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Doenças gastrintestinais

APRESENTAÇÃO

Nesta Unidade de Aprendizagem estudaremos algumas doenças do trato gastrintestinal (TGI).


Estas doenças podem limitar-se ao TGI, como a esofagite por refluxo e a úlcera péptica, ou
podem ser uma manifestação de um distúrbio sistêmico, como a doença intestinal inflamatória.
As doenças do TGI podem ser obstrutivas parciais ou obstrutivas completas. O agravamento das
obstruções pode levar à perfuração, infarto e sangramento, hipotensão, choque, sepse e morte. A
gravidade dos sintomas depende da extensão da obstrução, do grau de comprometimento do
fluxo sanguíneo na região acometida e do estadiamento da doença.

Bons estudos.

Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

• Identificar os distúrbios gerais que acometem o trato gastrintestinal, como os distúrbios de


motilidade, secreção, digestão e absorção.
• Reconhecer as doenças relacionadas ao esôfago, estômago, intestino delgado e intestino
grosso.
• Comparar as manifestações clínicas da gastrite, da úlcera gástrica perfurante e da úlcera
intestinal.

DESAFIO

Leia o seguinte caso clínico e responda às questões.

Mulher de 59 anos, ao ser atendida na Emergência relata dor intensa na porção superior do
abdome. Relata dor estomacal sentida há meses, mas no dia de hoje, após o almoço, sentiu uma
dor perfurante que se espalhou para o quadrante abdominal esquerdo. Vomitou um conteúdo
escuro, como borra de café, depois de ter ficado enjoada a tarde toda. No momento sente dor no
ombro esquerdo e no abdome. No exame físico da paciente foram observados defesa muscular
das partes superior e anterolateral da parede abdominal, sons intestinais hipoativos e epigástrio e
hipocôndrio esquerdo hipersensíveis à palpação. O exame de raio x indicou pneumoperitônio
sob a cúpula do diafragma esquerdo.

Para responder às questões, você terá de fazer uma pesquisa a partir dos dados do caso clínico
apresentado.

a) Qual a relação entre estes três fatores: defesa muscular observada no exame físico,
pneumoperitônio e vômito em borra de café?

b) A paciente foi submetida ao exame de endoscopia, mas suponha que você não teve acesso ao
laudo. Com base nos dados relatados e na pesquisa que você realizou, a paciente apresenta
gastrite, úlcera duodenal ou úlcera gástrica perfurante? Justifique sua resposta.

INFOGRÁFICO

O Infográfico mostra as principais doenças relacionadas ao trato gastrintestinal.

CONTEÚDO DO LIVRO

O trato gastrointestinal é responsável pelo processamento, digestão e absorção dos alimentos.


Além disso, serve como barreira protetora contra os microorganismos patogênicos presentes
no meio ambiente. O equilíbrio desse sistema permite que tenhamos os nutrientes necessários
para a manutenção do organismo e que possamos nos defender dos agentes invasores e
causadores de doenças infecciosas.

No capítulo Doenças Gastrintestinais da obra Genética e Patologia, você vai conhecer quais são
os principais distúrbios do trato gastrintestinal que afetam as funções de motilidade, secreção,
digestão e absorção. Também aprenderá sobre algumas doenças que afetam o esôfago, o
estômago, o intestino delgado e grosso e entenderá como ocorre a formação da gastrite, da
úlcera gástrica perfurante e da úlcera duodenal.

Boa leitura.
GENÉTICA E
PATOLOGIA

Laura Silveira Ayres


Doenças gastrintestinais
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„ Identificar os distúrbios gerais que acometem o trato gastrintestinal,


como os distúrbios de motilidade, secreção, digestão e absorção.
„ Reconhecer as doenças relacionadas ao esôfago, estômago, intestino
delgado e intestino grosso.
„ Comparar as manifestações clínicas da gastrite, da úlcera gástrica
perfurante e da úlcera intestinal.

Introdução
Com o intuito de suprir as necessidades materiais e energéticas do orga-
nismo, os alimentos necessitam ser ingeridos, processados e degradados
através da digestão para, posteriormente, serem absorvidos pelo intes-
tino. Ao longo de todo o trato gastrintestinal (TGI), existem mecanismos
específicos para a digestão e absorção de cada categoria de nutriente.
A interligação das funções dos diversos órgãos constituintes do sistema
permite que a absorção ocorra de maneira adequada. Qualquer etapa
desse processo que possa estar prejudicada por alguma doença pode
afetar significativamente a nutrição e a homeostase do organismo.
Neste capítulo, você aprenderá a identificar os distúrbios gerais do TGI,
como as situações que prejudicam a motilidade, a secreção, a digestão
e a absorção. Também conhecerá as doenças que afetam o esôfago, o
estômago, o intestino delgado e o intestino grosso. Por fim, será capaz
comparar as formas de apresentação da gastrite, da úlcera gástrica per-
furante e da úlcera intestinal.

1 Distúrbios gerais do trato gastrintestinal


As doenças do sistema gastrintestinal (TGI) podem se manifestar por meio
de sintomas como: dor abdominal ou torácica, alteração na ingestão de ali-
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mentos (náusea, vômitos, disfagia, odinofagia ou anorexia), alterações nos


movimentos intestinais (diarreia ou constipação) e sangramentos no TGI.
Os distúrbios gastrintestinais podem estar limitados ao TGI ou podem se
tornar uma doença sistêmica com foco primário gastrintestinal (por exemplo,
deficiências vitamínicas por má absorção). As doenças gastrintestinais agudas
podem ser complicadas pela desidratação, pelo desenvolvimento de sepse e
pelos sangramentos.
A desidratação pode se originar de uma alteração sutil na ingesta ou na
absorção hídrica, pois o volume de líquidos que atravessam o TGI diariamente
é muito grande. A sepse com foco gastrintestinal ocorre em situações que
provocam um rompimento na barreira protetora contra patógenos ambientais
como, por exemplo, as bactérias da flora intestinal, que atingem a corrente
circulatória, podem infectar outros órgãos, bem como provocar uma reação
inflamatória sistêmica. Já os sangramentos do TGI são de difícil manejo por
ser uma área muito irrigada e que impõe dificuldades à compressão do local
de hemorragia. Outra possível complicação é a desnutrição provocada pela
dificuldade de absorção dos nutrientes, gerando uma diminuição na imunidade
(HAMMER; MCPHEE, 2016).

