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Hipertensão porta

e as complicações
da cirrose
Relevância: Alta
Todos as aulas da Mentoria possuem relevância moderada, alta ou muito alta,
baseado na incidência nas provas de residência médica dos últimos 5 anos.
Hipertensão porta e as complicações da cirrose

Tema com presença constante na parte de clínica médica e cirurgia. Portanto, estude com calma e
afinco todos os detalhes que explicitaremos aqui. Não se esqueça de complementar o conhecimento
com os flashcards e com as questões, hein! Vamos nessa?

O que preciso saber?


A síndrome da hipertensão porta
Para começar é necessário saber o que é uma circulação porta e a anatomia da vascularização
do fígado. Um sistema porta ao invés de ter uma artéria, capilares e uma veia na sequência
que volta para o coração (artéria → capilares → veia → coração), nós temos mais uma veia e
uma rede de capilares neste circuito (ficando da seguinte forma: artéria → capilares → veia →
capilares → veia → coração).
Legal, mas dê exemplos de sistema porta! Temos o sistema porta-hepático e sistema porta
hipotálamo-hipofisário.

Qual o sentido de existir o sistema porta no fígado?


Sabendo que a veia porta é formada a partir da confluência da veia esplênica e da mesentérica
superior, podemos entender que o sangue vindo da mesentérica superior, rico em toxinas e
nutrientes, deve passar por um processo de depuração, não é mesmo? Esse é o processo de
metabolismo de primeira passagem no fígado, que só é possível graças a essa recapilarização
dentro do órgão.
Além disso, este sistema porta é responsável pela vascularização de 75% do parênquima hepático,
enquanto a artéria hepática (um dos três ramos do tronco celíaco, que, somado a ela tem a artéria
gástrica esquerda e a artéria esplênica) vasculariza apenas 25% deste. Ou seja, a vascularização
hepática é, em sua grande maioria, venosa.

A veia porta passa por dentro do ligamento hepatoduodenal junto com o colédoco e a artéria hepática.

Esse sistema dificilmente causaria um aumento da pressão normalmente, uma vez que este é
feito para que quase não gere resistência. Entretanto, caso você lembre da aula de cirrose, a
distorção do parênquima devido à fibrose e aos nódulos de regeneração, acaba por comprimir
os sinusoides hepáticos, aumentando a pressão intravascular nesse sistema. Além disso, a
resposta a esse déficit de vascularização é a liberação de um pool de fatores vasodilatadores
esplâncnicos (principalmente o óxido nítrico) e de fatores angiogênicos (VEGF), que irão auxiliar
na formação de varizes.
Tá bom, mas não entendo como o aumento da pressão nesse sistema causará varizes de esôfago...
veja a figura a seguir.

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Hipertensão porta e as complicações da cirrose

Esquema da drenagem venosa do estômago e formação da veia porta.

Sabendo que a veia gástrica esquerda é responsável pela drenagem do terço inferior do esôfago,
imagina-se que o aumento da pressão na veia porta acabe por gerar déficit do fluxo da veia gástrica
esquerda, ingurgitamento local e formação de varizes.

O quanto de pressão nesse sistema configura uma hipertensão portal?


O gradiente de pressão venosa hepática maior que 5 mmHg configura essa condição, deixando mais
propícia a formação de varizes quando maior que 10 mmHg e a ruptura dessas varizes quando maior
que 12 mmHg. Quanto maior a pressão, maior o risco de hemorragia e mortalidade.

Como aferir essa pressão?


Na prática, por meio da ultrassonografia com doppler do sistema porta, sendo o método de
escolha. Para estudos, pode-se usar a aferição direta (por agulha) ou indireta (por cateterização).
Os principais achados ultrassonográficos na hipertensão portal são calibre da veia porta > 12 mm
e fluxo hepatofugal.
A presença de varizes esofagianas na endoscopia digestiva alta sela o diagnóstico de hipertensão
portal, de maneira que esse exame é obrigatório em pacientes com cirrose hepática.

Ultrassonografia hepática com aumento do calibre da veia porta com fluxo hepatopetal (em direção ao fígado).
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Hipertensão porta e as complicações da cirrose

De maneira a facilitar nossa investigação etiológica, dividimos a hipertensão


portal em:
1. Pré-hepática;
2. Intra-Hepática: (a) pré-sinusoidal, (b) sinusoidal e (c) pós-sinusoidal;
3. Pós-hepática.

