 90% dos alcoolistas desenvolvem esteatose, que é completamente reversível com a abstinência
(desaparece em duas a quatro semanas).
Apesar de classicamente considerada uma forma benigna de doença hepática alcoólica, cerca de 10 a 15% dos
portadores de esteatose terão evolução para cirrose.

Fisiopatogênese

Após ingestão, o álcool é absorvido pelas mucosas gástrica (cerca de 75%) e do intestino (25%) por difusão passiva.
Além disso, uma pequena porcentagem (2 a 10%) é excretada diretamente por pulmões, urina ou suor. Contudo, a
maior parte é do etanol (90%), metabolizada a acetaldeído no fígado.

No estômago, ocorre o primeiro passo da metabolização do etanol, existindo três isoenzimas de álcool
desidrogenase (ADH) gástrica.

O uso concomitante de gorduras e álcool retarda o esvaziamento gástrico e a absorção do etanol.

No fígado, existem três vias de metabolização do etanol que produzem acetaldeído: álcool desidrogenase hepática
(ADH) no citosol; o sistema oxidativo do etanol no microssomo (MEOS); e catalase nos peroxissomos.

Na oxidação do etanol no fígado, o acetaldeído é produzido; e o hidrogênio é transferido do etanol para o cofator
dinucleotídeo nicotinamida (NAD), que é convertido para sua forma reduzida (NADH). O acetaldeído perde hidrogênio
novamente e é metabolizado a acetato.
A oxidação do etanol produz um excesso de NADH e o desbalanço da relação NADH:NAD, alterando a homeostase
de redução. Consequentemente, ocorrem distúrbios metabólicos, como hiperlactacidemia, acidose, redução da
capacidade renal de excretar ácido, que levam a uma hiperuricemia secundária. Clinicamente, podemos observar
crises de gota relacionadas à ingestão de álcool.

Além disso, o desbalanço NADH:NAD também pode bloquear a gliconeogênese nos indivíduos que já vinham com
reservas de glicogênio comprometidas ou com alteração no metabolismo do carboidrato.

O estresse oxidativo parece ter papel central na lesão determinada pelo álcool.
A ingestão alcoólica crônica resulta em indução da CYP2E1 (da família dos citocromos P-450) e, especialmente, na
região centrolobular do fígado, o que aumenta a peroxidação lipídica e a produção de EROS.

As EROS reagem com proteínas celulares lesando as membranas das organelas e alterando a função dos
hepatócitos.
A peroxidação lipídica aumenta a produção de outros radicais livres e, consequentemente, a lesão às membranas
das células.
A indução da CYP2E1 também aumenta a concentração de acetaldeído que, além de também levar à peroxidação
lipídica, resulta na produção de proteína-acetaldeído acrescentando um novo elemento à lesão do citoesqueleto e
das membranas celulares.
A piora do metabolismo hepático da metionina determinada pelo álcool diminui a glutationa mitocondrial, prejudicando
um importante mecanismo de defesa contra o estresse oxidativo das EROS.

O aumento da permeabilidade do intestino delgado a endotoxinas está associado à ingesta alcoólica – essas
endotoxinas são capazes de desencadear eventos inflamatórios no fígado, incluindo ativação de células de Kupffer,
produção de citocinas e EROS.

Desnutrição secundária à ingesta alcoólica pode ser devida a uma série de fatores, incluindo má-absorção por
disfunção dos enterócitos, piora da secreção de proteínas pelos hepatócitos e piora do metabolismo hepático das
vitaminas.

Quadro clínico
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Pacientes com DHA podem apresentar anorexia, náuseas, vômitos e dor abdominal no epigástrio e no
hipocôndrio direito, embora alguns possam ser assintomáticos. Os sintomas surgem, em geral, após aumento
recente da ingesta alcoólica.

É, por vezes, chamada hepatite aguda alcoólica, designação de inspiração puramente clínica, já que o quadro
clínico inclui febre, colestase, leucocitose no sangue periférico e muitas outras manifestações de doenças
agudas.

A forma grave pode cursar com hemorragia digestiva alta por sangramento de varizes esôfago-gástricas,
encefalopatia hepática, ascite, uremia e insuficiência hepática, podendo evoluir para óbito rapidamente.

Exame físico

 Observa-se hepatomegalia em grande número de casos.


 Icterícia em 15% dos pacientes.
 Sinais de desnutrição e carência vitamínica.
 No exame físico, alguns sinais periféricos de insuficiência hepática e hipertensão portal podem estar
presentes, entre eles eritema palmar, ginecomastia, aranhas vasculares, circulação colateral visível no
abdome, hepatoesplenomegalia, edema de membros inferiores e febre.

Exames laboratoriais

Elevação da gama-GT em todas as formas de DHA.

Outra enzima que se eleva com frequência no alcoolismo é a AST, que costuma estar mais elevada do que a ALT,
sendo a relação AST/ALT >2 altamente indicativa de DHA.

O volume corpuscular médio (VCM) encontra-se elevado em alcoolistas e hepatopatas sem anemia. Isso ocorre por
diversos fatores, entre eles hemólise, deficiência de folato e toxicidade direta do álcool sobre a medula. O VCM
normaliza-se após três a quatro meses de abstinência e volta a se elevar se houver recaída.

Leucocitose com neutrofilia no sangue periférico.

Função discriminante de Maddrey: (4,6 x tempo de protrombina em segundos + bilirrubina total em mg/dL) tem sido
utilizada para determinar prognóstico da hepatite alcoólica; quando maior de 32 denota doença hepática grave com
índice de mortalidade superior a 40% em quatro semanas.

Histopatológico

Os principais achados histológicos da hepatite alcoólica são:


 Balonização e focos de necrose dos hepatócitos,
 Presença de corpúsculos de Mallory (depósito eosinofílico com aspecto floculado irregular no citoplasma dos
hepatócitos),
 Infiltrado inflamatório lobular rico em neutrófilos (especialmente ao redor dos hepatócitos com corpúsculos de
Mallory, configurando a chamada satelitose)
 Fibrose perivenular e perissinusoidal, além de esteatose.
 Um achado adicional da hepatite alcoólica é a necrose hialina esclerosante, caracterizada pela presença de
necrose extensa de hepatócitos perivenulares e associada com o desenvolvimento da fibrose perivenular.

O padrão da fibrose:
 Caracterizado pela deposição de colágeno I já nas fases iniciais. Sua localização é, primariamente,
perivenular.
 Há, também, a fibrose peri-sinusoidal com padrão em tela de galinheiro que se desenvolve tanto na hepatite
alcoólica quanto juntamente com a fibrose perivenular da necrose hialina esclerosante.
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 Na evolução da hepatite alcoólica, o colágeno passa a depositar-se também nos espaços-porta,


estabelecendo-se pontes porta-centro que, sofrendo rápida retração cicatricial, incorporam a vênula hepática
terminal aos tratos portais, lesão também conhecida como extinção do parênquima, cuja história natural é
atribuída em grande parte à lesão venular centilobular.

É importante estadiar a esteato-hepatite alcoólica:


I. Fibrose limitada à zona 3 dos ácinos, quase exclusivamente perivenulares, com discreto ou nenhum
comprometimento dos espaços-porta.
II. Envolvimento mais extenso dos lóbulos partindo da lesão perivenular e peri-sinusoidal e já formando
septos que unem estruturas vasculares adjacentes entre si.
III. Acentuada alteração estrutural, com septos centro-porta abundantes, esboçando alguns nódulos.
Embora próximo da fase cirrótica, neste estágio é ainda possível identificar-se com clareza algumas
vênulas centrolobulares e espaços-porta.
IV. Cirrose hepática.

Tratamento

Abstenção alcoólica, embora a abstinência etílica não impeça a progressão para óbito em muitos pacientes com
cirrose descompensada já instalada ou hepatite alcoólica grave.

Tratamento de suporte para infecções, hemorragia digestiva do trato gastrintestinal, ascite, encefalopatia hepática e
síndrome hepato-renal deve ser preconizado.

Aporte nutricional a ser oferecido ao paciente etilista crônico, já que a grande maioria dos pacientes alcoolistas é
desnutrida e portadora de deficiências vitamínicas.

O uso de corticosteróide para tratá-la, ainda controverso pelo número pequeno de pacientes nos estudos e por falhas
metodológicas, em algumas metanálises, tem demonstrado algum benefício em pacientes com função discriminante
de Maddrey maior do que 32 que apresentem encefalopatia hepática e não tenham tido hemorragia digestiva
gastrintestinal.

Inibidores de TNF-alfa: O uso de pentoxifilina e infliximab para inibir ou neutralizar a produção de TNF, bastante
exacerbada na hepatite alcoólica, mas ainda estão em estudo.

Pentoxifilina: Alternativa para pacientes que tem contraindicação ao glicocorticoides ou estão em risco de sepse.
Além disso, está indicada para pacientes com insuficiencia renal. Dados inconsistentes.
Terapêuticas alternativas
 Esteroides anabolizantes: Melhorando-se o balanço nitrogenado, estimula-se o anabolismo, contribuindo-se
para correção da desnutrição e supostamente promovendo-se regeneração hepática, sendo administrados
sob forma de oxandrolona (80 mg/dia/30 dias).
 Colchicina: Inibe a produção de colágenos, amplia a atividade da colagenase hepática, ao mesmo tempo em
que inibe inflamação e proliferação fibroblástica.
 Antioxidantes: Tenta-se inibir essa evolução agressiva valendo-se da administração de vitaminas A, E,
selênio, alopurinol, desferrioxamina e nacetilcisteína, sem ampliar a sobrevida daqueles com HA grave.
 Flavonoides: São dois, a silimarina (silibinina) e o cianidanol-3, removedores de radicais livres de oxigênio e
estabilizadores de membranas biológicas. Avaliados a longo prazo, comprovou-se que eles não foram
capazes de ampliar a sobrevida daqueles assim conduzidos.