Distúrbios de motilidade
A motilidade do TGI é uma função essencial baseada na contração da muscu-
latura lisa, que está sob controle do sistema nervoso e do sistema endócrino.
Os distúrbios da motilidade, portanto, podem envolver lesões na musculatura
lisa, na enervação, distúrbios endócrinos ou a combinação destes. Podemos
observar uma lesão muscular nos casos de estenose esofágica por ingestão
de agentes cáusticos ou por refluxo de ácido do estômago. Um exemplo de
lesão neural é a acalasia esofágica (alteração hipertônica, com ausência de
relaxamento da musculatura). Os distúrbios de motilidade esofágica costumam
causar disfagia e odinofagia. Outro caso de problema neural é a doença de
Hirchsprung, caracterizada por uma ausência de neurônios mioentéricos no
colo distal, causada por um defeito na migração das células nervosas a partir
da crista neural durante a gestação. Essa doença é descoberta já no início da
vida e pode causar constipação grave (HAMMER; MCPHEE, 2016).
Quanto à motilidade do estômago, exemplos de problemas observados são
a gastroparesia, que é uma possível complicação decorrente do diabetes melito,
e a dismotilidade, observada após cirurgias gástricas e também causada pela
vagotomia. A vagotomia é uma cirurgia de transecção do nervo vago, que
impede a secreção de ácido induzida por essa inervação e também diminui
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a motilidade do estômago. Atualmente, essa cirurgia é utilizada para o tra-


tamento da síndrome de Zollinger-Ellison (hipersecreção de ácido e úlcera
péptica gerados por um tumor secretor de gastrina). Outro distúrbio que afeta
a motilidade é a estenose hipertrófica do piloro, em que há um estreitamento
da via de saída do estômago pelo piloro, que pode ter uma causa congênita
ou por hipertrofia muscular. Seu tratamento é cirúrgico.
Alguns sintomas que podem ser observados nos distúrbios da motilidade
gástrica são a obstrução parcial da via de saída ou o esvaziamento muito
rápido do estômago para o duodeno, gerando desvios de líquido (síndrome de
dumping). Outros sintomas são: sensação de distensão do estômago, náusea,
aumento da saciedade e vômitos. Para contornar a obstrução parcial da saída,
pode ser realizada a piloroplastia (cirurgia de secção das fibras do piloro),
visando reduzir a força do piloro e facilitar a passagem do alimento para o
duodeno. Em casos de diabetes melito com neuropatia intrínseca, pode haver
retardo no esvaziamento gástrico, náusea, vômitos e constipação (HAMMER;
MCPHEE, 2016).
Já no intestino delgado e no colo, um exemplo de distúrbio que afeta a
motilidade é a síndrome do intestino irritável. Os sintomas são episódios de
dor abdominal, estufamento e diarreia alternada com constipação. Os pacientes
não apresentam doença orgânica detectável nem anormalidades estruturais.
Essa patologia não tem causa conhecida, mas foi observada a presença de
componente emocional associado (HAMMER; MCPHEE, 2016).

Distúrbios de secreção
Os problemas que afetam a secreção do TGI estão associados à produção de
ácido, muco e fator intrínseco pela mucosa gástrica, à produção de enzimas
e bicarbonato pelo pâncreas, à produção de bile pelo fígado e à produção
de água e eletrólitos pelo intestino delgado. Uma complicação comum é a
úlcera péptica, originada tanto pelo excesso da produção de ácido quanto pela
diminuição na produção de muco protetor.
As úlceras são regiões de erosão na mucosa. As úlceras geradas por ácido
podem ocorrer no estômago ou nas porções iniciais do intestino delgado. A
lesão mais difusa por ácido, que não chega a formar uma úlcera, pode ocorrer
desde o esôfago até o duodeno. No intestino delgado e colo, observa-se pro-
blemas de secreção como causadores de diarreias e constipações (HAMMER;
MCPHEE, 2016).
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Distúrbios de digestão e absorção


A digestão e a absorção ocorrem ao longo de todo o TGI, porém, seu principal
foco está nos intestinos delgado e grosso. Os órgãos acessórios, como pâncreas
e fígado, têm um importante papel, e suas patologias influenciam diretamente
esses processos.
Os casos mais comuns de doenças de digestão e absorção são as doenças
inflamatórias intestinais. Elas compreendem um grupo de doenças autoimunes
crônicas que provocam a má absorção e consequentes manifestações sistêmicas.
São exemplos, a doença de Crohn, que é transmural, e a colite ulcerativa, que
ocorre na mucosa superficial (HAMMER; MCPHEE, 2016). Os problemas de
digestão e absorção também podem ter causas infecciosas ou se manifestarem
como consequência de intoxicações alimentares.

2 Doenças relacionadas a esôfago, estômago e


intestinos delgado e grosso
A maioria dos nutrientes presentes na dieta é composta por macromoléculas
que não apresentam a capacidade de atravessar as membranas celulares. Os
alimentos podem ser de forma líquida, mas, em sua maioria, são compostos
por materiais sólidos. As funções do TGI, portanto, envolvem a redução física
das partículas de alimento para que sejam quimicamente alteradas ao ponto
em que possam ser absorvidas pela mucosa gastrointestinal. Além disso, por
estar exposto de modo direto ao meio externo, o TGI necessita de um sistema
imune muito bem desenvolvido e capaz de diferenciar o próprio do que é
estranho, bem como tolerar os alimentos e as bactérias da flora intestinal
normal (RAFF; LEVITZKY, 2012). As doenças do sistema digestório, em
geral, causam mais desconfortos do que riscos à saúde; entretanto, quando
agravadas, podem afetar o organismo como um todo.

Doenças do esôfago e estômago


Os distúrbios mais comumente observados no esôfago estão relacionados à
sua motilidade, podendo ocorrer a hipermotilidade, a hipomotilidade, ou a
contração desordenada, e também a perda dos mecanismos protetores do refluxo
gastresofágico. Algumas patologias comuns do esôfago estão descritas a seguir.
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Hipermotilidade

A hipermotilidade pode ser causada por um aumento da sensibilidade aos


neurotransmissores excitatórios (acetilcolina) da musculatura esofágica, a
hormônios (como a gastrina) ou por uma diminuição da sensibilidade aos
neurônios inibitórios (como o peptídeo vasoativo intestinal). Outra possível
causa é o aumento na atividade dos neurônios excitatórios ou a diminuição
da atividade dos neurônios inibitórios.

