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Clínica Médica – SP3

Síndrome digestiva baixa


Hemorragia digestiva baixa:
-Definição: sangramento originário distalmente ao ligamento de Treitz ou qualquer sangramento com
origem distal à papila ileocecal; do jejuno proximal até o ânus.
-Quadro clínico: variável, com sintomas que vão desde perda de pequenas quantidades de sangue
vermelho-vivo, geralmente com as fezes (hematoquezia), sangue oculto positivo nas fezes (PSOF), melena,
anemia até sangramento volumoso (enterorragia), o que pode provocar instabilidade hemodinâmica e
necessidade de hemotransfusão.
-Epidemiologia: A HDB corresponde a 20% dos casos de hemorragia gastrintestinal e é mais frequente em
idosos. Na grande maioria dos casos, o sangramento é autolimitado (de 80 a 90%)
-Principais causas:
a) Doença diverticular do colo (DDC): herniação das camadas mucosa e submucosa devido à fraqueza da
camada muscular da parede intestinal e aumento da pressão intraluminal. É mais frequente em idosos e
causa a maior parte dos casos de HDB aguda. O quadro clínico envolve hematoquezia sem dor
abdominal associada.
b) Colite isquêmica (infarto de segmento intestinal): segunda causa mais frequente de HDB aguda,
caracterizada por redução abrupta e temporária do fluxo sanguíneo mesentérico secundária à
hipoperfusão ou oclusão dos vasos mesentéricos. O quadro clínico é de dor abdominal moderada
associada a hematoquezia ou diarreia sanguinolenta. Acomete principalmente idosos com aterosclerose
ou doença cardíaca.
c) Colite infecciosa: pode ser causada por bactérias (salmonelose, shiguelose), vírus (CMV, herpes vírus),
fungos (histoplasmose, candidíase) e protozoários (amebíase, esquistossomose), principalmente em
imunossuprimidos.
d) Proctocolopatia induzida por radiação: radioterapia para o tratamento das neoplasias pélvicas pode
acarretar lesões em tecidos normais inclusos no campo irradiado. O sangramento é crônico, pequeno,
raramente profuso.
e) Angiectasias: pequenas lesões avermelhadas, planas, com vasos ectasiados, variando de 2 a 10 mm de
diâmetro. O quadro clínico pode variar de anemia ferropriva, PSOF+, melena a hematoquezia. Acomete
mais idosos. Classicamente, são uma das duas principais causas de HDB.
f) Doenças inflamatórias intestinais (DII): em geral a hemorragia é pequena nas DII.
g) Neoplasias: o sangramento é de pequena quantidade, traduzido por anemia e sangue oculto nas fezes.
h) Pós-polipectomia: associado a técnicas inadequadas de polipectomia, ao tamanho dos pólipos, distúrbios
da coagulação ou uso de anticoagulantes.
-Avaliação clínica: Sangramentos volumosos se traduzem clinicamente por instabilidade hemodinâmica
manifestada por palidez, taquicardia, dispneia, taquipneia, hipotensão arterial ou síncope. Na avaliação,
devem-se questionar: duração dos sintomas, recorrência, quantidade da perda sanguínea, mudança do
hábito intestinal, antecedente de radioterapia, medicações associadas a maior risco de sangramento, como
aspirina e anticoagulantes orais, e antecedente de doenças gastrintestinais. Em geral, não apresentam dor,
entretanto uma história de dor abdominal, perda de peso, febre, diarreia ou suboclusão intestinal são
informações importantes no diagnóstico diferencial de doença inflamatória, infecciosa ou neoplásica
intestinal, como causa da hemorragia.
-Exame físico: deve incluir exame retal minucioso com inspeção da região perianal e toque para a
caracterização da perda sanguínea e para o diagnóstico de patologias orificiais. Neoplasias malignas são
acessíveis ao toque retal em até 40% dos casos.
-Avaliação laboratorial: hemograma e coagulograma. Em sangramentos com instabilidade
hemodinâmica, deve-se acrescentar a dosagem de eletrólitos, lactato e gasometria arterial. Cerca de 10%
dos pacientes com enterorragia volumosa e hipotensão apresentam o foco do sangramento no trato digestivo
alto, por isso, a passagem de sonda nasogástrica (SNG) pode ser útil na localização do sítio de sangramento.
-Diagnóstico: colonoscopia (segura, eficaz na avaliação e no controle da HDB, permite localizar o sítio de
sangramento, avaliar a presença de estigmas de sangramento, como hemorragia ativa, coágulos aderidos e
vasos visíveis, e realizar a hemostasia), cintilografia (técnica de medicina nuclear em que são usadas
hemácias marcadas com Tc 99m, mais sensível que a arteriografia na detecção de pequenos sangramentos,
não-invasivo e com baixa incidência de complicações), arteriografia (em hemorragia volumosa, a eficácia
da colonoscopia é menor e a arteriografia pode identificar o ponto de sangramento e permitir a embolização
do vaso correspondente, reduzindo a necessidade de tratamentos cirúrgicos), enteroscopia, cápsula
endoscópica
-Tratamento: medidas com o propósito de realizar a reposição volêmica e corrigir os distúrbios associados:
transfusão de concentrado de hemácias (manter a hemoglobina entre 8 e 9 g/dL), coagulopatia (INR > 1,5
ou plaquetas < 50.000) , reposições de fatores de coagulação com plasma fresco ou concentrado
protrombínico ou ainda a transfusão de plaquetas, anticoagulação de agentes orais pode ser revertida com
plasma fresco e vitamina K. Além de intervenções terapêuticas, como as técnicas hemostáticas utilizadas
em colonoscopia, a hemostasia durante a arteriografia, a infusão de vasopressina.
