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CASO CLÍNICO C SUBUNIDADE II – DOR ABDOMINAL

Doenças inflamatórias intestinais


As doenças inflamatórias intestinais (DII) incluem duas doenças intestinais crô nicas e idiopá ticas: a doença
de Crohn (DC) e a retocolite ulcerativa (RCU). Nelas, ocorre um distú rbio da regulaçã o da imunidade da mucosa
intestinal, levando ao surgimento de um processo inflamató rio espontâ neo, provavelmente direcionado contra
os germes da microbiota fisioló gica. A RCU é mais incidente e prevalente que a DC, mas ambas possuem dois
picos de incidência: entre 15 e 40 anos (principal) e entre 50 e 80 anos. Além disso, as DII sã o mais frequentes
na populaçã o branca, especialmente na etnia judaica.
OBS: A diferenciaçã o entre RCU e DC é feita por critérios clínicos, radioló gicos, endoscó picos e histoló gicos. Enquanto nã o
é possível classificar o tipo de DII do paciente, diz-se que ele possui colite indeterminada.

Diversos fatores sã o implicados na alteraçã o da resposta imune intestinal. Deles, o principal comprovado é o
fator genético, com uma histó ria familiar positiva aumentando a chance de desenvolvimento das doenças. O gene
NOD2/CARD15 está fortemente associado à DC; outros defeitos genéticos relacionados à s DII incluem
polimorfismos do gene receptor IL-23 e certos tipos de HLA. Associados a eles, certos fatores ambientais podem
induzir a doença em indivíduos predispostos, como:
 Localização  Países setentrionais tem maior incidê ncia de casos (gradiente norte-sul), provavelmente pelo
alto nível socioeconô mico e urbanizaçã o, que trazem novos estilos de vida, alimentaçã o e exposiçã o a
antígenos
 Tabagismo  Enquanto o fumo protege contra RCU, está associado ao desenvolvimento de DC
 Uso de AINEs e ACO  Estã o associados ao aumento de risco de DII e exacerbaçã o de seus sintomas
 Gastroenterites agudas  As infecçõ es enté ricas mais graves podem desregular a imunidade mucosa em
indivíduos predispostos e servir de “estopim” para as doenças
 Apendicectomia  Exerce efeito protetor contra o surgimento da RCU e está associada aos casos de DC,
embora se sugira uma relaçã o nã o causal, sendo a cirurgia feita por diagnó stico errô neo
A) ANATOMOPATOLOGIA
1. RETOCOLITE ULCERATIVA: É uma doença exclusiva da mucosa do cólon, de cará ter tipicamente ascendente,
uniforme e contínua, sem á reas de mucosa normal entremeadas. A extensã o desse comprometimento é variá vel:
em 40-50% dos casos, restringe-se à mucosa retal (proctite) ou atinge ou sigmoide (proctossigmoidite); em 30-
40%, estende-se até a flexura esplênica (colite esquerda); e em 20-30%, vai além da flexura esplênica,
estendendo-se ao có lon transverso (colite extensa) ou até além da flexura hepá tica (pancolite).
OBS: Em alguns pacientes com pancolite, o íleo distal pode sofrer uma inflamaçã o superficial conhecida como ileíte de
refluxo, nã o por lesã o decorrente da RCU, mas como complicaçã o pela passagem de material tó xico do có lon inflamado.
Inicialmente, há o desaparecimento do padrã o vascular típico do có lon, evoluindo, pela inflamaçã o e necrose do
epitélio das criptas (criptite), com hiperemia, edema, mucosa friá vel, erosõ es e ulceraçõ es rasas (até a lâ mina
pró pria) e exsudaçã o de muco, pus ou sangue. A demarcaçã o entre a á rea acometida e saudá vel facilmente vista
na endoscopia. A longo prazo, pseudopó lipos inflamató rios podem surgir sob a forma de projeçõ es
filamentosas, muitas vezes indistinguíveis dos pó lipos adenomatosos.

