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1.

Revisar a fisiologia do intestino grosso e delgado


O sistema digestório humano possui um trato gastrointestinal (TGI) e glândulas anexas.
O TGI consiste na cavidade oral, faringe, esôfago, intestino delgado, intestino grosso ou
cólon e ânus.
Figura 1 – Sistema digestório

Intestino delgado
- Intestino delgado de um adulto tem aproximadamente 5 a 6 m de comprimento
- Entre as vilosidades está situada as glândulas intestinais, ou criptas de Lieberkühn
- As células caliciformes (Goblet) em toda a mucosa intestinal secretam grandes
quantidades de muco
- Rápida divisão celular da base (secreção) para as vilosidades (absortivas) – ciclos de
48hs a 72hs
- Válvula ileocecal normalmente fechado evitando refluxo do conteúdo cecal
- Apresenta como funções:
 Mistura com secreções duodenais, otimizando a digestão
 Contato do quimo com mucosa intestinal, otimizando a absorção dos nutrientes
 Propulsão do quimo em direção ao cólon

Intestino grosso
- Intestino grosso é um tubo muscular de 1,5 m de comprimento e 6,5 cm de diâmetro
- Mucosa não possui vilosidades (apenas criptas) e não produz enzimas digestivas
- Células absortivas que absorvem predominantemente água e eletrólitos
- Células caliciformes produtoras de muco revestem as criptas glandulares
- Tempo de renovação das células na mucosa do cólon é de 3 a 8 dias
- Apresenta como funções:
 Mistura, amassamento e lubrificação
 Excreção das fezes (defecação)
- O enchimento do lúmen irá provocar a distensão e consequente ativação de
mecanorreceptores e, por fim, ativação da via neural entérica
Figura 2 – Intestino delgado e Intestino grosso

O movimento propulsivo do TGI é o peristaltismo, resultado de uma propriedade


inerente a qualquer tubo de músculo liso que, como o intestino, é um sincício funcional
As células enterocromafins do intestino liberam serotonina (5HT):

 reflexos intestinais (neurônios entéricos)


 reflexos no SNC (nervo vagal)
Figura 3 – Estímulo elétrico do TGI

- Mais de 90% 5HT é produzido no TGI


- A liberação por estimulação mecânica (bolo alimentar) e química (quimioterápicos,
toxinas, agonistas adrenérgicos, colinérgicos e purinérgicos) irá estimular neurônios
intrínsecos no plexo mioentérico via receptores 5HT1p e 5HT4 (aumenta peristaltismo
intestinal), além de estimular neurônios vagais extrínsecos e espinhais sensoriais via
receptor 5HT3 (aumenta contração músculos abdominais: vômito)

2. Etiologia, epidemiologia, fisiopatologia, manifestação clínica, diagnóstico e


tratamento da DII
A Doença de Crohn (DC) é descrita como uma doença da subcategoria das doenças
inflamatórias intestinais (DII), é uma doença inflamatória crônica progressiva intestinal
de origem não conhecida, caracterizada pelo acometimento focal, assimétrico e
transmural de qualquer porção do tubo digestivo, da boca ao ânus. Apresenta-se sob três
formas principais: inflamatória, fistulosa e fibroestenosante. Os segmentos do tubo
digestivo mais acometidos são íleo, cólon e região perianal.

Etiologia
Os estudos sobre a etiologia e patogenia desta doença têm sido até à data pouco
conclusivos, tendo sido descobertos fatores que podem contribuir para o seu
aparecimento, nomeadamente, algumas das espécies de bactérias, (Pseudomonas e
Micobactérias atípicas) ou vírus. Outros estudos têm demonstrado o compromisso do
estado imunológico dos pacientes com DC mediado por células.
O início da resposta imune se inicia pelas células Th1 que são responsáveis pela
ativação da resposta imune, onde foram encontradas em grande quantidade em
portadores da DC.
Outro fator também aceito é o fator genético, a partir da a identificação de
polimorfimorfismo que estão associados ao desenvolvimento da DC e este
polimorfismo e uma alteração da sequência do DNA.
Outro fator também conhecido é o fator infectante, os agentes mais frequentemente
encontrados na gênese da doença de Cohn são os vírus, dentre eles os rotavírus, o vírus
de Epstein-Barr e alguns RNA vírus citopáticos. Bactérias semelhantes a
Pseudomonas,Mycobacterium Kansaii e Yersina também foram questionada como uma
das causas da doença.

Epidemiologia
Não é uma doença contagiosa e pode afetar tanto adultos como crianças, não havendo
predominância de sexo. É uma doença muito comum entre os Judeus, mas sua
incidência tem crescido entre outros grupos étnicos, especialmente nos grandes centros
urbanos.

