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Termos desconhecidos:
Objetivos:
1. Explicar as alterações na coagulação em pacientes cirróticos.
Distúrbios da coagulação associados à insuficiência hepática
O fígado é fundamental à hemostasia porque nele são sintetizadas e depuradas muitas proteínas
anticoagulantes e procoagulantes naturais e componentes essenciais do sistema fibrinolítico. A insuficiência
hepática está associada a um risco elevado de sangramento secundário à síntese insuficiente de fatores
procoagulantes e à fibrinólise exagerada.
Trombocitopenia é uma anormalidade comum dos pacientes com doenças hepáticas e pode ser decorrente
de esplenomegalia congestiva (hiperesplenismo) ou à redução da sobrevida das plaquetas por mecanismos
imunes (cirrose biliar primária). Ademais, anormalidades anatômicas causadas pela doença hepática
subjacente aumentam a suscetibilidade às hemorragias. Disfibrinogenemia é uma anormalidade
relativamente comum nos pacientes com doenças hepáticas, em razão da redução da polimerização da
fibrina.
O desenvolvimento concomitante de coagulação intravascular disseminada (CID) nos pacientes com
doenças hepáticas crônicas não é incomum e pode aumentar o risco de sangramento.
Em geral, os pacientes apresentam prolongamento do TP (tempo de protrombina), do TTPa (tempo de
tromboplastina parcialmente ativado) e do TT (tempo de trombina – dependendo da gravidade da lesão
hepática), trombocitopenia e níveis normais ou ligeiramente elevados dos PDF (produtos da degradação de
fibrina). Os níveis do fibrinogênio estão reduzidos apenas na hepatite fulminante, na cirrose descompensada
ou na doença hepática avançada, ou se o paciente tiver CID. A presença de TT prolongado e os níveis
normais de fibrinogênio e PDF sugerem disfibrinogenemia. Em geral, os níveis do FVIII estão normais ou
elevados nos pacientes com insuficiência hepática e níveis baixos sugerem CID concomitante.
Como o fator V é o único fator sintetizado nos hepatócitos e não é dependente da vitamina K, níveis baixos
podem indicar insuficiência hepatocelular. Níveis normais de fator V e concentrações baixas de fator VII
sugerem deficiência de vitamina K. Os níveis dessa vitamina podem estar reduzidos nos pacientes com
insuficiência hepática em razão dos distúrbios do armazenamento na doença hepatocelular, das alterações
dos ácidos biliares ou da colestase que pode diminuir a absorção da vitamina K. A reposição de vitamina
pode ser recomendável para melhorar a hemostasia.
A apresentação do sangramento em pacientes com doença hepática estável é frequentemente leve ou até
mesmo assintomática. Porém, à medida que a doença progride, o equilíbrio hemostático torna-se menos
estável e é mais facilmente alterado do que nos indivíduos sadios. Além disso, o equilíbrio hemostático é
comprometido por comorbidades, como infecções e insuficiência renal.
Com base nas complicações hemorrágicas clínicas que ocorrem em pacientes com cirrose e nas evidências
laboratoriais de hipocoagulação, como prolongamento do TP/TTPa, pressupõe-se, há muito tempo, que
esses pacientes estejam protegidos contra a doença trombótica. Entretanto, a experiência clínica demonstra
que esses pacientes correm risco de trombose, particularmente aqueles com doença hepática avançada.
Embora a hipercoagulabilidade possa explicar a ocorrência de trombose venosa, de acordo com a tríade de
Virchow, as alterações hemodinâmicas e a lesão vascular também podem ocorrer potencialmente em
pacientes portadores de hepatopatia.
A trombose associada ao fígado, em particular, a trombose da veia porta do fígado e da veia mesentérica, é
comum em pacientes com cirrose avançada. As alterações hemodinâmicas, como a diminuição do fluxo
porta, e as evidências de que a trombofilia herdada pode aumentar o risco de trombose da veia porta em
pacientes com cirrose sugerem que a hipercoagulabilidade também pode desempenhar um papel.
É valido dizer que tais achados são relevantes pois ajudam a evitar uma exclusão errônea de trombose em
pacientes portadores de doença hepática avançada, mesmo na presença de prolongamento dos tempos de
coagulação de rotina, sendo recomendável a cautela na hipercorreção dessas anormalidades laboratoriais.
A hipertensão portal é uma síndrome definida pelo aumento da resistência ou obstrução do fluxo sanguíneo
no sistema porta. Teoricamente, a hipertensão portal é definida por uma pressão na veia porta ≥ 6 mmHg,
porém a hipertensão portal se torna clinicamente significativa apenas quando este valor está ≥ 10 mmHg.
