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Endocrinologia de Cães e Gatos (Prof.

Álan Pöppl)

SUMÁRIO SESSÃO I

Metabolismo da Água, Poliúria e Polidipsia e Diabetes Insípida

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 7
2. POLIÚRIA E POLIDIPSIA ............................................................................................ 8
2.1 Fisiologia do Balanço Hídrico ................................................................................. 9
2.2 Principais Causas de Poliúria / Polidipsia ................................................................ 11
1.3 Abordagem do Paciente ........................................................................................... 13
1.3.1 Anamnese e Exame físico ....................................................................................... 13
1.3.2 Exames Complementares ........................................................................................ 14
1.3.3. Testes Específicos ................................................................................................... 16
2. DIABETES INSÍPIDA ................................................................................................... 21

ENDOCRINOLOGIA DE 2.1 Causas ..................................................................................................................... 22


2.2 Apresentação e Diagnóstico .................................................................................... 23
2.3 Tratamento ............................................................................................................... 24
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 26

CÃES E GATOS SUMÀRIO SESSÃO II


Metabolismo da Glicose, Insulinoma e Diabetes Mellitus

1. HOMEOSTASIA DA GLICOSE ..................................................................................... 27


1.1 Hipoglicemia e Complicações Associadas............................................................ 31
Prof. Álan Pöppl, MV, MSc.
1.1.1 Abordagem do paciente hipoglicêmico ............................................................... 33
1.1.2 Tratamento da hipoglicemia ..................................................................................... 35
Fevereiro de 2008
2. INSULINOMA ................................................................................................................ 36
2.1 Apresentação e Diagnóstico .................................................................................... 36
2.2 Tratamento Médico .................................................................................................. 41
2.3 Tratamento Cirúrgico................................................................................................ 45
3. DIABETES MELLITUS CANINA ................................................................................... 49
3.1 Histórico ................................................................................................................... 49
3.2 Classificação e Etiopatogênese ............................................................................... 51
3.3 Fisiopatologia ........................................................................................................... 59
3.4 Epidemiologia ........................................................................................................... 61
3.5 Apresentação e Diagnóstico .................................................................................... 62
3.5.1 Exame clínico ............................................................................................................ 63
3.5.2. Diagnóstico ............................................................................................................... 65
3.5.3 Exames complementares ......................................................................................... 65
3.6 Tratamento ............................................................................................................... 70
3.6.1 Terapia insulínica ...................................................................................................... 71
3.6.3 Exercícios .................................................................................................................. 79
3.6.4 Agentes hipoglicemiantes orais ............................................................................... 80
3.7 Ajustes Iniciais na Terapia Insulínica ....................................................................... 82
3.7.1 Métodos para o controle glicêmico.......................................................................... 83
3.7.2. Curvas glicêmicas seriadas .................................................................................... 85

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3.8 Complicações Crônicas do Diabetes Mellitus Canina .............................................. 89 2.4.1 Cortisol basal ........................................................................................................... 163
3.8.1 Cataratas ................................................................................................................... 89 2.4.2 Teste de estimulação com ACTH .......................................................................... 164
3.8.2. Uveíte induzida pelo cristalino ................................................................................ 92 2.4.3 Teste de supressão por baixa dose de dexametasona (TSpBDD).................... 166
3.8.3 Retinopatia Diabética................................................................................................ 92 2.4.4 Relação cortisol:creatinina urinária (RC:CU) ....................................................... 168
3.8.4 Neuropatia diabética ................................................................................................. 93 2.4.5. Diferenciação entre HPD e HAD .......................................................................... 169
3.8.5 Nefropatia diabética .................................................................................................. 93 2.5 Tratamento ............................................................................................................. 170
3.8.6. Miocardiopatia diabética.......................................................................................... 94 2.5.1 Tratamento médico ................................................................................................. 170
3.8.7 Hipertensão sistêmica / Aterosclerose.................................................................... 95 2.5.2 Tratamento Cirúrgico .............................................................................................. 177
3.9. Complicações da Terapia Insulínica........................................................................ 95 3. PARTICULARIDADES DO HIPERADRENOCORTICISMO FELINO ......................... 181
3.9.1 Hipoglicemia .............................................................................................................. 95 4. HIPERALDOSTERONISMO ........................................................................................ 184
3.9.2 Persistência ou recorrência dos sinais clínicos ..................................................... 97 4.2 Avaliação Laboratorial e Testes de Diagnóstico .................................................... 185
3.9.3 Efeito Somogyi .......................................................................................................... 98 4.3 Tratamento ............................................................................................................. 186
9.3.4 Anticorpos anti-insulina ............................................................................................ 99 5. HIPOADRENOCORTICISMO (SÍNDROME DE ADDISON) ........................................ 187
3.9.5 Resistência insulínica ............................................................................................. 100 5.1 Etiopatogenia ......................................................................................................... 187
3.10 Prognóstico .......................................................................................................... 102 5.2 Apresentação e Sintomas ...................................................................................... 188
4. PARTICULARIDADES DO DIABETES MELLITUS FELINO ...................................... 102 5.2.1 Sinais Clínicos ......................................................................................................... 188
4.1 Etiopatogenia ......................................................................................................... 103 5.2.2 Avaliação laboratorial e testes diagnósticos ........................................................ 191
4.1.1 Causas de resistência à insulina ........................................................................... 104 5.3 Tratamento ............................................................................................................. 195
4.1.2 Causas de menor secreção de insulina ................................................................ 106 5.3.1 Tratamento inicial do paciente em crise addisoniana ......................................... 195
4.2 Apresentação e Diagnóstico .................................................................................. 107 5.3.2 Tratamento em longo prazo ................................................................................... 197
4.3 Tratamento ............................................................................................................. 109 6. FEOCROMOCITOMA.................................................................................................. 198
4.3.1 Hipoglicemiantes orais ........................................................................................... 110 6.1 Apresentação e Sintomas ...................................................................................... 199
4.3.2 Terapia insulínica .................................................................................................... 111 6.2 Avaliação Laboratorial e Diagnóstico ..................................................................... 201
4.3.3 Manejo Dietético ..................................................................................................... 112 6.3 Tratamento ............................................................................................................. 202
4.4 Monitoramento do Paciente Diabético Felino ......................................................... 112 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 203
4.5 Prognóstico ............................................................................................................ 114
5. CETOACIDOSE DIABÉTICA ...................................................................................... 114 SUMÁRIO SESSÃO IV
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 120
Fisiologia das Glândulas Tireóides, Paratireóides e do Controle do
SUMÁRIO SESSÃO III
Fisiologia das Glândulas Adrenais, Distúrbios do Córtex e da Medula Cálcio e seus Distúrbios

1. FISIOLOGIA DAS GLÂNDULAS ADRENAIS ......................................................... 132 1. FISIOLOGIA DAS GLÂNDULAS TIREÓIDES ............................................................ 212
1.1 Anatomia e Histologia das Adrenais....................................................................... 132 1.1 Anatomo-Histologia ................................................................................................ 212
1.2 Fisiologia do Córtex Adrenal .................................................................................. 133 1.2 Eixo Hipotálamo-Hipófise-Tireóide ......................................................................... 213
1.2.1 Eixo hipotálamo-hipófise-adrenal ...................................................................... 133 1.3 Síntese dos Hormônios Tireoidianos...................................................................... 213
1.2.2 Esteroidogênese ................................................................................................. 134 1.4 Transporte e Metabolismo dos Hormônios Tireoidianos ........................................ 214
1.2.3. Efeitos dos corticóides........................................................................................... 135 1.5 Efeito dos Hormônios Tireoidianos......................................................................... 215
1.2.4 Controle da secreção da aldosterona (sistema renina-angiotensina-aldosterona) 2. HIPOTIREODISMO ..................................................................................................... 216
............................................................................................................................................ 139 2.1 Etiopatogênia ......................................................................................................... 216
1.3 Fisiologia da Medula Adrenal ................................................................................. 140 2.2 Apresentação e Sintomas ...................................................................................... 218
2. HIPERADRENOCORTICISMO (SÍNDROME DE CUSHING) ..................................... 141 2.2.1 Epidemiologia .......................................................................................................... 218
2.1 Etiopatogenia ......................................................................................................... 141 2.2.2. Sinais Clínicos ........................................................................................................ 219
2.2 Apresentação e Sintomas ...................................................................................... 143 2.3 Avaliação Laboratorial e Diagnóstico ..................................................................... 228
2.2.1 Marcadores cutâneos do hiperadrenocorticismo canino .................................... 150 2.3.1 Patologia clínica ...................................................................................................... 229
2.3 Avaliação Laboratorial e Exames Complementares ............................................... 157 2.3.2 Avaliação específica da tireóide ............................................................................ 230
2.4 Testes Endócrinos e Diagnóstico ........................................................................... 163 2.3.4 Síndrome do eutireoideo doente ........................................................................... 236

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2.4 Tratamento e Monitoramento do Paciente ............................................................. 237 5. DISTÚRBIOS RELACIONADOS AOS HORMÔNIOS SEXUAIS ................................ 312
2.5 Hipotireoidismo Felino ............................................................................................ 240 5.1 Tumores Testiculares ............................................................................................. 313
3. HIPERTIREODISMO ................................................................................................... 242 5.1.1 Síndrome de androgenização................................................................................ 313
3.1 Etiopatogênia ......................................................................................................... 242 5.1.2 Síndrome de feminilização ..................................................................................... 317
3.2 Apresentação e Sintomas ...................................................................................... 243 5.2 Distúrbios Ovarianos .............................................................................................. 317
3.2.1 Epidemiologia .......................................................................................................... 243 5.3 Alopecia X .............................................................................................................. 318
3.2.2 Sinais clínicos .......................................................................................................... 243 5.4 Alopecias Secundárias a Castração / Responsivas a Hormônios Sexuais ............ 321
3.2.3 Exames complementares ....................................................................................... 248 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 321
3.3 Avaliação Laboratorial e Diagnóstico ..................................................................... 248
3.3.1 Patologia Clínica ..................................................................................................... 248
3.3.2 Avaliação específica da tireóide ............................................................................ 249
3.4 Tratamento e Monitoramento do Paciente ............................................................. 251
3.4.1 Tratamento médico ................................................................................................. 252
3.4.2 Tratamento cirúrgico ............................................................................................... 254
3.5 Hipertireoidismo Canino ......................................................................................... 256
4. FISIOLOGIA DO CONTROLE DO CÁLCIO E DO FÓSFORO ................................... 257
5. HIPOCALCEMIA ......................................................................................................... 259
5.1 Sinais Clínicos e Diagnóstico ................................................................................. 260
5.2 Tratamento ............................................................................................................. 263
5.3 Hipoparatireoidismo Primário ................................................................................. 264
6. HIPERCALCEMIA ....................................................................................................... 265
6.1 Sinais Clínicos e Diagnóstico ................................................................................. 266
6.2 Tratamento ............................................................................................................. 269
6.3 Hiperparatireoidismo Primário ................................................................................ 270
6.4 Hiperparatireoidismo Secundário ........................................................................... 272
6.4.1 Hiperparatireoidismo secundário renal ................................................................. 272
6.4.2 Hiperparatireoidismo secundário nutricional ........................................................ 274
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ..................................................................................... 276

SUMÁRIO SESSÃO V
Fisiologia e distúrbios relacionados ao GH, tecido adiposo e hormônios sexuais

1. FISIOLOGIA DO HORMÔNIO DO CRESCIMENTO ................................................... 284


2. DISTÚRBIOS RELACIONADOS AO HORMÔNIO DO CRESCIMENTO .................... 286
2.1 Nanismo Pituitário .................................................................................................. 286
2.1.1 Apresentação e sintomas ....................................................................................... 287
2.1.2 Alterações laboratoriais e diagnóstico .................................................................. 288
2.1.3 Tratamento .............................................................................................................. 289
2.2 Hipersomatotropismo ............................................................................................. 290
2.2.1 Apresentação e sintomas ....................................................................................... 291
2.2.2 Avaliação laboratorial e diagnóstico...................................................................... 293
3. O TECIDO ADIPOSO COMO GLÂNDULA ENDÓCRINA .......................................... 296
3.1 Hormônios dos Adipócitos (Adipocitocinas) ........................................................... 296
3.2 Obesidade em Cães e Gatos ................................................................................. 302
4. HIPERLIPIDEMIA ........................................................................................................ 308
4.1 Revisão sobre Metabolismo das Lipoproteínas ...................................................... 309
4.2 Hiperlipidemias primárias ....................................................................................... 311
4.3 Hiperlipidemias Secundárias .................................................................................. 312

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necessária para garantir uma adequada qualidade de vida para o paciente e também para
SESSÃO I os clientes, que muitas vezes estão sofrendo em decorrência da doença de seus animais
de estimação. Além disto, um bom endocrinologista deve ser um excelente clínico geral,
uma vez que os distúrbios endócrinos são decorrentes da excessiva ou reduzida secreção
Metabolismo da Água, Poliúria e de um ou mais hormônios, a repercussão destes desajustes dá-se no organismo como
um todo, e dificilmente o proprietário irá apresentar um animal com a suspeita de uma
determinada doença hormonal. A queixa provavelmente será com relação a algum sinal

Polidipsia e Diabetes Insípida clínico que o paciente venha apresentando, sendo obrigação do Médico Veterinário
identificar ou refutar possíveis endocrinopatias neste paciente. A melhor forma de
identificar um distúrbio hormonal é sempre suspeitar de que possa haver um envolvimento
do sistema endócrino na queixa do proprietário. Desta forma inicia-se um processo de
1. INTRODUÇÃO investigação onde o primeiro passo é pensar, que ou quais doenças hormonais poderiam
estar associadas aos problemas evidenciados pelo paciente. Elegidas estas doenças,
A endocrinologia veterinária de pequenos animais é um ramo do conhecimento deve-se iniciar uma busca por evidencias da existência de tal ou tais distúrbios no
que estuda a fisiologia das glândulas endócrinas, bem como suas disfunções, paciente, através de anamnese minuciosa, exame clínico atencioso e realização de
repercussão das disfunções nos organismos, e os tratamentos para tais disfunções em exames complementares.
cães e gatos. De uma forma geral, a endocrinologia como ciência é importantíssima na
compreensão de inúmeros processos orgânicos como reprodução, crescimento, De uma forma geral, torna-se necessário aos entusiastas em endocrinologia veterinária,
diferenciação, metabolismo, manutenção da temperatura corporal, equilíbrio hídrico, um profundo conhecimento de fisiologia e bioquímica, ciências básicas que ditam a base
função cardiovascular, processos digestivos e controle das reservas de energia. Nas desde a síntese hormonal e processos metabólicos simples, até todos os efeitos e
rotinas dos clínicos de pequenos animais, freqüentemente surgem casos clínicos de repercussões sistêmicas dos hormônios. Esta apostila foi elaborada com o objetivo de
pacientes endocrinopatas. Contudo, muitas vezes o diagnóstico não é realizado, frente a apresentar de forma simples e sumarizada, antes de cada novo tópico, uma sucinta
grande variedade, e muitas vezes sutileza, dos sintomas associados. Neste aspecto a revisão da fisiologia do sistema em estudo, bem como as principais doenças hormonais
formação de profissionais capacitados e dotados de conhecimentos específicos nesta em cães e gatos, com explicações simples e objetivas sobre a fisiopatologia dos
área (endocrinólogos) faz-se necessária com objetivo de melhorar não só a saúde dos processos, sinais clínicos, abordagem do paciente e tratamentos. A opção de iniciar o
animais de companhia, mas também de gerar uma maior satisfação dos clientes com o estudo tratando do tema poliúria é polidipsia é adequada, uma vez que boa parte das
atendimento recebido, e assim valorizar a classe Médica Veterinária. doenças hormonais apresentam estas complicações. Além disso, muitas vezes a poliúria
e a polidipsia são decorrentes de outros distúrbios não-endócrinos.
Uma proporção relativamente pequena dos pacientes atendidos na clínica geral
apresenta distúrbios endócrinos. Contudo, a grande maioria dos pacientes que se 2. POLIÚRIA E POLIDIPSIA
apresentam portadores de alguma endocrinopatia tornam-se pacientes regulares no
consultório em decorrência do caráter crônico da maioria dos distúrbios endócrinos. A síndrome poliúria/polidipsia é freqüentemente observada associada a uma gama
Muitas vezes não existe cura para o problema, mas um rígido controle da afecção faz-se de distúrbios hormonais ou não-hormonais. Define-se poliúria como um volume

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exagerado (mL/kg) de urina por dia, ao passo que polidipsia é definida como uma membrana luminal das células tubulares e dos ductos coletores. Sem o efeito do ADH,
ingestão excessiva (mL/kg) de água por dia. Desta forma, é preciso conhecer qual a faixa estas células são impermeáveis à água, havendo somente alterações na concentração de
normal de ingestão de água e produção de urina em mililitros por quilograma de massa soluto neste segmento. Contudo, na presença de ADH, as aquaporinas formam
corporal para cães e gatos. O consumo de água diário de cães e gatos normalmente varia verdadeiros canais que possibilitam a passagem de água da luz tubular para o meio
entre 20 e 90 mL/kg/dia, sendo que se considera a ocorrência de polidipsia quando a intracelular. Uma vez ligado a seus receptores do tipo V 2 nestas células, o ADH estimula o
quantidade ingerida de água diária for superior a 90-100 mL/kg/dia em cães ou for aumento no AMPc (adenosina mono-fosfato cíclica) intracelular, promovendo a
superior a 45 mL/kg/dia em gatos. Uma densidade urinária menor ou igual a 1.015 sugere translocação para membrana luminal de vesículas intracelulares contendo as
a ocorrência de poliúria, definida classicamente por uma diurese superior a 50 mL/kg/dia aquaporinas.
tanto para cães quanto para gatos. O volume urinário normal para ambas as espécies fica
entre 20-45 mL/kg/dia. Outros hormônios participam do controle do volume urinário, como por exemplo a
aldosterona e o peptídeo atrial natriurético. A aldosterona (hormônio esteróide com
2.1 Fisiologia do Balanço Hídrico atividade mineralocorticóide – associado ao controle do sódio no organismo) será
discutida com maiores detalhes no Módulo três, porém sua secreção pelo córtex adrenal
Basicamente, o balanço hídrico do organismo é controlado pelo equilíbrio entre a após a liberação de renina, e conseqüente ativação do eixo renina-angiotensina-
ingestão e a perda de água pelo organismo. Muitas perdas hídricas não são passíveis de aldosterona, resulta em uma maior reabsorção de sódio no néfron distal, e
regulação (sudorese, respiração, fezes); contudo, a micção apresenta um delicado conseqüentemente maior reabsorção de água. O peptídeo atrial natriurético (PAN) é um
sistema de controle, não só de volume, mas também de solutos. O hormônio antidiurético pequeno peptídeo que é secretado pelos átrios cardíacos frente a maior distensão das
(ADH, arginina vasopressina), além do discreto efeito pressórico sobre os vasos fibras cardíacas em situações de hipertensão ou hipervolemia. O efeito do PAN sobre os
sanguíneos, apresenta um importante papel na manutenção da água no organismo. rins é estimular a excreção de sódio, inibindo sua reabsorção. Como conseqüência há
uma maior perda hídrica.
O principal estímulo para a secreção de ADH, sobre condições fisiológicas, é o
aumento na osmolaridade plasmática, detectada por osmoreceptores hipotalâmicos. Além de controlar a diurese, o organismo utiliza o mecanismo de sede para
Aumentos no valor da osmolaridade plasmática (aproximadamente 285 mosm/L – controlar o balanço hídrico, uma vez que a capacidade do ADH para reduzir o volume
miliosmóis por litro – em um ser humano saudável) da ordem de 1%, são suficientes para urinário é limitada. O ADH não consegue reduzir o volume urinário abaixo da quantidade
provocar a secreção de ADH. Contudo, frente a osmolaridades menores que 285 necessária para excretar uma determinada concentração de solutos, o que resulta na
mOsm/L, a secreção do ADH é suprimida a valores quase indetectáveis (< 1 pmol/L). perda urinária constante, mesmo se o indivíduo for privado de água, uma vez que
Outros estímulos como a hipovolemia e a desidratação também estimulam a secreção de enquanto houver débito cardíaco e filtração glomerular haverá uma carga de solutos na
ADH. Uma vez secretado, seu sítio de ação é o néfron distal (túbulo contorcido distal e luz dos néfrons. Desta forma um mecanismo adicional como o de sede, é necessário para
ductos coletores), onde irá exercer seu efeito antidiurético. Esta ação antidiurética é repor as perdas renais e demais perdas insensíveis de água. O mecanismo de sede
decorrente da reabsorção de água livre de solutos a partir da luz do néfron distal, normalmente é ativado pelos mesmos estímulos ativadores da secreção de ADH, porém
reduzindo assim o fluxo urinário. para ocorrer, é preciso um aumento maior da osmolaridade que a necessária para
estimular o ADH. Observa-se o mesmo com relação a volemia e pressão arterial. Desta
O ADH estimula esta reabsorção de água pela criação de canais para água na forma a sede é um mecanismo que normalmente só é ativado após ter havido

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estimulação máxima do ADH. Apesar disto estes mecanismos garantem a manutenção do e comumente animais com este tipo de distúrbio vivem em ambientes restritos. Contudo
equilíbrio hídrico atuando em conjunto. pode haver distúrbios idiopáticos no centro da sede causando uma ingestão excessiva de
água. De qualquer forma, nestes casos ocorre uma supressão da secreção do ADH em
2.2 Principais Causas de Poliúria / Polidipsia decorrência da ingestão excessiva de água.

Na maioria dos casos, existe uma doença de base que provoca poliúria por A diabetes insípida central, também chamada de diabetes insípida responsiva ao
mecanismos distintos, e polidipsia compensatória. Contudo algumas condições clínicas ADH, é de rara ocorrência, e normalmente esta associada à incapacidade total, ou parcial,
estão associadas a polidipsia primária e poliúria compensatória. As principais causas de da neuro-hipófise em secretar ADH frente a estímulos como aumento da osmolaridade
poliúria/polidipsia estão listadas na Tabela 1. plasmática, por exemplo. Esta incapacidade pode estar associada a alterações
congênitas, ou a lesões adjacentes aos neurônios secretores do hormônio. Contudo, na
Tabela 1. Lista das principais causas de polidispia primária com poliúria secundária, e das maior parte das vezes a origem para o problema é idiopática. A diabetes insípida
principais causas de poliúria primária, com polidipsia secundária. nefrogênica primária refere a uma condição rara onde os túbulos renais são irresponsivos
CAUSAS DE POLIDIPSIA PRIMÁRIA CAUSAS DE POLIÚRIA PRIMÁRIA ao ADH, apesar de este ser secretado de forma normal. Esta alteração pode ser funcional

Polidipsia psicogênica Diabetes insípida central ou estrutural, contudo ocorre uma insensibilidade do néfron aos efeitos antidiuréticos do

(compulsão por beber água) (falta de ADH) ADH.

Diabetes insípida dipsinogênica Diabetes insípida nefrogênica primária


(distúrbio do centro da sede) (congênita ou familiar) A forma mais comum de poliúria primária observada na clínica é o que pode ser
chamado de diabetes insípida secundária, ou adquirida. Nesta situação, uma desordem
Transtornos metabólicos Diabetes insípida nefrogênica secundária
renal, metabólica ou hormonal promove uma insensibilidade renal ao ADH. Esta
(hipertireodismo, insuficiência hepática) (acromegalia, insuficiência renal crônica,
insensibilidade normalmente é reversível se a causa do problema for identificada e tratada
drogas, doenças hepáticas,
(p. ex. piometra, pielonefrite). De uma forma geral, a ocorrência de poliúria e polidipsia
hiperadrenocorticismo, hipercalcemia,
pode agravar ainda mais o problema por causar a perda excessiva de solutos do
hipertireodismo, hipoadrenocorticismo,
interstício renal (sódio, uréia). A taxa de fluxo aumentada nos túbulos renais reduz a
hipocalemia, diurese pós-obstrutiva,
absorção destes solutos, provocando uma menor concentração destes na medula renal
pielonefrite, piometra)
(washout medular). O resultado final é uma diminuição na força osmótica para absorção
Diurese osmótica
do líquido tubular, resultando em mais poliúria.
(diabetes mellitus, glicosúria renal primária,
diurese pós-obstrutiva, falência renal,
Condições como a diabetes mellitus, síndrome de Fanconi (glicosúria renal
hipoadrenocorticismo – natriurese, uso de
primária) ou períodos pós-obstrutivos, onde uma grande quantidade de solutos estão
diuréticos, dietas pobres em proteínas)
presentes na luz tubular, resultam em diurese osmótica, uma vez que estes solutos
impedem a reabsorção adequada de água. Da mesma forma, no hipoadrenocortcismo
Em geral a ocorrência de polidipsia psicogênica esta associada a uma alteração
ocorre uma deficiência da secreção da aldosterona, resultando numa reabsorção de sódio
comportamental, muitas vezes para chamar atenção do proprietário (especialmente cães),
inadequada com conseqüente aumento na carga de sódio no fluído tubular (natriurese).

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Esta maior carga de sódio no túbulo distal promove um efeito osmótico, inibindo a presença de andar plantígrado em um gato com poliúria e polidipsia é extremamente
reabsorção de água com conseqüente diurese osmótica. sugestivo de diabetes mellitus. Os linfonodos do paciente devem ser cautelosamente
avaliados em busca de linfadenopatia, que pode indicar linfoma com hipercalcemia
1.3 Abordagem do Paciente secundária. A presença de um tumor perianal (adenocarcinoma de saco anal) também
pode estar associado a hipercalcemia, com poliúria/polidipsia concomitante. Contudo,
1.3.1 Anamnese e Exame físico animais com diabetes insípida ou polidipsia psicogênica normalmente apresentam-se
alertas e ativos não costumando apresentar alterações ao exame clínico. Nem mesmo
Inicialmente frente à queixa de poliúria/polidipsia é de fundamental importância desidratação é visível nestes pacientes, uma vez que eles só desenvolverão este sintoma
determinar o real volume de água ingerido por dia, e evitar confusão entre poliúria, se tiverem acesso à água restrito.
polaciúria (micção freqüente de volumes pequenos) e incontinência urinária. Depois de
verificada a magnitude do problema, torna-se interessante iniciar uma busca detalhada 1.3.2 Exames Complementares
por sinais clínicos e dados de anamnese que possam justificar a causa do problema.
Histórico recente de traumatismo, uso de medicações, mudanças de dieta, estado O exame qualitativo de urina (urinálise) é talvez o exame mais simples e importante
reprodutivo, idade, sexo e raça podem auxiliar a descartar algumas causas inicialmente. a ser solicitado frente à queixa de poliúria/polidipsia. A hipostenúria (densidade específica
Porém de uma forma geral uma abordagem completa do paciente faz-se necessária para da urina – DEU – menor que 1.008), isostenúria (DEU entre 1.008 e 1.012) ou uma DEU
identificar a origem do distúrbio. Uma anamnese minuciosa é mandatória na investigação inferior a 1.025 devem estar obrigatoriamente presentes. A avaliação da DEU é
da saúde geral do animal e nos demais aspectos relevantes ao processo investigativo. A importante porque permite uma boa diferenciação entre causas para o problema. Por
questão da dieta é muito importante de ser investigada. A troca de dieta de uma ração exemplo, a hipostenúria persistente afasta a possibilidade de insuficiência renal uma vez
úmida para ração seca, pode causar polidipsia e poliúria pela menor quantidade de água que demonstra que os rins ainda são capazes de alterar (diluir) a urina. A hipostenúria
ingerida na dieta, e eventualmente maior teor de sal. Da mesma forma, dietas persistente normalmente esta associada a polidispsia psicogênica, diabetes insípida
hipoprotêicas podem causar a redução de solutos nos rins prejudicando a reabsorção de central total ou hipertireodismo em gatos. Ocasionalmente pacientes com
água (washout medular) levando a poliúria e polidipsia. O inicio dos sintomas após hiperadrenocorticismo pode apresentar hipostenúria. Uma DEU entre 1.008 e 1.029 no
mudanças na dieta são extremamente sugestivos de que esta possa ser a causa do geral está associada com formas de diabetes insípida nefrogênica, apesar de
problema. Uso de medicamentos (glicocorticóides, diuréticos, fenobarbital, primidona) ocasionalmente casos de polidipsia psicogênica e deficiência parcial na secreção de ADH
pode levar a poliúria/polidipsia e seu uso deve ser investigado durante a anamnese. possam resultar em DEU nesta faixa. Pacientes com diabetes mellitus devem
obrigatoriamente apresentar glicosúria, o que costuma causar DEU normalmente superior
Muitas vezes fica fácil identificar o problema quando a doença que esta causando a 1.035. Uma DEU superior a 1.030, sem glicosúria, descarta a existência de poliúria.
poliúria/polidipsia esta apresentando uma manifestação clássica. Por exemplo, uma
fêmea em diestro com secreção vaginal purulenta e abdômen dolorido e distendido No exame químico da urina, a presença de proteinúria pode indicar desde
(piometra), um cão de meia-idade a idoso com rarefação pilosa bilateral e abdômen processos patológicos glomerulares até infecção do trato urinário inferior, contudo; a
pendular (hiperadrenocorticismo), um felino com queixa de emagrecimento, agitação e avaliação do sedimento urinário é útil nesta avaliação. Por exemplo, a bacteriúria poderia
tireóides palpáveis (hipertireodismo), ou um paciente com poliúria/polidipsia, polifagia, indicar pielonefrite, assim como a piúria, contudo diversa doença que cursam com
perda de peso e surgimento abrupto de cataratas bilaterais (diabetes mellitus). A poliúria/polidipsia predispõe o paciente a infecções do trato urinário sem existência de

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pielonefrite. É extremamente indicada a realização de cultura e antibiograma de amostras Azotemia pré-renal Hipoadrenocortcismo
de urina com baixa DEU, uma vez que o sedimento urinário pode estar diluído no grande Azotemia renal Insuficiência renal, hipercalcemia
volume urinário. Da mesma forma a presença de cilindros hialinos, celulares, granulosos Baixa concentração de uréia Diabetes insípida central, insuficiência hepática
ou céreos podem fornecer boas pistas de processos patológicos do trato urinário Aumentos na atividade das Doenças hepáticas, insuficiência hepática,
associadas à poliúria/polidipsia. enzimas ALT e FAS hiperadrenocorticismo, hipoadrenocorticismo,
diabetes mellitus, uso de fenobarbital
Contudo, demais exames de rotina fazem-se necessários para avaliação do
Hiperglicemia Diabetes mellitus, hiperadrenocorticismo, uso de
paciente. Uma boa base de dados deve ser obtida com objetivo de auxiliar no diagnóstico
glicocorticóides
de determinadas patologias. O hemograma pode indicar desidratação, pelo aumento do
Hipercalcemia Hipercalcemia maligna, linfoma, adenocarcinoma de
hematócrito; infecções (piometra, pielonefrite) ou anemia (hipoadrenocorticismo,
sacos anais, hipoadrenocorticismo, insuficiência
insuficiência renal crônica, neoplasias). Cães com síndrome de Cushing ou gatos com
renal, hiperparatireodismo primário
hipertireodismo tendem a apresentar hemograma de estresse (neutrofilia com
Hiperlipidemia Diabetes mellitus, hiperadrenocorticismo
eosinopenia e linfopenia). Um perfil bioquímico completo permite uma excelente avaliação
Hipocalemia Diabetes mellitus, hiperaldosteronismo, insuficiência
do paciente, e associado ao hemograma, dados de anamnese e exame clínico na maioria
renal, perdas gastro-intestinais
das vezes é possível firmar um diagnóstico presuntivo sem sequer avaliar a urina.
Hipercalemia Hipoadrenocorticismo, insuficiência renal crônica
Hiponatremia Hipoadrenocorticismo, polidipsia primária,
Neste sentido; torna-se importante ter-se disponível uma base de dados completa
insuficiência hepática, insuficiência renal
do paciente, e um perfil bioquímico completo torna-se bastante útil na abordagem do
Hipernatremia Diabetes insípida central ou nefrogênica primária ou
problema. A Tabela 2 apresenta as principais causas de anormalidades bioquímicas
secundária
freqüentemente observadas em cães com poliúria / polidipsia. A avaliação da natremia
(concentração do sódio plasmático) é interessante por auxiliar na investigação de
A avaliação de imagens de ultra-sonografia muitas vezes auxilia bastante o
polidipsia primária e de poliúria primária. Animais com polidipsia psicogênica ingerem
processo diagnóstico ao evidenciar a presença de útero distendido por conteúdo
volumes excessivos de água e acabam diluindo o meio extracelular (que torna-se
hiposomótico), resultando em hiponatremia. Animais que apresentam distúrbios anecogênico (piometra), perda da definição cortico-medular renal (insuficiência renal
crônica), dilatação da pelve renal e do inicio do ureter (pielonefrite, hidronefrose inicial) ou
associados a maior perda renal de água, tendem a apresentar diferentes graus de
ainda adrenomegalia associada a hepatomegalia com parênquima hiperecogênico
desidratação, concentrando o meio extracelular (que torna-se hiperosmótico) com
(hiperadrenocorticismo).
conseqüente hipernatremia.

1.3.3. Testes Específicos


Tabela 2. Principais anormalidades bioquímicas observadas frente a diferentes causas de
poliúria / polidipsia em pequenos animais.
Quando ainda restam dúvidas sobre a origem da poliúria/polidipsia pode-se lançar
ANORMALIDADES NA CAUSAS QUE CURSAM COM POLIÚRIA /
mão de alguns testes mais específicos, uma vez que algumas causas de poliúria/
BIOQUÍMICA SANGUINEA POLIDIPSIA
polidipsia não ficam nítidas durante anamnese, exame clínico e exames laboratoriais de

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rotina. Por exemplo, frente a isostenúria persistente, paira a suspeita de insuficiência renal ADH frente à desidratação, e a capacidade dos rins em responder normalmente a este
crônica, apesar da ausência de azotemia. Isto pode ser possível porque a azotemia só irá aumento na concentração plasmática do ADH. Salienta-se que todos estes testes devem
ocorrer após cerca de 75% dos néfrons estarem afuncionais, apesar de muito antes já ser realizados somente após a realização de todas as outras provas de rotina, e se ainda
haver insuficiência renal, com, por exemplo, isostenúria persistente. Da mesma forma não tiver sido possível reconhecer a causa da poliúria e polidipsia. Além disto é
quadros de diabetes insípida central são de difícil diagnóstico clínico, havendo a extremamente contra-indicada a realização deste teste em animais desidratados ou com
necessidade de testes específicos. De uma forma geral estes testes são trabalhosos, azotemia, sob risco de ocorrer choque hipovolêmico.
necessitam de internamento, e representam alguns riscos para o paciente, de forma que é
importante ponderar bem a necessidade da realização deles antes de submeter o O protocolo é relativamente simples, embora o teste completo seja bastante
paciente. Consultando a literatura especializada é possível encontrar diversos protocolos oneroso e trabalhoso. Alguns autores recomendam a privação gradual de água ao longo
de testes específicos. de 2-3 dias antes do teste para minimizar os efeitos do washout medular, uma vez que
independente da causa da poliúria/polidipsia ocorrerá perda de solutos da medula renal, o
A avaliação da taxa de filtração glomerular é importante na avaliação de isostenúria que pode prejudicar a resposta renal ao ADH durante o teste. O teste de privação de água
persistente, e o teste da eliminação da creatinina endógena (clearance de creatinina) é é realizado em três estágios:
um teste que se aplica a este fim. A bexiga urinária deve ser esvaziada após sondagem
vesical com um cateter de Foley (ou com sondagens repetidas), e toda urina produzida ao Estágio 1. A redução gradual da água inicia-se 3 dias antes, sendo que no primeiro
longo de 8 a 24 horas deve ser coletada, medindo-se o volume total colhido. Mede-se a dia o paciente tem acesso ao dobro de sua necessidade diária de água normal (120-150
creatinina urinária (mg/dL) e ao final do período mede-se a creatinina sérica em uma mL/kg) dividido em 8 pequenas partes ao longo das primeiras 24 horas. No dia seguinte
amostra de sangue. A eliminação da creatinina (EC) é igual a: EC = [volume urinário (ml) oferece-se somente 80-100 mL/kg de água e no terceiro dia oferece-se somente a
x creatinina urinária (mg/dL)] / [tempo (min) x creatinina sérica (mg/kg) x peso corporal quantidade necessária para atender a necessidade de manutenção do indivíduo (60-80
(kg)]. De uma forma geral; valores menores que 1,5 mL/kg/min são anormais e mL/kg). Estágio 2. Nesta fase ocorre a retirada abrupta da água com o objetivo de
compatíveis com insuficiência renal não azotêmica. Os valores de referência para cães promover a secreção máxima de ADH assim como a DEU máxima. Normalmente isto
ficam entre 2 – 4,5 mL/kg/min e para gatos entre 1,6 – 3,8 mL/kg/min. Como este teste ocorre quando se atinge uma redução do peso corporal entre 3 e 5 %. Submete-se o
oferece um resultado grosseiro, uma redução leve no valor de eliminação não deve ser paciente a jejum de 12 horas, passa-se uma sonda urinária para esvaziar completamente
considerada como insuficiência renal. Uma boa dica na interpretação é que se o valor for a bexiga, mensurando a DEU desta amostra. O animal deve então ser pesado,
superior a 7 mL/kg/dia é indicativo de erro no procedimento, seja na coleta de urina, preferencialmente em balança de precisão, e uma amostra de sangue deve ser colhida
mensuração do volume ou da creatinina, e todo processo deve ser repetido. Uma das para mensuração de uréia plasmática. A partir deste momento o paciente não recebe
principais limitações, é que a presença de um valor reduzido não assegura que esta é a mais nada água e a cada 2 horas o paciente é reavaliado. O objetivo é obter uma DEU
causa da poliúria/polidipsia, além do risco de infecção urinária pela sondagem repetida ou maior que 1.030, ou uma perda de peso maior ou igual a 5% do peso corporal inicial.
manutenção de uma sonda uretral. Sinais clínicos de apatia e prostração podem indicar colapso circulatório secundário à
desidratação intensa são sinais para interromper imediatamente o teste, mesmo que não
O teste de privação de água é um teste específico importante para diferenciar se tenha atingido o objetivo. Diga-se o mesmo se for detectada azotemia durante o teste.
cães com polidipsia psicogênica de cães com diabetes insípida central ou diabetes
insípida nefrogênica primária. O princípio do teste é avaliar a capacidade de secreção de Animais com diabetes insípida central completa ou diabetes insípida nefrogênica

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primária não conseguem concentrar a urina a DEU superiores a 1.007 apesar da nefrogênica primária ou polidipsia psicogênica.
desidratação. Animais com diabetes insípida central parcial conseguem concentrar a urina
acima da DEU 1.008, mas ficam abaixo de 1.020. Animais com polidipsia psicogênica Para realizar o teste o dono do animal deve controlar diariamente a ingestão de
conseguem aumentar a densidade urinária até valores de DEU superiores a 1.030. Para água ao longo de 24 horas, por 2-3 dias antes do inicio do teste, permitindo ao animal
diferenciação entre a diabetes insípida central completa e diabetes insípida nefrogênica livre acesso á água, sem qualquer restrição. A partir daí passa-se a administrar doses
primária, realiza-se a terceira fase do teste. terapêuticas (1 a 4 gotas a cada 12 horas) de DDAVP (apresentação intranasal) por via
subconjuntival por 5 a 7 dias, e durante este período deve-se solicitar que o proprietário
Estágio 3. Caso a densidade urinária seja inferior a 1.030 após o teste de privação siga mensurando o volume de ingestão hídrica do animal a cada 24 horas. É interessante
hídrica e perda de 5% do peso corporal, administra-se acetato de desmopressina (DDAVP monitorar a concentração de sódio plasmático durante o teste para evitar hiponatremia,
– um análogo sintético do ADH) por via intravenosa. A desmopressina esta disponível na uma vez que alguns cães com polidipsia psicogênica reduzem o volume urinário frente ao
forma de preparação para uso intranasal (100 µg/mL), devendo ser passada por um filtro DDAVP, porém sem reduzir a ingestão de água, podendo ocorrer intoxicação por água
bacteriostático antes da aplicação. Recomenda-se a dose de 5 µg para gatos e cães com associada a hiponatremia, o que pode ter conseqüências desastrosas (p.ex. óbito).
menos de 15 kg e 10 µg para cães com mais de 15 kg. Após isto se deve seguir Apesar disto, a maioria dos animais com polidipsia psicogênica apresentam uma redução
mensurando a DEU a cada 2 horas por até 10 horas (resposta máxima normalmente no volume ingerido, contudo, esta redução é pequena e o volume hídrico ingerido por dia
ocorre entre 4 e 8 horas após a administração). Um aumento na DEU maior que 10% é segue exagerado. Espera-se uma redução maior que 50% na ingestão de água após o
compatível com diabetes insípida central (p. ex. de 1.001 para 1.009 ou 1.010 para inicio do tratamento em cães com diabetes insípida central. A total falta de resposta ao
1.019). Aumentos na DEU inferiores a 10%, ou falta de resposta, são sugestivas de ensaio clínico é sugestiva de diabetes insípida nefrogênica primária.
desordens causadoras de resistência ao ADH (diabetes insípida nefrogênica ou polidipsia
psicogênica - apesar de que cães com polidipsia psicogênica possam concentrar a urina a Da mesma forma, pode-se acompanhar a resposta do animal ao ensaio clínico
valores superiores a 1.030). É importante lembrar que fica muito fácil haver confusão na através da DEU, que deve apresentar um aumento após o tratamento, da mesma forma
interpretação deste teste caso TODAS as causas de diabetes insípida nefrogênica que citado para administração intravenosa do ADH. Contudo, a ingestão de água parece
secundária não tenham sido descatardas, uma vez que a maioria das doenças que ser o fator mais fácil e confiável de avaliar. É importante lembrar que diabetes insípida
perturbam a secreção e/ou a sensibilidade renal ao ADH podem causar déficit no nefrogênica parcial pode apresentar resultados similares aos observados frente a
aumento da DEU frente à desidratação ou administração de desmopressina. O principal diabetes insípida central (redução na ingestão de água a menos de 50% do inicial), porém
exemplo disto é o hiperadrenocorticismo não diagnosticado. menos satisfatórios.

O diagnóstico terapêutico através da resposta ao tratamento com Fechando-se o diagnóstico de polidipsia primária (psicogênica), o tratamento pode
desmopressina pode ser realizado de forma mais simples e prática em substituição ao ser realizado através de mudanças ambientais e comportamentais, como aumentar a
teste de privação de água acima descrito. Este teste também pode ser aplicado naqueles rotina de exercícios, manter o animal em um ambiente mais espaçoso, aumentar o
casos onde não foi possível chegar a um diagnóstico após o teste de privação de água. contato do animal com pessoas, bem como introduzir um novo animal para fazer
Da mesma forma que acima citado, é fundamental antes de submeter o paciente a este companhia ao cão. Estas medidas podem ter êxito uma vez que a maioria dos cães com
tipo de teste, ter excluído todas as demais possibilidades de poliúria e polidipsia, restando polidipsia primária são cães sedentários e que vivem em ambientes pequenos e às vezes
apenas o diagnóstico diferencial de diabetes insípida central, diabetes insípida isolados. A redução gradual da ingestão de água do animal para valores normais (< 100

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mL/kg/dia) pode ser forçada ao longo de uns poucos meses (2-4) oferecendo-se uma hídrico são os receptores V2 localizados nas paredes basal e lateral das células que
quantidade fixa de água para o cão suficiente para atender sua necessidade diária formam o néfron distal. Uma vez ativados, estes receptores estimulam a maior absorção
somente (60-80 mL/kg/dia) e divididas em várias pequenas porções. Em longo prazo, este de água pela formação de canais de água (aquaporinas) para passagem de água da luz
procedimento pode quebrar o ciclo de polidipsia e poliúria, e restabelecer tubular para o interstício renal hiperosmótico. Como vemos, o ADH apresenta distintas
espontaneamente a ingestão de volumes adequados de água. Contudo antes de traçar funções, porém a sua deficiência acarreta drásticas conseqüências somente frente a sua
uma estratégia como esta é fundamental excluir com total certeza a existência de ação sobre os receptores V2, uma vez que outros estímulos e hormônios são capazes de
diabetes insípida, uma vez que estes pacientes se expostos à privação hídrica podem controlar o tônus dos vasos1 e a secreção do ADH2.
desidratar severamente, e desenvolver de complicações neurológicas até óbito.
Tabela 3. Tipos de receptor de ADH, localização e função.
2. DIABETES INSÍPIDA SUBTIPO DE RECEPTOR LOCALIZAÇÃO FUNÇÃO
V1 Vasos sanguíneos Vasoconstrição
O termo diabetes é originário do Grego (diabaino = passar através), e foi usado V2 Epitélio dos ductos Aumentar a permeabilidade
pela primeira vez por Areteo di Capadoccia, no século II da era modera, para designar coletores renais, colonócitos à água
pacientes portadores de um mal associado à poliúria e polidipsia, emagrecimento e glândulas sudoríparas
progressivo e que acometia pessoas jovens que morriam muito cedo, ou pessoas idosas
V3 Adeno-hipófise Estimulação da secreção do
é obesas. Este mal relatado por Areteu tratava-se do diabetes mellitus, porém o termo
Hormônio
Latino mellitus (= mel, doce) só foi adicionado ao nome da doença no século XVIII com
Adrenocorticotrófico (ACTH)
objetivo de distinguir da diabetes insípida (sem cheiro, sem gosto), uma vez que os
pacientes com diabetes mellitus apresentavam urina adocicada que atraia moscas e
outros insetos.
2.1 Causas

A diabetes insípida (DI) como citado anteriormente refere-se a uma condição


A diabetes insípida central (DIC) é uma desordem extremamente rara, estando
patológica associada à intensa poliúria e polidipsia decorrente da deficiência na produção
associada à incapacidade total ou parcial da neuro-hipófise em secretar ADH frente a
de ADH (diabetes insípida central) ou decorrente da reduzida sensibilidade renal ao ADH
estímulos como aumento da osmolaridade, ou redução do volume circulante / pressão
(diabetes insípida nefrogênica). Como vimos anteriormente, o ADH é um neuropeptídeo
arterial. Esta incapacidade pode estar associada a alterações congênitas, ou a lesões /
formado por 8 aminoácidos (cys-tyr-phe-gln-asn-cys-pro-arg-gly-NH2), sendo secretado
traumatismos adjacentes aos neurônios secretores do hormônio. Contudo na maior parte
pelos neurônios hipotalâmicos dos núcleos supra-óptico e paraventricular, frente a
das vezes a origem para o problema é idiopática. A DIC também é frequentemente
situações de aumento na osmolaridade plasmática ou redução no volume sanguíneo. Os
associada a neoplasias hipofisárias (normalmente macroadenomas – tumores com mais
axônios destes neurônios descem pela hipófise posterior (na verdade eles formam a
1
hipófise-posterior, ou neuro-hipófise) e o ADH é secretado na sua extremidade, ganhando Nota do Autor: O ADH foi descrito inicialmente como uma substância extraída da neuro-hipófise com um efeito
tensor sobre vasos sanguíneos, estimulando a vasoconstrição. Por este motivo foi batizado inicialmente de vasopressina.
a circulação sistêmica via veias hipofisárias eferentes. Uma vez na circulação, o ADH Concomitantemente, outro grupo pesquisava os efeitos anti-diuréticos de uma substância extraída da neuro-hipófise,
dando a ela o nome de hormônio anti-diurético. Mais tarde, viu-se se tratar do mesmo oligopeptídeo.
apresenta uma meia vida extremamente curta de cerca de 1 a 3 minutos, e pode atuar 2
Nota do Autor: O efeito do ADH sobre a secreção do ACTH e conseqüentemente de cortisol é passível de sofrer
retroalimentação negativa, uma vez que sabe-se que o cortisol tem a capacidade de inibir a secreção hipofisária de
sobre diferentes tipos de receptores (Tabela 3). O alvo do ADH com relação ao controle ADH, como é observado em animais com síndrome de Cushing.

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de 1 cm de diâmetro) ou outras neoplasias intracranianas em animais idosos. A


ocorrência de DIC é uma complicação esperada e comumente observada após
hipofisectomia (cirurgia para retirada de tumores hipofisários). No caso de uma deficiência
parcial na produção do ADH, uma deficiente concentração da urina será observada,
porém com menor volume urinário e polidipsia do que é observada frente ao DIC total. A
diabetes insípida nefrogênica primária (DINP) refere a uma condição rara onde os
túbulos renais são irresponsivos ao ADH, apesar de este ser secretado de forma normal.
Esta alteração pode ser funcional ou estrutural, contudo ocorre uma insensibilidade do
néfron aos efeitos antidiuréticos do ADH. De uma forma geral, este tipo de patologia é
congênita, e pode estar associada desde a ausência de receptores de ADH, presença de Figura 1. Paciente da raça Boxer, com 9 anos, apresentado com queixa de poliúria e
receptores de ADH defeituosos, falha na ativação dos mensageiros intracelulares pós- polidipsia secundária à diabetes insípida central.
ativação do receptor V2, até falha nos mecanismos de translocação das aquaporinas para
a membrana intracelular. O diagnóstico de DI é baseado na exclusão de outras causas de poliúria e
polidipsia, como descrito anteriormente. A grande maioria dos animais irá apresentar DEU
2.2 Apresentação e Diagnóstico inferior a 1.008 (hipostenúria). A hipostenúria refere-se a um DEU inferior a densidade do
ultrafiltrado glomerular, que normalmente é entre 1.008 e 1.012, indicando que a urina do
A principal razão da consulta de um cão com DI é a incontrolável poliúria e paciente esta ainda mais diluída do que quando iniciou sua formação após a filtração
polidipsia. Normalmente a sede de pacientes com DI é insaciável e os volumes de glomerular plasmática. Alguns animais poderão apresentar DEU um pouco mais elevadas
ingestão de água e produção de urina são excessivamente elevados. Queixas dos nos casos de DI parcial, conseguindo concentrar um pouco a urina, contudo, não se
proprietários com relação a noctúria e incontinência urinária são comuns e de uma forma espera DEU superiores a 1.012 (isostenúricas). Isto acontece porque frente à deficiência
geral, não há outra queixa ou sinal clínico exceto a poliúria e polidipsia, uma vez que os de ADH não ocorre a concentração da urina, fenômeno característico do néfron distal,
pacientes comumente se apresentam ativos e alertas (Figura 1). Contudo, sinais onde o ADH estimula a reabsorção de água, porém não de solutos. Desta forma o
neurológicos podem estar presentes em decorrência de neoplasias hipofisárias ou ultrafiltrado presente na luz tubular perde água para o interstício e a concentração dos
cerebrais que possam estar comprimindo outras estruturas além da neuro-hipófise (andar solutos na luz do túbulo aumenta – concentração da urina. Um organismo saudável
em círculos, desorientação, cegueira, comportamentos bizarros, déficits nos nervos reabsorve diariamente cerca de 98-99% do volume diário filtrado, urinando somente 1 a 2
cranianos, dentre outros). Nos casos secundários a traumatismos cranianos, seqüelas do % de todo o volume filtrado ao longo de 24 horas. Cerca de 30% desta reabsorção ocorre
trauma podem estar presentes, especialmente se o histórico do paciente suportar no néfron distal sob influência do ADH, e na ausência deste hormônio, a desidratação
ocorrência de trauma. Sinais clínicos de outras doenças associadas a problemas severa, coma e óbito são somente uma questão de tempo, se não houver água a vontade
hipofisários como nanismo, hiperadrenocorticismo pituitário-dependente, acromegalia a disposição do indivíduo.
podem estar presentes, evidenciando indiretamente a origem do problema.
2.3 Tratamento

Em animais com DIC, de uma forma geral, a administração de ADH ou seus

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análogos, restabelece e hipertonicidade medular e a capacidade de adequada higienizador, onde a poliúria não venha a causar transtornos.
concentração da urina. O acetato de desmopressina (DDAVP) tornou-se a droga de
escolha para este terapia. A desmopressina esta disponível em três formas. A REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
apresentação oral em comprimidos de 0,1 – 0,2 mg, apesar da concentração bem
superior a da preparação intranasal (5 µg / gota), é menos eficaz no controle dos sinais 1) HOUPT, R.T. Água e eletrólitos. In: REECE, W.O (Ed.). Dukes: Fisiologia dos Animais
clínicos. A preparação injetável é eficaz administrada por via sub-cutânea, porém seu Domésticos. 12ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006. p.11-23.
custo é cerca de até 20 vezes superior a da preparação para uso intra-nasal. Apesar de 2) GANONG, W.F. Review of Medical Physiology. 22nd Ed. New York: McGraw-Hill, 2005.
não ser própria para administração parenteral, à apresentação de uso intra-nasal, p. 912.
contendo 100 µg/mL pode ser filtrada antes da aplicação por via subcutânea, ou de forma 2) FELDMAN, E.C.; NELSON, R.W. Water metabolism and diabetes insipidus. In:
mais simplificada e objetiva, pode ser aplicada via saco-conjuntival, obtendo uma resposta FELDMAN, E.C.; NELSON, R.W. (Eds.). Canine and Feline Endocrinology and
adequada na maioria dos animais, reduzindo a ingestão de água e produção de urina em Reproduction. 3rd Ed. Missouri: Saunders, 2004. p. 2-44.
50% ou mais. A administração diária da preparação intra-nasal por via conjuntival na 3) NICHOLS, R. Polyuria and polydipsia. Diagnostic approach and problems asssociated
dose de 1-4 gotas a cada 12 ou 24 horas é suficiente para eliminar totalmente os sinais de with patient evaluation. Veterinary Clinics of North America: Small Animal Practice. v. 31,
poliúria e polidipsia. A desmopressina apresenta uma meia vida de 8 a 24 horas e é n. 5, p. 833-844. 2001.
segura para uso em cães e gatos, apesar de que intoxicação por água e hiponatremia 4) PANCIERA, D.L.; CARR, A.P. Endocrinologia para o Clínico de Pequenos Animais.
possam ocorrer durante o tratamento. No caso de administração uma vez por dia, a São Paulo: Roca, 2007. p. 176.
aplicação ao entardecer pode prevenir a noctúria e garantir um bom controle da ingesta 5) PETERSON, M.E.; NICHOLS, R. Investigation of polyuria and polydipsia. In: MOONEY,
hídrica. C.T.; PETERSON, M.E. (Eds.). BSAVA Manual of Canine and Feline Endocrinology. 3 rd
Ed. Gloucester: British Small Animal Veterinary Medical Association, 2004. p. 16-25.
Pacientes com DINP podem beneficiar-se do uso de diuréticos tiazidicos. Apesar 6) SAMSON, W.K. The posterior pituitary and water metabolism. In: GRIFFIN, J.E.;
de soar antagônico, este tipo de medicação pode provocar desidratação e maior OJEDA, S.R. (Eds.). Textbook of Endocrine Physiology 5 th Ed. New York: Oxford
reabsorção de sódio no túbulo contorcido proximal e assim de água. O resultado é a University Press, 2004. p. 147-166.
liberação de um volume menor de fluido para o néfron distal, o que pode auxiliar no 7) WATSON, A.D.J. A polidipsia e poliúria. Waltham Focus. Nov 2005. p. 27-31.
controle da poliúria. Clorotiazida na dose de 20-40 mg/kg a cada 12 horas ou
hidroclorotiazida (2,5-5 mg/kg a cada 12 horas) podem ser úteis. Contudo alguns animais
podem não apresentar resposta alguma a estas medicações. Restrição dietética de
solutos urinários (sódio, proteínas) pode reduzir a carga de solutos que precisa ser
excretada diariamente, reduzindo indiretamente o volume urinário.

Por questões financeiras, muitas vezes pode-se optar por não tratar o paciente,
desde que o mesmo tenha acesso ininterrupto à água, uma vez que a simples poliúria e
polidipsia não representam neste caso um problema ou risco a saúde, desde que água
não seja restrita. Nestes casos normalmente o paciente deve viver no pátio ou canil

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do grande aporte de solvente - água). A segunda forma do fígado sintetizar glicose, é


SESSÃO II através da gliconeogenese, processo no qual moléculas de glicose são sintetizadas a
partir de precursores não glicidicos, como aminoácidos e outros esqueletos simples de
Metabolismo da Glicose, Insulinoma e carbono.

Diabetes Mellitus Diversos tecidos vitais são extremamente dependentes da glicose para o
funcionamento, como por exemplo o cérebro. Desta forma, durante a evolução, foi
necessário o desenvolvimento de um sistema de controle da glicemia em uma faixa
estável de acordo com cada espécie. Cães e gatos saudáveis tendem a manter glicemia
1. HOMEOSTASIA DA GLICOSE
entre 60 e 100 mg/dL, contudo considera-se normal o intervalo de referência para cães
entre 60 a 120 mg/dL e para gatos de 60 a 180 mg/dL. Um delicado sistema de controle
A glicose é a principal fonte de energia para a maioria dos organismos, sendo
da glicemia esta presente no hipotálamo. Este grupamento de neurônios que
necessária a sua ingestão para posterior metabolização, consumo ou armazenamento. De
constatemente acompanham as variações na glicemia recebem o nome de glicostato
uma forma geral, a glicose é formada por seres autotróficos a partir do dióxido de carbono
hipotalâmico. O glicostato apresenta a capacidade de, através de sua interação com
atmosférico e água sob estímulo da luz solar, resultando em oxigênio e glicose. A reação
outros neurônios, modular a atividade do sistema nervoso autônomico e assim, estimular
simplificada do processo de formação da glicose é a seguinte: 12H2O + 6CO2 → 6O2 +
o sistema nervoso simpático ou parassimpático de acordo com a situação, além de
C6H12O6 + 6H2O. Esta glicose serve como alimento / fonte de energia para diversos seres
também interagir com o eixo hipotalâmico-hipofisário. De uma forma geral, a hipoglicemia
heterotróficos. A glicose além de servir como fonte de energia através da sua total
(baixa concentração de glicose sanguínea) representa uma situação de estresse
oxidação no processo de glicólise, serve como precursora de uma série de moléculas não
metabólico, e estimula a liberação de uma série de hormônios que apresentam um efeito
menos importantes, como diversos aminoácidos, ácidos nucléicos, lípideos, e
final de aumentar a glicemia. Estes hormônios (adrenalina, cortisol, GH – hormônio do
carboidratos complexos, como o glicogênio. Desta forma, a energia solar pode ser
crescimento, glucagon) exercem seus efeitos hiperglicemiantes através de diversos
transmitida através da cadeia trófica; dos seres autotróficos, até os seres heterotróficos
efeitos integrados nas células de diferentes tecidos, promovendo uma menor captação da
como os cães, gatos e humanos.
glicose do sangue pelas células, inibição da síntese de glicogênio, estímulo direto à
gliconeogenese e glicogenólise, além de ativarem mecanismos catabólicos (proteólise,
Contudo, organismos heterótrofos também apresentam a capacidade de
lipólise), com o objetivo de fornecer outras fontes de energia ao organismo.
sintetizar sua própria glicose. O órgão responsável por isto é o fígado, principal tecido
envolvido no metabolismo da glicose, podendo secretar glicose para a corrente sanguínea
Contudo a glicose sanguínea em excesso na circulação também causa
por dois mecanismos distintos. O processo mais simples, é a degradação do glicogênio
transtornos, como será visto em seguida; e um sistema hormonal hipoglicemiante também
hepático, num processo denominado glicogenólise. O glicogênio é formado pelo próprio
é necessário. A glicose por suas caracteristicas quimicas polares, não consegue
fígado (glicogênese), e representa na verdade um polimero de moléculas de glicose,
atravessar a membrana plasmática das células, constituida basicamente por lipidios
dispostas lado-a-lado e com diversas ramificações que tem por objetivo estocar energia,
(apolares) e proteínas. Contudo, algumas proteínas de membrana, formam verdadeiros
sem os efeitos deletérios que a mesma quantidade de glicose teria se estivesse livre
canais transportadores de glicose. Esta família de proteínas são coletivamente chamadas
dentro da célula (o efeito osmótico faria com que o hepatócito rompe-se em decorrência
de GLUTs (transportadoras de glicose), tendo-se descrito pelo menos 7 sub-tipos de

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GLUTs. O GLUT 1 é constituinte da membrana celular de diversos tecidos do organismo; O glucagon, apresenta efeitos antagônicos aos da insulina, reduzindo a captação
especialmente do fígado. No entanto, o tecido adiposo e o tecido muscular, dois dos e utilização da glicose, estimulando a glicogenólise e gliconeogenese, bem como a lipólise
principais consumidores de glicose para estoque e fonte de energia respectivamente, e cetogênese. Contudo seu efeito proteolítico é praticamente nulo. Além disto o glucagon
apresentam o GLUT 4 como principal transportador de glicose. Esta proteína é inibe a secreção de insulina. Ao contrário, a insulina inibe a secreção de glucagon, e além
dependente do estímulo hormonal da insulina, a qual estimula a translocação das de estimular a translocação das vesículas intra-citoplasmáticas de GLUT 4 para a
vesiculas intra-celulares repletas de GLUTs 4 para a membrana celular, permitindo desta membrana celular, a insulina é um dos mais potentes hormônios anabólicos conhecidos,
forma a entrada da glicose nestes tecidos. estimulando a glicogênese, glicólise, síntese protéica, lipogênese, crescimento e
diferenciação celular, além da expressão de diversos genes. De uma forma geral, é a
Além dos mecanismos controladores da glicemia exercidos pelo glicostato relação insulina:glucagon que regula de forma mais fina a glicemia. Poderia-se inclusive
hipotalâmico, a população celular das ilhotas de Langerhans no pâncreas apresenta um dizer que o glucagon é o principal hormônio regulador da glicemia, sendo a insulina um
papel central no controle da glicemia. Quatro populações distintas são identificadas nas hormônio contra-regulador.
ilhotas. As células alfa, beta, delta e PP. Apesar de diversos nutrientes e hormônios
apresentarem a capacidade de regular a função das células das ilhotas, o principal A insulina depois de secretada atua sobre seu receptor (IR – receptor de
regulador é a glicemia. As células alfa iniciam a secreção de glucagon frente a glicemias insulina). Este receptor é uma molécula heterotetrâmera composta de 2 subunidades
inferiores a 50 mg/dL, sendo sua secreção suprimida com glicemias maiores que 150 glicoprotéicas α, responsáveis pela interação com a insulina, e duas subunidades
mg/dL; especialmente porque frente a estas glicemias já há uma maior secreção de glicoprotéicas trans-membrana β, que apresentam atividade tirosina quinase 3; ambas
insulina, que também inibe a secreção de glucagon. Por esta razão um paciente diabético sintetizadas por um único mRNA que depois são separadas e unidas por pontes
mesmo em jejum, mantem-se hiperglicemico, uma vez que é perdida a inibição da dissulfeto. As subunidades α e β atuam como enzimas alostéricas, onde a subunidade α
secreção de glucagon promovida pela insulina. inibe a atividade tirosina quinase da subunidade β. Quando a insulina interage com a
subunidade α, causa um desbloqueio da atividade tirosina quinase da subunidade β, que
Já as células beta secretam insulina, o único hormônio hipoglicemiante. A é seguida por uma autofosforilação da mesma, com conseqüente alteração
secreção de insulina frente a glicemias inferiores a 80 mg/dL é praticamente abolida, e conformacional da molécula, o que aumenta ainda mais a atividade tirosina quinase.
totalmente suprimida a glicemias menores que 30 mg/dL. Contudo, o aumento na
secreção de insulina é proporcional ao aumento na glicemia frente a valores de glicose Pelo menos nove substratos intracelulares do receptor de insulina já foram
sanguinea maiores que 80 mg/dL. Conforme aumenta a glicemia, a glicose que entra nas identificados, sendo que quatro destes pertencem à família das proteínas substrato do
células beta vai sendo metabolizada, e metabólitos da glicose estimulam a despolarização receptor de insulina (IRS-1, IRS-2, IRS-3 e IRS-4), além dos substratos Gab-1, p60dok,
da célula beta. O meio interno torna-se mais eletropositivo, e abrem-se canais de cálcio Cbl, APS e isoformas de Shc. As tirosinas fosforiladas destes substratos atuam como
dependentes de voltagem. O influxo de cálcio estimula a fusão das vesiculas intra- locais de ligação para proteínas adaptadoras que regulam suas atividades e locação
celulares que armazenam a insulina com a membrana plasmática. O resultado final é a subcelular. Estas proteínas apresentam domínios SH2 (Src-homogy-2), e podem ativar
secreção da insulina. As células delta secretam somatostatina (STT), hormônio que por pequenas proteínas G. De forma simplificada, a autofosforilação do receptor de insulina
ação parácrina, inibe ambas secreção de insulina e glucagom. Além disto, as células PP,
secretam polipetídeo pancreático. 3
Nota do Autor. A atividade quinase, refere à capacidade de uma enzima fosforilar, ou seja, adicionar fósforo em outras
moléculas. A desfosforilação (retirada de fósforo de uma molécula), normalmente é um processo mediado por enzimas
chamadas de fosfatases.

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em resposta a ligação com o hormônio, catalisa a fosforilação de proteínas celulares contrário, em EDTA, ou heparina, os eritrócitos seguem consumindo a glicose plasmática
membros da família IRS, GAB, Shc e Cbl. A seguir a fosforilação da tirosina, estas até a realização do exame, e esperam-se reduções da ordem de 10% nos valores de
proteínas interagem com moléculas sinalizadoras através de seus domínios SH2, glicemia a cada hora após coleta enquanto a amostra não é analisada, permitindo a
resultando em diversas séries de vias sinalizadoras. ocorrência de valores falsamente reduzidos de glicose. Da mesma forma, a mensuração
de glicemia com glicímetros portáteis pode ser questionada caso a amostra obtida seja
As três principais vias de sinalização procedentes da fosforilação dos substratos muito pequena, ou esteja diluida em saliva (no caso de obtenção de uma gota de sangue
do receptor de insulina são a via do PI3K (fosfatidilinositol-3-OH quinase), a via da mucosa oral) ou outros fluidos (como as vezes pode ocorrer frente a obtenção de uma
CAP/Cbl/Tc10 e a via das MAPK (proteínas quinases ativadoras de mitoses). A ativação gota de sangue dos coxins).
da via do PI3K é responsável por muitos dos efeitos da insulina, como a translocação do
GLUT-4 para a membrana celular, síntese de glicogênio, lipogênese, e controle de Quadro 1. Principais sintomas de hipoglicemia em cães e gatos.
padrões de expressão gênica. A via das MAPK apesar de apresentar um possível efeito Desorientação Alucinações / nervosismo
sobre a translocação de GLUT-4 para a membrana plasmática parece estar mais Comportamentos bizarros Vocalização excessiva
envolvida com a regulação da expressão gênica e controle do crescimento e Andar cambaleante / postura descerebrada Fraqueza / letargia / paresia
diferenciação celular. Pupilas dilatadas / taquicardia Sono profundo
Letargia Incontinência Urinária
1.1 Hipoglicemia e Complicações Associadas Agitação excessiva / Ofego Cegueira
Colapso / Estupor / Coma Tremores / fasciculações
Como dito anteriormente, a glicose é a principal fonte de energia do organismos, Depressão Convulsões / polineuropatia
e alguns tecidos como o sistema nervoso central (SNC), são extremamente dependentes
de glicose para seu adequado funcionamento. Diversas razões podem estar envolvidas A idade e condição geral do paciente auxiliam bastante na investigação da causa
com valores perigosamente baixos de glicose no plasma (hipoglicemia), porém da hipoglicemia. Animais idosos tendem a apresentar hipoglicemia frente a insulinomas
independentemente da causa, espera-se observar um repertório de sinais clínicos de ou hipoadrenocorticismo. Na primeira, uma secreção exagerada e autonoma de insulina
acordo com a severidade da hipoglicemia (Quadro 1). Boa parte destes sinais são por um tumor mantem a glicemia persistentemente baixa, enquanto na segunda, a
decorrentes da neuroglicopenia (baixa concentração de glicose no SNC), como deficiência de glicocorticóides (cortisol, cortisona) inibe a gliconeogenese, e o paciente
comportamentos bizarros, ataxia, convulsões, estupor e coma. Outros sinais clínicos são fica hipoglicemico frente ao jejum. Contudo, outras doenças podem provocar hipoglicemia
decorrentes do déficit energético muscular (fraqueza, tremores musculares, intolerância em animais idosos, como doenças hepáticas, condições debilitantes ou sepse. Frente a
ao exercício). sepse, demonstrou-se que ocorre um reajuste do glicostato hipotalâmico, muitas vezes
acertando a faixa que seria ideal para valores baixos, mantendo o paciente hipoglicêmico.
De uma forma geral, diversos diagnósticos diferenciais para hipoglicemia devem Contudo é interessante comentar que quadros sépticos tendem a causar resistência à
ser realizados frente a suspeita de hipoglicemia clínica, devendo avaliar-se a possibilidade insulina, o que aumentaria a glicose no plasma. Contudo, este aumento da glicemia é
tanto de erro na conservação da amostra, até a possibilidade de existência de um tumor destinado as células inflamatórias que estão plenamente ativas enfrentando os
secretor de insulina. Por exemplo, uma amostra de sangue deve ser armazenada em anti- agressores, e desta forma também podem predispor a hipoglicemia durante a sepse.
coagulante a base de fluoreto de sódio para solicitar-se a dosagem de glicose. Caso

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Animais muito jovens, podem apresentar hipoglicemia facilmente se mantidos em glicocorticóides há muito tempo e que tiveram a administração interrompida de forma
jejum prolongado, uma vez que eles ainda não apresentam uma neoglicogenese abrupta, em uma forma clássica de hipoadrenocorticismo iatrogênico. É importante
efieciente. Isto é particularmente importante em filhotes de gatos, que rapidamente podem pesquisar na anamnese situações como esta, bem como uso de outras medicações.
tornar-se hipoglicemicos, hipotensos e com hipotermia frente a desnutrição. Nestes casos
o estupor pode aparecer como sintoma inicial de hipoglicemia. Contudo, verminoses Certamente quanto mais severos os sinais clínicos, provavelmente a hipoglicemia
severas, desnutrição crônica, doenças hepáticas hereditárias, sepse, ou alterações seja mais severa, ou esteja ocorrendo há mais tempo. Um fenômeno interessante é a
vasculares (Shunts porto-sistêmicos) também são causas comuns de hipoglicemia em hipoglicemia inconsciente, onde apesar de valores baixos de glicose plasmática, o
animais jovens. Pacientes diabéticos sob terapia com insulina ou hipoglicemiantes orais paciente não apresenta nenhuma alteração clinica. Isto pode ocorrer muitas vezes em
podem experimentar sinais de hipoglicemia caso não esteja adequado o tratamento. A pacientes diabéticos sob terapia insulínica, e os pacientes apresentam-se totalmente
severidade da manifestação de hipoglicemia será decorrente da intensidade e tempo de normais frente a glicemias de 30 – 40 mg/dL, por exemplo. Este fenômeno é decorrente
duração da crise hipoglicemica. de uma habituação do SNC a baixa glicemia, não desencadeando mais déficits
neurológicos ou resposta contra-reguladora de forma eficiente. Contudo, quando se
Causas menos comuns relatadas de hipoglicemia incluem hipopituitarismo manifestam sinais clínicos estes tendem a ser mais severos. É importante salientar que
(secreção deficiente de GH e de ACTH, com consequente precipitação de hipoglicemia, apesar dos sinais mais comuns de hipoglicemia serem a apatia, prostração, fraqueza,
uma vez que ambos hormônios – o ACTH através da secreção do cortisol – são tremores musculares e déficits locomotores / incoordenação (ataxia), não é incomum a
antagonicos a insulina); deficiência de glucagon (pancreatite crônica, adenocarcinoma de hipoglicemia manifestar-se através de agitação excessiva, como ofegação intensa,
pancreas exócrino); doenças cardíacas (levando a prejuizos a função hepática e nervosismo e desorientação. O exame clínico pode deixar clara a existência de um
caquexia) e policitemia (maior consumo de glicose pelo elevado número de eitrócitos quadro patológico associado como causador da hipoglicemia, como nos casos de sepse
associado a depleção das reservas de glicogênio). (hipertermia, desidratação, taquicardia) ou doenças hepáticas (icterícia, ascite), por
exemplo. A ativação simpática frente a hipoglicemia também fica bastante nítida através
1.1.1 Abordagem do paciente hipoglicêmico da taquicardia e pupilas dilatadas.

