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Medicina UFPel – Patologia Especial

Aula 2 – Doenças inflamatórias intestinais


Definições e características
O termo compreende duas doenças com características distintas mas com muitos aspectos em comum:
• Doença de Crohn
• Colite Ulcerativa (retocolite ulcerativa)

A doença inflamatória intestinal possui períodos de remissão e outros de exacerbação. São desordens crônicas
recidivantes de origem desconhecida.

Essas condições são resultantes de complexas interações entre microbiota intestinal, resposta imunológica em
indivíduos com predisposição genética e uma resposta imune inapropriada na mucosa. Ou seja, possuem
alguns elementos conhecidos, mas ainda muitos outros que ainda não estão esclarecidos.

A diferenciação entre essas duas doenças se faz baseada na distribuição do local afetado e aspectos
morfológicos. Dificilmente é possível fazer a diferenciação nas primeiras biopsias. A medida que as doenças se
desenvolvem e vão adquirindo aspectos morfológicos distintos, é que é possível categorizar o tipo de doença
inflamatória intestinal.

Epidemiologia
• Mais frequentes em mulheres
• Ocorre tipicamente em adolescentes e início da terceira década de vida (adultos jovens), mas pode
ocorrer em qualquer época da vida.
• Tem um segundo pico de incidência em torno da sexta/sétima década de vida
• É mais comum nos EUA, norte da Europa e Austrália.
• Tem ocorrido uma elevação significativa da incidência na América do Sul, África e Ásia.

Teorias que tendem a justificar a elevação da incidência


• Teoria da higiene: sugere que o aumento da incidência está relacionado as melhores condições de
armazenamento, diminuição de contaminação e alteração consequente da flora intestinal, com um
desenvolvimento inadequado dos processos regulatórios que limitam a resposta imunológica da
mucosa
• Hipótese da ação de conservantes e constituintes de alimentos processados: esses aditivos levam a
lesão inflamatória de baixo grau da mucosa, que predispõe a DII

Patogenia
• Suscetibilidade genética
o Chance 3-20x maior de desenvolvimento em parentes de 1º grau
o 15% dos portadores possuem parentes de 1º grau afetados
o 75% das famílias acometidas apresentam concordância no tipo de doença

Manoella Becker Jaccottet


• Falhas na regulação imune
o Não se sabe de a resposta imunológica é contra os autoantígenos do epitélio intestinal ou
contra antígenos bacterianos
• Defeitos epiteliais na mucosa
• Microflora intestinal
o Os sítios afetados são ricos em bactérias
o Em camundongos livres de germes a doença não se desenvolve

A inflamação é a via final comum da patogenia da DII (IBD), causando uma diminuição da integridade da
barreira mucosa e perda da função de absorção das células epiteliais.

Doença de Crohn
• Ileíte regional
• Enterite regional termos em desuso, mas que fazem referência a aspectos importantes da doença
• Enterite granulomatosa

A doença de Crohn pode comprometer qualquer porção do trato gastrointestinal, mas o local mais comum é o
íleo terminal - os locais mais comumente envolvidos na apresentação são o íleo terminal, a válvula ileocecal e o
ceco

Distribuição
• 30 a 35% - lesões restritas ao intestino delgado e comprometem tipicamente a porção terminal do íleo
• 30 a 50% - tanto o intestino delgado como o grosso são afetados, em especial o ceco e o cólon
ascendente, embora qualquer região do intestino grosso possa ser acometida.
• 25 a 35% - lesões localizadas exclusivamente no cólon
A doença de Crohn pode se apresentar em qualquer local do trato alimentar da boca ao ânus. Os outros locais
menos comuns tendem a ser acometidos quando a doença tem uma apresentação mais grave e extensa.

Aspectos da doença
• Inflamação transmural bem delimitada
o Inflamação transmural que se estende por todas as camadas da parede intestinal (mucosa,
submucosa, muscular, subserosa, serosa e tecidos adjacentes – doença inflamatória vertical),
resultando em fissuras, fístulas e abscessos na cavidade abdominal
• Lesões salteadas
o Comprometimento segmentar do trato gastrointestinal (áreas múltiplas, separadas e
nitidamente delineadas da doença), frequentemente multifocal, designado como lesões
salteadas. Essa apresentação é característica da doença de Crohn e pode ajudar na
diferenciação da colite ulcerativa.
• Granulomas não-caseosos (35%)
o Granulomas epitelioides, sem necrose caseosa, são identificados em cerca de metade dos
casos. O tipo de granuloma é chamado de granuloma sarcóide, pois se assemelham aos
granulomas vistos na sarcoidose (sem necrose caseosa). A ausência de granulomas não
caseosos não afasta a doença, mas a presença favorece o diagnóstico.
• Fissuras e fistulas
o Fissuras se desenvolvem frequentemente entre as dobras da mucosa e podem se estender
profundamente para se tornar tratos fistulares ou locais de perfuração
• Gordura trepadeira
o Em casos com doença transmural extensiva, a gordura mesentérica se estende
frequentemente ao redor da superfície serosa (gordura trepadeira)
• Hipertrofia muscular
o A parede intestinal está espessada e elástica como consequência do edema transmural, da
inflamação, da fibrose submucosa e da hipertrofia da muscular própria, os quais contribuem
para a formação da estenose
• Displasia
o Todos os processos inflamatórios de longa evolução agridem cronicamente o epitélio fazendo
com que se desenvolva displasia e determine maior risco para o desenvolvimento de
malignidades
• 5-6x maior risco de desenvolvimento de um carcinoma

Essa doença inicia como úlceras que liberam exsudato inflamatório neutrofílica pra dentro das criptas
intestinais – microabscessos crípticos. A partir daí ocorre a necrose do epitélio e a manifestação de uma úlcera
pequena semelhante às que se observam na cavidade oral, chamadas de úlceras aftosas.