Entretanto, a mensuração direta da pressão nesta veia é de difícil obtenção, a definição usada
habitualmente é feita pelo gradiente de pressão venosa hepática (HVPG), que quando > 5 mmHg, identifica a
existência da hipertensão portal.
Em geral, a hipertensão portal surge da complicação de várias doenças, como a cirrose, a esquistossomose,
neoplasias do fígado, das vias biliares ou do pâncreas, fenômenos tromboembólicos da veia porta e
moléstias supra-hepáticas, como insuficiência cardíaca direita e oclusão da veia cava inferior, por trombos
ou tumores.
Quadro clínico
Abordagem em HDA
Estabilização clínica
É o primeiro passo. Ao abordar um paciente com hemorragia aguda, deve-se sempre realizar o ABC (checar
vias aéreas, respiração e circulação). Após certificado que o paciente não precisa de suporte ventilatório
imediato, pode-se realizar o exame físico, com ênfase para o estado hemodinâmico. A gravidade da
hemorragia pode ser estimada pelo exame físico:
o Um paciente apresentando hipotensão (PA sistólica < 90 mmHg), agitado, confuso ou letárgico, com
extremidades frias, está em choque hipovolêmico – perda estimada > 40% do volume sanguíneo.
o Um paciente taquicárdico em repouso (FC > 100 bpm), com hipotensão postural, provavelmente
teve uma perda de 15 a 30% do volume sanguíneo. Além disso, pode-se dizer que uma queda na PA
acima de 10 mmHg ou uma elevação na FC de mais de 20 bpm/min indicam uma perda de, pelo
menos, 20%.
o Pacientes com perda de volume < 15% geralmente não apresentam hipotensão ou taquicardia.
Lembrando que pacientes recebendo betabloqueador e idosos podem não apresentar taquicardia e que
grávidas e crianças costumam apresentar sintomas com uma perda volêmica consideravelmente maior.
O tratamento inicial dos pacientes com perda de volume estimada em > 15% é baseado na reposição
volêmica vigorosa, inicialmente com solução cristaloide (Ringer lactato preferencialmente, uma vez que é a
solução que mais se aproxima da composição eletrolítica normal do sangue) fluindo através de dois acessos
venosos periféricos calibrosos (deixando a punção de um acesso venoso profundo para um momento
posterior, caso necessário). Apesar da grande maioria dos casos de hemorragia digestiva cessarem
espontaneamente, é comum que durante a reposição volêmica o paciente volte a sangrar. O volume inicial a
ser infundido é de 1500 a 2000 ml de solução cristaloide para o adulto e de 20 ml/kg para a criança.
Um cateter vesical de demora deve ser introduzido, para que se possa quantificar o débito urinário – uma
forma eficiente de avaliarmos a perfusão orgânica (ideal é uma diurese de no mínimo 0,5 ml/kg/h no adulto
e de 1 ml/kg/h na criança).
Oxigênio suplementar pode ser oferecido através de máscara ou cânula nasal, a fim de maximizar a
oxigenação sanguínea.
A indicação de hemotransfusão deve ser individualizada, não dependendo somente da perda estimada de
sangue, mas também dos seguintes fatores: idade, comorbidades (sinais de falências orgânicas) e
persistência ou recorrência do sangramento, os quais são aspectos que indicam uma morbimortalidade
maior do evento hemorrágico. De forma geral, costuma ser indicada para todos pacientes com uma perda
sanguínea maior que 30%. Contudo, a resposta ao desafio volêmico inicial e a presença de comorbidades são
critérios fundamentais para avaliar a indicação de hemotransfusão. O derivado de escolha para reposição é o
concentrado de hemácias. Para cada hemoconcentrado reposto, espera-se um aumento de 0,5 a 1 mg/dl na
hemoglobina e de 3% no hematócrito. Pacientes com sangramento ativo associado a coagulopatia (INR >
1,5) ou plaquetas < 50.000/mm³ devem receber plasma fresco ou concentrado de plaquetas,
respectivamente. Nas hemotransfusões acima de 10 U de concentrados de hemácias, plasma fresco,
plaquetas e cálcio também devem ser repostos de forma rotineira.
Sendo pragmático, pode-se considerar estáveis aqueles pacientes que mantém uma pressão arterial sistólica
superior a 100 mmHg e uma frequência cardíaca inferior a 100 bpm.