Após a determinação da existência de hipoglicemia, que pode ser confirmada via Os exames complementares destes pacientes são bastante importantes na
medidas repetidas, torna-se fundamental a determinação da causa da hipoglicemia para determinação da causa do problema, uma vez que a detecção da hipoglicemia
um manejo adequado do paciente. A avaliação do estado do paciente, anamnese simplesmente explica os sinais clínicos observados; sinais estes que poderiam inclusive
detalhada, e exame clínico, podem dar boas pistas sobre a causa do problema. Por estar sendo causados por outras anormalidades laboratoriais como hipocalcemia,
exemplo, um filhote extremamente apático, e hipoglicêmico, com abdômen distendido e azotemia, encefalopatia hepática, ou até mesmo por doenças primárias do SNC. Perfis
encontrado na rua é extremamente sugestivo de hipoglicemia secundária a desnutrição e hematológicos, bioquímicos e urinários poderão elucidar ou dar pistas da causa da
verminose. Hipoglicemia recorrente em cães de idade média a avançada e sobrepeso é hipoglicemia. Um paciente com elevada atividade das enzimas hepáticas,
bastante sugestivo de insulinoma, contudo, a presença de desidratação, hipotensão, e hipoalbuminemia, hipocolesterolemia, baixa uremia e hipoglicemia pode ser indicativo de
uma condição corporal magra, especialmente se somado a histórico de falta de apetite, insuficiência hepática. Já um paciente com hipercalemia, hiponatremia (especialmente se
vômitos e diarréia ocasional podem ser sugestivos de hipoadrenocorticismo, por exemplo. a relação Na:K for inferior a 27:1) é bastante sugestivo de hipoadrenocorticismo, apesar
Pode-se esperar ocorrência de hipoglicemia em animais que vinham sob tratamento com de que doenças hepáticas, renais ou do trato digestivo também podem causar relação

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Na:K reduzidas. Contudo, quanto menor esta relação, maior a chance de tratar-se de Dependendo da intensidade, a hipoglicemia pode ser fatal; especialmente se
hipoadrenocorticismo. houver comprometimento de áreas importantes do SNC. Isto pode acarretar a
permanência de seqüelas como surdez, cegueira, coma, incoordenação motora ou
As imagens de ultra-sonografia são bastante elucidativas em diversos aspectos, alterações comportamentais, após a resolução da hipoglicemia. Frente a isto, a aplicação
como na avaliação da imagem hepática, que pode evidenciar desde metástases de um de um tratamento para redução de edema cerebral pode ser interessante, através da
eventual insulinoma, até alterações no parênquima sugestivas de insuficiência hepática, administração de fosfato sódico de dexametasona (1-2 mg/kg, IV), manitol (0,5-1 g/kg), IV
como as observadas na cirrose, por exemplo. Massas pancreáticas são sugestivas de e furosemida (1-2 mg/kg, IV). O manejo da hipoglicemia em longo prazo irá depender da
insulinomas, e freqüentemente metástases podem ser identificadas durante o exame. causa. De uma forma geral a resolução do problema inicial irá prevenir a recidiva de
Outros testes específicos como os ácidos biliares pré e pós-prandiais para função hipoglicemia, como por exemplo, a alimentação freqüente e tratamento adequado de
hepática, o teste de estimulação pelo ACTH para diagnóstico de hipoadrenocortcismo, ou doenças associadas de filhotes, ou a redução na dose insulina de um paciente diabético,
ainda a mensuração sérica de insulina frente a hipoglicemia para diagnostico definitivo de ou ainda remoção de um tumor secretor de insulina.
insulinoma podem fazer-se necessários.
2. INSULINOMA
1.1.2 Tratamento da hipoglicemia
Os insulinomas são tumores secretores de insulina de forma autônoma e
Em casa, frente a uma crise de hipoglicemia, deve-se administrar açúcar por via independente da concentração de glicose plasmática, principal regulador da secreção de
oral, ou algo doce, como geléia de milho, por exemplo. A administração de refeições insulina. A localização destes tumores normalmente é pancreática, a partir de células
freqüentes pode minimizar a ocorrência dos sinais. Em um ambiente hospitalar, a beta, apesar de tumores extrapancreáticos eventualmente apresentarem secreção
administração de bolus de glicose por via intravenosa é a forma mais rápida de reverter autônoma de insulina (raro) ou mais comumente ocorrer hipoglicemia secundária a
uma hipoglicemia. O ideal é evitar administração da glicose pura por via IV pelo risco de síndromes paraneoplásicas associadas a tumores como carcinoma hepatocelular,
desenvolvimento de flebite, devendo-se idealmente diluir no mínimo duas vezes a glicose hepatomas, leiomiossarcoma, leiomioma, hemangiossarcoma, melanoma ou leucemia. A
a ser administrada. A dose preconizada de glicose em bolos é de 1 mL/kg de uma solução grande maioria dos insulinomas é maligna, ocorrendo uma elevada taxa de metástases.
de glicose a 50%. Isto representa um volume de 10 mL para um cão de 10 kg, por Cerca de 50% dos casos já apresentam metástases no momento do diagnóstico inicial e
exemplo, e a administração destes 10 mL de glicose a 50% devem ser preferencialmente os locais mais comuns de metástases são o fígado, linfonodos regionais e omento.
diluídos em um volume de 10 mL ou mais de uma solução isotônica, como o cloreto de
sódio a 0,9%. Isto normalmente pode ser suficiente para reverter a hipoglicemia, porém 2.1 Apresentação e Diagnóstico
dependendo da causa, pode não ser suficiente. Nestes casos a repetição deste protocolo
por mais algumas vezes pode ser útil. Normalmente mantêm-se os pacientes em fluido De uma forma geral, é bastante rara a ocorrência de insulinomas em cães, e mais
glicosado (2,5 a 5 %) por algumas horas após a resolução dos sintomas, com objetivo de rara ainda a ocorrência em gatos, com somente alguns relatos no mundo de ocorrência
manter o paciente normoglicêmico. Deve-se suspender o uso de solução glicosada caso de insulinomas nesta espécie. Nos cães a doença é comumente observada em cães de
uma hiperglicemia fique evidente, especialmente com objetivo de evitar transtornos meia idade a idosos, apesar de haver relatos de insulinoma em cães com 3,5 anos. Não
neurológicos e glicosúria. há predileção sexual, porém algumas raças parecem mais predispostas, como o Pastor
Alemão, Boxer, Poodle Standard, Collie, Fox e Setter.

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Normalmente a severidade e duração dos sinais clínicos dependem


Comumente o motivo da consulta de um cão com insulinoma são os sinais de principalmente de três fatores: o valor mais baixo de glicemia, a taxa de redução da
neuroglicopenia e ativação adrenérgica secundária a hipoglicemia (Tabela 1). As glicemia e a duração da hipoglicemia. É comum a apresentação dos pacientes após
convulsões normalmente são o sinal mais comum em decorrência da dependência do meses de evolução dos sintomas, e muitas vezes após passagem por vários veterinários
SNC por glicose como fonte de energia. Apesar disto, muitas vezes a queixa dos sem que fosse feito um diagnóstico definitivo, o que acaba fazendo com que um elevado
proprietários refere-se a dificuldades ambulatórias ou simplesmente a tremores grau de metástases esteja presente já no momento do diagnóstico. É importante, através
musculares. Os sinais clínicos costumam ser episódicos e associados a valores muito da completa avaliação do paciente, inclusive com exames complementares, descartar
baixos de glicemia. Estes pacientes normalmente passam o dia inteiro com glicemias outras causas de hipoglicemia. O Quadro 2 apresenta uma lista de diagnósticos
inferiores a 60 mg/dL, porém os sinais clínicos irão surgir somente quando a glicemia diferenciais para hipoglicemia. Uma observação clínica interessante, é que cães com
baixar a valores críticos, que variam de paciente para paciente. Além disto mesmo em um insulinoma comumente são obesos ou apresentam sobre-peso (Figura 1). Este efeito é
paciente em particular, pode haver modulação na magnitude da hipoglicemia necessária secundário aos efeitos da insulina, potente hormônio anabólico e lipogênico.
para provocar sinais clínicos.
O diagnóstico de um insulinoma é relativamente simples. Basta demonstrar-se a
Algumas situações podem exacerbar ou provocar sintomatologia de hipoglicemia, existência de hiperinsulinemia frente a uma hipoglicemia. Lembre-se que fisiologicamente
como jejum prolongado, exercícios, estresse ou por mais antagônico que pareça, a a secreção de insulina é abolida frente a glicemias menores que 30 mg/dL. Desta forma,
ingestão de alimentos também pode provocar sintomas. Isto ocorre por razões distintas. para um adequado diagnóstico, coleta-se uma amostra de sangue para determinação de
Por exemplo, um paciente em jejum prolongado depende de gliconeogênese para manter insulina (faixa de referência 5 a 20 µU/mL) com o paciente apresentando glicemia inferior
a glicemia. A insulina inibe esta via, e estimula a contínua captação e metabolização de a 50 mg/dL. Quanto mais baixa a glicemia, maior a probabilidade de fechar o diagnóstico
glicose pelas células, culminando em hipoglicemia clínica frente a um jejum prolongado. A pela determinação de uma hiperinsulinemia. A Tabela 1 apresenta a interpretação dos
prática de exercícios apresenta um efeito hipoglicemiante típico, ao estimular a valores de insulinemia em cães suspeitos de apresentarem hipoglicemia por insulinoma. A
translocação de GLUT-4 para a membrana celular no tecido muscular. Este fenômeno faixa de insulinemia próxima ao limite superior é compatível com insulinoma uma vez que
associado a hiperinsulinemia normalmente provoca sinais clínicos em pacientes com frente a hipoglicemia a concentração sérica de insulina deveria ser praticamente
insulinomas. Situações de estresse (banhos em estéticas caninas, ausência do dono em indectável. A detecção de hipoinsulinemia frente a hipoglicemia descarta a possibilidade
casos de ansiedade por separação, visitas, contato com outros animais), que no geral são de tratar-se de um insulinoma, e esta é a resposta fisiológica normal. Contudo, amostras
difíceis de se avaliar, provocam hipoglicemia porque durante o estresse ocorre liberação hemolisadas podem provocar resultados falsamente reduzidos de insulina, uma vez que a
de hormônios hiperglicemiantes como a adrenalina e o cortisol. Este aumento na lise dos eritrócitos libera uma insulinase capaz de degradar a insulina sérica.
concentração de glicose acaba sendo um estímulo para maior secreção de insulina pelo
tumor, desencadeando sinais de hipoglicemia secundariamente. Uma situação similar
ocorre no período pós-prandial, especialmente se a dieta for rica em carboidratos simples
e administrada em grande quantidade, o que resulta em um aumento significativo na
glicemia, com conseqüente rebote hipoglicêmico posterior.

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pela determinação de uma hiperinsulinemia. A Tabela 1 apresenta a interpretação dos


valores de insulinemia em cães suspeitos de apresentarem hipoglicemia por insulinoma. A
faixa de insulinemia próxima ao limite superior é compatível com insulinoma uma vez que
frente a hipoglicemia a concentração sérica de insulina deveria ser praticamente
indectável. A detecção de hipoinsulinemia frente a hipoglicemia descarta a possibilidade
de tratar-se de um insulinoma, e esta é a resposta fisiológica normal. Contudo, amostras
hemolisadas podem provocar resultados falsamente reduzidos de insulina, uma vez que a
lise dos eritrócitos libera uma insulinase capaz de degradar a insulina sérica.

Tabela 1. Interpretação de valores de insulinemia em cães suspeitos de apresentar


insulinoma.
Figura 1. Paciente apresentada com hipoglicemia secundária a um insulinoma. A
Concentração sérica de insulina Probabilidade de insulinoma*
paciente não apresentava capacidade de manter a postura em estação. Além disto chama
atenção sinais de ativação adrenérgica, como dilatação pupilar e ofegação excessiva. > 20 µU/mL Elevada
Notar também a presença de sobrepeso acentuado, recebendo escore corporal 4 em uma
10 – 20 µU/mL Possível
escala de 1 a 5.
5 – 10 µU/mL Pequena
Quadro 2. Diagnósticos diferenciais para hipoglicemia. < 5 µU/mL Descartada
Insulinoma Neoplasia extrapancreática * Este guia serve somente para avaliação de pacientes cujas amostras de sangue para determinação de
insulina foram colhidas frente a glicemias inferiores a 50 mg/dL. A avaliação de insulinemia frente a
Sepse Hipoglicemia neonatal glicemias superiores a 60 mg/dL não é confiável com o objetivo de diagnosticar um insulinoma. (Adaptado
de Feldman & Nelson, Canine and Feline Endocrinology and Reproduction, 3rd Ed. 2004).
Hipoglicemia das raças toy Hipoglicemia de cães de caça
Inanição Doenças hepáticas A determinação sérica da fructosamina associada à albumina pode auxiliar num
Hipoadrenocorticismo Hipopituitarismo
diagnóstico presuntivo, e imagens ecográficas podem muitas vezes evidenciar massas
Uremia Doenças cardíacas pancreáticas compatíveis com tumoração. Apesar disto, não é incomum, o insulinoma ser
Policitemia severa Ingestão de salicilatos
microscópico, e não ser detectado em ecografias, laparoscopias, ou mesmo laparatomias
Ingestão de propranolol Uso de hipoglicemiantes orais
exploratórias. Exames de imagens mais rebuscados como tomografia computadorizada e
Overdose de insulina
ressonância magnética podem apresentar vantagens quando comparados a ecografia. A
Figura 2 apresenta uma imagem ecográfica de um insulinoma em um cão.
O diagnóstico de um insulinoma é relativamente simples. Basta demonstrar-se a
existência de hiperinsulinemia frente a uma hipoglicemia. Lembre-se que fisiologicamente
a secreção de insulina é abolida frente a glicemias menores que 30 mg/dL. Desta forma,
para um adequado diagnóstico, coleta-se uma amostra de sangue para determinação de
insulina (faixa de referência 5 a 20 µU/mL) com o paciente apresentando glicemia inferior
a 50 mg/dL. Quanto mais baixa a glicemia, maior a probabilidade de fechar o diagnóstico

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uma pequena refeição deve ser administrada e o veterinário contacto tão logo quanto
possível. Em um ambiente hospitalar administra-se de 1 a 5 mL de uma solução de
glicose a 50% vagarosamente ao longo de dez minutos, e assim que o paciente
normalizar uma pequena refeição pode ser administrada.

Crises convulsivas irresponsivas as medidas acima descritas representam um


péssimo fator prognóstico e indicam tratar-se de um tumor bastante agressivo e com alta
taxa de secreção de insulina. Nestes casos pode-se tentar estabilizar o paciente com
administração de glicose de 2,5 a 5% por via intravenosa mantendo fluido constante, e
adicionando 0,5 a 1 mg/kg de dexametasona ao fluido administrado ao longo de 6 horas.
A cada 12 ou 24 horas este procedimento pode ser repetido, se houver necessidade.
Caso não tenha sucesso, pode-se ainda administrar glucagon em infusão contínua na
Figura 2. Imagem ecográfica de um tumor pancreático (insulinoma) em um cão. A
imagem evidencia a presença de uma massa no lobo esquerdo do pâncreas com bordos dose de 5 a 10 ng/kg/min. Análogos da somatostatina, como a octreotida, podem ser
irregulares hiperecogênicos difusos e com aspecto hipoecogênico levemente heterogêneo administrados na dose de 10 a 50 µg por via sub-cutânea a cada 8 a 12 horas. Caso
medindo aproximadamente 1,0 x 1,4 cm.
nenhuma destas terapias obtenha resposta, deve-se anestesiar o paciente com
2.2 Tratamento Médico pentobarbital por 4 a 8 horas enquanto mantêm-se as demais terapias. Caso uma cirurgia
não seja possível para remoção do tumor, fica improvável evitar a evolução para óbito.
O tratamento médico de um insulinoma pode ser eficaz e simples em um primeiro
momento, assim como pode ser extremamente frustrante, dependendo da malignidade do Após o diagnóstico, o tratamento inicial de um paciente com insulinoma visa
tumor e da capacidade de secreção de insulina deste. O objetivo dos diversos reduzir as flutuações da glicemia, a fim de evitar que aumentos na glicose sanguínea
tratamentos aqui discutidos não é de forma alguma normalizar a glicemia do paciente, venham a provocar hipoglicemia pela maior secreção de insulina pelo tumor. Neste
uma vez que isto é bastante improvável. O objetivo do tratamento médico é controlar os sentido, a administração de refeições freqüentes com dietas ricas em carboidratos
sinais clínicos da doença. Normalmente se atinge esta meta com glicemias consideradas complexos promove um controle adequado e temporário de pacientes com insulinomas
baixas (inferiores a 60 mg/dL). pouco ativos. A recomendação dietética é a mesma que para cães com diabetes mellitus,
uma vez que neste caso, o objetivo também é limitar a hiperglicemia pós-prandial, e assim
Frente a uma crise de hipoglicemia, a administração de bolus de glicose deve ser evitar as crises induzidas pela alimentação, uma vez que a hiperglicemia pós-prandial
feita de forma lenta e gradual ao longo de 5-10 minutos. A administração de uma grande pode provocar picos de secreção de insulina. Deve-se administrar um mínimo de 4
quantidade de glicose, de forma rápida, pode na verdade exacerbar os sinais de pequenas refeições por dia, sendo às vezes recomendável à administração de até 8
hipoglicemia, uma vez que ocorrerá uma maior secreção de insulina. Desta forma quando refeições por dia, sem ultrapassar as necessidades energéticas do paciente.
ocorrer uma crise de hipoglicemia em casa, os proprietários devem saber disto, e agir
conforme orientação médica sem perder a calma. Deve-se administrar açúcar em solução Se refeições freqüentes de dietas ricas em fibras não forem suficientes para
na boca do animal. Caso o animal esteja inconsciente não se deve tentar fazer com ele controlar ou reduzir os clínicos do paciente após alguns dias de tratamento, torna-se
degluta. Assim que o paciente recuperar a consciência, ou restabelecer-se dos sintomas necessária à introdução de drogas hiperglicemiantes. A principal e mais comum droga

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utilizada para o tratamento de insulinoma em longo prazo é a prednisona / deve ser aplicada por via subcutânea a cada 8-12 horas na dose de 10 a 50 µg/kg. Além
prednisolona. Além de promover antagonismo aos efeitos da insulina, os glicocorticóides disto o custo da medicação é demasiado elevado apesar de alguns proprietários se
como a prednisona, estimulam a gliconeogênese por efeito direto sobre enzimas disporem a pagar. A única premissa para a eficácia da octreotida, é que o tumor secretor
neoglicogênicas como a fosfoenolpiruvatocarboxiquinase (PEPCK), por exemplo. A dose de insulina tenha mantido receptores de membrana para STT. Alguns tumores sofrem
inicial varia de 0,2 a 0,5 mg/kg a cada 12 horas, sendo que a melhora na qualidade de alterações moleculares e podem não apresentar mais receptores para este hormônio.
vida dos pacientes e a remissão dos sinais clínicos é facilmente detectada após alguns Uma vez interagindo com estes receptores a octreotida atua como um agonista da STT,
dias com a medicação. Quando necessário, é possível a administração de doses maiores, estimulando a fosforilação de proteínas inibitórias que resultam em um efeito final de
contudo os efeitos colaterais (hiperadrenocorticismo iatrogênico) normalmente são supressão tanto na síntese como na secreção da insulina. Depois de administrada, esta
limitantes, tornando o prognóstico sombrio. Desta forma, é interessante o início do droga tem um inicio de efeito após cerca de 2 horas, com pico de efeito em 4 horas e
tratamento com a menor dose eficaz possível. ação máxima de 8 horas (Figura 3).

Além destas condutas (dieta e uso de corticóides), é extremamente aconselhável Outra opção no âmbito dos tratamentos médicos é a quimioterapia com
que se evite expor o paciente a situações de estresse ou exercícios, uma vez que como já estreptozotocina (STZ). A STZ é um agente alquilante usado para induzir diabetes em
visto, estas situações podem provocar hipoglicemia. Quando todo este manejo não esta modelos experimentais, uma vez que promove necrose das células beta pancreáticas. O
mais tendo resultados, ainda existem opções clínicas para o tratamento, contudo o custo uso desta medicação para tratamento de insulinoma em humanos já foi descrito na
torna-se bastante oneroso por conta da necessidade de importação de certas drogas úteis literatura, assim como em cães. Contudo a medicação é extremamente tóxica por causar
para tentar obter-se um controle melhor do paciente. O diazóxido, um benzotiazídico anti- necrose tubular renal e ser fatal na maioria dos cães (modelos de diabetes ou tratados
hipertensivo não diurético, é uma droga que auxilia no tratamento de pacientes cujo para insulinoma). No entanto, recentemente, um protocolo de diurese salina agressivo,
tratamento com dieta e corticóides não estão mais sendo efetivos. O principal efeito desta associado a múltiplas pequenas doses de STZ tem sido preconizado com sucesso em
medicação é impedir o influxo de cálcio intra-celular que precede a secreção de insulina, cães com insulinoma sem ocorrência de falência renal ou óbitos. O protocolo de diurese
desta forma inibindo a secreção deste hormônio. No entanto, o diazóxido não inibe a salina consiste nos seguintes passos: pré-tratamento diurético (administrar 18,3 mL/kg por
síntese da insulina, apesar de apresentar outros efeitos desejáveis como estimular a hora de solução salina a 0,9% por via intra-venosa ao longo de três horas). Infusão de
gliconeogênese e glicogenólise, e inibir a captação periférica de glicose. A dose estreptozotocina (administrar STZ na dose de 500 mg/m2 diluído em um volume
preconizada inicialmente é de 10 mg/kg/dia, podendo ir até 60 mg/kg/dia. Porém quanto apropriado de solução salina administrado na mesma taxa de 18,3 mL/kg por hora de
maior a dose, maior a chance de ocorrência de efeitos indesejáveis como vômitos, solução salina a 0,9% por via intra-venosa ao longo de duas horas). Tratamento anti-
anorexia, e outros efeitos tóxicos (aplasia de medula, anemia aplástica, retenção de emético (administrar butorfanol na dose de 0,4 mg/kg por via intra-muscular durante ou
sódio, diarréia, taquicardia e eventualmente hiperglicemia e cataratas). Estes efeitos após a infusão de STZ). Pós-tratamento diurético (administrar 18,3 mL/kg por hora de
tóxicos e o custo elevado podem tornar esta opção questionável. A administração solução salina a 0,9% por via intra-venosa ao longo de duas horas). O objetivo deste
concomitante de hidroclorotiazida na dose de 2 a 4 mg/kg/dia dividido em duas protocolo é reduzir ao máximo o tempo de contato da STZ com os túbulos renais durante
administrações por dia aumenta a efetividade do diazóxido. a passagem pelos néfrons, reduzindo assim a toxicidade. Contudo, aumento na atividade
da GGT urinária e prejuízo nas provas de função glomerular, podem ser observados após
A octreotida, um análogo sintético da somatostatina (STT), apresenta bons cada aplicação, assim como aumento na atividade da enzima hepática ALT.
resultados no tratamento de cães com insulinoma. No entanto, a medicação é injetável, e

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Resposta glicêmica de um paciente com insulinoma


O tratamento inicial de eleição para o tratamento de insulinomas em cães e gatos
à aplicação sub-cutânea de 25 mcg de octreotida
é cirúrgico. Antes de submeter o paciente à cirurgia, um adequado controle dos sinais
120 clínicos é necessário. Para tal, lança-se mão das estratégias acima apresentadas. A
100 descrição das técnicas cirúrgicas aplicáveis foge ao escopo desta obra. Contudo diversos
Glicemia (mg/dL)

80
princípios e condutas serão abordados. O objetivo geral do tratamento cirúrgico é remover
60
o máximo de tecido alterado, seja uma massa única no pâncreas ou sítios de metástases
40
em órgãos distintos. Cerca de 90% dos casos apresentam massas únicas facilmente
20
visíveis em uma laparotomia ou laparoscopia exploratória. Contudo em alguns casos não
0
Tempo 0 Pós 2 horas Pós 4 horas Pós 6 horas Pós 8 horas é possível identificar anormalidade alguma durante uma abordagem cirúrgica, mesmo na
Tempo após aplicação presença de hipoglicemia e hiperinsulinemia. Nestes casos, às vezes após meses ou
anos que vem a surgir alguma alteração (massa pancreática) visível ou palpável. Estes
Figura 3. Curva glicêmica seriada em um cão com insulinoma após a aplicação de 25
pacientes costumam viver relativamente bem por meses, às vezes anos, com tratamento
mcg de octreotida por via sub-cutânea. O pico de efeito da medicação foi após cerca de 4
horas da aplicação, e o efeito não durou mais que 8 horas. médico somente. Por esta razão, não é recomendada eutanásia nos casos onde durante
a abordagem cirúrgica detectam-se diversas metástases ou tumores não-operáveis, uma
A recomendação é de realização de cinco tratamentos com intervalos de três
vez que ainda existem possibilidades terapêuticas para estes pacientes.
semanas entre cada tratamento, a menos que surjam efeitos adversos, quadros
patológicos ou hiperglicemia / diabetes. Antes de cada sessão é importante a realização
A partir do momento que se inicia o jejum pré-operatório, é adequada a
de exames de rotina como mensuração de atividade das enzimas ALT e FAS,
administração, por via intra-venosa, de uma solução a base de glicose entre 2,5 e 5% 4.
concentração sérica de uréia e creatinina, bem como realização de exame qualitativo de
Uma solução como esta promove substrato para o adequado funcionamento do SNC
urina (urinálise, EQU). A ocorrência de valores de creatinina superiores a 1,5 mg/dL ou de
durante o jejum e o período operatório. O objetivo é manter a glicemia superior a 35
uréia superiores a 50 mg/dL, bem como anemia, contra-indicam a manutenção do
mg/dL durante anestesia e cirurgia. A administração de soluções com concentrações de
tratamento. Apesar de não ter sido relatado até o momento a ocorrência de insuficiência
glicose superiores a 5% é extremamente perigoso, e contra-indicado, em decorrência do
renal aguda frente a este protocolo, outros efeitos tóxicos como aplasia de medula,
risco de rebote hipoglicêmico. Casos refratários, permanentemente hipoglicêmicos (< 30
vômitos intensos, anorexia, diarréia e hipoglicemia transiente pós-infusão já foram
mg/dL) apesar de infusão de glicose, podem ser candidatos ao uso de infusão contínua
relatados. No entanto esta opção terapêutica é reservada a pacientes com tumores não
de glucagon. A infusão de fluídos no pré-operatório apresenta a vantagem extra de
operáveis, ou pacientes com múltiplas metástases, devendo estas ser monitoradas
proteger o pâncreas de uma pancreatite após manipulação, uma vez que irá melhorar a
durante o tratamento através de imagens diagnósticas (ecografia, ressonância,
microcirculação pancreática. Da mesma forma a manutenção da fluidoterapia no trans e
tomografia). É possível encontrar na literatura especializada referências à outra drogas,
pós-operatório atende a estas mesmas prerrogativas.
contudo, as aqui citadas são as principais e mais eficazes opções terapêuticas para o
tratamento de insulinomas.

2.3 Tratamento Cirúrgico 4


Nota do Autor. Para preparar uma solução de glicose a 3,5%, por exemplo, adiciona-se 35 mL de uma solução de
glicose a 50% em um volume de 500 mL de uma solução isotônica como o cloreto de sódio a 0,9%.

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Durante a inspeção da cavidade, comumente observa-se um nódulo isolado no


pâncreas. No entanto, uma cuidadosa palpação do pâncreas deve ser realizada em busca
de possíveis sítios de metástases, bem como na tentativa de identificação de pequenos
tumores quando uma massa única não é visualizada. Qualquer manipulação menos
delicada do pâncreas pode provocar pancreatite fatal, motivo pelo qual é extremamente
importante manipular com cuidado este órgão. Deve-se inspecionar fígado, omento, e
linfonodos regionais em busca de metástases, sendo recomendada a remoção da maior
parte de tecido alterado detectado. Tumores localizados nas extremidades dos lobos
pancreáticos são mais facilmente removidos com pequeno grau de complicações (Figura
4). Tumores localizados no corpo pancreático são mais difíceis de serem removidos, e
comumente são associados a maiores morbidade e mortalidade no pós-operatório.

Figura 4. Nódulo tumoral na extremidade do lobo pancreático esquerdo durante trans-


A pancreatite é a principal complicação do tratamento cirúrgico, e algumas
operatório para resecção do tumor. Nódulos nesta localização são mais facilmente
medidas além da manipulação gentil do pâncreas, são recomendáveis com objetivo de manejados, com menor grau de complicações no trans e pós-operatórias.
reduzir a ocorrência de pancreatite; observada em cerca de 15% dos animais operados,
Outras complicações da retirada de um tumor pancreático são: diabetes mellitus
apesar de todos os cuidados. A administração de fluídos com glicose entre 2,5 e 5% (60 a
(em decorrência da atrofia das demais células beta pancreáticas, o que normalmente é
100 mL/kg por dia) e nada por via oral antes, durante e após 24 a 48 horas da cirurgia,
temporário) e hipoglicemia persistente (normalmente resultado da atividade de
seguido de administração de dietas pobres em gordura durante a próxima semana
metástases não identificadas durante a cirurgia). A resposta clínica frente a um tratamento
minimizam bastante a chance de ocorrência de pancreatite, desde que tenha se
cirúrgico realizado com sucesso é excelente e recupera plenamente a qualidade de vida
manipulado o órgão gentilmente. A re-introdução de alimentos por via oral deve iniciar-se
do paciente, promovendo a cura do problema. No entanto, devido ao elevado grau de
lentamente após 24 a 48 horas da cirurgia através da administração de pequenas
malignidade destes tumores, e as metástases comumente presentes no momento do
quantidades de água, e conforme resposta clínica do paciente, a administração de dietas
diagnóstico em decorrência da demora comumente observada em chegar-se a um
líquidas pode ser iniciada (por exemplo, um caldo a base de arroz e peito de frango, sem
diagnóstico definitivo, a cura é temporária na maioria dos casos. Pacientes que tiveram
adição de óleo). Posteriormente então se inicia a administração de dietas hipo-lipídicas
seu problema resolvido com a cirurgia devem permanecer persistentemente com
por até 7 dias.
glicemias superiores a 70 mg/dL. A fructosamina sérica é outra ferramenta útil para o
controle do sucesso do tratamento. Contudo, cerca de 10 a 15% dos casos sofrem
eutanásia ou morrem dentro de um mês da cirurgia em decorrência de severa doença
metastática, 20 a 25% dos casos morrem ou sofrem eutanásia em até 6 meses pelos
mesmos motivos. O percentual restante (60 a 70% dos casos) vive sem sinais clínicos por
mais de 6 meses, às vezes mais de um ano, antes da recidiva dos sinais clínicos. De uma
forma geral, a sobrevida média pós-cirurgia varia de 6 a 18 meses de acordo com o
estadiamento do tumor e a detecção de metástases durante a cirurgia.

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A espécie canina teve uma grande importância nos estudos sobre diabetes e a
3. DIABETES MELLITUS CANINA descoberta da insulina. Em 1682, Bruner verificou que a retirada do pâncreas provocava
poliúria e polidipsia, mas somente em 1869, Von Mering e Minkowski demonstraram que a
O diabetes mellitus (DM) é uma doença sistêmica crônica decorrente de uma pancreatectomia provocava diabetes no cão; mesmo ano em que Paul Langerhans (1847-
deficiência relativa ou absoluta de insulina. Atualmente, o DM é uma doença endócrina 1888) descrevia pela primeira vez as ilhotas pancreáticas, porém sem sugerir qualquer
bastante freqüente nas rotinas clínicas, sendo uma das endocrinopatias mais comuns em função para elas. Durante anos, muitos pesquisadores tentaram desvendar a função das
cães e gatos. O estado diabético causa transtornos aos proprietários e animais devido à ilhotas e a relação do pâncreas com o diabetes. Nas duas primeiras décadas do século
poliúria e polidipsia característica da doença, além da perda de visão decorrente de XX, diversos grupos preparam extratos pancreáticos, que obtiveram sucesso na redução
catarata, predisposição a infecções e risco de cetoacidose diabética (complicação que da glicemia e glicosúria de cães tornados diabéticos por pancreatectomia. No entanto, os
pode ser limitante a vida). Os gastos com um paciente diabético com relação ao inúmeros efeitos colaterais como sepse, febre, abscessos e intensa dor devido a
diagnóstico, monitoramento e manejo terapêutico podem facilmente ultrapassar o salário impurezas, reações tóxicas e proteases presentes nos extratos, inviabilizavam o uso
mínimo nacional. Neste capítulo será discutido o DM com ênfase na espécie canina, destes em pacientes humanos.
apesar de algumas generalidades do diabetes mellitus felino serem discutidas aqui de
forma comparativa. As particularidades com relação à espécie felina serão abordadas no Baseado na observação de que cães submetidos a pancreatectomia
capítulo seguinte. desenvolviam diabetes, e que cães que tinham o ducto pancreático ligado desenvolviam
degeneração acinar sem qualquer prejuízo às ilhotas, poliúria, polidipsia ou glicosúria; o
3.1 Histórico jovem cirurgião Frederick Grant Banting (1891-1941), em uma noite de insônia, teve a
idéia de ligar o ducto pancreático de cães, esperar que ocorresse a degeneração acinar e
O Diabetes Mellitus (DM) é uma doença metabólica crônica conhecida há muito então testar o extrato do pâncreas remanescente no controle do diabetes de cães
tempo pela humanidade, tendo seus primeiros registros no papiro de Ebners, escrito pelo submetidos a pancreatectomia. Em 27 de julho de 1921 Banting e seus colaboradores
povo egípcio 1500 anos A.C., que o descreveram associado à formação de muita urina. Charles Best e John MacLeod obtinham os primeiros resultados em cães diabéticos. O
Na Grécia do século II, Areteu de Cappadócia deu o nome diabetes (do grego: diabetes = extrato foi batizado de insulina (do latim: insula = ilha) e após auxílio do bioquímico James
sifão) derivado da palavra grega diabaino (dia = através, baino = passar; “passar através”) Collip (1892-1965) na purificação do extrato, em 23 de janeiro de 1922, ocorreu o primeiro
caracterizando a poliúria característica da doença. Areteu também apresentou as sucesso em um teste com um paciente humano diabético, uma criança de 14 anos de
primeiras definições clínicas da doença. Entre os séculos III e VI, médicos indianos idade. Em 25 de outubro de 1923, a equipe recebia o prêmio Nobel pela descoberta da
reportaram nos Vedas (livros sagrados), a existência de pacientes com poliúria e urina insulina.
adocicada que atraia formigas, moscas e outros insetos. Também relataram que a doença
acometia dois tipos de pessoas: umas magras que não sobreviviam muito tempo e outras Com o início da agricultura e criação animal (cerca de 10 mil anos atrás) iniciou-
idosas e obesas, já caracterizando duas formas distintas da doença. O termo latino se uma profunda mudança na dieta e hábitos de vida da população em geral, de forma
mellitus (do latim: mellitus = doce) só foi acrescentado durante o século XVIII por Cullen que evolutivamente, é pouco tempo para uma adaptação do nosso genoma ao novo estilo
(1709-1790) a fim de distinguir a doença do diabetes insipidus. de vida. Este fato proporcionou o aparecimento das “doenças da civilização”, dentre as
quais o diabetes. Os organismos até então estavam adaptados à inconstância na oferta
alimentar, e gradativamente, a evolução permitiu que a oferta de alimento se se torna

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constante, favorecendo o ganho de peso e surgimento de doenças metabólicas como o DM tipo I de diabetes juvenil. Como estes pacientes necessitam de insulina para o
DM. O mesmo pode ter ocorrido com a população canina e felina que acompanhou estas tratamento, da-se o nome de diabetes mellitus insulino-dependente (DMID) a esta
mudanças de alimentação e hábitos diários a partir da domesticação dos lobos e gatos apresentação da doença.
selvagens. Afinal, na natureza a ocorrência de DM em lobos e felídeos selvagens não
parece comum. O crescente aumento na incidência de obesidade e DM em cães, gatos e Acredita-se que em cães o DM progrida de forma semelhante, mas infelizmente
humanos é evidente nos últimos 30 anos. não é identificado antes dos estágios finais, quando a terapia insulínica é fundamental.
Uma vez descompensadas, e na presença de hipoinsulinemia, as células β não são mais
3.2 Classificação e Etiopatogênese capazes de recuperação. Apesar disto, o DM em cães jovens é um achado extremamente
raro, embora existam relatos de DM em cães tão jovens quanto 5 meses. Estes achados
O diabetes mellitus é uma doença crônica sistêmica decorrente de uma motivam as discussões sobre a classificação do DM em cães.
deficiência relativa ou absoluta de insulina sendo classificada basicamente de duas
formas. A primeira é baseada na classificação em humanos (tipo I - juvenil e tipo II - senil) No DM tipo II, ocorre uma resistência periférica à insulina associada as vezes a
e considera mecanismos fisiopatológicos e alterações patológicas das células β disfunção das células β. Acredita-se que estes defeitos sejam de origem genética e são
pancreáticas para classificação. A segunda forma de classificação considera a evidentes por até mais de uma década antes do início da doença clínica, em humanos.
necessidade pela terapia com insulina para estabelecer o controle glicêmico, prevenir a Fatores ambientais; como a obesidade, podem acentuar o problema. A resistência
cetoacidose diabética e conseqüentemente permitir a sobrevivência do paciente, hepática à insulina é potencialmente induzida por aumento nas concentrações séricas de
classificando o DM em dependente de insulina (DMID) ou DM não dependente de insulina ácidos graxos livres na circulação portal, resultando em excesso de produção de glicose
(DMNID). hepática e hiperglicemia pós-prandial persistente. A resistência muscular à insulina leva a
diminuição da captação muscular de glicose após as refeições. Muitas alterações nos
O DM tipo I humano é caracterizado por uma combinação de suscetibilidade receptores à insulina, e nas vias de sinalização pós-receptor, contribuem para a
genética e destruição imunomediada das células β, com progressiva, e muitas vezes resistência ao hormônio. Além disto, a secreção de insulina é reduzida, a qual é um dos
completa deficiência de insulina. Auto anticorpos são formados contra a insulina sérica, principais pontos da patogênese da intolerância à glicose no DM tipo II. Os pacientes
células β e outros componentes das ilhotas pancreáticas; como a enzima ácido glutâmico acometidos por esta forma da doença não dependem de insulina para controlar a doença
descarboxilase (GAD). Estes auto-anticorpos podem ser utilizados na identificação de e este controle é obtido por meio de dieta apropriada, agentes hipoglicemiantes de uso
indivíduos em risco de desenvolver DM tipo I, uma vez que já estão presentes na oral e exercícios, motivo pelo qual esta apresentação da doença também é chamada de
circulação sangüínea antes do aparecimento de hiperglicemia e sinais clínicos. A diabetes mellitus não insulino-dependente (DMNID). A terapia com insulina pode
destruição imunomediada das ilhotas pancreáticas é dividida em estágios progressivos, tornar-se necessária frente a severa resistência à insulina e disfunção das células β.
começando pela suscetibilidade genética, passando até a ocorrência de um evento que Alguns cães e gatos obesos são identificados com resistência à insulina associado à
desencadeia a auto-imunidade contra as células β. A parir deste momento, reduzida secreção do hormônio em uma forma semelhante ao DM tipo II humano.
progressivamente vai ocorrendo destruição das ilhotas e redução na capacidade de Humanos com esta forma da doença normalmente são idosos e obesos, motivo pelo qual
secreção de insulina. Em longo prazo, a capacidade secretora não é mais suficiente para esta apresentação é também reconhecida por diabetes senil. Porém esta nomenclatura
manter a normoglicemia, e os sinais clínicos da doença começam a surgir. Em humanos, tem sido abandonada, uma vez que cerca de 30% dos novos casos em humanos são em
isto normalmente acontece em indivíduos jovens, motivo pelo qual também se chama o crianças ou jovens adultos.

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a degeneração de células β secundariamente a resistência crônica à insulina ou podem


Como a classificação do DM em humanos em tipos I e II é baseada em histórico causar liberação de proteínas celulares provenientes de células β que se tornam alvos da
familiar, apresentação clínica (também conhecidas como diabetes juvenil e diabetes senil, destruição imunomediada das ilhotas de Langerhans. A infiltração linfocitária é um achado
respectivamente, em decorrência da idade média dos indivíduos acometidos), presença raro em cães, diferentemente do que ocorre no DM tipo I de humanos e em bovídeos. É
de auto anticorpos contra células β e insulina, assim como testes com secretagogos de provável que ocorram infiltrados leucocitários nas ilhotas pancreáticas no início do
insulina (glicose, glucagon), é clinicamente relevante e talvez mais correto classificar o processo auto-imune, e estes não estejam mais presentes no momento da morte da
DM em cães como DMID e DMNID. Em cães e gatos, o histórico familiar normalmente maioria dos cães diabéticos. Após episódios de pancreatite, por exemplo, cerca de 30%
não esta disponível; a apresentação clínica não auxilia muito na diferenciação entre DM dos casos apresentam destruição de ilhotas, as quais são substituídas por tecido fibroso.
tipo I ou II; os testes de secreção de insulina não são utilizados rotineiramente e os testes Em outros casos ocorre degeneração de ilhotas ou nenhuma ilhota é encontrada.
imunológicos não são disponíveis nas rotinas clínicas.
Existência de intolerância a carboidratos induzida por obesidade, e presença de
Praticamente todos os cães apresentam DMID no momento do diagnóstico. Em amilóide em ilhotas já foram encontrados em alguns cães diabéticos, embora o
cães, este tipo é caracterizado por hipoinsulinemia acompanhada de: nenhum aumento reconhecimento clinico de DMNID seja bastante rara em cães. A proteína amilóide
nas concentrações séricas de insulina após administração de um secretagogo como a presente nas ilhotas é considerada uma importante característica do DM tipo II em
glicose, total falha no controle glicêmico somente com dietas apropriadas e agentes humanos. Uma pequena porcentagem de cães diabéticos apresenta aumento dos níveis
hipoglicemiantes orais, e total necessidade de insulina para manutenção da glicemia. de peptídio C em testes de liberação de insulina, o que sugere a presença de algumas
Diversos fatores estão envolvidos na etiopatogênese do DM em cães. células beta funcionais. Infelizmente estes cães necessitam de terapia com insulina para
diminuir a hiperglicemia.
Dentre os fatores etiopatogênicos envolvidos; a predisposição genética tem sido
sugerida por associações familiares e análises de pedigree. Outros fatores Recentemente foi proposta a classificação do DM canino como diabetes
potencialmente envolvidos são a insulite imunomediada, pancreatite, obesidade, insulino-deficiente (DID) ou diabetes insulino–resistente (DIR). A DID primária em
antagonismos hormonais (hiperadrenocorticismo, diestro, acromegalia) fármacos cães seria caracterizada por uma perda progressiva de células b pancreáticas; causada
(glicocorticóides, estreptozotocina), infecções, doenças intercorrentes (insuficiência renal, por doenças como hipoplasia/abiotrofia congênita de células b, perda de células b
doença cardíaca), hiperlipidemia e amiloidose nas ilhotas. A descoberta recente, de que secundária a doença pancreática exócrina, destruição imunomediada de células b ou
cerca de 50% dos cães diabéticos apresentam anticorpos contra células β, suporta a idiopática. A DIR primária resultaria basicamente de 4 situações distintas: 1)
existência de uma auto-imunidade humoral. antagonismos à função da insulina por outros hormônios (diestro/diabetes gestacional), 2)
secundária a outras doenças endócrinas (hiperadrenocorticismo e acromegalia), 3)
As lesões patológicas mais comuns em cães com DM são uma redução no iatrogênia (uso de glicocorticóides e progestinas sintéticas) ou 4) intolerância a glicose
número e tamanho das ilhotas de Langerhans, um reduzido número de células β nas associada à obesidade, porém não como causa primária do DM em cães. A DIR pode
ilhotas e degeneração hidrópica das mesmas. Também, ausência absoluta congênita de ocasionar um estado diabético reversível; extremamente incomum em cães. O
células β, e aplasia ou hipoplasia de ilhotas pancreáticas já foram descritas em cães com reconhecimento precoce da resistência à insulina nestes casos, e /ou tratamento
DM. Alterações menos severas nas células β e nas ilhotas podem predispor o cão adulto
ao DM frente a uma exposição a fatores ambientais de risco. Estes fatores podem induzir

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adequado da endocrinopatia concomitante nos estágios iniciais, pode resolver a DIR, desde 1960, onde foi observado por Krook e colaboradores, que a prevalência de DM era
retornando o paciente a um estado euglicêmico sem o uso contínuo de insulina. maior em cães obesos. A obesidade é um fator de risco bem estabelecido para DM tipo II
em gatos e humanos. Porém, em cães não há nenhum relato de uma forma de diabetes
Na DIR, apesar de haver adequada massa de células β funcionais, estas não semelhante ao tipo II. O estudo clássico de Mattheeuws e colaboradores em 1984, que
conseguem secretar insulina suficiente para a manutenção da euglicemia na presença de correlacionou o diabetes à obesidade utilizou fêmeas caninas não castradas, não se
um antagonismo patológico aos efeitos da insulina. Falhas em corrigir rapidamente estes podendo descartar a possibilidade de nestas pacientes ter ocorrido resistência à insulina
antagonismos resultam em perda de células β e eventual desenvolvimento de DMID mediada pelo diestro.
secundário. Uma hiperglicemia crônica (>250mg/dl) por cerca de duas semanas é
suficiente para causar perda de células β, e DM permanente, devido a resistência Os efeitos da obesidade são particularmente pronunciados quando resultado de
periférica à insulina e supressão da secreção deste hormônio (glicotoxicidade). A uma dieta rica em gordura saturada. Cães alimentados com uma dieta rica em gordura
hiperglicemia persistente após pancreatite, é outra forma de DM secundário. A ativação desenvolvem resistência insulínica não compensada por aumento na secreção de
de enzimas pancreáticas dentro dos acinos e sistema de ductos pancreáticos inicia a insulina; resultando em intolerância à glicose mais severa, além de sofrerem uma redução
pancreatite, e o envolvimento das ilhotas pode ocorrer por extensão da necrose e no transporte de insulina para o SNC. Um estudo epidemiológico conduzido na região de
inflamação pelos tecidos ao redor. Além disto, a auto-imunidade contra células b, Porto Alegre - Brasil evidenciou que 69,2% dos proprietários de cães diabéticos
inflamação pancreática e a regulação da imunidade intestinal podem estar interligadas na consideravam seus cães com sobrepeso ou obesos antes do diagnóstico. O mesmo
patogênese do processo, uma vez que pessoas com DM tipo I normalmente apresentam estudo documentou que 50% dos pacientes com diabetes recebiam comida caseira mais
regulação da imunidade intestinal anômala. Dois fatores de risco que estão ração a cada refeição, e que outros 28,6% deles recebiam somente comida caseira como
freqüentemente implicados na patogênese do DM tipo I em humanos, são: infecções dieta no momento do diagnóstico. Nesta população de pacientes diabéticos estudada;
enterovirais e exposição a proteínas do leite de vaca. 78,6% deles recebiam petiscos como pães, biscoitos, doces e chocolates fora dos
horários das refeições; o que corrobora com a hipótese da obesidade e desequilíbrio
A grande maioria dos cães recentemente diagnosticados com DM apresentam nutricional como fatores de risco para o desenvolvimento da DM canina. O mesmo padrão
concentrações de insulina menores que 12 μU/ml, muitas vezes indetectáveis. foi observado num estudo de caso-controle conduzido na Suécia, onde se observou uma
Concentrações maiores que 18 μU/ml sugerem a existência de células β funcionais e a maior ocorrência de obesidade e alimentação desequilibrada (comida caseira sozinha ou
possibilidade de DM secundário com possibilidade de reversão do quadro a um estado associada à ração e petiscos) nos pacientes diabéticos quando comparados aos
não dependente de insulina se os antagonismos hormonais presentes forem eliminados. controles.
Ainda assim, a terapia com insulina é recomendada nestas situações para correção da
hiperglicemia e redução do estresse às células beta enquanto o antagonismo não é Além disto, evidências em outros modelos apontam para os efeitos deletérios da
resolvido. obesidade sobre a sensibilidade à insulina e predisposição ao DM. Além das diversas
adipocitocinas liberadas pelos adipócitos; os ácidos graxos livres (AGLs) reduzem ambas
Ainda que a obesidade cause resistência à insulina em cães, não existem captação de glicose muscular e secreção de insulina, ao tempo que aumenta a produção
trabalhos bem documentados que convincentemente demonstrem que a DM tipo II é uma hepática de glicose. Os AGL também estão associados à reduzida fosforilação de
doença significante nesta espécie, diferente do observado em gatos e humanos. Nenhum mensageiros intra-celulares, resultando em menor resposta à insulina. A redução na
trabalho epidemiológico foi publicado avaliando a relação entre obesidade e DM em cães

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secreção de adiponectina na obesidade (adipocitocina com efeitos pró-insulina) é outro o mesmo tempo de um gestação (cerca de 9 semanas) e considera-se o perfil hormonal
fator importante na interação obesidade – homeostase da glicose. do diestro e das prenhes praticamente idênticos. Cadelas com DM transitório causado por
diestro apresentam grandes chances de desenvolver DMID na próxima fase
O DM em fêmeas intactas é freqüentemente associada com a fase do ciclo estral progesterônica do ciclo estral. Por este motivo é recomendada a castração logo após o
onde predomina a progesterona (diestro), e assemelha-se a diabetes mellitus diagnóstico de DM. Cerca de 5% das pacientes com diagnóstico inicial de DM durante o
gestacional (DMG) em humanos. Cerca de 70% das pacientes caninas que desenvolvem diestro podem reverter a um estado euglicêmico se submetidas à castração. A
diabetes encontram-se no diestro quando começam os sinais clínicos da doença. No ovariectomia promove um aumento significativo na resposta insulínica frente à
Reino Unido, a redução no uso de progestágenos sintéticos e a prática de esterilização administração de glicose, sendo possível inclusive observar hipertrofia de ilhotas de
das fêmeas não reprodutoras vem reduzindo a DM decorrente do diestro em fêmeas Langerhans e maior degranulação das células b. Se o DM persistir após o fim do diestro,
caninas. deve-se re-classificar como DMID e não mais como DMG.

Em humanos; o diabetes mellitus gestacional é definido como qualquer grau de O aumento na concentração sérica de progesterona durante o diestro pode
aumento na intolerância à glicose com começo, ou primeira verificação, durante a causar diabetes em cães por promover um efeito antagônico à insulina, diretamente por
gestação. Durante uma gestação normal, há um aumento progressivo na resposta reduzir a ligação de insulina e transporte de glicose nos tecidos alvos, e secundariamente
secretória materna de insulina em resposta à glicose e outros estímulos, observando-se por promover a liberação de hormônio do crescimento (GH) pela glândula mamária. O GH
uma menor sensibilidade à insulina nos dois terços finais de gestação. As pacientes que exerce um efeito antagônico à insulina por reduzir a concentração de receptores à
desenvolvem DMG manifestam vários graus de hiperglicemia e hiperlipidemia além de insulina, reduzindo a captação de glicose. Contudo, se considera que a redução na
maior chance de complicações no parto e morbidades para mãe e neonato. Etnia, concentração de receptores de insulina na membrana celular das células alvo, como uma
obesidade e distribuição da gordura corporal, idade, dieta e exercícios são os principais down-regulation decorrente da hiperinsulinemia promovida pela resistência insulínica
fatores não-gestacionais que influenciam a sensibilidade à insulina nestes casos. gerada pelo GH. Os efeitos lipolíticos do GH também são antagônicos aos efeitos da
Entretanto o principal fator envolvido no desenvolvimento do DMG seriam as flutuações insulina. Os hormônios FSH (hormônio folículo-estimulante) e LH (hormônio luteinizante)
hormonais durante a gestação. A placenta produz uma série de hormônios implicados na também já foram associados à resistência tecidual aos efeitos hipoglicemiantes,
resistência à insulina e intolerância à glicose, como por exemplo, o lactogênio placentário lipogênicos e anti-lipolíticos da insulina em cães. O reconhecimento da contra-regulação
e GH placentário; assim como diversas citocinas. Os efeitos deletérios dos hormônios do GH sobre os efeitos da insulina data de quase sete décadas, no entanto somente há
gestacionais sobre a sensibilidade à insulina e translocação de GLUT-4 para membrana pouco tempo os mecanismos moleculares envolvidos na resistência insulínica promovida
de células adiposas e musculares já foram demonstrados em culturas celulares. pelo GH tornaram-se conhecidos. Evidências acumuladas sugerem que o GH module a
sensibilidade à insulina por múltiplos mecanismos. Isto ocorre em decorrência de ambas
Na espécie canina a progesterona, assim como os progestágenos sintéticos, vias de sinalização intra-celular do GH e de seu principal efetor; o IGF-I (fator de
podem aumentar a liberação de GH pelo tecido mamário, sendo um importante fator crescimento semelhante à insulina – I) convergirem com as vias de sinalização intra-
envolvido na resistência à insulina, e também associado a tumores de mama e ao celulares da insulina.
complexo hiperplasia endometrial cística - piometra. Normalmente ocorre uma redução na
sensibilidade à insulina em cadelas prenhes sadias entre os dias 30 e 35 da gestação, Recentemente foi verificada uma menor fosforilação do receptor de insulina em
tornando-se mais grave no final da gestação. O diestro na cadela dura aproximadamente cadelas durante o estro e diestro, bem como uma menor afinidade dos receptores de

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insulina pelo hormônio durante estas fases do ciclo estral. Este ambiente hormonal do Uma vez estabelecida a deficiência absoluta ou relativa da liberação de insulina
estro e do diestro pode modular negativamente a sensibilidade à insulina, e predispor as pelas células β ocorre uma redução na utilização tecidual de glicose, aminoácidos e
pacientes ao desenvolvimento de diabetes, especialmente quando outros fatores de risco ácidos graxos. O fígado acelera os processos de glicogenólise e gliconeogênese, gerando
estiverem presentes, como auto-imunidade contra células beta, obesidade, alimentação um excesso de glicose no sangue. Este processo é mediado não somente pela falta de
desequilibrada ou uso de drogas diabetogênicas. insulina como também pelo excesso relativo de glucagon. A glicose proveniente da dieta
também contribui para a hiperglicemia, que por sua vez prejudica ainda mais a secreção
Uma forma rara da doença é o diabetes mellitus hiperosmolar não cetósico de insulina e a sensibilidade tecidual a mesma.
(DMHNC) que acarreta coma hiperglicêmico e não cetósico. A glicemia nestes casos
freqüentemente está superior a 900 mg/dL (50 mmol/L) com concomitante aumento nos Toda glicose circulante é livremente filtrada nos glomérulos renais, contudo, as
níveis de sódio e uréia devido à falha renal; levando a osmolaridade do plasma a valores células dos túbulos renais proximais apresentam uma capacidade limitada de reabsorver
superiores a 320 mosm/L (freqüentemente maior que 375 mOsm/L normal entre 180 e esta glicose do ultrafiltrado glomerular. Em cães, este limiar é ultrapassado quando a
210 mOsm/L). Além da deficiência de insulina e do próprio efeito tóxico da hiperglicemia glicemia ultrapassa valores de 180 a 220 mg/dl, em gatos, no entanto, este valor é mais
sobre as células beta, o estresse hiperosmótico per se pode ser um fator que contribuí alto, por volta de 280 mg/dl. Nesta situação ocorre a presença de glicose na urina
para resistência insulínica, inibindo a função do IRS-1 por distintos mecanismos em (glicosúria). Esta glicosúria promove diurese osmótica impedindo a água de ser
cultivos celulares de adipócitos. Esta síndrome caracteriza-se por: severa hiperglicemia, reabsorvida ao longo do néfron, e levando a poliúria. O centro da sede é ativado,
desidratação extrema, ausência de cetonemia, depressão do SNC, infecções, falha renal desencadeando a procura por líquidos para correção do estado hídrico corporal. Como o
e acidose metabólica inexistente ou moderada. Anticonvulsivantes, glicocorticóides e processo é constante ocorre uma polidipsia compensatória à poliúria, em uma tentativa
diuréticos do grupo das tiazidas podem contribuir para progressão desta síndrome. de prevenir a desidratação.
Nestes casos, a contração do espaço extracelular diminui a perfusão tecidual reduzindo a
taxa de filtração glomerular, aumentando a osmolaridade devido a azotemia e a retenção Apesar da hiperglicemia, a reduzida utilização de glicose pelos tecidos periféricos
de glicose. A hiperosmolaridade causa confusão mental, depressão, coma e morte. Este (adiposo, muscular e hepático) em decorrência da hipoinsulinemia, leva o organismo a
estado impede a ingestão de água, o que piora ainda mais o quadro. Suspeita-se que a ativar vias catabólicas como se estivesse em uma situação de jejum prolongado. A
origem do problema seja um funcionamento deficiente do SNC, ou a reduzida ingestão de insulina suprime a enzima lipase hormônio-sensível, e na sua ausência, ocorre acentuada
água devido a azotemia e náusea. Estes pacientes provavelmente não produzem corpos lipólise secundária a ativação desta, gerando ácidos graxos livres não esterificados
cetônicos por ainda apresentarem algum grau de insulina endógena que detém a (utilizados como fontes de combustível oxidativo hepático e extra-hepático) e glicerol
produção hepática destes, apesar de não ser capaz de promover a homeostase da (utilizado na gliconeogênese). A insulina também apresenta um efeito anabólico, e anti-
glicose no sangue. No Brasil, foi relatado um caso de diabetes mellitus hiperosmolar não catabólico sobre a musculatura, e na sua ausência ocorre catabolismo de proteínas como
cetósico em uma cadela diabética com piometra; condição que propicia algumas das fonte de aminoácidos para a gliconeogênese. Estes fatos associados à perda calórica
características citadas acima, como falha renal, infecção e desidratação extrema. representada pela glicosúria são responsáveis pela perda de peso dos pacientes

3.3 Fisiopatologia Dois centros hipotalâmicos controlam a ingestão de alimentos: o “centro da fome”
na região lateral, responsável pelo controle da quantidade de alimento ingerido, e o
“centro da saciedade”, localizado na região ventro-medial. O centro da fome esta sempre

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ativo, invocando o comportamento de procura por alimento, através da ativação de vias nacionalidades e localizações geográficas. É possível que diversas raças puras de cães
neurais eferentes oroxígenas. No entanto este centro é temporariamente inibido pelo tenham diferentes genes envolvidos na patogênese do DM.
centro da saciedade após refeições por vias neurais eferentes anorexígenas. Outros
mecanismos neuroendócrinos complementam o controle do apetite e peso corporal. Predisposição genética para o desenvolvimento da doença através de
Observou-se que o Neuropeptídeo Y (NPY) quando injetado no hipotálamo produz associações familiares e estudos de pedigree foram descritos em cães Keeshounds (Wolf
hiperfagia, ao passo que também foi demonstrado que a insulina altera a síntese local e Spitz, cão lobo), raça pouco popularizada no Brasil e em Poodles miniatura, Samoiedas e
liberação do NPY no hipotálamo, resultando em saciedade. Entretanto em condições de Rottweillers. Diversos estudos identificaram raças de cães com maior ou menor risco de
hipoinsulinemia (jejum, diabetes) aumenta a expressão do NPY no núcleo arcuado, desenvolver DM, sendo o Australian Terrier, Schnauzer, Samoieda, Pug, Fox Terrier,
aumentando assim a ingestão de alimentos. A observação de polifagia (ingestão Keeshound, Bichon Frise, Spitz, Husky Siberiano, Poodles toy e miniatura, as raças com
exagerada de alimento) é um achado comum em pacientes com DM não complicado. maior chance de desenvolver DM comparados a cães sem raça definida. Raças como o
Pastor Alemão, Golden Retriver, American Pitbull Terrier, Boxer, Collie, Pequinês, e
3.4 Epidemiologia Pointer, apresentam-se como as raças com menor risco de desenvolver DM. No Brasil,
talvez a raça mais afetada seja o Poodle.
O pico de prevalência do DM em cães é entre os 7 e 10 anos, com uma
incidência de 1:100 a 1:500 de acordo com a literatura internacional. Um estudo É importante ressaltar que a popularidade das raças em diferentes regiões pode
conduzido no Hospital de Clínicas Veterinárias da Universidade Federal do Rio Grande do alterar estes dados com relação à predisposição à doença. Não foi encontrada variação
Sul observou uma prevalência de 1:865 (0,11%) na região de Porto Alegre - Brasil. De sazonal na incidência de DM que sustentasse a possibilidade de um agente etiológico
acordo com o estudo avaliado, a prevalência de diabetes esta estimada em algo entre infeccioso, como tem sido proposto para o DMID tipo I de humanos; apesar de alguns
0,0005% e 1,5% (0,32% no Reino Unido, por exemplo). A incidência de DM esta estudos em cães que observaram uma maior incidência entre os meses de novembro e
aumentando significativamente nas últimas décadas. Entre 1970 e 1999 a prevalência janeiro no hemisfério norte.
hospitalar de DM cresceu de 19 casos para cada 10.000 cães para 64 casos para cada
10.000 cães nos Estados Unidos. Este aumento na prevalência deve-se não só a avanços As fêmeas são afetadas duas vezes mais que os machos (cerca de 70% dos
nas técnicas e conhecimento dos veterinários (hipótese suportada pela redução na pacientes diagnosticados com diabetes são fêmeas). Machos castrados apresentam
mortalidade destes pacientes de 37% para 5% no mesmo período), mas também devido a maior chance de desenvolver DM que machos inteiros, assim como cães com menos de
maior prevalência de obesidade nos animais, alimentação desequilibrada, estresse e 22 kg. Apesar disto, não há diferença marcante na resposta a insulina ou glicose entre
sedentarismo. machos e fêmeas. O DM em filhotes é extremamente raro, sendo incomum o
aparecimento da doença em cães com menos de um ano.
Apesar de em humanos não estar totalmente elucidado o componente genético
do DMID, sabe-se que estão envolvidos genes do MHC (complexo de 3.5 Apresentação e Diagnóstico
histocompatibilidade principal), responsáveis pela resposta imune. Em cães não foi
encontrada correlação com estes genes. Outros genes menos importantes envolvidos na A história em praticamente todos cães diabéticos envolve os sinais clássicos de
patogênese do DM em humanos variam amplamente entre diferentes etnias, poliúria, polidipsia, polifagia e perda de peso (Os 4 “Ps” do diabetes), sendo que poliúria
e polidipsia não se desenvolvem até que ocorra glicosúria. A polidipsia parece ser o sinal

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clínico mais prevalente, enquanto que noctúria (micção noturna) freqüentemente também de tratamento dietético somente, sem terapia insulínica associada. Estes pacientes
é a causa da consulta. Ocasionalmente, o motivo da consulta pode ser a formação normalmente sobrevivem menos de seis meses, se a terapia insulínica não for iniciada.
abrupta de catarata. Nos casos em que o proprietário não repara o aparecimento destes
sinais, o paciente corre sério risco de desenvolver cetoacidose diabética, coma e morte. A
cetoacidose (complicação potencialmente fatal do DM) esta presente no momento do
diagnóstico em cerca de 35% a 40% dos casos, manifestando-se normalmente por
vômitos e anorexia.

Uma anamnese minuciosa deve sempre ser realizada a procura de doenças


concomitantes que estão presentes na grande maioria dos casos de DM. Em muitos cães,
o antagonismo aos efeitos da insulina causada por outras doenças, como pancreatite,
infecções, insuficiência cardíaca congestiva, hiperadrenocorticismo ou até um estro
recente, é o evento que desencadeia o início da doença. A identificação e o tratamento
destas desordens é fundamental para sucesso da manutenção do paciente diabético.
Outras informações, referentes a tratamentos anteriores com drogas diabetogênicas, Figura 5. Apresentação inicial de um paciente diabético. A obesidade mórbida neste caso
pode ter sido um dos fatores predisponentes ao desenvolvimento do quadro diabético.
como glicocorticóides e progestágenos, devem ser questionadas a procura de possíveis
fatores envolvidos. Deve-se questionar também que tipo de alimentação é fornecido ao A letargia pode ser evidente. Pêlos esparsos, secos e quebradiços podem estar
animal e a quantidade de guloseimas que o mesmo recebe. Sabe-se que dietas ricas em presentes, assim como pêlos brilhosos, e diferentes graus de hiperqueratose.
carboidratos predispõe à obesidade; assim como dietas ricas em gordura, que também Hepatomegalia devido a lipidose hepática induzida pelo DM pode ser palpável ou
podem causar pancreatite; fatores intimamente ligados ao DM em cães. Freqüentemente detectável no exame ultrasonográfico. Desidratação é o achado clínico mais comum em
as fêmeas são apresentadas ao clínico após pouco tempo do último cio. O histórico de cio cães diabéticos (48%), seguido de emagrecimento (44%), e cataratas (40%). Dor
recente ao diagnóstico (menos de dois meses) é um achado comum. abdominal pode estar presente em casos de pancreatite.

3.5.1 Exame clínico

Um exame clínico completo é imperativo em qualquer animal com suspeita de


DM. O cão com DM não cetósico não apresenta nenhum sinal clínico clássico, e podem
se apresentar obesos (Figura 5) ou em boas condições físicas. Normalmente cães com
DM sem tratamento por certo tempo apresentam perda de peso. A caquexia e emaciação
estão relacionadas a doenças concomitantes como a insuficiência pancreática exócrina,
por exemplo, ou a um grande tempo de evolução da doença antes da consulta (Figura 6).
Ocasionalmente, o paciente pode apresentar-se caquético em decorrência da prescrição

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Figura 6. Apresentação inicial de um paciente diabético. Fica evidente a perda de massa Uma completa avaliação da saúde do paciente diabético é recomendada logo
muscular e adiposa, além da presença de cataratas já no momento do diagnóstico.
após o diagnóstico inicial da doença para identificar qualquer doença concomitante que
possa estar causando ou contribuindo para a intolerância à glicose (p. ex.
hiperadrenocorticismo), que possa resultar da intolerância à glicose (p. ex. cistites
3.5.2. Diagnóstico
bacterianas) ou estabelecer alterações no tratamento (p. ex. pancreatite). É indicado um
perfil mínimo composto de ultra-sonografia, hemograma, perfil bioquímico sérico, e
O diagnóstico da doença requer a presença dos sinais clínicos apropriados (i.e.,
urinálise com cultura de bactérias e antibiograma.
poliúria, polidipsia, polifagia e perda de peso) associado à verificação de hiperglicemia
persistente após jejum de 8 horas, e glicosúria. Os diversos aparelhos portáteis para
A ultra-sonografia abdominal é mandatária para qualquer paciente
medição da glicemia disponíveis hoje em dia, permitem o rápido diagnóstico. É importante
diagnosticado recentemente com diabetes, e representa uma boa ferramenta para
a determinação de ambas, hiperglicemia e glicosúria; pois a hiperglicemia diferencia o DM
verificar pancreatite, adrenomegalia, piometrites em fêmeas inteiras, e alterações
da glicosúria renal primária, e a glicosúria diferencia o DM de outras causas de
hepáticas e do trato urinário (cistites, pielonefrite). Devido ao alto índice de pancreatite em
hiperglicemia (p. ex., período pós-prandial, hiperadrenocorticismo, acromegalia, estresse,
cães diabéticos, deve-se realizar a mensuração da atividade das enzimas lipase sérica ou
diestro, feocromocitoma, pancreatite, neoplasia pancreática exócrina, insuficiência renal;
tripsina sérica imunorreativa, apesar da ultra-sonografia ser o melhor exame para
uso de drogas como: glicocorticóides, progestágenos, acetato de megestrol, diuréticos
identificar a pancreatite, uma vez que alguns cães com pancreatite não desenvolvem
tiazídicos e fluídos com dextrose). A verificação simultânea de cetonúria no exame
hiperlipasemia, e outros, sem alterações histopatológicas compatíveis com processo
químico de urina especialmente na presença de sinais clínicos de doença (letargia,
inflamatório no pâncreas, desenvolvem.
vômitos, diarréia, hálito cetósico, respiração tipo Kussmaul e desidratação) estabelecem o
diagnóstico de cetoacidose.
Em cães diabéticos não complicados, é comum um hemograma sem alterações.
Policitemia leve pode ocorrer nos casos de desidratação. Anemia não é um achado
Uma hiperglicemia moderada pode ocorrer nas seguintes situações: 1) após duas
relacionado diretamente a diabetes. Aumento na leucometria total pode ser causado por
horas da alimentação em alguns cães que tenham consumido rações pastosas, 2) cães
processos infecciosos ou inflamatórios. Desvio à esquerda e presença de neutrófilos
estressados, 3) em casos de resistência periférica à insulina e 4) nas fases iniciais do DM.
degenerados ou tóxicos suportam o envolvimento de infecção na leucocitose.
Contudo, a terapia com insulina, não é indicada nestes animais, devido à ausência de
sinais clínicos de DM. Nestes casos é adequado identificar a causa da hiperglicemia e
Com relação ao painel bioquímico, a prevalência e severidade das alterações
tentar corrigi-la. A determinação da concentração sérica de fructosamina, ou de
variam conforme a duração do DM sem tratamento e a ocorrência de doenças
hemoglobina glicosilada, pode apresentar um recurso diagnóstico em cães muito
intercorrentes, principalmente a pancreatite e a lipidose hepática. Nos cães com DM não
estressados ou agressivos no momento da colheita de sangue para dosagem de glicemia,
complicado, o painel seria considerado normal exceto pela hiperglicemia e hiperlipidemia.
além de não necessitar de jejum prévio e ser um teste barato.
Hiperlipidemia é comum em pacientes diabéticos não tratados, e é responsável pela
lipemia em amostras de sangue periférico. O DM descontrolado é acompanhado de
3.5.3 Exames complementares
aumento nas concentrações de triglicerídeos, colesterol, lipoproteínas, quilomicrons, e
ácidos graxos livres devido à deficiência de insulina e a redução da atividade da
lipoproteína lipase (enzima responsável pela retirada dos triglicerídeos da circulação).