Sabendo que a principal causa de hipertensão portal é a cirrose (60% dos casos), vamos explicitar
exemplos das etiologias mais importantes de maneira bem resumida.

Pré-hepática
• Trombose de veia porta: causada por estados de hipercoagulabilidade na maioria das vezes.
É mais comumente vista na população pediátrica, tendo sua origem a partir de infecção na
veia umbilical, sendo a principal causa de hipertensão portal pré-hepática.

• Trombose de veia esplênica: ligada ao aparecimento de varizes hemorrágicas de fundo


gástrico isoladas, principalmente, em pacientes com função hepática normal. A principal
causa de surgimento dessas varizes não é hepática, e sim, a presença de pancreatite
crônica. Causa a chamada hipertensão porta “sinistra” ou segmentar. O tratamento padrão
para essa condição é a esplenectomia.

Intra-hepática
a) Pré-sinusoidal: marcada por esplenomegalia e varizes gastroesofagianas sangrantes.

• Esquistossomose: doença endêmica em diversas regiões do Brasil causada pelo


Schistosoma mansoni. Os ovos deste parasita são carreados do intestino pela circulação
porta, impactando na região pré-sinusoidal devido ao seu tamanho. Posteriormente,
haverá uma fibrose periportal devido a uma cascata de fatores, chamada fibrose de
Symmers. Isoladamente essa parasitose não causa cirrose hepática, porém quando a
Esquistossomose é acompanhada de outras condições causadoras deste distúrbio, isso
pode ocorrer. É a principal causa de hipertensão portal intra-hepática pré-sinusoidal.

• Síndrome de Banti: doença rara que pode estar correlacionada à hipervitaminose A,


exposição à cloreto de vinila (parte do PVC que faz canos) e intoxicação por arsênio.

• Outras causas: sarcoidose, cirrose biliar primária (fase pré-cirrótica), doença de Wilson
(fase pré-cirrótica), malignidade hepática, entre outros.

Apenas de maneira ilustrativa, devemos lembrar que a causa da ascite é justamente o excesso de
líquido nos sinusoides hepáticos, como a lesão é pré-hepática e pré-sinusoidal não causarão ascite!

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Hipertensão porta e as complicações da cirrose

b) Sinusoidal: marcada por toda a síndrome apresentada na cirrose, incluindo ascite.


Os principais sinais de hipertensão portal na cirrose hepática são: presença de varizes esofagogástricas,
esplenomegalia congestiva (causando hiperesplenismo, plaquetopenia, leucopenia e anemia), ascite
e circulação colateral visível no abdome.
→ O sopro sobre a circulação colateral em cabeça de medusa é conhecido como sopro de
Cruveilhier-Baumgarten.

Circulação colateral

c) Pós-sinusoidal: doença hepática veno-oclusiva (causada por reação enxerto-hospedeiro no


transplante de medula óssea, principalmente), irradiação hepática e ingestão de chá jamaicano.

Pós-hepática:
• Síndrome de Budd-Chiari (pode ser caracterizada por pós-sinusoidal por alguns
autores): trombose de algum dos três ramos da veia hepática. Associada a estados de
hipercoagulabilidade. Apresenta ascite volumosa de forma subaguda (semanas a meses),
dor abdominal, icterícia, hepatoesplenomegalia e varizes hemorrágicas.

• Obstrução de veia cava inferior: pode ocorrer por trombose venosa, tumores, cistos ou
abscessos.

• Doenças cardíacas: aumento na pressão das cavidades direitas. Comumente, pode gerar
ascite, entretanto, dificilmente gerará varizes esofagogástricas (exceto se concomitante
à lesão hepática prévia). As principais causas são pericardite constritiva, cardiopatias
orovalvares e cardiomiopatias.
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Hipertensão porta e as complicações da cirrose

Etiologia - Hipertensão Porta

Pré-Hepáticas Intra-Hepáticas Pós-Hepáticas

Pré - sinusoidal:
Trombose de veia porta sarcoidose, Sind. budd Chiari
esquistossomose

Sinusoidal: cirrose
Hipertensão porta Doenças
hepática, hepatite
segmentar (trombose cardiacas(pericardite
aguda, hepatite
de veia esplênica) cosntritiva)
crônica

Causas de hipertensão porta

Ascite
A ascite é um acúmulo de líquido livre na cavidade peritoneal. É uma manifestação comum de
diversas doenças, sendo uma situação passível de investigação pelo clínico. Entretanto, em sua
prova, praticamente haverá duas condições primordiais: lesões peritoneais x hipertensão portal.