Doença inflamatória intestinal - DII:
-Definição: caracterizada por um processo inflamatório do trato gastrintestinal e engloba pelo menos duas
formas de inflamação intestinal: a retocolite ulcerativa (RCU) e a doença de Crohn (DC).
-A DC caracteriza-se por uma inflamação transmural crônica do tubo digestório, da boca ao ânus, com
predileção pela região ileal ou ileocecal, e gera reação granulomatosa não-caseificante. O acometimento é
descontínuo/heterogêneo, com áreas saudáveis misturadas a áreas doentes – lesões salteadas/pedras de
calçamento, podendo haver formação de massa palpável em quadrante inferior direito do abdome devido à
estenose. Aspectos macroscópicos: úlceras profundas, irregulares, aftoides ou serpiginosas. Histopatologia:
infiltrado inflamatório focal transmural predominantemente linfocitário.
-A RCU acomete a mucosa do cólon e reto, e classicamente apresenta distribuição simétrica/homogênea,
ascendente e contínua. Aspectos macroscópicos da mucosa de cólon: hiperemia, edema, friabilidade,
sangramento ao toque, exsudato fibrinomucóide, erosões e ulcerações. Longa evolução: cólon com aspecto
tubular, perda das haustraçoes (por conta da fibrose da parede), mucosa atrófica, pálida e perda do padrão
vascular normal. Histopatologia: distorção em graus variáveis da arquitetura das criptas das mucosas
(criptite e abcessos).
-Principais critérios para diferenciá-las: localização (difuso ou limitado/colônico), padrão de acometimento
da mucosa (contínuo ou salteado), envolvimento ou não de planos profundos da parede intestinal,
envolvimento do canal anal (DC), presença de granulomas não caseosos (DC), presença de fístula (DC).
-As causas dessas duas doenças são desconhecidas e elas são definidas empiricamente pelos seus aspectos
clínicos, patológicos, radiológicos, endoscópicos e laboratoriais típicos, após exclusão de causas específicas
de inflamação intestinal incluindo infecção (bacteriana, micobacteriana e amebiana), isquemia e danos
iatrogênicos (radiação e drogas)
-Epidemiologia/Fatores de risco:

-Etiopatogenia: envolve, basicamente, quatro aspectos que interagem entre si e com fatores ambientais:
fatores genéticos; fatores luminais, relacionados à microbiota intestinal, seus antígenos e produtos
metabólicos, e os antígenos alimentares; fatores relacionados à barreira intestinal, incluindo os aspectos
referentes à imunidade inata e à permeabilidade intestinal; fatores relacionados à imuno-regulação,
incluindo a imunidade adaptativa ou adquirida.
-Fisiopatologia: predisposição genética + exposição ambiental = resposta imune desregulada →
inflamação intestinal
-Quadro clínico:
RCU:
-Depende da extensão da doença e da sua gravidade; o comprometimento do intestino grosso pode se limitar
aos segmentos distais, estender-se ao hemicólon esquerdo ou afetar parte ou todo o transverso e o cólon
ascendente.
1) RCU distal: geralmente são casos leves e moderados, sendo comuns o sangramento retal, a presença de
fezes com muco e pus e o tenesmo. Em 80% dos casos, há diarreia, podendo ocorrer também constipação.
A dor abdominal é geralmente em cólica, precedendo as evacuações. Os pacientes podem se queixar de
urgência, incontinência e dor anorretal. As manifestações extraintestinais são infrequentes.
2) RCU hemicólon esquerdo e pancolite: estes casos geralmente são moderados ou graves. Febre, astenia e
perda de peso com anorexia são comuns. Há também diarreia com muco, pus, sangue e tenesmo, além de
dor abdominal mais intensa que na RCU distal. A forma fulminante pode ocorrer, correspondendo à
dilatação aguda do cólon (> 6 cm), geralmente no transverso. As manifestações extra-intestinais podem
preceder as manifestações intestinais propriamente ditas (artralgia, artrite, aftas orais, eritema nodoso,
episclerite e pioderma gangrenoso, entre outras).
-O exame físico pode ser normal ou constituído por febre, emagrecimento, desidratação, palidez,
taquicardia, dor abdominal, edema e manifestações extra-intestinais, principalmente na colite extensa.
-Quanto ao curso clínico, a RCU pode ser dividida em: forma aguda fulminante, crônica contínua ou crônica
intermitente, com períodos de remissão que podem durar meses ou anos.
