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HEMORRAGIA DIGESTIVA

A HD se apresenta com hemorragia evidente ou oculta. A HD evidente manifesta-se


por hematêmese (vômitos de sangue vivo ou “borra de café”), melena (fezes negras ou escuras)
e/ou hematoquezia (eliminação de sangue vivo ou marrom pelo reto). Nos casos em que não há
sangramento evidente, a HD oculta pode se manifestar com sintomas atribuíveis à perda de
sangue ou anemia, inclusive tontura, síncope, angina ou dispneia; ou com anemia ferropriva ou
teste positivo para sangue oculto nas fezes em exames de rotina. A HD também pode ser
classificada, com base no local de origem do sangramento, em HDA (esôfago, estômago e
duodeno), HDB (cólon), HD do intestino delgado ou HD obscura (quando não é possível
determinar a origem).
Aproximadamente 80% dos episódios de sangramento digestivo ocorrem no trato
gastrointestinal alto. Definia-se como hemorragia digestiva alta (HDA) o sangramento cuja
origem se localizava desde o esôfago até o ângulo de Treitz. Entretanto, após o surgimento de
novos testes diagnósticos, como a cápsula endoscópica e a enteroscopia de duplo balão, foram
redefinidos os parâmetros para classificação da HDA, considerando os limites do local de origem
do sangramento desde o esôfago até a segunda porção duodenal, na altura da papila.
A hemorragia ocasionada por doença ulcerosa péptica (DUP), seguida da síndrome de
hipertensão portal com ruptura de varizes esofágicas ou gástricas, são as causas mais frequentes
de sangramento digestivo alto. A incidência global de HDA causada por úlceras pépticas vem
diminuindo, possivelmente graças ao aumento da prescrição de inibidores de bomba de prótons,
além dos esforços direcionados para erradicação do Helicobacter pylori.

→ FONTES DE HEMORRAGIA DIGESTIVA


1. Úlceras pépticas (HDA)
As úlceras pépticas são soluções de continuidade da mucosa do trato gastrointestinal que
podem se estender através da camada muscular da mucosa, atingindo a submucosa e até mesmo
a muscular própria. Geralmente, ocorre aumento dos fatores agressivos e diminuição dos fatores
de defesa e reparação, ocasionando, consequentemente, a lesão mucosa. As causas mais comuns
de úlceras no trato gastrointestinal incluem lesão péptica devida à infecção por Helicobacter
pylori e o uso de anti-inflamatórios não esteroides. As outras etiologias são menos frequentes.
Usualmente, úlceras sangram a partir de um vaso em sua base, mais frequentemente com
lesão arterial, a qual sofre erosão por um processo ácido péptico. A secreção ácida péptica causa
uma arterite com infiltração de polimorfonucleares. Essa arterite envolve o perímetro da artéria,
sendo mais intensa no lado próximo à base da úlcera, onde ocorre necrose da parede vascular,
causando a ferida sangrante.
Úlceras pépticas são as causas mais comuns de HDA e são responsáveis por cerca de 50%
das internações por sangramento gastrintestinal. Ao exame endoscópico, as características de uma
úlcera fornecem informações prognósticas importantes que orientam as decisões terapêuticas
subsequentes. Cerca de 20% dos pacientes com úlceras hemorrágicas têm alterações sugestivas
de risco mais alto para sangramento ativo ou um vaso visível sem hemorragia: um terço desses
pacientes apresenta episódios adicionais de hemorragia, que requerem intervenção cirúrgica de
urgência se forem tratados de forma conservadora. Esses pacientes beneficiam-se com tratamento
endoscópico por eletrocoagulação bipolar, sonda térmica, tratamento com injeção (p. ex.,
álcool absoluto, epinefrina a 1:10.000) e/ou clipes, resultando em reduções do sangramento, da
duração da internação hospitalar, da taxa de mortalidade e dos custos. Por outro lado, os pacientes
com úlceras de base limpa apresentam taxas de sangramento recorrente próximas de zero. Quando
suas condições são estáveis e não há outras razões para hospitalização, esses pacientes podem
receber alta depois da endoscopia.