CCQ (Conteúdo chave da questão)


A principal causa de ascite no Brasil e no mundo é a hipertensão portal relacionada à cirrose hepática!
Outras causas de ascite são ICC, tuberculose peritoneal e neoplasia.

Semiologia da ascite
Existem sinais semiotécnicos para o diagnóstico da ascite, entre eles: sinal do piparote (só é positivo
acima de 5 litros de ascite, tendo baixa sensibilidade), Macicez móvel de decúbito e semicírculo de Skoda.
A macicez móvel de decúbito consiste na percussão do abdome em posição de decúbito dorsal com a
demarcação do ponto em que a submacicez/macicez substitui o timpanismo abdominal. Em seguida,
pede-se que o paciente assuma decúbito lateral e se verifica a modificação do som ao percutir o
mesmo ponto, devido, principalmente, à mobilização gravitacional do líquido ascítico.

Exames complementares
O exame de escolha é a ultrassonografia de abdome, por identificar pequenos volumes e por ser
segura e não oferecer riscos ao paciente.
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Hipertensão porta e as complicações da cirrose

Como diferenciar doença peritoneal de hipertensão portal?


O mecanismo utilizado para esse diagnóstico é o chamado gradiente albumina soro ascite ou
carinhosamente conhecido como GASA. Tudo começa com uma paracentese diagnóstica, a qual é
exame obrigatório no paciente com ascite.

Paracentese.

Na sequência, é realizada a análise desse líquido ascítico e do sangue do paciente com a verificação
da albumina em ambos. O GASA nada mais é do que o valor da albumina sérica (do sangue) menos
o valor da albumina da ascite.
O valor de referência para você é 1,1, assim:

• Se o GASA for maior ou igual a 1,1, temos um líquido ascítico pobre em proteínas, condição
inerente aos transudatos presentes em cirrose, ascite cardiogênica, entre outras condições
com hipertensão portal.

• Se o GASA for menor que 1,1, temos um líquido ascítico rico em proteínas (exsudatos), o que
configura lesão peritoneal ou de órgão do trato gastrointestinal ou urinário.

Como gravar isso? Eu uso o mnemônico “minha ex é alta e me causou muita lesão”.

Análise do gradiente de albumina soro-ascite


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Hipertensão porta e as complicações da cirrose

Não esquecer que existem condições como ter duas doenças ao mesmo tempo.
Lembrar também que existem diversas análises possíveis do líquido ascítico. São obrigatórios
para uma análise completa: bioquímica, citologia oncótica, coloração de gram (bacterioscopia),
LDH, celularidade e diferencial, glicose, amilase, lipídios, proteínas totais e albumina e cultura do
material. ADA pode ser solicitada em caso de suspeita de tuberculose, assim como a cultura para
micobactérias.
Para ilustrar esse conceito, preste atenção na questão a seguir:
(SUPREMA/MG – 2019) Paciente cirrótico dá entrada no setor de emergência com dor abdominal.
O cirurgião colhe ascite e obtém um valor de albumina igual a 2,5g/dL. Sabendo que o valor da
albumina sérica é de 3,75g/dL pode-se concluir que:

(A) Peritonite secundária é provável e o paciente deve ser submetido à laparotomia.


(B) Tuberculose abdominal é provável. Instituir esquema RIP.
(C) Provável carcinomatose. Enviar material para pesquisa de células neoplásicas.
(D) Os valores são compatíveis com cirrose e hipertensão porta, avaliar leucometria diferencial
para decidir tratar peritonite primária.

Gabarito: letra D.

Após essa breve explicação, ficou muito mais fácil entendermos que se trata de uma ascite com
GASA maior ou igual a 1.1 (3,75 – 2,5 = 1,25), assim podemos marcar a letra D sem medo de sermos
felizes, uma vez que é a única alternativa que se encaixa nessa condição.

CCQ (Conteúdo chave da questão)


GASA maior ou igual a 1,1 é transudato, assim como cirrose com hipertensão portal!