Acalasia — Redução no número de neurônios inibitórios intramurais, que


ocasiona um aumento na pressão do esfíncter esofágico inferior, com retar-
damento e diminuição da intensidade do relaxamento receptivo para que o
alimento passe ao estômago. Em consequência, a pressão no esfíncter fica
maior que no estômago, e os alimentos se acumulam no esôfago, aumentando a
pressão e, algumas vezes, dilatando a parede do esôfago. A peristalse também
fica interrompida. Os sintomas observados são a disfagia, regurgitação de
alimentos e dor na região retroesternal. Possíveis complicações graves dessa
doença são a esofagite e a pneumonia por aspiração de conteúdos esofágicos
(SILBERNAGL; LANG, 2016). Sua causa, em geral, é idiopática, mas pode
ser associada à doença de Chagas. Para o diagnóstico, são requisitados exames
como a manometria esofágica (sonda que avalia a contração durante ingestão
de pequenos volumes de líquido), a esofagografia baritada (EDA – deglutição
de bário) e a esofagografia. Para confirmação da doença, pode ser utilizada a
manometria. Outro exame importante é a esofagografia, que auxilia a deter-
minação do grau de dilatação do esôfago. Já a EDA é utilizada para descartar
a possibilidade de outras doenças (por exemplo, neoplasia da cárdia). Outro
exame adicional essencial é a sorologia para a doença de Chagas (FOCHE-
SATTO FILHO; BARROS, 2013).
O tratamento pode ser feito com nitratos e bloqueadores de canal de cálcio
sublinguais, mas essas medicações provocam cefaleia e hipotensão. Também
pode ser feita a injeção por endoscopia de toxina botulínica no esfíncter esofá-
gico inferior. Contudo, é necessário repetir a aplicação a cada 3-6 meses. Outras
opções são a dilatação pneumática por endoscopia e a miotomia de Heller
(secção do esfíncter esofágico inferior), que são as técnicas mais utilizadas,
com alívio dos sintomas por 5-10 anos, mas não são capazes de recuperar o
peristaltismo do esôfago (FOCHESATTO FILHO; BARROS, 2013).

Espasmo esofágico difuso — Distúrbio caracterizado por contrações eso-


fágicas de longa duração (>2,5 s), apresentando uma grande amplitude (>
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120 mmHg), que aparecem entremeadas por contrações normais. Pode estar
associado a distúrbios musculares e nervosos. Sua causa, geralmente, envolve
estímulos como o refluxo do ácido estomacal, a ingestão de alimentos com
temperatura muito alta ou muito baixa, o estresse, além de poder ser desenca-
deado por estímulos olfativos. Os principais sintomas observados são cólicas
esofágicas (dores fortes e intermitentes) e disfagia para alimentos sólidos e
líquidos. O diagnóstico diferencial envolve a angina cardíaca. O exame mais
indicado para o seu diagnóstico é a manometria esofágica. O tratamento envolve
a adoção de medidas comportamentais, a redução do estresse psicológico
e a psicoterapia. Podem ser utilizadas de forma adjuvante as medicações
para o relaxamento da musculatura lisa (isossorbida ou nifedipina) e alguns
antidepressivos tricíclicos, conforme cada caso (FOCHESATTO FILHO;
BARROS, 2013).

Esôfago em quebra-nozes — Peristalse normal, mas com contrações de


amplitude muito alta (>180 mmHg), principalmente, no terço final do esôfago.
A contração das camadas musculares longitudinal e circular fica assincrônica.
Alguns pacientes apresentam dor torácica, mas nem todos apresentam sintomas.
O diagnóstico pode ser ocasional em casos de estenose péptica, neoplasia,
anéis, membranas ou divertículos. Os exames realizados são o raio X com
contraste e a EDA. O tratamento principal envolve medicações para depressão
e ansiedade (FOCHESATTO FILHO; BARROS, 2013).

Hipomotilidade

A hipomotilidade é originada por fatores opostos à hipermotilidade. Ao con-


trário do exemplo anterior, nesses casos, há diminuição da pressão no esfíncter
esofágico inferior, ocasionando o refluxo gastresofágico.

Esclerodermia — Doença autoimune com reflexo na musculatura esofágica,


gerando diminuição na atividade dos neurônios motores e posterior atrofia
muscular. Como resultado, a peristalse na porção distal do esôfago cessa
(SILBERNAGL; LANG, 2016). Os sintomas mais comuns para a doença são a
pirose (queimação) e a regurgitação. Pode haver também disfagia progressiva
para sólidos e líquidos. Seu tratamento envolve o uso de medidas de suporte
e o controle da dieta para evitar que ocorra refluxo gastresofágico.
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Doença do refluxo gastresofágico

É originada por condições que diminuem a pressão do esfíncter esofágico


inferior, por situações de aumento da frequência da abertura transitória do
esfíncter (deglutição de ar, bebidas gaseificadas), alterações na peristalse
esofágica distal, diminuição no tamponamento do pH ácido por redução na
produção de saliva ou alterações no pH salivar (pelo fumo, por exemplo), hérnia
de hiato (passagem da parte abdominal do esôfago para o tórax, prejudicando
o fechamento do esfíncter pelo aumento da pressão abdominal) e irritações
diretas da mucosa do esôfago (frutas cítricas, temperos fortes e medicamentos
anti-inflamatórios não esteroides). O refluxo gastresofágico crônico pode gerar
a metaplasia epitelial no esôfago, que é uma situação pré-cancerosa, que pode
evoluir para o câncer (SILBERNAGL; LANG, 2016).

Anéis, membranas ou divertículos

São estruturas que obstruem parcial ou totalmente o esôfago. Sua prevalência


é de, aproximadamente, 15% da população. Não costumam apresentar sinto-
mas, mas pode ocorrer disfagia eventual com alimentos sólidos. A membrana
esofágica pode ser formada de maneira conjunta à anemia ferropriva, que
ocorre em casos da síndrome de Plummer-Vinson. Os divertículos são defi-
nidos como evaginações na parede esofágica. Alguns sintomas observados
são a regurgitação e a halitose. O tratamento mais indicado para o caso das
membranas é a sua dilatação e ruptura com o uso de um balão por endoscopia.
Para os anéis, esse tratamento não é indicado por não apresentar resultados
satisfatórios. Para os divertículos, pode ser utilizada a miotomia realizada por
endoscopia ou por cirurgia aberta (FOCHESATTO FILHO; BARROS, 2013).