Estudos randomizados controlados documentaram que a infusão intravenosa contínua
de altas doses de um inibidor da bomba de prótons (IBP) (bolus de 80 mg e infusão de 8 mg/h),
destinada a manter o pH intragástrico > 6 e aumentar a estabilidade do coágulo, diminui o
sangramento adicional e a mortalidade em pacientes com úlceras de alto risco (sangramento ativo,
vaso visível não hemorrágico, coágulo aderente) quando efetuada depois do tratamento
endoscópico. Uma metanálise recente dos estudos randomizados demonstrou que a administração
intermitente de IBPs em doses altas não é menos eficaz que a infusão contínua destes fármacos e,
desse modo, pode ser uma alternativa aplicável a essa população de pacientes. Os pacientes com
achados de risco baixo (mancha pigmentada plana ou base limpa) não necessitam de tratamento
endoscópico e recebem doses convencionais de um IBP oral.
Cerca de 10 a 50% dos pacientes com úlceras hemorrágicas voltam a sangrar no primeiro
ano subsequente, caso não sejam adotadas medidas profiláticas. A profilaxia das recidivas do
sangramento enfatiza os três fatores principais associados à patogênese das úlceras: Helicobacter
pylori (These bacteria induce an inflammatory response in the host that leads to an epithelial
response, degeneration, and injury, known as gastritis. Typically, patients with this infection
develop pan-gastritis. This damages the antral somatostatin release, which leads to an increase in
gastrin secretion, which stimulates increased acid production), anti-inflamatórios não esteroides
(AINEs [NSAIDs inhibit the cyclooxygenase-1 enzyme, which usually increases prostaglandin
synthesis, which in turn leads to gastric bicarbonate secretion, mucus barrier formation, increased
mucosal blood flow, and accelerated epithelial cell restitution and repair after injury or cell death.
NSAID medications allow the gastric mucosa to become more vulnerable to gastric acid and
pepsin damage]) e acidez. A erradicação do H. pylori nos pacientes com úlceras hemorrágicas
ativo reduz os índices de recidiva a < 5%. Quando um paciente em tratamento com AINE
desenvolve úlcera hemorrágica, este fármaco deve ser suspenso. Se for necessário usar AINEs,
recomenda-se um inibidor seletivo de cicloxigenase 2 (COX-2) combinado com um IBP, com
base nos resultados de um estudo randomizado. Pacientes com doença cardiovascular estabilizada
que desenvolvem úlceras hemorrágicas durante o uso de ácido acetilsalicílico (AAS) em dose
baixa como profilaxia secundária devem recomeçar o tratamento com AAS tão logo seja possível
depois do episódio de sangramento (1-7 dias). Por outro lado, o uso de AAS provavelmente deve
ser interrompido na maioria dos pacientes tratados com este fármaco como profilaxia primária de
eventos cardiovasculares que apresentam um episódio de HDA. Os pacientes com úlceras
hemorrágicas não relacionadas com o H. pylori ou uso de AINEs devem continuar o tratamento
com IBP indefinidamente, tendo em vista a incidência de 42% de recidivas dos sangramentos
dentro de 7 anos, quando os pacientes não usam tratamento protetor.
2. Lacerações de Mallory-Weiss (HDA)
As lacerações de Mallory-Weiss são responsáveis por cerca de 2 a 10% das internações
por HDA. O histórico clássico inclui vômitos, ânsia de vômitos ou tosse que antecedem à
hematêmese, especialmente em um paciente alcoolista. O sangramento originado dessas
lacerações, que em geral se localizam na porção gástrica da junção gastresofágica, estanca
espontaneamente em 80 a 90% dos pacientes e reincide em apenas 0 a 10%. O tratamento
endoscópico é indicado para as lacerações de Mallory-Weiss com sangramento ativo.
3. Varizes esofágicas (HDA)

A prevalência de varizes esofagogástricas varia conforme a gravidade da cirrose, estando


presentes no momento da primeira endoscopia em 30 a 40% dos pacientes com cirrose
compensada e 60% daqueles com doença descompensada. A avaliação da gravidade da
hepatopatia pode ser realizada a partir da classificação de Child-Pugh e do escore de MELD.
São identificados como preditores de sangramento digestivo por ruptura de varizes
esofagogástricas a presença de sinais da cor vermelha e o tamanho das varizes, a gravidade da
doença hepática e o gradiente de pressão de veia hepática ≥ 12 mmHg.