Tratamento
Primeiramente, devemos iniciar o tratamento da condição de base. Depois, a restrição diária de sódio
a 2g/dia e uso de diuréticos (espironolactona – poupador de potássio - e furosemida – diurético de
alça), visando melhor controle hídrico e de sódio. A espironolactona é essencial até mesmo em casos
de ascite na primeira apresentação devido a sua função excretora de sódio. O alvo da perda de peso
diário é de 0,5 kg/dia na ascite sem complicações e de aproximadamente 1 kg/dia em pacientes com
ascite e edema de membros inferiores. A restrição hídrica só é feita quando o sódio está abaixo de
125 mEq/L.
Relembrando a fisiopatologia deste distúrbio fica mais fácil entender porque a base terapêutica
da ascite é a restrição de sódio e o uso de diuréticos. Vamos a ela então: com a vasodilatação
esplâncnica, o corpo aumenta a atividade do sistema renina-angiotensina-aldosterona, impedindo
assim a excreção de sódio e aumentando o volume da ascite. Sacou o motivo da importância dessas
medidas neste tratamento?
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Hipertensão porta e as complicações da cirrose

Outra maneira de controle são as paracenteses seriadas (até de 15/15 dias), entretanto, em
paracenteses com volume retirado maior que 5 litros, deve-se fazer reposição de albumina (coloides)
para a manutenção do volume intravascular e evitar a síndrome hepatorrenal. A dose de albumina
é de aproximadamente 8g de albumina por litro retirado, lembrando que se deve considerar todo o
volume retirado. Exemplo: tirei 8 litros de ascite na paracentese, devo fazer cerca de 64g de albumina
e não apenas 24, entendeu?
E as ascites refratárias? Pode-se empregar esse termo para os pacientes que apresentam ascites
resistentes ao emprego de diuréticos. Nesses casos, a utilização de paracenteses seriadas com
reposição de albumina, se necessário, pode ser feita. Opções cirúrgicas para esse caso são a
derivação portossistêmica transjugular intra-hepática e o transplante hepático.

Complicações da ascite
Peritonite bacteriana espontânea
É a infecção do líquido ascítico sem uma fonte contígua de contaminação, necessitando da
translocação bacteriana a partir do tubo digestivo e a deficiência de opsoninas (proteínas do
complemento no líquido ascítico). Caracteristicamente, é monobacteriana, sendo causada por gram-
negativos entéricos (1º- Escherichia coli, 2º- Klebsiella pneumoniae, entre outros) na maioria das
vezes. Em crianças, a principal bactéria a causar PBE na síndrome nefrótica (principal causa de
ascite em crianças) é o pneumococo.

Diagnóstico:
→ OBS: lembre que todo paciente que interna com ascite em ambiente hospitalar deve passar por
uma paracentese diagnóstica.

1. Contagem de POLIMORFONUCLEARES (PMN) no líquido ascítico maior que 250/mm³.


Lembrar que NÃO são leucócitos! São POLIMORFONUCLEARES!

2. Cultura positiva monobacteriana (demora cerca de 48 horas).

Existem duas variantes possíveis:

a) Bacterascite não neutrofílica: cultura positiva, porém sem contagem de PMN positiva.
Autolimitada na maioria das vezes, entretanto, individualizar o tratamento de acordo com a
clínica. Sintomático? Trata. Não sintomático? Observa.
→ TEM BACTÉRIA NA ASCITE, LOGO, CULTURA POSITIVA.

b) Ascite neutrofílica: contrário à condição anterior, ou seja, com PMN maior que 250/mm³,
porém com cultura negativa. Deve receber antibioticoterapia igual à utilizada na PBE.
→ Tem neutrófilo na ascite, logo, ninguém falou de bactéria aqui!!
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Hipertensão porta e as complicações da cirrose

Peritonite bacteriana secundária


Ocasionada por lesão de víscera, principalmente. Deve ser abordada rapidamente por cirurgia, na
grande maioria das vezes. Os critérios são os seguintes:

Obrigatório: presença de um número de polimorfonucleares maior ou igual a 250/mm³ no líquido


ascítico + dois dos seguintes critérios:

1. Proteína total maior que 1 g/dL

2. Glicose menor que 50 mg/dL

3. LDH elevado

Outra pista para pensar neste diagnóstico é caso a cultura seja positiva para vários germes e não