Câncer de esôfago

Os tipos mais comuns de neoplasias de esôfago são o carcinoma epidermoide


e o adenocarcinoma. Os pacientes costumam apresentar emagrecimento im-
portante (> 10 kg) e disfagia que piora rapidamente, em um período inferior a
um ano, tanto para sólidos quanto para líquidos em casos mais graves. Outros
sintomas são a dor torácica, a odinofagia e a anemia. No adenocarcinoma de
cárdia, alguns casos apresentam pseudoacalasia e infiltração tumoral no plexo
mioentérico, que afeta a inervação. O tratamento recomendado é a cirurgia,
associada à radioterapia e à quimioterapia, que podem variar de acordo com
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o estágio da neoplasia e o tipo de tumor (FOCHESATTO FILHO; BARROS,


2013).
Os distúrbios do estômago afetam, principalmente, a sua atividade secre-
tora, com alterações na secreção de ácido, gerando a doença acidopéptica e a
diminuição na secreção de fator intrínseco, afetando a absorção de vitamina
B12 e causando a anemia perniciosa. No que se refere à motilidade, o principal
distúrbio gástrico é a gastroparesia (HAMMER; MCPHEE, 2016).

Doença acidopéptica

Os principais sintomas são dor torácica ou abdominal crônica e leve persistente


ou em queimação. Pode ser assintomática, inicialmente, e somente apresentar
sintomas quando gerar uma úlcera. As principais causas são o aumento na
produção de ácido ou a diminuição das defesas da mucosa. A bactéria He-
licobacter pylori está envolvida, muitas vezes, nas doenças acidopépticas.
A infecção por H. pylori causa uma alteração na transdução de sinais nas
células mucosas e imunes, aumentando a produção de ácido e diminuindo as
defesas da mucosa gástrica. Esse microrganismo é muito prevalente, presente
em mais da metade da população mundial. Até 90% dos pacientes infectados
apresentam gastrite, apesar de assintomática em muitos casos. Outros fatores
como causas genéticas, ambientais e tabagismo estão envolvidos na fisiopa-
tologia da doença. O tratamento nem sempre é capaz de erradicar a bactéria
H. pylori, pois existem diferentes cepas, com produção distinta de toxinas
(HAMMER; MCPHEE, 2016).

Gastroparesia

É caracterizada pelo retardo no esvaziamento gástrico, que gera náusea,


empachamento, vômitos e constipação ou diarreia. Em casos assintomáticos,
pode gerar desequilíbrios metabólicos, como desequilíbrios na glicemia em
pacientes diabéticos. É uma patologia muito comum em pacientes diabéticos
com a doença mal controlada, em que há neuropatia autonômica (HAMMER;
MCPHEE, 2016).
Os distúrbios na motilidade gástrica podem causar obstrução parcial ou
completa do piloro e esvaziamento gástrico muito rápido, como resultado de
interferências nos mecanismos de controle da motilidade. Além do diabetes
melito, cirurgias que envolvam a parede do estômago ou a inervação vagal
também podem afetar a motilidade gástrica. O esvaziamento gástrico abrupto
leva grandes porções de bolo alimentar para o duodeno, que não consegue
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processar esse material adequadamente, gerando má absorção e diarreia, a


chamada síndrome de dumping. Outra possível causa de alteração na motilidade
gástrica é o uso do antibiótico eritromicina, que é reconhecido pelo receptor
de motilina. Para evitar esse problema, podem ser utilizados os análogos de
eritromicina em pacientes com queixas gástricas (HAMMER; MCPHEE, 2016).
Possíveis complicações decorrentes da gastroparesia são a retenção do
bolo alimentar no estômago, gerando um crescimento bacteriano excessivo
que pode causar má absorção e diarreia, além do mau controle da glicemia,
náuseas e vômitos. O tratamento pode ser feito com antagonistas da serotonina
ou com agentes procinéticos (HAMMER; MCPHEE, 2016).

Doenças dos intestinos delgado e grosso


As doenças mais comuns que acometem o intestino delgado e o colo são a
diarreia, a constipação, a doença inflamatória intestinal e a doença diverticular.
A diarreia e a constipação são sintomas presentes em uma série de doenças de
base, que incluem distúrbios de motilidade, secreção, digestão e absorção. Sua
origem pode não ser intestinal, tendo como causa alguma alteração estomacal,
do pâncreas ou do trato biliar. As doenças inflamatórias intestinais são condi-
ções autoimunes crônicas, que causam má absorção e acometimento sistêmico.
A doença diverticular, ou diverticulite, ocorre no colo por alterações motoras.
Outra alteração motora está presente na síndrome do intestino irritável, que
ainda não é bem compreendida e causa diarreia alternada com constipação na
ausência de outras doenças de base (HAMMER; MCPHEE, 2016).