A hipertensão portal (HP) é definida como um aumento do gradiente de pressão venosa
hepática (GPVH) acima de 6 mmHg. As varizes esofágicas surgem quando o GPVH atinge 10
mmHg e a ruptura das varizes ocorre com gradientes superiores a 12 mmHg. A HP pode ser
classificada em pré-hepática, intra-hepática (subdividida em pré-sinusoidal, sinusoidal e pós-
sinusoidal) e pós-hepática, sendo associada a diversas etiologias. As principais causas de HDA
varicosa no Brasil são a forma hepatoesplênica da esquistossomose e a cirrose hepática de
origem alcoólica e por vírus das hepatites B ou C.

O aumento da pressão portal está associado ao desenvolvimento de circulação colateral,


o que permite que o sangue da veia porta a seja desviado para a circulação sistêmica. Estas
derivações podem ocorrer:
• na cárdia, através das varizes esofagogástricas;
• no canal anal, com acometimento dos vasos hemorroidais; • no ligamento falciforme do
fígado, através das veias para-umbilicais;
• na parede abdominal e tecidos retroperitoneais;
• no desvio de sangue a partir do diafragma, vasos da topografia do estômago, pâncreas,
baço e veia suprarrenal, que podem drenar para a veia renal esquerda.
A porcentagem de internações hospitalares motivadas por HDA secundária às varizes
esofágicas é amplamente variada (cerca de 2-40%), dependendo da população estudada. Os
pacientes com hemorragia por varizes têm prognósticos piores que os pacientes com HDA de
outras origens. A endoscopia de urgência (nas primeiras 12 horas) deve ser realizada nos pacientes
cirróticos com HDA e, se forem encontradas varizes esofágicas, a ligadura endoscópica deve ser
realizada e seguida de um fármaco vasoativo intravenoso (octreotida, somatostatina, vapreotida
ou terlipressina – vasoconstritores esplâncnicos) durante 2 a 5 dias. A combinação dos
tratamentos endoscópico e clínico é mais eficaz que um deles isoladamente para reduzir as
recidivas do sangramento. Em longo prazo, o tratamento com betabloqueadores não seletivos e
ligadura endoscópica é recomendável porque esta combinação é mais eficaz que um deles
isoladamente para reduzir as recidivas dos sangramentos de varizes esofágicas. A colocação de
um shunt intra-hepático transjugular portossistêmico (TIPS) é recomendável aos pacientes
com sangramentos persistentes ou recidivantes, apesar dos tratamentos endoscópico e clínico. A
colocação de um TIPS também deve ser considerada no primeiro ou segundo dia da internação
hospitalar por sangramento variceal agudo nos pacientes com doença hepática avançada (p. ex.,
classe C de Child-Pugh com escore de Child-Pugg de 10-13), considerando que estudos
randomizados demonstraram reduções significativas da recidiva dos sangramentos e da
mortalidade, em comparação com os tratamentos endoscópico e clínico convencionais.
A terlipressina é um análogo sintético da vasopressina com efeito de vasoconstrição
esplâncnica, sendo uma droga efetiva no controle do sangramento varicoso agudo com diminuição
da mortalidade. Deve ser administrada na dose de 2 mg, via intravenosa, em bolus seguido de 1 a
2 mg a cada quatro horas, sendo ajustada pela faixa de peso corporal. A somatostatina e o
octreotide (análogo sintético da somatostatina) causam vasoconstrição esplâncnica seletiva,
provocando diminuição da pressão do fluxo ao nível portal e colaterais, com consequente redução
da pressão portal. A dose habitualmente utilizada do octreotide é de 50 mcg, via intravenosa, em
bolus, seguida de infusão contínua de 25 a 50 mcg/hora. A dose habitual da somatostatina é de
250 mg, via intravenosa, em bolus, seguida de infusão contínua de 250 mg/hora.
A hipertensão portal também é responsável pela hemorragia de varizes gástricas, varizes
dos intestinos delgado e grosso, gastropatia hipertensiva portal e enterocolopatia. A hemorragia
de varizes gástricas devidas à cirrose é tratada com injeção endoscópica de adesivo tissular (p.
ex., n-butilcianoacrilato), quando disponível; caso contrário, é colocado um TIPS.
4. Doença erosiva (HDA)
Erosões são lesões detectadas à endoscopia, que se limitam à mucosa e não causam
sangramento significativo porque não há artérias e veias na mucosa. As erosões do esôfago,
estômago ou duodeno frequentemente causam HDA leve e a gastrite e duodenite erosivas talvez
sejam responsáveis por cerca de 10 a 15% e a esofagite erosiva (atribuída principalmente à doença
do refluxo gastresofágico) por cerca de 1 a 10% das internações hospitalares motivadas por HDA.