Nos casos mais graves de RCU, as alteraçõ es podem comprometer, por contiguidade (e nã o açã o direta da
doença), a submucosa e a muscular. Assim, há alteraçõ es da musculatura colô nica, com perda das haustraçõ es e
espessamento da musculatura lisa (aspecto de “cano de chumbo”) ao exame radioló gico. Isso torna a parede
frá gil, aumentando o risco de megacó lon tó xico e perfuraçã o espontâ nea.
ATENÇÃ O! Na RCU de longa duraçã o, pode ocorrer displasia epitelial, que tem forte associaçã o com o
desenvolvimento de neoplasia maligna do có lon como complicaçã o tardia.
O megacó lon tó xico é a complicaçã o mais temida da RCU. Ele ocorre
quando a inflamaçã o compromete a camada muscular, levando à
perda de seu tô nus intrínseco e consequente adelgaçamento da
parede intestinal, o que acarreta a dilataçã o de todo o có lon ou de
segmentos dele (com predominâ ncia no có lon transverso e direito).
Clinicamente, o paciente se apresenta com dor abdominal, diminuiçã o
da peristalse e sinais toxêmicos, como febre alta. O RX mostra
acú mulo intraluminal de gá s, num có lon dilatado, eventualmente com
ar dentro da parede (pneumatose intestinal).
Como resultado do enfraquecimento da parede intestinal, pode
ocorrer perfuração e peritonite séptica. Pela alta morbimortalidade,
todos os pacientes com colite grave devem ser acompanhados para a
detecçã o da condiçã o, que, se presente, deve ser tratada com
urgência.
OBS: Agentes que provocam hipomotilidade (codeína, anticolinérgicos...),
muitas vezes usados para tratar a diarreia da colite, podem precipitar a
condiçã o, devendo ser evitados.
2. DOENÇA DE CROHN: A DC pode acometer qualquer parte do tubo digestivo, desde a boca até o â nus, de
maneira descontínua e focal, com alteraçõ es macroscó picas em diferentes locais ao mesmo tempo, separadas
por trechos de mucosa normal (lesõ es salteadas). Além disso, as alteraçõ es sã o tipicamente transmurais,
seguindo da mucosa à serosa, o que pode resultar em estenoses pelo espessamento da parede intestinal, com
estreitamento do lú men, e fístulas para o mesentério e ó rgã os contíguos, podendo resultar em massas
inflamató rias e abscessos.
A DC geralmente se inicia com a formaçã o de úlceras aftoides, pequenas ulceraçõ es da mucosa que se
desenvolvem sobre as Placas de Peyer, no intestino delgado, ou sobre aglomerados linfoides do có lon, que
podem se estender lateralmente de forma linear e retilínea e se aprofundar pelas camadas. Quando vá rias
dessas ú lceras se encontram, elas passam a separar á reas de mucosa normal, num aspecto de “pedras de
calçamento”.