Diarreia

É definida como a eliminação de fezes não moldadas ou líquidas com maior


frequência que o normal. Para adultos, um peso de fezes >200 g/dia já é con-
siderado diarreia. Ela pode ser aguda (menos de duas semanas de duração),
persistente (2 a 4 semanas) ou crônica (mais de quatro semanas) (LONGO;
FAUCI, 2015).
É importante fazer o diagnóstico diferencial entre a diarreia e a pseudo-
diarreia, que é a eliminação frequente de pequenos volumes de fezes que
vem acompanhada de urgência retal e pode ser sintoma de proctite. Também
devemos diferenciar a incontinência fecal, que é uma eliminação involuntária
do conteúdo retal causada por distúrbios neuromusculares ou problemas
estruturais anorretais (LONGO; FAUCI, 2015).
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Diarreia aguda — Mais de 90% dos casos são causados por agentes infecciosos
acompanhados por vômitos, febre e dor abdominal. Os restantes são causados
por medicamentos, intoxicações, isquemias e outras patologias. As diarreias
infecciosas podem ser transmitidas pela via fecal-oral ou pela ingestão de
alimentos ou água contaminados. Em indivíduos imunocompetentes, a flora
bacteriana normal raramente é causadora de diarreias, inclusive serve como
barreira protetora, auxiliando a proteção contra microrganismos invasores.
O uso de antibióticos pode causar diarreia pela geração de um desequilíbrio
na flora bacteriana normal, permitindo que agentes patogênicos se multipli-
quem. Outras medicações que podem causar diarreia são os antiarrítmicos,
anti-hipertensivos, anti-inflamatórios não esteroides, alguns antidepressivos,
quimioterápicos, broncodilatadores, antiácidos e laxativos (LONGO; FAUCI,
2015).
Outras situações causadoras de diarreia aguda, associada a outros sinto-
mas sistêmicos, são intoxicações por inseticidas organofosforados, Amanita
e outros cogumelos, arsênico, toxinas ambientais e de frutos do mar, bem
como na reação anafilática aguda a determinados alimentos. As indicações
para avaliação da diarreia aguda são: diarreia profusa com desidratação, fezes
sanguinolentas, febre maior que 38,5°C, com duração maior que 48 horas sem
melhora, uso recente de antibióticos, surtos comunitários, dor abdominal grave
em maiores de 50 anos de idade e pacientes imunocomprometidos.
Em casos suspeitos de diarreia aguda infecciosa grave, pode-se realizar o
exame microbiológico das fezes e, em diarreias persistentes não caracterizadas,
sigmoidoscopia, colonoscopia ou tomografia computadorizada abdominal
para excluir doença inflamatória intestinal, colite isquêmica ou obstrução
intestinal parcial (LONGO; FAUCI, 2015). O tratamento é feito com reposição
hidroeletrolítica e, possivelmente, com agentes antissecretores e antimotilidade.
Esses medicamentos devem ser evitados em casos acompanhados de febre,
pois podem prorrogar a infecção. O uso criterioso de antibióticos pode ser
útil em situações específicas (LONGO; FAUCI, 2015).

Diarreia crônica — A maioria dos casos de diarreia crônica não tem origem
infecciosa. Se a duração for maior que quatro semanas, é indicado avaliar para
excluir patologias graves. As causas da diarreia crônica podem ser divididas
conforme descrito a seguir (LONGO; FAUCI, 2015).

„ Secretoras: distúrbios no transporte hidroeletrolítico através da mucosa.


Fezes aquosas de grande volume e indolores, permanecendo a diarreia
mesmo em jejum. As principais origens são efeitos colaterais de me-
Doenças gastrintestinais 11

dicamentos, uso de laxativos, uso frequente de etanol, lesionando as


células da mucosa intestinal, toxinas ambientais e algumas infecções
bacterianas persistentes. Outras possíveis causas de diarreia secretora
são ressecções intestinais, doenças da mucosa ou fístulas enterocólicas,
que prejudicam a superfície de absorção, impedindo a reabsorção de
eletrólitos e, consequentemente, dos líquidos.
„ Osmóticas: situações em que solutos ingeridos que sejam osmoticamente
ativos não conseguem ser absorvidos, atraindo líquido para o lúmen
intestinal. São exemplos os laxativos osmóticos e a má absorção de
carboidratos, como na deficiência de lactase, que dificulta a digestão
da lactose, atraindo água para o lúmen.
„ Causas esteatorreicas: má absorção de lipídeos induzindo fezes gor-
durosas, de odor fétido e que geram emagrecimento e deficiências
nutricionais por má absorção de aminoácidos e vitaminas.
„ Causas inflamatórias: geralmente, são acompanhadas de febre, san-
gramentos e outros sintomas de inflamação. Podem estar associadas
a doenças inflamatórias intestinais idiopáticas, a imunodeficiências, à
gastroenterite eosinofílica, à enterocolite por irradiação, à doença do
enxerto versus hospedeiro crônica, entre outras.
„ Dismotilidade: pode estar associada à ingestão de alguns fármacos; a
neuromiopatias viscerais ou à pseudo-obstrução intestinal idiopática,
que geram estase com aumento da proliferação bacteriana e consequente
diarreia; à diarreia diabética por neuropatia; e à síndrome do intestino
irritável.

O tratamento da diarreia crônica dependerá da sua causa original. Quando


a causa puder ser eliminada, o tratamento será curativo. Em alguns casos, ela
pode ser atenuada com alguns cuidados específicos, como evitar a ingestão
de lactose para os intolerantes à lactose (LONGO; FAUCI, 2015).

Constipação

É definida como a defecação difícil, infrequente ou, aparentemente, incompleta


de forma persistente. Em geral, é causada por baixa ingestão de fibras ou de
líquidos, mas também pode ter como causa os distúrbios neurogastrente-
rológicos, alguns fármacos, idade avançada e algumas doenças sistêmicas
que afetam a função intestinal (Quadro 1). A constipação pode ser agravada
pela hospitalização ou por doenças que levem à inatividade física (LONGO;
FAUCI, 2015).
12 Doenças gastrintestinais

Quadro 1. Causas de constipação em adultos

Tipos e causas Exemplos

Início recente

„  Obstrução do cólon „  Neoplasia, estenose, isquêmica,


diverticular, inflamatória

„  Espasmo de esfíncter anal „  Fissura anal, hemorroidas dolorosas

„  Medicações

Crônicas

„  Síndrome do intestino irritável „  Constipação predominante ou


alternada com diarreia

„  Medicações „  Bloqueadores do Ca2+,


antidepressivos

„  Pseudo-obstrução colônica „  Constipação por trânsito lento,


megacólon (raro, nas doenças de
Hirchsprung e Chagas)

„  Distúrbios da evacuação retal „  Disfunção do assoalho pélvico,


síndrome do períneo descendente,
prolapso da mucosa retal, retocele

„  Endocrinopatias „  Hipertireoidismo, hipercalcemia,


gravidez

„  Distúrbios psiquiátricos „  Depressão, transtornos alimentares

„  Doenças neurológicas „  Parkinson, esclerose múltipla, lesão


da medula espinhal

„  Doenças musculares „  Esclerose sistêmica progressiva

Fonte: Adaptado de Longo e Fauci (2015).

O tratamento da constipação envolve laxativos, osmóticos, procinéticos,


secretores e estimulantes, como fibras, psilium, leite de magnésia, lactulose,
polietilenoglicol, lubiprostona e bisacodil. Para situações de megacólon e
megarreto, o tratamento é cirúrgico. Pacientes com problemas de hipomotili-
dade podem realizar exercícios de treinamento do assoalho pélvico (LONGO;
FAUCI, 2015).
Doenças gastrintestinais 13

Doença inflamatória intestinal

A diferenciação das doenças infecciosas é feita por exclusão, com diarreias


sanguinolentas e mucopurulentas, na ausência de culturas positivas e de
resposta aos antibióticos. Pode haver remissões temporárias espontâneas,
podendo dificultar e retardar o diagnóstico (HAMMER; MCPHEE, 2016).
A causa da doença inflamatória intestinal é desconhecida, mas são doenças
autoimunes que podem se manifestar de duas maneiras: doença de Crohn e
colite ulcerativa.