Diferença do líquido ascítico na PBE


e na Peritonite bacteriana secundária

PBE Perionite bacteriana


secundária
Contagem de células
polimorfonucleares > 250 células/mm³ > 250 células/mm³

Proteínas total < 1g/dl > 1g/dl

Glicose > 50mg/dl < 50mg/dl

LDH Semelhante ao
Sérico Maior que o Sérico

Cultura Única bactéria Polimicrobiano

apenas monobacteriana.
Tabela diferenciando PBE e PBS

Tratamento da PBE
Deve se iniciar antes do resultado da cultura, caso a celularidade seja condizente. O esquema de
escolha é uma cefalosporina de terceira geração (cefotaxime 2 g IV 8/8h por 5 dias). O ceftriaxone
seria uma alternativa. Clavulin e ofloxacino também são descritos como opções. Se PBS, adicionar
metronidazol, visando a cobertura de germes anaeróbios, realizar tomografia computadorizada de
abdome e avaliar indicação cirúrgica.
→ Não esquecer de realizar profilaxia para síndrome hepatorrenal com albumina (1,5 g/kg no 1º
dia e 1,0 g/kg no 3º dia).

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Hipertensão porta e as complicações da cirrose

Profilaxia de PBE

• Primária: indicada em cirróticos após hemorragia do trato gastrointestinal. É feita com


antibioticoprofilaxia: ceftriaxone ou norfloxacino por 7 dias.

• Primária crônica: feita em pacientes com os seguintes critérios:


1 - proteína total em líquido ascítico menor ou igual a 1,5g/dL e, pelo menos um dos
seguintes;

a) Creatinina maior ou igual a 1,2 mg/dL ou BUN maior ou igual a 25 mg/dL (ureia maior
que 53,5 mg/dL) ou sódio menor ou igual a 130 mg/dL.
b) Child-Pugh maior ou igual a 9 pontos e bilirrubina total maior ou igual a 3 mg/dL.

Feita com norfloxacino 400 mg/dia ou sulfametoxazol/trimetoprima (SMX-TMP) por tempo


indeterminado.

• Secundária (após já ter tido PBE uma vez): feita em todos os pacientes que
desenvolveram PBE, também por tempo indeterminado, com norfloxacino ou
sulfametoxazol/trimetoprima.

Síndrome hepatorrenal
Configura-se em um quadro de insuficiência renal aguda (IRA) funcional que ocorre em pacientes
com doença hepática avançada. Caracteristicamente, não há lesão no parênquima renal. A perda
da função renal está correlacionada ao distúrbio hemodinâmico típico da cirrose hepática, o qual
é caracterizado pela vasoconstricção renal associada à vasodilatação esplâncnica causada
principalmente devido à translocação bacteriana intestinal, dessa forma acaba simulando uma
injúria renal aguda pré-renal causada por hipovolemia.
Outra característica importante da síndrome hepatorrenal (SHR) é o sódio urinário geralmente
< 10 mEq/dia, isso ocorre devido a ávida retenção de sódio e água desses pacientes.

Mais um CCQ importante sobre esse assunto são os tipos de SHR:

• Tipo 1 → insuficiência renal de rápida progressão, prognóstico ruim.


• Tipo 2 → insuficiência renal de evolução mais insidiosa, seu prognóstico de curto prazo é
melhor.

Diagnóstico
Sempre que um hepatopata apresentar oligúria ou aumento das escórias nitrogenadas, pensar em
síndrome hepatorrenal.

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Hipertensão porta e as complicações da cirrose

Critérios diagnósticos da International Ascites Club:

1) Doença hepática aguda ou crônica com insuficiência hepática avançada e hipertensão


portal.

2) Creatinina sérica maior que 1,5 mg/dL (ou aumento maior ou igual a 0,3 mg/dL ou maior ou
igual a 50% do valor basal em até sete dias).

3) Ausência de melhora da creatinina, apesar da expansão volêmica com albumina e retirada


de diuréticos.

4) Ausência de outras causas aparentes (choque), uso de drogas nefrotóxicas ou alterações


ultrassonográficas do parênquima renal.

5) Hematúria menor que 50 hemácias por campo de maior aumento e proteinúria menor
que 500 mg/dia.