A porçã o distal do íleo e o có lon ascendente sã o os mais comprometidos (ileocolite, presente em 70-75% dos
casos), mas outros padrõ es sã o reconhecidos: em 20%, a doença é limitada ao intestino delgado (enterite de
Crohn); em 10-20%, há acometimento exclusivo do có lon (colite de Crohn), com o reto preservado em 50% dos
pacientes, o que raramente ocorre na RCU; em 5%, comprometimento predominante na cavidade oral ou
mucosa gastroduodenal. Mais raramente, pode haver lesõ es em esô fago e intestino delgado proximal.
OBS: Na RCU, quando em uso de terapia tó pica com enemas de glicocorticoide, a inflamaçã o mais distal do có lon pode
“esfriar”, com o reto se apresentando intacto, enquanto as regiõ es proximais mantêm as características lesõ es contínuas e
ascendentes, o que dificulta a diferenciaçã o com DC.
Outras alteraçõ es da DC incluem, microscopicamente, a presença de granulomas nã o caseosos, semelhantes aos
da sarcoidose (em até 30% dos casos), o que nã o ocorre na RCU; e, macroscopicamente, a invasã o da serosa por
tecido adiposo (fat wrapping) e a presença de nó dulos esbranquiçados na serosa (“semente de milho”), que
indicam a presença de granulomas.
B) MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
1. RETOCOLITE ULCERATIVA: Geralmente se apresenta como uma diarreia invasiva baixa (menos volumosa e
mais frequente), de início muitas vezes insidioso, começando com um tenesmo e urgência fecal, por diminuiçã o
da complacência do reto inflamado, e evoluindo com có licas intensas, presença de sangue (sintoma
praticamente universal) e muco nas fezes, astenia e febre. Os episó dios têm intensidade e duraçã o variá vel e
sã o intercalados por períodos assintomá ticos. O paciente pode apresentar anemia ferropriva, pela perda
crô nica de sangue, e hipoalbuminemia, nas colites extensas, pela perda de proteínas por exsudaçã o do có lon
inflamado. Menos comumente, a RCU pode ter início agudo e fulminante, com diarreia violenta e sú bita,
síndrome febril e toxemia.
OBS: Quando o processo está confinado ao retossigmoide, as fezes podem estar normais ou endurecidas, podendo haver
constipaçã o, pois a inflamaçã o restrita ao lado esquerdo leva a um alentecimento na peristalse no có lon direito.
2. DOENÇA DE CROHN: Normalmente, manifesta-se como uma ileocolite, com diarreia invasiva alta (mais
volumosa e menos frequente) associada à dor abdominal contínua e sintomas gerais, como febre, anorexia,
ná useas e perda ponderal. A alça intestinal edemaciada pode criar uma massa, geralmente dolorosa à palpaçã o,
no quadrante inferior direito, podendo evoluir para um abscesso intra-abdominal. 1/3 dos pacientes tem
doença perianal (fístulas, fissuras, abscessos), o que a diferencia da RCU.
OBS: A depender da localizaçã o no TGI, os sintomas podem variar: a colite de Crohn se manifesta de maneira semelhante à
RCU; a enterite de Crohn geralmente cursa com síndrome disabsortiva grave, seguida por desnutriçã o e debilidade
crô nica; já a DC gastroduodenal imita a doença ulcerosa péptica.
3. MANIFESTAÇÕ ES EXTRAINTESTINAIS DAS DII:
Podem ser imunomediadas, pela migraçã o de
leucó citos autorreativos do intestino inflamado (ex.:
artropatias e lesõ es cutâ neas), ou nã o
imunomediadas, relacionadas a alteraçõ es
metabó licas ou processos secundá rios (ex.:
colelitíase, nefrolitíase e anemia). Na RCU, sã o mais
frequentes nas formas extensas (colite extensa ou
pancolite), enquanto, na DC, sã o mais comuns nos
pacientes com afecçã o colô nica.
OBS: As manifestaçõ es podem ser temporá rias e
relacionadas à atividade da doença (artrite periférica,
eritema nodoso, aftas orais, episclerite), enquanto outras
seguem um curso independente (pioderma gangrenoso,
uveíte, artropatia axial, colangite esclerosante primá ria).
Manifestações Acometimento geralmente assimétrico, migrató rio e nã o deformante. A artropatia varia de uma
articulares artralgia até uma artrite aguda com dor e edema articular. Pode ser periférica (mono ou
poliarticular, principalmente em grandes articulaçõ es) ou axial (espondilite).
Manifestações Incluem eritema nodoso (paniculite, mais comum em mulheres), pioderma gangrenoso (lesã o
cutaneomucosas ulcerativa relativamente indolor, que geralmente cura com cicatrizaçã o, mais comum na RCU) e
as aftas orais (estomatite, exclusiva da DC).
Manifestações Incluem uveíte (manifestada com hiperemia e dor ocular, lacrimejamento e fotofobia, podendo
oculares levar à perda da visã o), conjuntivite e episclerite (de menor gravidade).
Manifestações Alteraçõ es hepá ticas nã o progressivas sã o comuns, como hepatite focal e esteatose hepática. Das
hepatobiliares afecçõ es de vias biliares, merecem destaque a pericolangite (inflamaçã o nã o progressiva restrita
aos canalículos biliares intra-hepá ticos nas tríades portais) e a colangite esclerosante (afecçã o
progressiva, podendo levar à cirrose biliar e ao surgimento de colangiocarcinoma).
Manifestações A nefrolitíase é complicaçã o potencial, com cá lculos de oxalato de cá lcio (pela má absorçã o na
renais enterite de Crohn que leva à hiperoxalú ria) ou á cido ú rico (decorrentes de desidrataçã o). A DC
pode se complicar com fístulas vesicais, levando a quadros de cistite recorrentes.
Manifestações Incluem a osteoporose (complicaçã o frequente da corticoterapia ou da reduçã o da absorçã o
ósseas intestinal de vitamina D e cá lcio e a osteomalácia.
Manifestações As DII podem levar a um estado de hipercoagulabilidade por alteraçã o dos fatores de coagulaçã o,
tromboembólicas o que pode se manifestar como TVP, embolia pulmonar, AVE ou embolia arterial.
Distúrbios A perda de nutrientes e desidrataçã o pode levar à perda ponderal e retardo do crescimento em
nutricionais e crianças. Em casos graves, a enteropatia perdedora de proteínas, levando à desnutriçã o por
metabólicos hipoalbuminemia. Deficiências vitamínicas podem ocorrer por má absorçã o na DC.