A causa mais importante das erosões gástricas e duodenais é o uso de AINEs: cerca de 50% dos
pacientes em tratamento crônico com AINEs podem desenvolver erosões gástricas. Outras causas
possíveis de erosões gástricas são ingestão de álcool, infecção por H. pylori e lesões da mucosa
associadas ao estresse (trauma).
5. Outras causas (HDA)
Causas menos comuns de HDA são neoplasias, ectasias vasculares (inclusive
telangiectasias hemorrágicas hereditárias [Rendu-Osler-Weber] e ectasias vasculares do antro
gástrico [“estômago de melancia”]), lesão de Dieulafoy (na qual um vaso anômalo da mucosa
sangra a partir de uma falha puntiforme da mucosa), gastropatia por prolapso (prolapso do
segmento proximal do estômago para dentro do esôfago causando regurgitação, especialmente
nos pacientes alcoolistas), fístulas aortomesentéricas e hemofilia ou hemossuco pancreático
(sangramento originado do ducto biliar ou pancreático).
6. Hemorragia Digestiva Média
No passado, os pacientes que não tinham uma causa detectável de HD à endoscopia
digestiva alta ou colonoscopia eram classificados como portadores de HD obscura. Com o
advento de recursos diagnósticos mais eficazes, cerca de 75% dos casos de HD que antes eram
classificados como obscuros agora são atribuídos ao intestino delgado situado fora do alcance da
endoscopia digestiva alta convencional. A HD originada do intestino delgado pode ser
responsável por até 5 a 10% dos casos de sangramento gastrintestinal. Nos adultos > 40 anos, as
causas mais comuns são ectasias vasculares, neoplasias (p. ex., tumor estromal do trato GI,
carcinoide, adenocarcinoma, linfoma ou metástases) e erosões e úlceras causadas por AINEs.
Nas crianças, o divertículo de Meckel é a causa mais comum de HD significativa originada do
intestino delgado, mas sua frequência como causa de sangramento diminui à medida que a idade
aumenta. Outras causas detectadas nos pacientes < 40 anos são doença de Crohn, síndromes de
polipose ou neoplasias. Causas menos frequentes de HD originada do intestino delgado são
infecções, isquemia, vasculites, varizes do intestino delgado, divertículos, intussuscepção, lesões
de Dieulafoy, fístulas aortoentéricas e cistos de duplicação.
As ectasias vasculares do intestino delgado são tratadas por procedimentos
endoscópicos quando possível, tendo em vista estudos de observação sugestivos de eficácia
inicial. Contudo, as recidivas do sangramento são comuns: 45% ao longo de um período médio
de acompanhamento de 26 meses, de acordo com uma revisão sistemática recente. Os compostos
à base de estrogênio/progesterona não são recomendados porque um estudo duplo-cego
multicêntrico não demonstrou qualquer efeito benéfico como profilaxia das recidivas do
sangramento. A octreotida é usada com base nos resultados positivos evidenciados em séries de
casos, mas não há estudos randomizados. Um estudo randomizado mostrou benefícios
significativos da talidomida e aguarda posterior confirmação. Outras lesões isoladas (p. ex.,
tumores) geralmente devem ser retiradas cirurgicamente.
7. Hemorragia Digestiva Baixa
As hemorroidas provavelmente são a causa mais frequente de HDB; as fissuras anais
também causam sangramento leve e dor. Quando essas lesões anais localizadas, que raramente
requerem internação hospitalar do paciente, são excluídas, a causa mais comum de HDB dos
adultos é diverticulose, seguida de ectasias vasculares (especialmente no cólon proximal dos
pacientes > 70 anos), neoplasias (especialmente adenocarcinoma), colite (isquêmica, infecciosa,
doença de Crohn ou colite ulcerativa, colite ou úlceras causadas por AINEs), sangramento pós-
polipectomia e proctopatia pós-irradiação. Causas mais raras são a síndrome da úlcera retal
solitária, traumatismo, varizes (mais comumente retais), hiperplasia nodular linfoide, vasculites e
fístulas aortocólicas. Em crianças e adolescentes, as causas mais comuns de HD significativa
originada do intestino grosso são doença inflamatória intestinal e pólipos juvenis.