Fisiopatologia
Ainda que sua etiologia seja desconhecida alguns fatores são comumente aceitos, um
deles é o fator imunológico. O início da resposta imune se inicia pelas células Th1 que
são responsáveis pela ativação da resposta imune e sua concentração se apresenta
elevada nos pacientes com DC. Esse padrão de resposta imunológica é responsável pela
formação de lesões granulomatosas, que são lesões características da doença. Além
disso, foram encontradas também as citocinas IL-12,TNFα e IFN-γ, que estão
associadas as lesões crônicas da doença. As lesões mais agudas apresentam r níveis de
IL-4 aumentados e de IFN-γ diminuídos. Mesmo as células Th1 sendo consideradas as
ativadoras das respostas imunes, as IL-18 têm-se mostrado como potenciais citocinas
pleiotrópica capazes de mediar tanto as respostas Th1 como as Th2, reforçando assim a
divergência dos padrões de citocinas na patogênese da DC.
Figura 4 – Aspectos anatomopatológicos da DC
A – morfologia macroscópica com cólon de aspecto de “pedra em calçamento”
- Macroscopicamente o intestino apresenta aparência espessa e edemaciada como
consequência do edema, inflamação, fibrose e hipertrofia da muscular própria. O lúmen
se apresenta estreitado com delimitação nítida dos segmentos intestinais afetados em
relação ao segmento não afetado. Outra característica é o aspecto de “pedra de
calçamento” oriundo da tumefação nodular, fibrose e ulceração na mucosa, além da
presença de fissuras delgadas entre as pregas da mucosa
B – morfologia microscópica com granuloma (dentro do círculo vermelho)
- Histologicamente são visualizadas inflamação com infiltrado neutrofílico na camada
epitelial e no interior das criptas, abscessos, danos crônicos na mucosa vistos através da
distorção da arquitetura, atrofia e metaplasia. São observadas úlceras profundas
semelhantes a fissuras e hilianização vascular. Estão presentes agregados linfóides
nodulares transmurais, acompanhados por alterações proliferativas da mucosa, podendo
em alguns casos estar presente granulomas na camada submucosa

O músculo liso responde a mediadores inflamatórios produzindo e secretando vários


mediadores pro e anti-inflamatórios. Diferentes estímulos têm padrões diferentes de
resposta, podendo aumentar ou diminuir a atividade contrátil. O sistema nervoso
entérico reage ao processo inflamatório.
No segmento do tubo digestivo inflamado, não há progressão dos movimentos
peristálticos. Cerca de 50% dos neurônios aferentes apresentam potenciais de ação
espontâneos, sem estímulo de distensão da parede. Apesar dessa hiperexcitabilidade, os
movimentos são descoordenados, havendo uma redução do trânsito intestinal. Isso pode
explicar as alterações de motilidade gastrointestinal encontradas em pacientes com DII
que não estão na fase aguda.
Figura 5 - Motilidade gastrointestinal no processo inflamatório
Manifestação clínica
A DC apresenta características muito heterogéneas sendo um desafio a sua
classificação, face aos diversos aspetos clínicos, genéticos e moleculares. Assim, a fim
de uniformizar a avaliação desta doença, em 2005, foi pela primeira vez proposta uma
classificação, a Classificação de Montreal.
Tabela 1 – Classificação de Montreal da DC

As manifestações clínicas da DC são extremamente variáveis e estão relacionadas com a


localização anatómica e a gravidade da inflamação. Assim, a DC está subdividida em
subcategorias, cujas denominações estão relacionadas consoante a área.
Tabela 2 - Subcategorias da DC e respetivas áreas afetadas
As características clínicas da doença são várias mas a sintomatologia clássica na DC são
a dor abdominal, diarreia e febre. Outros sintomas, também são muito distintivos.
Tabela 3 - Sinais e sintomas da DC

Diagnóstico
O diagnóstico da DC é um processo extremamente complexo, que se inicia pela
anamnese, que inclui toda a sintomatologia, gravidade e duração da doença. Uma vez
que não existe um exame auxiliar de diagnóstico, recorre-se a um conjunto de métodos
para complementar a avaliação clínica: desde os exames endoscópicos, histológicos,
radiológicos e bioquímicos.
Mais de 6 semanas de diarreia é o critério sugerido como prazo útil para diferenciação
com diarreia aguda infecciosa.
Clinicamente o grau de atividade da doença pode ser avaliado através dos parâmetros de
Harvey-Bradshaw (IHB), utilizado no Protocolo Clinico e Diretrizes terapêuticas da
Doença de Crohn e pela Crohn’s disease Activity Index (CDAI). Valores totais
inferiores ou iguais a 150 são associados à doença quiescente ou em remissão. Valores
acima de 150 são indicativos de doença ativa e acima de 450 como doença grave.
Tabela 4 - Índice de atividade da doença de Crohn