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Apesar da hipercolesterolemia presente em cães diabéticos, esta é menos severa que a de que a detecção de cetonas na urina de um diabético com sinais clínicos de
hipertrigliceridemia. A hiperlipidemia é um importante fator envolvido na resistência a cetoacidose seja suficiente para fechar este diagnóstico. O β-OH-butirato acumula-se no
insulina. A combinação de altos níveis de LDL, e baixos níveis de HDL pode ter um sangue também como conseqüência da deficiência da insulina, reduzindo a utilização
significado no desenvolvimento acelerado de aterosclerose e doença coronariana em destes compostos como fonte de energia, o que os mantêm na circulação.
humanos diabéticos, maior complicação da doença nesta espécie. Complicações
similares em cães são pouco freqüentes e respondem bem ao tratamento com insulina e A fructosamina é sintetizada quando uma molécula de glicose em sua forma
dieta apropriada. Hiperamilasemia e hiperlipasemia também podem estar presentes aberta (cerca de 0,001% da glicose circulante) combina-se de forma não enzimática e
quando há pancreatite aguda intercorrente reversível a um grupamento amino, normalmente resíduos de lisina nas proteínas
plasmáticas. Este composto (aldimina – base de Schiff) vai transformando-se lenta e
Uma adequada avaliação de função hepática em pacientes diabéticos deve irreversivelmente, através do rearranjo de Amadori, em um estável composto cetoamina.
envolver testes para avaliar injúria aos hepatócitos (mensuração da atividade das enzimas Este processo ocorre em praticamente todas proteínas corpóreas, como as proteínas
alanino-aminotransferase – ALT – e aspartato-aminotransferase – AST), capacidade de plasmáticas, colágeno e elastinas. A concentração de fructosamina é uma mensuração de
síntese (concentração de albumina plasmática e fibrinogênio), bem como avaliar o todas as proteínas glicosiladas séricas, no entanto a albumina responde por cerca de 80%
sistema biliar (mensuração da atividade das enzimas fosfatase alcalina sérica – FAS – e das proteínas séricas e é muito mais sensível a glicosilação. Desta forma como a meia
gama-glutamil transferase – GGT – e bilirrubinemia). As alterações mais comuns são vida da fructosamina é de cerca de 8,2 dias, a concentração sérica da fructosamina
aumento nas atividades da ALT e FAS juntamente com altos níveis de colesterol. Os altos oferece um indicador da glicemia nas últimas uma, há duas semanas. Recomenda-se que
níveis de ALT, juntamente com reduzidos níveis de uréia, hipoalbuminemia e altos níveis cada laboratório tenha seus próprios valores de referência para cães saudáveis e cães
de ácidos biliares podem indicar outra hepatopatia além da lipidose, morbidade comum diabéticos devido a grande variabilidade de resultados encontrados na literatura. Contudo,
em pacientes diabéticos. Hiperbilirrubinemia é indicativo de obstrução extra-hepática, valores superiores a 350 mmol/L são compatíveis com o diagnóstico. Pacientes diabéticos
provavelmente, por pancreatite. Valores muito elevados de atividade de FAS podem normalmente apresentam fructosaminemias da ordem de valores superiores a 450
indicar hiperadrenocorticismo concomitante, pacientes diabéticos normalmente mmol/L.
apresentam atividade da FAS normais ou na ordem de 500 U/L no máximo, sendo que
pacientes com hiperadrenocorticismo comumente apresentam atividade da FAS Pelo mesmo princípio ocorre a glicosilação da hemoglobina, principalmente da
superiores a 1000 U/L. fração HbA1 uma vez que o eritrócito é livremente permeável à glicose, sendo então
denominada HbA1c. A glicosilação da hemoglobina é diretamente proporcional à
A creatinina sérica e uréia estão dentro dos valores de referência em cães concentração de glicose sangüínea, tornando a mensuração da hemoglobina glicosilada
diabéticos bem controlados. Porém valores discretamente elevados de uréia podem uma importante ferramenta na verificação de hiperglicemia crônica. Como a meia vida dos
indicar catabolismo protéico elevado. O aumento destes parâmetros é indicativo de eritrócitos fica em torno de 110 a 120 dias, a mensuração deste analito permite obter uma
insuficiência renal primária ou uremia pré-renal secundária à desidratação. A verificação da glicemia nos últimos dois a três meses. Como a mensuração de HbA 1c
glomeruloesclerose é um defeito comum relacionado especificamente à hiperglicemia, ainda não esta difundida nas rotinas clínicas, e sua determinação é mais complicada e
bem documentada em humanos, e pouco comum em cães. A verificação da densidade onerosa (cromatografia e eletroforese) quando comparada à mensuração da fructosamina
urinária auxilia na diferenciação entre uremia de origem pré-renal ou renal. A mensuração (redução do azul de nitrotetrazolium – método espectrofotométrico), a determinação de
do β-OH-butirato como indicador de cetoacidose diabética também pode ser útil, apesar fructosamina, associado aos sinais clínicos, dados de anamnese e registros do peso

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corporal do paciente oferece embasamento para realização de ajustes na terapia levando a ocorrência de uma síndrome do eutireoideo enfermo, e não a um
insulínica. Além disto, em 2-3 meses pode acontecer muita coisa na vida de um paciente hipotireoidismo verdadeiro, apesar do DM poder ocorrer paralelamente ao hipotireoidismo.
diabético. Contudo recentemente kits reagentes para determinação de hemoglobina A dosagem de progesterona sérica é importante em cadelas intactas independente da
glicosilada já estão disponíveis. história cíclica da paciente. Contudo, esfregaços vaginais indicam com boa acuidade a
fase do ciclo estral em que estas cadelas se encontram. Verificação da insulinemia basal,
Glicosúria, cetonúria, proteinúria e bacteriúria com ou sem a presença de piúria e e testes com secretagogos de insulina, não são procedimentos realizados rotineiramente
hematúria são achados consistentes com DM na urinálise. Se grandes quantidades de para cães com DM recém diagnosticado. Concentrações de insulina endógena superiores
cetonas forem detectadas no exame químico da urina, especialmente em um animal com a 18 mU/ml em cães com diagnóstico recente da doença podem sugerir estágios iniciais
sinais sistêmicos de doença (letargia, vômitos, diarréia ou desidratação) deve-se realizar do DM ou DM secundário, especialmente se existe um antagonismo à insulina que possa
o diagnóstico de cetoacidose diabética, e estabelecer terapia apropriada. A presença de ser identificado e tratado. Infelizmente o efeito supressivo da hiperglicemia sobre a função
corpos cetônicos na urina na DM é considerada como diagnóstico de cetoacidose, mas das células β (toxicidade por glicose) pode interferir na acurácia da interpretação dos
não de diabetes. A cetonúria pode ocorrer em indivíduos saudáveis em jejum. Pode haver resultados dos níveis de insulina. Como a maioria dos cães apresenta-se como DMID e
maior bacteriúria em cães com DM devido a infecções ocultas. A lipúria (observada em as concentrações de insulina são muito baixas, freqüentemente indetectáveis, este não é
até 40% dos casos de cães diabéticos) ocorre em doenças degenerativas dos túbulos, um exame diagnóstico efetivo. A exceção são os cães com suspeita de estarem nos
como acontece no DM canino, e é caracterizada pela presença de gotículas de gordura estágios iniciais de DM, normalmente cadelas no diestro. Devido à semelhança entre as
na análise do sedimento urinário. moléculas de insulina humana e canina, é possível realizar este teste utilizando
radioimunoensaios validados para humanos.
A densidade da urina de cães diabéticos fica acima de 1.025 a 1.035. A presença
e a severidade da glicosúria devem sempre ser consideradas na avaliação da densidade 3.6 Tratamento
específica da urina. Identificação de densidades urinárias menores que 1.020 combinadas
com duas cruzes de glicosúria sugerem doença concomitante com poliúria e polidipsia, Os pacientes com sobre-peso e obesos que apresentam intolerância à glicose
freqüentemente hiperadrenocorticismo ou insuficiência renal. Proteinúria freqüentemente podem beneficiar-se da prescrição de um programa de perda de peso aliado a um
é resultado de infecções do trato urinário ou dano glomerular com ruptura de membrana programa de condicionamento físico. As morbidades normalmente relacionadas ao
basal. A presença de nefropatia diabética é um achado pouco comum em cães. O excesso de peso corporal incitam que não é necessária a demonstração de intolerância à
sedimento urinário de pacientes com infecções urinárias deve ser examinado a procura de glicose em um cão com sobre-peso, para que o manejo alimentar e atividade física sejam
eritrócitos, leucócitos e bactérias. A cistocentese utilizando técnicas assépticas para implementados.
urocultura e testes de sensibilidade são indicadas devido à elevada incidência de
infecções do trato urinário em cães com DM. A meta primária do tratamento do DM é a eliminação dos sinais clínicos
secundários a hiperglicemia e a glicosúria. Limitar as flutuações na glicemia, mantendo-a
Quanto a dosagens hormonais, pode-se suspeitar de hipotireoidismo após perto dos valores normais, auxilia em minimizar a severidade dos sinais clínicos e a
revisão da história, sinais clínicos e achados nos exames físicos e laboratoriais. Cães com prevenir as complicações associadas ao DM não controlado. Também é objetivo do
DM controlada apresentam valores normais de tiroxina. Contudo, cães com DM severo e tratamento, a recuperação do estilo de vida do animal e a fuga de episódios de
sem controle, associado a outras doenças concomitantes, podem reduzir os níveis de T4, hipoglicemia. No cão diabético, isto pode ser obtido por uso de terapia insulínica

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apropriada, dieta, exercício e controle de distúrbios infecciosos, inflamatórios, neoplásicos Recentemente, com uso de tecnologia de DNA recombinante, foram produzidas
e hormonais concomitantes. Apesar do objetivo da terapia ser normalizar a glicemia, o novos análogos da insulina humana, com ação mais rápida ou mais lenta. Os análogos de
clínico deve sempre evitar a hipoglicemia, complicação terapêutica séria e potencialmente insulina de ação rápida sofreram pequenas alterações estruturais na molécula e são a
fatal, normalmente decorrente de uma sobre dose de insulina. insulina lispro e insulina aspart. A insulina glardine (Lanthus®) é um análogo da insulina,
que por formar precipitados no local de aplicação apresenta um efeito prolongado. Este
A letargia tende a se resolver rapidamente após início da terapia insulínica, e a análogo não é considerado uma primeira opção para o tratamento de cães diabéticos.
perda de peso normalmente cessa após a obtenção de um ótimo controle glicêmico. A
resolução da poliúria e da polidipsia só ocorre após a manutenção da glicemia em valores Para cada tipo de insulina (NPH, lenta, ultralenta), antigamente o clínico também
abaixo do limiar renal de reabsorção de glicose (250-280 mg/dL). Na maioria dos cães deveria escolher a espécie da qual a insulina provinha. Existem preparações de insulinas
diabéticos o processo de formação de catarata já se iniciou antes da obtenção de um mista bovina e suína, onde cerca de 90% da insulina é de origem bovina, além das
adequado controle da glicemia, e uma vez iniciado é irreversível. A manutenção de um insulinas bovina e suína purificadas. Atualmente, como praticamente todos humanos
controle glicemico rígido, por sua vez, pode retardar a evolução das cataratas. diabéticos no mundo utilizam insulina recombinante humana para controlar a glicemia, a
variedade de insulinas presentes nas farmácias humanas é bem menor. Basicamente
3.6.1 Terapia insulínica hoje em dia conta-se som a insulina humana NPH (insulina N), a insulina humana regular
(insulina R), a insulina humana 70% NPH / 30% regular, além das novas moléculas como
Com relação aos tipos de insulina disponíveis para o tratamento de cães a insulina glardina. Desta maneira, as preparações a base de insulina bovina e suína já
diabéticos, as insulinas comumente utilizadas para o manejo em longo prazo do paciente, são bastante escassas no mercado. Como o mercado humano basicamente dita quais
são: insulina isofana (NPH), lenta, ultra-lenta e a protamina-zinco (PZI). As insulinas preparações estão disponíveis para uso veterinário, praticamente todos cães diabéticos
regular e semilenta caracterizam-se por um começo de ação rápido e curto tempo de utilizam a insulina recombinante humana.
duração do efeito, geralmente utilizadas no controle intensivo de pacientes com
cetoacidose diabética. A insulina regular cristalina é a única que pode ser utilizada pelas Apesar da insulina humana diferir em apenas um aminoácido da insulina canina
vias SC, IM e IV. As preparações de longa ação (ultralenta, PZI e NPH) são mais (Thr na posição 30 da cadeia B ao invés de Ala), a formação de anticorpos parece ser
utilizadas no manejo em longo prazo do paciente diabético por promoverem uma incomum em resposta a administração por longos períodos. Aparentemente a
suplementação contínua por horas após uma simples injeção. O que faz com que estas conformação dos epítopos da insulina é mais importante do que as subunidades lineares
insulinas apresentem tempos de absorção, início de ação e tempo de efeito máxi mo da molécula no desenvolvimento de anticorpos. Em contraste, a insulina bovina difere em
diferentes (Tabela 2) é a quantidade de zinco na composição, e o tamanho dos cristais de apenas dois aminoácidos (Ala na posição 8 e Val na posição 10 da cadeia A ao invés de
zinco-insulina na preparação. Quanto maior os cristais, menor a taxa de absorção do local Thr e Ile respectivamente), e é altamente antigênica em cães, estimulando a formação de
de aplicação subcutâneo, e conseqüentemente maior o tempo de ação. Algumas misturas anticorpos em 40 a 65 % dos cães diabéticos.
de insulinas de longa e curta ação estão disponíveis no mercado (70%NPH / 30% regular,
ou 50% NPH / 50% regular). No entanto, estas apresentações são utilizadas somente Atualmente existe uma insulina lenta suína purificada de uso veterinário para uso
quando preparações mais convencionais de insulina falharam em estabelecer o controle em cães diabéticos. Visto que a insulina suína e insulina canina apresentam a mesma
glicêmico. seqüência de aminoácidos, esta preparação apresenta mínimo potencial antigênico. Em
teoria, a eficácia da insulina lenta humana, e lenta suína são semelhantes em cães.

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Especulou-se o uso desta preparação uma vez por dia, com regime alimentar composto como a PZI e a ultralenta são menos úteis no tratamento porque seus picos de ação são
de duas refeições/dia com oito horas de intervalo, sendo a insulina aplicada no momento muito variáveis.
da primeira refeição, seguindo-se um jejum de 16 horas entre a segunda refeição e a
próxima aplicação de insulina. No entanto, foi demonstrada ineficiência relativa na Alguns autores recomendaram o uso inicial de 0,5 U/kg caso a glicemia esteja
manutenção de valores adequados de glicemia ao longo das 24 horas, bem como, acima de 360 mg/dL, e 0,25 U/kg se a glicemia estiver inferior a este valor. Após a
normalização dos sinais clínicos e painel bioquímico. Além disto à apresentação em aplicação da primeira dose de insulina diversas mensurações de glicemia devem ser
frascos de 2,5 mL com 40 U por mL torna o tratamento oneroso para cães de porte médio realizadas (preferencialmente de 2 em 2 horas) durante o período em que se espera um
e grande. Contudo cães de pequeno porte podem beneficiar-se desta menor pico máximo de efeito da insulina (2-8 horas) para verificar o risco de hipoglicemia. Se a
concentração para ajustes de dose. glicemia se mantém acima de 150 mg/dL após a primeira injeção de insulina e acima de
270 mg/dL no momento da próxima aplicação é seguro liberar o paciente para ir para
Tabela 2. Propriedades das preparações de insulina recombinante humana usadas em casa. Uma redução brusca de glicemia (p.ex. de 550 mg/dL para 150 mg/dL) não é
cães diabéticos. desejável por predispor o paciente a um episódio hipoglicêmico após sucessivas
Tipo de Insulina Via Começo Efeito Pico de ação (h) Duração efeito (h) aplicações da insulina. Porém, a grande maioria dos pacientes pode iniciar o tratamento
Regular cristalina IV Imediato ½-2 1–4 com insulina em casa com a dose de 0,25 a 0,5 U/kg, sem a necessidade de
IM 10 – 30 min 1–4 3–8 monitoramento imediato (curva glicemica seriada) após o início do tratamento. O objetivo
SC 10 – 30 min 1–5 4 – 10 inicial do tratamento não é obter o controle glicêmico perfeito com as primeiras doses de

Lispro SC Rápido Desconhecido Desconhecido insulina, mas sim habituar paciente e proprietário com a nova rotina. Outros autores

NPH (isófana)a ½-2h 2 – 10 6 – 18 preconizam o uso de uma dose de insulina entre 0,5 a 0,75 U/kg duas vezes por dia, para

SC tratamento inicial do DM, sendo a dose de 0,5 U/kg preferível para cães com menos de 15

Lenta a
SC ½-2h 2 – 10 8 – 20 kg e a dose maior para cães com mais de 15 kg.

Ultralenta SC ½-8h 4 –16 8 – 24


Glardina SC 1–4h Desconhecido 10 – 16 Se a resposta inicial a terapia não é satisfatória, não é aconselhável aumentar a
a dose inicial de insulina imediatamente, deixando o cão se ajustar àquela dose durante
Insulinas de eleição para tratamento de cães diabéticos. * As insulinas mistas
alguns dias. A responsividade à insulina melhora com o tratamento uma vez que a
(bovinas/suínas) são menos potentes e apresentam maior efeito.
hiperglicemia crônica está resolvida. Uma nítida melhora clínica, com redução da letargia,
polidipsia, poliúria, e perda de peso, pode ser observada após alcance de um bom
As insulinas de ação intermediária (lenta, NPH) são as insulinas de eleição para
controle glicêmico. Além do efeito direto sobre a captação de glicose no tecido muscular e
estabelecer controle da glicemia em cães diabéticos. A terapia insulínica deve ser iniciada
adiposo, a insulina exógena ainda promove uma inibição da produção hepática de glicose
com 0,5 U/kg de insulina recombinante humana lenta ou NPH, a cada 12 horas. As
em cães diabéticos. Este efeito fisiológico da insulina seria maior se a insulina fosse
insulinas recombinantes humanas são comercializadas atualmente na concentração de
administrada por via intra-peritoneal, mimetizando a liberação natural de insulina que
100 U/ml. O uso de insulina duas vezes por dia diminui as chances de ocorrência de
passa pelo fígado antes de atingir a circulação. Porém, não se recomenda administração
problemas como hipoglicemia e efeito Somogyi (rebote hiperglicêmico decorrente de uma
de insulina por esta via.
sobre dose de insulina), além de facilitar o controle glicêmico. As insulinas de longa ação

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3.6.2 Manejo alimentar a matéria seca (rações normais contem menos de 2% de fibras). No geral, dietas que
contenham pelo menos 12% de fibra insolúvel ou pelo menos 8% de uma mistura de
A dieta terapêutica apresenta um importante papel no tratamento do DM, sendo a fibras solúveis e insolúveis são efetivas em melhorar o controle glicêmico de cães
correção da obesidade e o incremento da quantidade de fibra da dieta, os dois principais diabéticos.
passos para que se possa melhorar o controle glicêmico. Outro principio importante do
manejo alimentar é prover calorias suficientes para encontrar e manter um peso ideal. O As complicações clínicas mais comuns em cães que estão comendo dietas ricas
benefício de uma dieta rica em fibras no tratamento de pacientes diabéticos é conhecido em fibras insolúveis é a excessiva freqüência de defecação, constipação e obstipação,
desde os anos 80. A habilidade das fibras alimentares em formar um gel viscoso, e assim hipoglicemia 1 a 2 semanas após início da dieta, e reluta em comer o alimento. Nos casos
prejudicar a passagem de glicose e água para a superfície absortiva do intestino é de em que fezes firmes tornam-se um problema devido ao teor de fibras insolúveis na dieta,
grande importância. As fibras solúveis, mais viscosas (gomas, pectina); reduzem a uma mistura de fibras insolúveis e solúveis pode ser fornecida ao animal, ou
difusão de glicose de forma mais efetiva do que as fibras insolúveis, menos viscosas simplesmente fibra solúvel (Metamucil ®). De forma contrária, as complicações mais
(lignina, celulose); desta forma, ofereceriam um melhor controle glicêmico em pacientes relevantes em cães comendo dietas ricas em fibras solúveis incluem fezes moles a
humanos diabéticos. Para o tratamento de cães diabéticos, as fibras solúveis mostraram pastosas, flatulência excessiva, hipoglicemia após 1 a 2 semanas do início da dieta e
um melhor efeito ao promover valores mais baixos de fructosamina do que as fibras recusa em comer o alimento. Caso diarréia e flatulência se tornem um problema
insolúveis, apesar de ambas provocarem valores menores de glicemia quando decorrente da ingestão de alto teor de fibras solúveis, deve-se reduzir a quantidade de
comparadas a dietas pobres em fibra. No entanto, outros autores não encontraram fibra solúvel e incorporar fibras insolúveis à dieta. Para estimular o consumo nos casos
diferenças entre fibras solúveis e insolúveis, observando-se melhora no controle glicêmico onde o paciente se recusa a comer a ração após algum tempo, pode-se trocar
em cães diabéticos alimentados com dietas contendo teores elevados de fibras solúveis e regularmente a fonte e o tipo de fibra para atenuar o problema. No entanto, é muito
insolúveis, associado ainda a uma redução significativa nos níveis de colesterol importante predizer uma resposta glicêmica ao alimento ingerido, uma vez que o regime
plasmático, glicerol livre, fructosamina sérica e hemoglobina glicosilada. No geral, terapêutico com a insulina é fixo. Desta maneira, as refeições devem preferencialmente
independente do tipo de fibra da dieta, é possível obter um ganho terapêutico conter os mesmos ingredientes e calorias.
interessante. Na maioria das vezes o uso deste tipo de dieta não promoverá uma redução
na dose de insulina, porém o controle glicêmico tende a ficar mais fácil. A quantidade da proteína da dieta é um ponto controverso em humanos, pois
apesar de proteína ser um secretagogo de insulina muito menos potente que a glicose,
Os mecanismos propostos para explicar a reduzida absorção de glicose no variações na quantidade de proteína na dieta podem influenciar o controle metabólico do
intestino induzido por fibras, e conseqüente melhora no controle glicêmico do cão DM por alterar a disponibilidade de substratos para a gliconeogênese, bem como as
diabético são: 1) retardo no esvaziamento gástrico de nutrientes, 2) retardo na absorção secreções hormonais contra-regulatórias. Como o consumo prolongado de quantidades
intestinal de nutrientes, resultado de um efeito direto na difusão de glicose em direção as excessivas de proteína, especialmente em conjunto com altos teores de fósforo e sódio
microvilosidades do intestino, e 3) um efeito induzido pelas fibras sobre a liberação, na podem contribuir para progressão da nefropatia diabética em humanos, e o consumo de
circulação, de hormônios gastrintestinais reguladores. dietas com baixo teor protéico, reduz a velocidade de desenvolvimento desta
complicação, parece prudente recomendar uma ingestão protéica reduzida para cães
Existem no mercado diversas marcas de rações que atendem as exigências de diabéticos, atendendo as necessidades diárias, porém sem exageros (menos de 30% de
fibras em cães diabéticos, e a quantidade de fibra nestes produtos varia de 3 a 25% sobre proteína em uma base de energia metabolizável). Também é recomendada a ingestão

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reduzida de proteínas quando já existe evidência de insuficiência renal, apesar da peso corporal ideal. A insulina é um hormônio anabolizante, e cães recebendo altas doses
nefropatia diabética ser um fenômeno raro em cães. Cães com DMID, mesmo mantidos podem estar predispostos à obesidade.
euglicêmicos, apresentam um aumento significativo no catabolismo de aminoácidos com
terapia insulínica por via subcutânea, e este aumento é mais pronunciado em cães O peso ideal para o paciente pode ser estimado com base na revisão dos
alimentados com dietas ricas em proteínas. arquivos médicos de quando este estava com uma condição corporal ideal ou por uso de
tabelas com pesos específicos de cada raça. É muito importante estabelecer metas
Desarranjos no metabolismo das gorduras são comuns em pacientes diabéticos e realistas para perda de peso para manter a complacência do cliente. Para alcançar uma
incluem concentrações séricas elevadas de colesterol, triglicerídeos, lipoproteínas, perda de peso da ordem de 15%, os cães podem comer 55 x [peso inicial (kg) 0,75] kcal por
quilomicrons e ácidos graxos livres, além de lipidose hepática, aterosclerose e a dia durante 12 semanas. Apesar de existir diversas rações específicas para perda de
predisposição para desenvolvimento de pancreatite. A ingestão de dietas ricas em peso, é recomendado o uso de rações que utilizem boa quantidade de fibras em cães
gordura também leva a resistência insulínica, estimula a produção de glicose hepática e diabéticos obesos. A quantidade de alimento por refeição e o horário das refeições será
suprime a função das células β. Desta forma é aconselhável alimentar cães diabéticos determinado de acordo com o regime terapêutico com a insulina. Em adição a redução da
com dietas com baixo teor de gordura (menos de 30% de gordura em uma base de ingestão calórica, deve-se incentivar a perda de calorias encorajando a prática de
energia metabolizável). Este tipo de dieta também ajuda a reduzir o risco de pancreatite, exercícios.
controlar alguns aspectos da hiperlipidemia e a reduzir o incremento calórico da refeição,
favorecendo a redução ou manutenção de peso. Dietas ricas em fibras, solúveis e Uma vez atingido o peso ideal do paciente diabético deve-se substituir a
insolúveis, reduzem a concentração de colesterol plasmático, principalmente devido a alimentação por uma ração específica para manutenção de paciente diabético. A escala
uma redução na fração LDL (lipoproteína de baixa densidade, conhecida pelo potencial de alimentação deve ser realizada de modo a favorecer o efeito da insulina e minimizar a
aterogênico). Contudo uma alimentação rica em gorduras pode ser necessária para hiperglicemia pós-prandial. A ingestão calórica diária deve ser ingerida quando a insulina
promover ganho de peso em cães diabéticos muito magros ou emaciados, uma vez que ainda esta presente na circulação e capaz de promover a absorção da glicose absorvida
dietas ricas em fibras são contra-indicadas nestes pacientes devido ao seu baixo teor da refeição. Tipicamente cães diabéticos recebem insulina duas vezes por dia e recebem
calórico. No entanto, um controle glicêmico excelente pode ser obtido utilizando rações duas refeições de tamanhos iguais no horário de cada aplicação de insulina. Este regime
comerciais de manutenção de cães adultos saudáveis, uma vez que o principal ponto do é prático por simplificar o regime terapêutico em casa, além de oferecer maiores chances
tratamento do DM canino é a insulinoterapia. de um bom controle glicêmico e muitos proprietários entenderem que estão
recompensando seus cães com alimento após a aplicação da injeção. Se o paciente esta
A obesidade causa uma redução na tolerância à glicose em cães e pode ser um recebendo somente uma dose de insulina por dia ele deve receber uma refeição no
importante fator envolvido nas variações na resposta à insulina em cães diabéticos. A momento da aplicação e outra de igual tamanho cerca de 8 a 10 horas depois.
redução do peso melhora o controle glicêmico em cães, provavelmente via reversão da
resistência à insulina induzida pela obesidade. O sucesso na redução do peso Este esquema funciona bem para cães glutões. No entanto, cães enjoados e que
normalmente requer uma combinação de restrição calórica, alimentação com dietas com comem várias vezes por dia devem ficar com a ração disponível durante todo o dia,
baixo teor de gordura e aumento do gasto calórico-energético via exercícios. É importante mantendo-se o comportamento alimentar do cão e permitindo-lhe que escolha quando e
começar um regime alimentar que permita ao cão reduzir seu peso gradualmente até um quanto comer. Contudo, melhores resultados são observados com aplicação de insulina
duas vezes por dia, associado a duas refeições no momento de cada aplicação. Quando

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se aplica à insulina e o paciente não come, cria-se uma situação de risco para ocorrência próximas 24 a 48 horas. Os proprietários devem estar cientes dos riscos e sinais de
de hipoglicemia, e de uma forma geral, deve-se evitar que o paciente coma quando bem hipoglicemia e ter a disposição uma fonte de glicose em caso de emergência (Karo ®,
entender. Isto cria a necessidade da criação de estratégias para estimular a ingestão de açúcar, comida).
todo alimento na hora da aplicação da insulina. A adição de mínimas quantidades de peito
de frango cozido, ou ricota, triturado e misturado à ração, pode facilitar a ingestão da A recomendação da prática de exercícios para um paciente diabético que não
refeição, uma vez que é conhecida a menor palatabilidade das rações ricas em fibras. esteja recebendo terapia insulínica pode ser uma atitude desastrosa. Na ausência de
insulina, a pratica de exercícios induz uma resposta contra-regulatória exagerada de
Freqüentemente o DM é acompanhado por outras doenças que também cortisol, catecolaminas, glucagon e hormônio do crescimento. O resultado é um marcante
apresentam dietas terapêuticas como forma de tratamento, como é o caso da insuficiência aumento da glicemia, ácidos graxos livres circulantes, lactato e outros metabólitos;
renal crônica, insuficiência cardíaca, moléstias hepáticas, ou pancreatite recorrente, por predispondo o paciente ao desenvolvimento de severa crise cetoacidótica.
exemplo. No caso de uma destas enfermidades estar ocorrendo concomitantemente,
deve-se utilizar uma ração específica para controle de tal enfermidade, uma vez que a Dentro de um regime de aplicação de insulina a cada 12 horas, deve-se evitar a
dieta no DM é uma terapia adjunta, e o controle glicêmico pode ser obtido por uso da realização de exercícios no período de pico de ação de insulina, período onde serão
insulina. observados os menores valores de glicemia. Esta prática pode ser desastrosa,
culminando com crise hipoglicêmica durante a prática do exercício. Apesar das glicemias
3.6.3 Exercícios serem flutuantes de um dia para outro, pode-se estimar o horário de pico para
determinado paciente através da realização de uma curva glicêmica seriada. Neste
O exercício apresenta um importante papel na manutenção do controle glicêmico sentido, é mais interessante a realização de exercícios após o período de pico de ação da
em cães diabéticos, por auxiliar na redução de peso, e por eliminar a resistência insulínica insulina, quando a glicemia deverá começar a subir novamente e então um efeito
induzida pela obesidade. Além disto, os exercícios ainda aumentam a mobilização de hipoglicemiante do exercício poderia ser mais interessante no sentido de limitar este
insulina do local de aplicação (presumivelmente via aumento na circulação sangüínea e aumento da glicemia. No entanto, cada paciente apresentará uma resposta distinta à
linfática), e também aumentam o fluxo sanguíneo muscular, o que leva a uma maior prática de atividade física, sendo difícil à recomendação de um protocolo. De uma forma
disponibilidade de insulina neste tecido. Adicionalmente, o exercício promove e estimula geral, as recomendações acima, se bem aplicadas, são suficientes para um bom manejo
a translocação de GLUT-4 para a membrana celular, aumentando a captação de glicose de exercícios.
no músculo esquelético. O exercício também melhora a distribuição de glicose em
pacientes hiperglicêmicos na presença de concentrações basais de insulina. 3.6.4 Agentes hipoglicemiantes orais

A rotina diária de um paciente diabético deve incluir exercícios preferencialmente Diversos agentes hipoglicemiantes de uso oral estão à disposição de humanos
na mesma hora do dia. Exercícios esporádicos e extenuantes podem causar hipoglicemia com DM tipo II, e muitos deles apresentam um bom efeito sobre o controle glicêmico de
e devem ser evitados. Recomenda-se que a dose de insulina seja reduzida à metade em gatos diabéticos, mas não de cães; motivo pelo qual não se recomenda o tratamento de
dias em que o animal seja submetido a exercícios prolongados e cansativos. É difícil cães diabéticos com estas drogas. As drogas da família das sulfoniluréias (glipizide,
acertar a dose de redução para cada animal, por isso recomenda-se fazer eventuais glyburide, glibenclamide e tolbutamide) agem amplificando a secreção de insulina das
ajustes observando-se os sinais de hipoglicemia ou poliúria e polidipsia presentes nas células β. Como cães diabéticos não apresentam função suficiente de células β, estas

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drogas não causam nenhuma melhora no controle glicêmico, além de causarem exaustão (aterosclerose, retinopatia), não devem apresentar grande impacto em cães com DM,
terminal das células beta naqueles casos de diabetes com possibilidade de remissão do uma vez que estas são terapias utilizadas em pacientes com DM tipo II, e visam retardar
estado diabético frente a antagonismos hormonais (diabetes mellitus transitório). as complicações crônicas do DM, ambas pouco comuns em cães. Se a terapia insulínica
falhar em manter um controle adequado dos sinais clínicos, deve-se realizar uma
Outros grupos de fármacos melhoram o efeito da insulina por promoverem um cuidadosa avaliação a procura da causa oculta para o pobre controle da glicemia. Se a
aumento na sensibilidade periférica ao hormônio, e são muito utilizados em humanos com razão não puder ser encontrada e corrigida, a terapia adjunta com acarbose deve reduzir
DM tipo II, mas não em pacientes com DM tipo I. Estes grupos são as biguanidas a glicemia.
(biguanida metformina – inibe a liberação hepática de glicose), e as tiazolidinedionas
(troglitazona, pioglitazona e rosigilitazona – facilitam a distribuição de glicose dependente 3.7 Ajustes Iniciais na Terapia Insulínica
de insulina e inibem a secreção hepática de glicose por atenuar a gliconeogênese e a
glicogenólise). Devido à falta de estudos controlados e informações ha cerca do uso por Cães diabéticos requerem diversos dias para atingir um equilíbrio, antes que se
longos períodos destas drogas em cães diabéticos, seu uso deve ser restringido a casos indique alteração na dose ou preparação de insulina. Cães diabéticos são revisados
de DM mal controlado onde o motivo do fraco controle não pôde ser identificado. inicialmente uma vez por semana, e a cada avaliação deve-se coletar informações do
Normalmente simples ajuste na dose de insulina é suficiente para vencer a resistência proprietário com relação à ingestão de água, produção de urina e estado geral do
insulínica. paciente. Deve-se realizar um exame físico completo e registrar alterações no peso do
animal. É interessante que se obtenham valores de glicemia durante a manhã e à tarde
Acarbose e miglitol são oligossacarídeos complexos de origem microbiana que para verificar o andamento do tratamento. Considera-se o controle glicêmico adequado
inibem competitivamente as α-glicosidases (glicoamilase, sacarase, maltase e isomaltase) quando se alcança o fim dos sinais clínicos de diabetes, associado a concentrações de
nas microvilosidades da mucosa intestinal. A inibição destas enzimas retarda a digestão glicose durante entre 80 e 180 a 250 mg/dl ao longo do dia.
de carboidratos complexos e dissacarídeos, a monossacarídeos. Desta forma, aumenta a
digestão de carboidratos no íleo e no cólon, reduzindo a absorção de glicose a partir do Os proprietários devem saber reconhecer os sinais de hipoglicemia, e também
trato intestinal, reduzindo-se também a hiperglicemia pós-prandial. Apesar de haver a devem saber que um animal diabético bem controlado apresenta um excelente estado
possibilidade da acarbose auxiliar positivamente o tratamento de cães diabéticos, seu uso corporal, não apresenta poliúria ou polidipsia, é ativo e alerta, e pode apresentar algum
como único método de controle glicêmico não é efetivo no controle do DM. Além disto, a grau de glicosúria, mas não de cetonúria.
diarréia e perda de peso por conseqüência da má assimilação de carboidratos, são
importantes efeitos adversos. Como também é uma droga de custo elevado, preconiza-se Nenhum ajuste na dose de insulina é realizado naqueles cães que permanecem
que seja utilizada somente nos casos onde o motivo do controle glicêmico deficiente não hiperglicêmicos na primeira semana, uma vez que o objetivo não é estabelecer um
foi identificado, e a terapia insulínica sozinha não consegue evitar os sinais clínicos de excelente controle glicêmico na primeira visita, mas sim iniciar a reverter o quadro
DM. metabólico provocado pela doença, permitir que o cão se adapte a terapia insulínica e à
nova ração, e acostumar o proprietário à nova rotina. Certamente haverá alguma
Suplementos alimentares para humanos diabéticos como ervas, vitaminas e mudança na dose de insulina ao longo do tratamento, no entanto estas só poderão ser
outros; utilizados basicamente com objetivo de reduzir a glicemia, hipertrigliceridemia, realizadas pelo clínico após avaliações do paciente, sinais clínicos e eventuais exames
hipercolesterolemia, e assim evitar o aparecimento de complicações crônicas do DM complementares. Com o tempo a variação na dose de insulina necessária para manter o

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controle glicêmico torna-se aparente, e os proprietários começam a reconhecer os sinais Os glucômetros que utilizam mínima quantidade de sangue para mensuração de
de hipo, ou hiperglicemia. Se houver confiança na habilidade dos proprietários em glicose (1/2 gota) são preferíveis; e o local de eleição para colheita é a face interna da
reconhecer estes sinais, pode-se permitir ajustes mínimos na dose de insulina em casa, pina, sendo às vezes necessário o aquecimento prévio da orelha com compressas para
dentro da faixa de variação de dose reconhecida como eficiente para o animal. No facilitar a queda da gota de sangue. Diversos autores relatam que as medições de
entanto, quando se atingir o limite superior ou inferior da dose de insulina com glucômetros portáteis diferem de medições realizadas em laboratórios, havendo uma
permanência dos sinais clínicos, os proprietários devem ser orientados a procurar o tendência em subestimar a glicemia; especialmente com valores abaixo de 60 mg/dl. No
veterinário. Dependendo do grau de instrução dos proprietários não é aconselhável entanto, estes equipamentos apresentam boa acuidade e são úteis no manejo do
permitir qualquer tipo de ajuste em casa, sem avaliação veterinária. paciente diabético. De uma forma geral, estas diferenças de medição comparando os
glicímetros portáteis a métodos padrão não afetam a conduta terapêutica. Alguns locais
3.7.1 Métodos para o controle glicêmico alternativos para obtenção de uma gota de sangue são os coxins, ponta da cauda, ou
mais facilmente a mucosa labial interna. Para este fim, pode-se fazer uso dos
Diversos métodos podem ser utilizados para monitorar o controle glicêmico em lancetadores comercializados juntamente com os aparelhos de medição.
cães diabéticos. Para o controle da glicemia dos pacientes em casa, recomenda-se que
todo proprietário mantenha um diário contendo informações acerca do apetite do cão, Além disso, uma lista de verificação deve ser feita a cada revisão do paciente
comportamento geral; especialmente apatia, assim como semanalmente pesar e registrar com relação à dieta (Tipo? Houve mudança? Mesma quantidade?), administração da
o peso do animal, e verificar a presença de glicosúria e cetonúria na urina por meio de insulina (Quem esta aplicando? Sabe aplicar? Esta aplicando a dose certa? O local de
tiras reagentes. Observação de aumento na ingestão de água e produção de urina, aplicação esta adequado?), armazenamento e manejo da insulina (Esta na geladeira?
associados à letargia e perda de peso indicam a necessidade de ajustes na terapia Estão homogeneizando suavemente? Houve viagens recentes com a insulina?), além das
insulínica. A opinião subjetiva do proprietário sobre o estado geral do animal e resolução informações a cerca das medidas de glicose e/ou glicosúria em casa, bem como a
dos sinais clínicos é a informação mais importante na avaliação inicial do controle avaliação física em busca de sinais de estro, infecções, tumores e demais quadros
glicêmico. passíveis de provocar resistência à insulina.

O monitoramento ocasional da urina a procura de glicosúria e cetonúria é útil As concentrações de proteínas plasmáticas glicosiladas são indicadores
naqueles pacientes que apresentam facilidade em desenvolver cetonúria ou hipoglicemia, confiáveis da glicemia em longo prazo, e seu uso no controle glicêmico de pacientes
uma vez que a presença de cetonúria é indicativa de desbalanço no controle glicêmico. A diabéticos tem sido sistematicamente aceito e recomendado. Com relação a fructosamina,
ausência persistente de glicosúria é um indicativo de hipoglicemia. Este procedimento adotam-se as faixas de referência para controle do tratamento como exposto na Tabela 3.
pode ser facilmente realizado com uso de fitas reagentes. Da mesma forma, é É importante notar que a faixa de referência para cães saudáveis, não é a alcançada
interessante que o proprietário de um paciente diabético tenha em casa um glucômetro mesmo em pacientes diabéticos bem controlados. Esta observação é fundamental na
portátil para realizar mensurações de glicemia antes da aplicação de insulina, quando interpretação deste parâmetro.
suspeitar de episódios hipoglicêmicos, ou até mesmo realizar curvas glicêmicas seriadas
em casa. Tabela 3. Interpretação da fructosaminemia em pacientes diabéticos sob tratamento com
insulina.

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Concentração sérica da Fructosamina Interpretação5 obtida) e as glicemias pré-insulinas. Outras vantagens da mensuração a cada uma ou
225 – 365 µmol/L Faixa de referência para não diabéticos duas horas é a identificação do tempo para o pico de ação da insulina, duração do efeito
< 300 µmol/L Hipoglicemia prolongada da insulina e severidade de flutuação na glicemia. Ajustes na insulinoterapia baseados
350 – 400 µmol/L Controle excelente somente em uma ou duas mensurações de glicose não fornecem dados para avaliação
400 – 450 µmol/L Controle bom do efeito de determinada insulina, além de predisporem a episódios de hipoglicemia e

450 – 500 µmol/L Controle razoável efeito Somogyi. As curvas glicêmicas também são importantes na identificação de

> 500 µmol/L Controle fraco pacientes com hipoglicêmia inconsciente (pacientes clinicamente bem mesmo na
presença de glicemias inferiores a 50 mg/dL).

3.7.2. Curvas glicêmicas seriadas


Existe uma grande variabilidade nas curvas glicêmicas seriadas de cães

Uma vez estabelecida à necessidade de ajustes na terapia insulínica após diabéticos dia após dia. Estas variações ocorrem independentemente da constância da

revisão dos dados de história e exames clínicos, alterações no peso corporal e formulação e horário da dieta, rotina diária do animal, dose e tipo de insulina utilizada.

concentração de fructosamina sérica, uma curva glicêmica seriada deve ser realizada Fatores implicados nesta variabilidade provavelmente incluem flutuações pós-prandiais
após a ingestão de uma refeição padronizada, variações na sensibilidade a insulina,
com intuito de prover diretrizes para ajustes racionais na terapia insulínica. Caso não se
tenha por objetivo mudar o tratamento, e o paciente esta bem e os proprietários variação na velocidade de absorção de insulina de seu sítio de aplicação subcutâneo,
principalmente quando diferentes regiões são utilizadas. Outros fatores possivelmente
satisfeitos, não há necessidade de realiza-la. A avaliação dos dados de anamnese,
exame clínico, variação no peso corporal e concentração de fructosamina permitem envolvidos são o grau de instabilidade diabética, quantidade de células beta funcionais, e

reduzir a freqüência de realização de curvas glicêmicas seriadas. Desta forma se reduz o erros inerentes à mensuração da dose de insulina na seringa. Além disto uma complexa
rede de interações hormonais e neurais é responsável pela homeostase da glicose.
número de venipunções, bem como o tempo de permanência do animal no hospital ou
clínica; minimizando assim a aversão e estresse do paciente a este tipo de procedimento.
Estes cuidados permitem que, curvas glicêmicas seriadas quando necessárias, Para as curvas realizadas em clínicas ou hospitais é aconselhável que o estresse

apresentem resultados mais significativos. para o animal seja o menor possível, bem como que o paciente vá para o local no dia
anterior, para minimizar os efeitos do estresse da ida ao centro clínico no dia da

O protocolo para realização de curvas glicêmicas seriadas envolve mensurações realização da curva. O estresse promovido pela internação pode causar hiperglicemia e

de glicose antes da aplicação de insulina e da refeição, e depois a cada 2 horas até a antagonismos aos efeitos da insulina, não permitindo uma correta avaliação da resposta
glicêmica do paciente. A internação pode desenvolver ansiedade em alguns pacientes,
próxima aplicação de insulina, sendo que as amostras de sangue podem ser obtidas de
um cateter heparinizado na veia cefálica ou jugular, ou por venipunção direta com agulha que então se tornam anoréxicos, sendo às vezes preferível que a primeira mensuração
seja feita em casa, e após aplicação de insulina e alimentação, o animal seja
fina. Contudo, as mensurações a partir de venipunções seguidas podem provocar valores
encaminhado à clínica para realização da curva seriada.
elevados de glicemia. A glicemia pode ser verificada utilizando-se glucômetros portáteis.
Os valores mais importantes na avaliação dos resultados são o nadir (menor leitura
Os proprietários de cães diabéticos podem realizar curvas glicêmicas em casa
5
Como a fructosamina correlaciona-se com a albumina plasmática, hipoalbuminemia pode provocar valores de com seus cães, utilizando glucômetros portáteis, desde que recebam orientação
fructosaminemia falsamente reduzidos. Desta forma, é interessante sempre avaliar a albumina juntamente com a
fructosamina para poder ter uma maior confiabilidade no teste. adequada. Normalmente após a quarta curva, os proprietários já consideram o

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procedimento bastante fácil de ser realizado. Desta forma acredita-se que as curvas Glicemia
(mg/dl)
Glicemia
(mg/dl)

realizadas em casa refletem com maior acuidade a eficácia da terapia insulínica do que as Glicemia Pré-insulina Aplicação de insulina
600 Nadir Glicemia
600
curvas realizadas no hospital, uma vez que se elimina o estresse da internação assim
500 500
como a reduzida atividade decorrente do internamento, a inapetência decorrente da
400 400
ansiedade, e é o próprio proprietário que está aplicando a insulina, eliminando também
300 300
diferenças na rotina e técnica de aplicação no hospital. Talvez em um futuro não muito
200 200
distante possa-se contar com um sistema para monitorar continuamente a glicemia
100 100
através de um sensor subcutâneo, como alternativa ao desconforto e possibilidade de
0 0
perda de episódios rápidos de hipo ou hiperglicemia das curvas seriadas de glicemia. 08 10 12 14 16 18 20 22 24 02 04 06 08
Tempo

É importante lembrar sempre de interpretar os resultados de curvas glicêmicas Figura 7. Exemplo de curva glicêmica seriada ideal em um paciente diabético sob
tratamento com terapia insulínica.
em conjunto com a avaliação clínica, anamnese, peso corporal e concentração de
fructosamina. O tempo para o nadir é importante na determinação da dose, porém pode - Aumentar a dose de insulina em 20% se o nadir for maior 145 mg/dL e a glicemia pré-
variar consideravelmente de um dia para outro. A glicemia pré-insulina é útil na verificação insulina for maior que 180mg/dL;
da sobreposição do efeito de duas doses de insulina. Com estes dados é possível realizar - Em animais não letárgicos, com peso estável, não cetonúricos e ingerindo menos de 60
ajustes racionais na insulinoterapia, avaliando se a dose e preparação estão adequadas mL/kg/dia, onde houver indicação de alteração na dose de insulina para mais ou para
para cada paciente. Um adequado controle glicêmico é freqüentemente obtido após 2 menos, esta alteração deve ser de apenas 1 unidade independente da dose atual.
meses de visitas regulares e ajustes na insulinoterapia. Quando a hiperglicemia é bem
controlada, normalmente é necessária uma redução na dose de insulina devido a maior A resistência à insulina é caracterizada por valores glicêmicos extremamente
sensibilidade tecidual decorrente da reversão da glicotoxicidade. Abaixo seguem algumas aumentados (>500 mg/dL), e normalmente é causada por doenças intercorrentes ou
diretrizes para ajustes da dose de insulina, baseado nos valores de nadir e glicemias pré- medicamentos. Doses de insulina entre 1 e 1,5 U/kg ineficazes em promover redução da
insulina: glicemia também devem ser considerados casos de resistência. Pode existir um período
- Redução na dose de insulina em 50% se o nadir for menor que 55 mg/dL, ou caso o de lua de mel após início da terapia insulínica em cães e humanos diabéticos, e é
paciente apresente sinais de hipoglicemia; caracterizado por excelente controle glicêmico com baixas doses de insulina, que com o
- Redução na dose de insulina em 20% se o nadir estiver entre 55 e 90 mg/dL, ou se a tempo vão se tornando ineficazes. Isto é explicado pela existência de células β secretoras
glicemia pré-insulina estiver menor que 180 mg/dL; de insulina funcionais no começo do tratamento, apresentando um sinergismo com a
- Não aplicar insulina se a glicemia pré-insulina estiver menor que 90 mg/dL, mandar o terapia insulínica. Uma vez que estas células tornam-se afuncionais a dose de insulina
animal para casa alimentando-se normalmente e no outro dia pela manhã re-iniciar exógena precisa ser aumentada. Após resolução dos sinais clínicos de diabetes, e
insulinoterapia com uma dose 20% menor; manter-se o paciente longe do risco de hipoglicemia por excesso de insulina, a última
- Excelente controle glicêmico com nadir entre 90 e 145 mg/dL, e glicemia pré-insulina meta do tratamento, em longo prazo, é restabelecer o antigo estilo de vida do animal e
maior que 180 mg/dL. Não mexer na dose de insulina (Figura 7); nível de exercícios.

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3.8 Complicações Crônicas do Diabetes Mellitus Canina

As complicações resultantes do diabetes mellitus (cataratas), ou do tratamento


(hipoglicemia) são bastante comuns em cães, sendo a cegueira decorrente de uveíte
anterior devido à formação de cataratas a mais comum. A pancreatite crônica, infecções
recorrentes no trato urinário, trato respiratório e pele, hipoglicemia e cetoacidose também
são freqüentemente observadas.

As devastadoras complicações crônicas do DM em humanos (nefropatia, doença


coronariana, vasculopatia) levam décadas para se desenvolver, não sendo comuns em
cães diabéticos. Os mecanismos patogênicos envolvidos nestas complicações crônicas
são divididos basicamente em três categorias: 1) metabolismo anormal do poliol (sorbitol) Figura 8. Catarata bilateral em Poodle secundária a diabetes mellitus. O surgimento desta
alteração costuma ser bastante rápido (dias a semanas) se nenhum tratamento é
devido à hiperglicemia e glicosilação excessiva de proteínas circulantes e proteínas estabelecido.
ligadoras de membrana; 2) mecanismos vasculares, como anormalidades endoteliais e
nas células subjacentes, como os perícitos da retina e células mesangiais do glomérulo, O metabolismo normal do cristalino é mantido por transporte facilitado de glicose

assim como hiperfiltração e hipertensão renal; e 3) outros mecanismos como prejuízos na e outros metabólitos, que penetram livremente na lente a partir do humor aquoso. A

função plaquetária e fatores de crescimento, assim como influências genéticas. concentração normal de glicose no cristalino é de cerca de 10% a concentração no humor
aquoso. Normalmente a glicose é convertida de forma anaeróbica pela enzima

3.8.1 Cataratas hexoquinase em ácido láctico, liberando ATP. No entanto este sistema é facilmente
saturado por altas concentrações de glicose, que passa então a ser metabolizada pela via

Dentre as doenças metabólicas e sistêmicas, o DM é a que mais freqüentemente minimamente utilizada do poliol-sorbitol. A alta concentração de glicose no cristalino

leva a formação de cataratas. Com ou sem terapia insulínica, a formação de catarata aumenta a atividade da enzima aldose redutase, que reduz a glicose a sorbitol, que então

diabética normalmente é rápida e bilateral, começando logo após o começo do é convertido a frutose, pela enzima sorbitol desidrogenase. Como o sorbitol e a frutose

desequilíbrio metabólico (Figura 8). Esta é a considerada a complicação crônica mais não são livremente permeáveis na membrana celular, e atuam como potentes agentes

comum em cães diabéticos, tendo sido identificada em 66% dos cães diabéticos, com hidrofílicos, ocorre um aporte de água para dentro do cristalino, causando um inchaço e

maior incidência na raças Poodle e Schnauzer. Nos paises de primeiro mundo, cerca de rompimento das fibras das lentes, formando a catarata típica do diabetes, com aspecto de

80% dos cães desenvolvem cataratas até o décimo sexto mês após o diagnóstico de DM, linhas em Y na estrutura das lentes (Figura 9).

sendo que a rapidez no surgimento de cataras está diretamente ligada ao grau de


hiperglicemia. Em um estudo realizado no sul do Brasil, cerca de 40% dos pacientes
apresentavam-se com cataratas já no momento do diagnóstico.

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agressiva que em cães não diabéticos. Cães diabéticos também apresentam uma
redução na sensibilidade corneal. Atribuí-se este efeito a neuropatia afetando o sistema
nervoso sensório-motor periférico.

3.8.2. Uveíte induzida pelo cristalino

Durante a embriogênese, as lentes são formadas dentro de sua própria cápsula,


e suas proteínas estruturais não são expostas ao sistema imune, motivo pelo qual não
ocorre tolerância imunológica às proteínas do cristalino. Durante a formação da catarata e
posterior reabsorção, as proteínas das lentes são expostas ao sistema imune local ocular,
resultando em inflamação e uveíte. O tratamento desta alteração consiste na diminuição
da reação inflamatória e prevenção da ocorrência de danos intra-oculares.
Figura 9. Catarata diabética. A formação de linhas de forma de “Y” é característica de
cataratas diabéticas.
Os corticosteróides oftálmicos são as drogas mais comumente utilizadas no
A formação de cataratas é um processo irreversível uma vez que tenha iniciado,
tratamento de inflamações oculares. No entanto estas preparações podem ser absorvidas
e isto pode ocorrer de forma muito rápida. Clinicamente os cães podem evoluir de uma
de forma sistêmica e causar antagonismo à insulina, o que pode vir a interferir no controle
visão normal para a cegueira em um período de dias, meses ou anos. Um bom controle
glicêmico, especialmente em cães toys e miniaturas. Como alternativa menos potente,
glicêmico e flutuações mínimas de glicemia ajudam a evitar e atrasar a ocorrência de
porém sem interferências no controle glicêmico, pode-se utilizar antiinflamatórios
cataratas. Cães com problemas em estabelecer tal controle estão sob risco de
oftálmicos não esteroidais ou ciclosporina. Contudo, nestes casos, a remoção da catarata
desenvolver o problema. Uma vez que o animal está cego em decorrência do processo, a
pode tornar-se uma solução mais eficaz em longo prazo, mesmo que não seja possível a
necessidade de um rigoroso controle glicêmico não é mais necessária.
recuperação da visão, a resolução da uveíte e prevenção da formação de glaucoma,
apresenta um grande potencial de trazer mais conforto ao paciente ao resolver uma causa
A visão é recuperada em 75 a 80% dos cães submetidos à remoção das
de dor.
cataratas, sendo que fatores como controle glicêmico, atrofia e degeneração retiniana e a
presença de uveíte induzida pela catarata afetam o sucesso da cirurgia. De uma forma
3.8.3 Retinopatia Diabética
geral não se observa nenhuma diferença significativa no resultado da facoemulsificação
em cães diabéticos e cães saudáveis, quando se aplica flunixin meglumine no pré-
A retinopatia diabética é uma complicação clínica bastante incomum em cães,
operatório, solução oftálmica de prednisolona no pré e pós-operatório e uso oral de
quando observada, evidenciam-se microaneurismas, hemorragias, varicoses e shunts
aspirina em cães diabéticos, comparado ao uso de solução oftálmica de prednisolona e
capilares ao exame oftalmoscópico da retina. Também é possível observar a presença de
prednisona oral em cães não diabéticos. Contudo, ocorre maior ocorrência de úlceras de
perícitos fantasmas e capilares acelulares. Infelizmente o desenvolvimento rápido da
córnea (ceratites ulcerativas) após a facoemulsificação em diabéticos, sendo que a maior
catarata freqüentemente impede a avaliação da retina em cães com DM. Assim
parte das úlceras demoram pra cicatrizar, e freqüentemente recidivam. As ceratites
recomenda-se um criterioso exame de fundo de olho em cães diabéticos com diagnóstico
ulcerativas em cães diabéticos devem ser monitoradas e combatidas de forma mais
recente com intuito de verificar a presença de uma retina saudável caso uma

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facoemulsificação faça-se necessária no futuro. A eletroretinografia é um instrumento


fundamental na avaliação da retina antes da cirurgia. Apesar de estudos terem A nefropatia diabética apresenta-se normalmente com alterações tipo proteinúria
demonstrado que a aspirina e aminoguanidina atuam como inibidores farmacológicos da grave (albuminúria), devido à disfunção glomerular, progredindo conforme o dano
retinopatia por um período de cinco anos em cães diabéticos, o adequado controle glomerular para ocorrência de azotemia e uremia. No ápice de desenvolvimento da
glicêmico é o único tratamento adequado na inibição ou prevenção da progressão da fibrose glomerular ocorre insuficiência renal oligúrica e anúrica. Não há tratamento
retinopatia diabética. específico para a nefropatia diabética além de adequado controle glicêmico, manejo
médico conservativo da insuficiência renal e controle da hipertensão sistêmica.
3.8.4 Neuropatia diabética
3.8.6. Miocardiopatia diabética
O reconhecimento da neuropatia diabética não é tão freqüente como em gatos, e
os sinais clínicos consistentes com esta alteração são mais comumente reconhecidos em A miocardiopatia diabética é uma entidade bem estudada e freqüente em
cães com diabetes por um longo período (5 anos ou mais). Os sinais clínicos humanos, porém não se encontram relatos de miocardiopatia diabética em cães.
normalmente observados são fraqueza, andar agachado, marcha anormal, atrofia Trabalhos demonstraram em cães com DM induzido por aloxano, a diminuição dos
muscular, depressão dos reflexos límbicos (reflexos de membros) e nos testes de reação volumes diastólicos finais e de enchimento ventricular, ao serem comparados ao grupo
postural. A neuropatia diabética no cão é primariamente uma polineuropatia distal, controle, assim como maior concentração de colágeno nestes corações, rigidez
caracterizada por desmielinização segmentar, e remielinização e degeneração axonal miocárdica, aumento na pressão diastólica final do ventrículo esquerdo e redução do
com regeneração, porém por mecanismos não totalmente conhecidos. Não há tratamento débito cardíaco. Algumas destas alterações são passiveis de controle com insulinoterapia.
para a neuropatia diabética, mas o adequado controle glicêmico pode melhorar os sinais
clínicos. Morfologicamente o coração destes pacientes apresenta acúmulo de material
PAS positivo, provavelmente glicoproteínas. Alterações celulares, incluindo defeitos no
3.8.5 Nefropatia diabética transporte de cálcio e metabolismo de ácidos graxos, podem levar a hipertrofia dos
miócitos e fibrose do miocárdio, levando inicialmente a disfunção diastólica que pode
A nefropatia diabética em cães é um fenômeno raro, e as anormalidades evoluir para uma disfunção sistólica. Em humanos, a miocardiopatia diabética caracteriza-
histológicas encontradas incluem glomerulonefropatia membranosa com fusão dos se por cardiomegalia, sinais de insuficiência cardíaca, alterações histopatológicas de
processos podais, engrossamento de membrana basal de glomérulos e túbulos, aumento hipertrofia e fibrose, e doenças de pequenos vasos; apresentando também alterações
no material da matriz mesangial, presença de depósitos subendoteliais, fibrose glomerular cardíacas não atribuíveis à doença coronariana, hipertensão arterial sistêmica, doença
e glomeruloesclerose. A anormalidade inicial pode ser a hipertensão glomerular crônica, e valvar, neuromuscular, renal ou alcoolismo.
hiperperfusão renal, decorrentes da hiperglicemia crônica. Assim o aumento na pressão
glomerular resulta no depósito de proteínas no mesangio. A expansão do mesangio Atualmente a lipotoxicidade e lipoapoptose dos cardiomiócitos são fatores em
invade o espaço sub-endotelial, reduzindo o lúmem dos capilares glomerulares, o que discussão na patogênese da cardiomiopatia diabética. A lipotoxicidade pode ser evitada
leva a um declínio na taxa de filtração glomerular, conduzindo a glomeruloesclerose e com restrição calórica, e uso de bloqueadores de óxido nítrico (aumentado em
insuficiência renal. Cães com mais de dois anos de doença que tenham uma glicemia decorrência da via de produção de ceramidas ativada em decorrência do excesso de
fracamente controlada podem sofrer esclerose glomerular. ácidos graxos intracelulares).

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mecanismos de resposta contra-regulatórios mediados por catecolaminas. Este fenômeno


3.8.7 Hipertensão sistêmica / Aterosclerose é comum em humanos diabéticos e também observado em animais. A hipoglicemia
acelera a entrada de glicose no cérebro, e então, durante um evento hipoglicêmico
Em humanos diabéticos a ocorrência de DM associado à hipertensão pode até subseqüente, o cérebro é menos afetado que o normal, e assim não desencadeia uma
vida do paciente. Em cães, a hipertensão sistêmica é um achado comum em cães resposta contra-reguladora e os sinais de alerta comumente desencadeados. Já foi
obesos, com pressão arterial sistólica freqüentemente maior que 180 mm/Hg, assim como demonstrado que muitos humanos diabéticos não conseguem montar uma resposta
observado em quase 50% dos cães diabéticos. Observa-se uma associação entre a eficaz a hipoglicemia (prejuízo na secreção de epinefrina e glucagon). Recentemente foi
hipertensão, a duração do diabetes, e o aumento na relação albumina-creatinina na urina, demonstrado secreção reduzida de glucagon em resposta a hipoglicemia em cães
sendo que a pressão diastólica e pressão sangüínea média costumam ser maiores em diabéticos.
cães com maior duração da doença. Possíveis mecanismos envolvidos no
desenvolvimento de hipertensão em cães diabéticos incluem distúrbios no metabolismo Episódios graves de hipoglicemia podem ocorrer em cães diabéticos que
de lipídios, levando a redução na complacência vascular e a hiperfiltração glomerular recebem mínimo controle de glicemia durante meses, por apresentarem sinais de bom
generalizada. Uma microangiopatia imunomediada afetando as membranas basais de controle glicemico. O risco de hipoglicemia é maior quando: 1) os cães recebem insulina
vasos também é suspeitada. uma vez por dia, ao invés de duas, e 2) quando apresentam um bom controle glicêmico,
resultando em baixos valores de glicemia na hora da aplicação de uma nova dose de
Aterosclerose pode estar presente em pacientes com DM, representando um insulina. Também existe uma variedade de fatores médicos e de manejo que podem
fator adicional na etiopatogênese da hipertensão sistêmica, apesar da espécie canina resultar em overdose, incluindo incompleta mistura da suspensão de insulina,
apresentar uma proteção ao desenvolvimento de aterosclerose. Esta proteção decorre do administração de insulina em intervalos irregulares, inapetência, exercício excessivo e
HDL ser a principal lipoproteína no soro canino. Os efeitos atero-protetores do HDL melhora na sensibilidade à insulina associada ao fim do diestro ou tratamento de doenças
(colesterol bom) estão bem elucidados na literatura. concomitantes como o hiperadrenocorticismo.

3.9. Complicações da Terapia Insulínica Outras causas de hipoglicemia em pacientes diabéticos incluem
hipoadrenocorticismo, terapia com hormônio tireóideo como tratamento para
3.9.1 Hipoglicemia hipotireoidismo concomitante ao DM e hiperatividade após facoemulsificação. Contudo a
maior e principal causa de hipoglicemia é a sobre dose de insulina. Episódios recorrentes
A severa hipoglicemia resultante de uma sobre dose de insulina pode causar de hipoglicemia induzem uma down-regulation do SNC de humanos, de forma que quanto
danos cerebrais irreversíveis e morte. Os sinais clínicos de neuroglicopenia incluem maior a freqüência de episódios hipoglicêmicos, mais fraca é a resposta contra-reguladora
fraqueza, agitação, andar acelerado, anorexia e diarréia. Casos mais graves evoluem e maior a chance de ocorrer uma hipoglicemia inconsciente.
para ataxia, cegueira, tremores, taquicardia, desmaios e coma, ocasionalmente associado
a áreas multifocais de necrose. Qualquer pessoa na casa de um paciente diabético deve saber reconhecer os
sinais clínicos de hipoglicemia, que podem rapidamente se tornar uma emergência mortal.
A hipoglicemia inconsciente, onde o paciente não demonstra sinais de Se sinais leves de hipoglicemia forem perceptíveis, o proprietário deve servir uma refeição
hipoglicemia, é uma conseqüência de alterações no transporte cerebral de glicose e nos da comida usual do cão. Se o cão estiver sem vontade de comer ou incapaz de alimentar-

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se se deve administrar um xarope por via oral com alta concentração de glicose ou então, (Figura 9). Todas estas causas devem ser investigadas antes de se tomar qualquer
açúcar espalhado na mucosa oral. Tão logo o cão tenha melhorado, o animal deve comer decisão a respeito da terapia insulínica.
imediatamente uma refeição, e o veterinário deve ser contatado. Usualmente recomenda-
se então uma redução de 50% na dose de insulina. Caso o veterinário não tenha sido A inadequada absorção de insulina não é uma complicação comum da aplicação
contatado até o horário da próxima aplicação de insulina, esta dose não deve ser subcutânea, a menos que o paciente esteja desidratado, quando então existe uma
aplicada. redução no fluxo sangüíneo periférico, reduzindo a mobilização de insulina do seu sítio de
aplicação. A ocorrência de reações alérgicas no local da injeção é rara em cães, mas
É importante na prevenção de episódios hipoglicêmicos e para um bom quando ocorre, a inflamação e edema local prejudicam a absorção de insulina, sendo
prognóstico da doença, que os proprietários saibam como administrar a insulina, então indicado variar o local das aplicações, trocar a espécie de insulina por uma mais
respeitem o intervalo entre as aplicações, saibam usar a seringa, se necessário saibam homóloga, e também por uma preparação mais purificada, como a insulina cristalina
realizar a diluição da insulina, entendam a importância da correta conservação e regular.
manipulação da insulina além de compreenderem a importância da alimentação
adequada em quantidade e freqüência; além de reconhecer e tratar a hipoglicemia. 3.9.3 Efeito Somogyi

A título de curiosidade, recentemente foram relatadas alterações O efeito Somogyi, ou rebote hiperglicêmico é um fenômeno decorrente de uma
comportamentais de cães em resposta a episódios hipoglicêmicos de seus proprietários sobredose de insulina com conseqüente hipoglicemia e acentuada elevação secundária
diabéticos, antes mesmo que eles percebessem que estavam com baixas concentrações da glicemia. Este efeito caracteriza-se por um fenômeno fisiológico em resposta a uma
de glicemia. Em um dos casos o cão acordou a proprietária que estava hipoglicêmica redução muito rápida da glicemia, ou então em resposta a uma glicemia menor que 65
durante a noite. Especulando-se sobre o suposto e não compreendido sexto sentido mg/dL. Nestas situações são estimulados diversos mecanismos fisiológicos que
canino, e maior sensibilidade olfativa a sudorese que acompanha uma hipoglicemia já foi interferem com o efeito da insulina, e estimulam a produção de glicose hepática,
proposto que cães sejam treinados para detectar hipoglicemia em seus proprietários principalmente à liberação de epinefrina e glucagon, os quais não só estimulam a
diabéticos. produção de glicose como também diminuem a utilização periférica desta. Desta maneira
observa-se após o episódio hipoglicêmico, eventualmente na manhã seguinte, uma
3.9.2 Persistência ou recorrência dos sinais clínicos marcada hiperglicemia (400 a 800 mg/dl) com glicosúria (Figura 10). Freqüentemente o
proprietário não observa sinais de hipoglicemia que tenham provocado tal resposta.
A persistência ou recorrência dos sinais clínicos de DM, como poliúria, polidipsia,
polifagia e perda de peso são consideradas as complicações mais comuns do tratamento
com insulina, e normalmente são decorrentes de problemas na técnica de administração
do proprietário, ou são problemas inerentes ao tipo de insulina (curta duração do efeito),
dose insuficiente, espécie da qual provém à insulina, freqüência de administração; ou
ainda estão relacionadas à efetividade do hormônio, que esta sofrendo antagonismo em
decorrência de inflamações, infecções, neoplasias ou desordens hormonais intercorrentes

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Glicemia
(mg/dl)
Glicemia
(mg/dl)
Estes anticorpos desenvolvem-se em alguns animais após início da terapia
Aplicação de insulina Nadir < 65 mg/dl

insulínica em resposta a aplicações repetidas do hormônio para promover o controle


600 600
glicêmico. No entanto, alguns animais não desenvolvem estes anticorpos, provavelmente
500 500
400 400 devido à indução de tolerância do sistema imune à proteína exógena que esta sendo
300 300 administrada diariamente. Estes anticorpos presentes também em humanos diferem
Liberação de
200 200 daqueles encontrados em pacientes que desenvolveram auto-imunidade contra a insulina
epinefrina e glucagon
100 100 endógena e outros componentes das ilhotas pancreáticas.
0 0
08 10 12 14 16 18 20 22 24 02 04 06 08
Tempo Existe uma grande variação no tempo de insulinoterapia necessária para indução
Figura 10. Exemplo da dinâmica do fenômeno Somogyi. Após uma queda rápida ou de anticorpos, sendo que alguns animais desenvolveram anticorpos após um mês de
severa na glicemia, ocorre um rebote hiperglicêmico.
tratamento e outros recebendo insulina por anos não desenvolveram. Estudos sugeriram

A terapia para o fenômeno Somogyi envolve a redução na dose de insulina em que é necessário um adjuvante para indução da formação de anticorpos contra insulina, e

10 a 25%, ou em alguns casos, deve-se reiniciar a terapia insulínica com 0,25 U/kg BID. A que impurezas e substâncias utilizadas para aumentar o efeito da insulina, como a

reavaliação do paciente é recomendada para ser feita após 5 ou 7 dias, uma vez que este protamina, poderiam atuar como tal. A estrutura e a seqüência de aminoácidos da insulina

fenômeno pode induzir resistência à insulina por um período de 24 a 72 horas. A duração injetada relativa à insulina endógena, influenciam a formação de anticorpos, embora a

prolongada do efeito da insulina, com sobreposição de efeito entre uma dose e outra, conformação estrutural dos epítopos da molécula, pareça ser mais importante do que a

assim como ajustes na dose de insulina baseado na glicosúria matinal pelos proprietários simples seqüência de aminoácidos. Em cães a insulina suína é a menos antigênica por

são fatores freqüentemente envolvidos na ocorrência do fenômeno Somogyi, o qual deve apresentar uma seqüência de aminoácidos idêntica a da insulina canina. A insulina

ser suspeitado em qualquer animal demonstrando deficiente controle glicêmico e/ou com humana difere em apenas um aminoácido, enquanto a bovina difere em dois sendo a

elevadas concentrações séricas de fructosamina. mais imunogênica e menos indicada para uso em cães diabéticos. Apesar de incomum,
anticorpos anti-insulina devem ser suspeitados em cães com pobre controle glicêmico

9.3.4 Anticorpos anti-insulina onde a causa para tal não é identificada.

A produção de anticorpos anti-insulina em cães diabéticos apresenta um impacto 3.9.5 Resistência insulínica

deletério na efetividade da insulina, prejudica o controle glicêmico e em casos extremos


provoca severa resistência à insulina, apesar de alguns animais com anticorpos anti- A resistência insulínica é uma condição na qual uma quantidade normal de

insulina manterem-se estáveis. A presença destes anticorpos também apresenta a insulina produz uma resposta biológica subnormal, e pode ser decorrente de problemas

capacidade de causar flutuações erráticas e imprevisíveis na glicemia. Anticorpos contra antes da interação da insulina com seu receptor, problemas no receptor, ou ainda

insulina podem afetar a farmacocinética da insulina exógena administrada por diversos problemas nas cascatas fosforilativas pós-receptor. Os defeitos pré-receptor são

mecanismos, como, por exemplo, prejudicando a farmacodinâmica como um carreador ou decorrentes de redução na quantidade de insulina metabolicamente ativa, incluindo

inibindo seu efeito por neutralização. aumento na degradação da insulina e anticorpos anti-insulina. Os defeitos de receptor
incluem decréscimo na concentração de receptores de insulina na membrana plasmática,
com redução na atividade tirosina quinase do receptor. Os defeitos pós-receptor incluem

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reduzida concentração e fosforilação de IRS-1 e IRS-2, fosfatidilinositol 3-OH quinase,


mutações nos transportadores de glicose, alterações tecido-específicas na produção de 3.10 Prognóstico
GLUT-4, defeitos na translocação intracelular de GLUT-4 ou ainda defeitos na vias de
sinalização e enzimas intracelulares. Os avanços nas tecnologias disponíveis, estudos de manutenção nutricional do
paciente diabético, associados à maior consciência dos proprietários com relação à posse
Diversos fatores circulantes podem estar envolvidos na modulação da ação da responsável, e ao maior cuidado dos veterinários com doenças concomitantes como as
insulina e da resistência insulínica, como por exemplo, a insulina per se, o fator de infecções do trato urinário e doenças periodontais, vêm contribuindo para maior sucesso
necrose tumoral alfa (TNFa), interleucinas, ácidos graxos e produtos derivados da da terapia em longo prazo dos animais diabéticos e conseqüente redução da mortalidade.
glicosilação de proteínas que influenciam a ação da insulina através de interferências com
as vias de sinalização da insulina. O tecido adiposo apresenta um papel especial na Em geral o prognóstico para cães diabéticos depende em parte do compromisso
resistência à insulina. Os ácidos graxos livres derivados dos adipócitos são os do proprietário em tratar a doença, facilidade de controlar a glicemia e a presença e
responsáveis pelos distúrbios pós-receptor que resultam na resistência, assim como reversibilidade de doenças intercorrentes, assim como de evitar-se as complicações
outras substâncias secretadas por estas células, como as adipocitocinas leptina e TNF-α. crônicas associadas à doença. Pacientes com diabetes vivem em média três anos após
diagnóstico, apesar de que cães diabéticos que sobrevivem os primeiros seis meses
Os problemas nos receptores e pós-receptor são de difícil diferenciação clínica e podem facilmente viver mais que cinco anos com a doença se houver adequado cuidado
normalmente acontecem juntos, sendo atribuídos à obesidade e desregulação no dos proprietários, avaliações freqüentes pelo veterinário, além de uma boa comunicação
metabolismo de ácidos graxos ou a distúrbios intercorrentes que causem aumento na entre os proprietários e o clínico. Desta forma, cães diabéticos podem, e devem, viver
secreção de hormônios antagônicos à insulina, como o cortisol, glucagon, epinefrina, vidas relativamente normais.
hormônio do crescimento, progesterona e hormônios tireóideos. Os mecanismos de
resistência à insulina em cães experimentalmente hiperinsulinêmicos envolvem uma 4. PARTICULARIDADES DO DIABETES MELLITUS FELINO
redução na captação de glicose induzida pela insulina, assim como prejuízo na cinética de
captação de glicose, em parte devido à redução na atividade tirosina quinase do receptor O diabetes mellitus felino (DMF), é umas das doenças endócrinas mais comuns
de insulina, demonstrando que a hiperinsulinemia leva a resistência periférica à insulina. de gatos, afetando de 1:100 à 1:400 indivíduos conforme a fonte consultada, sendo que a
incidência de DMF vem aumentando gradativamente ao longo dos últimos anos associado
A ocorrência de resistência insulínica quando ocorrem altas glicemias com pouca a um estilo de vida diabetogênico. O mesmo tem-se observado em humanos e cães. Um
redução após administração de insulina, pode estar sendo causada por doença estilo de vida diabetogênico é marcado por alimentação inadequada, obesidade,
intercorrente ou medicações. A resistência à insulina também pode ser suspeitada sedentarismo e estresse crônico. Apesar da grande maioria dos casos de DMF ser
quando não se consegue reduzir a glicemia a valores abaixo de 300 mg/dl, mesmo com análoga ao diabetes tipo II humano, a resposta ao tratamento é bastante variável e
doses de insulina superiores a 1,5 U/kg em uma curva glicêmica seriada, assim como imprevisível. Além disto, a tendência dos gatos a fazer hiperglicemia por estresse (um
quando o controle glicêmico é errático e há necessidade de constantes alterações na gato pode facilmente chegar a valores > 300 mg/dL após contenção para coleta de
dose de insulina dentro semanas na tentativa de manter o adequado controle. É sangue para mensuração de glicemia) atrapalha bastante o monitoramento destes
importante ressaltar que hiperglicemia por estresse, fenômeno Somogyi e problemas com pacientes, fazendo com que muitas vezes ocorram erros de interpretação e ajustes
a terapia insulínica e doenças intercorrentes também podem levar a resistência insulínica. terapêuticos mal-sucedidos. É importante um adequado entendimento da fisiopatogênia

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do DMF para poder predizer a melhor forma de tratamento e o prognóstico para cada Em humanos, a ocorrência do DM tipo II esta correlacionado a fatores genéticos
caso. Não raramente, gatos diabéticos experimentam remissão da doença após variáveis e ambientais. O mesmo observa-se no DMF. Algumas etnias humanas estão sob maior
períodos de tempo. Atualmente, a possibilidade de remissão do diabetes deve ser risco de desenvolvimento de diabetes, e acredita-se que inúmeros genes associados à
encarada como um objetivo possível, ao invés de uma surpresa ou situação espantosa secreção ou sensibilidade à insulina, ou genes que provoquem ganho de peso e menor
quando ocorrer. Além disso, as evidencias recentes de que uma grande proporção de atividade física estejam associados. Em gatos acredita-se que estes fatores apresentem a
gatos com diabetes apresentam valores elevados de IGF-1 (fator de crescimento mesma importância no desenvolvimento da doença. A grande maioria dos pacientes são
semelhante à insulina -1) apontam para uma prevalência muito maior do que a imaginada gatos de pêlos curtos, e a raça Burmese apresenta uma predisposição racial bastante
com relação a acromegalia nos felinos. elevada, com estatísticas apontando para até 1 caso para cada 50 exemplares,
representando até 38% da população de gatos diabéticos na Austrália, Nova Zelândia e
4.1 Etiopatogenia Reino Unido.