A lesão inicial da doença de Crohn, a úlcera aftosa, pode progredir, e lesões múltiplas frequentemente se
fusionam formando úlceras alongadas e serpentiformes orientadas ao longo do eixo do intestino. Úlceras
sempre orientados ao longo do maior eixo do intestino: úlceras longitudinais

A serosa tem aspecto granular e frequentemente forma aderências que, juntamente com as úlceras profundas,
resultam em fístulas entre alças do intestino delgado, ou entre este e o cólon, a bexiga e a vagina; fístulas
perianais são muito comuns

O processo inflamatório não respeita os limites anatômicos, dessa maneira, pode comprometer a gordura
mesentérica/mesocólica, que se mostra espessada e com uma consistência firme, por conta da fibrose que
acompanha o processo inflamatório crônico. Os tecidos adjacentes aos que desenvolvem fibrose tornam-se
repuxados (contraídos, retraídos) por conta da deposição de colágeno fora do local habitual. A gordura
trepadeira ocorre quando a gordura mesentérica/mesocólica envolve a serosa e o perímetro intestinal, que fica
envolto por tecido adiposo

O espessamento da parede intestinal decorrente da inflamação, forma estenoses, isto é, diminuição da luz
intestinal. A doença evolui com fibrose, que é máxima na submucosa, tornando o segmento comprometido
estreito e rígido em decorrência de inflamação, fibrose e hipertrofia da camada muscular própria. A parede
perde sua elasticidade normal, tornando-se rígida, e com a luz restringida. O sinal da luz intestinal restringida
em exames de imagem é denominado de sinal da corda.

A peristalse é comprometida pela fibrose e inflamação, que levam a perda da elasticidade e mobilidade das
alças intestinais, e em uma tentativa de manter os movimentos peristálticos, ocorre a hipertrofia da camada
muscular.

A metaplasia epitelial, outra consequência da recorrência de injúria crônica, frequentemente toma a forma de
glândulas gástricas aparentemente antrais, e é chamada de metaplasia pseudopilórica. A metaplasia das células
de Paneth (células neuroendócrinas localizadas sobretudo no cólon direito e intestino delgado) também pode
ocorrer no cólon esquerdo, onde as células de Paneth são normalmente ausentes, mesmo nos períodos de
remissão. Essas alterações arquitetônicas e metaplásicas podem persistir mesmo quando a inflamação ativa é
resolvida. A atrofia da mucosa, com perda das criptas, pode ocorrer após anos de doença

Complicações extra-intestinais imunológicas (uveíte, sacroileíte, poliartrite migratória, eritema nodoso,


pericolangite, colangite esclerosante primária). Na maioria das vezes, são doenças de fundo imunológico. Pode
haver manifestações dos granulomas extra-intestinais a nível de linfonodos regionais.

Manifestações clínicas
• Muito variáveis
• Diarréia
o Água não está sendo absorvida
• Febre
• Dor abdominal
o Em decorrência do comprometimento do íleo terminal, tende a acometer o quadrante inferior
do abdome (fossa ilíaca direita)
• Remissão e novo ataque
• Fístulas
• Abscessos abdominais
• Estenose ou obstruções
• Megacólon tóxico
• Carcinoma
A apresentação clínica pode simular um quadro de apendicite, outras vezes perfuração intestinal.

Aspectos clínicos
• Em alguns casos o início da doença está relacionado com a iniciação do fumo
• Interrupção do fumo não leva a remissão da doença
• Quando o tratamento requer intervenções cirúrgicas, há frequentemente recorrência em anastomoses
das alças intestinais.
• Ressecção cirúrgica por restrição de luz
• 40% dos pacientes necessitam de nova intervenção em 10 anos

Úlceras longitudinais serpiginosas, restrição da luz, parede espessada.


As lesões são intercaladas com áreas de mucosa preservada, que mostra hiperplasia de células caliciformes,
hiperprodução de muco e alteração da arquitetura vilositária, conferindo aspecto característico de pedra de
calçada com textura grosseira, na qual o tecido doente é depositado acima do nível da mucosa normal.
Imagens mosntrando espessamento de parede, padrão em pedras de calçamento, ulceras longitudinais
serpinginosas, estenose da parede, diminuição do tamanho da luz intestinal, delimitação das areas de
inflamação (padrão de lesões salteadas), granulomas sarcóides murais, unceras, fistulas, espessamento de
parede, agregados linfocitários envolvendo todas as camadas da parede intestinalç, incluindo o tecido adiposo
adjacente, perda da estrutura das criptas intestinais, desorganização da mucosa...