Transplante de fígado: Devem ser conduzidos a essa forma de tratamento os pacientes que não responderam às
opções terapêuticas.

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Definição e epidemiologia

Resulta da inter-relação entre diversos fatores etiológicos, que atuam ao longo dos anos, tais como, morte e
regeneração celular, degradação e formação anormal da matriz extracelular.

Trata-se de um processo que se caracteriza por formações de fibrose difusa, além de micro e macronódulos,
estabelecendo perversão da arquitetura normal do parênquima.

Representa a principal causa de morte em muitas partes do mundo, comportamento que se relaciona com a
participação de diferentes causas e manifestações clínicas, gravidade das lesões histológicas, reserva funcional
parenquimatosa e oferta de possibilidades terapêuticas.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cirrose hepática é a 18ª causa de morte no mundo. Na Europa,
0,1% da população tem cirrose hepática, sendo a 9ª causa de morte, mas com diferenças significativas nos diversos
países

Classificação anatômica

Baseia-se em alguns parâmetros, mas, sobretudo, no diâmetro dos nódulos de regeneração e espessura dos septos
fibrosos, gerando três tipos de cirrose:

a. micronodular: representada por nódulos pequenos, com pouca variação de tamanho, uniformes,
com até 3 mm de diâmetro, sendo sempre observados septos finos de até 2 mm, que os separam e
envolvem todo o lóbulo;
b. macronodular: representada por septos de tamanhos variados, com nódulos atingindo diâmetros
entre 3 e 30 mm, multilobulares, com deformação grosseira do fígado. Representa evolução da
cirrose micronodular, uma vez que se perpetua a ação lesiva exercida pelo agente etiológico;
c. mista: representada pela coexistência, em um mesmo paciente, de micro e macronódulos.

Fatores de risco

Homens maiores de 55 anos estão mais sujeitos a cirrose.

Em homens, estima-se que o consumo de 60-80 g por dia por 10 anos ofereça risco, enquanto nas mulheres cerca
de 40-60g. Episódios prévios de hepatite alcoólica ou pancreatite indicam consumo suficiente de álcool para
desenvolver cirrose alcoólica.

Aspectos patogenéticos

A maioria das doenças crônicas do fígado associa-se a contínua fibrogênese, resultante da lesão dos hepatócitos,
com consequente acúmulo de proteínas da matriz extracelular. Desse processo, participam células endoteliais,
células de Kupffer, células estelares e perissinusoidais do espaço de Disse.

Na vigência da perpetuação da agressão, ocorre capilarização dos sinusoides, onde se depositam continuamente
laminina, colágeno tipo IV e perlecans.

Nessa situação, reduzem-se os microvilos dos hepatócitos, instalam-se modificações fenotípicas das células de Ito,
as quais assumem aspecto miofibroblástico.

Participam ainda do processo fatores liberados de macrófagos ativados, sobretudo IL-1, fator de necrose tumoral,
prostaglandinas e substâncias inflamatórias outras, como fator de crescimento derivado de plaquetas, além de
radicais livres de oxigênio intermediários, responsáveis pela ativação de lipócitos, os quais se encontravam
quiescentes.

Classificação etiológica

o Infecciosa: portadores dos vírus das hepatites B, D e C.

o Hepatite autoimune: se traduz por inflamação do fígado de causa desconhecida, que se caracteriza por
hepatite periporta (necrose periférica), proeminente infiltrado inflamatório e infiltração dos espaços portais por
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plasmócitos. Se relaciona com a citotoxidade imunecelular mediada por anticorpos que se dirigem contra
proteínas normais de membranas hepatocíticas onde autoantígenos específicos encontram-se
hiperexpressos, sendo de risco maior a essa evolução pacientes HLA Dr3 e Dr4 positivos.

o Alcoólica: os doentes evoluem com lesões necróticas focais dos hepatócitos, inflamação, acúmulo de
proteínas celulares, esteatose, fibrose e regeneração micro e, menos frequentemente, macronodular, com
instalação de cirrose e risco de evolução para carcinoma hepatocelular ao fim de 20 ou mais anos.

o Obstrução biliar
a) Colaginte crônica.
b) Colangite esclerosante primária.
c) Atresia das vias biliares.
d) Fibrose cística.
e) Hipoplasia biliar intra-hepática.
f) Displasia artério-hepática ou síndrome de Alagille.
g) Sarcoidose

o Fármacos: α-metildopa, isoniazida, nitrofurantoína, dantrolone, diclofenaco e alguns outros.


Histologicamente, essa hepatite se traduz por infiltrado inflamatório periporta, composto por linfócitos e
plasmócitos, e com necrose periférica, existindo ou não granulomas não caseosos, Cirrose pode ser
identificada em pessoas que usam também por tempo prolongado coralgil e tamoxifeno, amiodarona,
maleato de perexilina, cobloqueadores de canal de cálcio, cetoconazol, griseofulvina, nimesulida,
fenilbutazona, ibuprofeno, guinidina e outros.

o Metabólica
a) Doença de Wilson.
b) Hemocromatose hereditária (HH).
c) Deficiência de α1-antitripsina.
d) Galactosemia.
e) Gligogenoses.
f) Tirosinemia.
g) Porfirias.
o Esteato-hepatite não alcoólica (EHNA): A cirrose é mais frequentemente observada na presença de infiltrado
inflamatório.

o Vascular
a) Síndrome de Budd-Chiari: instala-se em consequência de obstáculo ao livre fluxo sanguíneo secundário a
trombose de veias hepáticas ou de veia cava inferior supra-hepática.
b) Doença venoclusiva: é uma síndrome clínica caracterizada por icterícia, hepatomegalia e ascite, em geral
presente em pacientes submetidos a quimioterapia com bussulfan, ciclofosfamida, carmustina e etoposide,
associada a irradiação corpórea total.

o Criptogênica: grupo heterogêneo, de etiologia desconhecida, representando cerca de 5 a 15% das cirroses.

Fisiopatologia

Efeitos inflamatórios persistentes fazem com que as células de Kupffer produzam


diversas citocinas que atuam sobre as células estreladas fazendo com que elas
mudem de função deixando e produzir vitamina A e começa, a produzir fibras
reticulares de colágeno que começam a preencher os espaços de disse fazendo
com que ocorra bloqueio parcial do sangue até os sinusoides.

A medida que isso ocorre os hepatócitos vão se perdendo e o fígado se regera,


esse processo de regeneração ocorre de maneira desprganizada formando os
nódulos hepáticos. As faixas de fibrose formadas percorrem espaços dentro do
sinusoide delimitando os nódulos e caracterizando a fibrose.

A fibrose e a regeração nodular determinam o aparecimento da hipertensão portal (aumento dos níveis pressóricos
do sistema venoso portal acima de 5 mmHg de pressão da veia cava inferior. Com isso forma-se uma extensa rede
de circulação colareal na tentativa de aumentar o retorno venoso para a circulação cardiopulmar e aliviar o sistema
portal (forma-se desvios desvios da circulação portal para a sistêmica  varizes esofagogástricas).

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Apesar disso o fluxo heoático deve ser mantindo, então ocorre aumento do débito cardíaco com redução na
resistência arteriolar esplânica e acentuada resistência oferecida pelos vasos colaterais.

A circulação renal também pode estar comprometida dependendo do eságio. Ocorre diminuição do fluxo sanguíneo
para o córtex renal em consequência da vasoconstrição das arteríolas aferentes com consequente desvio do sangue.
Isso resulta em menor filtração glomerular, maior reabsorção de sódio e água, retenção azotada culminando na
síndroem hepatorrenal.

Distúrbios frequentes: anemina, multifatorial causada por hemólise, deficiência de ácido fólico e absorção do ferro,
observada sobretudo nos desnutridos, leucopenia, plaquetopenia (hiperesplenismo), redução na síntese dos fatores
que compõem o complexo protrombínico (II, VI, IX, X).

A hipoalbuminemia altera a pressão coloidosmótica plasmática, a qual, associada à hipertensão portal e à presença
de substâncias vasoconstritoras, leva à menor excreção renal de sódio e água, com formação de ascite. També
compromete o transporte plasmático de diversas substâncias de baixo peso molecular dependentes dessa proteína.

Geralmente, as concentrações plasmáticas de citrulina, metionina, tirosina, fenilalanina estão aumentadas, e as de


leucina, isoleucina e valina, diminuídas (devido a baixa de insulina).

Ocorre incapacidade de conversão de amônia em ureia, ocasionada pela diminuição da atividade da carbamoil-
fosfato-sintetase e da argininossuccinato-sintetase, com consequente menor clareamento da amônia e geração de
hiperamoniemia.

A alta incidência de infecções bacterianas em cirróticos pode ser explicada pela existência de importantes alterações
nos mecanismos de defesa contra as bactérias, dependentes da depressão funcional do sistema reticuloendotelial e
dos granulócitos, baixos níveis de complemento e deterioração da imunidade celular. São pacientes que exibem
diminuição de alguns constituintes do plasma que estão envolvidos com a resposta imune, como zinco, albumina e
transferrina.

Quadro clínico

A magnitude depende do grau de comprometimento celular hepático e da intensidade da fibrose.

 Cirrose hepática compensada

Muitas vezes pobre em sinais e sintomas, suspeitando-se da doença pela identificação de alterações físicas, como
hepatoesplenomegalia e hipertransaminasemia, detectadas durante realização de exames físicos e laboratoriais
de rotina.