Em aproximadamente 80 a 95% dos casos, o DMF é análogo é análogo ao DM Como dito anteriormente, o DM tipo II é resultado de uma maior resistência à
tipo II humano, sendo caracterizado por uma deficiência absoluta ou relativa de insulina, insulina e menor secreção do hormônio, sendo que muitas vezes estes fatores estão
associada à marcada resistência à insulina. O percentual restante (5 a 20% dos casos) intimamente associados. Situações que cursem com resistência à insulina (ou seja, há
apresenta outros tipos específicos de diabetes, causadas por doenças que possam necessidade de uma maior secreção de insulina para reduzir uma determinada
reduzir o número de células beta (adenocarcinoma pancreático ou pancreatite) ou causar quantidade de glicose) estimulam uma maior secreção a partir das células beta com
resistência à insulina moderada a severa (acromegalia, hipertireodismo, objetivo de manter a glicemia estável. Contudo, a hiperglicemia, e conseqüentemente os
hiperadrenocorticismo). A ocorrência de diabetes tipo I, associada à destruição sinais clínicos da doença, surgem quando esta maior secreção de insulina não é mais
imunomediada das ilhotas e presença de auto-anticorpos contra antígenos das ilhotas é suficiente para manter a normoglicemia. Em longo prazo, esta maior atividade secretora
extremamente incomum em gatos, com apenas alguns relatos em filhotes. leva a exaustão das células beta por maior estresse oxidativo e ativação de apoptose
(morte celular programada). A deposição de amilóide, glicotoxicidade e pancreatite, são
Cerca de 5 a 40% dos gatos com diagnóstico de diabetes tipo II podem ser outros fatores que levam a exaustão das células beta.
tratados sem uso de insulina, uma vez que ainda apresentam uma adequada capacidade
de secreção de insulina. Em humanos com esta forma da doença, até 70% dos pacientes 4.1.1 Causas de resistência à insulina
beneficiam-se de tratamentos sem injeções de insulina. Este percentual em felinos é
menor porque na maioria das vezes o diagnóstico só é realizado após a glicemia começar Diversas causas de resistência à insulina costumam estar presentes em gatos
a ficar acima do limiar de reabsorção tubular (cerca de 280 mg/dL). Isto ocorre, porque diabéticos. De uma forma geral observa-se que, assim como o perfil do paciente diabético
somente após este ponto inicia-se a poliúria e polidipsia, chamando atenção dos canino é uma fêmea, normalmente com idade superior a 7 anos, não castrada e em
proprietários. Após este ponto, a glicotoxicidade crônica sobre as células beta promove diestro; o perfil do paciente diabético felino é um gato macho com idade superior a 7 anos,
prejuízo funcional extra, e a capacidade de secreção de insulina fica cada vez mais com histórico de sobrepeso e castrado. A obesidade é reconhecida como o principal fator
reduzida. de resistência à insulina em felinos, com estudos demonstrando que um ganho de peso
de cerca de 40% é suficiente para reduzir a sensibilidade à insulina em até 50%. Da
mesma forma, o sedentarismo representado por uma menor atividade física, é um típico

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fator de resistência à insulina. Em cães e humanos foi demonstrado que a atividade física e durante sua evolução, foram adaptando-se geneticamente a dietas pobres em
aumenta a sensibilidade à insulina, e o sedentarismo (confinamento especialmente) esta carboidratos. Frente a estas dietas ricas em proteínas e pobres em carboidratos, a
intimamente associado a risco de diabetes em felinos. Atualmente, uma grande proporção existência de uma leve resistência à insulina é favorável no sentido de manutenção da
dos pacientes felinos vivem confinados em apartamentos, sem estímulos para prática de glicemia. A manutenção da glicemia de animais com dieta hiperprotéica é em boa parte
atividades físicas, o que não só piora a sensibilidade à insulina, como também predispõe fruto da atividade gliconeogênica hepática. A insulina inibe esta via, e além disto, a pouca
ao ganho de peso. A esterilização dos machos (orquiectomia) promove um estímulo extra glicose circulante fica mais disponível no sangue. A ocorrência de resistência adicional à
ao ganho de peso e sedentarismo, motivos pelos quais gatos machos castrados e idosos insulina em decorrência do ganho de peso frente à dieta moderna e estilo de vida
representam a maior parte dos pacientes felinos diabéticos. sedentário reflete o conflito entre a genética do animal e o estilo de vida atual. Estas
relações são alvo de seleção e adaptação, e talvez ao longo de gerações sucessivas, a
Além destas questões, o gênero parece ser importante na espécie felina, como genética felina se adapte ao estilo de vida moderno, tornando-os menos propensos ao
uma causa de resistência. Ao contrário dos cães, onde o diestro prolongado contribui para desenvolvimento de diabetes por influências ambientais.
menor sensibilidade à insulina em comparação a um macho, gatos machos castrados tem
uma chance duas vezes maior de desenvolverem diabetes. Este efeito não se deve só ao 4.1.2 Causas de menor secreção de insulina
ganho de peso, uma vez que mesmo magros, os gatos machos castrados apresentam
menor sensibilidade à insulina que fêmeas castradas. Além disto, gatos machos Além das causas já citadas de patologias associadas a menor atividade secretora
apresentam um risco de desenvolvimento de obesidade maior que as fêmeas. das células beta, (apoptose, auto-imunidade, pancreatite e glicotoxicidade) outras duas
causas de menor secreção de insulina merecem atenção no estudo da DMF. A
Além destes fatores, outros aspectos podem ser considerados. Não raro na deposição de amilóide nas ilhotas (amiloidose) é fruto da co-secreção do hormônio
história clínica de pacientes felinos diabéticos, existe o histórico de uso de amilina, juntamente com a insulina, pelas células beta. A amilina esta relacionada à
glicocorticóides. Apesar da maior resistência aos corticóides apresentada pela espécie saciedade, e também é conhecida como polipeptídio amilóide das ilhotas. Uma série de
felina, o uso crônico destas medicações, mesmo em doses terapêuticas, pode provocar fatores parece estar implicada na deposição de amilóide, como por exemplo, a maior
resistência à insulina e diabetes mellitus secundária. A glicotoxicidade pode além de atividade secretora em alguns indivíduos. Contudo, a amiloidose é considerada como um
causar prejuízos à função secretora das células beta, promover uma menor sensibilidade marcador do diabetes tipo II humano, e tem sido observado em uma grande proporção de
periférica à insulina. Atualmente, a visão sobre o impacto da evolução sobre a dieta e as gatos diabéticos. Estados de resistência à insulina podem predispor a ocorrência de
suas conseqüências (Teoria do Gene Poupador – Trifthy Gene Theory) aponta para amiloidose pelo aumento de secreção não só de insulina, mas também de amilina,
algumas razões evolutivas para a maior ocorrência de resistência à insulina frente ao representando assim um estado de hipersecreção deste polipeptídio. Além disto, dietas
estilo de vida moderno. Hoje em dia os felinos são fisicamente inativos, ingerem excessos ricas em gordura podem predispor a ocorrência de amiloidose. A perda de função das
calóricos e acabam se tornando obesos. A razão para isso é simples. Algumas dietas de células beta em gatos com amiloidose é muito variável, porém de uma forma geral gatos
felinos são compostas de até 50% de carboidratos (base seca). Além disto, carboidratos formam muito mais depósitos amilóides que humanos, chegando a ter até 90% do volume
facilmente digeríveis incorporados as dietas apresentam um elevado índice glicêmico, das ilhotas substituído por amilóide em alguns casos. Humanos com diabetes tipo II não
fazendo com que a glicemia aumente consideravelmente durante o período pós-prandial. costumam apresentar mais de 50% do volume das ilhotas substituído por amilóide.
Estas dietas afastam-se bastante da dieta de felídeos selvagens (rica em proteínas e
pobre em carboidratos). Gatos são carnívoros natos, comportamental e metabolicamente,

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Além da glicotoxicidade (redução na capacidade de secreção de insulina frente a


uma hiperglicemia crônica), o aumento crônico dos ácidos graxos livres (AGLs) apresenta
um efeito semelhante sobre as células beta (lipotoxicidade). È difícil separar os efeitos
da glicotoxicidade e da lipotoxicidade, porém estes efeitos tóxicos da hiperglicemia e
hiperlipidemia crônica podem atuar em conjunto na supressão da secreção de insulina e
na destruição das células beta. A insulina é a medicação mais poderosa para reduzir a
glicemia e lipemia, além disto o uso de insulinoterapia pode reverter à resistência à
insulina e favorecer a recuperação da função das células beta. Quanto mais cedo for
revertida a resistência à insulina, maior a chance de recuperação das células beta e
conseqüente remissão da doença.

4.2 Apresentação e Diagnóstico

Como visto acima, o diabetes mellitus felino ocorre em gatos com idade
Figura 11. Apresentação inicial de um paciente felino diabético macho e castrado. O
normalmente superior a 7 anos. Machos castrados e obesos apresentam maior risco de
estado anterior de obesidade já não estava mais evidente em decorrência do catabolismo
desenvolvimento da doença (Figura 11). Os sinais clínicos mais comuns são os mesmos diabético.
da diabetes canina (4 Ps do diabetes – poliúria, polidipsia, polifagia, perda de peso).
Muitas vezes os donos só percebem a doença após o desenvolvimento de andar
plantígrado (conseqüência de neuropatia diabética periférica), uma característica comum
e reversível do diabetes mellitus felino (Figura 12). É importante lembrar que o andar
plantígrado, ou a posição plantígrada, também pode ser secundária a hipocalemia durante
uma insuficiência renal crônica, por exemplo, doença que também pode ser
acompanhada de poliúria, polidipsia e perda de peso. Comumente os pacientes perdem o
hábito de lamber-se e cuidar da pelagem, ficando com pêlos feios, secos e quebradiços
(Figura 13). A ocorrência de seborréia seca também é bastante comum. Gatos que não
recebam um diagnóstico correto ou que não recebam nenhum tratamento tendem a
progredir para acidose severa secundária a cetonemia (cetoacidose diabética - CAD). Os
sinais clínicos mais comuns associados a CAD são a depressão, letargia, desidratação,
Figura 12. Posição plantígrada em um felino diabético. Esta alteração é decorrente de
falta de apetite - anorexia, vômitos, taquipnéia e hálito cetósico. uma neuropatia periférica, e é reversível após o estabelecimento de um tratamento
adequado.

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Apesar de que até 30% dos gatos diabéticos são responsivos ao tratamento com
hipoglicemiantes orais, a instituição de terapia insulínica apresenta maiores chances de
promover a remissão do diabetes. Abaixo serão apresentadas as principais
recomendações para o tratamento de pacientes felinos diabéticos. Gatos alertas,
comendo e não desidratados podem iniciar o tratamento com insulina por via sub-cutânea
ou hipoglicemiantes orais. Muitos gatos podem beneficiar-se de fluidoterapia em um
momento inicial, acelerando a recuperação e promovendo um ajuste metabólico mais
rápido. O principal objetivo do tratamento é manter a glicemia sob controle a ponto de
eliminar a poliúria e polidipsia. Contudo, por mais tentador que seja tentar manter o
paciente normoglicêmico (o que seria o ideal), deve-se tomar cuidado para não provocar
hipoglicemia.
Figura 13. Paciente felino diabético com pelagem evidenciando maus cuidados
secundários a doença.
4.3.1 Hipoglicemiantes orais
No processo diagnóstico, algumas particularidades da espécie felina são
importantes. A glicemia dos gatos não varia conforme a idade e não há necessidade de
Os tratamentos a base de hipoglicemiantes orais promovem o controle de até
jejum para determinação da glicemia. Gatos normalmente fazem diversas refeições
30% dos casos tratados exclusivamente com estas drogas. Seus efeitos visam aumentar
pequenas por dia e não apresentam hiperglicemia pós-prandial importante. É importante
a secreção das células beta, aumentar a sensibilidade periférica à insulina, reduzir a
lembrar que gatos fazem glicemias de mais de 300 mg/dL facilmente por estresse, e a
absorção de glicose a partir do intestino ou ainda inibir a produção hepática de glicose. É
simples determinação de uma hiperglicemia não fornece um diagnóstico confiável. Há
fundamental ter consciência que estas opções terapêuticas só terão sucesso em
necessidade de demonstração de glicosúria, o que aponta evidencias fortes de que a
pacientes que ainda apresentem alguma secreção residual de insulina. Além disto,
poliúria e polidipsia sejam causadas pelo diabetes, especialmente se associado à
dependendo do paciente, a administração de injeção sub-cutânea pode ser muito difícil, e
hiperglicemia. Para determinação da glicosúria pode ser interessante o uso de fitas
a administração de hipoglicemiantes orais pode ser a única alternativa terapêutica. No
reagentes pelo proprietário em casa. O ambiente hospitalar pode provocar glicemias
entanto, para alguns animais a administração de medicação por via oral pode ser um
superiores ao limiar de reabsorção renal de glicose (cerca de 280 mg/dL em gatos) em
complicador. Atualmente a manipulação de muitos destes agentes na forma de xaropes
decorrência do estresse. Frente a isto, pode ocorre glicosúria sem a existência de
ou biscoitos flavorizados com sabores diversos podem facilitar o tratamento. A Tabela 4
diabetes. A fructosamina apresenta-se como uma excelente ferramenta não só de
apresenta as principais medicações hipoglicemiantes orais para uso em felinos.
monitoramento do paciente, mas também de diagnóstico. É importante avaliar a albumina
juntamente com a fructosamina. Estados catabólicos (diabetes, hipertireodismo) podem
Tabela 4. Classificação, mecanismo de ação e doses recomendadas de hipoglicemiantes
provocar hipoalbuminemia. Contudo, pacientes diabéticos normalmente apresentam
orais para tratamento de diabetes mellitus em felinos.
valores de fructosamina superiores a 400 µmol/L.
Classificação: agente Mecanismo de ação Dose recomendada
Sulfoniluréia: Aumenta capacidade de 2,5 – 5 mg / gato a cada 12
4.3 Tratamento

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Glipizida secreção de insulina além h mesma forma, não se deve fazer nenhum ajuste na dose antes de uma semana de
de um pequeno efeito sobre tratamento caso as medidas de glicose estejam elevadas, uma vez que a sensibilidade à
a sensibilidade à insulina insulina irá aumentar à medida que o hormônio volta circular no sangue. Nos casos onde
Inibidores da alfa- Reduz absorção intestinal 12,5 – 25 mg / gato a cada uma curva glicêmica não pode ser feita, é mais conveniente iniciar o tratamento com a
glicosidase: de glicose 12 h dose inicial de 1 U/gato.
Acarbose
Metais de transição: Aumentam a sensibilidade à 4.3.3 Manejo Dietético
Cromo insulina 200 mg / gato a cada 24 h
Vanádio 0,2 mg / kg por dia na ração O manejo dietético dos gatos diabéticos é de fundamental importância no
ou água tratamento destes pacientes. A base da recomendação da dieta para o paciente diabético
Tiazolidinediona: Aumenta a sensibilidade à 2 mg / kg a cada 24 h felino é a ingestão de uma dieta pobre em carboidratos (< 20 %), como é observado em
Darglitazona insulina muitas rações para filhotes ou preferencialmente nas rações especificas para tratamento
Biguanidas: Inibem a produção hepática 5 mg / kg a cada 12 h do DMF. Nesta espécie, o aumento na quantidade de fibras na dieta não apresenta
Metformina de glicose e aumentam a vantagens, uma vez que gatos não fazem hiperglicemia pós-prandial importante. A
sensibilidade periférica à ingestão alimentar deve atender as exigências diárias dos pacientes. Normalmente a
insulina ingestão de 60 - 70 kcal/kg/dia atende esta exigência. A ração deve ficar disponível ad
libitum para que o animal possa comer sempre que tiver vontade, independente dos
horários de aplicação de insulina. Pacientes obesos irão se beneficiar de uma dieta

4.3.2 Terapia insulínica restrita em calorias para redução de peso. Neste sentido, busca-se uma perda de peso da
ordem de 1 a 2% por semana oferecendo-se de 70 a 75 % dos requerimentos calóricos

Com relação à terapia insulínica, o grau de hiperglicemia dita a melhor dose do paciente por dia. O estimulo a prática de exercícios é importante nestes pacientes, não

inicial. Gatos com glicemia superior a 360 mg/dL devem iniciar com insulina NPH humana só para o controle do peso, mas também como forma de melhorar a sensibilidade à

ou insulina glardina (Lanthus®) na dose de 0,5 U/kg, ao passo que se a glicemia do insulina. Algumas estratégias como brincadeiras com cordas, pontos de luz (laser points)

paciente for inferior a 360 mg/dL, uma dose de 0,25 U/kg deve ser mais apropriada. Em sobre uma parede branca e brinquedos com Catnip podem favorecer este objetivo.

ambas situações recomenda-se a administração duas vezes por dia, ajustando a dose
para unidade inferior mais próxima (p.ex. um paciente com 5 kg com uma dose de 0,25 4.4 Monitoramento do Paciente Diabético Felino

U/Kg deveria receber 1,25 U, contudo reduz-se a dose para 1 U). Deve-se ter cuidado em
garantir que a dose prescrita não irá provocar hipoglicemia, isto pode ser feito através de Para o monitoramento do paciente diabético felino, não se recomenda a

curvas glicêmicas seriadas após as primeiras aplicações de insulina, ou medidas simples avaliação ou ajustes de dose de insulina baseadas em medidas simples de glicose, uma

após 4 e 8 horas após aplicação da insulina. De uma forma geral, o ambiente hospitalar e vez que estes pacientes facilmente fazem hiperglicemia por estresse. A única exceção é a

o estresse de realização de uma curva podem atrapalhar a avaliação das curvas, não detecção de hipoglicemia em uma mensuração simples de glicemia, o que pode ser

garantindo que em casa, sem estresse, a mesma dose não irá provocar hipoglicemia. Da indicativo da necessidade de redução na dose de insulina. Do ponto de vista clínico, é
importante salientar para os proprietários quais são os sinais de controle da doença, e

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que sinais indicam descontrole. Assim, os donos devem estar habilitados a identificar e Nadir entre 55 e 90 mg/dL Reduzir a dose de insulina em 1U
registrar normodipsia, ganho de peso, normofagia, um máximo de duas cruzes de glicose Nadir entre 110 e 160 mg/dL Manter a mesma dose de insulina
na urina através do uso de fitas reagentes, bem como a ausência de cetonúria. Da Nadir > 180 mg/dL Aumentar a dose de insulina em 1U
mesma forma, uma adequada capacidade ambulatória, com habilidade para saltar e a Nadir ocorrendo em menos de 3 horas após Passar a usar uma insulina de longa ação
manutenção de um estilo de vida normal, com manutenção dos cuidados com a pelagem, aplicação de insulina, ou a glicemia retorna (p. ex. Glardina)
sem evidencias da existência da doença é importante, e estes sinais indicam um bom aos valores basais antes de 8 horas após a
controle glicêmico. A ingestão de água de gatos diabéticos bem controlados não deve aplicação da insulina.
ultrapassar 20 mL/kg/dia naqueles gatos alimentados com dietas úmidas, e 70 mL/kg/dia Nadir ocorrendo após 8 horas da aplicação
nos alimentados com rações secas. da insulina

A realização de curvas glicêmicas seriadas em gatos pode ser um procedimento 4.5 Prognóstico
desafiador e frustrante, além disto, o estresse associado à realização de repetidas
punções pode provocar erros de interpretação dos resultados, e ajustes terapêuticos O sucesso do tratamento do paciente diabético felino depende de uma tríade de
desastrosos. A realização deste procedimento, quando necessário, deve ser feito em casa fatores, sendo eles: um proprietário atencioso e dedicado, um veterinário diligente, e um
pelos donos, através de coleta de sangue de vasos sanguíneos da pina e mensuração da paciente permissivo. Proprietários relapsos ou incapazes de executar o tratamento
glicemia com glicímetro portátil. Aquecer a orelha por fricção, por exemplo, antes da indicado poderão experimentar frustração com relação ao tratamento e assim
coleta, pode facilitar a obtenção de uma gota de sangue. Desta forma, métodos de comprometer a expectativa de vida do paciente. Da mesma forma, gatos indóceis e
avaliação do tratamento mais indiretos tornam-se necessários, como os citados no agressivos (investigar hipertireodismo) representam um perfil de paciente com chances de
parágrafo anterior, e através da avaliação da fructosamina. A interpretação da ter complicações decorrentes da inviabilização do tratamento e monitoramento adequado.
fructosaminemia de gatos diabéticos segue as mesmas diretrizes da interpretação de Contudo, o DMF apresenta um prognóstico de reservado a favorável, uma vez que até
cães (Tabela 3). Contudo, frente à realização de uma curva glicêmica seriada, a Tabela 5 40% dos casos experimentam remissão da doença. O período para detectar-se a
apresenta as recomendações frente aos resultados obtidos. remissão comumente varia de 1 a 4 meses, desde que um bom controle glicemico tenha
sido mantido neste período. A ingestão de dietas pobres em carboidratos é fundamental
Tabela 5. Recomendações na interpretação de resultados de curvas glicêmicas seriadas na obtenção deste objetivo. No entanto alguns gatos diabéticos podem experimentar
em pacientes diabéticos felinos sob terapia insulínica. remissão do quadro diabético após dias ou semanas do estabelecimento da terapêutica,
Parâmetro de Glicemia Recomendação bem como até após 18 meses. A média de sobrevida após o diagnóstico é de cerca de 18
Glicemia pré-insulina < 215 mg/dL Suspender insulina e verificar possibilidade meses, uma vez que boa parte dos casos diagnosticados, são pacientes com mais de 10
de remissão do diabetes anos, e muitos gatos não sobrevivem mais que 1 ano após o diagnóstico.
Glicemia pré-insulina entre 230 e 290 mg/dL Dose total não deve ser maior que 1U/gato
uma vez que a remissão do diabetes esta 5. CETOACIDOSE DIABÉTICA
iminente
Nadir menor < 55 mg/dL Reduzir a dose de insulina em 50%

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Freqüentemente, quando os proprietários falham em reconhecer os sinais de forçar o retorno à normalidade rapidamente, uma vez que isto pode causar sérios
poliúria, polidipsia, polifagia e perda de peso, assim como a eventual formação abrupta de problemas osmóticos e bioquímicos, tanto em decorrência da terapia agressiva, quanto
cataratas, os animais estão sob risco de desenvolver a cetoacidose diabética (CAD). em decorrência do processo patológico. A indução de alterações rápidas em diversos
Desta forma, estes proprietários só atentam para a saúde do animal quando percebem a parâmetros vitais pode ser mais nociva que a manutenção do quadro inicial. Desta forma
ocorrência de vômitos, diarréia, anorexia, respiração profunda e outros sinais da o objetivo é retornar estes parâmetros a valores dentro da normalidade em um período de
cetoacidose (Figura 14). A verificação simultânea de cetonúria no exame químico de urina 36 a 48 horas, obtendo-se assim maior êxito no tratamento.
especialmente na presença de sinais clínicos de doença (letargia, vômitos, diarréia, hálito
6
cetósico, respiração tipo Kussmaul e desidratação) estabelece o diagnóstico de Durante o desenvolvimento da acidose, íons hidrogênio passam para o meio
cetoacidose. intra-celular como uma forma de tamponamento do líquido extra-celular. Para manter a
carga do meio intra-celular, o potássio (que é mais concentrado no meio intra-celular) é
liberado para o meio extra-celular. Como conseqüência, pacientes cetoacidóticos
freqüentemente apresentam hipercalemia. Além da insulinoterapia adequada, deve-se
realizar a fluidoterapia, associada ao potássio, uma vez que a re-hidratação do paciente
irá promover uma entrada de potássio para as células podendo ocorrer hipocalemia
severa em pacientes que já apresentavam algum grau de depleção de potássio. Pode-se
utilizar a terapia com bicarbonato e fosfato associada a fluidoterapia com objetivo de
reduzir a acidose e repor estes eletrólitos, que assim como o potássio estão sendo
perdidos na urina. No entanto, a insulinoterapia e a fluidoterapia são efetivas em
promover, sozinhos, a reversão do quadro acidótico. A cetose e cetonúria cessam após
alguns dias comumente. A cetoacidose diabética é uma das terapias metabólicas mais
desafiadoras da medicina veterinária, e apesar de todos os cuidados alguns casos virão a
Figura 14. Paciente diabética em estado semi-comatoso secundário a quadro de óbito invariavelmente. Cerca de 30% dos animais com cetoacidose severa morrem ou
cetoacidose diabética. Observar o abaulamento torácico secundário a hiperinsuflação
pulmonar durante a inspiração na respiração tipo Kussmaul. sofrem eutanásia durante a hospitalização inicial.

As metas no tratamento do paciente com cetoacidose diabética são: 1) Acredita-se que quatro alterações principais estejam envolvidas no aumento da
fornecimento de quantidades adequadas de insulina para a normalização do metabolismo cetogênese, e na gliconeogênese, sendo eles a deficiência de insulina, excesso de
intermediário; 2) restauração das perdas de água e eletrólitos, 3) correção da acidose, 4) hormônios diabetogênicos, jejum e desidratação. A deficiência de insulina é essencial
identificação dos fatores precipitantes e 5) fornecimento de substratos como carboidratos para o início da lipólise, e na presença de insulina os ácidos graxos são incorporados nos
quando o tratamento com insulina solicitar isto. O tratamento apropriado não implica em triglicerídeos no fígado. Os ácidos graxos não esterificados liberados do tecido adiposo
são utilizados extra-hepaticamente como combustíveis oxidativos, e também são
6
Nota do Autor: A respiração do tipo Kussmaul, refere a um padrão respiratório profundo e acelerado, associado a assimilados pelo fígado, numa velocidade dependente de sua concentração plasmática.
acidose metabólica intensa, especialmente cetoacidose diabética e insuficiência renal, configurando um padrão
hiperventilatório que objetiva tentar aumentar o pH sanguíneo pela maior excreção de dióxido de carbono. Este padrão Na deficiência de insulina o mecanismo de transporte da carnitina para transportar os
recebe o nome de respiração tipo Kussmaul, por sua descrição ter sido realizada pelo Médico alemão Adolph Kussmaul
em 1874. ácidos graxos para o interior das mitocôndrias fica cada vez mais ativado. Nas

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mitocôndrias, a beta-oxidação dos ácidos graxos libera uma grande quantidade de acetil- tempo a glicose, corpos cetônicos e íons hidrogênio na circulação. O aumento na
CoA. O acetil-CoA se conjugaria com o oxalacetato (OAA) para entrar no ciclo de Krebs osmolaridade sangüínea contribui com a desidratação por promover a saída de líquidos
como fonte de energia, porém, como boa parte do OAA foi desviada para gliconeogênese, das células, levando a desidratação celular e eventual coma e morte.
o acetil-CoA é desviado para a formação de ácido acetoacético, que é liberado para a
circulação. O ácido acetoacético ainda é metabolizado até ácido b-hidroxibutírico, e a O tratamento da CAD visa repor os déficits de volume e eletrólitos corrigindo
acetona, forma-se por descarboxilização espontânea do acetoacetato. Estes três corpos assim a perfusão tecidual, o estado ácido-base, e a glicemia. Um paciente com
cetônicos são os responsáveis pela cetoacidose diabética. diagnóstico de CAD deve iniciar uma fluidoterapia agressiva tão logo quanto possível, na
dose de 90 – 120 mL/kg a cada 24 horas (ou até duas vezes o volume calculado de
Estes corpos cetônicos são importante fonte de energia durante o jejum, e cerca manutenção), de acordo com o grau de desidratação do paciente. A solução de escolha é
de metade da taxa metabólica de cães normais em jejum provém das cetonas. No a solução salina (NaCl 0,9%), sendo que metade do volume calculado para administração
entanto, a deficiência de insulina reduz a captação de corpos cetônicos pelo tecido nas primeiras 24 horas deve ser administrado nas 4 a 6 horas iniciais de tratamento. O
muscular, contribuindo para o acúmulo destes metabólitos na corrente circulatória. A paciente deve apresentar um bom fluxo urinário frente a esta medida. O contrário pode
maior parte dos íons hidrogênio liberados a partir do acetoacetato e b-hidroxibutirato é indicar insuficiência renal aguda. A fluidoterapia inicial já deve conter potássio na forma de
tamponado pelos sistemas tampão do organismo, mas ainda assim ocorre uma severa cloreto de potássio (KCl), uma vez que a correção do estado ácido-básico irá promover o
acidose metabólica em resposta a grande quantidade de corpos cetônicos na circulação. retorno do potássio para o meio intra-celular, predispondo a hipocalemia limitante a vida
em alguns casos. Além disso, muitos animais podem se apresentar hipocalemicos apesar
O excesso de glucagon, catecolaminas, cortisol e hormônio do crescimento da acidose, em decorrência de perda urinária de potássio pela poliúria, e da perda de
exacerbam a hiperglicemia e a cetogênese, levando rapidamente a acidose metabólica, potássio pelos vômitos. Idealmente, a dose de potássio a ser suplementada pode ser
perda de líquidos e hipotensão. O organismo aumenta a produção destes hormônios em calculada com base na mensuração do potássio sérico. Contudo, na maioria das rotinas
resposta a uma ampla variedade de situações de tensões físicas ou mentais. A presença clínicas este não é um exame de resultado prontamente disponível, e a administração
de doenças intercorrentes, como pancreatite e cistite estão freqüentemente envolvidas na empírica de 40 mEq/L de KCl é apropriada. De uma forma prática, a administração de 5
secreção destes hormônios e no desenvolvimento da cetoacidose diabética. mL de KCl a 10% para cada 500 mL de NaCl 0,9% promove uma suplementação segura
de potássio. É importante salientar que o potássio deve ser suplementado sempre,
A excreção dos corpos cetônicos na urina contribuí na formação de um gradiente mesmo que não se saiba o valor do potássio do paciente. Ao saber o valor o que pode-se
osmótico com conseqüente diurese osmótica. A urina torna-se ácida, e quando os rins é ajustar a quantidade a repor, de forma que quanto mais baixo o potássio, mais alta a
não conseguem mais repor os cátions plasmáticos que acompanham os corpos cetônicos dose de potássio a ser suplementada.
aniônicos com íons H+ e NH4+, ocorre à perda de íons como sódio e potássio carregados
positivamente na urina. As perdas eletrolíticas e de água levam a desidratação, A terapia com insulina tem o objetivo de reduzir gradativamente a glicemia e
hipovolemia e hipotensão. Associado a isto ocorre desidratação decorrente da redução na restabelecer o equilíbrio metabólico ao cessar o catabolismo protéico e lipólise, reduzindo
ingestão de líquidos em razão das náuseas e embotamento associados a assim a formação dos corpos cetônicos, no entanto, esta só deve ser iniciada após pelo
hiperosmolaridade e cetoacidose diabética. Os vômitos, diarréia e hiperventilação pioram menos um período de 2-3 horas de fluidoterapia, o que já terá sido suficiente para reduzir
o quadro, enquanto a desidratação causa contração do espaço intravascular, levando a um pouco, per se, a glicemia. A insulina utilizada no tratamento da CAD é a insulina
azotemia pré-renal e redução na taxa de filtração glomerular, o que mantêm por mais regular cristalina (insulina R) na dose inicial de 0,2 U/kg por via IM ou IV. Após passa-se a

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administrar a dose de 0,1 U/kg a cada hora até que se observe uma glicemia igual ou insulina adere ao plástico do equipo, e esta medida tende a saturar o equipo com insulina.
inferior a 250 mg/dL. Deve-se reduzir a dose de insulina caso observe-se que a glicemia A velocidade de infusão fica em torno de 10 mL/hora inicialmente, e a medida que a
esta reduzindo a uma taxa maior que 75 mg/dL por hora. A redução rápida da glicemia glicemia vai reduzindo, deve-se reduzir a velocidade de fluxo (glicemia entre 200 e 250
pode provocar edema cerebral. Isto ocorre porque o líquido cefalorraquidiano encontra-se mg/dL è 7 mL/h; glicemia entre 150-200 mg/dL è 5 mL/hora; glicemia 100-150 è 3
hiperosmótico, levando a desidratação neuronal. A redução rápida da glicemia promove a mL/h e finalmente quando glicemia menor que 100 mg/dL, interromper a infusão e iniciar
normalização da osmolaridade do líquido cefalorraquidiano e conseqüentemente uma com insulina intra-muscular como descrito acima, na dose de 0,1 a 0,4 U/kg a cada 4-6
rápida re-hidratação neuronal, podendo desencadear edema. horas. O interessante é que neste protocolo é adequado iniciar a infusão de fluido com
NaCl 0,45% + glicose a 2,5% quando a glicemia baixar de 250 mg/dL, devendo-se passar
Quando a glicemia chega a valores menores que 250 mg/dL, passa-se a a glicose 5% em NaCl 0,45% quando a glicemia menor que 100 mg/dL.
administrar a insulina na dose de 0,1 a 0,4 U/kg por via IM a cada 4 a 6 horas de acordo
com a flutuação na glicemia, que deve ser mensurada a cada 2 horas durante todo o O tratamento com reposição de bicarbonato só faz-se necessário naqueles casos
tratamento inicial da CAD. Além disso, a administração de glicose 2,5% é indicada para onde o pH sanguíneo esta abaixo de 6,9 e o tratamento inicial com fluidos não normalizou
auxiliar na reversão da cetose, uma vez que a glicemia é rapidamente controlada o pH. A identificação de quaisquer outras doenças associadas ao caso, que por ventura
normalmente, porém a cetose demora mais tempo. Uma infusão por uma via diferente de estejam comprometendo a terapia insulínica de pacientes já em tratamento, ou agravando
glicose a 2,5% é adequada, permitindo o ajuste no fluxo de infusão de glicose sem a CAD em pacientes recém diagnosticados é fundamental para obter-se uma boa
interferir no fluxo da solução de eletrólitos. O objetivo é manter a glicemia entre 200 e 300 resposta terapêutica. Pancreatites, infecções, quadros inflamatórios, insuficiência renal,
mg/dL. piometra e neoplasias são as doenças mais comumente associadas. Aproximadamente
70 a 80% dos pacientes apresentados com CAD recuperam-se bem e sobrevivem ao
A partir do momento que o paciente estiver bem hidratado, a insulina R pode ser tratamento.
aplicada por via sub-cutânea. Durante todo o tratamento o paciente deve permanecer com
livre acesso à água, o que pode acelerar a re-hidratação e normalização da volemia e REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
acidose. A partir do momento em que o paciente encontra-se com a glicemia controlada, e 1) BAGDADE, J.D.; ROOT, R.K.; BULGER, R.J. Impaired leukocite function in patientes
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de equipamentos como uma bomba de infusão (infusão contínua de insulina), o que pode 4) BEAM, S.; CORREA, M.T.; DAVIDSON, M.G. A retrospective-cohort study on the
limitar a aplicabilidade destes protocolos. Nestes protocolos administra-se uma dose de development of cataracts in dogs with diabetes mellitus: 200 cases. Veterinary
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importância. O feocromocitoma (tumor da medula adrenal secretor de adrenalina) é uma
situação de hiperfunção da medula adrenal com repercussões limitantes a vida. Com
relação ao córtex da adrenal, alguns quadros clínicos podem apresentar-se frente à
deficiência, ou excesso de determinados corticosteróides (hormônios esteróides
sintetizados pelo córtex).

1.1 Anatomia e Histologia das Adrenais

As glândulas adrenais estão localizadas adjacentes à face medial de cada rim, no


espaço retro-peritoneal, em contato íntimo com a artéria Aorta no lado esquerdo, com a

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veia Cava Abdominal no lado direito, e com as artérias Frênico-abdominais de ambos concentração sanguínea dos corticosteróides. Contudo, a aldosterona (principal
lados. Além disso, as glândulas normalmente estão cobertas por tecido adiposo perirenal mineralocorticóide secretado pela zona glomerulosa), apresenta outros mecanismos de
(Figura 1). Histologicamente, as glândulas adrenais são divididas em duas camadas controle da secreção. Após cerca de 1 hora de um pico de secreção de ACTH, segue-se
distintas: o córtex, e a medula. O córtex adrenal é sub-dividido em três zonas um pico na secreção de cortisol (principal glicocorticóide secretado pela zona
histologicamente distintas: 1) zona glomerulosa (produção de mineralocorticóides), 2) fasciculada). O cortisol apresenta a capacidade de inibir as secreções do CRH em nível
zona fasciculada (produção de glicocorticóides) e 3) zona reticular (produção de hipotalâmico, e do ACTH em nível hipofisário, em um mecanismo de retro-alimentação
esteróides sexuais, basicamente andrógenos). A medula adrenal representa um gânglio negativa clássico. Ao passo que em humanos, um ritmo circadiano de secreção de
simpático modificado, secretando basicamente adrenalina (cerca de 80% de sua cortisol é bem definido, com pico de secreção pela manhã e com alguns picos menores
secreção) em resposta a um estímulo, ao invés de noradrenalina, como fazem os de secreção ao longo do dia, nos cães e gatos tal padrão não é observado.
terminais simpáticos pós-ganglionares.
1.2.2 Esteroidogênese
1.2 Fisiologia do Córtex Adrenal
Todos os hormônios sintetizados pelo córtex da adrenal são derivados do mesmo
1.2.1 Eixo hipotálamo-hipófise-adrenal precursor, o colesterol. O mesmo acontece com os hormônios secretados pelos ovários
(progesterona e estradiol) e pelos testículos (testosterona). Por esta razão, este grupo de
O córtex adrenal esta sob controle majoritário do eixo hipotalâmico-hipofisário. No hormônios é chamado de hormônios esteróides. Neste processo, cada zona do córtex
hipotálamo, o núcleo paraventricular apresenta uma série de neurônios secretores de adrenal secreta um distinto sub-grupo de hormônios (glicocorticóides, mineralocorticóides,
CRH (hormônio liberador de corticotrofina), que disparam potenciais de ação e esteróides sexuais), em decorrência da expressão diferencial de enzimas envolvidas no
conseqüentemente secretam CRH, frente a uma série de estímulos estressores. Estes processo de metabolização dos derivados do colesterol. Uma vez estimulada a glândula,
estressores podem ser fisiológicos e sistêmicos (estresse osmótico, citocinas, hipóxia, o colesterol é clivado de sua cadeia lateral pela enzima colesterol desmolase, originando
hemorragia, hipoglicemia) ou estressores neurogênicos (medo, ansiedade, confinamento, a pregnenolona. A pregnenolona pode ser convertida até dehidroepiandrosterona (DHEA
contenção). As aferências que estimulam estes neurônios CRH provém de diversas áreas – um andrógeno), e DHEA sulfato, via enzimas 17-hidroxilase, C17-20 liase e
do sistema nervoso central (SNC). sulfotransferase. A pregnenolona ainda pode ser convertida a progesterona via 3β-
hidroxiesteroide desidrogenase. A partir da progesterona, as enzimas 21-hidroxilase e
Uma vez secretado na eminência mediana da hipófise, o CRH entra no sistema aldosterona sintase, sintetizam a aldosterona (sendo a desoxicorticosterona e a
vascular portal hipofisário, por onde chega até a adeno-hipófise (hipófise anterior). Na corticosterona os intermediários). O cortisol é sintetizado basicamente a partir da 17α-OH
adeno-hipófise, o CRH atua sobre receptores de membrana de uma população celular progesterona como resultado da ação das enzimas 21-hidroxilase e 11β-hidroxilase.
distinta; os corticotrofos. Estas células, frente ao estímulo do CRH, secretam um hormônio
protéico chamado hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), ou seja, o hormônio estimulador Sumarizando, os principais mineralocorticóides secretados pela zona glomerulosa
do córtex da adrenal. são a aldosterona e a desoxicorticosterona, ao passo que os principais glicocorticóides
secretados pela zona fasciculada são o cortisol, a cortisona e a corticosterona. Os
O ACTH atua sobre o córtex adrenal estimulando a manutenção e funcionamento principais andrógenos secretados pela zona reticular são a DHEA, DHEA sulfato e a
deste tecido. De uma forma geral, após a secreção do ACTH ocorre um aumento na androstenediona. De uma forma geral, o ACTH estimula estas reações de forma mais ou

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menos importante de acordo com a zona do córtex, sendo seu efeito mais pronunciado efeitos, os glicocorticóides inibem a expressão de uma série citocinas, promovendo uma
sobre a zona fasciculada e a síntese de glicocorticóides. Os glicocorticóides são assim inibição do sistema imune. Na hipófise, por exemplo, o cortisol inibe a síntese do ACTH,
chamados por seus efeitos serem basicamente sobre o metabolismo energético e da promovendo uma retroalimentação negativa. Ao contrário, a aldosterona atua
glicose, enquanto os mineralocorticóides atuam basicamente sobre o equilíbrio eletrolítico, aumentando a expressão de bombas de sódio e potássio nas células tubulares renais,
e conseqüentemente da água. aumentando a capacidade de reabsorção de sódio.

1.2.3. Efeitos dos corticóides Os glicocorticóides apresentam uma série de efeitos metabólicos e são
fundamentais a vida, apesar de não iniciarem propriamente nenhum processo metabólico,
Na circulação, os hormônios esteróides necessitam estar ligados a proteínas mas sim atuarem de forma permissiva a que outros processos metabólicos ou
plasmáticas, como a proteína ligadora de corticosteróides (CBP), ou a albumina, por circulatórios aconteçam de forma plena. Sobre o metabolismo intermediário, os
exemplo, em decorrência de suas características lipofílicas. Somente a fração livre pode glicocorticóides exercem efeitos anabólicos, mas principalmente catabólicos. Este
interagir com os receptores celulares, e a ligação a proteínas atua como um reservatório catabolismo visa favorecer a transformação de proteínas em glicose através da
do hormônio na circulação. Situações que cursem com aumento na síntese destas gliconeogênese, processo fundamental para manutenção da glicemia em situações de
proteínas ligadoras (aumentos no estradiol, por exemplo) podem fazer com que ocorra jejum. Além de aumentar a produção de glicose e inibir a síntese protéica, os
uma concentração elevada de dado esteróide no sangue, porém sem haver sinais clínicos glicocorticóides ainda inibem a ação da insulina, reduzindo a utilização periférica da
de uma hiperfunção glandular, uma vez que a fração livre do hormônio é pequena. O glicose. No metabolismo das gorduras, o cortisol aumenta a mobilização de glicerol e
contrário pode ocorrer em síndromes associadas a menor função hepática, por exemplo, ácidos graxos (aumenta a lipólise) como fonte de energia para a gliconeogênese. Além
(cirrose, insuficiência hepática). A menor síntese de proteínas ligadoras (CBP, albumina) disto, também ocorre a inibição da lipogênese. Contudo, o cortisol consegue apresentar
faz com que uma maior proporção do hormônio esteja na forma livre, apesar da efeitos lipogênicos ao aumentar o apetite e a deposição de gordura nas regiões centrais e
concentração total do hormônio estar dentro dos valores de referência. Contudo, nestas no tronco. Em situações de hipercortisolismo, por exemplo, as extremidades perdem
situações, o paciente poderá manifestar sinais clínicos de uma hiperfunção glandular. gordura, enquanto o tórax e abdômen ficam repletos dela.
Tipicamente, quando existe uma hiperfunção glandular, a secreção de dado hormônio é
tão grande que ocorre a saturação da capacidade de ligação destas proteínas, resultando No sistema cardiovascular, o cortisol é necessário para manter a integridade e
numa exagerada concentração do hormônio na forma livre com conseqüente exacerbação responsividade vascular, assim como para preservar o volume de fluidos corporais. Frente
de seus efeitos. à deficiência de cortisol ocorre uma vasodilatação anormal, levando a uma ampla redução
relativa do volume vascular mesmo sem perda de fluidos. Ao contrário, estados de
Ao interagir com as células, os corticóides atravessam livremente as membranas hipercortisolismo, são freqüentemente associados à hipertensão. Além disso, a função
celulares devido a suas características apolares. Dentro das células estes hormônios renal é dependente de cortisol, e a taxa de filtração glomerular é prejudicada em sua
interagem com receptores citoplasmáticos e nucleares. Uma vez ligado ao receptor, o ausência, e a capacidade de concentrar a urina é reduzida frente ao seu excesso (inibição
complexo hormônio-receptor liga-se ao DNA, interagindo com seqüências de DNA da secreção e ação do ADH). No sistema imune, os glicocorticóides suprimem processos
chamadas de elementos responsivos a corticóides. A partir daí uma série de fatores inflamatórios e a resposta imune. Desta forma frente ao excesso de cortisol, por exemplo,
ativadores e repressores de transcrição são recrutados, resultando na alteração do ocorre uma predisposição a infecções oportunistas e a supressão de processos
padrão de expressão de determinadas proteínas. Por exemplo, dentre seus inúmeros inflamatórios. No sistema nervoso central, o cortisol modula a percepção e as emoções. A

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deficiência de glicocorticóides atenua as sensações de paladar, olfato e audição, além de abertura de canais de sódio na membrana apical das células dos tubos renais, e
promover a perda do apetite, ao contrário do excesso de glicocorticóides, que está estimulação da bomba de sódio e potássio – Na+,K+ ATPase) além de efeitos tardios,
associado à euforia e aumento no apetite. como o estímulo à transcrição dos diferentes componentes destas proteínas envolvidas
na reabsorção do sódio. O gradiente para reabsorção do sódio que a bomba de sódio e
Os mineralocorticóides atuam basicamente sobre os rins, mas também podem potássio cria na membrana basolateral faz com que o potássio seja eliminado para a
exercer seus efeitos sobre as glândulas salivares e sudoríparas, estimulando a urina. A Na+,K+ ATPase troca constantemente 3 sódios por 2 potássios, sendo que o
reabsorção de sódio. Além disso, a aldosterona também estimula a reabsorção de sódio potássio é transferido do meio extra-celular para o meio intra-celular, ao passo que o
das fezes. Na ausência destes corticóides, o estado hídrico e eletrolítico é bastante sódio faz o caminho inverso. Desta forma, cria-se um gradiente para a reabsorção do
alterado, apesar de que, se suficientes quantidades de glicocorticóides estiverem sódio a partir do fluído tubular, enquanto o potássio vai sendo excretado para a urina. A
presentes, estes podem exercer papel de mineralocorticóide prevenindo a depleção de reabsorção do sódio aumenta a concentração deste íon no plasma, conseqüentemente
eletrólitos e fluídos. Isto é possível porque os glicocorticóides apresentam a capacidade levando a um aumento na osmolaridade, o que estimula a secreção do ADH e provoca
de se ligar a receptores de mineralocorticóides, porém com menor afinidade. A Tabela 1 sede. De forma conjunta, estes efeitos visam aumentar o volume hídrico corporal.
apresenta as potências relativas de diferentes corticosteróides naturais e sintéticos com
relação à atividade glico ou mineralocorticóide. Os andrógenos adrenais representam a terceira classe de esteróides adrenais.
Apesar do principal andrógeno adrenal ser a DHEA e seu derivado sulfatado DHEA-
Tabela 1. Potência relativa dos esteróides naturais da adrenal e alguns derivados sulfato, nenhum deles é capaz de ativar o receptor de androgênios. No entanto,
sintéticos frente à atividade glicocorticóide e mineralocorticóide. perifericamente pode ocorrer a interconverção destes hormônios a testosterona. A
Esteróide Atividade Glicocorticóide Atividade Mineralocorticóide androstenediona também pode ser alvo deste processo, contudo a androstenediona pode
Cortisol 1,0 1,0 sofrer aromatização periférica, dando origem a estrógenos (estrona, estriol, estradiol). O
Prednisona 4 0,5 tecido adiposo apresenta um importante papel nesta transformação. Pelo menos na
6α-Metilprednisona 5 0,5 espécie humana, mulheres obesas tendem a masculinização frente a maior conversão de

Triamcinolona 5 < 0,1 DHEA à testosterona na periferia, enquanto homens obesos tendem a feminilização em

Dexametasona 30 < 0,1 decorrência da maior conversão de androstenediona a estrógenos pelo tecido adiposo,

Aldosterona 0,25 500 que passa a super-expressar enzimas conversoras frente à obesidade. O papel fisiológico

Desoxicorticosterona 0,01 30 destes andrógenos, bem como o controle de sua secreção ainda são pouco

9α-Fluorocortisol 10 500 compreendidos, apesar de que o ACTH aumenta a secreção destes. No entanto, outros
fatores parecem estar envolvidos. Em pacientes gonadectomizados, os andrógenos
adrenais tornam-se a única fonte de hormônios sexuais, apesar de estes não
A aldosterona é um mineracorticóide extremamente potente, sendo necessária
apresentarem importância clínica maior. A exceção é quando eles estão sendo
uma mínima concentração no sangue para exercer seus efeitos. Além disto, não existe
secretados de forma exagerada (tumores adrenais, p. ex.), sendo que não há
uma proteína ligadora específica, sendo que a maior parte da aldosterona no plasma
necessidade de reposição destes frente a uma insuficiência adrenal. Em fêmeas primatas,
encontra-se na forma livre. Uma vez que o hormônio interage com seu receptor, induz
após a menopausa, o córtex adrenal torna-se a única fonte de esteróides sexuais.
uma série de efeitos rápidos (fosforilação de proteínas intra-celulares que levam a

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1.2.4 Controle da secreção da aldosterona (sistema renina-angiotensina- que resultam em uma maior secreção do hormônio. Como resultado, uma maior carga de
aldosterona) potássio passará a ser excretada na urina. O ACTH, também estimula a secreção de
aldosterona, mas seu efeito é pequeno, e este hormônio apresenta um papel muito mais
Como a ação da aldosterona é basicamente nos rins, é esperado que o principal trófico sobre a zona glomerulosa, do que propriamente um estímulo para a secreção.
estímulo para sua secreção venha dos rins. A percepção de uma menor pressão de
filtração pelas células do aparelho justaglomerular nos rins leva a secreção de uma 1.3 Fisiologia da Medula Adrenal
proteína proteolítica chamada renina. Estas células do aparato justaglomerular são
células modificadas na parede das arteríolas aferentes e são na verdade uma espécie de As catecolaminas (adrenalina e noradrenalina) são os hormônios secretados pelo
baroreceptor. Outros estímulos para a secreção de renina são alterações na concentração sistema nervoso simpático. Conceitualmente a noradrenalina é mais secretada como
de sódio e cloreto, percebidos pela mácula densa, e estímulo simpático via enervação neurotransmissor nos terminais simpáticos pós-ganglionares, podendo chegar na
aferente no aparelho justaglomerular. Uma vez secretada, a renina, atua sobre o circulação frente a uma hiperestimulação simpática, ao passo que a adrenalina é o
angiotensinogênio hepático, clivando-o em um pequeno peptídeo, a angiotensina I principal hormônio secretado pela medula adrenal frente a situações de estresse,
(decapeptídeo – 10 resíduos de aminoácidos). Ao longo de todo endotélio, mas preparando o organismo para situações de luta ou fuga. Os efeitos das catecolaminas são
principalmente no endotélio pulmonar, a angiotensina I é clivada a angiotensina II mediados por receptores periféricos do tipo α e do tipo β, os quais normalmente
(octapeptídeo – 8 resíduos de aminoácidos) pela enzima conversora de angiotensina apresentam efeitos antagônicos (p. ex. vasoconstrição-α contra vasodilatação-β).
(ECA). A ECA é um dos principais alvos farmacológicos no controle da hipertensão
através da inibição de sua atividade com drogas como o enalapril e benazepril. As catecolaminas são sintetizadas a partir do aminoácido tirosina que sofre
diversas transformações até dar origem à noradrenalina e adrenalina (tirosina è
A angiotensina II apresenta diversas funções fisiológicas, todas com o objetivo de dihidroxifenilalanina (DOPA) è dopamina è noradrenalina è adrenalina). O sangue que
aumentar o volume hídrico corporal e a concentração de sódio. O nome deste hormônio, irriga a medula é oriundo do córtex adrenal, e apresenta uma elevada concentração de
fala muito sobre sua ação. A angiotensina II é uma dos vasoconstritores mais potentes cortisol. Este estimula fortemente a expressão da enzima PNMT, responsável pela
conhecidos (angio = vaso, tensina = tensor), e provoca uma forte vasoconstrição das transformação da noradrenalina em adrenalina. A taxa de síntese das cetacolaminas é
arteríolas aferentes. Além disso, a angiotensina II também é um potente dipsinogênico, regulada pela ação da enzima limitante tirosina hidroxilase, que transforma a tirosina em
promovendo a busca por água e sensação de sede, além de estimular a secreção do DOPA. A secreção das catecolaminas, indiferente se nos terminais simpáticos pós-
ADH. Contudo seu principal efeito é de estimular a síntese e secreção de aldosterona ganglionares ou na medula adrenal, ocorre por despolarização das células pós-
pela zona glomerulosa do córtex adrenal. A aldosterona então, irá aumentar a reabsorção ganglionares após estímulo da acetilcolina liberada pela fibra pré-ganglionar.
de sódio, e atuar sinergicamente com o ADH e angiotensina II no sentido de aumentar a
pressão arterial e o volume hídrico corporal. Os receptores α e β, e seus diferentes sub-tipos (α1, α2, β1, β2, β3) estão
presentes em diversos tecidos, garantindo uma ação ampla das catecolaminas. Estas
Uma vez que a excreção do potássio é um dos efeitos da aldosterona, um dos ações incluem estado de alerta, dilatação das pupilas, piloereção, sudorese, dilatação
estímulos para sua secreção, são justamente situações de hipercalemia. Concentrações bronquial, taquicardia, inibição da musculatura lisa no trato gastro-intestinal, constrição de
elevadas de potássio estimulam a secreção de aldosterona por promover a esfíncteres e relaxamento do miométrio. Do ponto de vista metabólico, para promover
despolarização das células da glomerulosa, com conseqüente fosforilação de proteínas combustível imediatamente, as catecolaminas aumentam a disponibilidade de glicose via

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glicogenólise e de ácidos graxos via lipólise. Como resultado destes efeitos, a taxa excessiva secreção de ACTH pela adeno-hipófise, caracterizando um
metabólica aumenta em 20 a 30%. Com relação aos efeitos cardiovasculares, a ação hiperadrenocorticismo pituitário-dependente (HPD). Como resultado ocorre uma
sobre os receptores α e β é amplamente utilizada na clinica médica. Por exemplo, o uso hiperplasia bilateral do córtex das adrenais, resultando em excessiva secreção de cortisol,
de β-agonistas para promover dilatação bronquial em casos de asma, ou o uso de β- e eventualmente outros hormônios/precursores esteroidais. Considera-se que mais de
bloqueadores no tratamento da hipertensão. Da mesma forma os agonistas endógenos 90% dos cães com HPD apresentem tumores hipofisários, normalmente adenomas,
adrenalina e noradrenalina são bastante empregados para controle de reações alérgicas originários na adeno-hipófise ou na pars intermedia. A peculiaridade da secreção de
e ressuscitação cardiopulmonar. De uma forma geral, a presença de uma deficiente ACTH pela pars intermedia é que esta se encontra sob controle neural, principalmente
função da medula adrenal não causa problemas, uma vez que a adrenalina responde por através de inibição dopaminérgica. A secreção de ACTH pela adeno-hipófise esta sob
somente 10% das catecolaminas circulantes, evidenciando a existência de outras fontes controle hipotalâmico pelo CRH.
de catecolaminas no sangue (p. ex. terminais nervosos pós-ganglionares). Contudo,
situações de super produção de catecolaminas, como evidenciado nos feocromocitomas As alterações patológicas observadas no HPD são basicamente três: 1)
(tumor da medula adrenal produtor de catecolaminas), pode promover complicações microadenomas (menores que 10 mm), que afetam mais de 80% dos cães com HPD; 2)
limitantes à vida em decorrência de hipertensão crônica, taquicardia, tremores, palpitação macroadenomas (maiores que 10 mm), que afetam cerca de 10 a 15% dos cães com
e nervosismo acentuado, além de resistência à insulina. HPD. Apesar de apresentar crescimento lento, estes tumores comprimem o resto da
glândula e às vezes se projetam dorsalmente para o hipotálamo, podendo levar a sinais
2. HIPERADRENOCORTICISMO (SÍNDROME DE CUSHING) neurológicos (raro). Podem ocorrer adenocarcinomas também, porém sua ocorrência
parece pouco comum. 3) Falha primária na resposta a retroalimentação negativa
O Hiperadrenocorticismo, também conhecido como hipercortisolismo ou síndrome promovida pelo cortisol. Nestes casos não há uma neoplasia associada a maior secreção
de Cushing, refere a um conjunto de sintomas decorrentes de um excesso de cortisol de ACTH e acredita-se que possa haver relação com desordens hipotalâmicas que
sanguíneo com repercussões nos mais distintos tecidos. A doença foi descrita pela venham a provocar uma hiperestimulação das células corticotróficas da adeno-hipófise,
primeira vez em humanos pelo neurocirurgião Harvey Cushing por volta de 1910, ou que exista uma hipersecreção de CRH pelo hipotálamo. De qualquer forma, o HPD
descrevendo uma pequena série de pacientes que apresentavam sinais clínicos de sempre esta associado à ruptura do eixo de controle hipotálamo-hipófise-adrenal, uma
hipercortisolismo, associado a pequenos tumores basofílicos na hipófise. Em cães, os vez que a maior produção de cortisol falha em inibir a secreção de ACTH. Caso contrário
primeiros relatos datam da década de setenta, e apesar de ser relativamente comum nas não haveria doença. Apesar desta maior taxa de secreção, como a liberação do ACTH é
rotinas clínicas, o hiperadrenocorticismo é uma moléstia considerada rara. A ocorrência episódica, normalmente a concentração basal de cortisol esta dentro do normal.
em felinos é ainda menos comum, com pouco mais de algumas dezenas de casos Clinicamente torna-se menos importante definir a patologia hipofisária, a menos que
descritos no mundo. O termo síndrome de Cushing aplica-se mais corretamente aos existam sinais neurológicos, ou estes venham a surgir durante o tratamento.
casos associados a tumores hipofisários.
Os restantes 15 a 20% dos cães com HAC de origem natural são causados por
2.1 Etiopatogenia tumores adrenocorticais unilaterais, ou ocasionalmente bilaterais, caracterizando um
hiperadrenocorticismo adreno-dependente (HAD). Os adenomas adrenocorticais são
O hiperadrenocorticismo (HAC) pode ser de ocorrência natural, ou iatrogênico. tumores benignos normalmente pequenos e bem circunscritos, normalmente não
No HAC de ocorrência natural, em cerca de 80 a 85% dos casos, o problema é uma invasivos, e não metastáticos. Cerca de 50% destes apresentam-se calcificados.

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Contudo, os carcinomas adrenocorticais são comumente grandes, invasivos (veia frênico- anormalidades que o animal vem apresentando, devem-se somente a idade (p. ex.
abdominal, cava abdominal, aorta, vasos renais) hemorrágicos e necróticos, muitas vezes dificuldades para subir escadas ou transpor obstáculos, cansaço, ofego, ganho de peso).
produzindo metástases nos pulmões, fígado e rins. A mesma proporção de Além disto, animais com hiperadrenocorticismo comumente não se apresentam
adenocarcinomas pode calcificar, e a ocorrência de adenomas e adenocarcinomas clinicamente doentes. Apesar de ocorrer em cães de qualquer raça, os Poodles,
adrenais parece apresentar a mesma freqüência. Dachshunds e Terriers em geral apresentam uma maior predisposição ao
desenvolvimento de HAC. Cães de raças pequenas estão mais propensos a desenvolver
Frente a hiperprodução de cortisol pelo tumor, ocorre uma inibição da secreção HPD, enquanto cães de porte maior (> 20 kg) estão mais propensos a desenvolver HAD.
de ACTH pela adeno-hipófise, uma vez que não há nenhuma anormalidade hipotalâmico-
hipofisária. Como conseqüência ocorre a atrofia do córtex da adrenal contra-lateral e do Com relação à idade, considera-se o HAC uma doença de cães de meia idade a
córtex ipsilateral não afetado pelo tumor. Isto se torna importante clinicamente quando se idosos, como uma amplitude de ocorrência extremamente ampla de 2 até 16 anos, com
programa uma adrenalectomia unilateral como forma de tratamento, uma vez que o uma média de 7-9 anos para HPD e amplitude de 6 até 16 anos com média 11-12 anos
paciente torna-se um hipoadrenocorticoideo a partir da retirada da adrenal tumoral. para HAD. É extremamente raro, e pouco provável, a ocorrência de HAC em um cão com
menos de 2 anos, contudo encontram-se alguns relatos na literatura. As fêmeas parecem
Outras causas de HAC incluem tumores adrenais associados ao HPD, tumores estar levemente mais predispostas ao desenvolvimento de HAC, especialmente na forma
adrenais bilaterais, e síndromes de secreção de ACTH ectópico. A síndrome do ACTH dependente da adrenal (tumores).
ectópico é mais comum em humanos e com somente um relato em cães. A síndrome
resulta de uma secreção anômala de ACTH por um tumor não-hipofisário, normalmente O Quadro 1 apresenta os sinais clínicos normalmente apresentados por cães
carcinomas pulmonares primários. Além destas causas, o hiperadrenocorticismo com HAC. A seguir, segue-se um breve discussão sobre a origem destes sinais. De uma
iatrogênico comumente é motivo de apresentação de pacientes com sinais clínicos de forma geral, dificilmente um cão com HAC irá apresentar todos os sinais clínicos
hipercortisolismo. Cada animal apresenta uma sensibilidade diferente a uma mesma dose esperados, podendo muitas vezes apresentar somente um, ou dois destes. A magnitude
de glicocorticóides exógenos. Tratamentos prolongados e com doses maiores (doenças destes dependerá do tempo de progressão da doença, bem como de características
auto-imunes e alérgicas) podem provocar mais facilmente sinais clínicos de individuais de cada indivíduo.
hipercortisolismo, muitas vezes limitando a continuidade do tratamento inicial. Contudo, é
interessante ressaltar que um paciente com hipercortisolismo iatrogênico apesar de Quadro 1. Sinais clínicos normalmente apresentados com cães com
manifestar clinicamente o excesso de glicocorticóides circulantes, na verdade pode ser hiperadrenocorticismo.
considerado um paciente com hipoadrenocorticismo iatrogênico, uma vez que se retirada Poliúria / polidipsia Polifagia
à fonte exógena de corticóides, ambas adrenais estão atrofiadas e uma crise addisoniana Aumento de volume abdominal Fraqueza muscular
pode precipitar. Redução na tolerância a exercícios Ofegação intensa
Letargia Obesidade
2.2 Apresentação e Sintomas Alopecia / rarefação pilosa Calcinose cutânea
Anestro persistente / atrofia testicular Intolerância ao calor
O HAC é uma doença de progressão lenta e insidiosa, normalmente sendo difícil Acne (piodermatite / comedões) Hiperpigmentação cutânea
a detecção dos sintomas pelos proprietários, que acreditam muitas vezes que as

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Exoftalmia Fragilidade vascular

A poliúria (presente em cerca de 85% dos casos) observada no HAC deve-se


basicamente a três mecanismos integrados: 1) Aumento do fluxo sanguíneo renal, com
conseqüente aumento da taxa de filtração glomerular, 2) Inibição da secreção de ADH
pelos valores elevados de cortisol e 3) interferência do cortisol na sensibilidade renal ao
ADH. Frente a maior perda hídrica e conseqüente desidratação, centros hipotalâmicos
envolvidos com o controle da osmolaridade detectam o aumento de osmolaridade
associada à desidratação e ativam o mecanismo da sede, com conseqüente polidipsia.
Ainda sim, muitos pacientes não conseguem manter a hidratação e apresentam-se
desidratados ao exame clínico. A polifagia é um efeito clássico do cortisol, aumentando o Figura 1. Fêmea Teckel com hiperadrenocorticismo evidenciando abdômen pendular.
apetite e pode ser observado em mais de 90% dos cães com HAC. No centro da fome no
hipotálamo, o cortisol estimula a expressão do neuropeptídeo Y (NPY), umas das
substâncias orexígenas mais potentes conhecidas. Como resultado os pacientes com
HAC comumente apresentam um apetite intenso, voraz e insaciável. Muitas vezes roubar
lixo, brigar com outros cães por causa de comida, ou às vezes até pedir de forma
agressiva pelo alimento são características detectadas na anamnese.

O abdômen pendular (potbellied), evidenciado nas Figuras 1, 2, 3 e 4 é o


principal marcador fenotípico do HAC canino, sendo responsável pelo fenótipo
“cushingnóide” e presente em mais de 80% dos cães com HAC. Quatro justificativas
explicam este padrão morfológico: 1) a hepatomegalia secundária à síntese e
armazenamento exagerado de glicogênio hepático faz pressão sobre a parede abdominal
ventral. 2) O cortisol apesar de lipolítico, quando em grandes quantidades promove
acúmulo de gordura intra-abdominal. 3) A maior produção de urina distende a bexiga.
Esta não consegue ser esvaziada completamente a cada micção porque o músculo
detrusor da bexiga esta sofrendo catabolismo. Conseqüentemente a bexiga fica flácida e Figura 2. Paciente Poodle com hiperadrenocorticismo apresentando intensa rarefação
pilosa, e um abdômen extremamente abaulado e flácido. Além disso, observa-se a
complacente. 4) A musculatura abdominal encontra-se atrofiada e com tônus reduzido musculatura esquelética dos membros posteriores extremamente atrofiada e hipotônica.
não suportando a pressão das vísceras abdominais.

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Figura 4. Paciente sem raça definida (SRD) com hiperadrenocorticismo com fraqueza
muscular intensa, impossibilitando o animal de adotar a postura em estação, ou até
mesmo posição de “esfinge”. O abdomen extremamente abaulado é nítido.

A maior taxa respiratória, associada normalmente à queixa de ofego continuo é


decorrente de uma série de fatores associados ao HAC (Figura 5). O fígado normalmente
encontra-se aumentado de volume, comprimindo o diafragma e limitando a capacidade de
expansão da cavidade torácica. O cortisol também aumenta a deposição de gordura
dentro do tórax, associado à proteólise da musculatura respiratória e a mineralização do
pulmão normalmente observada nestes casos a única estratégia para manter uma
adequada ventilação é justamente o aumento da freqüência respiratória. Por esta razão
estes animais apresentam intolerância ao calor. Estas limitações em conjunto levam o
Figura 3. Paciente Poodle com hiperadrenocorticismo com abdômen bastante abaulado e
com rarefação pilosa discreta. paciente à fadiga fácil e letargia. Normalmente estes cães não toleram grandes
caminhadas e às vezes a fraqueza muscular pode chegar a tal ponto que o paciente pode
A fraqueza muscular é resultado direto do efeito do cortisol. Como este é um não ter capacidade de manter a posição em estação, ou mesmo de adotá-la sozinho. A
hormônio gliconeogênico, parte de seus efeitos é mobilizar aminoácidos para a síntese de letargia e redução da atividade física reduzem o gasto calórico dos indivíduos, associado
glicose no fígado. Como resultado ocorre um catabolismo da musculatura esquelética, a ingesta exagerada de alimentos, especialmente se a quantidade diária oferecida é maior
levando o paciente a desenvolver dificuldades para transpor obstáculos, como subir que o necessário ou é de acesso livre, resultam em ganho de peso e obesidade (Figura
escadas, entrar no carro ou subir em um sofá ou cama, associado a uma hipotonia 3 e 4). A obesidade verdadeira ocorre em cerca de 50% dos cães com HAC.
muscular (Figuras 2 e 4). Estes sinais são verificados em 75 a 85% dos casos. Da mesma
forma, a intolerância aos exercícios acompanha os sintomas não só pela limitação
muscular, mas também pela limitação respiratória, e às vezes cardiovascular.

Figura 5. Paciente SRD com hiperadrenocorticismo levada inicialmente ao veterinário


com a queixa de ofego intenso e intermitente em um dia de calor. Observar a densidade
dos pêlos no flanco pouco afetada.

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Em decorrência da idade avançada e do sobrepeso identificados em uma gonadotrofinas LH e FSH. Nos machos, o resultado deste padrão é uma discreta
proporção significativa de casos de HAC, muitos destes animais podem apresentar feminilização, associada a menor libido, atrofia testicular e menores concentrações de
alterações articulares, como atroses e artrites. Contudo o hipercortisolismo normalmente testosterona de origem testicular em cães com HAC. Nas fêmeas, o mesmo processo
mascara os sinais relacionados a estes problemas em decorrência de seus efeitos anti- ocorre, e o resultado desta retroalimentação negativa suprimindo a secreção de LH e FSH
inflamatórios. Além disto, o catabolismo promovido pelo cortisol em excesso pode muitas resulta em supressão do ciclo estral e anestro persistente. Normalmente, o período de
vezes predispor a rupturas de ligamento cruzado e luxações de patela, sem uma anestro corresponde ao tempo de evolução do HAC, e pode ser um dado interessante
maior manifestação de dor ou desconforto frente ao problema. O tratamento do HAC pode para estimar quanto tempo de evolução de doença o paciente apresenta no momento da
muitas vezes “desmascarar” estes sinais e o paciente passar a apresentar claudicação, avaliação inicial. A maior produção de andrógenos adrenais promove uma virilização das
posterior a normalização do cortisol. Os proprietários devem ser avisados disto antes do fêmeas afetadas, algumas delas chegando a apresentar hipertrofia de clitóris.
início do tratamento.
2.2.1 Marcadores cutâneos do hiperadrenocorticismo canino

Cães com HAC apresentam uma série de marcadores cutâneos, que podem
estar presentes em diferentes graus de acordo com o tempo de evolução da doença e de
características raciais e imunológicas. De uma forma geral, os sinais cutâneos são
bastante comuns e normalmente não são associados a prurido. A alopecia / rarefação
pilosa observada nos cães com Cushing é um sinal bastante freqüente relatado pelos
donos e na maior parte das vezes é nitidamente visível um padrão de alopecia simétrica
bilateral (Figuras 7 e 8). Este padrão é resultado da atrofia dos folículos pilosos promovida
pelos efeitos catabólicos do cortisol. Cães com pêlos mais grossos apresentam certa
resistência a alopecia em decorrência dos folículos mais robustos (Figura 9).
Normalmente observa-se uma atrofia do aparato pilo-sebáceo adjacente ao folículo e
deposição de queratina nos folículos atrofiados (comedões). A ocorrência destes
comedões é mais comum ao redor dos mamilos e vulva, mas podem ocorrer em qualquer
Figura 6. Radiografia ventro-dorsal de uma paciente Poodle com hiperadrenocorticismo. parte do tronco e abdômen (Figura 10). Este padrão de alopecia pode ser discreto,
Observar a compressão torácica causada pela hepatomegalia, cardiomegalia, e grande
quantidade de gordura intra-abdominal e subcutânea. O espaço torácico encontra-se envolvendo somente extremidades de acidentes ósseos, bem como ser mais
extremamente reduzido, sendo um fator importante na gênese da taquipnéia evidenciada generalizada, afetando flancos, períneo e abdômen. Contudo, de uma forma geral, a
pela paciente.
cabeça e extremidades tendem a manter os pêlos. Dachshunds podem apresentar
Com relação aos aspectos reprodutivos, normalmente ocorre uma maior alopecia nas orelhas, e normalmente raças com pêlos mais duros, tendem a manifestar
secreção de andrógenos pela adrenal nos casos de HAC. Como resultado elevadas menor perda de pêlos, uma vez que os folículos são mais robustos. Áreas da pelagem
concentrações de DHEA são secretadas para a circulação, sendo convertida na periferia que sofram tricotomia tendem a apresentar um crescimento piloso nulo, ou os pêlos que
a androstenediona (outro precursor androgênico). Como resultado final, ocorre uma maior crescem novamente são muito finos, esparsos e frágeis (Figura 10).
retroalimentação negativa sobre hipotálamo-hipófise, resultando em menor secreção das

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Figura 7. Paciente Poodle com hiperadrenocorticismo evidenciando intensa alopecia Figura 9. Macho Teckel com hiperadrenocorticismo evidenciando aumento de volume
bilateral simétrica no pescoço, tronco e abdômen, com as extremidades e cabeça abdominal e ausência de alopecia.
preservados.

Figura 10. Distribuição discreta de comedões na região inguinal e ao redor dos mamilos
Figura 8. Paciente Poodle com hiperadrenocorticismo evidenciando rarefação pilosa de uma Poodle com hiperadrenocorticismo.
bilateral discreta.