O sangramento diverticular tem início súbito, geralmente é indolor, por vezes maciço
e, com frequência, origina-se do cólon direito; uma hemorragia crônica ou oculta não é típica. Os
divertículos do intestino grosso param de sangrar espontaneamente em cerca de 80 a 90% dos
pacientes e, durante o acompanhamento de longo prazo, voltam a sangrar em cerca de 15 a 40%
dos casos. Séries de casos sugerem que o tratamento endoscópico possa diminuir a hemorragia
recorrente nos casos raros em que a colonoscopia identifica o divertículo hemorrágico específico.
Quando a hemorragia diverticular é demonstrada na angiografia, a embolização arterial
transcateter por técnica superseletiva interrompe a hemorragia na maioria dos pacientes. A
ressecção cirúrgica segmentar é recomendada aos pacientes com sangramento diverticular
persistente ou refratário ao tratamento conservador.
O sangramento originado de ectasias vasculares do intestino grosso pode ser evidente
ou oculto, tende a ser crônico e apenas em casos raros causa instabilidade hemodinâmica
significativa. O tratamento hemostático endoscópico pode ser útil para a ressecção da ectasia
vascular, bem como de úlceras hemorrágicas discretas e hemorragia pós-polipectomia. A
embolização arterial transcateter também pode ser tentada nos casos de sangramento persistente
originado de ectasias vasculares e outras lesões discretas. Em geral, o tratamento cirúrgico é
necessário para controlar sangramento significativo persistente ou recorrente originado de lesões
do intestino grosso que não podem ser tratadas clinicamente por endoscopia ou
angiograficamente. Os pacientes com síndrome de Heyde (ectasias vasculares hemorrágicas e
estenose aórtica) parecem melhorar com a substituição da valva aórtica.
→ ABORDAGEM AO PACIENTE
A determinação da frequência cardíaca e da pressão arterial é o melhor meio para
avaliar inicialmente um paciente com HD. O sangramento clinicamente significativo causa
alterações posturais da frequência cardíaca ou pressão arterial, taquicardia e, por fim, hipotensão
com o paciente deitado. Por outro lado, a hemoglobina não diminui rapidamente nos casos de HD
aguda em razão das reduções proporcionais do volume plasmático e das contagens de hemácias
(os pacientes perdem sangue total). Assim, a hemoglobina pode estar normal ou apenas levemente
diminuída à apresentação inicial de um episódio hemorrágico grave. À medida que o líquido
extravascular entra no espaço vascular para equilibrar o volume, a hemoglobina diminui, porém
este processo pode levar até 72 horas. A transfusão é recomendada quando a hemoglobina diminui
abaixo de 7 g/dL, com base em um amplo ensaio randomizado demostrando que esta estratégia
de transfusão restritiva reduz a hemorragia recorrente e a mortalidade por HDA, quando
comparada a um limiar de transfusão de 9 g/dL. Pacientes com HD crônica e lenta podem
apresentar valores muito baixos de hemoglobina, apesar da pressão arterial e frequência cardíaca
normais. Com o desenvolvimento de anemia ferropriva, o volume corpuscular médio diminui e a
amplitude de distribuição eritrocitária aumenta.
O episódio de sangramento é considerado clinicamente relevante quando há necessidade
de trans - fusão de duas ou mais unidades de sangue dentro de 24 horas, associado à pressão
sistólica menor de 100 mmHg ou mudança postural da pressão sanguínea superior a 20 mmHg
e/ou frequência cardíaca maior que 100 bpm no momento da admissão hospitalar.
• Avaliação e tratamento da HDA
Hematêmese sugere que a causa do sangramento seja uma HDA. Melena indica a
presença de sangue no trato digestivo há > 14 horas e por até 3 a 5 dias. Quanto mais proximal
for o local da hemorragia, mais provável será a ocorrência de melena. A hematoquesia
geralmente representa uma fonte de sangramento no trato digestivo inferior, embora uma lesão
no trato digestivo superior possa sangrar tão rapidamente que o sangue ultrapasse o intestino antes
que a melena se desenvolva. Quando é um sintoma inicial da HDA, a hematoquesia está associada
à instabilidade hemodinâmica e queda da hemoglobina. As lesões hemorrágicas do intestino
delgado podem apresentar-se com melena ou hematoquesia. Outros indícios de HDA incluem
peristalse intestinal hiperativa e elevação da ureia sanguínea (devido à depleção de volume e à
absorção de proteínas sanguíneas no intestino delgado).