C) DIAGNÓSTICO
- EXAMES DE CONFIRMAÇÃ O: Para confirmar a RCU, a retossigmoidoscopia com biópsias é o exame de escolha,
uma vez que a maioria dos pacientes apresenta proctite ou proctossigmoidite (a colonoscopia é indicada
somente na suspeita de doença grave, com > 6 evacuaçõ es diá rias ou sinais sistêmicos, e nã o deve ser realizada
na suspeita de megacó lon tó xico). Já na suspeita de DC, a ileocolonoscopia com biópsia é o padrã o-ouro, uma vez
que a maior parte dos doentes tem acometimento do íleo terminal e do có lon ascendente ou ceco.
Achados endoscópicos Achados histopatológicos
Retocolite Comprometimento uniforme e contínuo, com Perda da arquitetura das criptas, com criptite e
ulcerativa perda do padrã o vascular da mucosa, exsudatos, abscessos com erosã o superficial, acú mulo de
friabilidade, ulceraçõ es, granulosidade e, nos neutró filos no epitélio, e infiltrado mononuclear
casos de longa data, pseudopó lipos (linfoplasmocitá rio) na lâ mina pró pria
Doença de Comprometimento salteado (á reas acometidas Preservaçã o da arquitetura das criptas, com atrofia
Crohn alternadas com á reas sã s), com ú lceras aftosas e inflamaçã o mista aguda e crô nica, com mú ltiplos
que, quando coalescentes, dã o o aspecto de pequenos granulomas nã o caseosos na mucosa
“pedras de calçamento”)

- OUTROS EXAMES:
 IMAGEM  Sã o ú teis pois revelam de forma nã o invasiva a extensã o do acometimento digestivo e podem
detectar complicaçõ es, como obstruçã o intestinal e fístulas internas. Atualmente, a entero-TC e a entero-
RNM (TC ou RNM com contraste oral + venoso) sã o a 1ª escolha, identificando á reas de parede intestinal
“doente” (aumento de espessura, hipercaptaçã o focal de contraste), sendo obtidos de forma mais rá pida do
que um trâ nsito de delgado (exame mais antigo) e garantindo a visualizaçã o de todo o TGI.
 LABORATORIAIS  Incluem hemograma, para identificaçã o de anemia (normalmente por deficiência de
ferro, mas também podendo ocorrer por deficiência de absorçã o de vitamina B12) e plaquetose; provas de
atividade inflamató ria (PCR, VHS); testes microbioló gicos e parasitoló gico de fezes, para excluir diarreias
infecciosas decorrentes de bactérias ou protozoá rios.
 MARCADORES SOROLÓ GICOS  O p-ANCA e o ASCA sã o marcadores utilizados para diferenciaçã o entre as
DII, sendo que p-ANCA (+) e ASCA (-) tem alta especificidade para RCU, enquanto p-ANCA (-) e ASCA (+)