-Os pacientes com RCU podem exibir complicações variadas, dentre as quais a mais temível é o megacólon
tóxico, além de sangramento digestivo baixo maciço e as estenoses.
DC:
-Apresenta manifestações clínicas mais variadas, uma vez que pode acometer todo o trato digestivo, desde
a boca até o ânus e região perianal, bem como pode admitir formas evolutivas peculiares, caracterizadas
por fistulização e estenose de segmentos intestinais. Quanto à localização, aproximadamente 1/3 ou mais
dos casos apresenta doença restrita ao íleo terminal, e em mais da metade dos casos, há comprometimento
não só do íleo terminal como também do cólon proximal. Há massa palpável em QID (plastrão doloroso)
-A diarreia é o sintoma mais comum na DC e caracteriza-se por número não exagerado de dejeções.
Habitualmente, não se encontram relatos da presença de sangue, muco ou pus nas fezes, exceto nos casos
com envolvimento do cólon mais distal. A dor abdominal do tipo contínuo, de intensidade moderada a alta,
e de localização predominante no quadrante inferior direito do abdome. Febre, astenia e emagrecimento,
acompanhados ou não de relato de diminuição da ingestão de alimentos, são manifestações da repercussão
da doença no estado geral do paciente, ocorrendo em proporção excessiva dos casos de DC.
-O exame físico fornece achados variáveis, sendo comum o encontro de alterações indicativas de
desnutrição. O exame do abdome pode revelar distensão de grau variável e presença de massa ou plastrão
na palpação profunda do quadrante inferior direito. O exame minucioso das regiões perianal e perineal é
obrigatório em todos os casos em que se suspeita da DC, mesmo naqueles em que a história clínica não
sugere nenhuma anormalidade. Fissuras, fístulas e abscessos são achados muito frequentes.
-As manifestações extra-intestinais, indicativas do acometimento da pele, das articulações, dos olhos etc.,
são as mesmas antes descritas para a RCU.
-A DC tem como complicações características a formação de fístulas e estenose.
-Classificação da DC:
-Manifestações extraintestinais:
a) Acometimento articular: artropatia periférica tipo I (menos de 5 grandes articulações e relaciona-se com
a atividade da doença), artropatia periférica tipo II (poliartrite de pequenas articulações e independente
da atividade da doença), artropatia axial.
b) Lesões cutâneas: eritema nodoso (nódulos subcutâneos dolorosos, com diâmetro de 1 a 5 cm, localizados
principalmente em superfícies extensoras das extremidades e face tibial anterior). Relaciona-se com a
atividade da doença. Mais raramente, pode haver pioderma gangrenoso.
c) Manifestações oculares: episclerite, esclerite, uveíte, cegueira noturna, catarata precoce.
d) Colelitíase: explicada pela redução do total de sais biliares por menor absorção ileal decorrente da
doença e consequente supersaturação biliar de colesterol.
e) Nefrolitíase: menor absorção de ácidos graxos, que ficam livres na luz intestinal, impedindo a ligação
do cálcio com o oxalato. A formação de oxalato de cálcio é reduzida, e há uma maior absorção colônica
de oxalato, com consequente hiperoxalúria e maior formação de cálculos renais.
f) Trombose venosa profunda e tromboembolismo pulmonar.
-Diagnóstico DC: colonoscopia, enteroscopia com duplo balão (quando necessária complementação),
cápsula endoscópica (quando exames anteriores negativos e alta suspeita de DC), exames de imagem,
exame anatomopatológico (presença de granulomas não caseosos), exames laboratoriais (hemograma,
PCR/VHS, testes microbiológicos para excluir diarreia infecciosa), marcador ASCA pode estar presente.
-Diagnóstico RCU: colonoscopia com intubação ileal e biópsias seriadas (achado de pseudopólipos),
marcador sorológico ANCA pode estar presente.
-Tratamento: controle periódico, suporte emocional, medicação antidiarreira (opiáceos) e anticolinérgica
(antiespasmódicos), antiinflamatórios, reposição hidroeletrolítica, transfusão de sangue, suporte
nutricional, corticosteróides, derivados aminossalicílicos, antibióticos, agentes imunomoduladores, anti-
TNF (antifator de necrose tumoral) e probióticos.
-Diagnóstico diferencial: a Síndrome do Intestino Irritável é a que mais se confunde com DII, embora se
diferencie da RCU e DC por não se associar a febre, perda de peso, sangramento ou manifestações
extraintestinais. Outras desordens devem ser excluídas: apendicite, colite secundária ao uso de medicações,
doença isquêmica, colite actínica secundária à radiação, colite microscópica, colite neutropenica,
colagenoses, tuberculose e linfoma intestinal.
OBS:
-Cigarro → protetor para RCU e fator de risco para DC
-Apendicectomia → protege contra aparecimento de RCU e é mais frequente na DC (provável diagnóstico
errado)
- 10 a 20% indistinguível inicialmente – chama de “colite intederminada”

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