Colite ulcerativa
• Retocolite ulcerativa
Doença ulcero-inflamatória que afeta o cólon, limitado a mucosa e submucosa. A colite ulcerativa é
intimamente relacionada à doença de Crohn. No entanto, a doença intestinal na colite ulcerativa é limitada ao
cólon e ao reto
Ocorre em qualquer idade, mas é mais comum entre 20 e 40 anos. Homens e mulheres são igualmente
acometidos, embora alguns estudos mostrem discreto predomínio no gênero masculino.

Distribuição
• Macroscopicamente, a colite ulcerativa sempre envolve o reto e se estende proximalmente e de modo
contínuo para envolver parte ou todo o cólon

Aspectos da doença
• É uma doença de acometimento superficial (horizontal)
o Não acomete todas as camadas da parede intestinal, somente mucosa e submucosa
• As lesões iniciais aparecem no reto e no sigmoide, estendendo-se proximalmente de modo contínuo.
o Nos casos graves, pode comprometer todo o cólon (pancolite) e atingir o íleo (refluxo de
material inflamatório para dentro do íleo terminal)
• O reto é sempre acometido
• O espessamento mural não está presente, a luz do intestino é de tamanho normal, a superfície serosa
é normal e as estenoses não ocorrem
• Os granulomas não estão presentes na colite ulcerativa.
• Há pouca fibrose
• As características histológicas da mucosa doente na colite ulcerativa são similares às da doença de
Crohn colônica
o incluem infiltrados inflamatórios, microabscessos crípticos, distorção da arquitetura das criptas
e metaplasia epitelial
• Macroscopicamente, a mucosa colônica envolvida pode estar levemente avermelhada e granular ou ter
úlceras rasas, de base larga, extensas
o Pode haver uma transição abrupta entre o cólon doente e o não envolvido
• As úlceras estão alinhadas junto ao longo eixo do cólon, mas não replicam tipicamente as úlceras
serpentinas da doença de Crohn
• Risco para desenvolvimento de carcinoma
• Ilhas isoladas de mucosa regenerativa
o Frequentemente formam protuberâncias no lúmen para criar pseudopólipos e as pontas
desses pólipos podem se fusionar para criar as pontes mucosas

Nas fazes iniciais as duas doenças podem ser confundidas, contudo, a medida que ocorre a evolução, a
distribuição típica e as características morfológicas permitem a diferenciação entre as duas doenças

Manifestações clínicas
• Diarréia muco-sanguinolenta
o Muco produzido pela mucosa remanescente de aspecto reparativo
o Sanguinolenta por conta das ulcerações
• Cólicas
o Temporariamente aliviadas pela defecação
• Tenesmo
o Espasmo doloroso do esfíncter anal ou vesical com desejo urgente de defecar ou urinar, e com
eliminação de quantidade mínima de fezes ou urina.
• Dor abdominal inferior
• Remissões
• Manifestações extra-abdominais
• Megacólon tóxico (risco de perfuração)
• Distúrbios eletrolíticos
• Hemorragia maciça
o Comumente definida pela perda de uma volemia completa num período inferior a 24h e é a
principal causa de morte em vítimas de trauma.
• Câncer

Aspectos clínicos
• Enterite infecciosa precede o início da doença em alguns casos.
• Em outros casos, o primeiro ataque é precedido por estresse psicológico, o qual pode estar ligado à
recaída durante a remissão.
• O aparecimento inicial dos sintomas também foi relatado como ocorrendo logo após a interrupção do
fumo em alguns pacientes
• Fumo pode aliviar parcialmente os sintomas.
• Estudos da nicotina como agente terapêutico foram decepcionantes
Colite indeterminada
• O diagnóstico definitivo não é possível em aproximadamente 10% dos pacientes com DII.
• Tratamento pode ser efetivo
• Deve-se categorizar sempre que possivel
• Estes casos, chamados de colite indeterminada, não envolvem o intestino delgado e têm doença
colônica em um padrão contínuo que tipicamente indicaria uma colite ulcerativa.
• No entanto, a doença histológica em placas, as fissuras, o histórico familiar de doença de Crohn, as
lesões perianais, o início após o uso de cigarros ou outras características que não são típicas de colite
ulcerativa podem incitar um exame endoscópico, radiográfico e histológico mais detalhado
• Há testes sorológicos que favorecem um ou outro tipo
o Anticorpos antineutrofílicos que favorecem a retocolite ulcerativa, aumentados em 75-80% dos
casos
o Anticorpos para Saccharomyces Cerevisiae que favorece Crohn, porém muitas vezes há
sobreposições.

Risco de Neoplasia
• Inicia com displasia, que podem ser focos não identificados pela endoscopia
• Áreas achatadas de mucosa não identificadas macroscopicamente
• pode ser de alto e baixo grau, focal ou multifocal
• Pacientes com vários episódios tem maior chance de ter carcinomas, e o risco é para todo cólon não
apenas para o local que há displasia, assim sendo necessário uma colectomia.

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