Fatores precipitantes da Síndrome Hepatorrenal


Os principais fatores precipitantes da SHR são: sangramento gastrointestinal, infecção
(principalmente PBE), diurese intensa com rápida perda de peso e paracentese de grande
volume sem reposição de albumina. Mas, pera aí! Essas etiologias também podem gerar injúria
renal aguda por outros mecanismos (sepse, choque, etc.), como vou saber se é uma SHR? Muita
calma nessa hora!
As outras causas de IRA se resolveriam com os seus tratamentos tradicionais (reposição de
volume, tratamento da sepse e etc.), mas a SHR seguirá seu curso progressivo e responderá
apenas ao tratamento direcionado para os distúrbios hemodinâmicos que caracterizam essa
síndrome.

Tratamento
A melhor terapia é o transplante hepático, sendo considerado o único tratamento que efetivamente
aumenta a sobrevida. Já a abordagem farmacológica consiste no uso de vasoconstrictores sistêmicos
como terlipressina (fármaco de escolha), noradrenalina e octreotide mais midodrina, sendo pouco
efetivos na maioria das vezes.

Varizes esofagogástricas
Uma das principais complicações do aumento da pressão no sistema porta é a formação das
varizes esofagogástricas conforme a fisiopatologia apresentada brevemente na aula 1. A ruptura
dessas varizes é uma das complicações mais temidas de toda a hipertensão portal, sendo a
causa de hemorragia digestiva alta mais comum nos pacientes com cirrose hepática.

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Hipertensão porta e as complicações da cirrose

Fatores de risco para sangramento por varizes:


a) Classificação de Child-Pugh alta
A classificação de Child-Pugh é uma padronização para facilitar a comunicação do estado
clínico dos pacientes hepatopatas, tendo sido desenvolvida originalmente para avaliar o
desfecho de pacientes hepatopatas submetidos às cirurgias de derivação portossistêmicas.
Consiste em 5 itens: presença de Ascite, dosagem de bilirrubinas, dosagem sérica de
albumina, tempo de protrombina ou INR e presença de encefalopatia hepática.

1 ponto 2 pontos 3 pontos

Ascite Ausente Leve Moderada /Grave

Bilirrubina <2 2a3 >3

Albumina >3,5 3,5 a 3 <3

Tempo de protrombina 0-4 4-6 >6

Ou INR <1,7 1,7 a 2,3 >2,3

Encefalopatia Ausente Graus I a II Graus III e IV

Pontuação: 5 a 6 pontos (Child A), 7 a 9 pontos (Child B) e 10 a 15 pontos (Child C).


Considera-se descompensado um quadro a partir de Child B.
E o MELD? Este escore é utilizado para definir colocação do paciente na fila de transplante
visando priorização dos pacientes mais graves. É um cálculo complexo, que envolve log
neperiano, de modo que, para sua prova, necessita apenas gravar seus componentes:
Bilirrubina, INR e creatinina (mnemônico BIC).

E o que é essa encefalopatia hepática?


Vamos dar uma breve pausa para explicar: a encefalopatia hepática é uma complicação
da diminuição da depuração de compostos de amônia pelo fígado, causando um acúmulo
deste composto tóxico no sistema nervoso central. É dividida em graus através da
classificação de WEST-HAVEN (varia de grau I, II, III e IV de acordo com presença de
flapping, alterações de personalidade e alterações cognitivas, podendo até mesmo chegar
ao coma). Seu tratamento consiste na (1) retirada dos fatores precipitantes (profilaxia para
sangramento do TGI, uso correto de diuréticos e profilaxia para PBE), (2) dieta pobre em
proteínas animais e rica em BCAA, (3) uso de lactulose (torna PH mais ácido, facilitando
a excreção da amônia após sua conversão em amônio, além de seu efeito laxativo). (4) O
uso de metronidazol, neomicina e rifaximina podem ser feitos caso não haja controle com
lactulose apenas. Lembrando que nessas situações deve ser feito antibióticos + lactulose e
não apenas o antimicrobiano. A última opção é o transplante hepático.
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Hipertensão porta e as complicações da cirrose

Voltando agora aos fatores de risco para sangramento varicoso:

b) Grau de hipertensão porta:


Quanto maior a pressão intra-sistema porta, maior a chance de sangramento.

c) Calibre e localização das varizes


QUANTO MAIS CALIBROSAS, MAIOR A CHANCE DE SANGRAMENTO. O local de maior
chance de ruptura é no terço inferior do esôfago.

d) Achados endoscópicos como pontos hematocíticos ou sinal da cor vermelha.

e) Ascite volumosa.