Doença de Crohn — Afeta a região transmural e tem características granu-


lomatosas, podendo ocorrer ao longo de todo o TGI. Ocorre mais frequen-
temente no íleo distal. Apresenta áreas de ulceração e inflamação em toda a
espessura da parede intestinal. Pode haver perfuração, formação de fístulas,
abscessos e obstruções. Também pode haver sangramento e enteropatia com
perda de proteínas. Esses pacientes apresentam aumento na incidência de
câncer intestinal. Podem manifestar sintomas fora do TGI, como artrite,
eritema nodoso, uveíte, irite, formação de úlceras aftosas na boca, colangite
esclerosante e hepatite crônica autoimune. Além disso, têm maior incidência
de nefrolítíase, amiloidose e tromboembolismo. Frequentemente, apresentam
desnutrição (HAMMER; MCPHEE, 2016).

Colite ulcerativa — Superficial e limitada à mucosa do cólon. Pode apre-


sentar sintomas semelhantes à doença de Crohn, contudo, por afetar somente
a mucosa, não apresenta perfuração ou formação de fístulas. A maioria dos
casos é leve. Entretanto, o risco de adenocarcinoma de cólon é aumentado, e a
doença crônica pode levar a dano nas camadas musculares, causando dilatações
e megacólon. A lesão e ulceração crônicas podem ocasionar a formação de
pseudopólipos de tecido de granulação (HAMMER; MCPHEE, 2016).
O tratamento para as doenças inflamatórias intestinais é feito com anti-
-inflamatórios como a sulfassalazina e os glicocorticoides. Também podem
ser utilizados anticorpos monoclonais contra a citocina inflamatória TNF, mas
esse tratamento somente é reservado para os casos graves devido aos efeitos
colaterais e à potencial complicação de infecções graves. As cirurgias ficam
reservadas para casos de obstruções e hemorragias (HAMMER; MCPHEE,
2016).
14 Doenças gastrintestinais

Doença diverticular (diverticulite)

É caracterizada por uma deformidade adquirida da mucosa intestinal, que


forma hérnias atingindo a camada muscular (divertículos). Estudos sugerem
que a dieta rica em alimentos refinados e pobre em fibras, bem como a ten-
dência à constipação são fatores de risco para o seu desenvolvimento (Figura
1) (HAMMER; MCPHEE, 2016).

Figura 1. Fatores de risco para o desenvolvimento de doença diverticular e corte transversal


do cólon, com as principais áreas de desenvolvimento de divertículos, entre as tênias
mesentérica e antimesentérica.
Fonte: Hammer e McPhee (2016, p. 377).
Doenças gastrintestinais 15

Os divertículos são uma fonte de sangramento por rompimento em 3–5%


dos pacientes. Esse sangramento costuma ser indolor, e o diagnóstico dife-
rencial deve ser feito com as hemorroidas internas e a angiodisplasia (vasos
dilatados na mucosa, com maior incidência em idosos). Já a diverticulite é um
processo inflamatório nos divertículos em resposta à irritação por material
fecal. Os sintomas são dor abdominal e febre, podendo evoluir para a formação
de um abscesso, com ou sem perfuração. Os sintomas são semelhantes aos
da apendicite aguda. O abscesso pode formar uma fístula e gerar obstrução
intestinal. Dentre os casos de diverticulite, 15–20% necessitam de cirurgia
(HAMMER; MCPHEE, 2016).

3 Manifestações clínicas de gastrite, úlcera


gástrica perfurante e úlcera intestinal
As doenças acidopépticas geram sintomas como dor na região do tórax ou do
abdômen, que pode ser leve e persistente com característica de queimação em
função da erosão na mucosa gástrica, que pode ser superficial ou profunda.
A complicação mais comum é o sangramento do TGI, que gera hematêmese
(vômito com sangue) ou melena (sangue nas fezes). Pode ocorrer também a
perfuração e a infecção, resultando em intensas dores abdominais. Em alguns
casos, a doença acidopéptica pode evoluir de forma silenciosa, sem apresentar
dor até que chegue em estágios muito avançados e críticos (HAMMER;
MCPHEE, 2016).

Gastrite
A gastrite (inflamação da mucosa gástrica) pode ser dividida conforme descrito
a seguir (SILBERNAGL; LANG, 2016).

Gastrite erosiva e hemorrágica — Pode ter várias causas, entre elas:

„ anti-inflamatórios não esteroides (AINEs);


„ isquemia (diminuição da circulação local, que diminui a produção de
muco protetor, composto por 95% de água, fosfolipídios e glicoproteínas);
„ estresse (causado por falência múltipla de órgãos, queimaduras, cirur-
gias, traumas no sistema nervoso central — nesse caso, a gastrite é
causada em parte pela isquemia);
„ abuso de álcool ou ingestão de produtos químicos corrosivos;
16 Doenças gastrintestinais

„ trauma (deglutição de corpo estranho, ânsia e vômitos, radiação).

Em casos de danos mais graves, como em grandes ingestões de AINEs,


pode causar uma úlcera aguda rapidamente, com risco de perfuração e san-
gramento (SILBERNAGL; LANG, 2016).

Gastrite crônica ativa, não erosiva — De modo geral, fica restrita ao antro.
Sua principal causa é a colonização por Helicobacter pylori e pode ser tratada
com o uso de antibióticos. Essa infecção bacteriana produz uma diminuição
na proteção da mucosa ao mesmo tempo em que estimula a liberação de
gastrina, aumentando a secreção de suco gástrico na região do fundo gás-
trico, permitindo que evolua para uma úlcera crônica, caso não seja tratada
(SILBERNAGL; LANG, 2016).