Nesses doentes, mostra-se comum a existência de história mórbida pregressa de hepatite sem etiologia definida, uso
crônico de álcool ou sintomatologia vaga, tal como astenia, epistaxe, edema, lentidão de raciocínio,
emagrecimento, sendo também encontrados febrícula, aranhas vasculares, eritema palmar e referências a
episódios de diarreia, além de sintomas dispépticos diversos, tais como plenitude epigástrica ou flatulência.

Esses pacientes podem manter-se nessa fase por toda a sua vida, vindo a falecer por causas diversas, porém
alguns, em poucos meses ou anos, geralmente evoluem para falência hepatocelular e hipertensão portal. Prever
essa evolução é muito difícil, sendo seu curso considerado individual, dependente de inúmeros fatores, bem como da
etiologia da doença;

 Cirrose hepática descompensada

Não raramente, nessa fase o paciente é levado ao médico por apresentar complicações da cirrose hepática, tais
como ascite, encefalopatia e hemorragia digestiva alta.

Em geral, apresenta fraqueza progressiva, perda ponderal, com evidentes sinais de comprometimento de seu
estado nutricional e diminuição de massa muscular.

Pode haver episódios de bacteriemia, com febre causada por bactérias gram-negativas, necrose celular ou
instalação de carcinoma hepatocelular.

Comumente, os doentes exibem hálito hepático e icterícia, do tipo hepatocelular ou causada por hiper-hemólise.

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Ao exame, identificam-se hiperpigmentação da pele (hemocromatose hereditária), dedo hipocrático com unhas
esbranquiçadas, telangiectasias aracniformes (na face e no tronco), eritema palmar, alteração na distribuição
dos pelos pubianos (que adquirem forma ginecoide no homem e, na mulher, tendem a desaparecer),
ginecomastia, atrofia testicular, petéquias e equimoses, tremor de extremidades ou flapping.

No abdome, detectam-se ascite e sinais de circulação colateral, esta podendo ser:

a. tipo porta, rede venosa vicariante localizada nas regiões periumbilical, epigástrica e face anterior do tórax,
com fluxo do abdome para o tórax;
b. tipo cava inferior, formada através das veias retais, com o fluxo da mesentérica inferior, por contracorrente,
atingindo a cava inferior.

O fígado pode estar aumentado, de volume, endurecido ou, então, diminuído e não palpável. Esplenomegalia
pode ser evidenciada pela ocupação do espaço de Traube, ou palpação do órgão abaixo do rebordo costal esquerdo.

Complicações da cirrose

As duas consequências principais da cirrose são a hipertensão portal e a insuficiência hepática.

O desenvolvimento de varizes e ascite é uma decorrência direta da hipertensão portal e do estado circulatório
hiperdinâmico, enquanto a icterícia resulta da incapacidade do fígado de excretar a bilirrubina.

A encefalopatia se origina tanto da hipertensão portal como da insuficiência hepática.

O baço cresce e sequestra hemácias e outras células gerando hiperesplenismo. Os vasos que drenam pra o sistema
portal revertem seu fluxo e então ocorre desvio do sangue do sistema portla para a circulação sistêmica. Essas vias
são insuficientes para descomprimir o sistema e oferecem resistência adicional. A medida que o os colaterais se
desenvolvem há um aumento no fluxo portal que resulta da vasodilatação esplênica mantendo o estado hipertensivo.

Essa vasodilaçao decorre do aumento de NO na circulação extra-hepática enquanto ocorre deficiência de NO na


vasculatura intra-hepática.

Além da vasodilatação esplâncnica, existe a vasodilatação sistêmica, que, por causar decréscimo no volume arterial
efetivo, desencadeia a ativação do sistema neuro-humoral (sistema renina-angiotensina-aldosterona), retenção de
sódio, expansão do volume de plasma e o desenvolvimento de um estado circulatório hiperdinâmico. Esse estado
circulatório hiperdinâmico mantém a hipertensão portal, levando à formação e ao crescimento de varizes e
desempenha um papel importante no desenvolvimento de todas as complicações da cirrose.

 Varizes e Hemorragia Varicosa

A complicação da cirrose que resulta mais diretamente da hipertensão portal é o desenvolvimento dos colaterais
portossistêmicos, dos quais os mais relevantes são aqueles que se formam a partir da dilatação das veias
coronárias e gástricas e constituem varizes gastroesofágicas. A formação inicial dos colaterais esofagianos
depende da pressão portal, clinicamente estabelecida por um gradiente limiar de pressão venosa hepática de 10 a 12
mmHg, abaixo do qual as varizes não se desenvolvem.

O desenvolvimento de um estado circulatório hiperdinâmico provoca uma dilatação ainda maior e o crescimento de
varizes e, eventualmente, a sua ruptura e hemorragia varicosa, uma das complicações mais temidas da hipertensão
portal.

 Ascite e Síndrome Hepatorrenal

A ascite (acúmulo de líquido intraperitoneal), na cirrose, é secundária à hipertensão sinusoidal e à retenção de sódio.
A cirrose leva à hipertensão sinusoidal pelo bloqueio do fluxo venoso hepático, anatomicamente pela fibrose e pelos
nódulos regenerativos e funcionalmente pelo tônus vascular pós-sinusoidal aumentado. O gradiente limiar da pressão
venosa hepática necessário para a formação de ascite é de 12 mmHg.

Além disso, a retenção de sódio aumenta o volume intravascular e permite a formação continuada de ascite. Com a
progressão da cirrose e a hipertensão portal, a vasodilatação torna-se mais pronunciada e, assim, há a ativação
adicional do sistema nervoso simpático e do sistema renina-angiotensina-aldosterona, resultando em uma maior
retenção de sódio (ascite refratária), retenção de água (hiponatremia) e vasoconstrição renal (síndrome
hepatorrenal).
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 Peritonite Bacteriana Espontânea

A peritonite bacteriana espontânea, uma infecção do líquido ascítico, ocorre na ausência de perfuração de um órgão
oco ou um foco de inflamatório intra-abdominal, como um abscesso, pancreatite aguda ou colecistite. A translocação
bacteriana, ou migração de bactérias do intestino para os linfonodos mesentéricos e outros locais extraintestinais, é o
principal mecanismo envolvido na peritonite bacteriana espontânea.

Outro fator que promove a translocação bacteriana na cirrose é o crescimento bacteriano excessivo atribuído à
diminuição na motilidade intestinal e tempo de trânsito intestinal. As infecções, particularmente de bactérias Gram-
negativas, podem precipitar a disfunção renal em decorrência da piora do estado circulatório hiperdinâmico.

 Encefalopatia

A encefalopatia hepática é uma disfunção cerebral causada por insuficiência hepática, shunt portossistêmico ou
ambos. Na cirrose, a amônia acumula-se na circulação sistêmica por causa do desvio de sangue realizado pelos
colaterais portossistêmicos e do metabolismo hepático diminuído (p. ex., insuficiência hepática). A presença de
grandes quantidades de amônia no cérebro danifica as células cerebrais de suporte ou astrócitos e desencadeia
alterações estruturais características da encefalopatia hepática (astrocitose tipo II de Alzheimer).

A amônia resulta na suprarregulação de receptores benzodiazepínicos do tipo astrocíticos periféricos, os


estimulantes mais potentes da produção de neuroesteroides. Os neuroesteroides são os principais moduladores do
ácido γ-aminobutírico, o que resulta na depressão cortical e encefalopatia hepática. Outras toxinas, como o
manganês, também se acumulam no cérebro, particularmente no globo pálido, onde podem levar à perda da função
motora. Outras toxinas ainda a serem elucidadas também podem estar envolvidas na patogenia da encefalopatia.

 Icterícia

A icterícia na cirrose é um reflexo da incapacidade do fígado de excretar a bilirrubina e é, portanto, o resultado da


insuficiência hepática. No entanto, nas doenças colestáticas que levam à cirrose a icterícia deve-se mais
provavelmente à lesão biliar do que à insuficiência hepática.

 Complicações Cardiopulmonares

O estado circulatório hiperdinâmico eventualmente resulta na insuficiência cardíaca de alto débito com utilização
periférica de oxigênio diminuída, uma complicação que tem sido descrita como cardiomiopatia cirrótica.

Diagnóstico

É necessária uma biópsia hepática para confirmar definitivamente o diagnóstico.

 Ultrassonografia

A ultrassonografia é usada rotineiramente durante a avaliação da cirrose. Na cirrose avançada, o fígado pode parecer
pequeno e nodular.

A nodularidade superficial e o aumento da ecogenicidade com áreas de aparência irregular são consistentes com
cirrose, mas também podem ser observados com esteatose hepática.. Normalmente, há atrofia do lobo direito e
hipertrofia dos lobos caudado ou esquerdo.

Os sinais ultrassonográficos de hipertensão portal incluem esplenomegalia, ascite e presença de circulação


colateral portossistêmica (sendo este o sinal ecográfico mais específico). A recanalização da veia paraumbilical é
evidenciada pela US com Doppler e está presente em 35% dos casos.

Outros plexos venosos demonstrados são: esplenorrenal, retroperitoneal, esplenoperitoneal, gástricos curtos, veias
mesentéricas, que distalmente fazem comunicação com a rede venosa da parede abdominal.

 Tomografia computadorizada

A TC não é usada rotineiramente no diagnóstico e avaliação da cirrose. A perviedade da veia porta pode ser
demonstrada com a imagem da fase portal da TC, mas a direção do fluxo sanguíneo não pode ser determinada.

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Na tomografia computadorizada clássica, pode ser impossível distinguir lesões nodulares displásicas de nódulos de
regneração, ou da fase inicial de desenvolvimento do carcinoma hepatocelular.

 Imagem por ressonância magnética

A ressonância magnética pode revelar sobrecarga de ferro e fornecer uma estimativa da concentração hepática de
ferro.

 Elastografia

O aumento da cicatrização do fígado está associado ao aumento da "rigidez" do tecido.