Os exames laboratoriais são úteis nos casos atípicos ou para diferenciação de outras
doenças intestinais, e incluem hemograma completo para avaliação de leucocitose e
anemia; velocidade de hemossedimentação e proteína C reativa como marcadores de
inflamação.
Os exames endoscópicos são importantes pois confirmam a suspeita diagnóstica e
avaliam a extensão da doença, além de ser utilizado para a obtenção de amostras
histológicas.
Raio-x contrastado: oferece uma visão morfológica do intestino, o bário passa pelo
interior do intestino delgado.
Figura 6 - Raio-x contrastado

A – enterite, espessamento, pregueamento da mucosa e segmentação da coluna de


contraste
B – Íleo com forma de “pedras de calçamento” e fibrose levando a estenose da região
terminal
C – Fístula jejuno-cólica com vazamento de contraste para a cavidade abdominal

Tomografia computadorizada: indicada na fase aguda da DC, permitindo verificar


anormalidades na parede do intestino como úlceras, fistulas, espessamentos, estenoses e
abscessos. Também possibilita o planejamento pré-operatório e o direcionamento de
punções.
Figura 7 – Tomografia Computadorizada

A – Dilatação do estômago (seta superior) e dilatação do duodeno (seta inferior)


B – Estenose duodenal
C – Presença de fístula

Tratamento
O objetivo do tratamento na DC é conseguir a remissão e controlo dos sintomas,
prevenção e tratamento de complicações. Nesta patologia o tratamento não é muito
específico mas baseia-se, essencialmente, num tratamento médico, sendo a cirurgia
reservada para complicações, com o intuito de melhorar a qualidade de vida do
paciente.
O tratamento da DC é definido segundo a localização da doença, o grau de atividade e
as complicações. As opções são individualizadas de acordo com a resposta sintomática
e a tolerância ao tratamento.
O tratamento da DC é complexo, exigindo habilidades clínicas e cirúrgicas em algumas
situações. O tratamento clínico é feito com aminossalicilatos, corticosteroides,
antibióticos e imunossupressores e objetiva indução da remissão clínica, melhora da
qualidade de vida e, após, manutenção da remissão. O tratamento cirúrgico é necessário
para tratar obstruções, complicações supurativas e doença refratária ao tratamento
medicamentoso.
Tabela 4 - Tratamento convencional da DC e respetivos mecanismos de ação
Aminossalicilatos
- Muito usado no tratamento da DC, leve a moderada, têm um papel mais limitado em
casos de recidiva aguda.
- O mecanismo de ação é muito semelhante aos AINE´s, ou seja, inibem as enzimas
COX-1 e COX-2, inibindo assim a síntese de prostaglandinas inflamatórias. Inibem,
também, a produção de citoquinas, ao bloquear o recetor NF-kB, responsável pela
transcrição genética nuclear de genes envolvidos na resposta inflamatória.

Corticosteroides
- São fármacos úteis nas crises agudas da DC, mas não são eficazes no tratamento de
manutenção e nem no tratamento de fístulas.
- Os corticoides devem ser usados na indução da remissão da DC e não no tratamento de
manutenção
- São potentes anti-inflamatórios e imunossupressores, principalmente porque
restringem a proliferação clonal das células Th através da diminuição da transcrição do
gene para IL2.

Agentes imunomodeladores
- São o pilar do tratamento a longo prazo da DC
- Sendo úteis em pacientes onde as doses de corticóides não podem ser reduzidas ou
descontinuadas.
- Os medicamentos mais usuais são a azatioprina, 6-mercaptopurina e o metotrexato.
- A azatioprina é um composto que interfere na síntese de purinas e ácidos nucléicos,
possui efeito antiproliferativo sobre os linfócitos T ativados e pode causar linfopenia.
Em pacientes com quadros recorrentes pode haver uma falta de resposta clinica inicial
pela variabilidade individual no metabolismo do fármaco por diferenças na atividade da
enzima tiopurina-metiltransferase.
- O metotrexato é um antagonista do ácido fólico que atua como inibidor da
dihidrofolato redutase, bloqueando a sintese de DNA. É utilizado em pacientes com a
forma moderada a grave da DC intolerantes à AZA e 6- MP e corticodependentes.