Um dos principais marcadores cutâneos do hiperadrenocorticismo canino é a


atrofia cutânea, resultado direto dos efeitos catabólicos do cortisol. O mesmo princípio
que leva a atrofia da musculatura ocorre também na pele, onde as proteínas constitutivas
deste tecido (colágeno e elastina) passam a sofrer catabolismo em prol da

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gliconeogênese. A atrofia cutânea é um achado bastante freqüente nos pacientes


afetados e fica bastante nítida na pele ventral do abdômen (Figuras 12). Além disto,
muitas vezes a pele demonstra-se com uma elasticidade maior que o normal (Figura 13),
em decorrência da atrofia, podendo chegar a romper-se por tração.

Figura 12. Atrofia cutânea em uma Poodle com hiperadrenocorticismo. É possível


observar um fio de nylon logo abaixo da pele extremamente afinada, oriundo da sutura
pós-ovariohiesterectomia realizada anos antes.

Figura 11. Ausência de crescimento piloso 3 meses após tricotomia para realização de
uma ecografia abdominal em uma Poodle com hiperadrenocorticismo.

Este afinamento cutâneo permite a fácil visualização dos vasos subcutâneos, que
normalmente encontram-se bastante dilatados, caracterizando a telangiectasia (Figura
14). Este afinamento cutâneo, associado à apatia e pouca mobilidade dos cães com HAC,
muitas vezes pode levar a formação de úlceras de decúbito (Figura 14). Estas lesões Figura 13. Dobermann Pincher com hiperadrenocorticismo evidenciando intensa atrofia
cutânea, associada a maior elasticidade da pele, rarefação pilosa evidente e abdômen
comumente tornam-se infectadas e necessitam de cuidados intensivos, além da abaulado.
necessidade de tratamento do HAC para facilitar a resolução das lesões. Um problema
observado com certa freqüência é a fragilidade vascular, resultado do efeito catabólico A imunossupressão típica do hipercortisolismo determina a frequente ocorrência
dos glicocorticóides, e manifesto por formação de grandes hematomas após venipunções, de piodermatites primárias (presentes em cerca de 55% dos casos) nestes pacientes.
ou acidentes pequenos, como mordidas ou traumas contusos (Figura 15). De uma forma Este estado imunológico também predispõe a manifestação de demodiciose e
geral, esta fragilidade é a mesma que a observada na pele como um todo, que encontra- dermatofitose em cães adultos (Figura 16). Estas enfermidades são doenças comuns em
se fina e facilmente machucável. filhotes e sua identificação em cães adultos pode indicar estados de imunossupressão
como o HAC. Muitos cães com HAC (cerca de 30%) apresentam sinais de seborréia seca

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ou oleosa. Como dito anteriormente, raramente as lesões cutâneas observadas no HAC


causam prurido. Prurido moderado a intenso em um cão com HAC não tratado pode
muitas vezes estar associado à escabiose.

Figura 15. Fragilidade vascular em uma Poodle com hiperadrenocorticismo. Observar a


formação de um acentuado hematoma na superfície ventral do peito e pescoço da
paciente.

Figura 14. Telangiectasia na pele abdominal de uma fêmea Poodle com


hiperadrenocorticismo. A dilatação dos vasos abdominas e mamários é evidente. Além
disto, observa-se uma úlcera de decúbito contaminada no centro do abdômen.

A calcinose cutânea é uma alteração pouco comum, porém bem descrita


associada ao HAC canino (Figuras 17 e 18). Estas lesões formam placas firmes,
irregulares sobre ou abaixo da pele de forma semelhante a como se tecido ósseo
estivesse substituindo a pele normal. Comumente estas lesões surgem na região
temporal do crânio, linha média dorsal, pescoço, abdômen ventral e região inguinal. A
calcinose representa uma calcificação distrófica, sendo que os mecanismos envolvidos
ainda não foram completamente elucidados. Recentemente foi demonstrado que cães
com HAC apresentam um hiperparatireodismo secundário, com os elevados valores de Figura 16. Piodermatite e dermatofitose generalizada em uma Boxer com
hiperadrenocorticismo secundário a tumor adrenocortical.
PTH (paratormônio) podendo estar exercendo algum papel com as anormalidades no
metabolismo do cálcio e fósforo. De uma forma geral, ocorre à transformação de íons
cálcio e fosfato em solução em agregados cristalinos que se depositam na matriz da pele.

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Durante a avaliação inicial de um paciente com suspeita de HAC é mandatária a


realização de uma adequada avaliação laboratorial inicial, onde através da realização de
hemograma, perfil bioquímico e urinálise, buscam-se evidencias da existência do
hipercortisolismo, assim como se busca fazer uma avaliação geral do paciente em busca
de anormalidades que possam indicar outras patologias responsáveis pela apresentação
inicial do paciente.

O hemograma de animais com HAC, tipicamente apresenta um perfil de


estresse, com linfopenia (< 1500/mm3) e eosinopenia (< 200/mm3), associado a neutrofilia
branda a moderada e monocitose. A linfopenia é resultado da linfocitólise induzida pelos
corticóides ao passo que a eosinopenia é decorrente do seqüestro destas células na
Figura 17. Estágio inicial de formação de calcinose cutânea em uma Poodle com medula óssea. O aumento dos neutrófilos e monócitos na circulação é decorrente da
hiperadrenocorticismo. Manchas esbranquiçadas na pele, que a palpação apresentam
consistência firme e um relevo definido. reduzida marginalização e diapedese destas células por efeitos dos corticóides. No
eritrograma eventualmente pode-se observar policitemia, bem como anemia, contudo
normalmente não se observam alterações nas células vermelhas. A plaquetometria
normalmente esta elevada (> 400.000/mm3).

No perfil bioquímico, a principal alteração é o aumento na atividade sérica da


fosfatase alcalina (FAS), observada em mais de 90% dos casos. Aumentos na atividade
desta enzima podem ser observados em uma variedade de situações, como lesões
ósseas, tumores, e alterações hepato-biliares associadas a colestase, por exemplo.
Contudo, cães com HAC apresentam uma isoforma da FAS induzível por corticóides
endógenos e exógenos, e como resposta a uma exposição prolongada a estes, ocorre um
aumento na atividade da FAS que pode chegar a mais de 10 vezes o limite máximo aceito
como normal. Apesar disto, uma atividade normal da FAS não descarta o diagnóstico de
HAC. Além disto, o fígado de pacientes com HAC encontra-se bastante aumentado de
volume em decorrência do exagerado acúmulo de glicogênio hepático secundário a maior
gliconeogênese hepática. Esta tumefação hepato-celular comumente causa aumentos na
Figura 18. Placas de calcinose cutânea distribuídas pelo flanco e face medial das coxas atividade da enzima alanino-aminotransferase (ALT), porém este aumento é
de um Scotish Terrier com hiperadrenocorticismo iatrogênico.
normalmente moderado (< 500 U/L). Esta tumefação hepato-celular também leva a

2.3 Avaliação Laboratorial e Exames Complementares colestase intra-hepática, estimulando um aumento adicional na atividade da FAS.

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A glicose sérica dos pacientes com HAC normalmente fica na faixa superior de só fica evidente naqueles pacientes com HAC que desenvolvem diabetes mellitus
normalidade (entre 90 e 120 mg/dL). Contudo, alguns pacientes podem apresentar secundária.
glicemias maiores, com cerca de 5 a 20% dos casos podendo vir a desenvolver diabetes
mellitus secundária a exaustão pancreática pelo antagonismo que os glicocorticóides Com relação às dosagens hormonais, o HAC provoca interferência com
promovem sobre os efeitos da insulina. A hiperlipidemia secundária ao HAC é outro diferentes testes endócrinos, muitas vezes causando confusão na interpretação destes
achado bastante comum, e os aumentos de colesterol e de triglicerídeos são atribuídos parâmetros. Cerca de 70% dos casos de HAC apresentam valores baixos de
aos efeitos lipolíticos e anti-insulina dos glicocorticóides; apesar de que um aumento na triiodotironina (T3) e de tiroxina (T4), como efeito da inibição da secreção de TSH pelos
lipólise esta mais associada a aumentos dos ácidos graxos livres e glicerol no plasma. glicocorticóides. Apesar disto, este estado de hipotireodismo secundário observado
Apesar de presente em uma grande proporção dos casos de HAC, a hiperlipidemia pode nestes pacientes não deve ser alvo de reposição hormonal. Deve-se tratar o HAC e se
apresentar diversas outras causas, as quais deverão ser consideradas como diagnósticos não houver normalização dos hormônios tireodianos pode-se iniciar um tratamento para
diferenciais para HAC. Os indicadores de função renal uréia e creatinina estão hipotireodismo. O paratormônio (PTH) encontra-se aumentado em mais de 80% dos cães
normalmente normais a reduzidos em decorrência da diurese induzida pelos corticóides. com HAC como consequência da maior excreção urinária de cálcio. Além disto este
Contudo, ocasionalmente a uréia pode estar próximo do limite superior em decorrência da aumento no PTH pode ter relação com as calcificações distróficas observadas no HAC
proteólise exacerbada, e a creatinina abaixo de 0,7 mg/dL em decorrência também da canino. A insulina sérica de pacientes com HAC esta normal à aumentada, evidenciando
menor massa muscular. Normalmente não se observam alterações nos eletrólitos a resistência periférica ao hormônio, ao passo que o hormônio do crescimento (GH) esta
séricos sódio, potássio e cálcio. normalmente reduzido nestes pacientes em decorrência de uma maior secreção de
somatostatina pelo hipotálamo frente ao hipercortisolismo.
A urinálise em pacientes com suspeita de HAC é uma importante ferramenta de
avaliação geral. A densidade específica da urina (DEU) é normalmente inferior a 1.015, Recomenda-se a realização de radiografias torácicas e abdominais de cães com
sendo muitas vezes hipostenúrica (< 1.008), desde que os cães tenham livre acesso à HAC, apesar de raramente obter-se informações diagnósticas interessantes. Contudo,
água. Se privados de água, a maioria dos cães consegue concentrar a urina, porém esta algumas informações interessantes podem ser obtidas através de estudos radiográficos
capacidade é reduzida. Em cães com macroadenomas comprimindo a neuro-hipófise, um nestes pacientes. Por exemplo, o aumento de volume abdominal fica evidente em
diabetes insípido central pode ficar evidente. Cerca de 50% dos cães com HAC projeções latero-laterais, bem como ventro-dorsais. Muitas vezes a grande deposição de
apresentam infecções ocultas do trato urinário (ITU), uma vez que além da gordura intra-abdominal faz com que exista um bom contraste para identificação das
imunodepressão, a bexiga não é esvaziada completamente a cada micção, estruturas. A identificação de adrenais calcificadas pode indicar a presença de tumores
permanecendo sempre um volume residual. Uma vez que os corticóides normalmente adrenais, uma vez que cerca de 50% deles, sejam eles adenomas ou adenocarcinomas,
inibem a resposta inflamatória, o exame do sedimento urinário pode não apresentar piúria costumam calcificar. A calcinose cutânea também pode ser detectada em radiografias. A
ou hematúria, motivo pelo qual indica-se sempre a realização de urocultura nestes bexiga extremamente distendida pode ser facilmente visualizada no exame radiográfico,
pacientes. Além disto a bacteriúria pode não ser evidente pela diluição promovida pela algumas vezes com cálculos. A osteopenia promovida pelos corticóides pode ficar
poliúria. A proteinúria associada a ITU freqüentemente é observada, porém quase 50% evidente quando se avalia a densidade dos corpos vertebrais em comparação aos
dos cães com HAC apresentam proteinúria na ausência de ITU, sendo esta leve a processos vertebrais. Em contra-partida, calcificação de brônquios, traquéia, e artérias se
moderada, e secundária a hipertensão sistêmica promovida pelos corticóides. Glicosúria tornam evidentes. Radiografias torácicas podem evidenciar metástases de tumores

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adrenais, bem como mostrar evidências de tromboembolismo pulmonar, uma complicação


rara associada ao HAC canino, porém potencialmente fatal.

A ultra-sonografia abdominal é um dos exames complementares que oferece


mais informações sobre o paciente, e é um importante exame a ser solicitado em
pacientes com suspeita de HAC. Além de oferecer indícios suficientes para determinar a
origem do HAC (hipofisário ou adrenal), a avaliação ultra-sonográfica da cavidade
abdominal permite avaliar todos os órgãos abdominais e desta forma uma abordagem
mais sistêmica do paciente. Ecograficamente, o fígado dos pacientes com HAC aparece
aumentado de volume, com parênquima homogêneo e hiperecogênico. A imagem dos
Figura 19. Ecografia abdominal evidenciando hiperplasia bilateral de glândulas adrenais
rins freqüentemente evidencia sinais de calcificação da pelve renal, e muitas vezes a
(setas negras) de uma paciente Bichon Frise com hiperadrenocorticismo, com
imagem ecográfica da bexiga apresenta sinais de infecção urinária ou cálculos. parênquima hipoecogênico e homogêneo. A adrenal direita mediu 1,92 x 0,94 cm, e a
adrenal esquerda mediu 2,45 x 0,97 cm. Imagem gentilmente cedida pela Dra. Adriane
Pielonefrite é outra consequência do HAC que pode ser suspeitada após uma ecografia.
Ilha.
As glândulas adrenais são de difícil visualização na ecografia, e sua avaliação é uma
prova de competência para o ultra-sonografista. Um bom aparelho e ecografista Nos casos de tumores adrenais, comumente observam-se uma das glândulas
experiente são necessários para uma boa avaliação das glândulas adrenais, e uma com dimensões aumentadas, e perda da arquitetura normal da glândula, bem como a
abordagem lateral permite as melhores imagens. A glândula adrenal direita é mais difícil perda de suas características ecográficas habituais. Os tumores normalmente
de ser localizada uma vez que esta mais cranial e entre o rim direito, veia cava caudal e apresentam-se heterogêneos e mais ecogênicos (Figura 20). Os adenocarcinomas muitas
pólo caudal do fígado. A glândula adrenal esquerda tem sua localização mais variável. vezes podem aparecer císticos na ecografia. A formação de sombra acústica pode indicar
a calcificação de um adenoma ou de um adenocarcinoma. Da mesma forma, a superfície
Ecograficamente as glândulas adrenais aparecem achatadas, bilobadas, lisa e regular ou rugosa e irregular pode dar pistas sobre o tipo de tumor. Nos casos de
homogêneas e hipoecóicas comparadas aos tecidos circunjacentes. Alguns trabalhos tumores adrenocorticais funcionais, comumente observa-se uma atrofia da glândula
avaliaram as dimensões das adrenais em cães saudáveis e em cães com HPD, porém contra-lateral, e esta muitas vezes esta não é observada nas ecografias rotineiras. Na
não existem valores de referência tidos como normais para diferentes raças e portes. presença de um tumor adrenal, órgãos como fígado, baço e rins devem ser avaliados em
Apesar disto, adrenais com mais de 0,75 cm de espessura, especialmente à esquerda, busca de metástases.
apresenta uma elevada especificidade e sensibilidade para o diagnóstico de HAC
pituitário dependente. Contudo, este achado isolado não é suficiente para um diagnóstico
definitivo da doença. A ocorrência do HPD esta normalmente associado a um
espessamento de ambas glândulas adrenais de forma simétrica (Figura 19). Muitas vezes
fica difícil para o ecografista determinar a existência de hiperplasia ou não, uma vez que
mesmo frente ao HPD, o parênquima da glândula permanece preservado. No entanto a
presença de testes diagnósticos positivos associado à visualização das duas glândulas
fecha o diagnóstico de HPD.

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Figura 20. Ecografia abdominal evidenciando a presença de tumores adrenais bilaterais Por mais tentador que possa parecer, a dosagem isolada de cortisol basal não
em uma Beagle com hiperadrenocorticismo (setas negras). A adrenal direita apresenta-se
traz nenhum valor diagnóstico ao processo investigativo por diferentes razões: 1) cães
como uma massa de aspecto hiperecogênico com pequenas áreas hipoecogênicas e
medindo 3 x 3 cm. A adrenal esquerda apresenta-se com parênquima não apresentam um ritmo circadiano bem definido de secreção de cortisol como
predominantemente hipoecogênico e heterogêneo, com pequenos pontos
observado em humanos, e desta forma a avaliação do cortisol basal, independente do
hiperecogênicos sugerindo calcificações. A glândula esquerda mediu 3,3 x 3,2 cm.
Imagem gentilmente cedida pela Dra. Adriane Ilha. horário do dia não serve como indicador da função glandular. 2) Não há na maior parte do
dia um hipercortisolismo franco, uma vez que cães com HAC independente da origem
Além das imagens radiográficas e de ultra-sonografia, rotinas clínicas que
passam praticamente todo o dia com a concentração de cortisol dentro da faixa de
ofereçam imagens de ressonância magnética e / ou tomografia computadorizada
referência (5 – 60 ng/mL ou 0,5 – 6 µg/dL). 3) O que ocorre no HAC é uma maior
contam com um ganho diagnóstico formidável. As imagens obtidas com uso destas
freqüência de pulsos de secreção, associado a uma maior amplitude destes picos. Apesar
tecnologias permitem não só a avaliação das adrenais, e demais estruturas torácicas e
disto à concentração basal normalmente permanece dentro da faixa de referência, sendo
abdominais, mas também a avaliação da hipófise, em busca da determinação da origem
que cães com HAC podem perfeitamente ter um cortisol basal normal, assim como cães
do problema (micro ou macroadenoma) e do eventual comprometimento do SNC
saudáveis podem facilmente apresentar valores elevados de cortisol basal (> 60 ng/mL)
promovido por um macroadenoma.
se estiverem estressados ou nervosos. Em suma, a dosagem de cortisol basal de forma
isolada no processo investigativo não passa de um desperdício financeiro uma vez que
2.4 Testes Endócrinos e Diagnóstico
não trará nenhuma informação confiável para o diagnóstico.

Para o diagnóstico do HAC canino são utilizados uma variedade de testes


2.4.2 Teste de estimulação com ACTH
hormonais, com objetivo não só de determinar a causa da doença, mas também se a
origem do problema é hipofisária (HPD) ou adrenal (HAD). A diferenciação da origem do
Este teste parte do pressuposto que após a aplicação do hormônio
problema é importante uma vez que pode determinar mudanças no protocolo terapêutico,
adrenocorticotrófico (ACTH) há um aumento considerável na secreção de cortisol pelas
bem como influenciar no prognóstico do paciente. Uma consideração importantíssima
adrenais. Tumores adrenais ou a hiperplasia bilateral das adrenais secundária a tumor
com relação à avaliação hormonal é o método utilizado no exame. O método considerado
hipofisário respondem exageradamente a estimulação pelo ACTH. Este teste é bastante
gold Standard na avaliação de cortisol é o radioimunoensaio (RIA). Apesar de ser mais
prático e uma excelente ferramenta diagnóstica, sendo menos afetado por doenças não
onerosa e “suja” por usar marcadores radioativos, é a técnica mais confiável a ser
adrenais ou estado de estresse do paciente, porém é menos sensível para o diagnóstico
adotada nestas avaliações. O uso de outras metodologias como a quimiluminescência
de tumores adrenais, uma vez que estes podem deixar de expressar receptores para
pode provocar até 13% de erros nas condutas terapêuticas, o que é um valor demasiado
ACTH durante a diferenciação tumoral. Em razão disto, resultados normais podem ser
alto para ser aceito em uma rotina clinica. A quimiluminescência apresenta uma menor
encontrados em 30 a 60% dos casos de HAD, enquanto somente cerca de 5 a 15% dos
sensibilidade, especificidade, precisão e acurácia em comparação ao RIA, e sua utilização
casos de HPD apresentarão resultados normais.
deve ser avaliada com base nestas informações.

Apesar da existência de preparações de ACTH sintético em gel e em solução, o


2.4.1 Cortisol basal
protocolo mais utilizado envolve a coleta de amostra de sangue para determinação de
cortisol basal, seguida da aplicação de 5 µg/kg de ACTH sintético (tetracosactida /
cosintropina – Synacthen 0,25 mg) por via intra-venosa, colhendo-se nova amostra para

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dosagem de cortisol após uma hora da aplicação do ACTH. O que sobrar no frasco após
Gráfico ilustrativo da resposta à administração de
a aplicação pode permanecer congelado em seringas plásticas por até seis meses, o que
ACTH em animais saudáveis ou com HAC
pode ser interessante frente ao custo elevado desta medicação. Além disto, o custo pode
ser outro limitante da realização deste teste. Cães saudáveis apresentam valores de 400
350
cortisol pós-ACTH na faixa de 60 a 170 ng/mL. Valores maiores que 220 ng/mL são
300

Cortisol (ng/mL)
consistentes com diagnóstico de HAC (Figura 21). Outra limitação deste teste é que ele
250 Normal
não permite a diferenciação entre HPD e HAD. Apesar disto, este é o único teste que 200 HAC
permite a comprovação de um HAC iatrogênico. Naqueles casos onde há um histórico de 150 Iatrogenia
100
uso prolongado de corticóides associado aos sinais clínicos, o teste de estimulação com
50
ACTH é o teste de eleição para diferenciação entre ocorrência natural do HAC e
0
iatrogenia. No HAC iatrogênico não há aumento da concentração de cortisol após a Basal Pós-ACTH

aplicação do ACTH em decorrência da atrofia do córtex adrenal promovido pelo uso


Figura 21. Gráfico ilustrativo das respostas a um testes de estimulação com ACTH em
crônico de corticóides exógenos.
um paciente normal, um paciente com hiperadrenocorticismo de origem natural e um
paciente com hiperadrenocorticismo iatrogênico. Valores meramente ilustrativos.
Outra utilidade do teste de estimulação com ACTH é determinar a presença de
HAC em alguns casos atípicos, onde a resposta do cortisol ao ACTH e a dexametasona é 2.4.3 Teste de supressão por baixa dose de dexametasona (TSpBDD)

normal. Nestas situações, muitas vezes existe uma superprodução de precursores


A base fisiológica deste teste é que a administração de dexametasona em um
esteroidais, como a 17-OH-progesterona. Estes precursores de cortisol uma vez
secretados no sangue competem com o cortisol pela ligação a proteínas carreadoras cão normal provoca uma supressão da produção de cortisol por até 48 horas em

como a CBP e a albumina, fazendo com que mais cortisol fique na forma livre. O decorrência da retroalimentação negativa promovida na hipófise e hipotálamo. A

resultado é a existência de um quadro clínico de hipercortisolismo, porém não associado dexametasona é o esteróide de eleição para o teste uma vez que não tem reatividade

a um hipercortisolismo verdadeiro. Para investigação destes casos, preconiza-se a cruzada com o cortisol no imunoensaio. Desta forma, este teste avalia na verdade a

dosagem de hormônios como a progesterona e 17-OH-progesterona antes e após a responsividade do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal. A premissa básica do HAC é

aplicação do ACTH sintético. disfunção deste eixo de controle tanto no HPD como no HAD, e em ambas formas da
doença, a administração de dexametasona não irá promover a supressão do cortisol
plasmático. Este teste é um pouco mais complexo e longo em comparação ao teste de
estimulação com ACTH, porém é o teste de triagem de eleição para diagnóstico de HAC,
além de apresentar uma sensibilidade maior que 95%.

O protocolo de realização do teste envolve a coleta de uma amostra de sangue


para determinação de cortisol basal sérico, seguindo-se a administração de uma dose de
0,01 a 0,015 mg/kg de dexametasona, sendo preferível o fosfato sódico de dexametasona
por via intra-venosa. Após esta aplicação sucedem-se mais duas coletas de sangue para

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dosagem de cortisol; uma após 4 horas da aplicação e outra após 8 horas da aplicação da
Gráfico ilustrativo da resposta à administração de
dexametasona. A base da interpretação é que cães com HAC são resistentes a
baixa dose de dexametasona em animais saudáveis
retroalimentação negativa no hipotálamo-hipófise. Um cão normal apresentará valores de ou com HAC
cortisol pós-dexametasona menores que 10 ng/mL, usualmente menores que 7 ng/mL.
45
Um valor de cortisol pós-dexametasona maior que 14 ng/mL num animal não estressado 40
Cortisol (ng/mL)

e sem doenças graves associadas é consistente com diagnóstico de HAC. É importante 35


30 Normal
salientar que este teste é muito mais sensível do que específico, e alguma proporção de 25
HAD
falsos positivos serão observados principalmente frente a estresse, ou outros quadros 20
15 HPD
patológicos como hepatopatias. Desta forma o que fecha o diagnóstico, não é somente o 10
5
valor de cortisol pós-dexametasona, mas sim o conjunto de sinais clínicos, alterações
0
laboratoriais e ecográficas, além da resposta ao teste. Uma das limitações do TSpBDD é Basal Pós 4 hs Pós 8 hs

que não permite o diagnóstico de cães com HAC iatrogênico


Figura 22. Gráfico ilustrativo das respostas a um teste de supressão por baixa dose de
dexametasona em um paciente saudável, em um paciente com hiperadrenocorticismo
Uma vantagem adicional do TSpBDD é a de permitir a diferenciação entre HPD e adreno-dependente, e em um paciente com hiperadrenocorticismo pituitário-dependente.
HAD através da coleta de sangue após 4 horas da administração da dexametasona. Valores meramente ilustrativos.

Mesmo frente ao HAC, a dexametasona consegue promover uma discreta


2.4.4 Relação cortisol:creatinina urinária (RC:CU)
retroalimentação negativa sobre a hipófise, contudo este efeito é muito rápido uma vez
que o sistema do citocromo P450 hepático esta adaptado a metabolização de corticóides,
A excreção urinária de cortisol é proporcional à concentração plasmática de
eliminando rapidamente da circulação a dexametasona. Desta forma, nos casos de HPD,
cortisol no período em que dada amostra de urina foi formada. Este teste é bastante
após 4 horas da aplicação da dexametasona é possível observar uma inibição da
sensível, uma vez que animais com HAC apresentam RC:CU extremamente elevadas (>
secreção de cortisol, interpretando-se como inibição um valor de cortisol < 14 ng/mL ou
10 até 1000), contudo é pouco específico, uma vez que qualquer fator estressante, e uma
simplesmente um valor de cortisol pós 4 horas de dexametasona menor que 50% da
variedade de doenças não adrenais podem provocar resultados semelhantes. Apesar
concentração basal de cortisol. Nos casos de HAD, como visto anteriormente, o tumor
disto, este teste tem um bom valor preditivo negativo caso a RC:CU seja baixa (< 10),
não esta sujeito a controle hipofisário, e não se observa supressão no cortisol sérico após
sendo pouco provável a existência de HAC nestes casos. A coleta da urina deve ser feita
4 ou 8 horas da aplicação da dexametasona (Figura 22).
em casa pelo proprietário para evitar estresse de hospitalização ou do ambiente
hospitalar. A dosagem pode ser feita em uma única amostra de urina, mas o teste terá
mais validade se for feito em uma mistura de urinas colhidas em duas manhãs
consecutivas e mantidas sobre refrigeração até análise, ou em uma mistura de diferentes
micções durante o dia. Para uma única coleta de urina, a primeira micção da manhã é
mais adequada por refletir a produção de cortisol durante um período maior (noite) onde
presumivelmente o cão não urinou.

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2.4.5. Diferenciação entre HPD e HAD associado a achados nos exames gerais compatíveis, cortisol pós-dexametasona maior
que 14 ng/mL e uma boa ultra-sonografia abdominal são suficientes para determinar o
Como visto anteriormente, o TSpBDD é capaz de diferenciar entre origem diagnóstico.
hipofisária ou adrenal para o problema, contudo nem sempre este teste deixa clara esta
questão. Nestes casos, três opções estão disponíveis para determinação da origem do 2.5 Tratamento
problema. A primeira delas é o teste de supressão por alta dose de dexametasona
(TSpADD). Este é similar ao TSpBDD, contudo a dose de dexametasona é de 0,1 mg/Kg, O tratamento dos pacientes visa basicamente controlar o hipercortisolismo e
sendo que alguns autores recomendam o uso de 1 mg/kg. O princípio é que uma dose restabelecer o equilíbrio metabólico do paciente. São metas do tratamento: a reversão
maior de corticóide exógeno poderá demonstrar algum efeito inibitório sobre a secreção dos sinais clínicos da doença, bem como devolver a qualidade de vida ao paciente e
de ACTH nos cães com HPD, e conseqüentemente haverá uma redução no cortisol sérico família. Para atingir este objetivo, diversas estratégias estão disponíveis e as mais
após 4 horas da administração da droga. Cães com HAD já tem suprimida a concentração rotineiramente utilizadas serão aqui abordadas. Apesar de que muitas terapias não estão
de ACTH, e a administração de altas doses de dexametasona não provocará nenhuma disponíveis no Brasil, alguns aspectos sobre elas também serão considerados. De uma
supressão apreciável de cortisol endógeno. forma geral, o tratamento médico é preferível nos casos de HPD, porém também são
eficazes nos casos de HAD. Por outro lado, os tratamentos cirúrgicos são mais aplicados
Uma outra possibilidade interessante e disponível é a determinação do ACTH aos casos de HAD, mas também encontram aplicação nos casos de HPD. Além dos
endógeno, uma vez que cães com HPD apresentaram concentrações excessivas de tratamentos discutidos abaixo, a irradiação da pituitária aparece como uma opção
ACTH (> 45 pg/mL) secundária a atividade do adenoma hipofisário, ao passo que cães terapêutica para cães com HPD e com sinais neurológicos associados a macroadenomas.
com HAD apresentarão valores de ACTH muito baixos (< 20 pg/mL), as vezes
indetectáveis, em decorrência da retroalimentação negativa sobre a hipófise promovida 2.5.1 Tratamento médico
pelo cortisol secretado exageradamente pelo tumor adrenocortical. As amostras devem
ser colhidas em EDTA, ao contrário da dosagem de cortisol que deve ser feita em Mitotano (o,p´-DDD). Uma série de medicamentos encontra-se disponível para o
amostras de soro. Em seguida a coleta, o sangue deve ser centrifugado, congelando-se o tratamento médico do HAC canino, sendo que das medicações disponíveis no Brasil, a
plasma em tubos plásticos, uma vez que o ACTH adere ao vidro. Além disto, todo este mais efetiva é o mitotano. Contudo, no Reino Unido esta droga só tem liberação para uso
processamento deve ser feito no gelo para evitar a degradação do ACTH. Da mesma em casos de HPD onde o trilostano (droga considerada a melhor opção para terapia
forma, o envio ao laboratório deve ser feito com a amostra congelada. O envio desta ao médica nos EUA e Europa, porém não comercializada no Brasil, mas discutida
laboratório acondionada em gelo seco pode ser necessário para garantir a validade do posteriormente neste capítulo) não pode ser usado. Durante a Segunda Grande Guerra,
exame. cientistas pesquisavam o inseticida DDT procurando por um agente extremamente tóxico.
Uma das formas criadas a partir do DDT foi o o,p´-DDD (mitotano - Lysodren®), uma
A terceira e mais prática possibilidade de diferenciação entre HPD e HAD, são os substância que pode destruir as células adrenais que produzem o cortisol em cães. Esta
exames de imagens (ecografia, ressonância, tomografia). A visualização de adrenais droga tem sido usada com sucesso em milhares de cães com síndrome de Cushing, mas
com parênquima e características ecográficas preservadas e com aumento bilateral é é importante lembrar que esta medicação trata-se de um veneno e deve ser usada com
compatível com HPD, e a observação de massas adrenais é extremamente sugestivo de cautela e atenção. Esta droga apresenta um efeito adrenocorticolítico seletivo para as
HAD. Na experiência do autor, a presença de sinais clínicos sugestivos de HAC, zonas fasciculada e reticular, com tendência a preservar a zona glomerulosa. Apesar de

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ser mais indicado para o tratamento do HPD, uma vez que o tratamento considerado de comer, mas sim se objetiva ver uma redução no apetite como um sinal para cessar a
eleição para o HAD é cirúrgico, é possível observar um bom grau de sucesso terapêutico administração diária da medicação. Outros sinais para cessar o uso diário da medicação
quando aplica-se o tratamento com mitotano em pacientes com tumores adrenocorticais são uma redução na ingestão de água, vômitos, diarréia e fraqueza. No entanto, a
funcionais. redução no apetite normalmente precede estes outros sinais preocupantes. A maioria dos
cães responde a esta terapia em 5 a 9 dias (tumor hipofisário) ou em 1 a 2 semanas
O tratamento com mitotano consiste em duas fases distintas. Uma fase de (tumor adrenal); uns poucos responderão em 2 a 3 dias, e alguns podem levar mais de 14
indução, onde o paciente recebe a medicação diariamente, e uma fase posterior de dias. Sinas como anorexia, vômitos, prostração e diarréia, podem indicar
manutenção, onde o objetivo é manter o controle obtido na fase de indução, com o hipoadrenocorticismo iatrogênico, que deve ser evitado.
paciente recebendo uma dose semanal da medicação. A fase de indução pode ser curta
(cerca de 3-4 dias), assim como pode durar mais de duas semanas (especialmente Animais com tumores adrenais em tratamento com mitotano eventualmente
quando se trata de tumores adrenocorticais). O que determina o fim da fase de indução, é precisam de doses maiores da medicação (75 – 100 mg/kg/dia) na fase de indução para
a resposta do paciente a medicação, e o principal sinal a ser monitorado para determinar obter-se efeito. Alguns autores preconizam o uso de glicocorticóides durante a fase de
o final da fase de indução é uma redução no apetite. Para que este sinal seja bem indução para minimizar os efeitos do mitotano. Porém esta prática não é muito
observado, é interessante orientar o proprietário a que durante dois dias mantenha seu recomendada uma vez que ela irá mascarar os efeitos da droga, e pode-se acabar
animal recebendo cerca de 2/3 de sua refeição normal, duas vezes por dia para que ele induzindo um hipoadrenocorticismo nestes pacientes, o que pode ser fatal. Além disso,
fique ainda mais faminto. Isto deve ser mantido por apenas um curto período de tempo e estes corticóides exógenos apresentam reatividade cruzada nos imunoensaios, levando a
não se recomenda o início desta terapia em cães com fraco apetite. Após este período, interpretações errôneas nas mensurações de cortisol.
começa-se a administrar o mitotano na dose de 25 mg/kg a cada 12 horas (1/2 cp a cada
12 horas para um cão de 10 kg) imediatamente após a refeição. Nenhum cão deve receber mitotano por muito mais que 10 dias sem que seja
acessada a função adrenal. Uma vez que o mitotano mostrou estar fazendo efeito o cão
Durante este período inicial, antes de iniciar a administração da medicação, o não precisará mais de restrição alimentar. O mitotano deve ser administrado pelo resto da
dono deve observar muito bem o hábito alimentar de seu cão enquanto ele come para vida do animal, na fase de manutenção. A dose de manutenção inicial é de
que tenha condições de determinar se o apetite esta ficando mais fraco após início da aproximadamente 50 mg/kg por semana (1 cp/ semana para um cão de 10 kg). Esta dose
medicação. A medicação deve sempre ser administrada após as refeições, pois além de poderá ser aumentada ou reduzida de acordo com os testes realizados após 1, 2 e 4
antes de dar o remédio ter-se observado o comportamento alimentar do cão, a medicação meses após início do tratamento. Normalmente esta dose semanal pode ser dividida em
é absorvida melhor na presença de gordura no trato gastro-intestinal. A chave para 2-3 doses, e administradas em dias da semana pré-determinados, por exemplo, segundas
tratamento destes cães é observar enquanto eles comem e reconhecer quando é o e quintas-feiras, de modo que o intervalo entre as administrações seja o mais uniforme
momento correto de parar de dar o mitotano. Enquanto o apetite for voraz, a medicação possível.
deve ser continuada. Assim que se perceber qualquer redução no apetite, a medicação
deve ser interrompida. A redução no apetite pode ser interpretada como levar mais tempo Assim que se obter sinais de controle da doença, com a medicação, deverá ser
para comer, comer metade da refeição e parar para beber água e depois retornar para realizado um teste de estimulação com ACTH para determinar a reserva funcional da
terminar, ou simplesmente o cão parar de comer e olhar para o dono uma ou duas vezes glândula adrenal. O ideal é que o cortisol pós-ACTH fique entre 10 e 50 ng/mL e não entre
enquanto come. Em outras palavras não é desejável que o cão pare absolutamente de 60 e 170 ng/mL que é a faixa de resposta de um cão normal. Valores maiores que este

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intervalo podem indicar a necessidade de retomar a fase de indução, mas a clínica do cabeça, ataxia, cegueira, anisocoria e convulsões. Nestes casos, deve-se manter o uso
paciente é sempre soberana. Uma nova indução normalmente dura poucos dias. Valores do mitotano, a menos que o animal esteja com vômitos, anoréxico ou deprimido. Deve-se
muito baixos (< 10 ng/mL) indicam a necessidade de suspender o mitotano por algumas iniciar com prednisona ou predinisolona na dose de 2 mg/kg/dia ou dexametasona 0,1
semanas, até que a glândula se recupere. Um novo teste dentro de algumas semanas mg/kg/dia e então iniciar uma redução gradual destes até que se resolvam os sinais
pode determinar a continuidade do tratamento com lisodren. neurológicos. Muitas vezes o cérebro se adapta ao crescimento do tumor. Caso não haja
uma melhora, outras alternativas terão de ser avaliadas, como a radioterapia ou
Após cerca de 6 a 8 semanas do início da fase de manutenção é recomendada hipofisectomia.
uma reavaliação do paciente. Nesta revisão uma boa melhora clínica deve ser evidente e
a normalização dos principais sintomas pode ser observada. Contudo, a dose de A média de sobrevida após o início do tratamento é de cerca de 30 meses
manutenção para alguns pacientes pode-se tornar ineficaz em longo prazo, e uma nova (alguns vivem poucas semanas e alguns vivem por 6 a 10 anos). Os cães com maiores
fase de indução pode tornar-se necessária esporadicamente. Da mesma forma, em longo tempos de sobrevida são aqueles cujos proprietários estão empenhados e
prazo a dose de manutenção pode ser demais para dado paciente, e sinais de compromissados com o auxílio a seu animal de estimação, e cujos veterinários são
hipoadrenocorticismo poderão surgir com o passar das semanas/meses. Cerca de 5 a diligentes, além de sorte. Observação atenta, e revisões freqüentes podem somente
20% dos cães com HAC tratados com mitotano acabam desenvolvendo aumentar a sobrevida destes animais.
hipoadrenocorticismo primário durante a fase de manutenção, e exceto pela realização
periódica de testes de estimulação com ATCH, não há como prever que animais irão Trilostano: o trilostano (Vetoryl®) já é considerado como o gold Standard para o
desenvolver esta alteração. tratamento do HPD canino nos EUA e na Europa. Esta substância é um esteróide
sintético sem nenhuma atividade hormonal, porém atua como um inibidor competitivo e
A maioria dos cães tolera bem o tratamento, além, do mitotano ser relativamente reversível da enzima 3-beta hidroxiesteróide desidrogenase, bloqueando a síntese de
seguro para o tratamento se bem aplicado. Os sinais adversos relacionados a glicocorticóides, mineralocorticóides e esteróides sexuais e tem sido usado com sucesso
hipoadrenocorticismo (anorexia, vômitos e diarréia) são facilmente controláveis se o dono no tratamento de cães com HAC. A segurança terapêutica promovida pelo trilostano é
os detectar e avisar ao veterinário rapidamente de forma que a suspensão da medicação impar no sentido de inibir competitivamente a síntese de cortisol. Ou seja, em caso de
possa ser feita rápida. Raramente cães em tratamento com mitotano podem desenvolver sobre dose, basta normalmente interromper a administração para que o paciente volte a
vômitos e anorexia, após 2-3 dias de tratamento, refletindo irritação gástrica. Este produzir corticóides endógenos. O trilostano é contra-indicado para pacientes com
problema pode acometer alguns animais e normalmente dar uns dias de folga no insuficiência hepática, renal, prenhes, lactando ou em fase de reprodução com intenção
tratamento, e depois retomar dividindo a dose em 3-4 partes por dia pode ajudar. de gestação.

Em alguns cães com HPD associado a macroadenomas, o uso do lisodren e a A dose de trilostano varia de 2 a 12 mg/kg administrado uma vez por dia de
consequente redução na produção de cortisol, pode provocar aumento de tamanho do acordo com os comprimidos disponíveis. Para cães com menos de 5 kg a dose é de 30
tumor hipofisário pela redução da retroalimentação negativa que o cortisol promovia. mg/dia. Cães com peso entre 5 e 20 kg recebem 60 mg/dia, cães com peso entre 20 e 40
Estes animais podem vir a apresentar sinais neurológicos como embotamento, kg recebem 120 mg/dia, e cães com mais de 40 kg recebem 120 a 240 mg/dia. A
depressão, desorientação, perda de comportamentos aprendidos, anorexia, caminhar a monitoramento do tratamento é diferente também, apesar de inspirar cuidados da mesma
esmo, pressionar a cabeça contra superfícies fixas (dor), andar em círculos, inclinação de forma. Reavaliações são necessárias após dez dias, 4 semanas e depois a cada 3 meses

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do início do tratamento. Um teste de estimulação com ACTH após cerca de 4-6 horas da é de 1 mg/kg/dia, e em casos onde não ocorra melhora dos sinais clínicos aumenta-se a
administração do trilostano deverá apresentar um cortisol < 50 ng/mL, uma vez que o dose para 2 mg/kg/dia. Caso não haja melhora, não é recomendado manter o tratamento.
efeito da medicação dura menos de 24 horas. Alguns animais precisarão tomar a Da mesma forma, o uso da seleginina é contra-indicado para o tratamento de cães com
medicação duas vezes por dia para controlar os sinais clínicos. Nestes casos, um teste de HPD portadores de diabetes, pancreatite, insuficiência cardíaca, renal ou outra doença
estimulação com ACTH deverá mostrar uma concentração de cortisol sérico > 90 ng/mL severa. Além disso, não deve ser administrada em conjunto com outros inibidores da
após 24 horas da última administração do trilostano. Ajustes de dose podem ser feitos MAO, opióides ou antidepressivos tricíclicos.
com base nos testes de estimulação com ACTH, sendo recomendada a realização do
primeiro teste após cerca de 14 dias do início do tratamento. Um estudo inicial encomendado pelo fabricante mostrou uma eficácia
interessante, com sucesso em 5 de 7 animais tratados. Posteriormente um estudo
Da mesma forma que com o mitotano, o uso crônico da droga pode levar a independente evidenciou sucesso terapêutico em somente cerca de 20% dos casos. No
hipoadrenocorticismo primário, porém a maioria dos casos irá melhorar com a retirada do entanto, a seleginina não tem nenhum efeito adverso severo, e pode ser uma opção para
trilostano. No entanto, poderá haver necrose de córtex adrenal. Nestes casos será aqueles animais que estão com diagnóstico confirmado, mas para os proprietários não há
necessária uma terapia mais agressiva para tratamento do hipoadrenocorticismo e problema, e desta forma nenhum sinal adverso seria bem tolerado frente a outros
controle do desequilíbrio hidro-eletrolítico. Nestas situações, a remissão dos sinais tratamentos. O controle é basicamente clínico, uma vez que testes de estimulação por
clínicos de HAC pode durar por muito tempo, mas eventualmente irão recidivar em muitos ACTH ou TSpBDD normalmente falham em mostrar redução significativa frente ao uso
casos. A experiência quanto à expectativa de vida de cães com HAC tratados com desta droga. No Reino Unido, a seleginina não esta licenciada para o tratamento de HPD
trilostano ainda é limitada, no entanto, alguns trabalhos evidenciaram maior expectativa em cães.
de vida dos pacientes tratados com trilostano ao invés de com mitotano. Até pouco tempo,
esta droga tinha importação e comercialização proibidas no Brasil. Contudo, atualmente é Cetoconazol. Esta medicação é um agente imidazólico antifúngico com
possível comprar a medicação de forma legal, via empresas de importação com um propriedades inibitórias sobre a síntese de glicocorticóides, e apresenta-se como uma
requerimento do veterinário responsável junto ao ministério da agricultura. No entanto, opção terapêutica para o tratamento do HAC de uma forma geral. A dose inicial é de 5
como a droga é importada e há necessidade de uso diário, o tratamento tende a ser mais mg/kg/bid por uma semana para testar a tolerância a droga. Depois se deve aumentar a
oneroso do que com o mitotano, especialmente em animais de porte maior. dose para 10 mg/kg/bid, por mais 14 dias. Um teste de estimulação por ACTH
determinará a eficácia do tratamento, usando os mesmos critérios usados no tratamento
Seleginina (L-deprenyl). A seleginina (L-deprenyl - Anipril®) é um inibidor da com mitotano. Se o cortisol pós-ACTH permanecer maior que 50 ng/mL a dose deve ser
enzima monoamina oxidase (MAO) e pode inibir a secreção de ACTH por aumentar o aumentada para 15 mg/kg/bid, as vezes 20 mg/kg/bid. A medicação deve ser usada pelo
tono dopaminérgico no eixo hipotalâmico-hipofisário. Sabe-se que na zona intermédia da resto da vida, e quanto maior a dose, maior a chance de sinais adversos como anorexia,
hipófise a secreção de ACTH está basicamente sobre controle dopaminérgico, e uma vômitos, diarréia, icterícia e insuficiência hepática. Além disto, cerca de 30% dos animais
menor secreção de dopamina, aumenta a secreção de ACTH, ou seja, a dopamina atua falham em evidenciar melhora clinica dos sinais de HAC.
como um hormônio inibidor da secreção do ACTH, em um sistema semelhante ao de
controle da secreção da prolactina na adenohipófise. Contudo, os corticotrofos adeno- Ciproheptadina. É uma droga com propriedades anti-serotonina, anti-histamina e
hipofisários, que são a maioria (pelo menos 80% dos corticotrofos hipofisários) anti-colinérgicas. Como a secreção do ACTH pode ser estimulada por elevadas
respondem majoritariamente ao CRH (hormônio liberador de corticotropina). A dose inicial concentrações de serotonina, a ciproheptadina pode reduzir a secreção de ACTH pela

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hipófise. Contudo a resposta a esta medicação é variável, com poucos sucessos o paciente ao procedimento cirúrgico, com maior estabilidade metabólica e
relatados. hemodinâmica, o tratamento inicial do paciente com mitotato ou trilostano faz-se
interessante. Isto deverá reduzir um pouco a quantidade de gordura intra-abdominal, o
2.5.2 Tratamento Cirúrgico que facilita a abordagem.

Cães com HAD tem os melhores prognósticos quando o tumor pode ser Torna-se obrigatória à suplementação de glicocorticóides e também de
completamente removido cirurgicamente, sendo esta abordagem considerada o mineralocorticóides no trans e pós-operatório, uma vez que o córtex contra-lateral estará
tratamento gold Standard para estes animais por respeitar os princípios de tratamento atrófico secundário a retroalimentação negativa promovida pelo tumor, não respondendo
oncológico. No entanto, estes pacientes nem sempre são bons candidatos à cirurgia, uma de forma adequada ao estresse. Apesar da inibição crônica da secreção do ACTH não
vez que na maioria dos casos são pacientes obesos, hemodinamicamente prejudicados, cessar a produção de aldosterona, é necessário suplementar inicialmente
com dificuldades de cicatrização e idosos. A adrenalectomia é uma cirurgia bastante mineralocorticóides no trans e pós-operatório uma vez que o ACTH é necessário para
delicada em decorrência da localização das glândulas adrenais e de seu intimo contato manter uma adequada função da zona glomerulosa e o córtex contra-lateral poderá
com os grandes vasos abdominais (aorta e veia cava), além dos vasos renais e artéria evidenciar insuficiência mineralocorticóide, que normalmente é somente passageira. É
frênico-abdominal. Soma-se a isso que o espaço retro-peritoneal destes pacientes, onde importante salientar que após a retirada do tumor adrenal o paciente torna-se um
se localizam as glândulas adrenais, é repleto de gordura, dificultando a abordagem. Boa hipoadrenocorticoideo no mesmo momento, e a não correção deste problema levará a
parte destes pacientes encontra-se hipertenso, e qualquer hemorragia no trans-operatório óbito. Com o passar do tempo, tanto glicocorticóides, quanto mineralocorticóides vão
pode tornar-se catastrófica. Outro problema da adrenalectomia é o risco de sendo retirados e o animal passa a viver sem medicação.
tromboembolismo. Cães com HAC apresentam uma maior predisposição à coagulação, e
a ocorrência de tromboembolismo pulmonar, é um achado raro, porém freqüentemente Durante o procedimento operatório, o paciente pode ser mantido com Ringer
fatal. Cirurgias longas, como o caso da adrenalectomia, podem predispor a este desfecho. lactato em taxa de manutenção. Assim que o cirurgião visualizar a adrenal, pode-se iniciar
Por todas estas razões, observa-se um elevado grau de complicações nestes a infusão de dexametasona na dose de 0,05 a 0,1 mg/kg dentro do fluido que esta sendo
procedimentos (cerca de 51%), sendo que destes, aproximadamente 30% são óbito ou administrado IV. Esta dose deve ser administrada por um período de 6 horas e
eutanásia no trans-operatório, e adicionais 17% até o décimo dia pós-operatório. normalmente repetida mais 2 a 3 vezes neste mesmo dia, por via subcutânea, até que o
cão possa receber de forma segura medicação por via oral em segurança (sem vômitos e
A descrição de técnicas cirúrgicas foge ao escopo desta obra, no entanto já se alimentando). A medicação por via parenteral pode ser interrompida normalmente
algumas considerações serão feitas com relação ao manejo destes pacientes. após 24 a 72 horas, quando os animais já podem estar comendo e bebendo
Primeiramente, o estagiamento do tumor deverá ser feito com base em radiografias normalmente. Quando se inicia a medicação oral, usa-se prednisona na dose de 0,25 a 1
torácicas e ecografia abdominal para avaliar a presença de metástases ou invasão mg/kg (dose maior para cães de pequeno porte, e dose menor para cães de grande
tumoral de estruturas adjacentes. Muitas vezes adenocarcinomas embolizam dentro dos porte). Esta dose deve ser reduzida gradativamente ao longo de 3 a 6 meses, de forma
vasos renais ou grandes vasos, inviabilizando sua resecção. Muitas vezes o tumor é tão que cada redução na dose não leve o animal a perda de apetite, vômitos, ou prostração.
grande e aderido, que o rim adjacente precisa ser retirado junto. Este tipo de cirurgia só Com relação à reposição de mineralocorticóides, pode-se usar um dos protocolos
deve ser feito por cirurgiões muito experientes, e ainda sim, um elevado grau de descritos no tratamento do hipoadrenocorticismo, contudo deve-se avaliar eletrólitos dos
mortalidade no trans-operatório pode chegar a 30%. Para minimizar os riscos, e submeter pacientes a cada 7 dias, e normalmente este tipo de medicação não é necessária por

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mais de um mês. Testes de estimulação com ACTH deverão ser feitos periodicamente até Muitos veterinários endocrinologistas questionam a aplicabilidade da
que se observe uma concentração de cortisol dentro da faixa de referência (60 – 170 adrenalectomia como tratamento seguro para o HAC canino em decorrência do elevado
ng/mL), sendo o primeiro teste realizado já no pós operatório. O momento ideal de grau de complicações. Diversos trabalhos evidenciam que o uso de um tratamento
suspender as medicações é justamente quando se obter um resultado de estimulação médico (mitotano, trilostano) é eficaz em controlar pacientes com tumores adrenais, com
normal, semanas a meses após a adrenalectomia. expectativas de vida semelhantes aos cães que sobrevivem à cirurgia. A média de
sobrevida dos cães operados é menor que 2 anos, com alguns vivendo mais de 4 anos,
A adrenalectomia bilateral pode ser uma alternativa interessante para cães de ao passo que a média de sobrevida dos cães tratados com mitotano, por exemplo, é de
grande porte, como uma ferramenta para reduzir os custos do tratamento, assim como em cerca de 30 meses, com alguns vivendo até mais de 8 anos. Não se conhece a
cães que não estejam respondendo bem ao mitotano, ou ainda cães com tumores expectativa de vida de cães com HAC não tratado após o diagnóstico.
adrenais bilaterais. Contudo, esta técnica não é muito recomendada uma vez que se pode
dar uma boa qualidade de vida para o animal com um tratamento médico, relativamente Um grupo holandês obteve excelentes resultados no tratamento do HPD
mais seguro. Além disto, estes cães irão precisar de tratamento para aplicando a hipofisectomia por acesso trans-esfenoidal. Contudo esta técnica só pode
hipoadrenocorticismo pelo resto de suas vidas. ser realizada em grandes centros com uma diversidade de equipamentos disponíveis
como imagens de tomografia e/ou ressonância, marcadores radiográficos para o acesso
A aborgadem cirúrgica pode ser pela linha média, que facilita a visualização da cirúrgico, e o mais importante, um cirurgião treinado e experiente, o que pode aumentar
glândula contra-lateral, além dos demais órgãos abdominais em busca de metástases ou consideravelmente as chances de sucesso (até 90% dos casos). Contudo, quanto maior o
outras alterações, porém uma incisão para-costal pode fazer-se necessária para facilitar o tempo de acompanhamento destes pacientes no pós-operatório, maior a ocorrência de
acesso. O resultado é uma grande ferida cirúrgica em um paciente com dificuldades de recidivas, que podem chegar a até 10% dos casos operados. As principais complicações
cicatrização e fraco sistema imune, além de um acumulo de gordura no abdômen, fatores são a grande variedade de formatos anatômicos das diferentes raças de cães, o que torna
que podem facilmente resultar em deiscência de sutura, hérnias incisionais e infecções. obrigatório o uso de marcadores radiográficos no trans-operatório, bem como riscos de
Outra abordagem é a incisão pelo flanco, mais prática do ponto de vista de acesso a óbito no trans-operatório e pós-operatório imediato, risco de hipo ou hipernatremia severa
adrenal a ser operada, porém não é possível visualizar a glândula contra-lateral, e tão após a cirurgia, redução ou ausência transitória ou permanente na produção de lágrima,
pouco os demais órgãos abdominais, uma vez que o acesso é diretamente ao espaço risco de indução de diabetes insípida central, risco de indução de hipotireodismo
retro-peritoneal. Além disso, se o objetivo for o de uma adrenalectomia bilateral, serão secundário, além do risco de não remissão do HPD.
necessárias duas incisões. Atualmente para humanos, a adrenalectomia laparoscópica
é a técnica considerada gold Standard para tratamento de tumores adrenais, com Contudo, o método de tratamento dependerá de cada paciente, mas
sucesso em mais de 90% dos procedimentos, e complicações em menos de 0,2% dos principalmente da familiaridade do médico veterinário com determinado método. Esta
casos, aparecendo como uma possibilidade interessante para o tratamento de cães com premissa pode promover altas taxas de sucesso terapêutico independente da modalidade
HAC. No entanto, a medicina veterinária ainda esta dando os primeiros passos neste terapêutica escolhida (mitotano, trilostano, adrenalectomia, hipofisectomia). De uma forma
sentido. Vantagens como menores incisões, e melhor visualização das estruturas, geral, uma abordagem mais conservadora com trilostano, por exemplo, parece uma
favoreceriam esta abordagem. alternativa bastante segura para cães com HPD ou HAD apesar do custo elevado. Como
esta droga não esta disponível em território nacional, o uso racional do mitotano, apesar

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de seus riscos, segue sendo uma das melhores alternativas no tratamento destes costumam apresentar poliúria e polidipsia. No entanto, como estes são os sinais mais
pacientes. comuns em gatos com HAC (cerca de 90% dos casos), fica evidente que a maioria destes
pacientes desenvolve DM, ao contrário dos cães que desenvolvem esta complicação em
3. PARTICULARIDADES DO HIPERADRENOCORTICISMO FELINO menos de 20% dos casos. Nos gatos, o cortisol parece não levar a supressão da
secreção do ADH como observado em cães. Além disto, talvez uma das manifestações
O hiperadrenocorticismo (HAC) em felinos é uma moléstia extremamente rara, mais sérias do HAC felino é a extrema fragilidade cutânea observada em até 50% dos
com comportamento em parte semelhante a do HAC canino. Causas para esta menor casos. A pele destes pacientes torna-se tão frágil que pode romper com extrema
prevalência não são conhecidas, mas acredita-se que a resistência natural dos felinos aos facilidade durante a manipulação, ou até mesmo durante brincadeiras com outros gatos.
efeitos dos glicocorticóides possa estar envolvida. Da mesma forma que em cães, as Esta complicação é séria, uma vez que estes pacientes apresentam dificuldades para
origens para o HAC felino são adenomas hipofisários em cerca de 80% dos casos ou cicatrização e predisposição a ocorrência de infecções.
tumores adrenocorticais funcionais (cerca de 20% dos casos). Alguns tumores
adrenocorticais de felinos apresentam secreção majoritária de progesterona, levando a Os exames laboratoriais dos felinos com HAC são bastante diferentes dos com
sinais clínicos semelhantes aos observados no hipercortisolismo. Diferentemente do cães com o mesmo problema, e comumente as anormalidades observadas devem-se
observado em cães, e em humanos; a ocorrência de HAC iatrogênico nesta espécie é mais ao estado diabético do que do hipercortisolismo propriamente. O hemograma de
extremamente rara em decorrência da menor concentração de receptores para estresse é um achado bastante inconsistente nestes pacientes, além disto, a principal
glicocorticóides nos felinos, levando a uma menor ação destes. Existem pouco mais de 80 anormalidade observada nos exames destes pacientes são a severa hiperglicemia e
casos de hiperadrenocorticismo felino relatados no mundo, o que evidencia a raridade glicosúria. Hipercolesterolemia ocorre em cerca de 50% dos casos provavelmente em
desta condição clínica. decorrência do DM. Da mesma forma aumentos na atividade da ALT normalmente estão
relacionadas a lipidose hepática causada pelo estado diabético. Aumento na atividade da
O HAC felino é uma doença de animais de meia-idade a idosos com idade média FAS, principal marcador bioquímico do HAC canino, são observados somente em cerca
de 10 anos, com uma tendência a maior ocorrência em fêmeas (cerca de 60% dos casos). de 20% dos gatos com HAC, e ainda sim, secundário a colestase intra-hepática gerada
Ao contrário do observado em cães, não existe predisposição racial no HAC felino. Os pela lipidose diabética. Felinos não apresentam a isoforma da FAS induzida por
sinais clínicos mais comuns observados no HAC felino são poliúria, polidipsia, polifagia e corticóides como os cães, e sua atividade plasmática normalmente reduz após tratamento
um abdômen pendular. Casos mais avançados e não tratados podem passar a apresentar do diabetes, mesmo sem tratar o HAC. A DEU (densidade específica da urina) dos gatos
sinais clínicos mais comuns em cães como alopecia simétrica bilateral, fraqueza e com HAC, normalmente esta > 1.020, não se observando a diluição típica detectada na
catabolismo muscular, pelagem feia e seborréia, pele frágil e facilmente machucável, maioria dos cães com HAC. Isto reflete em parte a causa da poliúria doa felinos com HAC
letargia, resistência à insulina, obesidade / ganho de peso, infecções / sepse e ser secundária a glicosúria, e não secundária a inibição do ADH.
hepatomegalia. A calcinose cutânea não foi descrita em gatos com HAC.
O processo de diagnóstico em felinos envolve os mesmos passos do diagnóstico
Uma particularidade importante do HAC felino, é que ao contrário dos cães, gatos do HAC canino, onde as imagens de ecografias e radiografias representam importantes
com HAC só desenvolvem poliúria e polidipsia após a resistência à insulina atingir um ferramentas. Contudo, uma particularidade interessante, é que cerca de 30% dos gatos
grau tal que glicosúria passa ocorrer, levando a diurese osmótica. Desta forma, gatos com normais podem apresentar mineralização da glândula adrenal, sem que isto indique
HAC pouco severo, ou que não apresentem diabetes mellitus (DM) associada não neoplasia adrenal. Os principais testes para diagnóstico do HAC felino são os mesmo

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usados para cães, contudo os protocolos e interpretações podem ser um pouco distintas. dexametasona deve ser de 1 mg/kg IV, seguindo-se o mesmo protocolo descrito no HAC
Nos gatos, o teste de estimulação por ACTH é feito com a administração de cosintropina canino), ou a dosagem do ACTH endógeno também podem ser solicitados.
na dose 125 µg/gato por via intravenosa, seguida da coleta de sangue antes da aplicação,
e após 1 e 2 horas, uma vez que a o pico de ação do cortisol em felinos é variável após O HAC felino tem conseqüências drásticas em animais não tratados, e muitas
aplicação do ACTH. Em virtude disto, a maior concentração de cortisol pós-ACTH deverá vezes, o estado diabético poderá ser resolvido ou apresentar um manejo muito mais fácil
ser a escolhida para interpretação, sendo que valores maiores que 160 ng/mL são após a resolução do excesso de cortisol. Com relação ao tratamento, as opções
consistentes com diagnóstico de HAC. Contudo, da mesma forma que em cães, alguns medicamentosas não são muito eficazes em felinos, não havendo uma boa resposta a
falsos negativos e alguns falsos positivos são esperados. drogas como mitotano, trilostano e cetoconazol. O cetoconazol normalmente provoca
muitos vômitos e anorexia, comprometendo ainda mais a situação do paciente. O
O teste de supressão por baixa dose de dexametasona em felinos (TSpBDD) é Trilostano é pouco utilizado em decorrência de seu custo e limitações de disponibilidade,
semelhante ao protocolo executado em cães, contudo, como o cortisol felino é mais porém quando utilizado em felinos com HAC parece melhorar a condição geral do
resistente a supressão por dexametasona, a dose utilizada é de 0,1 mg/kg. A paciente, sem reduzir a hipercortisolemia e a necessidade de insulina nos pacientes
interpretação dos resultados é idêntica a do HAC canino, ou seja, um valor de cortisol pós diabéticos. Drogas como a seleginina e a metirapona não tiveram eficácia comprovada
8 horas da aplicação da dexametasona maior que 14 ng/mL é compatível com diagnóstico nesta espécie. Apesar de taxas de mortalidade perioperatórias variando entre 25 e 30%, o
de HAC. Contudo, muitos gatos com HAC poderão ter resultados normais no teste de tratamento cirúrgico é o que apresenta melhores resultados em felinos. A adrenalectomia
supressão, bem como alguns falsos positivos poderão ser observados em animais com bilateral, ou unilateral em casos de tumor adrenocortical, só deverá ser realizada por uma
doenças não adrenais. Em virtude destas fragilidades nos exames acima relacionados equipe de cirurgiões experientes assessorada por um corpo clínico competente. A
alguns autores preconizam o uso de um teste combinado de supressão com submissão do paciente ao procedimento poderá ser feita após a estabilização do animal e
dexametasona associado a um teste de estimulação com ACTH. O protocolo envolve a resolução ou controle de quadros associados como diabetes e dermatopatias. Após a
coleta de uma amostra basal de cortisol seguido da aplicação de 0,1 mg/kg de adrenalectomia o paciente torna-se dependente da administração de glicocorticóides e
dexametasona IV. Uma nova amostra de sangue é colhida após 4 horas da aplicação de mineralocorticóides por toda a vida, quando a cirurgia for bilateral, ou por um período de
dexametasona, e em seguida aplica-se 125 µg IV de cosintropina, coletando-se uma nova até dois meses quando a adrenalectomia for unilateral somente. Infecções, cicatrização
amostra de sangue para dosagem de cortisol após 1 hora. Desta forma este teste ruim, pancreatite, hipoglicemia por “sobre-dose relativa” de insulina e trombose são
combinado dura cerca de 5 horas somente, e gatos com HAC não apresentam supressão problemas comuns após a cirurgia em pacientes mal controlados. O trilostano poderá se
do cortisol após 4 horas da dexametasona, e costumam apresentar um aumento tornar uma opção mais eficaz em breve, à medida que for sendo demonstrada sua
exagerado na concentração de cortisol após a aplicação do ACTH sintético. Uma relação eficácia e sua segurança em felinos, apesar de ainda não ser aprovada para uso nesta
cortisol:creatinina urinária baixa descarta a possibilidade de HAC, contudo uma relação espécie na América do Norte.
elevada, indica a necessidade de investigação extra, assim como observado quando se
aplica este teste em cães suspeitos de HAC. A diferenciação da causa de HAC em felinos 4. HIPERALDOSTERONISMO
pode ser feita da mesma forma que em caninos, com as imagens de ecografia,
ressonância ou tomografia oferecendo os melhores resultados. Contudo o teste de O hiperaldosteronismo primário refere a uma condição clinica secundária a
supressão com alta dose de dexametasona pode ser realizado (porém no felino a dose de produção excessiva de aldosterona, normalmente em decorrência de um tumor
adrenocortical, ou eventualmente em decorrência de uma hiperplasia adrenal bilateral.

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Como conseqüência do excesso de aldosterona na circulação, o paciente tende a excreção de íons H+ nos rins, juntamente com o K+. Nos demais parâmetros avaliados na
apresentar retenção de sódio, e maior excreção de potássio e hidrogênio. O resultado bioquímica clinica, os achados tendem a ser pouco específicos, contudo, azotemia pode
final é um quadro hipertensivo associado a alcalose metabólica. Esta condição clínica é estar presente secundária a uma doença pré-renal, hipertensão secundária a doença
mais comum em felinos do que em caninos. De uma forma geral, qualquer situação clinica renal ou nefropatia hipocalcêmica. A urinálise tende a evidenciar uma baixa densidade
que ative o sistema renina-angiotensina-aldosterona (insuficiência renal, insuficiência urinária (< 1.025), e freqüentemente esta próxima de uma isostenúria (1.008 – 1.012).
cardíaca, hipovolemia) pode provocar um hiperaldosteronismo secundário. Contudo, Além de hematologia, bioquímica e urinálise, exames de imagem (radiografia e ultra-
nestas situações, o hiperaldosteronismo trata-se de uma resposta fisiológica. sonografia) podem ser úteis na identificação de massas adrenais.

4.1 Apresentação e Sintomas O diagnóstico definitivo poderá ser firmado frente à dosagem sérica de
aldosterona, que deve estar aumentada no hiperaldosteronismo. Contudo, a coleta da
A apresentação inicial pode ser decorrente de uma diversidade de problemas amostra de sangue para dosagem deste hormônio deve ser realizada antes de qualquer
relacionados à fisiopatologia do processo, como por exemplo, a hipertensão. Hipertensão manejo terapêutico, como fluidoterapia ou medicações que reduzam a pressão arterial
crônica costuma estar associado muitas vezes a hemorragias retinianas, ou sub- (diuréticos, anti-hipertensivos). Na tentativa de diferenciar um hiperaldosteronismo
retinianas (retinopatia hipertensiva) que podem levar a cegueira, ou uma diversidade de primário de um secundário faz-se necessária dosagem sérica de renina. O
sintomas neurológicos em decorrência de hemorragias cerebrais secundárias a hiperaldosteronismo primário estará associado a uma concentração elevada de
hipertensão. Sinais clínicos relacionados a hipocalemia são bastante freqüentes, como aldosterona e baixa concentração de renina, enquanto no hiperaldosteronismo secundário
fraqueza, flexão ventral do pescoço e mioalgia secundária a miopatias hipocalêmicas. a concentração de renina também estará elevada.
Muitos pacientes apresentam poliúria e polidipsia como conseqüência da hipocalemia. A
avaliação cardiovascular destes pacientes evidencia hipertensão em praticamente 100% 4.3 Tratamento
dos casos, e sopro cardíaco muitas vezes pode ser detectado à ausculta em decorrência
da indução de alterações cardíacas pela hipertensão. A palpação abdominal de alguns Antes de qualquer medida mais drástica, é fundamental obter-se um controle da
gatos acometidos pode evidenciar a presença de uma massa adrenal, se esta for grande hipertensão e da hipocalemia. O tratamento definitivo e que apresenta melhor prognóstico
o suficiente. A perda de peso é um sinal comumente relatado na história clínica. é a ressecção tumoral. A espironolactona é empregada no controle inicial da doença.
Suas propriedades antagonistas ao receptor de aldosterona fazem com que esta
4.2 Avaliação Laboratorial e Testes de Diagnóstico medicação apresente um efeito interessante tanto na reversão da hipocalemia, tanto no
controle da pressão arterial. Como o sistema de reabsorção de sódio e excreção de
Uma avaliação de rotina de pacientes suspeitos de hiperaldosteronismo deve potássio é mediado basicamente pela atividade da bomba de sódio e potássio na
incluir um bom perfil hematológico, bioquímico e urinário, na tentativa de excluir outros membrana baso-lateral das células dos túbulos renais, a administração de uma dieta
problemas associados, e excluir outros diagnósticos diferenciais. Apesar da patofisiologia restrita em sódio, bem como a suplementação oral de potássio, podem auxiliar no controle
da doença envolver a retenção de sódio e a maior excreção de potássio, a detecção de da hipocalemia. Eventualmente o uso da espironolactona não reduzirá de forma efetiva a
hipernatremia é menos freqüente que a detecção de hipocalemia, o principal marcador pressão arterial sistêmica, especialmente em gatos. Nestes casos, uma dose 0,625
bioquímico do hiperaldosteronismo. Nas rotinas onde a gasometria encontra-se mg/dia de anlodipino para gatos; e 0,5 mg/kg/dia de maleato de enalapril para cães,
disponível, uma elevação de CO2 evidencia alcalose metabólica secundária a maior podem ser aplicados com objetivo de controlar melhor a hipertensão. O prognóstico é

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favorável quando é possível realizar a adrenalectomia com sucesso. Contudo,


complicações já estabelecidas da hipertensão, como a cegueira, por exemplo, não são Hipoadrenocorticismo secundário é extremamente raro, mas possível, e está
reversíveis. associado à destruição, ou perda da capacidade secretória de ACTH pela adenohipófise.
No entanto, ainda é mais comum na prática médica, outras formas de SA primárias,
5. HIPOADRENOCORTICISMO (SÍNDROME DE ADDISON) porém iatrogênicas. O hipoadrenocorticismo iatrogênico pode ser resultado do uso
crônico de drogas como o mitotano e o trilostano empregadas no tratamento do
O hipoadrenocorticismo de ocorrência natural é uma doença caracterizada pela hiperadrenocorticismo, bem como por outras drogas como etomidato, imidazólicos,
perda da capacidade secretória do córtex adrenal, e é uma condição extremamente rara metiraponas e mifepristona, apesar de pouco comuns. Outra possibilidade de ocorrência
em cães, e ainda menos comuns em felinos. Em cães, a freqüência estimada esta em de SA iatrogênica é pela interrupção abrupta da administração de glicocorticóides após
cerca de 1 caso para cada 2.000 a 3.000 cães. O hipoadrenocorticismo também é um longo período de uso deste tipo de medicamentos (p. ex. pacientes com atopia, ou
conhecido como síndrome de Addison (SA), em virtude de ter sido Tomas Addison, o doenças imuno-mediadas). O uso crônico de corticóides exógenos leva a inibição da
primeiro a descrever em humanos, um conjunto de sintomas associados a hipofunção função do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, resultando em uma falência inicial da função
adrenocortical, no ano de 1855. A doença típica esta associada à perda da capacidade glandular, caso uma administração crônica seja interrompida de forma abrupta.
secretória de glicocorticóides e de mineralocorticóides. Alguns casos atípicos poderão
apresentar deficiência seletiva da produção de glicocorticóides. Esta síndrome é 5.2 Apresentação e Sintomas
potencialmente fatal se não reconhecida e tratada imediatamente, especialmente frente a
uma crise addisoniana aguda. A doença comumente se manifesta em animais jovens ou de idade média, no
entanto, existem relatos de diagnóstico de SA em cães variando de 2 a 14 anos. Existe
5.1 Etiopatogenia uma maior predisposição (2,3:1) de ocorrência da doença em fêmeas do que em machos,
e algumas raças são mais predispostas como o Poodle Standard, Bearded Collie,
Cerca de 95% dos casos de hipoadrenocorticismo canino são referidos como Rottweiller, Great Dane e West Withe Highland Terrier. A apresentação inicial pode variar
hipoadrenocorticismo primário, uma vez que o problema está localizado na glândula de um colapso agudo com choque hipovolêmico e hipoperfusão generalizada, até sinais
adrenal propriamente, com a perda de pelo menos 90% do parênquima sendo necessária mais brandos, vagos e pouco específicos, como observado no hipoadrenocorticismo
para que ocorra manifestação clínica. Na maioria dos casos a causa por trás do crônico. Animais com SA crônica, normalmente apresentam uma história clínica de um
desenvolvimento da SA é uma destruição idiopática ou imuno-mediada do córtex adrenal. “mal que vem e vai”, ou seja, os proprietários relatam que parece existir uma doença que
Nos casos imuno-mediados é possível se detectar infiltrados mononucleares em ambas deixa o animal mal, e que cessa e retorna periodicamente. Nestes casos, normalmente
glândulas (adrenalite imuno-mediada), bem como anticorpos anti-elementos da glândula observa-se o desenvolvimento dos sinais clínicos após exposição a situações de
adrenal. A ocorrência desta síndrome apresenta uma predisposição genética bem definida estresse, e existe o relato de que o animal vinha a melhorar após administração de fluidos
em cães da raça Poodle Standard e Bearded Collies, sendo identificado um padrão de ou de corticóides.
transmissão recessivo. Outras causas menos comuns de hipoadrenocorticismo primário
envolvem a destruição da glândula por doenças infecciosas (granulomas fúngicos, p. ex.), 5.2.1 Sinais Clínicos
doenças infiltrativas, assim como destruição secundária a hemorragias frente a
coagulopatias.