 Estudos nucleares

O teste de radionuclídeos pode ser útil para sugerir o diagnóstico de cirrose. O colóide de enxofre de 99mTc é
normalmente absorvido pelas células do sistema retículo-endotelial. Em pacientes com cirrose, pode haver
heterogeneidade na captação do colóide de enxofre de 99mTc pelo fígado e aumento da captação pelo baço e
medula óssea.

 Angiografia de tronco celíaco

O cateterismo seletivo da artéria femoral e do tronco celíaco permite uma definição precisa da arquitetura de ramos
arteriais e venosos do fígado cirrótico .

 Supra-hepatovenografia

O cateterismo de veias hepáticas assume importância, pois as medidas de pressão ocluída (com cateter impactado)
e livre com cateter solto na luz do vaso) definirão o verdadeiro gradiente hepatoportal. Assim, o nível acima de 12
mmHg, resultado da diferença entre esses valores, atua como fator preditivo de risco de sangramento e servirá de
orientação a medidas terapêuticas a serem adotadas nos hipertensos portais com varizes de esôfago de médio e
grande calibres, com risco maior de ruptura.

 Angiorressonância magnética

Tem importância na definição da presença de varizes esofágicas, gástricas e gastropatia hipertensiva portal. Por
meio desse método, identifica-se a sede das lesões hemorrágicas, podendo-se atuar terapeuticamente na
interrupção do sangramento adotando- se medidas como escleroterapia e ligadura das varizes rotas, ou injeção de
cola biológica no interior das varizes gástricas.

 Endoscopia digestiva alta

Tem importância na definição da presença de varizes esofágicas, gástricas e gastropatia hipertensiva portal. Por
meio desse método, identifica-se a sede das lesões hemorrágicas, podendo-se atuar terapeuticamente na
interrupção do sangramento adotando- se medidas como escleroterapia e ligadura das varizes rotas, ou injeção de
cola biológica no interior das varizes gástricas.

 Biópsia hepática

O padrão ouro para o diagnóstico de cirrose é o exame de um fígado explantado, na autópsia ou após o transplante
de fígado, porque a arquitetura de todo o fígado pode ser apreciada.

No entanto, a biópsia hepática não é necessária se os dados clínicos, laboratoriais e radiológicos sugerirem
fortemente a presença de cirrose e se os resultados não alterarem o tratamento do paciente.

Além de demonstrar que a cirrose está presente, uma biópsia hepática às vezes pode sugerir a causa. Isso é
especialmente verdadeiro para causas metabólicas de cirrose, como hemocromatose hereditária , esteato-hepatite
não alcoólica, doença de Wilson e deficiência de alfa-1 antitripsina.

Tratamento

Atualmente, o tratamento da cirrose compensada está direcionado para a prevenção do desenvolvimento da


descompensação por:
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(1) tratar a doença hepática subjacente (p. ex., terapia antiviral para hepatite C ou B) para reduzir a
fibrose e evitar a descompensação;
(2) evitar fatores que possam piorar a doença hepática, como o álcool, fármacos hepatotóxicos e
infecções virais sobrepostas; e
(3) fazer um rastreamento para detectar varizes (para prevenir hemorragia varicosa) e carcinoma
hepatocelular (para que o tratamento seja realizado no estágio inicial). O tratamento da cirrose
descompensada se concentra em eventos descompensatórios específicos e na opção de transplante
de fígado. Cada vez mais, pesquisas revelam que diferentes terapias para a mesma complicação
podem ser aplicadas a pacientes com diferentes perfis de risco, com base principalmente na
gravidade da doença.

 Cirrose hepática não complicada

O diagnóstico precoce e a manipulação do cirrótico em fase compensada envolvem a adoção de dieta balanceada e
combate aos fatores etiológicos responsáveis pela evolução da doença.

Não há indicação para administração de hepatoprotetores ou de aminoácidos de cadeia ramificada entre os
bem-nutridos e estáveis.

Tem indicação formal o combate à fibrose, voltado à remoção do estímulo lesivo e à adoção de estratégias
específicas. A falência dessas atitudes significa que os pacientes deverão ser conduzidos ao transplante de fígado,
existindo contraindicações à sua execução.

 Cirrose hepática complicada

Essa situação é identificada em pacientes que, em geral, se encontram ou não ictéricos, mas exibindo sinais e
complicações típicas da hipertensão portal, e baixa reserva hepatocelular. Merecerão considerações em separado:

Hemorragia digestiva alta: O manuseio desses doentes envolve algumas fases: 1. prevenção do aparecimento
dessa complicação; 2. interrupção na vigência do surto hemorrágico; 3. e, finalmente, bloqueio de novo surto.

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Ascite e repercussões renais: A conduta terapêutica nesses pacientes obedece a certos princípios, segundo a
ascite seja considerada não complicada ou complicada.

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Encefalopatia hepática

Síndrome hepatopulmonar – hipertensão pulmonar:

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Hidrotórax hepático

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O carcinoma hepatocelular é o tumor primário mais comum do fígado.

Mais de 80% dos casos de carcinoma hepatocelular ocorrem nos países em


desenvolvimento.

Fatores de risco

VHB e o VHC  80% de todos os casos de carcinoma hepatocelular mundialmente.

 O VHB é endêmico em regiões que incluem a Ásia e a África subsaariana e é de transmissão vertical da mãe
para o feto, no útero.
 O VHC, que pode ser adquirido pelo abuso de drogas por via intravenosa ou a partir de transfusões de
sangue, é um outro fator de risco importante para o carcinoma hepatocelular, conduzindo a uma incidência
estimada de 2% a 8% por ano em pacientes com cirrose causada pelo VHC.

A obesidade, o diabetes e a síndrome metabólica são fatores de risco para a doença do fígado gorduroso não
alcoólico, uma condição que pode levar a esteato-hepatite, cirrose e carcinoma hepatocelular.

Outros fatores: vírus da hepatite D (que exige a coinfecção com o VHB para apresentar patogenicidade),
hemocromatose hereditária, deficiência de α1-antitripsina, cirrose biliar primária, hepatite autoimune, sexo
masculino e exposição alimentar às aflatoxinas fúngicas (encontrados no amendoim e no arroz).

Os carcinógenos mais potentes parecem ser produtos naturais de plantas, fungos e bactérias, como arbustos
contendo alcaloides pirrolizidínicos, ácido tânico e safrol.

Os poluentes, como os pesticidas e os inseticidas, são carcinógenos conhecidos nos roedores.

Patologia

Neoplasia epitelial que surge da transformação maligna de hepatócitos. Acredita-se que a sua patogênese do
seja um processo de múltiplos passos desencadeado, na maioria dos casos, por lesão hepática subjacente.

A inflamação subsequente, necrose, regeneração, turnover celular e proliferação resultam no acúmulo


progressivo de alterações genéticas e somáticas (adquiridas). Pode então surgir a ativação de oncogenes ou
inativação de genes supressores de tumores, displasia e, posteriormente, carcinoma.

As mais bem descritas mutações no carcinoma hepatocelular são mutações pontuais ou deleções que resultam na
inativação do gene supressor do tumor TP53, em mais de 50% dos casos, e mutações da β-catenina (CTNNB1),
em aproximadamente 30% dos casos.

Têm sido descritas alterações na Wnt, no ciclo celular e nas vias de remodelação da cromatina e podem estar
associadas com a etiologia da lesão hepática subjacente.

No carcinoma hepatocelular associado ao VHB, o único mecanismo de transformação maligna é a integração direta
do DNA viral no genoma do hospedeiro, o que parece favorecer loci específicos. Um locus recorrente para a
integração do VHB é o gene TERT que codifica a transcriptase reversa da telomerase. A integração do VHB pode
ativar o TERT, resultando na transformação maligna e imortalização num subconjunto de carcinomas hepatocelulares
associados ao VHB.

Quadro clínico

A apresentação clínica do carcinoma hepatocelular pode variar de acordo com a extensão do tumor e a
disfunção hepática subjacente. Alguns pacientes podem ser assintomáticos.

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Resumo Gastro
Larissa Gusmão Guimarães

Em alguns casos, os pacientes apresentam-se com sintomas de agravamento da função hepática e hipertensão
portal, tais como ascite, encefalopatia, hemorragia gastrointestinal ou icterícia, como resultado da
descompensação hepática desencadeada por um tumor em crescimento.

Em outros casos, pode existir uma dor abdominal alta crônica progressiva, devido ao envolvimento tumoral da
sensível cápsula hepática, ou uma dor aguda de início súbito, do sangramento ou ruptura do tumor, ou uma massa
palpável permitindo o diagnóstico de carcinoma hepatocelular.

O edema abdominal pode ocorrer como uma consequência de ascite devido a doença hepática crônica
subjacente ou ser causado por um tumor de expansão rápida. Ocasionalmente, uma necrose central ou hemorragia
aguda na cavidade peritonial levam à morte.

Os sintomas constitucionais, como caquexia, fadiga e perda de peso, podem estar presentes em estágios
avançados.

A perda de peso e a perda muscular são comuns, particularmente com tumores grandes ou de crescimento rápido.

Plenitude e náuseas podem estar presentes.

A hematêmese pode ocorrer devido a varizes esofágicas devido à hipertensão portal subjacente.

Observa-se dor óssea em aproximadamente 3 a 12% dos pacientes, mas as necropsias apresentam metástases
ósseas patológicas em cerca de 20% dos pacientes.

Encontra-se febre em 10 a 50% dos pacientes, de causa desconhecida.

Exame físico

Pacientes com carcinoma hepatocelular podem ter um aumento do fígado, com sensibilidade. A hepatomegalia é o
sinal físico mais comum, ocorrendo em 50 a 90% dos pacientes.