Exames Laboratoriais
O hematócrito não é um bom parâmetro para avaliar a perda sanguínea, pois plasma e hemácias são
perdidos em volumes equivalentes, assim o hematócrito inicialmente se mantém, após 1-2 dias após o
sangramento, com redistribuição do plasma e reposição volêmica, é que é verificado a queda real do
hematócrito. No entanto, o hematócrito serve como valor de base para comparar com as novas medidas e
avaliar a perda volêmica e indicar a transfusão sanguínea. Nos pacientes jovens sem comorbidades deve-se
ter como alvo um hematócrito de aproximadamente 20%. Nos idosos o alvo sobe para 30%.
É importante pedir exames de tipagem sanguínea, hemograma completo, bioquímica convencional,
coagulograma e testes de função hepática.
Exames na suspeita
Infecções
As infecções são complicações importantes observadas em portadores de HDAV. Estima-se que 20% dos
pacientes com sangramento varicoso apresentem infecções bacterianas à admissão hospitalar e que cerca
de 50% deles as desenvolvam durante sua hospitalização. A piora da hipertensão portal e o maior risco de
recorrência hemorrágica foram observados em portadores de HDAV que apresentam complicações
infecciosas.
As principais infecções bacterianas que devem ser investigadas sistematicamente no cirrótico são a infecção
urinária, a peritonite bacteriana espontânea (PBE), a infecção do trato respiratório e as bacteremias
espontâneas. Deve-se rastrear infecções em todo cirrótico hospitalizado por HDAV pela coleta de
hemoculturas, punção do líquido ascítico com citologia global e diferencial e cultura (semeada em balão de
hemocultura), análise do sedimento urinário e Rx de tórax.
O emprego de antibioticoprofilaxia tem sido associado à redução na frequência de eventos infecciosos com
melhora na sobrevida de pacientes tratados, tendo sido observado redução do risco relativo de 58% para
infecções e de 29% para mortalidade. Vários esquemas profiláticos foram preconizados, mas o mais
empregado são as quinolonas orais, particularmente o norfloxacino na posologia de 400 mg duas vezes ao
dia, por 7 dias.
Encefalopatia Hepática
É uma complicação neurológica que ocorre em pacientes portadores de disfunção hepática grave. Está
relacionada à falha de detoxificação de metabólitos, principalmente a amônia, provenientes do intestino,
atribuídos à presença de insuficiência hepática e de shunts portossistêmicos (vaso anormal entre a
circulação do fígado e demais órgãos do corpo). É mais frequentemente desencadeada por hemorragia
digestiva alta, infecções agudas, distúrbios hidroeletrolíticos, grande ingestão de proteínas, deterioração da
função hepática e após derivações cirúrgicas portossistêmicas. Sua intensidade varia da forma clinicamente
inaparente ou leve, até a forma aparente e clinicamente evidente.
Em caso de encefalopatia hepática é necessário a hidratação e correção do desequilíbrio eletrolítico. Pode-se
fazer uso de lactulose, um dissacarídeo não absorvível, que resulta em acidificação colônica. Em pacientes
que são intoleráveis, os antibióticos com absorção precária são uma opção. Rifaximina pode ser utilizada.
Suplementação de zinco pode ser útil.
Insuficiência Renal
Os tipos mais frequentes de IR no cirrótico são a hipovolemia com ou sem necrose tubular aguda e a IR
induzida por infecção. A síndrome hepatorrenal pode ocorrer no transcurso de ambas as situações
anteriores.
Deve-se rastrear infecções, particularmente infecção de trato urinário, PBE e infecção respiratória em todo
paciente com HDAV.
O rastreamento de infecções deve incluir ao menos coleta de hemoculturas, punção do líquido ascítico com
citologia global e diferencial e cultura (semeada em balão de hemocultura), sumário de urina e Rx de tórax.
O emprego de antibioticoprofilaxia deve ser mandatório visando reduzir a frequência de infecções,
recorrência de sangramento varicoso e mortalidade.
Pode-se empregar quinolonas orais (norfloxacino 400 mg duas vezes ao dia) ou cefalosporina de 3ª geração
(ceftriaxone 1 g IV/dia), sendo recomendado período de tratamento de 7 dias. Pacientes com cirrose
avançada e/ou instabilidade hemodinâmica devem ser tratados preferencialmente com ceftriaxone
intravenosa.
Com base nas evidências clínicas disponíveis, não se pode recomendar nenhuma medida profilática visando
prevenção de encefalopatia hepática em paciente com HDAV.
Embora a principal causa de insuficiência renal em paciente com HDAV seja a hipovolemia, deve-se avaliar
presença de SHR nestes pacientes e, quando indicado, tratamento com terlipressina e albumina.