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CLÍNICA MÉDICA
Reumatologia
Jean Souza
SOBRE O AUTOR
Jean Souza
Doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP). Residência
médica em Reumatologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Graduado em
Medicina pela FMUSP. Médico assistente do HC-FMUSP.
APRESENTAÇÃO
Caro aluno,
Bons estudos!
SUMÁRIO
1. Artropatias microcristalinas 4. Espondiloartrites e seus
e relacionadas a doenças diferenciais.............................. 84
endocrinológicas.................... 10
4.1 Introdução e epidemiologia........................85
1.1 Introdução................................................................. 11 4.2 Classificação .......................................................85
Referências............................. 132
REUMATOLOGIA
10 | CAPÍTULO 1 - ARTROPATIAS MICROCRISTALINAS E RELACIONADAS A DOENÇAS
ENDOCRINOLÓGICAS
ARTROPATIAS MI-
CROCRISTALINAS
E RELACIONADAS
A DOENÇAS EN-
DOCRINOLÓGICAS
Jean Souza
1
Na prática clínica, quando
se deve suspeitar de uma
artropatia por deposição
de cristais?
1.1 INTRODUÇÃO
As doenças metabólicas se referem a processos patológicos que cursam com alteração na
formação ou depuração de substâncias relacionadas ao funcionamento normal do corpo, como
carboidratos, ácidos nucleicos, lipídios, sinalizadores celulares etc. Intrinsecamente relacionadas
às doenças metabólicas se encontram as doenças endocrinológicas, pois o sistema endócrino
possui como uma de suas principais funções justamente a regulação dos fluxos metabólicos.
Poderíamos nos ater a diversos órgãos acometidos pelas doenças endocrinológicas e metabó-
licas, mas, devido ao propósito restrito desta obra, discutiremos especialmente as artropatias.
Boa parte dos processos que levam uma articulação a adoecer por acúmulo de substâncias
ocorrem devido à precipitação de cristais intra-articulares. De maneira ampla, esse fenômeno
patológico é conhecido como artrite microcristalina. Ademais, endocrinopatias podem também
alterar a deposição de colágeno, tecido muscular e ósseo na estrutura articular e periarticular,
causando alteração na homeostase do aparelho locomotor.
1.2 GOTA
Descrita nos tempos hipocráticos especialmente na forma de podagra (artrite da metatar-
sofalangiana do hálux), a gota ganhou este nome na Idade Média, em referência à pequena
12 | CAPÍTULO 1 - ARTROPATIAS MICROCRISTALINAS E RELACIONADAS A DOENÇAS
ENDOCRINOLÓGICAS
quantidade de líquido que pingava nas articulações de reis e nobres que se ilibavam com álcool
e comilanças (Nuki & Simkin, 2006). Atualmente, é entendida como a manifestação articular e
subcutânea (gota tofácea) da hiperuricemia. É importante ressaltar, contudo, que a hiperuricemia
é associada a diversos outros processos patológicos fora da articulação, como nas patologias
renais e cardiovasculares.
A hiperuricemia se relaciona fortemente com o risco de doenças cardiovasculares. Não existe,
contudo, um consenso sobre se é causa ou apenas um marcador de risco nessas patologias
(Krishnan & Sokolove, 2011; Mazzali et al. 2001).
1.2.1 Fisiopatologia
O ácido úrico é a principal forma pela qual o organismo excreta produtos finais das vias das
purinas. Os níveis séricos de ácido úrico variam no homem (até 7 mg/dL) e na mulher (até 6,5
mg/dL). Acima desses valores, define-se hiperuricemia, e os fluidos que contêm ácido úrico
ficam supersaturados, favorecendo a precipitação de cristais.
Qualquer alteração levando à hiperprodução ou hipoexcreção pode ocasionar hiperuricemia.
Indivíduos podem ser hipoexcretores (90% dos casos) ou hiperprodutores (10%), com base
na uricosúria: aqueles que eliminam menos de 800 mg de ácido úrico na urina de 24 horas
são hipoexcretores; os que eliminam ao menos 800 mg em 24 horas têm rins funcionando
adequadamente e buscam eliminar – geralmente de maneira insuficiente – o excesso de ácido
úrico produzido (hiperprodutores). Entretanto, pode haver a associação das situações. Vários
fatores, incluindo doenças, álcool e medicações, são causas importantes de diminuição na
excreção renal do ácido úrico.
As causas principais de hipoexcreção de ácido úrico são: obesidade, hipotireoidismo, hiper-
paratireoidismo, diuréticos tiazídicos e de alça, etanol, salicilatos em dose baixa, insuficiência
renal crônica e desidratação. As principais causas de hiperprodução, menos frequentemente
presentes, são: psoríase, hemólise, policitemia vera, síndrome de lise tumoral, hipertireoidismo,
deficiência de vitamina B12 e deficiência de G6PD (glicose-6-fosfato desidrogenase).
A mera presença do cristal intra-articular, em geral, não é condição suficiente para que a
destruição articular ocorra. A lesão ocorre porque o cristal é reconhecido pelos fagócitos como
uma estrutura não pertencente ao organismo, gerando uma resposta inflamatória aguda e
transitória. A exposição cíclica a esse processo pode gerar sequelas articulares irreversíveis,
gerando, em última análise, uma osteoartrite secundária.
O período intercrítico é aquele em que as articulações estão fora do ataque agudo de gota.
Apesar disso, cristais de monourato de sódio são frequentemente identificados no líquido sino-
vial. Nesse período, em estágios precoces da doença, a articulação se mantém assintomática,
mas, com a recorrência dos ataques, evolui para a forma crônica.