Sopro de Cruveilhier-Baumgarten: é um zumbido venoso que pode ser auscultado em pacientes com hipertensão
portal. É melhor apreciado quando o estetoscópio é colocado sobre o epigástrio. O sopro é aumentado por manobras
que aumentam a pressão intra-abdominal, como a manobra de Valsalva, e diminuem pela aplicação de pressão
sobre a pele acima do umbigo.

Ascite, icterícia, sinais de hipertensão portal, como cabeça de medusa e esplenomegalia, e asterixe ( tremor
no pulso quando estendido (dorsiflexão), às vezes parecido com o "bater de asas de um pássaro") podem estar
variavelmente presentes se estiver associada uma descompensação da função hepática.

Os sinais de doença hepática crônica frequentemente podem estar presentes, como icterícia, veias abdominais
dilatadas eritema palmar, ginecomastia, atrofia testicular e edema periférico.

A síndrome de Budd-Chiari pode ocorrer devido à invasão das veias hepáticas pelo CHC, com ascite tensa e fígado
grande e sensível.

Síndromes paraneoplásicas

Incluem hipoglicemia (também causada por insuficiência hepática terminal), eritrocitose, hipercalcemia,
hipercolesterolemia, disfibrinogenemia, síndrome carcinoide, aumento da globulina de ligação da tiroxina,
alterações nas características sexuais secundárias (ginecomastia, atrofia testicular e puberdade precoce) e
porfiria cutânea tardia.

Diagnóstico e estadiamento

A anamnese é importante na avaliação de supostos fatores de predisposição.

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Resumo Gastro
Larissa Gusmão Guimarães

O exame físico deve incluir a pesquisa de estigmas de doença hepática subjacente, como icterícia, ascite, edema
periférico, spiders vasculares, eritema palmar e perda de peso. É necessária uma avaliação do abdome para o
tamanho do fígado, massas ou ascite, nodularidade e sensibilidade hepáticas, esplenomegalia, avaliação do
estado de desempenho geral e avaliação psicossocial.

 Ensaios Sorológicos

A AFP é um marcador tumoral sérico para o CHC. O marcador tumoral AFP está elevado em aproximadamente
70% dos casos, mas não é diagnóstico.

Acredita-se que a fração reativa à aglutinina de lens culinaris da AFP (AFP-L3) seja mais específica.

Des-γ-carboxi-protrombina (DCP), proteína induzida pela ausência de vitamina K (PI- VKA-2). Esta proteína
encontra-se aumentada em até 80% dos pacientes com CHC..

Foram desenvolvidos muitos outros ensaios, como glipicano-3, porém nenhum deles apresenta maior sensibilidade
e especificidade agregadas.

Nos pacientes que se apresentam com uma massa hepática nova ou outras indicações de descompensação hepática
recente, deve-se medir o antígeno carcinoembrionário (ACE), vitamina B 12, AFP, ferritina, PIVKA-2 e anticorpos
antimitocondriais, devendo-se realizar testes padronizados de função hepática, como tempo de protrombina (TP),
tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA), albumina, transaminases, γ-glutamil transpeptidase e
fosfatase alcalina.

Reduções na contagem de plaquetas e no leucograma podem refletir hipertensão portal e hiperesplenismo


associado.

As sorologias das hepatites A, B e C devem ser medidas. Se a sorologia do HBV ou HCV for positiva, as
mensurações quantitativas de DNA do HBV ou RNA do HCV são necessárias.

 Exames de imagem

A ultrassonografia do fígado constitui uma excelente ferramenta de triagem. As duas anormalidades vasculares
características consistem em hipervascularidade da massa tumoral (neovascularização ou vasos arteriais anormais
que nutrem o tumor) e trombose por invasão tumoral de veias porta normais nos demais aspectos.

TC helicoidal/trifásica do abdome e da pelve com técnica de injeção intravenosa rápida de meio de contraste
para detectar as lesões vasculares típicas do CHC.

Utiliza-se a TC de tórax para excluir metástases.

A RM também pode fornecer informações detalhadas, particularmente com os agentes de contraste mais recentes.

O etiodol (Lipiodol) é uma emulsão oleosa etiodizada retida pelos tumores hepáticos, que pode ser administrada por
injeção na artéria hepática (5 a 15 mL) uma semana antes da TC.

Para os tumores pequenos, a injeção de etiodol é muito útil antes da biópsia, visto que a presença histológica do
corante constitui uma prova de que a agulha coletou material da massa suspeita.

 O carcinoma hepatocelular é único na área da oncologia em que o diagnóstico pode ser feito
radiologicamente, sem amostragem de tecido tumoral, no contexto clínico apropriado.

Os requisitos para um diagnóstico radiográfico do carcinoma hepatocelular sem biópsia são que uma doença
hepática conhecida subjacente esteja presente como fator de risco e que o estudo imaginológico seja realizado

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Resumo Gastro
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utilizando um protocolo de carcinoma hepatocelular, que implica imagens em corte transversal, realçadas por
contraste, durante várias fases da administração (incluindo fases arterial, venosa portal e tardia).

Em pacientes com risco de carcinoma hepatocelular, um nódulo de pelo menos 1 cm apresentando realce na fase
arterial, com diminuição de contraste (conhecido como “washout”) durante a fase venosa portal do
contraste, é suficiente para o diagnóstico radiográfico de carcinoma hepatocelular.

O realce arterial brilhante de lesões de carcinoma hepatocelular, em estudos de imagem com realce de contraste,
resulta da propensão desse tumor em parasitar o fornecimento de sangue a partir da artéria hepática. O
parênquima hepático normal obtém a maior parte do seu fornecimento de sangue a partir da veia porta. Isso resulta
no “washing out” (ou atenuação) do carcinoma hepatocelular, à medida que o parênquima hepático de fundo se
“ilumina” durante a fase venosa portal, mais tardia.

A biópsia é mandatória para confirmar o diagnóstico de carcinoma hepatocelular se tanto o realce arterial como o
“washout” venoso portal não estiverem presentes. A prova histológica da presença de CHC é obtida por meio de uma
biópsia com agulha de calibre grosso (core biopsy) da massa hepática guiada pela ultrassongrafia, bem como de
biópsia aleatória do fígado subjacente.

 O risco de sangramento apresenta-se aumentado em comparação com outros cânceres, visto que os tumores são
hipervasculares, e que os pacientes frequentemente apresentam trombocitopenia e diminuição dos fatores da
coagulação dependentes do fígado. O risco de sangramento aumenta ainda mais na presença de ascite.

Em pacientes com lesões pequenas que podem ser elegíveis para cirurgia curativa ou transplante, a consulta com
hepatologista e/ou cirurgião hepático experiente deve ser obtida antes de realizar a biópsia percutânea, por causa
do risco para a semeadura do tumor.

ESTADIAMENTO

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Resumo Gastro
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Tratamento

A história natural de CHC é altamente variável. Os pacientes que se apresentam com tumores avançados (invasões
vasculares, sintomas, disseminação extra-hepática) apresentam sobrevida média de aproximadamente 4 meses com
ou sem tratamento.

O tratamento dos estágios iniciais do carcinoma hepatocelular depende do grau de disfunção hepática.

ESTÁGIOS I E II DO CHC

Os tumores de estágio inicial podem ser tratados de maneira bem-sucedida com o uso de várias técnicas, como a
ressecção cirúrgica, ablação local (térmica ou por radiofrequência [ARF]) e terapias de injeção local.

CHC DE ESTÁGIOS III E IV

Existem menos opções cirúrgicas para os tumores de estágio III acometendo estruturas vasculares importantes.

Uma pequena porcentagem de pacientes atingirá sobrevida a longo prazo, o que justifica uma tentativa de ressecção
quando viável.

Devido à natureza avançada destes tumores, mesmo a ressecção bem-sucedida pode ser acompanhada de rápida
recidiva. Tais pacientes não são considerados candidatos a transplante devido às taxas altas de recidiva do tumor, a
menos que seus tumores possam ser reclassificados em um estágio mais baixo com terapia neo-adjuvante.

A redução do tamanho do tumor primário possibilita cirurgia menor, e o atraso na cirurgia possibilita a manifestação
da doença extra-hepática nos estudos de imagem e evita TOF inútil.

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O prognóstico é ruim para tumores de estágio IV, e nenhum tratamento cirúrgico é recomendado.

Agentes quimioterápicos citotóxicos convencionais não produziram melhorias significativas na sobrevida no


carcinoma hepatocelular.

Diferentemente dos mínimos resultados da quimioterapia sistêmica, uma variedade de agentes administrados por
meio de artéria hepática apresentou atividade no CHC restrito ao fígado. Apesar do fato de elevada extração hepática
de quimioterápicos ter sido demonstrada para muito poucos fármacos, alguns fármacos, como a cisplatina,
doxorrubicina, mitomicina C e possivelmente neocarzinostatina, produzem respostas objetivas substanciais
quando administrados regionalmente.

A pancreatite aguda (PA) é uma condição inflamatória do pâncreas, que envolve não só a glândula e os tecidos
peripancreáticos, mas, eventualmente, órgãos a distância.

O processo pode variar de uma forma edematosa (pancreatite aguda edematosa ou intersticial) até à forma
necrótica (pancreatite aguda necrosante). A primeira é caracterizada por edema e congestão pancreática, e a forma
necrótica, por áreas de parênquima não viável, estéreis ou contaminadas.

Apesar dos avanços no diagnóstico e tratamento, a PA continua sendo uma doença grave.

Etiologia

 A litíase biliar é uma das causas mais frequentes de PA.