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A apresentação clássica de um crise addisoniana aguda envolve colapso agudo, dos donos. Outros sinais neuromusculares como megaesôfago e câimbras e tremores
hipovolemia e desidratação intensa, vômitos, diarréia, dor abdominal, hipotermia com podem estar presentes.
extremidades frias, e muitas vezes pode haver severa hemorragia gastro-intestinal com
melena e hematoemese (Figuras 23 e 24). É muito sugestivo de hipoadrenocorticismo, o
paciente apresentando bradicardia mesmo na presença de hipovolemia, ou ainda a
ausência de taquicardia nestas situações. Este tipo de apresentação representa um
quadro emergencial e extremamente delicado, contudo a resposta a uma terapia
adequada e bem empregada tende a ser favorável.

Figura 24. Hematemese apresentada pelo mesmo cão da Figura 22. A ocorrência deste
sintoma esteve associada a intensa azotemia.

Além disto, os pacientes apresentados com SA crônica tendem a mostrar-se


hipovolêmicos, desidratados e com os demais sinais relacionados à apresentação aguda,
porém em menor intensidade comumente. A hipotensão observada em quase a totalidade
dos pacientes com diagnóstico de hipoadrenocorticismo é devido a deficiente secreção de
aldosterona, bem como da ausência do efeito pressórico dos glicocorticóides sobre os
vasos. O Quadro 2 sumariza os principais problemas clínicos observados em animais com
Figura 23. Colapso, fraqueza, dor abdominal intensa e hipotensão em uma Poodle com hipoadrenocorticismo.
hipoadrenocorticismo iatrogênico após 4 dias de uso do mitotato para tratamento de
hiperadrenocorticismo. O desenvolvimento da crise Addisoniana em tão pouco tempo é
uma exceção a regra. Quadro 2. Principais problemas clínicos observados em animais com
hipoadrenocorticismo.
Os paciente apresentados com hipoadrenocorticismo crônico normalmente tem
Fraqueza* Letargia*
histórico de sinais vagos e nada específicos, normalmente envolvendo problemas gastro-
Emese* Hematemese
intestinais, renais ou neurológicos. De uma forma geral, este tipo de paciente tendem a
Diarréia Desidratação / Hipovolemia*
apresentar uma combinação de sinais como letargia, fraqueza, depressão, inapetência,
Hipotermia Melena / Hematoquesia
vômitos e diarréias, com a severidade dos sinais variando bastante de indivíduo para
Bradicardia Tremores
indivíduo, isto em parte, pelo grau de insuficiência adrenal de cada paciente (Figura 25).
Anorexia / Inapetência* Convulsões
Pode haver poliúria e polidipsia nestes pacientes em decorrência da natriurese induzida
Choque Perda de peso
pela ausência de aldosterona, contudo na maioria das vezes esta não é a queixa principal
Enrijecimento muscular Poliúria / Polidipsia

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Depressão* Quadro 3. Alterações observadas na patologia clínica de pacientes com


* Sinais clínicos mais comuns presentes em quase todos os casos. hipoadrenocorticismo.
Hematologia
Anemia não-regenerativa Ausência de linfopenia e eosinopenia em
um animal sob estresse
Linfocitose Eosinofilia
Bioquímica Clínica
Hipercalemia Hiponatremia
Hipocloremia Azotemia pré-renal
Hiperfosfatemia Hipercalcemia
Hipoglicemia Baixa pCO2 e HCO3- (acidose metabólica
Hipoproteinemia Hipoalbuminemia
Urinálise
Figura 25. Paciente SRD com 3 anos de idade apresentado com histórico crônico de DEU variando de diluída a concentrada
inapetência, vômitos, dores abdominais, fraqueza, depressão e apatia. Observar a
postura anti-álgica e a condição corporal débil.
As alterações bioquímicas mais comuns envolvem a presença de azotemia,
5.2.2 Avaliação laboratorial e testes diagnósticos
hiponatremia, hipercalemia e hipocloremia, sendo a hipercalcemia e a hipoglicemia menos
comuns. A hiponatremia e a hipercalemia são resultados diretos da deficiência de
Uma diversidade de alterações laboratoriais ficam evidentes em pacientes com
aldosterona, que estimula basicamente a reabsorção de sódio a partir da luz tubular do
hipoadrenocorticismo, contudo, frente a um paciente suspeito, a simples detecção de um
néfron distal ao mesmo tempo em que estimula a excreção urinária do potássio. Desta
hemograma com presença de linfocitose e/ou eosinofilia, ou a ausência de um
forma, na SA o paciente passa a reabsorver menor quantidade de sódio ao passo em que
hemograma de estresse em um paciente que definitivamente não esta bem, é um forte
acumula potássio no organismo. Apesar disto, muitas vezes é difícil demonstrar a
indicativo de hipoadrenocorticismo. O eritrograma comumente evidencia anemia não-
hiponatremia (comumente valores menores que 135 mmol/L) e a hipercalemia
regenerativa secundária a doença crônica e a hemorragia gastro-intestinal, apesar de que
(freqüentemente maior que 5,5 mmol/L). Desta forma a avaliação da razão sódio:potássio
ás vezes a medula ainda consegue evidenciar alguma regeneração de acordo com a
passa a ser bastante útil. Um valor considerado normal é uma relação Na:K > 30:1.
severidade da perda de sangue. Um fator interessante que deve ser observado, é que a
Valores menores que 27:1 na relação Na:K são sugestivos de hipoadrenocorticismo, e
desidratação normalmente subestima a magnitude da anemia em decorrência da
quanto mais baixa a relação (p, ex. Na:K < 23:1) maior a chance de tratar-se de
concentração dos eritrócitos em um plasma hipovolêmico. O Quadro 3 apresenta as
hipoadrenocorticismo. Da mesma forma o íon cloreto fica bastante reduzido (< 100
principais anormalidades clinico-patológicas observadas em cães com
mmol/L), acompanhando o sódio. Contudo, é importante lembrar que pacientes em
hipoadrenocorticismo.
tratamento com trilostano, bem como hemólise e artefatos podem também provocar
redução na relação Na:K.

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É importante lembrar que estas alterações podem ser mascaradas por tratamento intestinal e menor síntese pelo fígado, assim como a hipoglicemia, conseqüência da
iniciais, como fluidoterapia, por exemplo. Desta forma, a ocorrência de baixas relações menor gliconeogênese na falta de glicocorticóides. A magnitude da hipoproteinemia pode
sódio:potássio são fortemente preditivas de SA, contudo, a ausência destas alterações ser mascarada pela desidratação da mesma forma que o eritrograma.
não afasta de forma alguma a possibilidade de tratar-se de hipoadrenocorticismo. Muitos
casos que não apresentam distúrbios eletrolíticos podem ser pacientes com quadros Os exames de imagens são relativamente úteis de uma forma geral, por
iniciais de hipoadrenocorticismo, onde ainda resta uma secreção residual de apresentarem algumas características compatíveis, mas não específicas de SA na
mineralocorticóides, ou em casos atípicos em que só há deficiente produção de maioria das vezes. As radiografias evidenciam microcardia, redução na áreas da veia
glicocorticóides. Cava Caudal, microhepatia e redução do calibre da artéria Pulmonar cranial.
Megaesôfago também pode evidenciado em radiografias. A ecografia é bastante útil em
Nestes casos, muitas vezes a administração de mineracorticóides não é demonstrar menor volume tanto de fígado quanto de baço, assim como uma reduzida
necessária inicialmente, mas pode tornar-se obrigatória a medida que a doença evolui em espessura das adrenais, uma das principais diferenças entre um cão normal e um com
questão de semanas ou meses. Além disto, é importante lembrar que uma grande SA. No entanto, a maioria dos achados citados acima, são evidências de hipotensão
variedade de condições patológicas associadas ao sistema urinário, digestivo ou ao somente, não de hipoadrenocorticismo.
fígado podem provocar alterações hidroeletrolíticas semelhantes às observadas na SA, o
que torna o diagnóstico um tanto desafiador, especialmente porque transtornos gastro- O diagnóstico definitivo de SA se obtém ao demonstrar-se a falta de resposta em
intestinais, renais ou hepáticos são muito mais comuns do que hipoadrenocorticismo. um teste de estimulação com ACTH, ou uma resposta fraca (cortisol pós-ACTH menor
Outros fatores que podem alterar o perfil hidro-eletrolítico são pancreatite, estágios finais que 50 ng/mL). O protocolo é idêntico ao utilizado para diagnostico e monitoramento do
de insuficiência cardíaca, efusões cavitárias, neoplasias e gestação. Outros dois fatores hiperadrenocorticismo (coleta de sangue para dosagem de cortisol basal, seguido da
confundidores importantes de serem lembrados são a falsa hipercalemia induzida pela aplicação de 5 µg/kg de Cosintropina – ACTH sintético – ou 250 µg/animal7, com posterior
hemólise de amostras (liberação de potássio intracelular), e a hipercalemia do Akita. coleta de sangue para nova dosagem de cortisol em 1 hora). A dosagem de cortisol basal
não fornece um diagnostico definitivo, apesar de que normalmente a concentração estará
O eletrocardiograma (ECG) é uma ferramenta útil na avaliação do paciente com bem baixa (< 5 ng/mL, ocasionalmente menor que 1 ng/mL). É fundamental que o teste
SA, e é um indicador sensível de hipercalemia, ao evidenciar alterações como aumento seja realizado antes da administração de corticóides que não a dexametasona
na amplitude da onda T, menor amplitude ou ausência da onda P, redução no intervalo (prednisona, prednisolona, hidrocortisona), uma vez que estes corticóides sintéticos
QT e aumento no intervalo PR. apresentam reação cruzada com o cortisol nos imunoensaios. Apesar de definitivo como
diagnóstico, o teste não diferencia a origem do problema (primário, secundário ou
A hipoperfusão renal associada à hipotensão provocada pela SA ocasiona a iatrogênico). A dosagem sérica de ACTH, seguindo os mesmos preceitos discutidos no
ocorrência de azotemia pré-renal e de hiperfosfatemia. Além disso, a perda urinária de capítulo sobre hiperadrenocorticismo, pode distinguir a origem entre primária
sódio acaba tornando o interstício renal hipotônico, o que leva a dificuldades na (concentração de ACTH usualmente > 200 pmol/L), e secundária (concentração de ACTH
reabsorção de água no néfrom distal. Por esta razão, boa parte dos pacientes com SA comumente < 5 pmol/L, as vezes indetectável).
apresenta urina diluída na urinálise. Estes dois aspectos fazem com muitos pacientes
com hipoadrenocorticismo sejam erroneamente diagnosticados com doença renal 7
Nota do Autor: no processo investigativo de um possivel hipoadrenocorticismo, o Autor opta pela estimulação
máxima da glândula com uma dose de 250 µg/animal, independente do peso do paciente. No entanto alguns autores
primária severa. Hipoproteinemia e hipoalbuminemia podem ocorrer, frente a maior perda defendem a administração de 125 µg/animal em pacientes com menos de 5 kg de peso corporal, e em felinos.

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Até lá algumas sugestões de protocolos envolvem a administração de succinato


A anamnese e história clínica auxiliam na identificação de casos iatrogênicos (uso sódico de hidrocortisona (SSH) a 1mg/mL em infusão continua na dose de 0,5
excessivo de mitotano ou trilostano para tratamento de HAC, ou descontinuidade de uso mg/kg/hora. Como opção a este protocolo que exige a disponibilidade de uma bomba de
crônico de corticóides). A dosagem de aldosterona sérica antes e após a estimulação infusão, pode-se administrar SSH em bolus na dose de 5 – 20 mg/kg, IV, a cada 6 horas.
pelo ACTH pode auxiliar na determinação de pacientes com hipoadrenocorticismo Outras opções com outros glicocorticóides envolvem a administração de succinato sódico
primário (baixa concentração de aldosterona) e de pacientes com hipoadrenocorticismo de predinisolona na dose de 4 – 20 mg/kg, IV, seguido de fosfato sódico de
secundário ou atípicos (concentração de aldosterona relativamente normal). dexametasona na dose de 0,05 a 0,1 mg/kg diluído no fluido que esta sendo administrado
IV ao longo de 12 horas, ou ainda a administração de um bolo de dexametasona na dose
5.3 Tratamento de 0,1 a 2 mg/kg, IV, seguida da administração de fosfato sódico de dexametasona na
dose de 0,05 a 0,1 mg/kg diluído no fluido que esta sendo administrado IV ao longo de 12
Os objetivos do tratamento são restabelecer a homeostase do animal, e assim horas. Como a atividade mineralocorticóide destes glicocorticóides é reduzida, a
prevenir e controlar os desarranjos metabólicos do paciente. Animais em crise administração de pivalato de desoxicorticosterona (DOCP) em dose única de 2,2 mg/kg,
addisoniana necessitam de uma rápida intervenção, e muitas vezes o choque IM, pode ser necessária. Contudo esta droga esta disponível somente nos EUA, e
hipovolêmico pode evoluir para falência múltipla de órgãos e óbito se não combatido administração oral de um mineralocorticóide disponível, como a fludrocortisona (0,01
rapidamente. O tratamento em longo prazo tem por objetivos manter o equilíbrio do sódio mg/kg, a cada 12 horas), pode ser tentada após controle dos vômitos. O uso de
e do potássio no organismo, bem como evitar complicações secundárias a deficiência de dexametasona num paciente suspeito é menos indicado porque além de ter uma meia
glicocorticóides. vida longa de mais de 48 horas (caso o paciente não tenha hipoadreno, o mesmo foi
exposto a uma dose desnecessária de um potente glicocorticóide – 30x mais que o
5.3.1 Tratamento inicial do paciente em crise addisoniana cortisol), a atividade mineralocorticóide da dexametasona é igual à zero (caso o paciente
tenha hipoadrenocorticismo, não se estará administrando um mineralocorticóide). A
Os pacientes em crise addisoniana são suscetíveis à administração excessiva de hidrocortisona é considerada a droga ideal por apresentar ambas atividade glicocorticóide
fluidos, assim como rápida estabilização do sódio, o que pode gerar uma série de e mineralocorticóide.
sintomas neurológicos secundários a danos estruturais reversíveis no SNC. Um protocolo
básico para intervenção na SA é administração de solução salina 0,9% a uma taxa de 20- A administração de glicose nos fluidos se fará necessária somente se houver
40 mL/kg/hora por via intra-venosa nas primeiras 3 horas, seguida da administração hipoglicemia detectada, e nestes casos, a administração de fluidos com 2,5% de glicose,
subseqüente na dose de no máximo 5 mL/kg/hora. O sódio deve ser monitorado, para IV são suficientes (adicionar 25 mL de glicose 50% a cada frasco de 500 mL de solução
garantir que não irá aumentar mais do que 10 a 12 mmol/L nas primeiras 24 horas; o que salina). A resposta glicêmica do paciente deverá ser monitorada. A correção da
se não respeitado pode induzir lesões neurológicas (mielinólise). A terapia parenteral hipercalemia normalmente ocorre espontaneamente com a administração de fluidos IV.
deverá ser mantida até que o paciente encontre-se re-hidratado, com a função gastro- No entanto, nos casos onde houver uma hipercalemia muito pronunciada pode-se
intestinal regulada, e até que o paciente esteja bebendo e comendo sozinho, para que a adicionar bicarbonato de sódio (1 a 2 mEq/kg, de forma lenta, por via IV) ao fluido. Outra
terapia possa ser iniciada por via oral. opção é administração de glicose e insulina regular por via intravenosa para redução do
potássio, uma vez que a insulina estimula a captação de potássio pelas células.
Administra-se 0,5 U/kg de insulina regular com 3 gramas de glicose/unidade de insulina,

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sendo metade da dose de glicose administrada em bolo, e o restante ao longo de 6 horas, De uma forma geral, recomenda-se à administração dos mineracorticóides
diluída na solução salina. Nestes casos, a monitoração da resposta glicêmica também se divididos em 2 vezes por dia para proteger o animal de vomitar a dose total, caso surja um
torna fundamental. problema gastro-intestinal. A dose de glicocorticóides deve ser aumentada sempre que o
paciente for passar por situações de estresse (ida ao veterinário, estética, passeios mais
5.3.2 Tratamento em longo prazo longos, viagens de carro, afastamento dos donos). Contudo a identificação do que é uma
situação estressante para o animal pode ser um pouco complicado. Neste sentido, a
Após estabilização inicial do paciente, ou naqueles casos onde o diagnóstico é educação dos proprietários é fundamental. Inicialmente pode-se monitorar o paciente
feito em um animal clinicamente estável (sem vômitos, ou diarréia), é necessário manter a semanalmente para checar equilíbrio hidro-eletrolítico e estado geral, passando-se
reposição de mineralocorticóides e glicocorticóides para garantir a vida do animal. Os posteriormente a avaliações trimestrais a semestrais. Contudo, muitos animais tratados
animais afetados apresentam uma redução na capacidade de modificar o balanço do com fludrocortisona não necessitam de glicocorticóides, podendo ser tratados somente
sódio e água no organismo, e desta forma jamais se deve administrar uma dieta pobre em com este mineralocorticóide que apresenta um efeito glico discreto, devendo-se testar a
sódio a estes animais. Alguns autores defendem a adição de sal a dieta destes animais, retirada dos glicocorticóides gradualmente após a estabilização inicial do paciente. Caso o
no entanto este ponto é bastante polêmico na literatura, sendo que a maioria dos autores mesmo não tolere esta redução, deve-se manter o paciente com a menor dose eficaz. O
julga a administração de sódio desnecessária, defendendo-se o ajuste na dose das paciente deve-se manter clinicamente estável, com uma qualidade de vida normal e
medicações para ajustar a natremia. Nos casos onde a fludrocortisona não esta sendo mantendo o peso corporal estável. Animais com hipoadrenocorticismo atípico podem
efetiva sozinha, pode-se adicionar sal de cozinha na dose de 0,1 g/kg/dia na dieta. necessitar somente de glicocorticóides inicialmente.

Os protocolos para tratamento médico do hipoadrenocorticismo envolvem a O prognóstico destes pacientes é excelente, desde que se identifique a doença e
administração de mineralocorticóides semi-seletivos como a fludrocortisona, ou seletivos se trate de forma adequada. Estes animais tendem a ter vidas normais, mas é importante
como a DOCP, associados à administração de glicocorticóides semi-seletivos como a alertar aos donos que as medicações jamais devem ser descontinuadas, e frente a
cortisona, prednisona e prednisolona. Um protocolo interessante quando há doenças não adrenais, ou episódios de estresse é fundamental aumentar a dose de
disponibilidade do DOCP é a administração de 2 mg/kg por via IV ou SC uma vez por glicocorticóide do paciente, uma vez que o mesmo não apresenta nenhuma reserva
mês, associado à administração de prednisona de acordo com a necessidade (2,5 a 10 funcional. Além disso, a monitoração atenta de pacientes com hipoadrenocorticismo
mg/dia, ou dia sim dia não). No Brasil, os protocolos disponíveis mais eficazes envolvem a atípico, em busca dos primeiros sinais que possam indicar a necessidade de
administração de fludrocortisona em uma dose aproximada de 0,1 mg/5 kg de peso mineralocorticóides no tratamento, é um ponto importante de ser observado. A média de
corporal do paciente (dividido em duas vezes por dia), associado à administração de sobrevida de animais com SA é de 5 anos após o diagnóstico, contudo muitas vezes o
prednisona de acordo com a necessidade (2,5 a 10 mg/dia, ou dia sim dia não). Outra animal passa anos passando por diversos veterinários antes de receber um diagnóstico
opção seria a administração de hidrocortisona na dose de 0,625 mg/kg, divido de 3/4 a de hipoadrenocorticismo.
2/3 da dose pela manhã e o restante à tarde, associado à administração de
fludrocortisona na dose de 0,05 mg/5 kg de peso corporal (dividido em duas vezes por 6. FEOCROMOCITOMA
dia).
Os feocromocitomas são tumores secretores de catecolaminas originados a partir
das células cromafins da medula adrenal oriundas do neuroectoderma embrionário.

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Apesar de descrito em diversas espécies de mamíferos domésticos e em humanos, é


uma neoplasia bastante rara, e normalmente associada a outros tumores mesenquimais,
ou a outros tumores endócrinos, como os que levam ao desenvolvimento de HPD,
carcinomas de tireóide e hiperplasia de paratireóides. Em humanos, os feocromocitomas
secretam predominantemente noradrenalina do que adrenalina, no entanto não se tem
esta informação nos tumores adrenomedulares de cães e gatos. Os diversos efeitos da
maior secreção de catecolaminas no sangue são oriundos da interação e potência de
ativação dos diferentes tipos de receptores α e β dispersos pelos diferentes tecidos.

6.1 Apresentação e Sintomas

A ocorrência desta patologia é extremamente rara no cão, e ainda menos comum Figura 26. Feocromocitoma detectado na necropsia de uma Boxer de 9 anos com
hiperadrenocorticismo pituitário dependente. Observar no detalhe a hiperplasia bilateral
em gatos. A média de idade na apresentação inicial é em torno de 10,5 anos, mas relatos do córtex das adrenais, uma associação rara de ser detectada.
variam de 1 a 15 anos. Aparentemente não há predileção sexual. Cerca de 50% dos
feocromocitomas são invasivos localmente e apresentam taxas de metástases (fígado, As queixas comuns envolvem perda de peso, anorexia e depressão, assim como

pulmões, linfonodos, baço, ossos, e SNC) na ordem de 15 a 30%. O diagnóstico de os sinais respiratórios. A taquicardia e arritmias são efeitos diretos das catecolaminas. As

feocromocitoma é bastante desafiador, e cerca de até 48% dos casos podem ser mucosas podem estar hiperêmicas ou pálidas em virtude de hemorragias e

descobertos na necropsia somente (Figura 26). O diagnóstico ainda em vida é importante, vasoconstrição (até um terço dos casos). Distensão abdominal pode estar presente

uma vez que se podem evitar as complicações limitantes à vida causadas pelos secundário a ascite por obstrução vascular, ou como resultado de hemorragias. Alguns

feocromocitomas. animais poderão evidenciar massas abdominais palpáveis. A avaliação retiniana pode
evidenciar sinais de retinopatia hipertensiva. Apesar de comum, a hipertensão sistêmica

A maioria dos sinais clínicos observados em cães com feocromocitomas são (pressão sistólica > 160 mmHg e pressão diastólica > 100 mmHg) não tem a sua

secundários aos efeitos biológicos das catecolaminas. Contudo, alguns sinais podem ser verdadeira incidência determinada podendo estar associada com distúrbios

secundários a invasão local de estruturas pelo tumor (rins, veia Cava, artéria Aorta, canal concomitantes e não com o feocromocitoma. A Paralisia dos membros posteriores pode

medular), o que pode levar de forma mais drástica a trombose da veia Cava caudal ou ser secundária ao tromboembolismo ou por problemas neurológicos primários.

hemorragia intra-abdominal aguda. Os sintomas podem ser brandos e aparentemente


ausentes, até graves como colapso circulatório (Figura 27). Da mesma forma, os sinais Quadro 4. Sinais clínicos associados à presença de feocromocitomas.

podem ser agudos, episódicos, ou podem ser crônicos e progressivos dependendo da Perda de peso Anorexia
natureza secretora do tumor (intermitente ou continua), da quantidade e tipo de Depressão Fraqueza

catecolamina secretada e se há ou não invasão de estruturas. O Quadro 4 sumariza os Colapso Agitação


principais sinais clínicos observados em pacientes com feocromocitomas. Insônia Dispnéia
Ofegação Tosse

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Intolerância ao exercício Cianose agulha fina podem ser úteis na identificação de feocromocitomas e na diferenciação das
Epistaxe Convulsões massas adrenais de outras origens, apesar do risco do trauma com a agulha aumentar
Paraparesia Ataxia ainda mais a pressão.
Midríase Poliúria e polidipsia
Distenção abdominal Diarréia O diagnóstico definitivo de um feocromocitoma é bastante difícil, contudo
Vômitos Taquiarritimia clinicamente é possível determinar tratar-se de um feocromocitoma frente a uma massa
Hipertensão adrenal, diferenciando de tumor adrenocortical ou aldosteronoma; outras causas
potenciais de hipertensão também. Os exames de imagens, como a ultra-sonografia,
radiografias, tomografia computadorizada e ressonância magnética são de grande valia
na determinação da presença destas massas adrenais, bem como do grau de invasão
dos tecidos adjacentes e na busca por metástases pulmonares, linfáticas ou hepáticas,
por exemplo.

Apesar de métodos bem determinados para detecção de catecolaminas no


plasma, e seus metabólitos (metanefrina, normetanefrina e ácido vanililmandélico) na
urina, em humanos; estes testes não são aplicados rotineiramente na prática veterinária,
tanto pelas dificuldades relacionadas ao estresse (o animal estressado aumentará a
concentração de catecolaminas no plasma), quanto às dificuldades envolvendo coleta de
urina ao longo de 24 horas (para determinação dos metabólitos urinários). No entanto, a
Figura 27. Paciente Fox Terrier com 9 anos apresentado com queixa de ofegação
intermitente, agitação, nervosismo, hipertensão arterial sistêmica, poliúria e polidipsia e principal limitação é a ausência de valores de referência tanto das catecolaminas, quanto
com imagem ecográfica sugestiva de feocromocitoma. de seus metabólitos para cães e gatos. Uma possibilidade é o teste de supressão pela
clonidina, que uma vez na circulação poderia suprimir a secreção de catecolaminas via
6.2 Avaliação Laboratorial e Diagnóstico
sua ação sobre receptores α2. Como os feocromocitomas secretam de forma
independente de aferências neurais, a secreção de catecolaminas não é afetada pela
Os exames laboratoriais normalmente não trazem muitas informações úteis ao
administração de clonidina. No entanto flutuações na taxa de secreção das catecolaminas
diagnóstico, apresentando alterações bastante inespecíficas, como hemograma de
pelo tumor podem interferir nos resultados do teste, levando a viés de interpretação.
estresse associado a trombocitopenia ou trombocitose; elevada atividade das enzimas
hepáticas, porém sem evidências de massas hepáticas; hipoalbuminemia, que pode ser
6.3 Tratamento
grave ocasionalmente e hipercolesterolemia que pode ser observada muitas vezes.
Muitos casos apresentam azotemia e hiperfosfatemia indicando disfunção renal, e a
A adrenalectomia é o único tratamento definitivo, e profissionais experientes
proteinúria normalmente esta correlacionada a glomerulopatia hipertensiva. Animais com
deverão ser solicitados a fazer este procedimento pelo elevado grau de infiltração dos
HPD associado a feocromocitomas podem ter este fator confundidor a mais, com a
tumores e hipertensão, com elevado grau de hemorragias trans-operatórias. Muitas vezes
tendência de se atribuir todos os sinais clínicos ao hipercortisolismo. Aspirados com
faz-se necessária a nefrectomia do rim adjacente, bem como ressecção de parte da veia

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cava caudal. O manejo prévio da hipertensão pode ser obtido com uso de drogas α- 7. BRADDOCK JA, CHURCH DB, ROBERTSON ID, WATSON ADJ. Trilostane
antagonistas como a fenoxibenzamina (0,2 – 1,5 mg/kg, VO, duas vezes por dia) ou
treatment in dogs with pituitary-dependent hyperadrenocorticism. Aust Vet J 2003;
prazozina (0,5- 2 mg/kg, VO, duas a três vezes por dia). A administração de β-
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bloqueadores (p.ex. propranolol) para controle de arritimias jamais deve ser realizada sem
uso adicional de α-antagonistas sob risco de redução intensa do débito cardíaco. 8. BRUYETTE DS. Cushing: terapia com seleginina. Selecion Vet 1999; 7(1):20-27.

9. CASTILLO O, KERKEBE M, ZENIL A, DÍAZ MA, LIRA M, SANTIS O.


O prognóstico depende muito das características de invasividade do tumor,
Adrenalectomia laparoscópica en pacientes con síndrome de cushing. Rev Chil
tamanho e comportamento biológico do mesmo, além claro, do êxito trans e pós-
operatório imediato. A sobrevida após cirurgia pode estender-se de 18 meses a mais de 2 Urol 2007; 72(1):55-58.
anos, apesar da características malignas dos feocromocitomas e da elevada freqüência
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embrionário e crescimento normal dos indivíduos. Além disto, nos adultos, os HT mantêm
73. WHITE SD, CERAGOLI KL, BULLOCK LP, MASON GD, STEWART WMD.
a estabilidade metabólica ao regular o consumo de oxigênio, peso corporal e metabolismo
Cutaneos markers of canine hyperadrenocortism. Comp Sm Anim 1989; 11(4): 446- intermediário. O metabolismo tireoidiano esta sob um fino controle hipotalâmico e

465. hipofisário, além de contar com outros mecanismos de controle. Situações de hipofunção
ou hiperfunção deixam mais claros os efeitos destes hormônios. O hipotireoidismo, de
74. YOUNG WF, THOMPSON GB. Role for laparoscopic adrenalectomy in patients
uma forma geral, é mais comum na espécie canina, ao passo que o hipertireoidismo é
with cushing’s syndrome. Arq Bras Endocrinol Metab 2007; 51(8):1349-1354. mais comum nos felinos. Em íntimo contato com as tireóides, as glândulas paratireóides

75. ZERBE CA. The hypothalamic-pituitary-adrenal axis and pathophysiology of produzem basicamente o paratormônio (PTH), que juntamente com a calcitonina e
vitamina D3, controlam o metabolismo do cálcio no organismo.
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Compend Small An/Exot 2000; 22(1):17-31. As glândulas tireóides estão presentes de forma bilateral, e localizadas
lateralmente aos primeiros anéis traqueais em caninos e felinos. Tecido tireoidiano
ectópico pode ser encontrado ao longo da linha média ao redor da traquéia e timo, de
forma muito semelhante à tireóide primitiva observada em invertebrados.
Histologicamente, a glândula tireóide caracteriza-se pela formação de folículos
tireoidianos, formados pelas células foliculares tireoidianas. A luz destes folículos é

211 212

Endocrinologia de Cães e Gatos (Prof. Álan Pöppl) Endocrinologia de Cães e Gatos (Prof. Álan Pöppl)

preenchida por um colóide formado basicamente de uma proteína chamada tireoglobulina. Os dois principais hormônios tireoidianos secretados pela tireóide são a tiroxina
No tecido intersticial, encontram-se as células parafoliculares da tireóide, também (3, 5,3´, 5´-tetraiodotironina ou T4), e a tri-iodotironina (3, 5,3´-tri-iodotironina ou T3).
chamadas de células C, responsáveis pela secreção de um hormônio chamado Ambos são produzidos a partir do aminoácido tirosina. A tirosina pode ser iodada, nas
calcitonina, com um efeito basicamente hipocalcemiante. posições 3 ou 5 da molécula, ou em ambas, dando origem a monoiodotirosina (MIT) ou a
uma diiotirosina (DIT). A formação destes iodoaminoácidos acontece através da iodinação
1.2 Eixo Hipotálamo-Hipófise-Tireóide
dos resíduos de tirosina na matriz da tireoglobulina, a proteína que forma o colóide
folicular. Esta reação de iodinação é catalisada pela enzima tireóide peroxidase (TPO),
A função da glândula tireóide é mantida basicamente pelo TSH (hormônio
localizada na membrana apical da célula folicular. Ambos T4 e T3 são formados dentro da
estimulador da tireóide), secretado pelos tireotrofos presentes na adeno-hipófise. Este
molécula de tireoglobulina através de uma reação de conjugação de dois DITs, ou um MIT
hormônio estimula a função dos folículos tireoidianos após interação com um receptor de
e um DIT, respectivamente, em uma reação isolada da iodinação dos aminoácidos, porém
membrana acoplado a proteínas-G. A regulação da secreção do TSH dá-se basicamente
catalisada pela mesma enzima tireóide peroxidase. A tireoglobulina é uma proteína
pela interação entre o tripeptídeo hipotalâmico TRH (hormônio liberador de tireotrofina) e
altamente antigênica e extremamente grande, com peso molecular de cerca de 660.000
os HT na adeno-hipófise. A secreção do TRH na eminência mediana da hipófise ocorre
daltons. Esta proteína é solúvel dentro do lúmen do folículo. A tiróide normalmente produz
em decorrência de uma série de estímulos neuronais sobre os neurônios secretores de
muito mais T4 do que T3, em uma relação que pode chegar até a 15:1 (T4:T3) na
TRH. Esta secreção acontece de forma pulsátil, levando a vários picos de secreção de
presença de uma ingestão adequada de iodo, sendo que o T3 é de 3 a 5 vezes mais ativo
TSH durante o dia. De forma contrária, observa-se uma retro-alimentação negativa dos
metabolicamente do que o T4.
hormônios tireoidianos sobre a secreção de TSH hipofisário e também sobre a secreção
de TRH pelos neurônios TRH hipotalâmicos. Outros hormônios hipotalâmicos como a
A glândula tireóide, de forma contrária à maioria das glândulas endócrinas, conta
somatostatina e a dopamina, assim como os glicocorticóides podem inibir a secreção do
com um estoque de HT no montante presente na tireoglobulina. Esta proteína precisa ser
TRH e TSH.
hidrolisada para que se liberem T4 e T3. Em resposta ao TSH, que estimula todos os
passos acima descritos, formam-se bolhas de colóide na membrana apical interna da
1.3 Síntese dos Hormônios Tireoidianos
célula folicular após endocitose deste material. Lisossomos fundem-se a estas vesículas
O passo limitante para uma adequada síntese de HT é uma adequada ingestão liberando suas enzimas proteolíticas. O produto da degradação da tireoglobulina são os
de iodo, uma vez que os HT são as únicas moléculas no organismo que contém iodo em aminoácidos iodados MIT e DIT, além dos hormônios T4 e T3. Os MITs e DITs não são
suas estruturas. A glândula tireóide concentra iodo através de um processo ativo liberados para circulação em decorrência da ação de deiodinases (enzimas que retiram
dependente de energia e saturável. Um transportador por simporte faz a captação de iodo da molécula), permitindo que tanto as tirosinas quanto as moléculas de iodo sejam
sódio e iodeto a partir do líquido extracelular para dentro das células foliculares. Esta reaproveitadas. Apesar da célula folicular ter capacidade de transformar T4 em T3 através
proteína de membrana é chamada de sódio iodeto simporter (NIS), e esta localizada na das deiodinases, esta via de síntese de T3 é pouco ativa nas células foliculares.
membrana baso-lateral das células foliculares. Uma outra proteína envolvida com o
1.4 Transporte e Metabolismo dos Hormônios Tireoidianos
transporte de iodeto, a pendrina, é uma proteína localizada na membrana apical das
células foliculares, e esta envolvida com o transporte de iodeto (sem haver dependência
Cerca de 70 a 80% dos HT secretados para o sangue circulam ligados a uma
do sódio) do citoplasma para o lúmen folicular, onde este iodeto pode se incorporar a
proteína específica chamada de globulina ligadora de hormônio tireoidiano (TBG). Outras
tireoglobulina.
proteínas plasmáticas como a transtiretina e a albumina transportam o restante do T4 e

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T3. As lipoproteínas também apresentam uma limitada capacidade de transporte dos HT. Os HT tem efeitos em praticamente todos os tecidos do corpo. Muitas vezes eles
Em cães e humanos, respectivamente, cerca de 0,1 a 0,03% do T4, e cerca de 1 a 0,3% podem ser vistos como fatores de crescimento, uma vez que na ausência de HT não
do T3, encontram-se na forma livre. Esta maior fração livre em cães em comparação a ocorre o crescimento normal do corpo apesar de concentrações adequadas de GH. Os
humanos deve-se a menor afinidade de ligação entre os HT e as proteínas de transporte HT apresentam ações tecido-específicas que podem ser mediados pelo efeito dos HT na
no cão. Outra diferença marcante dos cães para humanos, é que ao passo que a meia concentração e atividade de enzimas; metabolismo de substratos, vitaminas e minerais; e
vida do T4 é em torno de 7 dias, e a do T3 não passa de 1 dia em humanos; em cães, a ainda na função de outros sistemas endócrinos. Os efeitos clássicos dos HT são o
meia vida destes hormônios não passa de algumas horas (10 a 16 horas no caso do T4 estímulo ao consumo de oxigênio e gasto enérgico, estimulação da taxa metabólica basal
canino). Evidências recentes apontam que apesar do tamanho extremamente reduzido e calorigênese. Seus efeitos sobre o metabolismo energético e atividade da bomba de
dos HT, existem transportadores de membrana para ambos T4 e T3 entrarem nas células. sódio e potássio medeiam estes efeitos.

Como mencionado, a principal molécula secretada pela tiróide é o T4. A maior Tanto a síntese quanto a degradação de proteínas são estimuladas pelos HT. Na
parte do T3 circulante é produzido por monodeiodinação do T4 nos tecidos periféricos, síntese, pode residir uma parte dos seus efeitos calorigênicos, ao passo que em excesso
especialmente fígado e rins. O T4 é preferencialmente monodeiodinado nas posições 5 ou passam a ser catabólicos. Além disso, os HT influenciam de forma marcante o
5´. A deiodinação na posição 5, da origem uma molécula biologicamente inativa chamada metabolismo enérgico ao potencializar os efeitos da adrenalina em estimular a
de T3 reverso (3,3´, 5 –triiodotironina ou T3r). Já a deiodinação na posição 5da origem ao glicogenólise e gliconeogênese, além de estimular as ações da insulina na glicogênese e
T3 metabolicamente ativo. Desta forma, fica claro que cerca de 80% do T3 presente na utilização da glicose. A síntese de colesterol e suas conversões metabólicas estão
circulação não foi produzido pela tireóide, e sim é fruto da ação de diferentes deiodinases. suprimidas frente à deficiência de HT. Apesar disto, observa-se hipercolesterolemia frente
Ambos T3 e T3r são ainda deiodinados a 3,3´-diiodotironinas (T2) assim como a MITs e à deficiência de HT em decorrência da menor expressão de receptores de LDL.
DITs que são biologicamente inativos. Nesta perspectiva, podemos considerar o T4 como
2. HIPOTIREODISMO
um pró-hormônio.

O hipotireoidismo é a doença endócrina mais comum de cães, e extremamente


1.5 Efeito dos Hormônios Tireoidianos
rara em gatos. Apesar disto, ela continua sendo extremamente desafiadora nos quesitos
Apesar das evidencias que apontam para existência de receptores de HT na identificação e diagnóstico como será discutido a seguir. Depois de diagnosticada e
membrana celular e na mitocôndria, a maioria dos efeitos biológicos clássicos dos HT são adequadamente tratada, a doença apresenta um excelente prognóstico.
mediados pela interação do T3 com receptores nucleares específicos. Após ligação com
2.1 Etiopatogênia
estes receptores ocorre a alteração na transcrição de diversos RNAm. A afinidade do
receptor pelo T4 é cerca de 15 vezes menor do que pelo T3. Algumas proteínas que tem
O hipotireoidismo pode surgir a partir de disfunção em qualquer dos níveis do
+ +
sua expressão aumentada frente aos HT são a bomba de sódio e potássio (Na ,K -
eixo hipotalâmico-hipofisário-tireoidiano. Contudo, em cães adultos com hipotireoidismo
ATPase), receptores β-adrenérgicos no miocárdio, proteínas desacopladoras (UCPs) na
espontâneo, a grande maioria dos casos pode ser considerado como primário, ou seja,
mitocôndria e o receptor de LDL em diversos tecidos. Além de ligar-se ao T3, o receptor
existe uma patologia primária na glândula tireóide levando a perda da função glandular.
de HT deve ser capaz de ligar-se a um elemento responsivo à HT no DNA, uma
No entanto, a origem do hipotireoidismo ainda pode ser secundária (patologias
seqüência promotora específica dos genes responsivos a tiroxina, que uma vez ativada
irá estimular ou suprimir a transcrição de diferentes genes.

215 216
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hipofisárias) ou terciária (patologias hipotalâmicas), apesar destas apresentações serem hipofisectomia ou secundário a uso crônico de glicocorticóides ou frente ao
menos importantes em cães (também chamados de hipotireoidismo central). hiperadrenocorticismo. A deficiente produção hipotalâmica de TRH não foi descrita em
cães, apesar de bem reconhecida em humanos.
A tireoidite linfocítica representa uma alteração auto-imune onde o sistema
imune passa a atacar a glândula tireóide e seus componentes, resultando em infiltração O hipotireoidismo congênito é uma anormalidade rara em medicina veterinária,
linfocítica, macrofágica e plasmocítica no parênquima glandular com consequente contudo esta apresentação pode ser sub-estimada uma vez que a maioria dos filhotes
substituição dos folículos por tecido conjuntivo fibroso. De uma forma geral, o processo é afetados, ou nascem mortos, ou vivem pouco tempo após o nascimento, não se
lento e progressivo, levando a total destruição do parênquima glandular ao longo de identificando normalmente a causa da morte. O processo patológico envolve normalmente
meses a anos de evolução. No entanto, acredita-se que sinais clínicos de hipotireoidismo processos como hipoplasia, aplasia, disgenesia, disormoniogênese ou ainda
só tornem-se claros quando 75% do parênquima glandular estiver afuncional. Cerca de hipotireoidismo central congênito. Os cães que sobrevivem desenvolvem um quadro típico
50% dos cães adultos que desenvolvem hipotireoidismo apresentam esta alteração. A reconhecido como cretinismo. Os animais tendem a baixa estatura e apresentam más-
tireoidite linfocítica parece apresentar um componente genético e é mais comum em formações (disgenesia epifisiária, atraso na maturação epifisiária, macroglossia,
certas raças como o Boxer. A dosagem de auto anticorpos anti-tireoglobulina (TgAA) pode macrocefalia, retardo na erupção dos dentes). Além disso, muitas das características
auxiliar na identificação de cães com o processo de tireoidite em andamento, porém sem associadas ao hipotireoidismo adulto podem ser evidenciadas, além de retardo mental.
sinais clínicos evidentes. Artrites crônicas são comuns nos que sobrevivem em decorrência das más-formações
ósseas. No processo diagnostico destes filhotes se deve ter em mente que a
Outra patologia de tireóide, a atrofia idiopática de tireóide, é responsável por
concentração sérica de T4 em filhotes é cerca de 2 a 5 vezes maior que em adultos.
praticamente todos os outros casos de hipotireoidismo primário não causados por
tireoidite, e caracteriza-se pela degeneração do tecido glandular e substituição por tecido 2.2 Apresentação e Sintomas
adiposo sem presença de nenhum tipo de infiltrado inflamatório. Muitos autores
2.2.1 Epidemiologia
consideram que a atrofia idiopática de tireóide pode na verdade ser um passo bastante
avançado da tireoidite linfocítica, contudo no momento da avaliação não há mais a
Na condição de endocrinopatia mais comum de cães, estima-se que a prevalência
presença de infiltrados inflamatórios, uma vez que o processo auto-imune teria ocorrido já
esteja em torno de 0,2 a 0,6% da população de cães. Algumas raças apresentam maior
há muito tempo. Esta hipótese é sustentada pela idade mais jovem com a qual os animais
predisposição, apesar de que esta é uma doença comum em qualquer raça. Estas
apresentam a tireoidite linfocítica (altos títulos de TgAA) em comparação com cães
propensões observadas em raças como Pinscher, Retrievers, Cocker, Beagle, Setter e
identificados com atrofia de tireóide. Outras causas envolvidas no hipotireoidismo primário
Terriers refletem em parte influências genéticas no desenvolvimento do hipotireoidismo.
podem incluir tumores destrutivos, iatrogênia após tratamento de hipertireoidismo felino
Normalmente os cães afetados são de meia idade a idosos, com idade média de 7 anos
ou de tumores tireoidianos caninos e defeitos congênitos.
ao diagnóstico. No entanto, em alguns casos o diagnostico pode ser feito em cães tão
jovens quanto 2 anos de idade. Alguns estudos evidenciaram maior risco em fêmeas
Nos casos de hipotireoidismo central, a reduzida secreção de TSH resulta na
castradas, do que em machos. Apesar de que no geral, a ocorrência da doença parece ter
falta de estimulação adequada da glândula tireóide, levando a degeneração e atrofia do
distribuições similares entre machos e fêmeas. Cães de raças maiores tendem a
epitélio glandular. Esta forma de apresentação da doença representa cerca de 5% dos
desenvolver os sintomas mais jovens, assim como as raças predispostas.
casos de hipotireoidismo espontâneos. As causas mais comuns de reduzida secreção de
TSH seriam associadas a tumores hipofisários, deficiência congênita de TSH,

217 218

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2.2.2. Sinais Clínicos Transito intestinal lento Diarréia por supercrescimento bacteriano
Megaesôfago Poliendocrinopatia autoimune
Diz-se que “o hipotireoidismo é uma doença de muitas faces”, sendo um dos
motivos pelo qual freqüentemente se perde o diagnóstico se não houver atenção aos * Sinais clínicos mais comuns em cães diagnosticados com hipotireoidismo.
sinais às vezes sutis. Como vimos, os HT atuam sobre uma grande variedade de tecidos,
A grande maioria dos cães apresenta-se com uma variedade de sinais clínicos
e são potentes estimuladores do metabolismo. Desta forma, são esperados sinais clínicos
metabólicos e dermatológicos, no entanto não é incomum, que um cão apresente-se com
relacionados aos mais diversos sistemas. Apesar de um grande repertório de sinais
somente um sinal clínico pouco comum de forma isolada (sinais neuromusculares,
clínicos atribuíveis ao hipotireoidismo (Quadro 1) dificilmente irá se observar todos sinais
oculares, cardiovasculares ou reprodutivos). Os sinais clínicos dermatológicos são os
clínicos em um mesmo paciente. A magnitude da manifestação do hipotireoidismo irá
mais comuns, presentes em mais de 80% dos casos, e são decorrentes do tempo e grau
depender do grau de atrofia/degeneração glandular, bem como do tempo de evolução da
de evolução da doença. Os HT são fundamentais ao adequado crescimento e
doença. O grande desafio para o clínico é identificar manifestações sutis de
manutenção da pele e pelagem, e na sua ausência uma série de anormalidades tornam-
hipotireoidismo a ponto de fazer um diagnóstico precoce e evitar que maiores morbidades
se nítidas. Espessamento e descamação da pele, secundário a hiperqueratose, são
venham a surgir. De uma forma geral, a doença é lenta e insidiosa.
bastante comuns, assim como pele e pelos secos (Figura 1,2). Cães com hipotireoidismo

Quadro 1. Sinais clínicos associados ao hipotireoidismo canino. tendem a ficar permanentemente na fase telógena do ciclo piloso, levando a queda de
pêlos especialmente em áreas de maior atrito como face posterior das coxas, axilas,
Sinais Clínicos Metabólicos pescoço e laterais do tórax, evidenciando um típico padrão de alopecia endócrina
Letargia* Ganho de peso* normalmente não pruriginosa (Figuras 3 e 4). Os HT são fundamentais para iniciar a fase
Intolerância ao exercício Embotamento mental* anágena do ciclo folicular dos pêlos. Alguns padrões de alopecia às vezes ficam bastante
Bradicardia Fraqueza evidente, como a alopecia da cauda, também chamada de “cauda de rato” (Figuras 5, 6)
Sinais Clínicos Dermatológicos pelo seu aspecto típico, e a alopecia dorsal do nariz (Figura 7).

Alopecia* Pelagem seca, sem brilho, quebradiça*


Prurido normalmente não é uma característica das lesões cutâneas associadas
Cauda de rato* Hiperpigmentação*
ao hipotireoidismo, a menos que ocorra piodermatite ou malasseziose. A resposta ao
Pioderma Seborréia seca ou oleosa*
tratamento destas infecções secundárias tende a ser pequeno até que se trate o
Otite Engrossamento da pele
hipotireoidismo, motivo pelo qual, muitos pacientes dermatopatas crônicos,
Mixedema Discromia
posteriormente se demonstram tratarem de hipotireoideos. A face trágica é outra
Sinais Clínicos Neurológicos
anormalidade comumente associada ao hipotireoidismo canino, e é decorrente do
Polineuropatias Doença vestibular periférica
acúmulo de mucopolissacarídeos e ácido hialurônico no tecido sub-cutâneo (Figuras 7 e
Paralisia de nervo facial Convulsões, ataxia, andar em círculos
8). Este acúmulo é resultado do desequilíbrio entre a formação e degradação destas
Fraqueza Déficits proprioceptivos
substâncias por conta da falta de HT, resultando no mixedema. Este mesmo processo
Outros Sinais Clínicos Menos Comuns pode ocorrer no SNC e levar a coma mixedematoso, uma alteração rara, mas possível.
Lipidose corneana Ceratoconjuntivite Seca Pêlos não afetados tendem a perder coloração e se tornar mais claros que o normal
Reduzida função do miocárdio Anormalidades e falhas reprodutivas (discromia) (Figura 9). A seborréia é outra anormalidade comumente observada nestes

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cães, afetando em torno de 40% dos pacientes. A manifestação pode ser na forma oleosa visivelmente nos últimos meses apesar de esforços e dietas antes do diagnostico ser
ou seca (Figuras 1 e 2), e comumente causa um odor forte na pelagem dos animais. firmado. A intolerância ao frio e procura por calor são achados clássicos do
hipotireoidismo em decorrência da menor expressão de UCPs e conseqüente menor
calorigênese. Apesar disso, estes sinais manifestados por procurar deitar ao sol, ou
procurar sempre ficar deitado coberto mesmo em dias quentes, são observados em cerca
de 10% dos casos somente.

Figura 1. Espessamento e hiperqueratose cutânea na face interna dos membros


anteriores, posteriores e face ventral do pescoço em uma fêmea Dashchund com
hipotireoidismo e seborréia oleosa. Observara a hiperpigmentação da pele e rarefação
pilosa.
Figura 2. Descamação cutânea secundária a seborréia seca em um cão SRD com
Os sinais clínicos metabólicos são normalmente as alterações mais relatadas
hipotireoidismo.
em cães com hipotireoidismo (até 85% dos casos), e normalmente envolvem letargia,
fraqueza, ganho de peso, e intolerância a exercícios como resultado da redução na taxa Quanto aos sinais clínicos neuromusculares, acredita-se terem relação com
metabólica. Muitas vezes os donos não percebem a existência destes sinais até que o uma menor atividade da bomba de sódio-potássio. A avaliação histológica evidencia
tratamento reverta estas características levando a uma melhora nítida da qualidade de degeneração axonal e desmielinização. As neuropatias periféricas normalmente estão
vida do animal. O ganho de peso muitas vezes é bastante discreto, e ao longo do associadas a acúmulo de mucina nos neurônios. No repertório de sinais neuromusculares
tratamento observa-se redução do peso em virtude da resolução do mixedema. No pode-se observar lesões de neurônio motor inferior (fraqueza generalizada, alterações
entanto cerca de 40% dos cães hipotireoideos apresentam sobrepeso significativo ou súbitas de marcha, paraparesia, tetraparesia, ataxia, dismetria), normalmente associadas
obesidade (Figura 10). O tratamento destes cães ajuda a reduzir o peso, mas somente os a propriocepção deficiente; doença vestibular periférica, megaesôfago e paralisia de
quilos adquiridos por conta do hipotireoidismo. Quilos adquiridos por sobre alimentação, laringe, miopatias e convulsões (Figuras 11 e 12). O coma mixedematoso pode ser a
castração, e outros levarão a necessidade de dieta para perder. Um trabalho recente manifestação mais grave do hipotireoidismo, apesar de extremamente rara esta
evidenciou que cerca de 50% dos cães obesos apresentam valores reduzidos de T4 apresentação. Este acúmulo de mucina e ácido hialurônico no SNC pode levar a
plasmático. Apesar disto, é bastante comum o histórico que o animal esta ganhando peso apresentação de cães hipotireoideos em estupor ou comatosos, hipotérmicos e com

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severa depressão cardio-respiratória, sendo uma das poucas situações onde um paciente Figura 4. Alopecia simétrica bilateral com clara rarefação pilos das regiões axilares e
com hipotireoidismo tem um prognóstico reservado a desfavorável, sendo resultado laterais do tórax, flanco e pescoço em um Pinscher com hipotireoidismo.
normalmente de muito tempo de vida com a doença sem tratamento.

Figuras 5 e 6. Diferentes magnitudes de alopecia da cauda em dois cães com


hipotireoidismo – “cauda de rato”.

A deficiência dos HT prejudica a função do miocárdio em decorrência de seu


efeito entrópico sobre o miocárdio. Além disso, os HT favorecem a resposta do coração
as catecolaminas e estimulam hipertrofia. A ocorrência de hipotireoidismo esta associada
positivamente à ocorrência de doenças cardíacas, e a ocorrência de deficiência nos HT
induzem a piora de cardiopatias já existentes, predispondo a falência cardíaca. A
Figura 3. Alopecia simétrica bilateral na face posterior dos membros posteriores de um
cardiomiopatia dilatada é a doença cardíaca mais associada ao hipotireoidismo, e
Bulldog Inglês como hipotireoidismo.
normalmente com uma reduzida capacidade contrátil o que pode melhorar com o
tratamento. O eletrocardiograma destes pacientes normalmente evidência bradicardia
sinusal, arritmias, e picos baixos com complexos QRS pequenos, ondas T invertidas. As
alterações no ECG tendem a normalizar com o tratamento.

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Figura 10. Obesidade secundaria a hipotireoidismo, alimentação inadequada e


sedentarismo em uma Beagle.
Figuras 7 e 8. Diferentes manifestações de mixedema subcutâneo em dois cães com
No âmbito das anormalidades reprodutivas, anestro persistente, aumento no
hipotireoidismo. A esquerda uma manifestação mais sutil de mixedema em um SRD
hipotireoideo com olhar triste e espessamento do focinho. Observar em detalhe a alopecia intervalo interestral, infertilidade, abortos, mortes prematuras das ninhadas, e baixo peso

dorsal do nariz neste cão. A direita uma típica “face trágica” em um Rottweiller com ao nascer são alterações comuns em fêmeas. Nos machos, perda de libido e reduzida

hipotireoidismo. fertilidade são esperadas (Figura 13). Em fêmeas, o aumento do TRH secundário a baixa
nos HT pode estimular a secreção de prolactina, e galactorréia pode ocorrer fora do
diestro. No entanto, apesar destas relações reconhecidas entre hipotireoidismo e falhas
reprodutivas, o hipotireoidismo é uma das causas menos comuns de infertilidade.

Figura 9. Discromia evidenciada pelo desbotamento da coloração da pelagem.

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hipotireoidismo. Além disso, o hipotireoidismo resultado de tireoidite pode ocorrer


associado a outras endocrinopatias auto-imunes, como o hipoadrenocorticismo,
hipoparatireodismo e diabetes mellitus.

Figura 11. Rottweiller fêmea apresentada por sinais de lesão em motoneurônio inferior e
reduzida propriocepção nos membros posteriores secundários ao hipotireoidismo.

Figura 13. Atrofia testicular e hiperpigmentação em um Poodle com hipotireoidismo.

Figura 12. Cegueira súbita e dilatação pupilar em uma fêmea Dashchund secundária a Figuras 14 e 15. A esquerda, lipidose corneana em um Yorkshire com diagnóstico de
neurite ótica por hipotireoidismo. hipotireoidismo. A direita, secreção ocular e aspecto de “olho seco” em um Beagle com
hipotireoidismo.
Fora todas estas manifestações possíveis, uma série outros sinais menos
comuns podem ser observados frente ao hipotireoidismo, como depósito de triglicerídeos 2.3 Avaliação Laboratorial e Diagnóstico
na córnea e ceratoconjuntivite seca (Figuras 14 e 15). Da mesma forma, problemas
comportamentais como agressividade e hipercrescimento bacteriano intestinal levando a O diagnóstico definitivo de hipotireoidismo pode ser bastante frustrante e
diarréia crônica em decorrência da menor motilidade intestinal já foram associados a desafiador em decorrência de uma série de interferências na avaliação das dosagens

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hormonais. No entanto, o diagnóstico é basicamente clínico, aplicando-se as dosagens No restante do painel bioquímico, normalmente não existem alterações outras
hormonais para confirmação ou exclusão da suspeita clínica. É neste ponto que surgem alterações específicas para hipotireoidismo, mas são importantes na avaliação do
os problemas na interpretação dos resultados, uma vez que valores falsamente reduzidos paciente como um todo na busca por evidências de doenças não tireoidianas. Aumentos
ou falsamente elevados dos hormônios normalmente solicitados são bastante comuns. É na atividade sérica das enzimas FAS e GGT (fosfatase alcalina sérica e γ-glutamil
importante lembrar que nenhum teste endócrino é 100% acurado, ainda mais quando se tranferase) são observados em até 30% dos casos, em decorrência da maior deposição
trata de HT, uma vez que doenças não tireoidianas e muitas medicações comumente de gordura no fígado e consequente lipidose discreta. No entanto este é um achado nada
utilizadas em medicina veterinária tem capacidade de provocar a redução destes HT no específico. A creatina quinase (CK); enzima indicadora de lesão muscular, pode estar
plasma. aumentada em até 35% dos casos de hipotireoidismo em decorrência de miopatias
secundárias ao hipotireoidismo. Contudo, demonstrou-se que este achado é muito pouco
Um protocolo simples e sumarizado das etapas básicas na avaliação de um
específico, uma vez que cães eutireoideos com sintomas compatíveis com hipotireoidismo
paciente suspeito de hipotireoidismo pode seguir os seguintes passos: 1) presença de
apresentam a mesma proporção de elevação da atividade da CK. A fructosamina foi
sinais clínicos compatíveis com hipotireoidismo. 2) Verificação de tratamentos com drogas
recentemente proposta como um indicador com até 80% de sensibilidade para
que possam causar redução nos HT. Aguardar término destas medicações para avaliação
hipotireoidismo. Aumentos discretos na concentração deste analito são causados por uma
hormonal. 3) Excluir doenças não tireoidianas por exames complementares e quaisquer
redução na renovação das proteínas e não por causa de hiperglicemia, uma vez que este
outros testes específicos necessários. 4) Dosagem de T4 total e TSH (primeira série de
exame é um clássico no diagnóstico e monitoramento do DM. Normalmente em cães com
exames hormonais diagnósticos). 5) Se os resultados forem confusos, dosar T4 livre por
hipotireoidismo observam-se valores próximos ao limite superior de fructosamina (cerca
diálise e / ou TgAA (segunda série de exames hormonais diagnósticos). 6) Caso ainda
de 300 µmol/L).
não tenha sido possível estabelecer um diagnóstico, aguardar e re-testar após algumas
semanas ou estudar a possibilidade de um ensaio terapêutico. Na hematologia, uma anemia normocítica-normocrômica discreta
(concentração de eritrócitos entre 5 e 5,5 x10 12/L) pode ser observada em até 50% dos
2.3.1 Patologia clínica
casos de hipotireoidismo. Esta alteração é decorrente do menor consumo de oxigênio
pelos tecidos, além do menor estímulo para eritropoese. De uma forma geral, quanto mais
Os exames rotineiros de patologia clínica são importantes na avaliação inicial de
intensa a anemia, maior o tempo de evolução da doença.
um paciente suspeito por permitirem uma investigação inicial de doenças não tireoidianas,
bem como a observação de anormalidades clássicas observadas associadas ao estado
2.3.2 Avaliação específica da tireóide
hipotireoideo. A alteração mais clássica associada ao hipotireoidismo é a hiperlipidemia,
especialmente decorrente de hipercolesterolemia (alteração presente em até 80% dos A avaliação da função da tireóide pode ser feita através da dosagem sérica dos
casos). A falta de HT leva a uma menor síntese e degradação de lipídeos, no entanto a HT e do TSH. Rotineiramente, o T4 total (livre + ligado a proteínas) e o TSH são utilizados
menor degradação prevalece, predispondo o acúmulo de colesterol e triglicerídeos no como testes iniciais de triagem. Como já comentado, a avaliação inicial do paciente é
plasma. A menor expressão do receptor de LDL frente à redução nos HT é outro fator que determinante no sucesso e segurança do diagnóstico. A abordagem de um paciente
leva a hipercolesterolemia. Apesar de outras doenças não tireoidianas também causarem suspeito de hipotireoidismo deve sempre levar em consideração que o diagnóstico desta
aumento no colesterol (DM, HAC); aumentos muito pronunciados são preditores de patologia é clinico. Os exames complementares auxiliam na confirmação ou exclusão do
hipotireoidismo. hipotireoidismo. Além disso, a marcante influência de doenças não tireoidianas sobre a
concentração do HT, bem como uso de determinadas drogas, induzem a ocorrência de

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muitos falsos positivos e às vezes, falsos negativos (no caso da presença de anticorpos de tT4 e cTSH normais) podem ocorrer em decorrência também de dois fatores, porém
anti-HT). No entanto, após avaliação inicial do paciente e decisão de dosar HT no plasma, diferentes.
o clínico deve ter obrigatoriamente uma visão crítica e técnica sobre a metodologia
Quadro 2. Doenças que comumente causam interferência nos valores T4 e TSH
implicada na realização do exame, e como isto pode afetar o diagnóstico.
(Síndrome do eutireoideo doente).
A técnica tida como gold Standard para dosagem de HT é o radioimunoensaio
(RIA). Alguns trabalhos evidenciam resultados um tanto discrepantes entre os valores Neoplasias Diabetes mellitus

obtidos por RIA e outras metodologias (p. ex. quimiluminescência, ELISA). Esta menor Hipoadrenocorticismo Hiperadrenocorticismo

acurácia e precisão atribuída a outras metodologias que não o RIA pode acarretar em Insuficiência renal Doenças hepáticas

tomada de decisões clínicas diferentes em até 50% dos casos, como observado quando Doenças dermatológicas Pioderma

se comparou RIA e ELISA. Obviamente cada laboratório trabalha com kits diferentes, e a Qualquer doença que necessite de cuidados intensivos

variação na sensibilidade e especificidade de cada kit destes também precisa ser levada
A sensibilidade do cTSH para diagnóstico do hipotireoidismo canino é muito
em consideração na avaliação dos resultados, uma vez que outros autores já
menor do que é observada no diagnóstico de hipotireoidismo em humanos (87% vs.
demonstraram adequada correlação entre as determinações feitas por RIA, ELISA e
99%). Além disso, alguns animais com tireoidite auto-imune desenvolvem auto-anticorpos
quimiluminescência. Os cães, por exemplo, apresentam uma concentração de HT muito
contra epítopos da tireoglobulina, nas regiões da molécula onde se encontram T3 e T4. A
menor que humanos; razão pela qual observa-se uma baixa sensibilidade dos kits de
presença destes anticorpos no plasma interfere com a maioria dos imunoensaios levando,
quimiluminescência para humanos quando utilizados para dosar amostras de cães. O
a valores falsamente elevados dos HT. Isto ocorre porque os auto-anticorpos competem
TSH, por exemplo, hoje pode ser mensurado através de um RIA especifico para o TSH
pelo hormônio marcado no tubo de ensaio, resultando em uma menor radioatividade no
canino (cTSH), e a dosagem de TSH em laboratórios humanos certamente resultará em
tubo após incubação e eliminação da fase líquida. No RIA, quanto menor a radioatividade
um resultado menos confiável em decorrência da menor sensibilidade. Além disto, a
no tubo, significa que a concentração de hormônio não-marcado (HT do paciente) é
dosagem do hormônio T4 em sua forma livre (fT4), exige a realização de um
maior. O resultado nestes casos é a interpretação errônea de que há uma concentração
radioimunoensaio de alta-sensibilidade.
normal de HT ou às vezes, até elevada. A observação de valores elevados em um

Como cerca de 95% dos casos de hipotireoidismo em cães são primários, a paciente hipotireoideo é um forte indício da presença dos auto-anticorpos. A Tabela 2

determinação de valores baixos de T4 total (tT4) e altos de cTSH em um cão suspeito apresenta uma combinação dois x dois da interpretação dos resultados de tT4 e cTSH.

pode ser suficiente para confirmar o diagnóstico de hipotireoidismo. Contudo, observam- Outros problemas relacionados à interpretação dos exames de função da tireóide são que

se comumente valores baixos de tT4 frente à administração de algumas drogas comuns existe uma grande flutuação dos valores tanto de TSH quanto de HT ao longo do dia,

em medicina veterinária, bem como frente a determinadas doenças não tireoidianas muitas vezes com os valores saindo das faixas de referência, no entanto, não há um ritmo

(falsos positivos). Da mesma forma, estas condições podem afetar o TSH sanguíneo, circadiano, o que impossibilita a determinação de um horário do dia mais apropriado para

tornando o processo diagnóstico confuso (Quadros 2 e Tabela 1). Muitas vezes, o a coleta da amostra de sangue.

diagnóstico só será confirmado após a adequada resposta terapêutica do paciente. É


Tabela 1. Principais drogas que comumente causam interferência nos valores T4 e TSH.
muito mais comum a ocorrência de falsos positivos em decorrência destes fatores do que
a ocorrência de falsos negativos. Os falsos negativos (cães hipotireoideos com resultados Droga Efeito

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Glicocorticóides Redução no tT4, fT4 e TSH em decorrência dosagem do T4 livre por diálise (dfT4) é mais sensível e muito mais específica para
da inibição da secreção de TSH pelo diagnóstico de hipotireoidismo. O dfT4 é menos afetado por doenças não-tireoidianas e
glicocorticóide além de menor conversão por determinadas drogas, apesar de ainda sofrer influência de acordo com a medicação e
de T4 a T3, e menor ligação destes a gravidade da doença. Além disso, no processo de diálise de separação do T4 das
proteínas de transporte proteínas (um processo que leva de 24 a 48 horas em diálise de equilíbrio de
Antiinflamatórios não esteroidais (AINEs) Redução no tT4 em decorrência dos AINEs temperatura), a passagem do dialisado por uma membrana de filtração elimina a
estimularem a separação do T4 das interferência de auto-anticorpos no imunoensaio. Ao solicitar dosagem de T4 livre, é
proteínas, levando a valores maiores de fundamental checar com o laboratório se a técnica de dosagem é para fdT4. A maioria
fT4 que inibem a secreção do TSH levando dos laboratórios que dosam T4, não dosa dfT4, e a dosagem de T4 livre por outros
a valores de tT4 baixos métodos de estimação apresenta o mesmo valor diagnóstico que a dosagem do tT4,
Sulfonamidas Redução no tT4 e aumento do TSH em porém com uma sensibilidade um pouco menor como observado em alguns trabalhos.
decorrência da interferência da droga com
Tabela 2. Interpretação de valores de tT4 e cTSH como exames de primeiro plano
a síntese dos HT
diagnóstico e conduta frente aos resultados em cães suspeitos de hipotireoidismo.
Barbitúricos Redução no tT4 e fT4 em decorrência da
maior metabolização hepática secundária a tT4 reduzido tT4 normal
indução do sistema microssomal hepático.
cTSH normal · Doença não · Eutireoideo
Em longo prazo pode haver aumento do tireoidiana
TSH · Interferência de
medicações
Tiroxina ou triiodotironina sintéticas Redução no TSH em decorrência da · 20% dos cães è Final da investigação
retroalimentação negativa sobre hipófise, hipotireoideos sobre a função da tireóide.

com conseqüente inibição da função da è Aguardar algumas


tireóide semanas para testar
novamente, ou realizar
exames de segundo plano
* Além destas drogas, várias outras como brometo de potássio, propranolol, diagnóstico (fdT4, TgAA).
cTSH aumentado · Hipotireoideo · Tratamento com
antidepressivos tricíclicos, furosemida, radiocontrastes, heparina, dentre outras podem
Sulfonamidas
interferir nos testes de função da tireóide. è Iniciar terapia com · Fase de recuperação
tiroxina de doença não
Por estas razões, na rotina de atendimento em endocrinologia muitas vezes tireoidiana
· Interferência de
obtêm-se resultados não conclusivos ou conflitantes durante a avaliação de tireóide de anticorpos anti-T4
um animal. Alguns autores preconizam a determinação de tT4 ou fT4 entre 11:00 e 14:00
è Suspender sulfonamida
uma vez que se demonstraram maiores concentrações dos HT neste período do dia, e re-testar em duas
desta forma podendo ser mais fácil identificar hipotireoideos neste horário. Nestes casos semanas

pode-se lançar mão de uma segunda linha de exames de avaliação da tireóide. A è Aguardar completa

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recuperação da doença e para interpretações errôneas. Da mesma forma, alguns pacientes podem apresentar um
re-testar
quadro extremamente típico de hipotireoidismo, contudo o proprietário não dispõe de
è Determinar fdT4 e ou recursos para investir em exames acurados de diagnóstico. Nestes casos, pode ser
TgAA para avaliar
interessante lançar-se mão de um ensaio terapêutico com fins diagnósticos. Para tal,
interferência de anticorpos
pode-se determinar um objetivo de melhora esperada frente ao tratamento, como por
Além disso, é possível determinar a presença de TgAA no soro de pacientes com exemplo, um crescimento piloso de pelo menos 50% em 2 meses. A partir daí, inicia-se
tireoidite linfocítica, e assim avaliar a possível presença de auto-anticorpos contra HT. No um tratamento com reposição de tiroxina, seguindo os mesmos passos que serão
entanto, muitos animais com tireoidite não apresentam TgAA no momento da avaliação, discutidos posteriormente na seção tratamento. Caso não tenha havido melhora dos
de forma que a não identificação destes não significa ausência de tireoidite. No entanto, a sinais clínicos, o hipotireoidismo esta descartado. Caso a meta tenha sido atingida,
detecção de TgAA indica que um processo patológico esta em curso na tireóide, e num recomenda-se suspender a medicação. Caso os sinais clínicos voltem a piorar ou surjam
primeiro momento, realmente o paciente pode estar apresentando valores normais de HT, novamente, o hipotireoidismo esta em vias de confirmação. A nova melhora nos sintomas
porém com valores as vezes elevados de TSH, em uma tentativa do organismo de confirma a deficiência de HT, e se mantêm o paciente em tratamento. Contudo, é
compensar uma função tireoidiana que começa a ficar débil como resultado do ataque do importante lembrar, que ocasionalmente alguns quadros clínicos responderão a
sistema imune à glândula. No entanto a disponibilidade deste teste é um tanto limitada. administração de tiroxina, levando a uma falsa impressão de que o caso tratava-se de
Frente ao custo da dosagem de tT4 e cTSH por radioimunoensaio, e as potenciais falhas hipotireoidismo. No entanto, nestes casos após a retirada da medicação, os sinais tendem
no diagnóstico, pode ser mais eficiente e eficaz dosar o fdT4 como primeira opção, uma a não voltar, caracterizando uma patologia desconhecida responsiva a tiroxina.
vez que a diferenciação entre origem primária ou central do problema não muda a
conduta terapêutica. 2.3.4 Síndrome do eutireoideo doente

Outras formas de diagnóstico também podem ser utilizadas, apesar de pouco A síndrome do eutireoideo doente refere à supressão sérica da concentração dos
práticos, confiáveis e usuais. Por exemplo, os teste provocativos com administração de HT em cães eutireoideos em resposta a uma doença sistêmica. A redução dos HT pode
TRH seguido da dosagem de TSH para avaliação do eixo hipotálamo-hipófise em casos ser: resultante de uma menor secreção de TSH; secundária a menor síntese pela tireóide;
de hipotireoidismo central, ou a administração de TSH seguida da dosagem posterior de secundária a menor síntese ou afinidade das proteínas cardadoras; secundária a menor
HT não tem mais sido utilizados atualmente em decorrência das dificuldades e custos de conversão de T4 a T3, ou qualquer combinação destes fatores. Fatores como redução da
obtenção de TRH e TSH e risco de choque anafilático. Além disso, a disponibilidade atual secreção de TSH por glicocorticóides liberados durante o quadro patológico, alterações
de exames mais acurados como cTSH e fdT4 tornou o diagnóstico de hipotireoidismo no metabolismo periférico de outros hormônios e alterações em citosinas circulantes
muito mais prático, apesar de ainda desafiador. O T3 em sua forma livre (fT3) ou total podem justificar estas alterações. A redução nos valores de T4 podem ter o objetivo de
(tT3) também podem ser determinados no soro, porém oferecem muito pouca informação reduzir o metabolismo celular durante os períodos de doença, no entanto sem indicar
sobre a função da tireóide, uma vez que cerca de 75% do T3 circulante não foi produzido hipotireoidismo. Na verdade trata-se de um animal doente somente, porém eutireoideo.
pela tireóide, mas sim, é fruto de deiodinização periférica do T4. Além disto, o T3 é ainda De uma forma geral, quanto maior a magnitude do processo associado maior a
mais suscetível às interferências de drogas e especialmente de doenças não tireoidianas. interferência nos valores de T4. Acredita-se que quanto mais suprimida estiver a
concentração de HT frente a quadros patológicos, menor a chance de recuperação do
Muitas vezes mesmo lançando-se mão de vários testes não é possível chegar a paciente. Diversas doenças dermatológicas (pioderma, dermatite alérgica a picada de
um diagnóstico conclusivo. Resultados antagônicos e limítrofes podem deixar margens

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ectoparasitos, dermatites alérgicas em geral) podem causar redução dos níveis de HT a recomenda-se a administração da droga pela manhã. Uma recomendação importante é a
faixa de hipotireoideo, apesar de não ser típica esta ocorrência. No entanto, desordens administração da medicação em jejum, e que se aguarde cerca de 45 minutos no mínimo
sistêmicas podem definitivamente induzir a ocorrência da síndrome do eutireoideo doente, para oferecer uma refeição ao animal depois. Isto melhora a absorção da droga, que já é
causando uma falsa redução do tT4 e fT4 até a faixa de hipotireoidismo, bem como pobre no cão, ao permitir um contato mais íntimo da medicação com o epitélio intestinal. A
podem provocar falsos aumentos na concentração do TSH. Doenças como diabetes administração junto com comida pode retardar e prejudicar a absorção da medicação. A
mellitus e hiperadrenocorticismo apresentam um enorme potencial de causar síndrome do dose inicial de tratamento é de 22 mcg/kg uma a duas vezes por dia de acordo com a
eutireoideo doente, devendo-se ter cautela na realização de exames de HT em animais resposta de cada indivíduo. Na opinião do autor, o tratamento inicial com regime de uma
diabéticos ou com síndrome de Cushing. O Quadro 3 sumariza as principais doenças / administração diária é recomendável, e caso a resposta terapêutica seja fraca, pode-se
condições clínicas associadas à síndrome do eutireoideo doente. considerar a administração duas vezes por dia.