As características basais que preveem recidiva do sangramento e morte são instabilidade
hemodinâmica (taquicardia ou hipotensão), idade avançada e comorbidades. Protocolos de
avaliação do risco podem ser usados para detectar os pacientes em risco muito pequeno. A alta
do serviço de emergência para tratamento ambulatorial foi recomendada para os pacientes com
escore de Glasgow-Blatchford de 0-1 ou 0-2 para os pacientes < 70 anos porque, quando são
hospitalizados, < 1% desses indivíduos requerem intervenção e < 0,5% morrem.
Balão de Sengstaken Blakemore (BSB): o BSB pode ser considerado no sangramento
esofágico agudo refratário, como uma ponte para a terapia definitiva e permanecendo insuflado
por, no máximo, 24 horas, com monitoramento em unidade de terapia intensiva. O balão
tamponado é efetivo no controle do sangramento em 90% dos pacientes, porém, o risco de
ressangramento com a desinflação do balão é de 50%. As complicações estão presentes em 15 a
20% dos pacientes, sendo elas ulceração esofágica, necrose e perfuração esofágica, necrose de
asa de nariz e pneumonia aspirativa.
Obliteração retrógrada transvenosa balão-ocluído (BRTO – balloon-occluded
retrograde transvenous obliteration): BRTO é uma terapia não cirúrgica que pode ocluir não
apenas as varizes, mas também a alimentação dos vasos aferentes e eferentes. É particularmente
útil em pacientes que sangram por HDA-varicosa gástrica, com veia porta que pode estar não
patente, candidatos ou não ao Tips. A BRTO tem se mostrado terapêutica adequada para varizes
gástricas, com baixas taxas de ressangramento ou recorrência das varizes gástricas.
Ligadura elástica (LE): tratamento de escolha para o controle da hemorragia por ruptura
de varizes esofágicas e para a profilaxia de sangramentos. A LE consiste na colocação de uma
banda elástica na variz esofágica aspirada para o interior de um pequeno cilindro adaptado na
extremidade distal do endoscópio. As complicações incluem disfagia, odinofagia, dor
retroesternal, ulceração e estenose, mas são incomuns.
Escleroterapia endoscópica: apresenta sucesso no controle do sangramento de varizes
esofágicas em mais de 90% dos casos, sendo útil na redução da frequência e na gravidade do
ressangramento das varizes. Deve ser realizada com injeção do esclerosante diretamente no vaso
ou para-vasal. Vários agentes são utilizados em concentrações, volumes e intervalos variados,
entre eles o álcool absoluto, o tetradecil sódico, o polidocanol e o oleato de etanolamina.

■ Escore de Glasgow-Blatchford
Marcador à admissão Escore
Ureia sanguínea (mg/dL)
39 a < 48 2
48 a < 60 3
60 a < 149 4
≥ 149 6
Hemoglobina (g/dL)
12,0 a < 13.0 (homens); 10,0 a < 12,0 (mulheres) 1
10,0 a < 12,0 (homens) 3
< 10,0 6
Pressão arterial sistólica (mmHg)
100-109 1
90-99 2
< 90 3
Frequência cardíaca (batimentos por minuto)
≥ 100 1
Outros marcadores
Melena 1
Síncope 2
Doença hepática 2
Insuficiência cardíaca 2
A infusão de IBP pode ser considerada no momento da apresentação: isto reduz as
complicações da úlcera de alto risco (p. ex., hemorragia ativa) e a necessidade de tratamento
endoscópico, mas não melhora a evolução clínica, inclusive sangramentos subsequentes,
intervenção cirúrgica ou morte. A administração de 250 mg de eritromicina (um fármaco
procinético) por via intravenosa cerca de 30 minutos antes da endoscopia também pode ser
considerada para facilitar a visualização durante o exame: esta medida assegura um aumento
discreto e significativo da positividade diagnóstica e reduz a necessidade de transfusões de
hemácias. Os pacientes cirróticos com HDA devem receber um antibiótico (quinolona ou
ceftriaxona) e um fármaco vasoativo intravenoso ao chegarem ao hospital, mesmo antes da
endoscopia. Os antibióticos controlam as infecções bacterianas e diminuem as recidivas do
sangramento e a mortalidade, enquanto os fármacos vasoativos podem facilitar o controle do
sangramento nas primeiras 12 horas depois da apresentação inicial.