O diagnóstico de Helicobacter pylori em laboratório pode ser feito de três maneiras,


elencadas a seguir.
„  Teste sorológico: detecta a presença de anticorpos IgG anti-H. pylori. Todavia, não
indica infecção ativa, pois os títulos de anticorpos caem lentamente após a infecção.
„  Teste da atividade da urease: utiliza ureia com carbono marcado. Pode ser marcada
com carbono 14 (radioativo) ou carbono 13 (não radioativo). Para esse teste, o
paciente ingere a ureia marcada e, se a bactéria estiver presente, ela converterá a
ureia marcada em amônia e CO2 marcado. Após 30 minutos, o CO2 marcado pode
ser quantificado no ar expirado em um balão de coleta. A vantagem desse teste
é que ele detecta a infecção ativa e se torna negativo assim que a infecção for
erradicada, possuindo alta sensibilidade (90%) e especificidade (96%).
„  Pesquisa de antígenos de H. pylori nas fezes: detecta a presença dos antígenos
por reação imunoenzimática uma semana após a interrupção do tratamento
com inibidores da bomba de prótons. É útil para o teste na população pediátrica
(FOCHESATTO FILHO; BARROS, 2013).

Gastrite atrófica (glândulas fúndicas) — Geralmente, limita-se à região do


fundo gástrico. É causada pela presença de autoanticorpos no plasma e no suco
gástrico. Esses autoanticorpos são dirigidos contra partes e produtos das glân-
dulas parietais (lipoproteínas microssomais, receptores de gastrina, anidrase
carbônica, H+-K+-ATPase e fator intrínseco [FI]). Observa-se uma atrofia das
Doenças gastrintestinais 17

células parietais e grande redução na produção de HCl– e FI (acloridria). Além


disso, os anticorpos dirigidos contra o FI impedem a sua ligação à vitamina
B12 e a sua captação junto ao FI na mucosa ileal. Como resultado, ocorre
a anemia perniciosa, por deficiência de vitamina B12. Consequentemente,
as células produtoras de gastrina se hipertrofiam e geram hiperplasia das
células enterocromafins, que possuem receptores para gastrina e produzem
histamina. As células enterocromafins hipertrofiadas podem se transformar
em um carcinoide. As demais células da mucosa também podem sofrer uma
metaplasia, que é uma alteração pré-cancerosa, podendo evoluir para um
carcinoma de estômago (SILBERNAGL; LANG, 2016).

Gastrite reativa — Ocorre na mucosa ao redor de regiões com gastrite erosiva,


úlceras ou feridas operatórias. Em casos pós-cirúrgicos que envolvem cirurgias
do antro ou piloro, pode ser causada por refluxo enterogástrico. Nesses casos
(gastrite de refluxo), a mucosa do estômago é lesionada por enzimas pancre-
áticas, intestinais e sais biliares (SILBERNAGL; LANG, 2016). Em pacientes
imunossuprimidos, a gastrite também pode ser causada por microrganismos
como Mycobacterium tuberculosis, citomegalovírus, herpesvírus ou por fungos
(por exemplo, Candida albicans) (SILBERNAGL; LANG, 2016).

Úlcera gástrica perfurante


A principal diferença entre a gastrite erosiva e a úlcera é a profundidade da
lesão, uma vez que as úlceras gástricas penetram através da mucosa. A cratera
formada pela úlcera costuma ser envolta por uma região de mucosa inflamada,
sugerindo que a gastrite predispõe à formação da úlcera. Uma hipótese para
a formação de úlceras gástricas é de que ocorra uma diminuição nas defesas
da mucosa, pois as concentrações de ácido e pepsina é normal ou até baixa
nesses pacientes. Demonstrou-se também uma contribuição dos defeitos da
motilidade em seu mecanismo de formação. Um dos motivos é que o conteúdo
do duodeno pode refluir para o estômago através de um piloro com baixo
tônus muscular. Como consequência, os ácidos biliares irritam a mucosa e
diminuem a barreira de muco que protege do ácido e da pepsina. Outro motivo
é o retardo no esvaziamento gástrico que, através da manutenção do bolo
alimentar por mais tempo no estômago, gera uma maior produção de ácido e
gastrina (HAMMER; MCPHEE, 2016).
Outro mecanismo para a formação da úlcera gástrica é a redução no fluxo
sanguíneo que ocorre na isquemia da mucosa. As prostaglandinas estimulam
a produção de bicarbonato e muco ao mesmo tempo em que aumentam o fluxo
18 Doenças gastrintestinais

sanguíneo local, bem como a renovação e reparo das células da mucosa. A


ingestão de AINEs diminui a produção de prostaglandinas, predispondo ao
desenvolvimento de gastrite e úlcera gástrica. A associação de fatores de risco
como a ingestão de AINEs, o fumo, o estresse psicológico e a infecção por
H. pylori gera o cenário ideal para o dano à mucosa gástrica. Dessa forma, a
gastrite pode predispor à formação de úlcera pela diminuição da barreira de
muco e bicarbonato formada pelas células epiteliais e pela redução na produção
de prostaglandinas, que também diminuem a produção de ácido (Figura 2)
(HAMMER; MCPHEE, 2016).

Figura 2. Fatores de risco para a formação de úlcera gástrica, como a infecção por H. pylori,
o aumento na secreção de suco gástrico, a diminuição na liberação de bicarbonato e a
redução no fluxo sanguíneo e na renovação celular.
Fonte: Silbernagl e Lang (2016, p. 157).

O tratamento da úlcera inclui a suspensão dos agentes causadores, como AI-


NEs, cigarro e álcool, combinada à terapia com agentes antissecretórios, como
inibidores de H2 (cimetidina, ranitidina, famotidina) e inibidores da bomba de
prótons (omeprazol, pantoprazol, lanzoprazol, esomeprazol, rabeprazol). Outro
fator essencial é a erradicação de H. pylori, que é feita pelo tratamento com
inibidor da bomba de prótons, combinado à amoxicilina e à claritromicina.
Em casos de úlceras resistentes ao tratamento, pode-se recorrer à cirurgia,
mas somente como último recurso (FOCHESATTO FILHO; BARROS, 2013).
Doenças gastrintestinais 19

Úlcera intestinal
As úlceras intestinais são mais comuns no duodeno, ocorrendo com maior
frequência em sua porção inicial (95%). Em torno de 90% dos casos, elas
ocorrem em até 3 cm de distância do piloro. Seu tamanho pode variar de < 1
cm (mais frequentes) a até 6 cm de diâmetro (úlcera gigante) (Figura 3). A base
da úlcera costuma ser formada por uma área de necrose eosinofílica circundada
por fibrose. A probabilidade de malignização das úlceras duodenais é muito
baixa. Na maioria dos casos, elas são geradas por H. pylori ou por lesão pelo
uso de AINEs (LONGO; FAUCI, 2015).