 Casos considerados idiopáticos podem ser causado por microlitíase oculta.
 Cálculo da papila.
 Alcoolismo.
 Evolução da pancreatite crônica calcificante.
 O traumatismo do pâncreas origina a PA traumática.
 A PA pós-operatória surge seja como consequência de manipulações do trato biliar e da ampola de Vater, ou
após operações gastroduodenais, particularmente ressecções gástricas distais. Também tem sido observada
seguindo as operações mais diversas, tais como esplenectomias, cecostomia, sigmoidostomia, cesariana,
intervenções neurológicas.
 A PA ocorre entre 1 e 10% dos pacientes que são submetidos a colangiopancreatografia endoscópica
retrógrada (CPER).
 O divertículo duodenal é uma causa controversa de PA.
 O câncer do pâncreas ou da papila de Vater e, ainda, cistadenoma, ou citoadenocarcinoma mucinoso,
podem ser causa de PA.
 Alterações metabólicas geram pancreatite aguda. Pacientes com hiperlipidemia familial dos tipos I, IV e V (da
classificação de Fredrickson e Lees) podem apresentar a doença.
 A pancreatite hereditária refere-se a uma rara predisposição familiar para desenvolver PA e pancreatite
crônica.
 O hiperparatireoidismo é relatado como causa rara e controversa de PA.
 A pancreatite que surge na gravidez, quase sempre no último trimestre ou no puerpério, ainda não foi bem
esclarecida.
 Uma ampla variedade de agentes infecciosos tem sido associada à PA, incluindo vírus (caxumba, coxsackie B,
herpes simples, hepatite B e citomegalovírus, este último principalmente em portadores de AIDS), bactérias
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(Legionella, Brucella, Chlamydia trachomatis, Mycobacterium tuberculosis) e parasitos, como a ascaridíase


ductal, esta aparecendo como etiologia comum em determinadas regiões asiáticas.
 Muitos medicamentos foram identificados como causadores de PA. Os medicamentos que,
inquestionavelmente, causam PA são: ácido valproico; asparaginase; azatioprina; didanosina; estrógenos;
furosemida; mercaptopurina; pentamidina; sulfonamidas; sulindac; tetraciclinas; tiazídicos. Os
medicamentos que, provavelmente, geram PA são: ácido etacrínico; bumetanida; cimetidina; clortalidona;
corticosteroides; metildopa; metronidazol; salicilatos; sulfassalazina; zalcitabina.

Fisiopatologia

Parece certo que o passo inicial é a ativação do tripsinogênio para tripsina. A célula acinar procura se defender da
ativação do tripsinogênio e tenta eliminar a tripsina.

A hipercalcemia intracelular parece ser crucial nesse momento do início da PA, agindo através da ativação do
tripsinogênio e da estabilização da tripsina. O tripsinogênio também pode ser ativado por enzimas lisossomais, tais
como a catepsina B.

Após a lesão inicial das células acinares, ocorre uma migração de células inflamatórias para o interstício da glândula
e para a microcirculação.

Uma vez ocorrida a lesão tissular inicial, a doença pode ser compreendida em três fases: uma resposta inflamatória
local, uma resposta inflamatória sistêmica, que pode resultar em falência de um ou múltiplos órgãos, e, finalmente,
a infecção pela translocação bacteriana a partir do intestino.

Ultimamente, acredita-se que, para ocorrer o refluxo biliar, é necessário um aumento prévio da pressão no
sistema biliar. A bile lesaria as células do canal pancreático, mas, para ocorrer a PA, é necessário a bile estar
infectada.

Nas fases iniciais da doença, a síntese enzimática e o transporte das enzimas continuam a se processar
normalmente.

Entretanto, essas enzimas acumulam-se nas células acinares, porque a exocitose está bloqueada e não ocorre a
secreção. Os grânulos de zimogênio acumulados fundem-se com os lisossomos por um processo de crinofagia.
Formam-se grandes vacúolos, e as hidrolases lisossomais presentes ativam o tripsinogênio.

A tripsina resultante promove a ativação de outras enzimas, antes também protegidas em grânulos de zimogênio,
tais como a elastase, a quimiotripsina e a fosfolipase A.

Todas essas enzimas, agora ativadas, passam a agir no interior da própria glândula, à sua volta e à distância.

Juntamente com as substâncias vasoativas, as enzimas, ao atingirem a circulação sistêmica por vias linfática e
venosa, contribuem para a instalação do choque e falência múltipla dos órgãos.

A ativação intracelular prematura dos zimogênios depende, também, da indução de fatores tais como o fator
nuclear kB e proteína ativadora 1.

Alguns estímulos podem provocar elevações prolongadas do cálcio citosólico acinar, exacerbando a liberação de
grânulos secretórios pancreáticos e agravando a necrose pancreática.

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A hipoxia resultante, seria importante para o desenvolvimento da lesão inflamatória. Pois a boa perfusão
pancreática é importante, pois circulam no sangue várias substâncias antiproteases, tais como a alfa 1-
antitripsina, alfa 2-macroglobulina e outras, que constituem proteção à digestão enzimática. Entre estas, conta-se
um inibidor pancreático de tripsina, denominado PSTI (pancreatic secretory trypsin inhibitor), também chamado
SPINK 1 (serine protease inhibitor Kazal type 1).

As citocinas são responsáveis pela progressão da doença, após a inicial ação da tripsina, e pelas complicações
sistêmicas da PA. Assumem especial importância na PA as IL-6 (interleucina 6), IL-8, IL-1, TNF (tumor necrosis
factor) e PAF (platelet activating factor).

As quemocinas apresentam propriedades quemotáticas e ativadoras sobre alguns leucócitos. O recrutamento de


neutrófilos e macrófagos pelas quemocinas desempenha um papel decisivo na ampliação da resposta inflamatória
local e sistêmica da PA, uma vez que essas células também liberam citocinas e contribuem para o desencadeamento
da síndrome de resposta inflamatória sistêmica (SIRS).

Outras enzimas como a elastase e a colagenase, podem ativar o tripsinogênio no interior da glândula, mas não se
sabe se seriam importantes no desencadear do processo.

A elastase, ativada pela tripsina, dissolve as fibras elásticas dos vasos sanguíneos, causando lesão vascular e
hemorragia.

A fosfolipase A é também ativada pela tripsina e, juntamente com os sais biliares, destrói membranas celulares,
causando lesão vascular e hemorragia.

A lipase também colabora para o cataclismo, digerindo a gordura.

O dano aos vasos sanguíneos e às células pancreáticas que essas enzimas e substâncias causam pode resultar em
hipoxia e necrose celular adicional, resultando em um círculo vicioso, no qual mais lesão pancreática ocorre.

Outro elemento possivelmente implicado seria o óxido nítrico.

A compressão do colédoco pelo edema do pâncreas ou cálculos encravados na papila podem gerar icterícia.

Hiperglicemia: provocada pelo edema pancreático, que provoca diminuição na produção de insulina, bem como
pode resultar da resposta adrenocortical, ou da destruição pancreática e/ou periférica de insulina. Acresce que, na
PA grave, há resistência periférica à insulina.

Hipocalcemia: poderia resultar da formação de sabões de cálcio nas áreas de necrose ou estar relacionada com a
eventual liberação de glucagon e tireocalcitonina, ou resultar de sequestro extraesquelético de cálcio. O cálcio
pode estar baixo simplesmente porque a albumina também está; nessa eventualidade, não há transporte de
cálcio.

Lesão renal: O choque poderia causar, mas a própria tripsina circulante pode ser o agente lesivo, assim como a
lesão pode decorrer da presença de microêmbolos.

Hipertensçao arterial transitória: ocorre devido o aumento da resistência vascular renal e da redução da perfusão e
filtração dos rins.

Na vigência da PA, pode haver síndrome de coagulação vascular disseminada, provavelmente em consequência da
liberação, no sangue, de enzimas proteolíticas e cininas vasoativas.

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Complicações pleuropulmonares na vigência da PA são frequentes. Os derrames pleurais ocorrem em 4 a 17% dos
pacientes. Podem ser explicados pela existência de plexos linfáticos comunicando a cavidade abdominal com as
áreas subpleural e mediastinal, e que conduziriam líquido rico em enzimas para o interior daqueles espaços
serosos. As lesões pulmonares difusas são mais graves e fazem parte da síndrome da resposta inflamatória sistêmica
(SIRS).

Hipoxemia: pode ter origem em alterações do surfactante, talvez por ação da fosfolipase A. Outros não confirmam
essa ação e relataram aumento dos shunts pulmonares, do volume-minuto respiratório e do consumo de oxigênio,
bem como diminuição da elasticidade pulmonar.

Desvios metabólicos, lesão da membrana alveolocapilar, coagulação intravascular disseminada, diminuição da


pressão oncótica, efeito de microêmbolos e excesso de hidratação, todos são fatores que podem, isolada ou
associadamente, estar implicados na gênese dessas lesões sistêmicas.

Atualmente, acredita-se que a causa seja o alto índice de citocinas pró-inflamatórias na circulação. As citocinas
liberadas dos tecidos digeridos dão início à cascata de citocinas. Esse evento provoca uma migração de monócitos e
neutrófilos responsáveis pela secreção de uma ampla variedade de mediadores inflamatórios. Esses mediadores,
atingindo a circulação, contribuem poderosamente para induzir a SIRS e a falência de múltiplos órgãos.

Quadro clínico

 A dor intensa, embora varie muito. É, comumente, contínua. É mais frequente no
epigástrio, com radiação para a região dorsal, ou em cinta.
 Náuseas e vômitos.
 Sinais e sintomas de desidratação são frequentes.
 Em 60% dos casos, o paciente relata parada de eliminação de fezes e gases e,
ocasionalmente, dispneia.
 Nos casos graves, apresenta-se em extremo sofrimento, com sudorese e, às vezes,
icterícia e cianose.
 A temperatura é bastante variável, assim como a pressão arterial.
 Hipotensão e choque podem ocorrer.
 Manchas esverdeadas ou púrpuras nas regiões lombares (sinal de Grey-Turner) ou na região periumbilical
(sinal de Cullen), consequência do acúmulo de material hemorrágico intracavitário, que se infiltra nos folhetos
parietais.
 Um sinal raro é o Fox caracterizado por equimose na base do pênis.
 Paniculite (“gordurite”): aspecto similar ao eritema nodoso.
 O abdome é flácido, na maioria das vezes, mas sensível. Pode mostrar até mesmo rigidez de parede,
decorrente de irritação química ou de peritonite bacteriana secundária. À ausculta abdominal, há diminuição
ou, mesmo, ausência de ruídos intestinais.