Abordagem ao paciente com varizes


Nunca sangrou
Esse paciente será submetido à profilaxia primária para ruptura de varizes caso tenha: (1) varizes
de esôfago de médio/grosso calibre ou (2) varizes de pequeno calibre em pacientes com alto risco
de sangrar (Child B/C ou pontos vermelhos na EDA). A profilaxia é feita com betabloqueadores ou
ligadura elástica das varizes. Entre os betabloqueadores, os mais estudados são o propranolol, o
nadolol e o carvedilol. Deve-se buscar uma frequência cardíaca de 50-55 bpm. A ligadura elástica
de varizes é realizada em pacientes que não toleram a terapêutica farmacológica.

Varizes de esôfago com sinais vermelhos (Cherry-red spots)

Paciente sangrou
Primeiro ponto, realizar a estabilização hemodinâmica do paciente. Deve ser feita reposição volêmica
parcimoniosa (para não aumentar a pressão arterial e acabar por intensificar o sangramento),
podendo fazer uso de concentrado de hemácias (manter hemoglobina entre 7-8 mg/dL) e plasma
fresco congelado se INR > 1,7.
Em seguida, devemos interromper o sangramento. Existem cinco opções possíveis: endoscopia
digestiva alta com ligadura dos vasos, uso de drogas vasoconstrictoras esplâncnicas, uso do

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Hipertensão porta e as complicações da cirrose

balão de Sengstaken-Blakemore, o shunt transjugular intra-hepático portossistêmico (ou TIPS)


e abordagens cirúrgicas. O tratamento preferencial é a combinação de endoscopia digestiva
alta com as ligaduras + terapia farmacológica (esta é feita com octreotide, terlipressina ou
somatostatina).

Por fim, devemos prevenir complicações:

1) Profilaxia de PBE: 7 dias de antibióticos (pode ser ceftriaxone 1 g/dia IV, substituindo
por norfloxacino 400 mg 12/12h quando o sangramento parar e o paciente tolerar a
via oral).

2) Profilaxia de ressangramento (conhecida como profilaxia secundária): junção das ligaduras


elásticas endoscópicas E uso de betabloqueadores.

Para resumir profilaxias, vamos lá:

• Profilaxia primária: betabloqueador ou ligadura elástica.

• Profilaxia secundária: betabloqueador e ligadura elástica + profilaxia para PBE (ceftriaxone/


norfloxacino).

• Caso apresente PBE: norfloxacino para o resto da vida.

• Profilaxia de síndrome hepatorrenal: albumina.

Para ilustrar esse conhecimento, vamos para mais uma questão:

(HC – UFPR – 2019) Você é o médico responsável pelo primeiro atendimento de um paciente
masculino de 51 anos após ter sido realizado o diagnóstico de cirrose hepática por NAFLD. No
momento, não faz uso de medicamentos. Ele nunca apresentou hemorragia digestiva, ascite,
Peritonite Bacteriana Espontânea (PBE) ou encefalopatia hepática. O paciente traz o resultado
de uma endoscopia digestiva alta que evidenciou cordões varicosos de grosso calibre no esôfago.
Ultrassom de abdome demonstrou achados compatíveis com hepatopatia crônica e ausência de
ascite. Nesse caso, a conduta correta é:

(A) Seguimento ambulatorial com exames de rotina, sem necessidade de tratamento adicional.
(B) Ligadura elástica endoscópica das varizes.
(C) Profilaxia de PBE com norfloxacino.
(D) Atenolol.
(E) Furosemida.

Gabarito: letra B.

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Hipertensão porta e as complicações da cirrose

Vamos lá! Trata-se de um paciente com varizes esofagianas sem histórico de sangramento prévio.
Nesse momento, empregaremos a profilaxia primária contra ruptura dessas varizes, que podem ser
feitas com betabloqueadores ou ligadura elástica endoscópica das varizes. Entretanto onde está a
condição causadora de confusão nessa questão? O atenolol é um betabloqueador cardiosseletivo,
não apresentando evidências robustas como o propranolol, o nadolol e o carvedilol. Portanto, não
utilizado para varizes esofagianas.
Importante lembrar que, em caso de sangramento anterior, deveríamos somar os cuidados,
empregando o betabloqueador associado à ligadura elástica endoscópica.