Figura 3. Imagem de endoscopia mostrando (a) úlcera duodenal benigna e (b) úlcera
gástrica benigna.
Fonte: Longo e Fauci (2015, p. 107).

O mecanismo da formação das úlceras duodenais após infecção por H.


pylori baseia-se no fato dessa infecção aumentar a secreção de gastrina, que
aumenta a secreção de ácido e de pepsinogênio, expondo o epitélio duodenal a
uma maior carga química. Esse dano epitelial gera a metaplasia, que favorece a
implantação de H. pylori no local, o que provoca uma duodenite, aumentando
a metaplasia e gerando um círculo vicioso. Quanto à ingestão de AINEs, seu
efeito analgésico baseia-se no bloqueio da enzima ciclooxigenase, que estimula
a síntese de prostaglandinas. Com a redução na produção de prostaglandinas,
há uma diminuição na síntese de bicarbonato pelo epitélio gástrico e duodenal,
20 Doenças gastrintestinais

ao mesmo tempo em que diminui o bloqueio à produção de ácido. Então, é


produzido mais ácido, que atinge uma mucosa menos protegida. A ingestão
dessas medicações pode gerar uma úlcera aguda em apenas alguns dias ou
semanas. Além disso, o seu efeito inibitório sobre a agregação plaquetária
aumenta o risco de sangramento das úlceras (SILBERNAGL; LANG, 2016).
A terapia para os casos de úlceras duodenais induzidas pelo uso de AINEs
envolve a suspensão do medicamento e, caso isso não seja possível devido à
doença que motivou o seu uso, podem ser utilizados medicamentos bloqueado-
res de H2 e inibidores da bomba de prótons. Somente os inibidores da bomba
de prótons já são capazes de induzir a cicatrização da lesão. A prevenção
da formação das úlceras é sempre recomendável previamente ao tratamento
com AINEs, incluindo a escolha de AINEs menos lesivos combinada ao uso
de bloqueadores de H2 ou inibidores da bomba de prótons (LONGO; FAUCI,
2015). Para os casos de H. pylori, sua erradicação é feita utilizando o mesmo
tratamento citado para úlceras gástricas (FOCHESATTO FILHO; BARROS,
2013). Para os casos muito resistentes ao tratamento, podem ser realizadas
cirurgias com o intuito de reduzir a secreção de ácido pelo estômago, que
incluem as vagotomias e a antrectomia (LONGO; FAUCI, 2015).

FOCHESATTO FILHO, L.; BARROS, E. (org.). Medicina interna na prática clínica. Porto
Alegre: Artmed, 2013.
HAMMER, G. D.; MCPHEE, S. J. Fisiopatologia da doença: uma introdução à medicina
clínica. 7. ed. Porto Alegre: AMGH, 2016.
LONGO, D. L.; FAUCI, A. S. Gastrenterologia e hepatologia de Harrison. 2. ed. Porto Alegre:
AMGH, 2015.
RAFF, H.; LEVITZKY, M. Fisiologia médica: uma abordagem integrada. Porto Alegre:
AMGH, 2012.
SILBERNAGL, S.; LANG, F. Fisiopatologia: texto e atlas. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2016.
DICA DO PROFESSOR

O vídeo descreve as doenças relacionadas ao trato gastrintestinal, como doenças inflamatórias e


ácido-pépticas.

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EXERCÍCIOS

1) Nem todas as doenças gastrintestinais apresentam dificuldade na deglutição,


deglutição dolorosa ou falta de apetite. Indique a alternativa que apresenta os termos
clínicos relacionados, respectivamente, a cada sintoma mencionado.

A) Odinofagia, disfagia e anorexia.

B) Disfagia, odinofagia e anorexia.

C) Bulimia, disdiadococinesia e acinesia.

D) Anosmia, dislalia e bulimia.

E) Estes sintomas não têm nome específico que os defina.

2) As alterações da motilidade do trato gastrintestinal estão relacionadas ao controle


neural ou ao controle hormonal da musculatura lisa. Indique a alternativa
relacionada aos distúrbios do controle neural:

A) Doença de Hirschsprung.

B) Colelitíase.
C) Uso de nitroglicerina sublingual.

D) Doença ácido-péptica.

E) Bactéria Helicobacter pylori.

3) Quais são as duas formas de doença intestinal inflamatória crônica?

A) Azotemia e colite ulcerativa.

B) Síndrome geral de adaptação e azotemia.

C) Doença de Crohn e colite ulcerativa.

D) Doença de Raynaud e Doença de Crohn .

E) Doença de Addison e colite ulcerativa.

4) Indique a alternativa correta sobre os distúrbios gastrintestinais:

A) Algumas doenças sistêmicas, como a doença da glândula suprarrenal, podem causar


manifestações clínicas no trato gastrintestinal.

B) O refluxo esofágico não tem relação com o desenvolvimento de pneumonia.

C) A úlcera gástrica é um quadro mais leve e menos intenso do que a gastrite.

D) O estado pós-operatório que gera a gastroparesia é uma condição crônica.


E) A dor nos ossos não tem relação com a má absorção em distúrbios do intestino delgado.

5) Quais são as estruturas relacionadas diretamente com os distúrbios da motilidade


gastrintestinal?

A) Plexo mioentérico e vilosidades intestinais.

B) Musculatura lisa e plexo mioentérico.

C) Serosa e camada submucosa.

D) Lâmina própria e vilosidades intestinais.

E) Mesotélio e lâmina própria.

NA PRÁTICA

As doenças gastrintestinais apresentam sintomas comuns a muitos distúrbios. A partir da


imagem que segue você visualiza o quanto se faz importante ficar atento aos sintomas que o
organismo apresenta, pois podemos agravar certas doenças que inicialmente teriam uma
resolução fácil.
SAIBA MAIS

Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do
professor:

CHEN, M.Y. Radiologia básica

HANKIN, M.H.; MORSE, D.E.; BENNETT-CLARKE, C.A. Anatomia clínica: uma


abordagem por estudos de casos

LONGO, LD; FAUCI, AS. Gastrenterologia e hepatologia de Harrison

SILVERTHORN, DU. Fisiologia Humana: Uma Abordagem Integrada

Anatomia e fisiologia da dor abdominal

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