Prognóstico

A PA é uma doença de curso variável.

A mortalidade geral, em casos graves de PA, pode chegar a 30%.

As mortes ocorrem em duas fases:

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 As mortes precoces, dentro das primeiras 2 semanas de evolução da doença, são causadas por insuficiência
de múltiplos órgãos e sistemas.
 As mortes tardias são quase todas decorrentes de
infecção.

 Critérios de Ranson

Em até dois sinais positivos, a mortalidade é de 0,9%; entre


três e quatro, a mortalidade é de 16%; de cinco a seis sinais
positivos, a mortalidade chega a 40%; e sete ou mais sinais
positivos, a mortalidade alcança 100%.

 Critérios de Glasgow

Os critérios de Glasgow são baseados nos seguintes dados, obtidos nas primeiras 48 h de hospitalização: Idade (aci-
ma de 55 anos), leucócitos (acima de 15.000), ureia (acima de 16 mmol/l), glicemia (acima de 180 mg%), cálcio
sérico (abaixo de 8 mg/ml), albumina sérica (abaixo de 3,2 g/l), PO2 arterial (abaixo de 60 mmHg) e desidrogenase
láctica sérica elevada.

Uma pontuação superior a dois já indica pancreatite grave.

APACHE

O Acute Physiology and Chronic Health Enquiry (APACHE) foi desenvolvido para analisar os pacientes gravemente
enfermos em geral. Engloba fatores de risco preexistentes, sinais vitais e dados laboratoriais, em um total de 12
variáveis.

Pelo APACHE-II, uma pontuação igual ou superior a 10 indica prognóstico reservado, e inferior a 8, melhor
prognóstico.

 Baltazar

Baseados em alterações assinaladas à tomografia computadorizada, que detalham alterações anatômicas do


pâncreas e inferem a gravidade do surto agudo:

Os pacientes classificados como A, B e C apresentam gravidade moderada. Os listados em D e E são mais graves,
com 15% de mortalidade.
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Considerando o escore, o índice de gravidade por TC é inversamente proporcional à sobrevivência.

Diagnóstico

A contagem de leucócitos serve como sinal de uma complicação infecciosa.

O hematócrito poderá ser índice da perda de líquidos e de anemia.

O ionograma e a gasometria arterial orientam a terapêutica desde o início.

Pode haver hiperglicemia.

A avaliação dos triglicerídios e do colesterol total e frações também faz parte do protocolo de avaliação.

Das enzimas que podem ser solicitadas, a mais prática no diagnóstico da PA é a amilase. A amilasemia superior a
quatro a cinco vezes o valor de referência como muito sugestiva de pancreatite aguda.

 As três entidades mórbidas que mais se confundem com a PA, que são a úlcera perfurada, a obstrução intestinal
e a colecistite aguda, podem ser acompanhadas de valores elevados de amilase. Entretanto, nenhuma condição de
abdome aguda aumenta a amilase mais do que seis vezes o valor de referência, só a PA.

A taxa de lipase sérica é mais específica como indicador de pancreatite aguda que a amilase, pois não há isolipases.
Um valor acima de três vezes a taxa de referência, a sensibilidade da lipasemia é de cerca de 90%.

 Sabe-se que pode haver aumento da lipase em outras doenças, tais como no câncer de pâncreas, na obstrução
intestinal, na perfuração intestinal, em pacientes em uso de opiáceos, após pancreatografia endoscópica retrógrada
e insuficiência renal, principalmente.

Cabe uma advertência: o aumento de amilase e/ou lípase fora de um contexto clínico não é suficiente para fazer um
diagnóstico de PA, ou mesmo de outras doenças abdominais, ou extra-abdominais, que podem cursar com essas
enzimas elevadas.

A aminotransferase da alanina acima de 150 UI/l apresenta especificidade de 96% para diagnosticar pancreatite
biliar; infelizmente, a sensibilidade é de 48%, e um resultado normal não exclui a etiologia biliar.

Os níveis da elastase de leucócitos polimorfonucleares estão aumentados na PA grave, em valores superiores aos
encontrados nas formas moderadas.

A dosagem do cálcio sanguíneo é medida de rotina. A queda da calcemia a níveis iguais ou inferiores a 7 mg% é
sinal de mau prognóstico. Na PA por hiperparatireoidismo, os níveis calcêmicos serão elevados.

Hiperbilirrubinemia leve, em torno de 2,0 mg, ocorre em cerca de 50% dos casos. Valores mais elevados da
bilirrubina conjugada significam, muitas vezes, cálculo impactado na papila.

O teste da metemalbumina, resultante da digestão extravascular da hemoglobina, sugere forma hemorrágica


quando os valores são iguais ou superiores a duas cruzes.

Parece que a determinação da proteína C reativa constitui o fator isolado mais importante para diferenciação entre
PA edematosa e necrosante. Esta última é suspeitada quando os valores ultrapassam 200 mg%.

Da mesma forma, os níveis dos fatores de complemento C3 e C4 acima de 70 mg% e 25 mg%, respectivamente,
constituem bom índice de diferenciação entre as formas edematosa e hemorrágica.
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A avaliação da magnitude da SIRS pode ser estabelecida pelos níveis plasmáticos de IL-6, IL-8 e pela PCR.

Alterações eletrocardiográficas são assinaladas na PA geralmente representadas por inversão da onda T e


infradesnivelamento de ST. Podem ser devidas a hipotensão e a distúrbios eletrolíticos. Às vezes simulam infarto
do miocárdio.

A radiografia de tórax em posteroanterior e lateral pode demonstrar pequenos derrames, zonas de infarto
pulmonar ou atelectasias pulmonares, que são achados muito frequentes. Quando há comprometimento difuso do
pulmão, nota-se infiltração bilateral de aspecto alveolar.

A radiografia simples do abdome pode ser rica em detalhes, desde o sinal de Gobiet (que é a distensão isolada do
cólon transverso, devido à infiltração de seu meso) até imagens de condensação no andar superior do abdome,
presença de calcificações na área do pâncreas, alça sentinela (representada por distensão gasosa de pequeno
segmento de delgado), distensão gasosa do estômago e duodeno e presença de cálculos na vesícula biliar.

As radiografias contrastadas, gastrintestinais ou das vias biliares, não são usadas rotineiramente no diagnóstico da
PA.

A ultrassonografia é particularmente útil no diagnóstico de pseudocistos pancreáticos e da litíase biliar. A


sensibilidade da ultrassonografia para o diagnóstico de PA varia de 62 a 95%, com especificidade de 95%. É mais
sensível que a TC para diagnosticar obstrução biliar e presta-se para observar a progressão dos pseudocistos
pancreáticos.

A ecoendoscopia é sensível para o diagnóstico de cálculos no colédoco.

A tomografia computadorizada com o reforço de contraste venoso, pode-se realizar a detecção da necrose
pancreática e de infecção. Atualmente, é utilizada não só para o diagnóstico de pancreatite aguda, como também
para avaliar a gravidade da doença e seu prognóstico, para detectar complicações e como guia para aspiração de
líquido (exame bacteriológico etc.) e drenagem de necrose pancreática infectada, abscessos, coleções infectadas ou
pseudocistos.

A TC apresenta uma sensibilidade de 90% e uma especificidade de 100% para o diagnóstico da PA. O tomógrafo
helicoidal é mais rápido e as imagens tornaram-se melhores devido às fases de enchimentos venoso e arterial dos
tecidos, obtidos pela infusão contínua do contraste. Entretanto, é um exame que só deve ser realizado após 72 h de
evolução da doença, quando as lesões já se organizaram

O valor do estudo por ressonância magnética continua ainda incerto, mesmo porque o procedimento não tem sido
usado largamente em PA. Parece que a ressonância magnética fornece informações semelhantes à TC.

Um agente de contraste específico para o pâncreas, o mangafodipir, parece melhorar a qualidade das imagens
obtidas por RM.

A colangiopancreatografia por ressonância magnética (CPRM) é outra possibilidade e, provavelmente, constitui


verdadeiro avanço, especialmente para o diagnóstico de cálculos no colédoco.

A colangiopancreatografia endoscópica retrógrada (CPER) encontra indicação em casos selecionados. Muito


especialmente quando há sugestão de patologia do colédoco terminal e/ou colangite, especialmente se houver
indicação de papilotomia endoscópica, quando necessário acompanhada por extração de cálculos encravados no
colédoco distal; ou, ainda, em casos de PA traumática em que há interesse em conhecer o local de lesão do ducto

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de Wirsung. Em casos de PA recorrente, de diagnóstico incerto, esse exame, no momento oportuno, é o método
preferencial para o estudo do paciente, quando falharem métodos não invasivos, por exemplo, a ecoendoscopia.

Diagnóstico diferencial

Deve ser feito principalmente com a úlcera perfurada ou penetrada, obstrução intestinal, colecistite aguda,
trombose mesentérica, apendicite aguda, infarto do miocárdio, aneurisma de aorta e obstrução da alça aferente
após gastrojejunostomia.