CCQ (Conteúdo chave da questão)


Não sangrou? Uso “ou”. Tem sangue? Uso “e”. Esse é o mnemônico para lembrar a diferença entre as
profilaxias primária e secundária.

Abordagens cirúrgicas à hipertensão portal


Por fim, o tratamento cirúrgico da hipertensão portal se resume em derivação portossistêmica
e cirurgias de desconexão ázigo-porta. Já a abordagem radiológica é o shunt portossistêmico
transjugular intra-hepático ou, carinhosamente conhecido, como TIPS.
A derivação portossistêmica ou portocava consiste em conectar a veia porta (com alta pressão no
momento) com a veia cava (baixa pressão), reduzindo a hipertensão portal, hiperesplenismo e o fluxo
de sangue para as varizes. Entretanto, como não há metabolismo de primeira passagem, muitos
pacientes desenvolviam encefalopatia hepática. Outro problema, lembrando que a vascularização
hepática é, em sua maior parte, derivada do sistema porta, esses hepatócitos com fluxo reduzido,
sofrem isquemia, levando a uma insuficiência hepática acelerada, podendo levar à morte de maneira
acelerada. É a cirurgia de urgência mais utilizada em casos de sangramento varicoso. Assim, com o
passar dos anos e com mais técnicas criadas, as derivações portossistêmicas ou shunts podem ser
feitas mediante derivações não-seletivas, derivações parciais e derivações seletivas.
As totais ou não seletivas são diversas, porém, para sua prova, deve-se levar em consideração:

1) Todas mantém a continuidade do sistema porta, exceto a derivação terminolateral.


2) As principais complicações são ressangramento e insuficiência hepática acelerada.
3) Na derivação esplenorrenal convencional, é realizada a esplenectomia. O coto que sobrou
é conectado à veia renal, podendo trombosar no futuro.

As derivações parciais utilizam próteses com calibres menores, reduzindo o fluxo portal e, ao mesmo
tempo, reduzindo a pressão intravarizes. O risco de encefalopatia e insuficiência hepática é menor.
As derivações seletivas têm em seu maior exemplo a cirurgia de Warren (ou derivação esplenorrenal
distal), sendo essa a cirurgia de escolha na profilaxia secundária de hemorragia por varizes em
paciente sem ascite. Suas complicações mais comuns são a ascite refratária (uma vez que a pressão
intrassinusoidal é mantida) e presença de esplenectomia prévia (por aumentar o risco de trombose).
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Hipertensão porta e as complicações da cirrose

Cirurgia de Warren

Outra opção cirúrgica é a desconexão ázigo-portal. Seu grande exemplo é a cirurgia de Sugiura.
Já nos casos de esquistossomose hepatoesplênica, a cirurgia de escolha para profilaxia secundária
de tratamento foi criada por um brasileiro. Chama-se cirurgia de Vasconcelos ou desconexão ázigo-
portal com esplenectomia.
Entretanto, com o desenvolvimento de meios endoscópicos, medicamentosos e transplante, as
técnicas cirúrgicas vêm sendo cada vez menos utilizadas.

Técnicas cirúrgicas utilizadas nesses casos.

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Hipertensão porta e as complicações da cirrose

TIPS ou derivação portossistêmica transjugular intra-hepática


Consiste na criação de um shunt entre o sistema porta e a veia cava intra-hepática por meio de
hemodinâmica. Corresponde a uma derivação portossistêmica não seletiva, só que sem cirurgia!
Indicada para pacientes (1) aguardando transplante hepático, (2) que ressangraram apesar
da terapia endoscópica e do tratamento medicamentoso e (3) ascite refratária. As principais
complicações são (1) encefalopatia hepática e (2) estenose do stent. As contraindicações
absolutas são (1) insuficiência cardíaca direita, (2) doença policística hepática, (3) hipertensão
pulmonar grave (pressão média > 45 mmHg), (4) sepse ou infecção não controlada e (5) obstrução
biliar não resolvida.

#JJTop3

Diagnóstico de PBE e PBS e suas profilaxias.

Conduta e diagnóstico da ascite.

Síndrome hepatorrenal e profilaxia.

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