Recomendações
A maioria dos doentes, quando entra em remissão, leva uma vida praticamente normal,
ainda que as causas da doença de Cohn não sejam conhecidas, no entanto, sabe-se que
algumas medidas simples podem ajudar a prevenir as crises. São elas:
 Controlar o peso;
 Seguir uma dieta balanceada;
 Identificar os alimentos que te fazem mal e reduzir a ingestão de alimentos de origem
animal e ricos em fibra;
 Praticar atividades físicas moderadas;
 Beber muita água;
 Não fumar;
 Não ficar grandes períodos sem comer;
 Ingerir alimentos que contenham muito ferro e vitaminas;
 Conferir o aspecto das fezes sempre que utilizar o banheiro.
 Evitar, na medida do possível, as situações de estresse.

3. Analisar os fatores de risco da DII


É uma doença multifatorial.
Alguns fatores estão associados ao surgimento da doença e uma maior incidência dentro
de núcleos familiares (10 a 25%) indica importância dos fatores genéticos.
Outros fatores tais como o contato com antígenos (vírus e bactérias), fatores ambientais
(estilo de vida, tabagismo, hábitos alimentares) e emocionais podem representar algum
nível de importância em sua apresentação.
- Alimentação e dieta
Os produtos alimentares, juntamente com a microbiota, são considerados os antigénios
luminais mais comuns que poderão conduzir a uma eventual inflamação intestinal. Os
mecanismos, que poderão estar envolvidos são o efeito antigénico direto, alteração na
expressão dos genes, modulação dos mediadores inflamatórios, alterações na
composição da flora entérica ou alterações na permeabilidade do intestino.
A suplementação vitamínica, especialmente de folato, vitaminas B6 e B12 pode ser
necessária em pacientes com DC, bem como a complementação de minerais e
elementos traços para repor certos défices ou para manutenção, devido à má digestão,
má absorção, interações entre fármacos e nutrientes ou até mesmo em casos em que o
paciente não consegue seguir uma dieta completa.
- Tabagismo
Clinicamente, o fumo contribui para o aumento do risco de desenvolvimento de fístulas
e estenoses, e consequentemente, para a eventual necessidade de recorrer à cirurgia,
muito provavelmente devido a um aumento do influxo de neutrófilos na mucosa
intestinal.
Associado a estes efeitos, pode estar uma supressão da atividade anti-microbiana,
induzida pela nicotina do tabaco e a supressão das respostas imunes desencadeadas
pelos macrófagos, o que compromete as respostas do organismo quando em contacto
com possíveis bactérias luminais. Outros compostos do fumo do tabaco, como produtos
químicos oxidantes, têm efeitos pró-trombóticos e alteram a micro-vasculatura intestinal
conduzindo a eventuais isquemias.
- AINEs
Os AINEs, anti-inflamatórios não esteróides, são fármacos capazes de induzir a
inflamação da mucosa gastrointestinal, e por isso têm sido sugeridos como potenciais
responsáveis pela exacerbação da doença.

Referências
ALMEIDA, Saulo Santiago. CORRELAÇÃO ENTRE DOENÇA
INFLAMATÓRIA INTESTINAL E DOENÇA DO REFLUXO
GASTROESOFÁGICO – REVISÃO DE LITERATURA. UNIVERSIDADE
FEDERAL DO CEARÁ. PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA
SAÚDE. Sobral, 2019.
BRASIL. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas. Doença de Crohn. Portaria
SAS/MS nº 966, de 2 de outubro de 2014.
FABI, João Paulo. FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS DO TRATO
GASTROINTESTINAL: INTESTINO. DEPARTAMENTO DE ALIMENTOS E
NUTRIÇÃO EXPERIMENTAL. FACULDADE DE CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS
DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. São Paulo, 2020.
JÚNIOR, Sérgio Carmo Romano et al. DOENÇA DE CROHN, DIAGNÓSTICO E
TRATAMENTO. Atas de Ciências da Saúde, São Paulo, Vol.4, N°.4, pág. 31-50,
OUT-DEZ, 2016.
RODRIGUES, Daniela de Oliveira. FISIOPATOLOGIA DA DOENÇA DO CROHN. CENTRO
UNIVERSITÁRIO DAS FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS. Disponível em:
<https://conic-semesp.org.br/anais/files/2016/trabalho-1000022105.pdf>.
SANTOS, Sandra Margarida Rodrigues. Doença de Crohn: Etiopatogenia, aspetos
clínicos, diagnóstico e tratamento. Universidade Fernando. Pessoa Faculdade Ciências
da Saúde. Porto, 2013.

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