Complicações

Insuficiência renal, insuficiência respiratória, pseudocisto, infecção (abscesso pancreático, necrose infectada e
peritonite), hemorragia (hipertensão portal segmentar, ulcerações agudas superficiais do estômago e duodeno,
sangramento intraperitoneal ou intrapleural, wirsungorrafia e pseudoaneurisma), obstrução alta do tubo
digestivo (quase sempre por pseudocisto), icterícia, colecistite, hepatite necrótica, perfuração de víscera oca e
fístula.

Pode ocorrer trombose de veias mesentéricas e lienais e, mais raramente, da veia porta. Ocasionalmente, tais
tromboses são verificadas no sistema arterial.

Raramente, surge a retinopatia angiopática de Purtscher, caracterizada por cegueira súbita. O mecanismo dessa
alteração é especulativo: leucoagregação por ativação do complemento, êmbolos gordurosos. O quadro clínico
sugere vasculite retiniana, que, em geral, se cura espontaneamente em 1 a 3 meses.

Outra complicação rara é a paniculite nodular liquefativa, representada por nódulos avermelhados, com secreção
oleosa, parecendo eritema nodoso.

Como regra geral, nas fases iniciais, primeiros 7 dias, predominam as complicações metabólicas; nas fases mais
avançadas, 14 dias para a frente, predominam a sepse e complicações locais.

Tratamento

O tratamento clínico tem por objetivo sedar a dor, combater o choque, prevenir ou tratar as alterações
metabólicas e outras complicações, bem como implementar medidas de suporte a órgãos ou sistemas
insuficientes.

A maioria dos casos, de evolução benigna, será resolvida em 3 a 10 dias com o tratamento conservador. Se houver
agravamento e se desenvolverem complicações, estas devem ser tratadas de forma agressiva, mas prudente.

 Dor

Recomenda-se a meperidina.

O tramadol pode ser tentado.

Outra possibilidade é associar meperidina, metoclopramida, dipirona e água destilada e aplicar 3 ml da mistura IV
de 4 em 4 h. Quando a dor for muito intensa, pode-se usar o equipamento de infusão contínua, controlado pelo
próprio paciente, ou o bloqueio anestésico dos nervos esplâncnicos, que, além da ação sedativa, aumenta a
irrigação sanguínea do órgão.

 Choque
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É importante a reposição de volume e eletrólitos para assegurar um bom estado hemodinâmico (controlar a
frequência cardíaca, frequência respiratória, pressão arterial, diurese e pressão venosa central).

Se houver oligúria, além de se procurar restaurar o volume circulante, é conveniente utilizar dopamina em doses
de 3 a 5 mg por quilo de peso por minuto, enquanto persistir o baixo débito urinário.

A reposição líquida é feita com sangue, albumina e líquidos não coloidais, conforme a necessidade. Lembrar que,
na PA, as perdas líquidas para o terceiro espaço podem ser muito elevadas e têm de ser compensadas volume a
volume.

 A atropina e similares têm pequeno efeito sobre a secreção pancreática nos pacientes em jejum; além disso,
poderão agravar o íleo paralítico, causarão taquicardia e retenção urinária.

 Distúrbios metabólicos

Há necessidade de reavaliações frequentes dos gases arteriais, pH e eletrólitos. Corrigir as alterações
hidreletrolíticas com presteza. Ficar atento para a saturação de oxigênio e oferecê-lo, por cateter ou máscara,
quando a PO2 estiver baixa.

A hiperglicemia pode ser tolerada até níveis de 160 a 180 mg%, pois esses pacientes são muito sensíveis à insulina,
tendo grande facilidade para desenvolver a hipoglicemia iatrogênica. A necessidade de insulina é excepcional.

 Nutrição

Começamos o tratamento da PA com dieta zero, pelo menos por 3-5 dias, reavaliando a conduta conforme a
evolução do caso. Não há argumentos que justifiquem a indicação de anticolinérgicos.

A nutrição parenteral total (NPT) é indispensável para prevenir a desnutrição, assim como para impedir ou
inverter um estado de catabolismo.

É importante manter em bom estado nutricional pacientes que, eventualmente, necessitarão de uma intervenção
cirúrgica ou terão longa evolução. Está indicada nos casos de prognóstico grave, ou quando jejum alimentar se faz
necessário por mais de 7 dias.

A experiência inicial sugere que a instituição de uma nutrição jejunal (não gástrica, nem duodenal) dentro das
primeiras 48 h de evolução de uma PA grave diminui a exposição séptica, diminui as respostas das citocinas
inflamatórias sistêmicas, evita o consumo de antioxidantes e não parece piorar a situação do pâncreas.

 Antibióticos e outras condutas

Não há necessidade de antibióticos nas formas leves e moderadas da doença. Entretanto, se o paciente for
imunossuprimido, esplenectomizado, portador de doença debilitante, ou idoso, justifica-se o uso de antibiótico
profilático.

Nos casos graves, mas sem sinais de necrose, o uso é controverso, mas em pacientes portadores de pancreatite
aguda grave, necrosante, com coleções líquidas confirmadas, principalmente pela TC, embora discutido o uso
profilático de antibiótico, há um certo consenso em usá-los.

Podem ser usados o imipeném (500 mg 3 vezes/dia durante 2 semanas) ou o meropeném. Uma segunda opção é a
quinolona, particularmente o ciprofloxacino associado ao metronidazol.

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Nos casos de necrose infectada, utilizam-se sempre antibióticos que alcancem altas concentrações nos tecidos
pancreático e peripancreático. A cobertura deve ser ampla, atingindo bactérias Gram-positivas, Gram-negativas e
anaeróbios.

Os microrganismos mais encontrados na necrose infectada são os Gram-negativos entéricos (50-70%), cocos Gram-
positivos (20-40%), anaeróbios (± 10%) e fungos (10-40%).

Entre os antibióticos adequados, estão o imipeném, o meropeném, ou combinações de quinolonas, ou


cefalosporinas de terceira geração, com a clindamicina ou o metronidazol.

A intervenção cirúrgica na necrose estéril é contraindicada, excetuando-se, talvez e raramente, quando há
associação com IMO e necrose de mais de 50% do pâncreas; ou, ainda mais raramente, e dentro de um contexto
clínico, quando o paciente apresenta obstrução gastroduodenal atribuível à tumefação necrótica e inflamatória.

Em pacientes submetidos a antibioticoterapia de longa duração, ou com resposta pouco satisfatória aos
antibióticos, convém acrescentar um fungicida (fluconazol IV, 50 a 100 mg/dia).

Pacientes com necrose infectada, que permanecem estáveis recebendo antibióticos, não precisam de cirurgia de
urgência.

Pacientes sépticos, mas considerados com risco elevado para uma operação mais agressiva, poderão ser tratados
com técnicas cirúrgicas minimamente invasivas, ou com drenagem por cateter percutâneo. Posteriormente,
considerar-se-á uma operação de desbridamento.

Por vezes, a drenagem percutânea prolongada elimina a necrose infectada e evita uma operação.

A necrose estéril do pâncreas é tratada clinicamente Inibidores de proteases, antagonistas de citocinas, glucagon e
outras tentativas terapêuticas.

O uso de anticorpos policlonais anti-FNT parece diminuir a inflamação pancreática, assim como as complicações
sistêmicas.

 Tratamento cirúrgico

A PA é uma doença que evolui de forma benigna em 80% dos casos, necessitando apenas de tratamento clínico. Nos
outros 20%, cursa gravemente.

A operação, nesses casos, fica indicada em pacientes com necrose infectada e outras complicações cirúrgicas, mas
não em pacientes com necrose estéril e estabilidade do quadro clínico.

Quando a doença é de origem biliar, o tratamento clínico inicial é eficaz em 90% dos casos. A sintomatologia
regride em 3 a 5 dias. A colecistectomia, preferencialmente por via laparoscópica, deve ser efetuada durante a
mesma internação.

Na PA biliar grave, ou que não melhora nas primeiras 48 h de tratamento clínico intensivo, a colangiografia
endoscópica retrógrada, com papilotomia e remoção de cálculo(s) do colédoco, é a melhor opção terapêutica.
Para a coledocolitíase e colangite, a papilotomia endoscópica sempre será a melhor opção. A colecistite aguda
associada à PA pode representar indicação para colecistectomia acelerada.

Quando a icterícia ocorre como manifestação de colangite exige papilotomia endoscópica imediata.

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Há poucas indicações para cirurgia precoce na necrose asséptica: perfuração intestinal e síndrome
compartimental.

Após várias semanas, quando a resposta inflamatória peripancreática cede, transforma-se em uma necrose
encapsulada (walled-off necrosis), contendo líquido e tecidos desvitalizados, o paciente sintomático poderá ser
tratado por uma variedade de métodos, tais como cirurgia, inclusive laparoscópica, endoscópica e, por vezes,
percutânea e endoscópica.

Por outro lado, a necrose infectada exige tratamento cirúrgico, embora casos desse tipo tenham sido manuseados,
com sucesso, por drenagem percutânea e, mesmo, desbridamento endoscópico transgástrico, e, naturalmente,
antibioticoterapia. Estes dois procedimentos são recentes e alguns os advogam como satisfatórios e menos
agressivos. Os melhores resultados são obtidos com a retirada de tecidos necróticos e da limpeza do exsudato
retroperitoneal e do material purulento colecionado.

O médico deve saber que a mortalidade associada à exploração cirúrgica aberta em paciente séptico e à IMO é
muito alta.

Tratamento intervencionista pode ser também aconselhável para aliviar compressões de veias do sistema porta,
ou compressões sobre o tubo digestivo, causando obstrução.

Infartos intestinais constituem outra indicação cirúrgica.

Importante ressaltar que o tratamento desses doentes é multidisciplinar, envolve clínico, intensivista, cirurgião,
radiologista, exigindo atenção constante. Deve-se ter em mente que a evolução da PA é imprevisível.

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