Nã o raramente, o câncer colorretal complica uma RCU, a depender da extensã o e duraçã o da doença (a gravidade
do episó dio inicial nã o é fator de risco). Portanto, para pacientes com ≥ 8 anos de vigê ncia da doença, devem ser
realizados exames de vigilâ ncia em toda a extensã o do có lon periodicamente, a cada 1 ou 2 anos, para identificar
displasia epitelial, cujo achado e confirmaçã o em 2º exame constitui indicaçã o de colectomia (embora, caso seja
de baixo grau, possa-se optar por 3 a 6 meses de acompanhamento clínico). A DC també m pode aumentar a
incidê ncia de adenocarcinoma intestinal, embora essa relaçã o nã o seja tã o evidente como na RCU; assim, a
mesma conduta profilá tica é recomendada, embora a magnitude do risco nã o seja tã o alta.
tem alta especificidade para DC. Além disso, os anticorpos anti-OmpC e anti-CBir1, se positivos, sugerem
DC.
D) TRATAMENTO
Apesar das diferenças entre as DII, os mesmos medicamentos sã o usados no tratamento de ambas, visando
alcançar e manter a remissã o completa, a longo prazo, do processo inflamató rio.
Aminossalicilatos Sã o anti-inflamató rios de açã o tó pica na mucosa intestinal, cuja composiçã o permite
(derivados do 5-ASA) absorçã o seletiva no íleo terminal e ceco (Asacol, Apriso, Lialda), có lon (compostos sulfa:
sulfassalazina, olsalazina, balsalazina) ou de todo o intestino (Pentasa), sendo administrados
por via oral ou retal (em casos de colite distal). Podem ser usados na induçã o ou na
manutençã o da remissã o.
Glicocorticoides Devem ser usados apenas para induçã o da remissã o nas DII moderadas a graves, visando a
melhora rá pida da inflamaçã o, já que o uso por períodos prolongados pode causar efeitos
adversos. Podem ser feitos por via intravenosa (em casos mais graves, com inflamaçã o
intensa e sinais sistêmicos: hidrocortisona, metilprednisolona), via oral (com açã o tó pica –
budesonida – ou sistêmica – prednisona) ou retal (para doença colô nica distal).
Imunomoduladores Os principais sã o as tiopurinas (azatioprina e mercaptopurina), empregadas em portadores
de DII moderada a grave, combinadas um agente anti-TNF, ou em pacientes
corticodependentes, para desmame e posterior manutençã o.
Agentes biológicos Sã o anticorpos monoclonais cujo alvo sã o moléculas da cascata inflamató ria. Os de 1ª linha
sã o os agentes anti-TNF (infliximab, adalimumab), sendo os agentes anti-integrina
(vedolizumab) usados em casos de refratariedade ou intolerâ ncia à outra classe.
1. RETOCOLITE ULCERATIVA: A definiçã o do tratamento deve levar em conta a extensã o da doença e a sua
intensidade/gravidade, seguindo a partir do índice de Truelove e Witts.

a) COLITE DISTAL LEVE/MODERADA  O tratamento de escolha é o 5-ASA retal (supositó rio de mesalazina na
proctite e enema de 5-ASA na proctossigmoidite). Se nã o houver remissã o em 4 semanas, adiciona-se 5-ASA
oral ou glicocorticoide retal; se ainda nã o houver resposta, pode-se abrir mã o da terapia combinada. Casos
refratá rios exigem corticoterapia sistêmica (prednisona) ou uso de agentes bioló gicos.
b) COLITE EXTENSA LEVE/MODERADA  A terapia de 1ª linha é um 5-ASA oral de absorçã o colô nica (pelos
efeitos colaterais, a sulfassalazina vem sendo substituída pela mesalazina), sendo a dose dobrada na colite
moderada. Se nã o houver remissã o em 4 semanas, associa-se um glicocorticoide (prednisona ou budesonida de
liberaçã o colô nica). Casos refratá rios à terapia dupla ou com recidiva ao desmame do corticoide exigem
imunomodulador, utilizando, em ú ltimo caso, agentes bioló gicos (estratégia step-up).
OBS: Em qualquer colopatia inflamató ria (como RCU e a colite de Crohn), deve-se evitar antidiarreicos na fase aguda, sob a
pena de desencadear um quadro de megacó lon tó xico. Na colite crô nica leve, por outro lado, sã o seguros e bem tolerados,
podendo ser prescrita loperamida à noite para reduzir a frequência de evacuaçõ es noturnas.
c) COLITE GRAVE  Mais comum na pancolite, podendo se apresentar como colite fulminante (evoluçã o dos
sintomas em 1-2 semanas, culminando em franca toxemia: febre alta, prostraçã o, hipovolemia, hemorragia com
necessidade de transfusã o, dor e distensã o abdominal incapacitantes).
 Medidas gerais: Internaçã o e dieta zero por no mínimo 24-48h, até sinais de melhora, com nutriçã o com
cateter nasogá strico (NPT é indicada somente em desnutriçã o profunda ou dieta zero por mais de 7-10
dias); hidrataçã o venosa e correçã o de DHE (hemotransfusã o é indicada se Htc < 25-28%);
tromboprofilaxia, pelo risco de TEV, e rolagem no leito, para mobilizar gá s e reduzir a distensã o do có lon;
exames de imagem para investigaçã o de megacó lon tó xico e outras complicaçõ es.
 Medicamentos: Devem ser administrados ATBs de amplo espectro (ciprofloxacina + metronidazol ou
amoxicilina + clavulanato) e glicocorticoides IV (hidrocortisona ou metilprednisolona). Assim que houver
melhora, pode-se introduzir hidrataçã o oral e, se houver boa tolerâ ncia, glicocorticoide VO (prednisona).
o Na colite grave, se nã o houver melhora apó s 4-7 dias, adiciona-se agente anti-TNF; se persistirem os
sintomas em 7-10 dias, introduz-se ciclosporina. Casos sem resposta a todos os fá rmacos devem ser
submetidos à cirurgia (colectomia retal).
o Em casos de colite fulminante ou megacó lon tó xico, o prazo para melhora é de 48-72h; se nã o houver, deve
já ser feita a cirurgia para prevenir a perfuraçã o colô nica, em 2 tempos (colectomia a Hartmann).
OBS: A colectomia total tem cará ter curativo na RCU, por ser uma doença restrita ao có lon (logo, a retirada do ó rgã o
elimina a fonte da doença). Porém, pelos altos riscos só é indicada como ú ltima opçã o em casos selecionados. Para
minimizar os prejuízos à qualidade de vida do paciente pela presença da ileostomia, atualmente o procedimento de
escolha é a anastomose entre bolsa ileal e canal anal (IPAA), permitindo que a bolsa ileal permaneça internamente.