A endoscopia alta deve ser realizada em até 24 horas na maioria dos pacientes com HDA.
Os pacientes de alto risco (p. ex., instabilidade hemodinâmica, cirrose) podem ser beneficiados
pela endoscopia mais urgente em até 12 horas. A endoscopia precoce também é benéfica para
pacientes de baixo risco para facilitar a tomada de decisões (p. ex., alta hospitalar). Os pacientes
com sangramento expressivo e achados endoscópicos de alto risco (p. ex., varizes, úlceras com
sangramento ativo, ou um vaso visível) são beneficiados pelo tratamento endoscópico
hemostático, enquanto os pacientes com lesões de baixo risco (p. ex., úlceras com bases limpas,
erosões, lacerações de Mallory-Weiss sem sangramento) com sinais vitais estáveis, hemoglobina
normal e nenhuma outra comorbidade clínica podem receber alta para casa.
• Avaliação e tratamento da HDB
Pacientes com hematoquesia e instabilidade hemodinâmica devem ser submetidos à
endoscopia digestiva alta para descartar uma lesão do trato digestivo superior antes da avaliação
do trato digestivo inferior.
A colonoscopia realizada depois da administração de uma solução de lavagem por via
oral é o procedimento de escolha para a maioria dos pacientes internados com HDB, a menos que
o sangramento seja profuso, caso em que a angiografia é recomendada. A angiotomografia
computadorizada (angio-TC) é recomendada frequentemente antes da angiografia para
documentar indícios de sangramento ativo e sua origem. A sigmoidoscopia é usada
principalmente nos pacientes com < 40 anos com sangramento mínimo. Para os pacientes que não
tiveram uma causa identificada na colonoscopia, os estudos de imagem devem ser realizados. a
HDB ativa, a angiografia pode detectar o local do sangramento (extravasamento de contraste para
o interior do intestino) e permite o tratamento por embolização.
• Avaliação e tratamento da HDM
Para os pacientes com sangramento profuso supostamente originado do intestino delgado,
as diretrizes atuais recomendam angiografia como exame inicial, reservando a angio-TC ou a
cintilografia com hemácias marcadas por 99mTc antes da angiografia quando as condições clínicas
do paciente permitem. Para os demais casos, pode-se considerar a repetição das endoscopias
digestivas alta e baixa como avaliação inicial, porque os procedimentos endoscópicos repetidos
identificam a causa do sangramento em até cerca de 25% das endoscopias altas e colonoscopias;
uma enteroscopia de propulsão – geralmente realizada com um colonoscópico pediátrico para
examinar todo o duodeno e o jejuno proximal – pode substituir a endoscopia digestiva alta
convencional repetida. Quando os procedimentos endoscópicos repetidos são negativos, deve-se
realizar uma avaliação de todo o intestino delgado, geralmente por videoendoscopia com
cápsula.
A enterotomografia computadorizada pode ser realizada inicialmente em substituição
à videoendoscopia capsular nos pacientes com possível estreitamento do intestino delgado (p. ex.,
estenose, cirurgia ou radioterapia pregressa, doença de Crohn) e pode ser realizada depois de uma
videoendoscopia capsular negativa para investigar suspeita de HD originada do intestino delgado,
considerando que sua sensibilidade é maior para detectar massas localizadas neste segmento do
trato digestivo.
Quando a endoscopia capsular tem resultado positivo, o tratamento subsequente é
determinado pelo que foi demonstrado no exame. Quando a endoscopia capsular é negativa, as
recomendações atuais sugerem que os pacientes possam ser acompanhados ou, quando sua
evolução clínica exige (p. ex., necessidade de transfusões), podem ser submetidos a exames
adicionais. Caso todos os exames sejam inconclusivos, a endoscopia intraoperatória está indicada
para os pacientes com sangramento persistente ou recorrente grave, que necessitem de transfusões
repetidas.
O teste de sangue oculto nas fezes é recomendável apenas como rastreamento para
câncer colorretal dos adultos a partir de 50 anos de idade com risco médio. Um teste positivo
indica a necessidade de fazer colonoscopia. Quando a avaliação do cólon é negativa, o
acompanhamento posterior não é recomendado, salvo na presença de anemia ferropriva ou
sintomas gastrintestinais.

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