2.4 Tratamento e Monitoramento do Paciente Como o mercado humano dita as concentrações disponíveis nas farmácias, as
apresentações de uso humano variam de 25 a 200 mcg. Desta forma, o clínico deve estar
O tratamento do paciente hipotireoideo é um dos tratamentos hormonais mais
ciente que um cão de 40 kg de massa corpórea irá precisar de pelo menos 4 comprimidos
tranqüilos e gratificantes, motivo pelo qual costuma-se dizer que o hipotireoidismo é uma
de 200 mcg (dose total seria de pelo menos 880 mcg/dia). É possível importar uma
doença de difícil diagnóstico, porém fácil tratamento. O objetivo do tratamento é resolver
tiroxina sintética canina (Caninthrox®) que traz apresentações de 0,2; 0,4; 0,6 e 0,8 mg
as anormalidades metabólicas, clínicas e clínico-patológicas associadas ao
(equivalente a 200, 400, 600 ou 800 mcg, respectivamente). Alertar o proprietário sobre
hipotireoidismo. Uma grande diversidade de produtos contendo HT esta disponível no
esta diferença fisiológica entre as necessidades de HT de cães e humanos com
mercado, mas somente alguns são aprovados por órgãos internacionais para uso cães
hipotireoidismo pode evitar constrangimentos futuros, uma vez que é comum proprietários
(Synthroid®, Soloxine®). Produtos a base de extratos de tireóide suína/bovina, ou HT
se assustarem com a quantidade de comprimidos necessários, uma vez que muitos deles
manipulados devem ser evitados por terem uma quantidade incerta e variável de HT em
conhecem pessoas com hipotireoidismo, ou até mesmo são proprietários hipotireoideos
suas preparações, o que acaba refletindo em um tratamento não tão adequado. Da
também. Alguns autores não recomendam que se ultrapasse a dose de 800 mcg/dia,
mesma forma, a administração de produtos a base de T3 não é indicada, sendo a melhor
contudo alguns animais muito grandes ou pesados não irão obter um bom controle da
opção terapêutica a administração de T4 (levotiroxina sódica), mimetizando a produção
doença caso não se administre à dose calculada (p. ex. 1200 mcg/dia para um cão com
fisiológica da glândula. Nesta situação, a administração do T4 serve como um pré-
55 kg).
hormônio, garantindo concentrações adequadas do T3 biologicamente mais ativo em
todos tecidos do organismo, o que não acontece quando se usa o T3 no tratamento. Clinicamente é possível observar uma melhora clínica já nas primeiras semanas,
observando-se melhora nos sinais mentais e letargia, normalmente já na primeira
A freqüência de tratamento pode ser de uma a três vezes por dia, contudo
semana. Alguns animais (pacientes portadores de diabetes, hipoadrenocorticismo,
normalmente a administração do HT uma vez por dia é suficiente para garantir um
insuficiência hepática, cardíaca ou renal) podem se beneficiar de um aumento gradual na
excelente controle hormonal, além de tornar o tratamento mais barato. A administração
dose da tiroxina ao longo de 3-4 semanas, iniciando-se com 25% da dose e aumentando
uma vez por dia, apesar de provocar um pico de concentração no plasma cerca de 6
a cada 1-2 semanas até atingir a dose total. Isto evita uma descompensação metabólica
horas após a administração do comprimido, garante uma meia-vida biológica muito maior
em decorrência do aumento rápido da taxa metabólica, o que pode ser desastroso em
que a meia vida meia-vida plasmática, garantindo o sucesso terapêutico. Apesar de não
alguns casos, principalmente em insuficientes cardíacos e animais com síndrome de
haver um ritmo circadiano bem definido de secreção de TSH e HT em cães saudáveis,

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Addison. A melhora nas anormalidades laboratoriais pode ser observada após um período relatos indicando que a dose precisaria ser 20x maior para provocar estes sintomas. No
de até 1 mês, sendo que rapidamente observam-se redução nos valores de colesterol e entanto, a sensibilidade pode ser individual, e frente a estes sinais deve-se rever a dose e
fructosamina. As manifestações cutâneas tendem a se normalizar em até 3 meses, e um regime terapêutico imediatamente. A tireotoxicose reverte facilmente após alguns dias da
novo crescimento piloso é evidente já no primeiro mês. No entanto, nas primeiras retirada da medicação. A dose eficaz é bastante particular e ajustes podem-se fazer
semanas pode haver uma queda mais intensa decorrente do aumento na taxa de necessários para cada paciente, a partir da dose inicialmente prescrita. O prognóstico é
renovação dos folículos. Além disso, uma perda de peso de pelo menos 10% é esperada excelente, não sendo possível diferenciar animais saudáveis de pacientes hipotireoideos
nos primeiros 3 meses. Os sinais neurológicos são os que mais demoram a reverter, bem controlados. A Figura 16 apresenta um antes e depois do tratamento.
podendo demorar até 6 meses quando houver melhora.

O monitoramento é feito através da dosagem de HT no plasma, especialmente o


tT4, o qual reflete bem se a administração esta sendo adequada, e se a medicação esta
atingindo um bom pico plasmático. A dosagem deve ser feita em torno de 6 horas após a
administração da medicação. Alguns autores preconizam a dosagem de tT4 antes da
administração da pílula para checar se o T4 esta se mantendo estável durante todo o dia,
podendo sugerir a necessidade de uso da medicação duas vezes por dia. Contudo, como
a meia-vida biológica é muito maior (mesmo depois de eliminado da circulação, os HT
continuam estimulando seus efeitos através da modulação da expressão gênica) do que a
meia-vida plasmática como já exposto, a dosagem do tT4 6 horas após a administração
da tiroxina é suficiente para avaliar o tratamento. A dosagem de cTSH pode ser útil, uma
vez que rapidamente após o inicio do tratamento ocorre à supressão dos valores de
cTSH. No entanto, como já visto, nem todos cães hipotireoideos tem cTSH elevado, e
muitas vezes um cTSH dentro do normal, não significa que o animal esta bem controlado.
Além disso, a inclusão do cTSH no monitoramento torna mais onerosa a avaliação.

Valores de tT4 após 4-6 horas da administração da medicação entre 25 e 45 n


são indicativos de boa absorção e bom pico na circulação, assumindo-se que se
clinicamente o paciente estiver respondendo bem, o tratamento esta adequado. Valores
menores que 25 n podem indicar necessidade de aumento na dose, ou freqüência de
acordo com cada caso. Da mesma forma, valores muito superiores a 50 ng/mL (não
esquecer uma possível influência de anticorpos anti-T4 frente a valores excessivamente Figura 16. Paciente Cocker evidenciando apatia, prostração, queda de pêlos e
elevados) podem indicar necessidade de redução na dose ou freqüência no tratamento, disqueratose frente a hipotireoidismo, antes (esquerda, vistas lateral e dorsal) e depois
apesar de que cães são relativamente resistentes a tireotoxicose (polifagia, poliúria, (direita, vistas lateral e dorsal) de 8 semanas de tratamento.
polidipsia, vômitos, diarréia, agitação, ofego, nervosismo, hipertermia, taquicardia), com
2.5 Hipotireoidismo Felino

239 240
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Apesar do hipotireoidismo ser considerada a doença hormonal mais comum de O processo diagnóstico segue as mesmas diretrizes descritas para cães e a
cães, os felinos raramente desenvolvem esta doença. A ocorrência natural pode estar interferência de doenças não tireoidianas, bem como de drogas, e da idade (filhotes
associada a um problema congênito (agenesia, disgenesia ou disormoniogênese). A apresentam valores menores de T4 plasmático) devem ser levados em consideração. As
tireoidite linfocítica de forma semelhante à observada no cão, reduzida atividade da alterações laboratoriais mais clássicas são anemia discreta e hipercolesterolemia, e o
peroxidase nas células foliculares, e inabilidade da tireóide em responder ao TSH, já tratamento pode ser feito com levotiroxina sódica na dose de 10 a 20 mcg/kg/dia,
foram descritos. Contudo, a causa mais comum de hipotireoidismo felino é a destruição administrado uma vez ao dia.
ou retirada das tireóides após tratamento com iodo radioativo ou cirurgia para
3. HIPERTIREODISMO
hipertireoidismo.

O hipertireoidismo é uma das doenças endócrinas mais comuns dos felinos,


Os sinais clínicos observados em filhotes com hipotireoidismo congênito variam
sendo rara sua ocorrência na espécie canina. A desordem é caracterizada como uma
de redução na taxa de crescimento após 4 semanas de vida, nanismo desproporcional,
doença mulitisistêmica crônica decorrente de uma concentração elevada de HT (T3 e T4)
letargia, retardo mental, bradicardia, hipotermia, constipação e perda de peso. Além disso,
ativos na circulação. A primeira descrição desta doença em felinos foi realizada em 1979,
orelhas pequenas, dificuldade na erupção dos dentes permanentes e retardo no
e desde então cada vez torna-se mais comum nas rotinas clínicas. No entanto, apesar da
fechamento das epífises podem ser observados. Felinos com hipotireoidismo congênito
etiologia ser decorrente comumente de hiperplasia adenomatosa de uma, ou mais
normalmente vivem menos que 4 meses, no entanto animais hipotireoideos com atividade
comumente das duas glândulas tireóides, existe uma discussão se a maior incidência da
deficiente da peroxidase podem desenvolver bócio e compensar a falta de hormônios no
doença poderia estar sendo causada por exposição a fatores de risco ambientais, ou
plasma, tornando-se adultos hipotireoideos. Gatos com inicio adulto da doença
simplesmente por ter ocorrido um crescimento da população felina associado ao maior
apresentam principalmente seborréia seca, pêlos sem brilhos epilando facilmente, além
cuidado dos proprietários e maior conhecimento da doença pelos clínicos.
de letargia, depressão, ganho de peso, hipotermia e bradicardia (Figuras 17 e 18).
Alopecia é um achado pouco comum, e quando presente restringe-se à pina. A ocorrência
3.1 Etiopatogênia
de mixedema também pode ser observada.
A grande maioria dos felinos afetados pela doença (98%) apresenta uma
hiperplasia adenomatosa de ambas glândulas tireóides (cerca de 70% dos animais), ao
passo que a hiperplasia de uma glândula é observada somente em cerca de 30% dos
casos. A ocorrência de carcinomas tireoidianos é extremamente rara, respondendo por
somente cerca de 2% do total de casos de hipertireoidismo. Vários fatores associados ao
hipertireoidismo humano já foram investigados como causa potencial do hipertireoidismo
felino, como presença de auto-anticorpos anti-receptor de TSH (doença de Graves),
mutações no receptor de TSH, ou ainda bócio tóxico nodular. Contudo, falhou-se em
demonstrar evidências de que estas seriam as causas do hipertireoidismo felino.
Figuras 17 e 18. Dois felinos com diagnóstico de hipotireoidismo, evidenciando
Apesar de não se ter definido o papel no desenvolvimento da doença, foi
prostração, apatia e hipotermia. Na Figura 17 (esquerda), fica evidente a queda
demonstrado alterações na expressão de oncogenes como o c-ras e de proteínas Gs de
acentuada de pêlos sobre a mesa. (Figura 18 gentilmente cedida pela M.V. Lavície Arais).

241 242

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membrana estimulatórias e inibitórias associadas ao receptor de TSH. Da mesma forma, A técnica de palpação das tireóides envolve o posicionamento do paciente
diversos estudos epidemiológicos retrospectivos tentaram evidenciar fatores de risco ao sentado com o pescoço levemente estendido dorsalmente. Passam-se levemente os
desenvolvimento de hipertireoidismo felino. O fator mais importante identificado foi o uso dedos polegar e indicador desde a faringe até o manúbrio. As tireóides aumentadas ao
de ração comercial em lata como fonte exclusiva ou principal de alimentação, passarem-se os dedos sobre elas serão trazidas para baixo, e ao terminar de passar os
especialmente as a base de peixe, fígado e miúdos de aves, as quais apresentariam dedos por sobre, uma sensação de “flop” pode ser percebida uma vez que a glândula
maiores concentrações de iodo. Também foram implicados como fatores de risco, forro retornará a sua posição de origem. Apesar das glândulas tireóides estarem localizadas
plástico nas latas, e latas de abertura fácil. Outros fatores bociogênicos também já foram adjacentes aos primeiros anéis traqueais, o aumento de volume das glândulas tende a
implicados, como elevada ingestão de selênio (importante na regulação da tireóide), fazer com que elas fiquem localizadas mais ventralmente, às vezes até dentro da
isoflavonas de soja ou ainda genisteína e daidzen (outras isoflavonas), constituintes cavidade torácica. Vale a pena lembrar que muitas vezes a doença pode estar sendo
comuns em dietas enlatadas. Contudo apesar destes fatores o exato papel destas causada ou agravada pela presença de tecido tireoidiano ectópico desde a faringe até a
substâncias ainda não é bem compreendido. base do coração no mediastino. Para detecção destes tecidos ectópicos é necessário
lançar mão de estudos de captação de radioisótopos ( 123I, 131
I, TcO4-), tecnologia não
99m

3.2 Apresentação e Sintomas


disponível em território nacional para uso em animais de companhia.

3.2.1 Epidemiologia
De forma semelhante ao observado no hipotireoidismo, onde a deficiência
hormonal causa efeitos em diversos tecidos, no hipertireoidismo praticamente todos os
A ocorrência da doença normalmente afeta felinos com mais de 10 anos de
tecidos irão ser afetados pelo excesso de HT no plasma. Os sinais clínicos mais comuns
idade, apesar de relatos em gatos tão jovens quanto 4 anos. A média de idade é de 12
são uma combinação de perda de peso apesar de um apetite normal a aumentado,
anos. Não há uma predisposição racial ao desenvolvimento da doença, apesar de gatos
hiperatividade, distúrbios gastro-intestinais (vômitos, diarréia), taquicardia, tireóides
Siameses e Himalaios terem sido identificados com menor predisposição ao
palpáveis. No entanto, uma grande variedade de sinais clínicos (Quadro 3) pode ser
desenvolvimento da doença. Grandes estudos epidemiológicos falharam em evidenciar
observada em felinos com hipertireoidismo. A magnitude da presença e gravidade destes
predisposição sexual. Atualmente acredita-se que o hipertireoidismo felino seja tão
sinais depende da duração da doença, da taxa de secreção dos HT, da habilidade do
freqüente como 1 caso para cada cerca de 300 felinos.
paciente em tolerar o excesso de HT, e da presença ou ausência de demais disfunções
3.2.2 Sinais clínicos comumente presentes em gatos idosos.

O sinal clínico mais evidente em gatos hipertireoideos, presente em mais de 95% Quadro 4. Sinais clínicos normalmente observados em felinos com hipertireoidismo.
dos casos é o aumento de volume de uma ou ambas glândulas tireóides fazendo com
que a glândula passe a ser palpável, o que normalmente não é possível. A palpação de Sinais Clínicos Gerais

tireóides aumentadas não indica hipertireoidismo, uma vez que não necessariamente o Perda de peso Polifagia

aumento de volume esta associado à excessiva secreção de HT, e que pode tratar-se de Poliúria e polidipsia Vômitos

hiperplasia de paratireóides. No entanto a palpação de tireóides aumentadas em um Hiperatividade Diarréia ou aumento na freqüência / volume

paciente suspeito de estar com hipertireoidismo apresenta um elevado grau de Hipertermia Tireóides palpáveis e aumentadas

associação positiva com elevados valores de T4 plasmático. Taquipnéia Onicogrifose

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Intolerância ao calor Nervosismo pode estar presente em até 50% dos casos, e normalmente caracteriza-se pela
Insônia ocorrência de vômitos ocasionais ou intermitentes (secundários a hipermotilidade e efeito
Sinais Clínicos Cardiovasculares direto dos HT sobre o centro do vômito), e por diarréia ou simplesmente aumento do
Taquicardia Choque pré-cordial forte volume e freqüência fecal em decorrência da maior velocidade de fluxo intestinal e maior
Murmúrios Ritmo de galope ingestão de alimentos.
Arritmias Sopro
Sinais Clínicos Dermatológicos
Pelagem irregular Alopecia regional
Pêlos foscos e embaraçados Pêlos secos e ásperos
Seborréia seca ou oleosa Afinamento cutâneo
Sinais Clínicos no Hipertireoidismo Apático
Redução de atividade Redução no apetite
Insuficiência cardíaca congestiva Anorexia
Flexão ventral de pescoço

Como resultado do aumento na taxa metabólica uma série de sinais tornam-se


Figura 19. Postura agressiva, emagrecimento, atitude de alerta em um felino SRD com
evidentes como a perda de peso (cerca de 90% dos casos), polifagia (cerca de 50% dos
hipertireoidismo.
casos), intolerância ao calor e hipertermia, podendo evoluir até caquexia, fraqueza
muscular e fadiga secundária ao efeito catabólico dos HT. Alguns sinais clínicos
comportamentais ficam evidentes como hiperatividade, nervosismo, insônia e
comportamento agressivo. As vezes a expressão facial do paciente demonstra
nitidamente um estado de alerta, nervosismo (Figura 19). Tremores muitas vezes podem
estar presentes. A poliúria e polidipsia ocorrem em até 70% dos casos em decorrência de
diversos fatores associados como perturbação da secreção de ADH pelos HT, “washout”
medular (menor concentração de solutos na medula renal), polidipsia primária associada
a distúrbios hipotalâmicos causados pelos HT, aumento da taxa de filtração glomerular e
ainda coexistência de disfunções renais primárias em alguns casos.

Alopecia tende a ser mais observada em gatos de pêlos longos em decorrência


da intolerância ao calor secundária e de cuidados excessivos com a pelagem, levando Figura 20. Rarefação da pelagem, pelos secos e embaraçados decorrentes da falta de
muitas vezes a alopecia bilateral simétrica, ao passo que gatos de pêlos curtos tendem a cuidados com a pelagem em um felino SRD com hipertireoidismo (Imagem gentilmente
apresentar pelagem feia e embaraçada (Figura 20) em decorrência muitas vezes de cedida pela M.V. Lavície Arais).
menores cuidados com a pelagem (grooming). A ocorrência de sinais gastro-intestinais

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Os HT apresentam efeitos cronotrópicos e inotrópicos positivos sobre o 3.2.3 Exames complementares


miocárdio, além de interagirem com o sistema nervoso autônomo, levando a uma maior
Em geral exames de imagens não são necessários para o diagnóstico de
ativação simpática. O resultado é a ocorrência de taquicardia (freqüentemente com
hipertireoidismo, no entanto ficam indicadas radiografias torácicas frente à dispnéia,
freqüência maior que 250 batimentos por minuto) em até de 60% dos casos, choque pré-
taquipnéia ou abafamento de sons cardíacos, quando podem se observar cardiomegalia
cordial mais forte, murmúrios, arritmias e hipertensão. Muitas vezes estas alterações
com eventual efusão pleural associada. Uma ecocardiografia pode indicar hipertrofia
sobre a atividade do miocárdio acabam resultando em cardiomiopatia hipertrófica. Como
ventricular esquerda em até 70% dos casos, bem como dilatação atrial esquerda (70%
conseqüência deste desarranjo alguns animais podem desenvolver insuficiência cardíaca
dos casos) e hipertrofia de septo interventricular em até 40 dos casos. No entanto, apesar
congestiva (ICC), com alterações associadas como sopro, ritmo de galope, edema
de ser mais comum a ocorrência de cardiomiopatia hipertrófica, até 40% dos casos
pulmonar (tosse, dispnéia, abafamento dos sons cardíacos), efusão pleural e até mesmo
podem apresentar dilatação ventricular. No eletrocardiograma as alterações mais
ascite, apesar de incomum. Normalmente a cardiomiopatia tireotóxica é reversível, mas
freqüentes são taquicardia sinusal e aumento ventricular esquerdo. No entanto, diversas
alguns animais podem não responder desta forma e piorar após o tratamento. A ICC é um
anormalidades elétricas podem ser observadas. A ultra-sonografia abdominal torna-se
achado mais comumente observado associado ao hipertireoidismo apático, uma
importante na avaliação de pacientes com outras doenças associadas, além da ultra-
condição relativamente incomum (cerca de 10% dos casos), onde os animais afetados
sonografia das tireóides apresentar um auxilio no diagnóstico, apesar de desnecessária
apresentam-se apáticos e com depressão associada à anorexia ou fraco apetite (Figura
na maioria dos casos.
21). Frente a estes casos faz-se importante a identificação de outras doenças associadas
(neoplasias, insuficiência renal), pois comumente co-existe outro processo patológico
3.3 Avaliação Laboratorial e Diagnóstico
justificando a apatia. A fraqueza muscular observada nestes casos frequentemente esta
associada a hipocalemia induzida pelos HT. Diz-se que o hipotireoidismo é uma doença de difícil diagnóstico, porém fácil
tratamento. O hipertireoidismo, como antítese natural do hipotireoidismo apresenta
características contrárias, uma vez que é considerada uma doença de fácil diagnóstico,
porém de difícil controle/tratamento. O diagnóstico definitivo do hipertireoidismo é
extremamente fácil, uma vez que a detecção de valores elevados de HT em um animal
suspeito fecha o diagnóstico. No entanto, como é fundamental a investigação de outras
morbidades associadas, faz-se necessária à realização de exames laboratoriais de rotina
bem como exames de imagens.

3.3.1 Patologia Clínica

Em decorrência do maior consumo de oxigênio e maior taxa de eritropoese


estimulada pelos HT e ativação beta-adrenérgica da medula, pode-se observar aumento
no hematócrito e volume corpuscular médio, eritrocitose, macrocitose e maior
Figura 21. Hipertireoidismo apático em um felino SRD (Imagem gentilmente cedida pela
concentração de hemoglobina. A ocorrência de um leucograma de estresse é um achado
M.V. Lavície Arais).
comum e esperado (neutrofilia, eosinopenia e linfopenia).

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Na bioquímica sérica o principal achado é a elevação da atividade sérica de uma que se observa em mais de 90% dos casos. No entanto, quando houver sinais clínicos
ou mais enzimas hepáticas, especialmente a alanina aminotransferase (ALT) compatíveis, porém os valores de tT4 forem normais, pode-se mensurar novamente em
aumentada em cerca de 70% dos casos. Contudo aumento na atividade das enzimas cerca de 4 semanas uma vez que é comum flutuação da concentração do T4 em animais
aspartato aminotransferase (AST), fosfatase alcalina (FAS) e lactato desidrogenase (LDH) hipertireoideos, além do que a presença de doenças não tireoidianas pode causar
podem estar elevadas também. As alterações hepáticas que levam a estas elevações redução na concentração sérica de T4 a valores dentro da faixa de normalidade.
estão associadas à má-nutrição, insuficiência cardíaca congestiva, hipóxia hepática e
Assume-se que a dosagem do fdT4 (T4 livre por diálise) é ainda mais sensível
efeitos tóxicos dos HT sobre o fígado. No entanto a detecção de aumentos significativos
para o diagnóstico de hipertireoidismo, estando elevado em até 98% dos casos. Contudo,
em várias enzimas pode indicar uma hepatopatia primária associada, apesar do grau de
alguns falsos positivos podem ocorrer (menor especificidade). A dosagem de fT4 por
elevação das enzimas poder estar associado à severidade do hipertireoidismo. Alguns
métodos que não por diálise não oferece vantagem frente à mensuração do tT4. No
animais (cerca de 20%) poderão apresentar hiperglicemia moderada associado ao
entanto, apesar da maior sensibilidade, doenças não tireoidianas também podem afetar
estresse. A fructosamina tende a ficar reduzida em decorrência do maior turnover de
os resultados de fdT4, devendo-se sempre levar em conta esta possibilidade quando se
proteínas, devendo-se ter cuidado para avaliar a fructosamina no controle de felinos
avaliam resultados de dosagens de HT. A determinação do T3 sérico pode ser útil no
diabéticos hipertireoideos.
processo diagnóstico, porém freqüentemente podem se encontrar valores normais de T3
A avaliação renal dos pacientes com hipertireoidismo, apesar de esperarem-se em gatos hipertireoideos, devendo-se assumir o tT4 como primeira opção. Testes
valores baixos de creatinina em decorrência da maior taxa de filtração glomerular e maior provocativos como o teste de estimulação com TRH ou teste de estimulação com TSH
catabolismo protéico, cerca de 30% dos casos podem apresentar elevação de uréia e não são de uso rotineiro.
creatinina em decorrência de maior catabolismo protéico (no caso da uremia), hipertensão
No entanto, em alguns casos suspeitos pode ser necessário lançar mão de um
e azotemia pré-renal, uma vez que é pouco provável que a prevalência de insuficiência
teste de supressão com T3. A aplicação deste teste deve ser reservada a casos
renal (IR) seja tão elevada em gatos hipertireoideos. No entanto, na co-existência de IR o
suspeitos onde os valores de tT4 ou fdT4 não foram conclusivos e permaneceram
tratamento do hipertireoidismo irá piorar o quadro clínico uma vez que os HT estimulam a
próximos aos valores máximos considerados normais. A administração de T3 em um
taxa de filtração glomerular. O fosfato pode estar elevado em até 30% dos casos, porém
animal saudável ou com uma doença não tireoidiana normalmente provoca uma redução
não associado a azotemia, indicando perturbações no metabolismo dos ossos, que
na concentração de T4 uma vez que o T3 irá promover uma retroalimentação negativa no
tendem a osteogenia frente à excessiva concentração de HT, apesar de não haver
hipotálamo sobre a secreção de TRH e TSH. No entanto, em gatos hipertireoideos isto
maiores alterações no cálcio plasmático. A urinálise evidencia D.E.U baixas, normalmente
não acontece. O protocolo do teste recomenda a coleta de uma amostra de sangue para
entre 1.015 e 1.035 em decorrência da poliúria típica da doença, sem necessariamente
dosagem de tT4 e tT3, passando-se posteriormente a administrar a dose de 25µg de
estar associada a disfunção renal primária.
triiodotironina sintética por via oral, a cada 8 horas por 3 dias consecutivos, colhendo-se
3.3.2 Avaliação específica da tireóide nova amostra de sangue após cerca de 2 a 4 horas da última administração de T3 para
dosagem de tT4 e tT3. Uma resposta normal é o tT4 suprimido (< 20 nmol/L) após os 3
A determinação da concentração sérica total de tiroxina (tT4) normalmente é
dias de administração de T3 ao passo que o tT3 deve estar aumentado (comprovando
suficiente para fechar o diagnóstico, e deve ser considerado o primeiro teste específico a
que a droga foi administrada corretamente). Animais hipertireoideos permanecem com
ser realizado frente a suspeita de hipertireoidismo. Na presença de sinais clínicos
compatíveis, a detecção de valores elevados de tT4 no sangue fecham o diagnóstico, o

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valores de tT4 superiores a 20 nmol/L após a administração seqüencial de T3, bem como adequada) e complacência do gato)
não se observa a supressão do T4 basal (antes do teste). Tempo para atingir Dependente do tratamento 3 – 15 dias
eutireoidismo usado antes
3.4 Tratamento e Monitoramento do Paciente
Hospitalização 1 – 10 dias (dependendo Não se faz necessário

O tratamento do paciente com hipertireoidismo visa controlar os efeitos da das complicações pós-

hiperfunção glandular por meio de diferentes abordagens como remoção da glândula, operatórias)

destruição do tecido glandular, inibição farmacológica da síntese e liberação dos HT ou Reações adversas Hipoparatireodismo é Anorexia, vômitos, diarréia,

ainda melhora dos efeitos dos HT em excesso nos tecidos periféricos. No Brasil, uma comum, (também pode inibição da medula óssea,

excelente modalidade terapêutica (tratamento com iodo radioativo) não esta disponível e haver paralisia do nervo hepatotoxicidade

não será abordada em detalhes. No entanto, esta modalidade terapêutica é interessante e laríngeo recorrente) (dependendo da dose)

considerada o tratamento de eleição quando disponível e financeiramente viável. O Disponibilidade Requer cirurgião hábil Sempre disponível

objetivo é destruir o tecido tireoidiano hiperativo através da administração de iodo Custo Intermediário Pode ser significativo em

radioativo ( 131
I). A glândula hiperfuncional capta o iodo radioativo, e a radiação gama longo prazo por conta da
destrói o tecido tireoidiano, levando ao controle da doença na grande maioria dos casos. administração e
Complicações como hipotireoidismo são relativamente raras (2% dos animais submetidos monitoramento

ao tratamento).
3.4.1 Tratamento médico
Como opções terapêuticas viáveis no Brasil, pode-se contar basicamente com
O tratamento médico mais disponível e considerado a droga de eleição para o
tratamento médico ou cirúrgico. A Tabela 3 apresenta as principais vantagens e
tratamento do hipertireoidismo é o metimazol. Esta droga tem a capacidade de inibir a
desvantagens de ambas modalidades terapêuticas. De uma forma geral, antes de se
síntese de HT, apesar de não inibir a captação de iodo ou a liberação de HT já formados.
escolher que tratamento será empregado é necessário considerar alguns fatores práticos
O objetivo da administração do metimazol ou outras drogas anti-tireoidéias é reduzir a
e médicos como: severidade da tireotoxicose, presença de outras doenças, idade do
concentração dos HT de volta a valores dentro do intervalo de referência. Estas drogas
paciente, acesso a tratamento com iodo radioativo, habilidade do cirurgião, instalações
tem o efeito de inibir a incorporação do iodo nas moléculas de tireoglobulina, impedindo
adequadas para monitoramento do paciente após uma eventual tireoidectomia,
desta forma a formação adequada dos HT. O tratamento médico tem uma série de
comprometimento do proprietário com administração de medicamentos, complicações
vantagens por não necessitar de internamento, anestesia em um paciente
potenciais, além do custo.
metabolicamente descompensado, além de não haver as complicações potenciais de
Tabela 3. Vantagens e desvantagens do tratamento médico e do tratamento cirúrgico tireoidectomia, apesar de não ser um tratamento curativo. O metimazol é administrado na
para o hipertireoidismo felino. dose de 5 mg/dia em dose única, ou preferencialmente dividido em duas doses diárias
para garantir melhores resultados. Uma forma alternativa de administração do metimazol
Fatores Tratamento Cirúrgico Tratamento Médico é através da via transdérmica em gel orgânico. A administração na forma de gel é menos
Persistência ou recorrência Possível (se não for Comum (dependendo do tóxica e associada a menor ocorrência de sinais adversos, apesar de levar alguns dias a
do hipertireoidismo empregada uma técnica comprometimento do dono mais para se obter o estado eutireoideo. A administração deve ser feita na face interna da

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pina da orelha após limpeza da pele com gaze úmida, devendo-se friccionar a pele com o conversão de T4 a T3. O objetivo é reduzir a concentração de T3 a valores normais, uma
gel. Além disso, o dono deve usar luvas para evitar o contato com a pele. O gel vez que este tratamento não interfere na concentração do T4 sérico. Normalmente não se
transdérmico deve apresentar uma concentração de 50 mg/mL. observam efeitos colaterais, no entanto muitos gatos tornam-se refratários à droga ao
longo do tempo. Outra possibilidade terapêutica proposta recentemente é a injeção
No monitoramento do tratamento com metimazol é importante checar se não
percutânea de etanol diretamente nas glândulas tireóides, uma vez que o etanol estimula
haverá sinais adversos como anorexia, vômitos, diarréia, agranulocitose, anemia
a coagulação necrótica e lise tecidual. A administração do etanol 96% é feita guiada por
hemolítica, trombocitopenia, hepatotoxicidade e/ou prurido facial. Os efeitos colaterais
ultra-som diretamente dentro da glândula com o paciente sob anestesia, preconizando-se
hematológicos podem predispor a sepse e hemorragias. Se a dose estiver excessiva
o tratamento de uma glândula de cada vez. Uma complicação potencial do uso do etanol
pode-se interromper o tratamento por cerca de 4 dias antes de retomar com doses
percutâneo é a paralisia de faringe, que pode ser transitória ou permanente. Caso a
menores, no caso de efeitos colaterais gastro-intestinais. Frente a efeitos colaterais
paralisia seja bilateral, pode ser fatal.
hematológicos, hepáticos ou dermatológicos, contra indica-se a continuidade da
administração do metimazol. Uma das piores e mais preocupantes conseqüências de Drogas como o propranolol e atenolol são úteis no controle da taquicardia,
qualquer tratamento para o hipertireoidismo é o prejuízo ao funcionamento renal em taquipnéia, hipertensão e hiperexcitabilidade associados ao hipertireoidismo. Apesar de
decorrência da redução na taxa de filtração glomerular e menor fluxo sanguíneo renal não haver um efeito direto destes bloqueadores adrenérgicos sobre a síntese dos HT, o
secundário a redução no débito cardíaco frente à redução na concentração dos HT. propranolol pode inibir a conversão periférica do T4 a T3. Estas drogas podem ser usadas
no tratamento ou estabilização inicial do paciente. Contudo, o propranolol pode ser contra-
Para monitorar o sucesso do tratamento e controlar a ocorrência destes efeitos
indicado em pacientes com histórico de asma ou insuficiência cardíaca congestiva por ser
adversos potenciais, recomendam-se a reavaliação do paciente a cada duas semanas
um bloqueador beta-adrenérgico não seletivo. Desta forma, prefere-se usar o atenolol, um
nos primeiros 3 meses, com avaliação de hemograma para detectar alterações
agente bloqueador seletivo beta1-adrenérgico.
hematológicas. A função renal e a mensuração do tT4 deve ser feita também a cada 2
semanas até que se atinjam valores de T4 dentro da normalidade. Ajustes na dose do 3.4.2 Tratamento cirúrgico
metimazol para mais ou menos podem ser feitos de acordo com a resposta do paciente.
A tireoidectomia cirúrgica é o tratamento eletivo na maioria dos gatos com
Pacientes que venham a desenvolver azotemia podem ter a dose de metimazol ajustada
hipertireoidismo. Apesar da sua principal indicação ser para o tratamento de lesões
para manter os valores de T4 levemente elevados. Em longo prazo, um paciente bem
massivas na glândula tireóide, muitas vezes consiste no único tratamento curativo
controlado necessita de revisões semestrais com dosagem de HT para checar a evolução
disponível na ausência de centros para radioterapia. A tireoidectomia pode ser realizada
do tratamento e permitir outros ajustes.
com uma baixa incidência de complicações quando realizada por um cirurgião experiente
O inconveniente da aplicação de drogas antitireóideas no tratamento de felinos sendo um procedimento considerado rápido, simples, curativo e de custo baixo. Para
com hipertireoidismo é a necessidade de uso continuo da medicação. Apesar do tanto, utiliza-se um protocolo anestésico com mínimo efeito cardiovascular adverso ao
metimazol ser a principal droga disponível no mercado, outras opções podem ser paciente devendo-se obrigatoriamente se realizar uma adequada estabilização pré-
aplicáveis, como o propiltiuracil (não mais recomendado em decorrência dos fortes efeitos operatória, a fim corrigir principalmente a hipocalemia e as alterações cardíacas e
colaterais) ou o carbimazol (que é metabolizado a metimazol, porém não esta disponível metabólicas associadas ao hipertireoidismo não tratado. Existem diversas técnicas
no Brasil). Tratamentos médicos alternativos já foram propostos, como por exemplo, o uso cirúrgicas para a tireoidectomia (intracapsular, intracapsular modificada, extracapsular e
do ácido iopanóico, que administrado na dose de 50 mg duas vezes ao dia inibe a extracapsular modificada), no entanto, a descrição de técnicas cirúrgicas foge ao escopo

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desta obra. Apesar disto, vale a pena ressaltar que a técnica intracapsular é melhor para no entanto, alguns autores recomendam o uso de 100 mcg de tiroxina quatro vezes ao
preservar as paratireóides apesar de haver a possibilidade de deixar-se resquícios de dia por dois meses após a tireoidectomia bilateral. Talvez a complicação mais comum
tecido hiperplásico, ao passo que a técnica extracapsular é mais efetiva no controle do após tireoidectomia, seja a recorrência do hipertireoidismo seja por hiperfuncionamento
hipertireoidismo, apesar de freqüentemente estar mais associada à retirada ou lesão da glândula não removida, ou por conta de tecido tireoidiano ectópico. O uso de
acidental das paratireóides. tecnologias como captação de radioisótopos pode ser útil na identificação destes tecidos.
Contudo, frente à recorrência após a tireoidectomia bilateral uma nova modalidade
Quanto ao protocolo anestésico é interessante evitar drogas que possam causar
terapêutica deverá ser empregada. Além disso, todos os tratamentos para o
arritmias (xilazina, quetamina, atropina, halotano), dando-se preferência a drogas que
hipertireoidismo felino podem levar a piora da função renal, e nestes casos a
possam auxiliar a evitar a ocorrência destas (acepromazina, propofol, etomidato,
administração de tiroxina pode ser considerada caso ocorra insuficiência renal
isoflurano). A complicação mais preocupante da tireoidectomia é a hipocalcemia, que
azotemica.
ocorre depois que as glândulas paratireóides são inadvertidamente removidas ou sua
vascularização comprometida durante a tireoidectomia bilateral. O monitoramento do 3.5 Hipertireoidismo Canino
cálcio sérico no pós-operatório é obrigatório após tireoidectomia bilateral pelo risco de que
A ocorrência de hipertireoidismo em caninos é extremamente rara, e quando
se tenha lesado ou retirado as quatro glândulas paratireóides. O controle da hipocalcemia
ocorre esta associado à existência de carcinomas de tireóide, uma neoplasia bastante
está descrito no capítulo referente a hipocalcemia. Visto haver a necessidade de apenas
comum dentre os tumores de tireóide, apesar dos tumores de tireóide terem cerca de 2%
uma glândula paratireóide para manutenção da normocalcemia, o hipoparatireoidismo
de ocorrência frente a todos demais tumores. Radiações ionizantes, ingestão excessiva
ocorrerá apenas em gatos tratados com tireoidectomia bilateral. Complicações adicionais
de iodo, estimulação crônica por TSH, mutações de genes e expressão de oncogenes
incluem hipotireoidismo, síndrome de Horner, paralisia da laringe e persistência de
podem estar implicados na patogênese de carcinomas de tireóide, muitas vezes a
sintomatologia clínica.
ocorrência de tais tumores pode estar associada a neoplasias múltiplas endócrinas
Uma alternativa para evitar as complicações sobrevindas do tratamento cirúrgico (síndromes de desenvolvimento de tumores em diferentes glândulas endócrinas bem
de gatos que precisam ser tireoidectomizados bilateralmente, é a tireoidectomia em caracterizada em humanos e de existência sugerida em cães).
estágios. Primeiramente retira-se a tireóide de um dos lados, espera-se 3 a 4 semanas
A ocorrência é mais comum em comum em cães de meia-idade a idosos, com a
para a realização da tireoidectomia no lado oposto. Esse período permite o
idade média ao diagnóstico de 10 anos. Não há predileção sexual, mas raças como o
restabelecimento do suprimento sanguíneo da paratireóide, traumatizado durante a
Boxer apresentam maior predisposição ao desenvolvimento de adenomas e carcinomas
tireoidectomia. Outra alternativa, é a excisão da paratireóide da glândula tireóide e sua
de tireóide enquanto Labradores e Beagles estão mais predispostos ao desenvolvimento
posterior re-implantação no músculo esternoioideo, visto que a paratireóide é capaz de
de carcinomas. Os sinais clínicos mais comuns costumam ser a percepção de uma massa
sobreviver e se recompor em um tecido longe da tireóide, mostrando-se funcional em
visível no pescoço, tosse, dispnéia, disfagia, disfonia, perda de peso,
duas semanas do transplante.
vômitos/regurgitação e poliúria polidipsia. Outros sintomas como depressão, anorexia,
As concentrações de T4 tendem a ficar abaixo do limite de referência após a hiperatividade, diarréia, polifagia também podem ser observados. Normalmente a
tireoidectomia bilateral por semanas a meses, mas normalmente se elevam até a faixa apresentação inicial dá-se pela massa no pescoço e não pelos sinais clínicos associados.
de referência após períodos variáveis de tempo. Normalmente não há necessidade de
suplementação de tiroxina, uma vez que dificilmente ocorre hipotireoidismo permanente,

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O diagnóstico de tumores tireoidianos, bem como seus diagnósticos diferenciais Basicamente três tecidos são responsáveis pela homeostase do cálcio no
(abscessos, granuloma, outros tumores) podem ser feitos por biópsias guiada por ultra- organismo, além das glândulas que secretam os hormônios que controlam a
som, ao passo que a determinação da existência de um hipertireoidismo depende da concentração sérica. Os ossos, na condição de principal reservatório deste íon, estão em
verificação da concentração sérica de tT4, que normalmente estará elevada em cães com constante mudança sofrendo reabsorção e mineralização. Este processo de
hiperfunção glandular secundário ao carcinoma. Nem todos carcinomas de tireóide remodelamento faz com que ao longo da vida de um ser humano, por exemplo, ocorra
levarão a hipersecreção de HT. Contudo é importante lembrar que os aumentos total renovação do esqueleto em um período de 10 anos. A deposição de cálcio nos ossos
significativos no tT4 observados nos felinos não são comuns no hipertireoidismo canino, é mediada pela atividade dos osteoblastos e osteócitos, ao passo que a ressorção óssea
onde se observam comumente aumentos discretos no tT4. O tratamento do é dependente da atividade dos osteoclastos. Os rins filtram uma grande quantidade de
hipertireoidismo canino segue as mesmas diretrizes do tratamento para gatos, no entanto cálcio por dia, porém tem a capacidade de reabsorver cerca de 98 a 99% do que é
como na maioria das vezes os tumores são unilaterais, e tratam-se de carcinomas, a filtrado, sendo que diversos fatores podem influenciar a habilidade dos rins em excretar ou
indicação é a tireoidectomia unilateral. Esta abordagem não costuma provocar reabsorver cálcio. O intestino é o terceiro tecido alvo do metabolismo do cálcio, uma vez
complicações como hipotireoidismo iatrogênico ou hipoparatireoidismo. que o controle da calcemia envolve ações diretas do intestino na secreção e absorção de
cálcio.
4. FISIOLOGIA DO CONTROLE DO CÁLCIO E DO FÓSFORO
O controle hormonal da calcemia e fosfatemia responde a uma rede complexa de
O cálcio ionizado apresenta um importante papel fisiológico e bioquímico em
interações entre os três hormônios calciotrópicos em um clássico eixo hormonal da
diversos processos biológicos, incluindo a contração muscular, coagulação sanguínea,
endocrinologia. O paratormônio (hormônio da paratireóide, PTH) é um polipeptídio de 84
condução de impulsos no coração e sistema nervoso. Além disso, o cálcio (Ca) serve
aminoácidos secretado pelas células principais da glândula paratireóide, respondendo
como um segundo mensageiro dentro das células iniciando importantes cascatas de
basicamente a situações de hipocalcemia, ou baixa relação cálcio:fósforo no sangue. Este
transmissão de sinais hormonais, além de determinar processos de exocitose de
hormônio é produzido pelas glândulas paratireóides, que estão localizadas juntamente às
secreções endócrinas e exócrinas. Apesar destes importantes papéis fisiológicos e
glândulas tireóides, sendo presentes em dois pares; um par cranial (externa ao tecido
bioquímicos intracelulares, o principal reservatório de cálcio no organismo são os ossos
tireoidiano) e um par caudal (interna ao parênquima tireoidiano). A secreção é controlada
(cerca de 99% do cálcio corporal). No plasma, o cálcio é encontrado em três formas:
basicamente pelo controle da degradação do PTH recém formado ainda dentro das
ionizado (50%), ligado a proteínas (40%) e em complexos solúveis (10%). Em indivíduos
células. Este processo é mediado pelo cálcio, e para aumentar a secreção frente a
normais, a concentração de cálcio normalmente fica entre 8 e 11 mg/dL, porém em um
hipocalcemia basta reduzir a degradação do PTH recém formado, uma vez que a glândula
determinado indivíduo, a concentração do cálcio plasmático não varia mais do que 0,3
sintetiza e degrada grandes quantidades do PTH. Isto resulta na secreção tanto de PTH
mg/dL. Desta forma observa-se um estrito sistema de controle deste íon fundamental para
intacto, como de fragmentos do PTH que foram alvo de degradação proteolítica. Uma vez
viabilizar a vida. Este sistema de controle é mediado basicamente por três hormônios
na circulação o PTH estimula uma série processos fisiológicos como: 1) estimular a
chamados coletivamente de hormônios calciotrópicos. O fósforo (P) é basicamente
liberação de cálcio e fosfato, 2) aumentar a reabsorção renal de cálcio e inibir a
controlado de forma secundária ao controle do cálcio, tendo um controle da concentração
reabsorção de fosfato nos rins, 3) estimular a atividade da enzima 1 alfa-hidroxilase renal
sérica menos rígido. Apesar disto, o fósforo desempenha funções vitais no organismo
(levando a síntese de vitamina D3 ativa e desta forma a maior absorção intestinal de
como, por exemplo, no metabolismo energético, onde participa da molécula de uma das
cálcio).
principais fontes de energia do organismo, o trifosfato de adenosina (ATP).

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O segundo maior regulador da secreção de PTH é a vitamina D 3 ativa, uma vez Independente da causa da hipocalcemia os sinais clínicos são bastante similares. No
que esta estimula a transcrição do paratormônio. Já o fosfato atua a nível pós- entanto a severidade dos sinais clínicos vai depender da magnitude do hipocalcemia. Os
transcricional uma vez que a hipofosfatemia reduz a estabilidade do RNAm e assim reduz sinais clínicos comumente não se tornam evidentes a menos que a concentração de
a síntese de PTH. A vitamina D3 ativa (1,25-dihidroxicolecalciferol) é fruto de uma cascata cálcio reduza a valores menores que 1,5 mmol/L. Além disso, outras anormalidades como
de reações que metabolizam o 7-dehidrocolecalciferol da pele a pré-vitamina D3. Esta hipercalemia, alcalose e hipoglicemia podem piorar a apresentação do paciente.
reação é estimulada pela luz ultra-violeta do sol. Esta pró-vitamina D3 é convertida em
5.1 Sinais Clínicos e Diagnóstico
vitamina D3 por isomeração, um processo que se encontra reduzido na velhice. Esta
molécula de vitamina D3 circula ligada a proteínas e no fígado sofre uma hidroxilação na
Os sinais clínicos frente a hipocalcemia são mais freqüentemente associados aos
posição 25, dando origem a 25-hidroxicolecalciferol, que depois nos rins sofrerá nova
tecidos excitáveis como o neuromuscular e cardíaco, ocorrendo aumento da
hidroxilação na posição 1, dando origem a 1,25-dihidroxicolecalciferol (1,25-(OH)2D) ou
excitabilidade frente a hipocalcemia. Os tremores e fasciculações podem evoluir para
vitamina D3 ativa. Uma vez ativada, a vitamina D3 atua sobre o intestino aumentando a
convulsões generalizadas, que normalmente ocorrem após períodos de excitação e
absorção de cálcio e fosfato além de discretos efeitos nos ossos e rins. Hiperfosfatemia
diferenciam-se das convulsões secundárias à epilepsia idiopática pelo paciente
inibe a atividade da 1-alfa hidroxilase renal, prejudicando a síntese de vitamina D 3 ativa.
normalmente manter a consciência e a continência urinária. A pirexia é um achado
comum secundário a maior contratilidade muscular. As recorrências são comuns apesar
O terceiro hormônio envolvido no controle do metabolismo do cálcio e fósforo é a
do uso de anticonvulsivantes, sendo que as crises tendem a ser autolimitantes durando
calcitonina. O principal efeito deste hormônio é estimular a redução da calcemia frente a
de 1 a 30 minutos. Alguns sinais como inquietação, insônia, excitação, rosnados e
um aumento agudo da concentração de cálcio aumentando a deposição de cálcio sobre
agressividade podem estar presentes, e são sinais atribuídos a parestesia e dor
os ossos e inibindo a ressorção óssea. A calcitonina é sintetizada pelas células
associada as fasciculações musculares. O Quadro 5 apresenta os principais sinais
parafoliculares da tireóide (ou células C). A Tabela 4 apresenta os principais efeitos dos
clínicos associados a hipocalcemia em cães e gatos.
três hormônios envolvidos no controle da calcemia.

Quadro 5. Sinais clínicos associados à hipocalcemia.


Tabela 4. Efeitos e regulação dos hormônios calciotrópicos.

Hormônio Ressorção Reabsorção Absorção Fatores Inibidores Espasmos musculares focais, Alterações de marcha (ataxia, andar rígido)
óssea renal de Ca intestinal de Ca estimuladores fasciculações, tremores, contrações
PTH ↑↑ ↑ – ↓Ca, ↑P, ↑Ca, musculares rápidas, tetania
↓1,25-(OH)2D ↑1,25-(OH)2D Convulsões generalizadas Fraqueza, depressão, letargia
1,25-(OH)2D ↑ ↑ ↑↑ ↓P, ↑PTH ↑P, ↓PTH
Anorexia, vômitos, diarréia Nervosismo, comportamento agressivo
Calcitonina ↓↓ ↑ ↑,↓ ↑Ca ↓Ca Prurido facial, mordedura e lambedura das Arritmias cardíacas (bradiarrtimias e
patas taquiarritimias)
5. HIPOCALCEMIA Prolongamento dos intervalos ST e QT no Ofegação
eletrocardiograma
A hipocalcemia é uma anormalidade bioquímica relativamente freqüente na
Cataratas lenticulares Prolapso de 3ª pálpebra
clínica de pequenos animais frente a uma vasta diversidade de situações clínicas.

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Pirexia clínicos, devendo-se monitorar se o cálcio normaliza durante o tratamento da causa


subjacente. A dosagem de cálcio ionizado, dificilmente faz-se necessária para
As principais causas de hipocalcemia são a tetania puerperal (Figura 22) e o confirmação de uma hipocalcemia. Hiperfosfatemia pode ser detectada em casos de
hipoparatireoidismo. Contudo, uma grande gama de condições pode levar a detecção de hipoparatireodismo primário, insuficiência renal e intoxicação por enemas fosfatados.
hipocalcemia, como é apresentado no Quadro 6. O diagnóstico da causa é importante no Aumentos na atividade das enzimas lípase e amilase assim como alterações ecográficas
plano terapêutico, contudo o tratamento geral agudo é igual. As demais causas de podem indicar pancreatite. Quadros crônicos de tetania e convulsões podem causar
hipocalcemia dificilmente causam reduções significativas do cálcio a ponto de provocar aumentos na atividade da enzima creatina quinase (CK) e a detecção de mioglobinúria.
sinais clínicos e necessitar de tratamento.

Quadro 6. Diagnóstico diferencial da hipocalcemia.

Erro laboratorial / manejo inapropriado da Hipoproteinemia


amostra
Insuficiência renal aguda ou crônica Tetania puerperal (eclampsia)
Pancreatite aguda Obstrução uretral em felinos
Azotemia pós-renal Reversão rápida de hipercalcemia
Hipoparatireodismo primário Intoxicação por etileno glicol
Uso de drogas (anticonvulsivos, enemas Hiperparatireoidismo nutricional secundário
fosfatados, transfusão de sangue
armazenado com citrato, bicarbonato de
Figura 22. Hipocalcemia em fêmea Pinscher secundário a quadro de eclampsia. A
sódio, EDTA)
paciente apresenta-se com tremores, fasciculações e intensa incordenação motora.
Hipomagnesemia Síndrome da resposta inflamatória
sistêmica
A mensuração do PTH faz-se importante nos casos onde não há resolução da
Síndrome da lise tumoral Síndrome de má-absorção intestinal
hipocalcemia, como parte da investigação de hiperparatireoidismo primário, uma vez que
Rabdomiólise ou trauma tecidual severo Carcinomas medulares
frente a hiperfosfatemia e hipocalcemia esperam-se valores de PTH próximos ao limite
Carcinoma de células C da tireóide
inferior. Na grande maioria dos casos, um diagnóstico de hipocalcemia pode ser firmado
com base na apresentação, histórico e avaliação laboratorial. No entanto, a apresentação
A abordagem do paciente com hipocalcemia depende da apresentação do caso,
de um animal hipocalcêmico com aspecto saudável, sem que nenhum outro diagnóstico
no entanto a detecção de hipocalcemia é um achado comum em exames de rotina em
possa ser firmado, é extremamente sugestivo de hipoparatireoidismo. O ideal é a coleta
pacientes sem sinais clínicos de hipocalcemia. Nos animais assintomáticos o clínico deve
de amostra de sangue para dosagem do PTH antes do inicio do tratamento ou em um
investigar uma causa para a hipocalcemia e corrigi-la se possível. Quando adequado,
período de hipocalcemia para acessar se a concentração do PTH esta adequada. A
pode-se corrigir a concentração plasmática do cálcio em razão da presença da
dosagem do magnésio torna-se interessante também porque estados de hipomagnesemia
hipoalbuminemia aplicando-se a fórmula: Ca corrigido = 3,5 – albuminemia em g/dL +
podem levar a um hipoparatireodismo funcional, onde os tecidos não respondem ao PTH.
calcemia em mg/dL). Não é recomendada a suplementação de cálcio caso não haja sinais

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5.2 Tratamento alimento já pode ser necessária para manutenção do paciente. O calcitriol (0,01 – 0,03
µg/kg/dia por via oral) é o hormônio metabolicamente ativo e o mais potente sendo
O tratamento pode ser divido em duas fases. Uma fase aguda frente a sinais
considerada a droga de escolha para o tratamento, uma vez que tem efeito máximo em
clínicos de tetania e convulsões com administração intravenosa de cálcio, e outra fase
cerca de 4 dias. Metabólitos da vitamina D como o alfacalciol e um análogo sintético da
crônica de administração oral de cálcio e/ou vitamina D. O tratamento emergencial frente
vitamina D, o dihidrotaquisterol, necessitam ser hidroxilados na posição 25 no fígado para
a crises tetânicas e de convulsões é a base de administração de cálcio elementar de
se tornarem ativos e são administrados nas mesmas doses citadas para o calcitriol. Além
forma lenta por via intra-venosa (5 – 15 mg/kg) durante um período de 10 a 20 minutos.
disso, o dihidrotaquisterol se deposita no tecido adiposo, podendo predispor
Esta dose corresponde a cerca de 0,5 a 1,5 mL de gluconato de cálcio a 10%. Esta
posteriormente a hipercalcemia, motivo pelo qual pode ser administrado dia sim dia não.
apresentação na forma de gluconato é preferível por ser menos irritante se administrado
O objetivo do tratamento é manter o animal estável com uma concentração de cálcio
perivascular do que o cloridrato de cálcio. Deve-se monitorar a ocorrência de bradicardia,
próxima do limite inferior para evitar ocorrência de hipercalcemia e assim estimular a
elevação súbita no intervalo ST, ou encurtamento do intervalo QT no eletrocardiograma.
secreção de PTH pelas glândulas paratireóides.
Casos menos graves e agudos podem ser tratados com administração de cálcio nas
mesmas doses acima mencionadas, porém por via subcutânea, a cada 6 - 8 horas, desde 5.3 Hipoparatireoidismo Primário
que se dilua numa proporção de 1:1 com solução de cloreto de sódio a 0,9%. Esta via de
O hipoparatireoidismo refere a uma condição clínica rara decorrente de uma
administração deve ser evitada, uma vez que pode ser irritante e pode haver precipitação
deficiência relativa ou absoluta de PTH. A causa desta anormalidade normalmente está
dos sais de cálcio, além de risco de desenvolvimento de calcinose cutânea. De forma
associada a uma destruição imunomediada da glândula (paratireoidite auto-imune), em
alternativa pode-se administrar 60 - 90 mg/kg/dia de cálcio elementar adicionado a fluidos
um processo semelhante ao observado no desenvolvimento de diabetes mellitus,
sendo administrados por via intravenosa (cerca de 2,5 ml/kg de gluconato de cálcio 10% a
hipoadrenocorticismo e hipoadrenocorticismo. Por esta razão pode se observar
cada 6 – 8 horas).
hipoparatireoidismo em síndromes de poliendocrinopatias imunomediadas. A falha na
O tratamento oral crônico é implementado nos casos onde já se estabilizou os secreção de PTH resulta em hipocalcemia. Outras causas para a menor secreção de PTH
sinais neuromusculares e o paciente esta apto a ser liberado para casa, ou em casos com incluem iatrogênia (retirada inadvertida das glândulas paratireóides após tireoidectomia ou
sintomatologia leve. A dose de cálcio a ser administrada pode variar de 25 a 100 paratireoidectomia), infiltração neoplásica das paratireóides ou ainda traumatismo na
mg/kg/dia divididos em duas a três vezes por dia e pode ser descontinuada assim que o região cervical.
animal estiver estável, contudo uma redução gradual pode ser adequada em casos mais
A apresentação destes pacientes pode ocorrer em qualquer idade, com certa
graves. O cálcio é absorvido no intestino por dois mecanismos distintos, um processo não
tendência a maior ocorrência em animais adultos jovens, sem que exista predileção
saturável (absorção paracelular por difusão passiva), e por um processo ativo e saturável
sexual ou racial pré-determinadas. Felinos podem apresentar a doença às vezes muito
por via transcelular que é dependente da regulação exercida pela vitamina D. O carbonato
jovens (menos de 1 ano), levantando a possibilidade de agenesia ou disgenesia da
de cálcio é administrado uma vez que permite a administração de menores quantidades
glândula como fatores etiológicos. Os sinais clínicos são os mesmos descritos frente a
de medicação por ter uma grande proporção de cálcio elementar, além de atuar como
hipocalcemia, com manifestações intermitentes comumente induzidas por estresse ou
quelante de fósforo no intestino.
exercícios. Os animais podem se tornar agressivos e de difícil manuseio por conta da dor
Em decorrência do efeito da vitamina D, esta é utilizada associada nos muscular associada à manipulação em decorrência das lesões provocadas pela tetania.
tratamentos, e uma vez que tenha surtido efeito, a quantidade de cálcio presente no

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O diagnóstico é firmado com base na apresentação clínica de um animal renal ou hipercalcemia severa. Além disso, a severidade dos sinais depende não só da
aparentemente saudável, com hipocalcemia marcante (normalmente menor que 6 mg/dL) magnitude da hipercalcemia, mas também da duração da mesma. Como o aumento do
em um animal sem prejuízos na função renal. Pode-se detectar também a presença de cálcio ionizado é que provoca a maioria dos sinais clínicos, estados de acidose podem
hiperfosfatemia em praticamente todos os casos. O diagnóstico pode ser confirmado com agravar os sintomas, uma vez que mais cálcio estará na forma ionizada. No entanto é
base na resposta à terapia com cálcio e vitamina D e recidiva dos sintomas com a retirada importante saber que cerca de 40% dos casos de hipercalcemia em cães e 30% dos
da medicação, fechando-se um diagnóstico definitivo frente à demonstração de valores casos em gatos estão associados a hipercalcemia maligna secundária a tumores como
baixos ou nos limites inferiores de normalidade do PTH na presença de hipocalcemia. O linfossarcoma, adenocarcinomas de células apócrinas das glândulas perianais, mielomas,
tratamento deve ser por toda vida do indivíduo, e um paciente tratado de forma adequada tumores mamários malignos, adenocarcinoma de tireóide, ou ainda carcinoma de células
e bem monitorado tem um excelente prognóstico. Como descrito acima, o tratamento escamosas, especialmente em felinos. A hipercalcemia maligna é uma síndrome
crônico pode ser à base de vitamina D somente, ou vitamina D associada a cálcio. É paraneoplásica que pode ser gerada por meio de dois mecanismos: 1) tumores que
importante lembrar que do ponto de vista patofisiológico, sem o PTH a hidroxilação do 25- envolvam ossos ou medula e secretem substâncias estimuladoras da ressorção óssea
hidroxicolecalciferol nos rins não ocorre de forma adequada, havendo uma deficiência de local ou 2) tumores não necessariamente com envolvimento ósseo que produzam fatores
vitamina D3 ativa e assim uma menor absorção intestinal de cálcio. Desta forma a estimuladores de ressorção óssea generalizada. Gatos podem apresentar hipercalcemia
administração de vitamina D além de fundamental, pode ser efetiva sem administração de idiopática que varia normalmente de moderada a leve.
cálcio, contando-se somente com o cálcio presente na dieta.
6.1 Sinais Clínicos e Diagnóstico
É importantíssimo evitar a hipercalcemia, e para tal no início do tratamento pode-
O Quadro 7 apresenta os principais sintomas relacionados à hipercalcemia, e
se avaliar a calcemia diariamente ou semanalmente, dependendo da gravidade do
apesar de que muitas vezes se observará um conjunto destes sintomas, em felinos sinais
quadro. Aumentos de 25% na dose de vitamina D devem ser realizados frente à detecção
clássicos como a poliúria e polidipsia são menos comuns, evidenciando mais comumente
de hipocalcemia. A detecção de hipercalcemia deve ser precedida da retirada total das
anorexia e letargia. O cálcio é tóxico aos rins não só pelos seus efeitos diretos sobre as
medicações com cálcio e vitamina D, as quais só serão re-introduzidas após detecção de
células tubulares, mas também por promover isquemia renal. Além disto a nefrocalcinose
uma calcemia adequada, porém em doses menores. Após os ajustes iniciais, revisões a
é um fator extra, prejudicial ao mecanismo de concentração da urina. Desta forma, a
cada 3 meses podem ser realizadas para garantir que o cálcio esta se mantendo próximo
hipercalcemia pode levar a alterações funcionais e estruturais nos rins, levando a
dos valores mínimos de normalidade, evitando assim a hipercalcemia, e complicações
azotemia, poliúria e polidipsia, especialmente no cão. A azotemia costuma ser pré-renal
como nefrocalcinose e formação de urólitos. O PTH tem um importante papel na
(contração do volume do líquido extracelular secundário aos vômitos, anorexia e poliúria),
reabsorção de cálcio nos rins, observando-se calciúria significativa em pacientes com
ou renal (vasoconstrição renal, insuficiência renal). Entre as alterações funcionais renais
hipoparatireodismo.
induzidas pela hipercalcemia podemos citar prejuízo a reabsorção de sódio e cloreto,
6. HIPERCALCEMIA menor resposta ao ADH, e “lavagem” medular (washout), resultando em poliúria e
polidipsia.
Existem diversas causas de hipercalcemia em cães e gatos, e a terapêutica e
direcionada para a causa de base. Hipercalcemia discreta quando resulta em sinais Quadro 7. Sinais clínicos associados à hipercalcemia.
clínicos, estes tendem a ser inespecíficos. Sinais clínicos mais severos estão
normalmente associados a outros problemas médicos, como neoplasias, insuficiência Poliúria / polidipsia Constipação

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Anorexia Vômitos cálcio sem envolvimento das glândulas (exceto a detecção de que as glândulas estão
Diarréia Urolitíase respondendo adequadamente a hipercalcemia – ou seja, valores baixos de PTH no
Tique nervoso Convulsões plasma). O PTH elevado ou normal na hipercalcemia sem IR é sugestivo de
Infecções urinárias Letargia / embotamento mental hiperparatireodismo primário. Em casos de IR, normalmente o PTH estará elevado,
Fraqueza muscular Mineralização de tecidos moles associado ao cálcio ionizado baixo ou no limite de normalidade. Concentrações baixas de
Azotemia Isostenúria PTH frente a hipercalcemia ionizada sugerem causas diversas para a excessiva
Pancreatite Arritmias concentração de cálcio, como malignidade ou doenças granulomatosas (macrófagos
ativados podem estimular a hidroxilação e conseqüente ativação da 25-hidróxido
Os sintomas normalmente só surgem após a calcemia ultrapassar cerca de 15 colecalciferol a 1,25-dihidróxido colecalciferol, levando a aumento da calcemia).
mg/dL. Em algumas situações como frente a hipercalcemia secundária a neoplasias,
insuficiência renal, ou hipoadrenocorticismo, os sintomas da doença de base costumam Após coleta destes exames (repetição da calcemia e dosagem do PTH) pode-se
predominar. Sinais clínicos como fraqueza, depressão e embotamento mental podem ser iniciar um tratamento sintomático até fechar o diagnóstico da causa de base. Neste
secundários a menor excitabilidade do tecido neural e muscular. Anorexia, vômitos e sentido é importante uma avaliação clínica geral do paciente, para detecção de eventuais
constipação são decorrentes do mesmo fenômeno de menor excitabilidade muscular da problemas associados que possam cursar com hipercalcemia. Os exames de rotina
musculatura lisa, bem como via efeito da hipercalcemia no sistema nervoso central. A podem dar boas pistas sobre tumores linfóides (células neoplásicas no hemograma) ou
pancreatite pode estar associada raramente a hipercalcemia, assim como sinais como doenças medulares (citopenias). No painel bioquímico, diversas alterações típicas podem
contrações musculares rápidas, andar rígido, tremores e convulsões. Sinais cardiológicos ser evidenciadas acusando situações como a insuficiência renal (azotemia), ou
como ritmo prematuro de origem ventricular, redução do intervalo QT no ECG e arritmias hipoadrenocorticismo (hiponatremia e hipercalemia). Uma proteína relacionada ao
podem ser detectados. Sinais clínicos relacionados ao sistema urinário inferior como paratormônio (PTH-RP) pode estar elevada frente a quadros de malignidade tumoral,
disúria, infecções urinárias e formação de urolitíases são freqüentes, assim como associada à detecção de PTH baixo e hipercalcemia ionizada. A D.E.U. esta normalmente
calcificação de tecidos moles (vasos, pele, pulmão, rins), especialmente se associada a baixa na hipercalcemia, no entanto sem necessariamente indicar insuficiência renal. Além
hiperfosfatemia. disso, freqüentemente observa-se cristais e formação de urólitos em animais
cronicamente expostos a hipercalcemia assim como infecções urinárias.
Frente à verificação de hipercalcemia, o primeiro passo a ser tomado é repetir
uma nova amostragem de sangue para excluir a possibilidade de hipercalcemia O Quadro 8 apresenta os principais diagnósticos diferenciais para hipercalcemia.
transitória, ou erro laboratorial. A determinação do cálcio ionizado, forma biologicamente Como tumores malignos estão comumente associados a hipercalcemia, é fundamental o
ativa de cálcio, faz-se necessária a fim de confirmar a hipercalcemia. O segundo passo emprego de exames não invasivos (exames de imagem e patologia clínica) na tentativa
mais importante no processo diagnóstico é identificar qual a origem da hipercalcemia, de detectar evidencias da presença de um tumor maligno. A hipercalcemia idiopática é a
através de uma avaliação completa do paciente. Muitas vezes é necessário iniciar causa mais comum de hipercalcemia em gatos, e cerca de 50% destes não apresentam
tratamento sintomático para hipercalcemia enquanto se investigam os diagnósticos sinais clínicos. O diagnóstico desta afecção depende da exclusão de todas demais
diferenciais. Neste sentido, o primeiro exame a ser feito, antes de qualquer terapêutica, é causas de hipercalcemia, e nenhum tratamento mostra-se eficaz na resolução deste
a dosagem sérica do PTH para determinar se a hipercalcemia é decorrente de um problema, em parte porque a patogênese desta alteração ainda é desconhecida.
problema primário das glândulas paratireóides ou é uma desordem do metabolismo do
Quadro 8. Diagnósticos diferenciais para hipercalcemia.

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Erro laboratorial / Manipulação inadequada Lipemia / hemoconcentração ser administrados uma vez que reduzem a calcemia induzida por mielomas múltiplos,
da amostra timomas, linfoma, hipervitaminoses, doenças granulomatosas e hipoadrenocorticismo. Os
Hiperproteinemia Variação normal em animais jovens efeitos dos corticóides na redução da calcemia parecem envolver efeitos nos ossos
Malignidade tumoral Hiperparatireoidismo primário (menor ressorção), no intestino (menor absorção) e nos rins (maior excreção). O efeito
Insuficiência renal Hipoadrenocorticismo dos glicocorticóides é mais nítido no tratamento da hipercalcemia induzida por linfoma, em
Hipervitaminose D Doenças levando a destruição focal de decorrência da linfocitólise, contudo isto pode atrapalhar o diagnóstico e tratamento da
ossos doença de base caso ainda não tenham sido firmado.
Doenças granulomatosas Hipervitaminose A
Alguns casos mais graves poderão necessitar de tratamentos mais agressivos
Iatrogênia (administração excessiva de Ca) Idiopática (felinos)
em longo prazo, com uso de calcitonina (4-6 UI/kg via subcutânea a cada 8-24 horas) ou

6.2 Tratamento inibidores da ressorção osteoclástica como os bifosfonados (análogos do pirofosfato). O


uso de agentes alcalinizantes como o bicarbonato (1-2 mEq/Kg ou calculado a partir do
O tratamento definitivo só será possível após determinação e resolução da causa déficit de base) é indicado quando houver acidose associada, uma vez que esta exacerba
primária da hipercalcemia. Contudo, dependendo do quadro clínico pode haver a calcemia.
necessidade de estabelecer um tratamento clínico para: 1) reduzir a concentração de
cálcio enquanto se espera o diagnóstico, 2) como auxiliar no tratamento definitivo ou 3) 6.3 Hiperparatireoidismo Primário

nos casos em que a hipercalcemia não pode ser tratada de forma adequada. Na grande
O hiperparatireoidismo é decorrente de uma secreção autônoma e exagerada de
maioria dos casos, medidas simples como fluidoterapia e uso de diuréticos podem ser
PTH pela glândula paratireóide, levando a hipercalcemia. A origem do distúrbio
efetivos em controlar a hipercalcemia. O prognóstico depende da doença primária, e
normalmente refere a adenomas na paratireóide, apesar de que carcinomas e múltiplos
geralmente é favorável se tal doença pode ser tratada com êxito, apesar de seqüelas
adenomas já foram descritos. Em humanos, neoplasias de paratireóides podem fazer
como mineralização de tecidos moles e insuficiência renal possam ser permanentes.
parte de síndromes de neoplasias endócrinas múltiplas (MEN tipo 1 e MEN tipo 2). O

Pacientes hipercalcêmicos normalmente estão desidratados, piorando as hiperparatireoidismo é uma condição bastante rara em medicina veterinária, sendo mais

conseqüências da hipercalcemia. A re-hidratação do paciente através da administração rara em gatos do que em cães. Cães da raça Keeshound parecem predispostos, sendo

de solução salina a 0,9% na dose de 2 a 3 vezes as necessidades de mantença que o diagnóstico normalmente é feito em animais de meia idade a idosos. Contudo, já foi

(monitorar débito urinário e calemia – pode ser necessário repor potássio) estimula a descrito hiperplasia primária de paratireóides em filhotes de Pastor Alemão. Os sinais

natriurese e calciurese e pode ser suficiente sozinha para reduzir a calcemia. O diurético clínicos associados são normalmente leves, insidiosos e não específicos, a menos que

furosemida estimula a calciurese na dose de 5 mg/kg em bolus por via intravenosa, co-exista outra doença ou insuficiência renal. Os sintomas comumente são relacionados a

seguido da administração de 2 mg/kg por via intravenosa a cada 8 horas. Diuréticos hipercalcemia crônica. Nos felinos, o achado mais comum é anorexia e paratireóide

tiazídicos devem ser evitados por inibirem a excreção de cálcio pela urina. Além disso, palpável em até 40% dos casos. Em cães não é possível palpar massas cervicais,

qualquer paciente hipercalcêmico recebendo furosemida deve ser mantido em qualquer massa palpável provavelmente trate-se de tumores de outras origens, ou até

fluidoterapia balanceada para evitar maior desidratação e desequilíbrio eletrolítico. mesmo linfonodos. Infecções do trato urinário são muito comuns (cerca de 25% dos

Glicocorticóides como a predinisolona na dose de 1-2 mg/kg a cada 12 a 24 horas podem casos) em decorrência da urina diluída e formação de urolitíases. Desidratação associada
com fraqueza muscular generalizada, poliúria e polidipsia, vômitos e anorexia podem ficar

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evidentes. Contudo, os pacientes dificilmente se apresentam clinicamente doentes. confirmado o hiperparatireodismo, e todas quatro glândulas estiverem aumentadas de
Apesar disto um cuidadoso e completo exame físico deve ser feito, inclusive com volume, configurando uma hiperplasia de paratireóides, deve-se retirar de 2 a 3 glândulas.
palpação anoretal (carcinoma perianal) e de linfonodos periféricos (linfoma) para auxiliar Nos cães tem-se aplicado técnicas de ablação química (etanol) ou física (calor por
no diagnóstico diferencial de hipercalcemia. radiofrequência) guiadas por ultra-som com sucesso.