O tratamento de manutençã o da remissã o na RCU é feito com os derivados 5-ASA. Portadores de colite distal leve
que respondem de forma rá pida e completa à terapia tó pica costumam apresentar remissõ es duradouras,
podendo ser poupados dessa terapia, repetindo medicaçõ es intermitentes conforme necessidade, mas podem
exigir o fá rmaco de manutençã o se houver recidivas precoces e frequentes. Os imunomoduladores sã o
reservados aos pacientes com ≥ 2 recidivas/ano ou corticodependentes.

2. DOENÇA DE CROHN: Devem ser tomadas medidas gerais, como abandono do tabagismo e dieta equilibrada,
pelo risco de desnutriçã o, idealmente sem restriçõ es, sendo abolidos apenas os alimentos que possam causar
queixas de sintomas. A escolha do esquema terapêutico depende também da classificaçã o de gravidade.

a) DOENÇA LEVE A MODERADA  Inicia-se o tratamento com aminossalicilatos (devendo ser feitos os de
liberaçã o ileal na vigência de ileocolite). Se nã o houver resposta apó s 4 semanas, utilizam-se antibió ticos
(metronidazol, ciprofloxacina ou rifamixina) como terapia de 2ª linha; se ainda assim, nã o houver remissã o,
introduz-se os glicocorticoides, sendo preferida a budesonida de liberaçã o ileal. Em ú ltimo caso, utilizam-se os
imunomoduladores e/ou bioló gicos (estratégia step-up). Uma vez atingida a remissã o, a terapia de manutençã o
é feita idealmente com derivados 5-ASA.
OBS: Nos casos de enterite de Crohn e DC gastroduodenal, os glicocorticoides sã o 1ª escolha terapêutica, sendo preferida a
prednisona. Derivados 5-ASA, ATBs e budesonida nã o sã o ú teis nesse contexto.
b) DOENÇA MODERADA A GRAVE  A terapia dupla agente anti-TNF + imunomodulador é o tratamento de
escolha, mantida como manutençã o por no mínimo 1 ano (apó s esse prazo, pode-se manter apenas o anti-TNF
em monoterapia, aumentando a dose ou trocando o agente se necessá rio). Em jovens < 25 anos e idosos, pelo
alto risco, a terapia dupla deve ser evitada. Em casos refratá rios, deve-se introduzir um agente anti-integrina.
c) DOENÇA GRAVE A FULMINANTE  Devem ser administrados ATBs de amplo espectro (ciprofloxacina +
metronidazol ou amoxicilina + clavulanato) e glicocorticoides IV, e realizados exames de imagem em cará ter
emergencial para avaliar ocorrência de complicaçõ es: fístulas indicam uso de bioló gicos, sendo as refratá rias
tratadas cirurgicamente; perfuraçõ es exigem correçã o cirú rgica; abscessos devem ser drenados por via
percutâ nea; obstruçã o intestinal deve ser tratada com dieta zero, SNG e reposiçã o volêmica/hidroeletrolítica,
sendo indicada, se persistência do quadro ou obstruçã o total, a estricturoplastia, isto é, alargamento cirú rgico
do lú men intestinal (a ressecçã o deve ser evitada sempre que possível, pois causa prejuízo à qualidade de vida
do paciente). A NPT pode ser indicada em curto prazo para pacientes desnutridos e com sinais de doença
fulminante. Apó s a remissã o, a manutençã o deve ser feita com imunomoduladores ± agentes anti-TNF.

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