O processo diagnóstico deve seguir os mesmos princípios da avaliação da Deve-se tomar cuidado no monitoramento do paciente no pós-operatório uma vez
hipercalcemia, procurando-se excluir todas causas possíveis de hipercalcemia enquanto que se pode desenvolver hipocalcemia limitante a vida, de forma similar ao observado na
se aguardam os resultados do PTH. A concentração de cálcio total e cálcio ionizado tireoidectomia, caso as glândulas remanescentes não estejam hábeis a reassumir sua
devem ser avaliados, alguns pacientes poderão estar azotêmicos dependendo do tempo função em decorrência da atrofia. Neste sentido é fundamental a mensuração diária do
de evolução da doença, e apesar de que frente a maior mobilização óssea, apenas cerca cálcio por no mínimo 3 dias com objetivo de detectar de forma precoce a ocorrência de
de 25% dos casos apresentam aumentos na atividade da enzima FAS, que também serve hipocalcemia. A ocorrência desta complicação é mais esperada em pacientes que
como uma indicadora de lesões ósseas. A hipercalcemia esta sempre presente, com apresentavam calcemias maiores que 14 mg/dL. Na maioria dos casos o
valores acima de 13 mg/dL, e o fósforo normalmente encontra-se reduzido ou próximo do hipoparatireodismo é transiente e o tratamento pode ser gradualmente interrompido ao
limiar em decorrência do efeito fosfatúrico do PTH. A exceção será nos casos onde os longo de algumas semanas. A administração de cálcio antes do desenvolvimento de
rins podem ter perdido sua capacidade de excretar o excesso de fosfato, predispondo a sinais clínicos inibe o estímulo para glândula reverter a atrofia, e na verdade desta forma
ocorrência de hiperfosfatemia. Associado a estas alterações, o PTH aumentado ou dentro se inibe a secreção do PTH. O ideal é a administração de metabólitos da vitamina D, os
de um limiar normal alto é compatível com diagnóstico de hiperparatireoidismo primário. A quais necessitam de 3-7 dias para atingir um efeito máximo antes da redução da
PTH-RP normalmente encontra-se negativa. Animais com azotemia tornam-se um desafio calcemia, ou até mesmo um a dois dias antes da cirurgia. Este protocolo ajuda a prevenir
diagnóstico uma vez que a combinação de hipercalcemia, hiperfosfatemia e PTH elevado a ocorrência de tetania que pode ser fatal. É importante lembrar que o objetivo é manter o
são comuns tanto ao hiperparatireoidismo primário, quanto no hiperparatireodismo cálcio próximo do limite inferior ao da normalidade, servindo como um estímulo para
secundário renal. Exames de rotina como radiografias torácicas e ecografias abdominais glândula paratireóide se tornar funcional novamente, permitindo a retirada gradual da
são indicadas na investigação preliminar inicial. A ultra-sonografia da região do pescoço medicação normalmente em 6 a 8 semanas. Em cães e gatos a recidiva após a cirurgia
mostrou-se como uma ótima ferramenta na localização da origem do problema e na não é comum.
avaliação geral das paratireóides. A localização prévia da paratireóide afetada auxilia no
6.4 Hiperparatireoidismo Secundário
processo operatório, contudo se não for possível pode-se explorar cirurgicamente a região
cervical a fim de identificar tecido paratireoideo anormal.
As condições patológicas caracterizadas como hiperparatireoidismo secundário,
refletem situações patológicas onde inicialmente a glândula esta reagindo de forma
O tratamento inicial do paciente com hiperparatireodismo segue as mesmas
normal a desequilíbrios na concentração de cálcio, fósforo ou vitamina D. Contudo, uma
diretrizes discutidas no tratamento da hipercalcemia. No entanto, aqui a retirada cirúrgica
exposição crônica a estes desequilíbrios acabam gerando um quadro de
do tecido paratireoideo anômalo é o tratamento de eleição. A descrição de técnicas
hiperparatireoidismo.
cirúrgicas para paratireoidectomia foge ao escopo desta obra, porém alguns aspectos
cabem serem ressaltados. Deve-se retirar na cirurgia toda glândula aumentada, e
6.4.1 Hiperparatireoidismo secundário renal
normalmente as glândulas não afetadas tornam-se atrofiadas. Nos casos em que foi

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O hiperparatireodismo secundário renal é uma complicação praticamente É importante assumir que todo paciente com IRC apresenta algum grau de
inevitável secundária a insuficiência renal crônica (IRC). A maior retenção de fosfato hiperparatireoidismo. Muitas vezes cálcio e fósforo no sangue estarão normais, sendo
frente à inabilidade dos rins em excretar este íon leva a ativação da glândula paratireóide, indicada a dosagem do PTH para determinar a magnitude do problema. O controle do
com eventual hipertrofia e elevadas concentrações de PTH. Além disto, é importante hiperparatireoidismo secundário renal visa controlar e prevenir a hiperfosfatemia. Neste
lembrar que nestes casos, co-existe uma menor ativação da vitamina D nos rins, sentido, o controle da fosfatemia auxilia na redução da magnitude do
aumentando a hipocalcemia e ativação do PTH. A concentração de cálcio normalmente hiperparatireoidismo. A recomendação inicial é a restrição de fósforo na dieta através de
encontra-se dentro do normal, no entanto as custas do efeito do PTH, que leva a uma rações comerciais, ou dietas caseiras para pacientes nefropatas. Nos casos onde este
condição clínica tipicamente conhecida como “mandíbula de borracha” (osteodistrofia manejo não seja suficiente para controlar o fosfato, pode-se lançar mão do uso de
renal). O tecido ósseo da face e mandíbula passa a ser reabsorvido e substituído por quelantes de fósforo intestinais, como o hidróxido de alumínio (30 – 100 mg/kg/dia
tecido conjuntivo, o que faz com que a mandíbula assuma uma consistência elástica e dividido nas refeições) ou carbonato de cálcio (30 – 100 mg/kg/dia dividido nas refeições).
móvel (Figura 23). A ocorrência desta anormalidade parece mais comum em animais Estas medicações tem a propriedade de formar sais não absorvíveis de fosfato e devem
jovens por apresentarem uma maior taxa de renovação óssea. Além disso, a ser administradas juntamente com as refeições (misturado ou imediatamente antes).
hiperfosfatemia e o excesso de PTH predispõe a mineralização de tecidos moles, o que Sinais adversos como menor palatabilidade da refeição, náuseas, vômitos, constipação,
pode piorar a insuficiência renal. hipofosfatemia e toxicidade por alumínio ou hipercalcemia podem ocorrer. Alguns autores
preconizam o uso de calcitriol na dose de 1,5 a 3,5 ng/kg/dia, no entanto esta
recomendação não foi testada clinicamente e pode exacerbar a absorção de cálcio e
fosfato intestinal predispondo a mineralização de tecidos moles.

6.4.2 Hiperparatireoidismo secundário nutricional

Esta forma da doença em pequenos animais é secundária a alimentação com


dietas a base de carnes, e após o advento das rações comerciais, é um achado
extremamente raro atualmente. A base do processo patológico é que dietas
majoritariamente a base de carnes e miúdos apresentam uma pequena concentração de
cálcio e vitamina D, além de serem ricas em fósforo. O resultado é uma hiper-estimulação
das paratireóides levando a maior secreção de PTH, o que leva a drásticas
conseqüências ósseas. Os animais afetados normalmente são animais em fase de
crescimento com anormalidades ósseas detectáveis ao exame clínico ou radiográfico e
com histórico alimentar compatível.
Figura 23. Deformação maxilar em Rottweiller de seis meses de idade com
Radiograficamente os animais podem apresentar menor densidade óssea,
hiperparatireoidismo secundário renal em decorrência de má-formação renal. Houve
fraturas patológicas e espessamento de metáfises. Na maioria dos casos, não há
substituição do tecido ósseo, por tecido conjuntivo, tornando móveis os ossos da maxila e
anormalidades bioquímicas, como hipocalcemia (presente só em casos mais graves),
mandíbula. (Foto gentilmente cedida pelo M.V. MSc. Rafael Rodrigues Ferreira).
uma vez que esta sendo compensada pela hiperfunção da paratireóide. Aumentos

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discretos na atividade da FAS podem ocorrer, apesar deste achado ser comum em BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
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453, 1992. dará origem ao teto da cavidade oral, chamada de bolsa de Rathke, projeta-se
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Small Animal Practice. 21: 22-28, 2006. em desenvolvimento, a partir de uma região ventral ao 3º ventrículo (origem da neuro-
hipófise). A face posterior da bolsa de Rathke, que fica em íntimo contato com a neuro-
hipófise primordial diferencia-se na pars-intermedia8. As células originadas a partir da
bolsa de Rathke diferenciam-se sob influências de fatores de transcrição e diferenciação
em cinco diferentes fenótipos celulares endócrinos: corticotrofos (secretores de ACTH),
gonadotrofos (secretores de FSH e LH), tireotrofos (secretores de TSH), lactotrofos
(secretores de prolactina) e os somatotrofos (secretores de GH – também chamado de
somatotropina). Os somatotrofos representam cerca de 50% do volume celular endócrino
na adeno-hipófise, com os demais sub-tipos ocupando cerca de 5 a 15% cada.

8
Nota do Autor. Uma forma anatômica de dividir a hipófise é em pars-proximalis (adeno-hipófise), pars-intermedia e
pars-distalis (neuro-hipófise).

283 284

Endocrinologia de Cães e Gatos (Prof. Álan Pöppl) Endocrinologia de Cães e Gatos (Prof. Álan Pöppl)

O GH é o principal regulador do crescimento pós-natal, sendo que o principal fonte de IGF-1 para a circulação (efeito endócrino), e a estrutura tanto do IGF-1
desenvolvimento pré-natal depende ainda de outros hormônios e fatores de crescimento. quanto do receptor de IGF-1 são muito semelhantes à molécula da insulina e do receptor
O GH é secretado de maneira pulsátil pelos somatotrofos hipofisários, sendo um de insulina, respectivamente, explicando a origem do nome IGF. O IGF-1 circula ligado a
hormônio protéico formado por uma cadeia simples de aminoácidos, com cerca de 22 kD. diferentes proteínas de ligação (IGFBP), resultando em uma maior meia vida no sangue,
No entanto, a seqüência de aminoácidos da molécula varia bastante entre as diferentes de forma consistente com suas ações promotoras do crescimento. Alterações na
espécies. A secreção do GH é controlada pelo equilíbrio de dois fatores hipotalâmicos. O concentração das IGFBPs podem estar associadas a síndromes de excesso de IGFs.
GHRH (hormônio liberador de GH) é liberado de forma pulsátil pelo hipotálamo e estimula Estes promotores (IGFs) são os principais mediadores do GH com relação ao estímulo à
a secreção do GH. A somatostatina é tida como o hormônio inibidor da secreção do GH, síntese protéica, crescimento ósseo, condrogênese e crescimento. O IGF-1 exerce
controlando a secreção do mesmo entre os picos de secreção do GHRH. Esta rede é retroalimentação negativa sobre a secreção de GH tanto no nível hipotalâmico
coordenada por uma complexa rede neural, e além disto, outras substâncias podem (estimulando a secreção de somatostatina), quanto no nível hipofisário.
estimular a secreção do GH. Um dos exemplos é a ghrelina, um hormônio descrito
2. DISTÚRBIOS RELACIONADOS AO HORMÔNIO DO CRESCIMENTO
recentemente que é secretado por células do estomago, e que tem a capacidade de
estimular a secreção do GH. A ghrelina apresenta picos de secreção durante períodos
2.1 Nanismo Pituitário
que precedem a busca por alimento, também sendo considerado um hormônio orexígeno.
Além disto, substâncias como a glicose (efeito inibitório), aminoácidos (efeito O nanismo pituitário (nanismo hipofisário, hiposomatotropismo), é caracterizado
estimulatório) e situações fisiológicas como o exercício e sono (efeito estimulatório) como uma síndrome decorrente da deficiência congênita do GH, resultando em
apresentam influência sobre a secreção do GH. Uma vez no sangue este hormônio circula crescimento deficiente, nanismo, rarefação pilosa e manutenção da pelagem de filhote
ligado a proteínas ligadoras de GH. Completando o eixo, o GH pode promover retro- (lanugem). Esta condição é extremamente rara, sendo mais comum em cães da raça
alimentação negativa sobre o hipotálamo, estimulando a secreção de somatostatina. Pastor Alemão (associado a uma alteração recessiva autossômica) apesar da síndrome
ter sido relatada em cães de outras raças, bem como em gatos. Alguns autores associam
Os efeitos do GH podem ser divididos em efeitos rápidos e lentos. Os efeitos
a ocorrência do nanismo hipofisário com a presença de cistos na hipófise, porém a
rápidos, ou agudos, são mediados via a interferência do GH com a sensibilidade à
síndrome pode ser decorrente de qualquer defeito no desenvolvimento embrionário da
insulina, estimulando efeitos catabólicos hiperglicemiantes (lipólise, gliconeogênese e
adeno-hipófise, resultando não só em deficiência de GH, mas na deficiência isolada ou
menor captação de glicose). O GH apresenta esta capacidade por além de seus efeitos
conjunta de qualquer dos hormônios hipofisários. Desta forma, a formação de cistos
específicos, também apresentar uma sinalização intracelular que utiliza as mesmas vias
hipofisários nestes cães parece mais associada a uma conseqüência do defeito genético
da sinalização da insulina. Desta forma, uma vez estimulada a via do GH, ocorre um
determinante da síndrome de nanismo hipofisários.
seqüestro de substratos intracelulares para esta via, deixando disponível uma menor
concentração de substratos disponível para a via ativada pelo receptor de insulina. Os A síndrome de nanismo hipofisário do Pastor Alemão esta associada não só a
efeitos lentos, ou crônicos, do GH são basicamente efeitos anabólicos e de crescimento deficiência do GH, mas também outros hormônios hipofisários estão deficientes (TSH,
mediados pelos fatores de crescimento semelhantes á insulina (IGFs). prolactina, FSH e LH), exceto o ACTH. O defeito genético envolvido na patogênese do
problema, possivelmente envolva alguma mutação em um gene chave para a
Os IGFs (IGF-1 e IGF-2) são sintetizados em diversos tecidos em resposta ao GH
diferenciação e expansão das células tronco hipofisárias, no entanto após a diferenciação
e apresentam basicamente efeitos autócrinos e parácrinos. No entanto, o fígado é a
dos corticotrofos, motivo pelo qual não há secreção deficiente de ACTH.

285 286

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2.1.1 Apresentação e sintomas animais podem ir se tornando mais letárgicos, lentos e inapetentes, o que pode estar
associado a hipotireoidismo e / ou hipoadrenocorticismo secundários e perda da função
Os cães portadores de nanismo hipofisário são de porte bastante pequeno,
renal. Estes sinais tornam-se nítidos com cerca de 2 a 3 anos de idade ou mais cedo.
porém proporcionais (Figura 1), diferentemente de cães com hipotireoidismo congênito,
Durante a ausculta cardíaca pode-se evidenciar murmúrios cardíacos em decorrência da
que são desproporcionais (cabeça, língua, membros). O diagnóstico normalmente é feito
persistência do ducto arterioso.
entre os 2 e 5 meses de idade, uma vez que fica claro o sub-desenvolvimento do cão em
comparação aos irmãos de ninhada. A pelagem normalmente é macia e abundante em Na avaliação inicial de pacientes suspeitos, apesar de muitas vezes ficarem
decorrência da manutenção da penugem e ausência de crescimento de pêlos primários. evidentes os sinais clínicos de nanismo hipofisário, é importante avaliar a possibilidade de
No entanto, esta pelagem epila com grande facilidade, e rapidamente começa a surgir outras doenças hormonais como o hipotireoidismo congênito especialmente,
alopecia bilateral e simétrica no tronco, orelhas, cabeça e extremidades. A pele fica fina, e hipoadrenocorticismo, diabetes mellitus juvenil ou ainda hiperadrenocorticismo
muitas vezes hiperpigmentada, ocasionalmente associada a infecções bacterianas. iatrogênico. Da mesma forma, deve-se investigar o paciente com relação a doenças não-
Apesar de não haver uma predileção sexual para o desenvolvimento de nanismo hormonais que possam estar relacionadas à baixa estatura e sinais clínicos, como má-
pituitário, machos afetados normalmente evidenciam monorquidia ou criptorquidia, ao nutrição, doenças gastro-intestinais, shunts porto-sistêmicos, doenças renais, insuficiência
passo que as fêmeas afetadas tendem a evidenciar estro persistente, com edema e renal e doenças ósseas que possam ser causas de baixo crescimento. Além disso, é
secreção vulvar (por até mais de 4 semanas), atração de machos e baixas concentrações importante lembrar que um animal anão ou de baixa estatura pode ser um animal normal,
de progesterona, indicando a não ovulação. fruto de uma variação biológica natural.

2.1.2 Alterações laboratoriais e diagnóstico

Não existem alterações específicas nos exames de rotina, podendo-se muitas


vezes identificar a presença de azotemia (prejuízo ao desenvolvimento glomerular
secundário a deficiência de GH e menor taxa de filtração glomerular em decorrência da
deficiência de TSH), hipoalbuminemia, e anemias em decorrência das deficiências
hormonais. Os valores de T4 normalmente encontram-se reduzidos, associados a valores
baixos de TSH. A detecção de valores baixos de IGF-1 no plasma é bastante sugestiva de
deficiência de GH, e como o IGF-1 é menos espécie-específico que o GH, se podem usar
ensaios para IGF-1 humano. Cães com nanismo normalmente apresentam valores
bastante baixos de IGF-1 (entre 6 e 10 nmol/L) em comparação a cães filhotes ou adultos

Figura 1) Nanismo pituitário em um cão Pastor Alemão com 6 meses de idade. Disponível saudáveis que apresentam valores de IGF-1 comumente superiores a 30 – 40 nmol/L.
Contudo, para o diagnóstico definitivo é necessária à dosagem de GH sanguíneo frente a
em: <<http://medical-dictionary.thefreedictionary.com/Pituitary+Dwarfism>> acesso em 23
um teste de estimulação. Exames de imagens normalmente evidenciam o retardo no
de julho de 2009.
fechamento dos discos de crescimento dos ossos longos. Esta é uma evidencia
Apesar de inicialmente espertos e alertas, com o passar dos meses, de acordo importante na diferenciação do nanismo secundário ao hipotireoidismo congênito, onde se
com a presença ou evolução da deficiência de outros hormônios hipotalâmicos, os

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observa um crescimento epifisário reduzido. Imagens de ressonância ou tomografia adulto, sem causar valores excessivos de GH no plasma, com consequente menor
podem evidenciar cistos hipofisários. incidência de efeitos colaterais. No entanto, a administração crônica de progestágenos
esta associada a uma série de efeitos indesejáveis como piodermite recidivante, prurido,
O teste de estimulação de GH fornece um diagnóstico definitivo, apesar de serem
anormalidades no esqueleto, tumores de mama, hiperplasia endometrial cística (HEC),
escassos os ensaios validados para mensuração de GH canino. A determinação do GH
motivo pelo qual indica-se a castração de fêmeas com nanismo pituitário antes de iniciar o
deve ser feita antes, 15 e 30 minutos após a administração intravenosa de algum
tratamento, além de acromegalia e diabetes mellitus. Também se relatou sucesso
secretagogo do GH. A clonidina (10 μg/kg) é tida como um secretagogo de eleição. A
terapêutico frente ao uso do progestágeno proligestona. Nesta modalidade terapêutica é
xilazina (0,1 mg/kg) ou o próprio GHRH (1 μg/kg) também podem ser aplicados. A
igualmente importante controlar periodicamente as concentrações de GH, IGF-1 e
resposta típica em cães com nanismo pituitário é uma concentração baixa de GH seguida
glicemia. Alguns animais poderão necessitar de reposição de tiroxina, caso fique evidente
de nenhum aumento significativo após a estimulação. Cães saudáveis normalmente
o desenvolvimento de hipotireoidismo secundário.
aumentam a secreção de GH em no mínimo 2-4 vezes. Testes provocativos com CRH,
TRH e GnRH podem evidenciar a deficiente secreção de outros hormônios hipofisários. O prognóstico normalmente é pobre em razão dos efeitos colaterais do
tratamento, e desenvolvimento de deficiências hormonais secundárias. Normalmente por
2.1.3 Tratamento
volta dos 3-5 anos de idade os animais estão calvos, magros e apáticos, em decorrência
de perda progressiva da função renal, expansão de eventuais cistos hipofisários e da
Infelizmente não há um tratamento efetivo e adequado para os cães com
perda progressiva das demais funções pituitárias. Normalmente os donos solicitam
nanismo pituitário. Apesar de não existir comercialmente GH canino para administração
eutanásia quando estas complicações surgem, e a administração de progestágenos
pode-se usar GH humano, suíno ou bovino na dose de 0,1 a 0,3 UI/kg 3 vezes por
associado ao manejo adequado das demais disfunções endócrinas e clínicas presentes
semana por até 6 semanas. Contudo este tratamento geralmente apresenta uma resposta
resultam na melhor qualidade de vida para o paciente.
fraca ou pobre, uma vez que por ser um GH heterólogo ocorre a formação de anticorpos
anti-GH que neutralizam seu efeito em longo prazo, além do que esta dose normalmente
2.2 Hipersomatotropismo
causa excesso de GH e complicações como diabetes mellitus. Neste sentido, é
fundamental mensurar semanalmente o GH, o IGF-1 e a glicemia, sendo que o tratamento O hipersomatotropismo, também chamado de acromegalia ou gigantismo, é uma
subseqüente irá depender da resposta a este tratamento inicial. Muitos animais síndrome causada pela excessiva e crônica secreção do GH. O termo acromegalia refere
diagnosticados e tratados não apresentam crescimento significativo uma vez que os ao crescimento (megalia) das extremidades (acros) típica desta síndrome. Frente ao
discos de crescimento já se fecharam no momento do inicio do tratamento. A pelagem excesso de GH ocorre um estímulo contínuo para o crescimento de ossos, cartilagens,
responde principalmente com o crescimento de pelos primários. tecido conjuntivo e vísceras, levando as síndromes clínicas de gigantismo e acromegalia.
O gigantismo não foi documentado em cães e gatos, mas resulta de uma exposição a
Alternativamente, e talvez de forma mais apropriada, pode-se tratar cães com
excesso de GH durante a infância, enquanto as epífises estão abertas. Nos pacientes
nanismo hipofisário com progestágenos sintéticos, uma vez que estas substâncias
com acromegalia, não acontece crescimento longitudinal de ossos longos, mas ossos
estimulam a secreção endócrina de GH pela glândula mamária em ambos machos e
membranosos como os da face, mandíbula, nariz e vértebras tendem a aumentar de
fêmeas. A administração de acetato de medroxiprogesterona na dose de 2,5 a 5 mg/kg a
tamanho.
cada 3 semanas inicialmente, e posteriormente a cada 6 semanas resultou em
crescimento de alguns animais, bem como crescimento de uma pelagem robusta de

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A excessiva secreção de GH costuma estar associada a tumores hipofisários e cabeça. A hipertrofia de órgãos como coração, rins, língua e fígado são típicos em
secretores de GH (mais comum em felinos), ou elevadas concentrações endógenas ou felinos e podem inclusive ser palpáveis.
exógenas de progestágenos, levando a maior secreção de GH pela glândula mamária
(mais comum em cães). Nas fêmeas caninas, independente da origem do problema
levando ao excesso crônico de progesterona (i.e diestros repetidos e prolongados em
cadelas idosas, ou administração seqüencial de progestágenos como inibidores de estro),
os progestágenos induzem a expressão de GH pela glândula mamária. O GH mamário é
estruturalmente idêntico ao GH hipofisário, e fisiologicamente teria um efeito mais local
sobre a glândula mamária, preparando-a para a lactação ao fim do diestro.
Filogeneticamente, GH e prolactina são hormônios análogos. Nos felinos a origem do
hipersomatotropismo esta mais relacionada à origem do problema em humanos (i.e
tumores hipofisários). No entanto, apesar de progestágenos induzirem a síntese de GH
pela glândula mamária de felinos, nesta espécie, a produção de GH mamário não chega a Figura 2) Boca de um cão com prognatismo mandibular e maxilar e aumento do
espaço interdental secundário a acromegalia induzida por progestágenos (Rijnberk, A.;
atingir níveis sanguíneos a ponto de levar a estados clínicos de acromegalia. Kooistra, H.S.; Mol, J.A., 2003).

As principais complicações associadas à acromegalia envolvem a intensa Em cães, sinais respiratórios (intolerância ao exercício, ofego excessivo e
resistência à insulina e diabetes mellitus, insuficiência renal crônica, insuficiência cardíaca estridores respiratórios) podem tornar-se evidentes em decorrência do aumento de
secundária à cardiomiopatia hipertrófica, problemas neurológicos nos casos de volume dos tecidos da orofaringe. Este achado é mais raro em gatos, mas sinais
compressão do SNC pelo tumor hipofisário e artropatias degenerativas. respiratórios podem tornar-se evidentes secundários a edema pulmonar e efusão pleural
em decorrência de falência cardíaca (cardiomegalia) induzida pelo GH. Do ponto de vista
2.2.1 Apresentação e sintomas metabólico, o diabetes mellitus insulino-resistente é comum a cães e gatos, uma vez que
o GH apresenta potentes efeitos diabetogênicos, levando a menor sensibilidade periférica
Em todas as espécies, a acromegalia surge em pacientes de meia-idade a
à insulina. Como resultado os animais com hipersomatotropismo podem apresentar graus
idosos, porém em medicina veterinária observa-se uma predileção sexual muito forte, ao
variados de intolerância a carboidratos, sinais típicos de diabetes (poliúria, polidipsia,
contrário do observado em humanos. Nos gatos, a acromegalia acomete machos em mais
polifagia), além de necessidade de elevadas doses de insulina para controle da doença.
de 90% dos casos, ao passo que em cães com acromegalia espontânea 100% são
fêmeas. Os sinais clínicos que primeiro tornam-se evidentes em humanos e que também Claudicação e dores articulares podem ser comuns secundárias a artropatias
estão presentes em cães e gatos acromegálicos são: alargamento da mandíbula degenerativas em pacientes com acromegalia crônica. Clinicamente a doença articular
resultando em prognatismo, aumento no espaço interdental (Figura 2), engrossamento tende a ser bastante grave e incapacitante, sendo resultado do engrossamento das
dos acidentes ósseos da cabeça, aumento de volume das patas bem como dos tecidos cartilagens articulares e ligamentos, bem como dos ossos, levando a distorção articular.
moles da cabeça e pescoço. A organomegalia e aumento de volume dos tecidos moles Estes sinais articulares são mais observados em gatos. Os felinos também são mais
levam normalmente a ganho de peso e abaulamento da face e abdômen. O ganho de acometidos pela cardiomiopatia secundária a cardiomegalia, levando a presença de
peso pode estar evidente mesmo na presença de catabolismo diabético e o murmúrios sistólicos, ritmo de galope, e sinais de insuficiência cardíaca congestiva
engrossamento da pele tende a fazer a mesma tornar-se pregueada na região do pescoço

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(ascite, efusão pleural e edema pulmonar). Sinais neurológicos também só são presença de proteinúria secundária a glomerulopatia. Estes achados relacionados à
observados em felinos em decorrência de expansão de tumor hipofisário para o SNC, função renal são comuns em felinos. Achados relacionados à função hepática também
levando a estupor, convulsões, andar em círculos, mudanças de comportamento e outras são diferentes em cães e gatos. Felinos tendem a apresentar aumento moderado na
anormalidade ao exame neurológico. atividade das enzimas ALT e FAS, normalmente secundário ao estado diabético, ao
passo que cães podem apresentar aumentos na atividade da FAS em decorrência da
A poliúria e polidipsia observada em cães e gatos como um dos sinais mais
isoforma óssea ou da isoforma induzida por corticosteróides (estimuladas pela
comuns associados à acromegalia esta associada não só ao estado diabético (que em
progesterona), ou ainda secundário a lipidose hepática. Outras alterações como
fêmeas pode ser revertido após a castração e consequente redução dos níveis de
hipercolesterolemia, hiperproteinemia e hiperfosfatemia podem ser evidentes. A Tabela 1
progesterona, e assim de GH), mas também são secundários ao aumento de volume
apresenta os principais achados clínicos e laboratoriais em cães e gatos com
renal com consequente maior fluxo sanguíneo e taxa de filtração glomerular. Apesar disto,
acromegalia. Os exames de imagens são úteis na identificação de aumentos de volume
felinos podem desenvolver falência renal em decorrência de glomeruloesclerose
ósseos e de tecidos moles (proliferação periosteal, hiperosteose do crânio, aumento do
associado ao diabetes não compensado levando a azotemia, proteinúria e sinais clínicos
tecido faríngeo), bem como na avaliação das articulações, especialmente em felinos.
de IR. Com relação ao trato reprodutivo, as fêmeas caninas com acromegalia podem
Ecografias e radiografias auxiliam também na demonstração de organomegalia. Em
apresentar além de nódulos mamários (decorrentes do efeito tumorigênico do GH
felinos as imagens de ressonância magnética e tomografia computadorizada são úteis na
induzido pela progesterona), alterações endometriais como a HEC, em decorrência da
identificação e caracterização de tumores hipofisários.
estimulação excessiva da progesterona, mas também do GH, uma vez que alguns
autores evidenciaram o IGF-1 como um fator estimulador do desenvolvimento de HEC em O diagnóstico definitivo baseia-se na demonstração de uma excessiva
cães. Além destas alterações, fêmeas caninas expostas a progestágenos exógenos concentração de GH no plasma, o que não é muito fácil em decorrência da dificuldade em
podem desenvolver hipoadrenocorticismo secundário, uma vez que estes compostos disponibilizar o exame comercialmente para cães. A determinação do IGF-1 reflete a
apresentam efeitos semelhantes aos dos glicocorticóides, e provocam inibição do eixo magnitude da secreção do GH nas últimas 24 horas, com valores elevados de IGF-1
hipotálamo-hipófise-adrenal, levando a atrofia bilateral do córtex adrenal. Fêmeas felinas sugerindo a existência de acromegalia. Apesar disto, falsos positivos podem ocorrer,
expostas aos progestágenos sintéticos são suscetíveis a esta alteração, apesar de não como já demonstrado em gatos diabéticos. Contudo, na ausência de testes disponíveis de
desenvolverem acromegalia. GH e/ou IGF-1 pode-se firmar o diagnóstico em cães com base nas evidências clínicas e
laboratoriais, bem como no histórico de exposição a progesterona, e exclusão de
2.2.2 Avaliação laboratorial e diagnóstico
hiperadrenocorticismo. A melhora clinica depois da retirada da exposição a progesterona
confirma o diagnóstico terapêutico. Em felinos, o diagnóstico pode ser firmado também
A avaliação laboratorial do paciente normalmente não apresenta nenhum achado
com base nos achados laboratoriais e clínicos, exclusão de patologias da tireóide e
patognomônico, contudo alguns achados são clássicos. A eritrocitose e leucocitose
adrenal, a detecção de massas hipofisárias nas imagens de tomografia computadorizada
moderada podem ser evidentes em decorrência do estímulo do GH. Os felinos
ou ressonância magnética.
desenvolvem diabetes em praticamente 100% dos casos e achados como hiperglicemia e
glicosúria são comuns em felinos em decorrência do diabetes mellitus secundário ao
Tabela 1. Principais achados (percentual) clínicos e laboratoriais em cães e gatos com
hipersomatotropismo. Caninos desenvolvem hiperglicemia em uma proporção menor de
acromegalia.
casos (cerca de 55% dos casos). Os exames de avaliação da função renal podem
evidenciar azotemia em casos mais avançados de insuficiência renal, bem como a

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Achado Gatos Cães é limitada, além dos riscos elevados associados à cirurgia. Como não há relatos da
Poliúria e polidipsia 100% 55% aplicação desta técnica para tratamento da acromegalia felina, a mesma fica como
Glicosúria/hiperglicemia 100% 30% sugestão. As opções de tratamentos médicos no geral são pouco eficazes, mas pode-se
Insuficiência renal 50% Incomum aplicar apesar disto. Em humanos, drogas como a octreotida (análogo sintético da
Azotemia 50% Incomum somatostatina – atua inibindo a secreção de GH e reduzindo o tamanho tumoral), o
Proteinúria 45% Incomum pegvisomanto (antagonista do receptor de GH) e a seleginina (L-deprenil – atua
Hiperfosfatemia 65% Incomum aumentando a dopamina, inibindo assim a secreção de GH) tem sido aplicadas com
Estridores inspiratórios Incomum 85% sucesso. Contudo a aplicação de tais tratamentos em felinos não tem demonstrado
Artropatias 40% Incomum eficácias satisfatórias. O pegvisomanto não teve seu uso relatado para tratamento de
Sinais neurológicos 15% Incomum gatos com acromegalia.
Hipercolesterolemia 45% Incomum
O prognóstico da doença em cães é favorável, uma vez que a retirada da
Atividade elevada da ALT 30% Incomum
progesterona endógena ou exógena resulta na melhora clínica do paciente, ao passo que
Atividade elevada da FAS 10% 70%
felinos não tratados apresentam uma sobrevida média de em torno de 20 meses, indo a
Eritrocitose 35% Incomum
óbito ou eutanásia por conta de complicações como insuficiência renal, insuficiência
2.2.3 Tratamento cardíaca e sintomas neurológicos.

Em cães o tratamento consiste na remoção da exposição a progesterona, ou 3. O TECIDO ADIPOSO COMO GLÂNDULA ENDÓCRINA

através da castração, ou através da interrupção da administração de progestágenos.


Atualmente os entusiastas do grande universo da endocrinologia devem estar
Normalmente os pacientes apresentam respostas clínicas boas, porém a diabetes mellitus
atentos a um tecido que não era reconhecido por sua função endócrina. O tecido adiposo,
pode ser permanente, apesar de haver remissão na maioria dos casos. Os sinais
classicamente era considerado como um tecido inerte, com sua principal função
associados à proliferação de tecidos moles tendem a se resolver, contudo as alterações
associada à reserva energética, além de isolamento térmico, termogênese e proteção
ósseas também podem persistir.
contra traumas. Contudo, atualmente o tecido adiposo é reconhecido por sua função
Em gatos, o tratamento deve ser voltado diretamente para tentar resolver a endócrina, uma vez que apresenta a capacidade de secretar diversas substâncias,

hipersecreção de GH, o que é difícil na maioria dos casos. A terapia mais efetiva é a normalmente proteínas ou peptídeos, que terão ação localmente (efeito autócrino e

radioterapia, uma vez que os tumores hipofisários de gatos respondem de forma parácrino) ou que terão ação à distância (efeito endócrino). Estas substâncias secretadas

excelente a esta modalidade terapêutica. Contudo, é uma tecnologia pouco disponível, pelo tecido adiposo são coletivamente chamadas de adipocitocinas ou adipocinas. As

necessita de um período grande de permanência no hospital, exige anestesias adipocitocinas apresentam diversos efeitos, podendo ser agrupadas de acordo com suas

freqüentes, apresenta custo elevado e pode apresentar desfechos imprevisíveis. Além funções principais em adipocinas com função imunológica, cardiovascular, metabólica e

disso, a resposta clínica é demorada, e pode haver recidiva após 6 a 18 meses. endócrina.

A hipofisectomia apresenta-se como uma alternativa curativa também, contudo a 3.1 Hormônios dos Adipócitos (Adipocitocinas)

disponibilidade de cirurgiões experientes capacitados a executar o procedimento também

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O tecido adiposo esta disperso pelo organismo e dividido em diferentes depósitos Em humanos, há uma forte associação entre obesidade e risco cardiovascular,
sem ligação física entre si, tendo a atividade secretora regulada por mecanismos dependente, sobretudo, da gordura visceral, observando-se a redução do risco associada
humorais e hormonais não totalmente esclarecidos. Além disso, a maioria das à perda de peso, acompanhado normalmente de redução na pressão arterial, colesterol
adipocitocinas não é produzida somente no tecido adiposo, sendo difícil à determinação LDL e colesterol total. Com relação as adipocinas com função cardiovascular observa-se
do papel do tecido adiposo na concentração sérica destas substâncias. A função que o tecido adiposo apresenta todos os componentes do eixo renina-angiotensina. A
endócrina do tecido adiposo fica mais evidente através da produção ou regulação anormal angiotensina II induz a diferenciação dos pré-adipócitos e lipogênese nos adipócitos.
das adipocitocinas que ocorre frente à obesidade. Em humanos obesos, e diversos Alem disso, demonstrou-se que o tecido adiposo pode secretar angiotensinogênio de
modelos de estudo roedores, a desregulação destas adipocinas está implicada na acordo com o estado nutricional, e que a aldosterona pode promover insulino-resistência.
ocorrência de uma série de co-morbidades associadas à obesidade, como a síndrome Outra adipocina relacionada a efeitos cardiovasculares é o PAI-1 (inibidor da ativação do
metabólica, diabetes mellitus tipo 2, aterosclerose, doenças cardíacas e até câncer. A plasminogênio - 1), uma proteína anti-fibrinolítica produzida pelo fígado e pelo tecido
grande maioria das adipocitocinas quando em excesso apresentam efeitos deletérios ao adiposo. Na obesidade, o tecido adiposo secreta grande quantidade de PAI-1,
organismo, e a obesidade esta justamente associada a maior expressão e secreção especialmente a gordura visceral, o que esta associado à ocorrência de enfarte agudo do
destas substâncias. Atualmente tem-se buscado estudar estas moléculas como miocárdio e tromboses venosas. Esta molécula é um promotor da aterogênese pela maior
marcadores de risco de desenvolvimento de complicações associadas à obesidade. deposição de fibrina e plaquetas no ateroma em formação. Em animais não é comum à
Apesar disto, os estudos sobre estas substâncias em cães e gatos ainda estão apenas ocorrência de aterosclerose, salvo condições raras associadas ao hipotireoidismo ou
começando, infelizmente ainda com pequena aplicação clínica. hiperadrenocorticismo. Isto acontece porque a principal lipoproteína do cão é a HDL, que
tem efeitos protetores. Doenças como hipotireoidismo e síndrome de Cushing levam a
As adipocinas com função imunológica são basicamente a interleucina 6 (IL-6), o
redução dos níveis de HDL, com aumento concomitante do LDL. A síndrome de Cushing
fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) e os fatores do complemento B, C3 e D (adipsina).
em particular pode ter aqui uma das explicações para o alto risco de tromboembolismo,
Estas proteínas são produzidas pelos adipócitos frente a estados inflamatórios ou
uma vez que o PAI-1 tem sua secreção estimulada por corticóides, além de ser a gordura
infecciosos, podendo contribuir para a inflamação sistêmica, além de apresentar efeitos
visceral a principal fonte de PAI-1 na obesidade.
locais, sendo que a obesidade esta associada a um processo inflamatório crônico. O TNF-
α, além de suas funções imunológicas pró-inflamatórias, apresenta a capacidade de Diversas adipocinas apresentam efeitos metabólicos regulando o metabolismo
diminuir a sensibilidade à insulina por reduzir a expressão e translocação de GLUTs-4 lipídico. O normal é o tecido adiposo receber nutrientes durante o período pós-prandial e
para membrana celular, além de prejudicar a fosforilação do receptor de insulina, bem liberar nutrientes para a periferia em períodos de jejum. Contudo este fluxo encontra-se
como de alguns substratos intra-celulares. Além disso o TNF-α esta associado à menor alterado na obesidade uma vez que existe uma complexa rede de comunicação entre os
diferenciação de pré-adipócitos, estímulo à apoptose e à lipólise. O TNF-α esta tecidos insulino-sensíveis, sendo que cada vez mais evidencias apontam para o tecido
aumentado na obesidade, e reduz suas concentrações após perda de peso, acreditando- adiposo como o principal regulador metabólico destes tecidos. Neste grupo de adipocinas
se que seus efeitos sejam mais autócrinos e parácrinos. A IL-6 é outra citocina pró- com efeitos metabólicos podem-se citar os ácidos graxos livres (AGL), a adiponectina, a
inflamatória produzida especialmente pela gordura visceral, e apresenta efeitos resistina, o peptídeo relacionado ao agouti (AGRP) e a visfatina.
metabólicos como inibição da lipase lipoprotéica e estímulo à lipólise. Seus níveis estão
Os AGL podem ser oriundos da dieta, fígado ou da degradação dos triglicerídeos.
aumentados na obesidade e reduzem com o emagrecimento, podendo ser usada como
Diversas evidências apontam para um efeito deletério dos AGL sobre a sensibilidade e
um marcador de resistência à insulina.

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ação da insulina, além de classicamente saber-se que os AGL atuam inibindo a secreção menores no tecido adiposo. A resistina apresenta um efeito inibitório sobre a
de insulina pelas células beta pancreáticas, podendo inclusive estimular vias de apoptose diferenciação dos adipócitos, mas parece apresentar um papel na indução da resistência
celular. Além disso, menor captação de glicose, secundário a defeitos na transdução do à insulina presente na inflamação. Apesar disto, falhou-se em demonstrar algum efeito
sinal de insulina, tem sido relatados. Os AGL exercem estes efeitos via ativação do sobre a captação de glicose em adipócitos.
PPAR-α.
Ainda pode-se citar o AGRP, uma proteína expressa em tecido adiposo sub-
A adiponectina é uma proteína expressa especificamente pelos adipócitos, e sua cutâneo e visceral, além de em outros tecidos, que pode determinar o peso corporal do
produção depende do estado nutricional, contudo esta é a única adipocitocina que reduz individuo ao antagonizar o efeito do α-MSH no hipotálamo, afetando assim o apetite e o
sua concentração frente à obesidade. Ironicamente, esta também é a única adipocitocina metabolismo. A visfatina é uma proteína expressa pelo tecido adiposo visceral e
descrita com efeitos benéficos, pois apresenta efeitos anti-aterogênicos, além de apresenta um efeito semelhante à insulina ao ligar e ativar o receptor de insulina.
potencializar a ação da insulina no controle do metabolismo lipídico e glicídico. No fígado,
Apesar dos efeitos das adipocinas citadas acima poderem apresentar efeitos
a adiponectina tem um efeito semelhante ao efeito da insulina em estimular a oxidação
endócrinos em determinadas situações, nenhuma destas proteínas apresenta um eixo tão
das gorduras e inibir a produção de glicose hepática. Além disso, o tecido muscular
bem descrito e consolidado como a leptina, um hormônio descrito inicialmente nos anos
também passa a oxidar mais gorduras em resposta a adiponectina. Um outro papel
noventa. O nome leptina tem sua origem na palavra grega (leptos) que significa magro. A
importante desta adipocina é seu efeito inibidor sobre a expressão e ação do TNF-α,
origem desta nomeclatura foi à descrição de camundongos deficientes em leptina (ob/ob)
constituindo assim um papel anti-inflamatório, uma vez que a adiponectina também reduz
associado à obesidade mórbida. Rapidamente a industria farmacêutica julgou que estaria
a produção de IL-6, (i.e. a adiponectina inibe a síntese de citocinas pró-inflamatórias).
resolvida a pandemia de obesidade que hoje assola os sistemas de saúde, uma vez que a
Este efeito antiinflamatório ainda é reforçado pelo fato da adiponectina antagonizar a IL-
administração de leptina a estes camundongos previne a obesidade e estimula a perda de
1e induzir a expressão da IL-10 (uma citocina antiinflamatória).
peso. Contudo, ficou evidente que a leptina é uma proteína expressa quase que
Atualmente a adiponectina segue sendo muito estudada, buscando-se aplicações exclusivamente pelo tecido adiposo em resposta a alterações celulares secundárias ao
práticas de sua mensuração no plasma, bem como de sua aplicação terapêutica. A efeito da insulina, desta forma servindo como indicadora do estado nutricional. Existe uma
administração de adiponectina pode promover reversão da resistência à insulina em correlação direta entre massa adiposa e concentração de leptina no sangue, ou seja,
situações como a obesidade. Um dos efeitos atribuídos as tiazolidinedionas (TZD) é quanto mais gordo o indivíduo, maior a concentração de leptina. Desta forma evidenciou-
promover a elevação da adiponectina no plasma. As TZD podem ser empregadas no se que deficiência de leptina não era a causa da obesidade, uma vez que pacientes
tratamento de pacientes com diabetes mellitus tipo 2, sendo a elevação da adiponectina obesos apresentam na verdade hiperleptinemia, salvos em síndromes genéticas
um de seus efeitos farmacológicos. Em cães já se demonstrou a correlação inversa entre associadas à deficiência primária parcial ou absoluta de leptina.
leptinemia e adiponectinemia, ficando claro o envolvimento da adiponectina com o
A leptina produzida pelos adipócitos atua sobre diversos tecidos influenciando
metabolismo geral. A adiponectina em cães é expressa principalmente pelo tecido
numerosos processos metabólicos além da regulação dos depósitos de gordura, como a
adiposo visceral, e na circulação circula de forma semelhante ao demonstrado em
fertilidade, e o sistema imune. Um destes alvos da leptina é o hipotálamo, onde a ligação
humanos, formando complexos protéicos de no mínimo duas moléculas de adiponectina.
da insulina ao seu receptor informa sobre a quantidade de depósitos de gordura. Esta
A resistina é uma citocina expressa principalmente por células sanguíneas informação referente à quantidade de tecido adiposo, leva a ativação de vias
mononucleares (monócitos e macrófagos), mas também é expressa em quantidades anorexígenas e de gasto energético. Ou seja, leptina elevada serve como um sinal para o

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hipotálamo, informando que existem estoques adequados de energia, e que deve cessar fisiopatológico observado em humanos, associada a menor transporte de leptina pela
a ingestão de alimentos e estimular o gasto energético. A questão do controle do apetite é barreira hemato-encefálica. Apesar de em humanos haver uma tendência a valores de
cumprido pela liberação, pós-ligação da leptina, de neuropeptídeos anorexígenos como o leptinemia maiores em mulheres em decorrência da maior adiposidade fisiológica,
CRH, α-MSH e o CART (transcrito relacionado a cocaína e anfetamina). Além disso, a estudos falharam em demonstrar diferenças significativas na leptinemia de cães,
leptina inibe a síntese e liberação de neuropeptídeos oroxígenos como o AGRP e do independentemente da idade, sexo e raças. Corticóides e alimentação estão associados a
neuropeptídeo Y (NPY). O estímulo ao gasto energético é mediado pela estimulação da elevações na leptinemia em cães. A ovariectomia associada à alimentação à vontade esta
liberação de TRH, ativando o eixo hipotálamo-hipófise-tireóide, com o T3 ativando associada a aumentos na concentração não só de leptina, mas também de TSH e de T3 e
processos metabólicos na periferia. T4, mostrando uma reação do organismo para tentar controlar o peso, porém sem
sucesso, uma vez que o peso dos animais neste estudo aumentou pós-ovariectomia.
Desta forma, ficou evidente que a obesidade esta associada muitas vezes à
resistência central à insulina, por menor transporte de leptina para o SNC e menor Apesar da leptina, ser o clássico hormônio associado ao tecido adiposo como
ativação do receptor de leptina no hipotálamo. Camundongos com leptinemia normal, tecido endócrino, este tecido apresenta a capacidade de realizar interconversão de
porém com deleção do receptor de leptina (db/db) serviram como modelo para descrição hormônios esteróides. Além de ocorrer conversão de cortisona a cortisol (via enzima 11-
destes efeitos. Tanto os animais ob/ob, quanto os db/db tornam-se obesos e diabéticos β hidroxiesteróide desidrogenase tipo I) no tecido adiposo também pode ocorrer
com o passar de semanas de vida, além de inférteis. Já foi demonstrado que a leptina interconversão de hormônios sexuais. Tanto a via que catalisa a conversão de
apresenta um papel central na fertilidade, influenciando a liberação de GnRH (hormônio androstenediona (um precursor androgênico) a testosterona (enzima 17-β hidroxiesteróide
liberador de gonadotrofinas), e conseqüentemente de LH (hormônio luteinizante) e FSH oxiredutase) pode estar mais ativa na obesidade feminina, como a via que catalisa a
(hormônio folículo-estimulante). Desta forma, a leptina serve com um indicador do estado conversão da androstenediona e da testosterona à estrona e estradiol (enzima
nutricional para a atividade reprodutiva, sendo fundamental para desenvolvimento da aromatase) respectivamente, pode estar mais ativa em indivíduos obesos do sexo
puberdade e retomada da atividade sexual após períodos de anestro, bem como para a masculino. O resultado é uma possível masculinização de fêmeas obesas e a
fertilidade. feminilização de machos obesos.

Além destes efeitos, a leptina tem uma ação imuno-reguladora com efeitos pró- 3.2 Obesidade em Cães e Gatos
inflamatórios e moduladores do sistema imune. Perifericamente uma das ações mais
Nas últimas décadas, o estilo de vida moderno vem levando a ocorrência de uma
importantes estimuladas pela leptina, é a inibição da síntese e secreção da insulina. Desta
pandemia de obesidade tanto em paises desenvolvidos como em paises em
forma, fica evidente um eixo hormonal hoje chamado de eixo adipo-insular, uma vez que a
desenvolvimento. A alimentação rica em gorduras e de fácil obtenção, associado ao
insulina estimula a síntese de leptina (hormônio lipogênico), e a leptina contra-regula a
sedentarismo crescente tem feito não só os humanos se tornarem obesos, mas também
insulina. Mutações no gene da leptina ou de seu receptor, bem como certos polimorfismos
os animais de companhia estão sofrendo o mesmo problema. A teoria do gene poupador
podem estar associados à obesidade polifágica e infertilidade.
esta de acordo com a tendência de armazenamento excessivo de energia frente à
Estudos em cães evidenciaram maiores concentrações de leptina em cães com ingestão excessiva de calorias. Esta teoria preconiza que os genes relacionados a poupar
hipotireodismo, bem como na endotoxemia, estando associada nestas situações a maior energia, que durante a evolução determinaram a sobrevivência em momentos de
liberação de hormônios de estresse, mediadores pró-inflamatórios e marcadores de danos ausência de alimentos, atualmente estão levando a população à obesidade e co-
renais e hepáticos. O mecanismo de resistência a leptina obedece ao mesmo processo morbidades associadas em decorrência do aporte energético excessivo. Do ponto de vista

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epidemiológico acredita-se que nos Estados Unidos e Europa cerca de 20 a 45% dos Figura 3) Índice de condição corporal para avaliação de cães e gatos.
cães e de 5 a 40% dos gatos estejam com sobre peso, acompanhando tendências
A obesidade é uma doença crônica de causas multifatoriais resultado de um
humanas, como por exemplo nos EUA, onde até 75% da população apresenta-se com
balanço energético positivo, levando ao excesso de gordura corporal. Além dos fatores
sobre peso. Um estudo realizado na cidade de São Paulo evidenciou uma freqüência de
negativos associados à obesidade, como hipertensão, anormalidades cardiovasculares,
obesidade em cães de 17%, sendo que deste grupo, 63% eram fêmeas e 31% eram
predisposição a diabetes, dislipidemia, doenças articulares degenerativas e lipidose
castrados. As fêmeas são mais suscetíveis à obesidade em decorrência da sua
hepática com tendência de evolução para fibrose e até cirrose; a manutenção de um
endocrinologia reprodutiva. A testosterona estimula a lipólise. Normalmente os animais
escore corporal magro ao longo da vida esta associada a uma maior expectativa de vida
afetados são apresentados entre os 4 e 9 anos de idade. Além disto, animais obesos não
em diversos modelos animais, incluindo humanos e cães. Atualmente a síndrome
costumam atingir idades avançadas (> 10 anos), indo a óbito antes por conta de
metabólica, morbidade bastante comum na medicina humana e marcada pela presença
complicações induzidas pela obesidade.
de pelo menos três de quatro fatores (obesidade, resistência à insulina, hipertensão e
A avaliação da condição corporal de cães e gatos pode ser feita de forma simples dislipidemia), já pode ser reconhecida em cães e gatos obesos. A dislipemia nos
e rápida a partir de um sistema de avaliação corporal que avalia diversos parâmetros pacientes obesos com síndrome metabólica normalmente apresenta valores elevados de
subjetivos, como silhueta abdominal, facilidade com que se visualizam a palpam AGL, triglicerídeos e VLDL/LDL (lipoproteínas de muito baixa densidade e lipoproteína de
acidentes ósseos e massa adiposa, classificando-se os animais em cinco categorias, baixa densidade, respectivamente), além de valores reduzidos de HDL (lipoproteína de
sendo o animal com escore 3 considerado ideal: 1-caquexia, 2-subpeso, 3-eutrófico, 4- alta densidade). Além disto ainda podem-se citar complicações dermatológicas (menor
sobrepeso e 5-obeso (Figura 3). O escore corporal considerado ideal é um animal magro. capacidade de autocuidados com a pelagem e predisposição a inflamações), respiratórias
Outras formas mais apuradas de determinação da quantidade de gordura corporal podem (menor área de expansão torácica decorrente do acúmulo de gordura bem como
ser aplicadas, porém não estão acessíveis para as rotinas clínicas, ou estão sujeitas a estreitamento do trato respiratório superior) e cirúrgicas (a anestesia e trans-operatório de
variações raciais ou de porte, como no caso da determinação da gordura corporal com pacientes obesos tendem a ser mais complicadas). A prevenção da obesidade em cães e
base em medidas morfométricas (p. ex. relação entre comprimento do fêmur e cintura gatos pode ser feita com base numa alimentação equilibrada que atenda as exigências
abdominal). nutricionais, sem excesso de calorias, bem como na prática de atividade física periódica.
Neste sentido os fatores mercadológicos associados à clínica de pequenos animais
(petiscos para animais de estimação, dog-walkers, serviços de spa, centros de estudo da
obesidade) apresentam um papel importante no universo da obesidade de pequenos
animais.

A humanização dos animais de companhia pelos proprietários que muitas vezes


tem o animal como um membro da família, ou como um filho que não esta mais presente
ou ainda esta por vir, leva uma série de alterações no estilo de vida dos animais, que
passam a compartilhar a mesma cama e às vezes a mesma mesa que os donos. Muitos
proprietários, talvez por questões psicológicas ou até desconhecimento, sentem a
necessidade de alimentar excessivamente os animais de companhia, levando a uma

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ingestão exagerada de restos alimentares, ou de guloseimas para cães e gatos dados na anamnese, exame físico e exames complementares que suportem uma
disponíveis nas lojas de produtos veterinários. Não bastando estas questões emocionais, eventual suspeita.
pressão social pode estar envolvida no desenvolvimento da obesidade (por exemplo, cães
Talvez a tarefa mais difícil na implementação de um programa de redução de
com livre acesso ao alimento que comem em excesso por competição, tédio ou para
peso seja a educação dos proprietários em aceitar, colaborar e seguir rigorosamente as
chamar atenção). É importante salientar aos donos que o uso abusivo de guloseimas,
medidas propostas. A dieta apresenta um papel central nos programas de redução do
mesmo que feitas para animais de companhia leva a ganho de peso, uma vez que são
peso porque cerca de 60 a 75% do consumo energético do organismo é decorrente do
calorias extras que estão sendo oferecidas e que na maioria das vezes não serão gastas,
consumo de mantença. Cerca de 10 a 15 % do consumo energético corpóreo é
porque os donos levam um estilo de vida sedentário que se estende aos animais. Com
decorrente do gasto na digestão de alimentos, e demais 10 a 30% decorrentes de
felinos, o grande problema é a restrição ambiental nos apartamentos associado à
atividade física, dependendo do grau de atividade do paciente. Desta forma, o controle do
esterilização, que esta associada normalmente a ganho de peso. Neste sentido é
que é ingerido já é suficiente para manter o paciente em restrição calórica. E neste
importante a adequada orientação dos proprietários pelos veterinários quanto à
sentido pode-se seguir a indicação dos fabricantes das rações para perda de peso.
alimentação dos animais, especialmente para pacientes de raças predispostas à
Normalmente estas dietas são suplementadas com L-carnitina, um aminoácido
obesidade (Cocker, Labrador, Pug, Schnauzer, Beagle, Rottweiller, Dashchund, entre
fundamental para favorecer a entrada de AGL na mitocôndria onde estes serão oxidados
outros), bem como para animais em risco fisiológico de se tornarem obesos (animais
como fonte de energia. Desta forma, a administração de várias refeições por dia (3-4) são
esterilizados ou sedentários). A ingestão alimentar traz sensação de prazer para os
interessantes por manter níveis mais estáveis de L-carnitina na circulação. Além disso,
animais, assim como para os humanos, mediada pela liberação de serotonina no SNC, e
comumente estas rações apresentam outras características comuns, como proteínas de
desta forma deve-se deixar claro que os prazeres da gula não são adequados para os
alta digestibilidade, elevado teor de fibras e restrição de gorduras, que favorecem a
animais de companhia.
saciedade e perda de peso, além de ômegas (efeitos antiinflamatórios e anti-
Para o controle da obesidade existem diversas estratégias práticas. Por exemplo, aterogênicos) e cromo (mineral que potencializa a ação da insulina).
além de uma grande variedade de rações comerciais com uma formulação nutricional
Na ausência de uma dieta específica, pode-se manter o mesmo alimento do
adequada para a perda de peso, muitos serviços veterinários oferecem auxílio não só no
animal, desde que se controle a quantidade. A administração empíricla de 60 a 75% da
sentido de avaliação clínica, mas também no sentido de permitir um maior gasto
quantidade indicada pelo fabricante para determinado animal pode ser uma medida eficaz
energético. As rações para perda de peso de cães e gatos apresentam características
inicialmente. De forma mais adequada pode-se calcular a necessidade calórica em
comuns que favorecem o gasto energético, porém independente da marca utilizada, é
repouso (NCR) através da fórmula: NCR = [(30 x peso) + 70], oferecendo-se de 1,2 a 1,6
fundamental que uma quantidade diária de ração seja definida para que se mantenha o
da NCR por dia para cães e de 1 a 1,2 da NCR por dia para gatos. Outro cálculo é a
animal exposto a uma restrição calórica. Antes de empregar-se um programa de redução
administração calórica diária estabelecida com base nas fórmulas: 55 x [peso inicial
de peso, é fundamental fazer uma boa avaliação clínica do paciente em busca de
(kg)0,75] para cães e 30 x [peso inicial (kg) 0,75] para gatos. Com este fornecimento, os cães
evidências de doenças ou co-morbidades associadas (cardiovasculares, dermatológicas,
devem atingir a redução de pelo menos 15% do peso em 6 semanas, e os gatos em 18
respiratórias, articulares, metabólicas). A avaliação do apetite do animal torna-se
semanas (Figura 4).
fundamental na avaliação do problema (o paciente é glutão ou tem um apetite
caprichoso?). Do ponto de vista etiológico, ocasionalmente a obesidade pode estar
De forma adjunta, pode-se estimular a prática de atividades físicas, contudo o
associada a insulinomas, hipotireoidismo ou hiperadrenocorticismo devendo-se buscar
consumo energético estimulado pelo exercício não é o principal ponto de um programa de

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redução de peso. A prática de exercícios ainda oferece outros benefícios, como aumento
da massa magra, aumento da termogênese, redução da glicemia, insulinemia e
hipertensão, além de ser um estímulo lipolítico via liberação de catecolaminas e GH. É
importante lembrar que uma certa proporção de pacientes obesos apresenta alterações
articulares que podem contra-indicar a realização de exercícios. Neste sentido, a prática
de exercícios na água (natação, esteira aquática – Figura 5) pode auxiliar na redução do
impacto articular associado à atividade física. Para felinos, onde a prática de exercícios
pode ser mais difícil, o uso de laser pointers, cordinhas, e ervas como o catnip, podem ser
úteis.

Figura 5) Paciente Dashchund obesa sob programa de redução de peso fazendo esteira
aquática como tratamento adjunto a restrição calórica na perda de peso.

4. HIPERLIPIDEMIA

O termo hiperlipidemia (Figura 6) relaciona-se a presença de valores elevados de


lipídeos no sangue, normalmente como resultado de hipercolesterolemia, ou
hipertrigliceridemia, ou ambas. As dosagens no plasma são de colesterol e triglicerídeos
Figura 4) A esquerda, paciente sem raça definida extremamente obesa secundário a uma
totais, apesar de que no sangue, estas substâncias fundamentais a vida circulem dentro
dieta extremamente calórica desequilibrada. A direita, a mesma paciente quatro meses
de complexos carreadores (lipoproteínas) em decorrência de suas características
depois de ter desenvolvido diabetes, adequadamente tratada e entrado num regime de
hidrofóbicas.
redução de peso.

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de quilomicron, formada basicamente de triglicerídeos, uma pequena quantidade de


colesterol e pela ApoB48. O quilomicron é encarregado de levar os triglicerídeos da dieta
para fígado e demais tecidos, e uma vez na circulação recebe outras Apo (ApoC-II e
ApoE) de moléculas de HDL. A lipoproteína lipase presente no endotélio vascular
reconhece a ApoC-II levando a lipólise e liberação de ácidos graxos e glicerol para os
tecidos periféricos. Os remanescentes de quilomicron vão para o fígado onde são
internalizados via receptores para ApoB48 servindo de fonte de ésteres de colesterol para
o fígado.

A VLDL é sintetizada no fígado, e sua função é entregar triglicerídeos sintetizados


no fígado para os tecidos periféricos, sendo basicamente composta de triglicerídeos, um
pouco de colesterol e ApoB100. Uma vez na circulação a HDL doa ApoC-II e ApoE para a
VLDL, permitindo que a mesma seja reconhecida e atacada pela lipase lipoprotéica. Os

Figura 6) Amostra de sangue total apresentando lipemia após repouso de menos de uma remanescentes de VLDL podem ser re-captados pelo fígado ou transformados em LDL. O

hora. Observar o aspecto opaco e leitoso do plasma. Se deixada em repouso por cerca de LDL perde densidade em comparação ao VLDL justamente por estar com menor

12 horas, a amostra pode formar uma crosta cremosa branca na parte superior, quantidade de triglicerídeos e maior concentração de colesterol. Em humanos o LDL é o

representado um teste simples positivo para quilomicrons (prova do quilomicron). principal envolvido na formação de aterosclerose. Cães apresentam valores baixos de
LDL,sendo naturalmente protegidos desta complicação, a menos que expostos a
4.1 Revisão sobre Metabolismo das Lipoproteínas situações que cursem com aumento de LDL (hipotireodismo, hiperadrenocorticismo,
obesidade). A LDL é retirada da circulação via internalização após a interação com um
Para o adequado entendimento da hiperlipidemia é interessante revisar
receptor específico (receptor de LDL), e serve como uma fonte de colesterol para os
rapidamente como se dá o metabolismo lipídico através das lipoproteínas. As
tecidos.
lipoproteínas são complexos lipídicos-protéicos que transportam lipídeos pelo plasma
para os tecidos periféricos. Estruturalmente as lipoproteínas são compostas de uma A HDL é sintetizada pelo fígado e intestinos na forma de HDL imaduro, contendo
superfície hidrofílica composta de fosfolipídios, colesterol e apolipoproteínas (Apo) que basicamente a ApoA-I, ApoC-II e ApoE. Na periferia colesterol livre é captado a favor de
cercam um uma região centra hidrofóbica rica em quantidades variáveis de triglicerídeos e um gradiente de concentração e a medida que a estrutura vai ficando cheia de colesterol,
ésteres de colesterol. o HDL vai se tornando maduro. Além de seu papel em doar ApoC-II e ApoE para os
quilomicrons e VLDL, favorecendo o metabolismo destas moléculas, a principal função do
Após a ingestão de alimentos gordurosos, a gordura da dieta sofre digestão no
HDL é levar colesterol ao fígado para estoque, redistribuição ou excreção via ácidos
intestino pela ação de enzimas lipolíticas, especialmente a lipase pancreática, liberando
biliares. A hiperlipidemia fisiológica é resultado da absorção intestinal de gorduras da
ácidos graxos, colesterol, fosfolipídios e glicerol. Estes produtos da digestão das gorduras
dieta, observando-se a formação de uma camada cremosa e opalescente em amostras de
são absorvidos pela mucosa intestinal, sofrendo uma re-esterificação dentro dos
sangue colhidas no período pós-prandial e mantidas em repouso. Por esta razão, é
enterócitos, formando novamente moléculas de ésteres de colesterol e triglicerídeos. Para
fundamental colher amostras de sangue para dosar triglicerídeos e colesterol após jejum
liberar estes produtos re-esterificados o enterócito forma uma molécula gigante, chamada

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de 12 horas. A determinação das frações VLDL/LDL/HDL é feita normalmente por for suficiente, além de dieta pobre em gorduras, pode-se lançar mão do uso de estatinas
cromatografia, não sendo avaliadas rotineiramente na pratica clínica. A presença de (lovastatina, prevastatina, sinvastatina) como redutoras do colesterol e os fibratos
lipemia em amostras de sangue pode interferir com uma grande diversidade de análises (genfibrozil, bezafibrato) como redutores dos triglicerídeos principalmente.
laboratoriais como, por exemplo, elevar alguns parâmetros (ALT, FAS, AST, ácidos
4.3 Hiperlipidemias Secundárias
biliares, bilirrubinas, cálcio, creatinina, glicose, fósforo, proteínas totais por refratometria),
reduzir outros (albumina, amilase, lipase, eletrólitos) além de provocar hemólise.
Hiperlipidemias secundárias normalmente ocorrem secundariamente a uma
diversidade de outras doenças que podem afetar o metabolismo lipídico. As doenças
4.2 Hiperlipidemias primárias
endócrinas como diabetes, hipotireodismo e hiperadrenocorticismo afetam a atividade da
As hiperlipidemias primárias são raras na medicina de cães e gatos, porém lipoproteína lipase, levando a menor retirada de lipídeos da circulação, além dos HT
entidades bem reconhecidas em ambas espécies. Os cães tendem a apresentar um tipo estimularem a expressão do receptor de LDL. Além disso, doenças colestáticas podem
de hipercolesterolemia familiar, onde a raça Schnauzer miniatura parece mais estar associadas a hipercolesterolemia que reverte facilmente após reversão da causa da
predisposta. Estes pacientes apresentam hipertrigliceridemia associada a valores colestase. Além disto, outros fatores como síndrome nefrótica (ocorrência conjunta de
elevados de VLDL e eventualmente de quilomicrons. Hipercolesterolemia idiopática insuficiência cardíaca congestiva, edema periférico, ascite, glomerulonefrite, proteinúria e
também já foi descrita em outras raças como o Beagle e Poodle. Além disso gatos hiperlipidemia), câncer (linfoma) e uso de certas drogas (glicocorticóides, fenitoína,
apresentam um tipo de hiperlipidemia adquirida associada a um defeito na atividade da metimazol) e ainda o progestágeno megestrol (gatos) podem causar hiperlipidemia. A
lipoproteína lipase, resultando em hipertrigliceridemia associada a excesso de resolução destas condições e retirada das drogas tende a reverter o quadro de
quilomicrons e VLDL. hiperlipidemia, apesar de a síndrome nefrótica nem sempre ter um desfecho favorável.

Clinicamente além de uma causa de resistência à insulina e um fator de risco 5. DISTÚRBIOS RELACIONADOS AOS HORMÔNIOS SEXUAIS
para pancreatite, a hiperlipidemia pode levar a outras conseqüências. A
Com relação aos distúrbios relacionados aos hormônios sexuais, diversas
hipertrigliceridemia tende a causar pancreatite crônica e recorrente (dor abdominal,
alterações especialmente dermatológicas podem ser observadas. Anormalidades na
vômitos, anorexia, diarréiam, sem maiores alterações ecográficas ou radiológicas), além
pelagem são causas comuns de preocupação de proprietários e frequentemente estes
de distrofia corneana por depósito de lipídeos, lipemia do humor aquoso, convulsões e até
achados podem indicar estágios iniciais de determinadas doenças. Distúrbios
neuropatias periféricas. A hipercolesterolemia esta mais comumente associada à
relacionados aos hormônios gonadais são normalmente decorrentes de cistos ou tumores
formação de arcos lipídicos na córnea e a formação de aterosclerose quando o LDL esta
ovarianos nas fêmeas, ou tumores testiculares em machos. Comumente as repercussões
envolvido na hiperlipidemia.
cutâneas associadas a estes distúrbios envolvem uma alteração patológica típica: a
O processo diagnóstico deve envolver a mensuração dos lipídeos em jejum de 12 alopecia atrófica. A alopecia atrófica é a causa mais comum de alopecia bilateral em cães.
horas, descartar as causas de hiperlipidemias secundárias, seguido então da avaliação se Observa-se um crescimento piloso anormal, levando a uma fase anágena (fase de
o paciente é um Schnauzer miniatura (hiperlipidemia familiar) ou de outra raça crescimento do pêlo) mais curta com um prolongamento da fase telógena (fase de
(hiperlipidemia idiopática), ou ainda se trata-se de um felino (hiperlipidemia adquirida). NO repouso folicular onde não há crescimento). O resultado é que os pêlos ficam numa
tratamento destes pacientes, todos beneficiam-se de uma dieta restrita em lipídeos, situação de dormência, com a atrofia/displasia folicular.
podendo esta medida sozinha ajudar a reduzir a hiperlipidemia. Quando esta medida não

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Na abordagem diagnóstica destes casos é sempre importante ter em mente que complicação dermatológica associada. Os androgênios apresentam um efeito
as anormalidades dermatológicas estarão associadas a outras alterações clínicas e estimulatório sobre glândulas exócrinas e maior secreção de sebo cutâneo, bem como
laboratoriais. Além disso, uma série de diagnósticos diferenciais devem ser avaliados, uma maior proliferação e secreção das glândulas da região perianal (Figura 7) podem ser
uma vez que a alopecia pode ser decorrente de doenças dermatológicas parasitárias, observadas. Do ponto de vista comportamental, é comum a queixa de agressividade,
alérgicas, endócrinas ou até neoplásicas. No entanto, a presença de alopecia simétrica dominância e territorialismo mais evidentes, bem como uma libido exacerbada,
bilateral sem histórico ou evidencias clínicas de inflamação normalmente indica uma evidenciada por masturbação, tentativa de montar fêmeas fora do estro ou até mesmo
doença sistêmica. A ausência de prurido em uma alopecia simétrica bilateral, com pêlos montar outros cães. A testosterona é um hormônio classicamente associado ao
facilmente epiláveis e distúrbios variáveis de pigmentação da pele e dos pêlos é a comportamento viril do macho, bem como à agressividade e dominância.
apresentação clássica de atrofia dos folículos pilosos associado a distúrbios hormonais.
Uma avaliação ecográfica do paciente poderá evidenciar prostatopatias (Figura
Ainda sim, é importante levar em consideração causas não hormonais de alopecia, como
8), como a hiperplasia prostática benigna, associada muitas vezes a cistos ou abscessos
a alopecia de diluição de cor e as displasias foliculares que podem ter uma apresentação
prostáticos. Pelo ultra-som também é possível avaliar a presença de massas tumorais nos
similar. Neste sentido é fundamental uma boa avaliação clínica e um bom exame físico do
testículos, bem como alterações do parênquima testicular, freqüente associado a
paciente, além de exames complementares que deverão ser solicitados de acordo com os
degeração/atrofia testicular. Clinicamente pode-se detectar algumas destas alterações na
achados da história e exame físico.
palpação testicular e palpação prostática por toque digital ano-retal, o que pode ser
5.1 Tumores Testiculares facilmente realizado em pacientes de porte médio a grande.

Os tumores testiculares que comumente afetam os cães são os sertoliomas,


leidigomas e os seminomas. Comumente os sertoliomas estão associados a sinais
clínicos de hiperestrogenismo, ou síndrome de feminilização, uma vez que são células
produtoras de estrogênios. Os leidigomas por sua vez estão associados síndromes de
masculinização, caracterizando hiperandrogenismo. Clinicamente é importante avaliar os
grupos de risco, uma vez que comumente estes tumores serão observados em animais
portadores de criptorquidia ou monorquidas. Assim, dependendo da produção hormonal
do tumor testicular podem se esperar duas síndromes distintas.

5.1.1 Síndrome de androgenização

Cães com sinais de hiperandrogenismo, síndrome de masculinização podem ser


apresentados inicialmente em decorrência de lesões dermatológicas com alopecia
simétrica bilateral. A causa normalmente esta associada à presença de um leidigoma,
porém já foi relata androgenização secundária a um seminoma. No entanto outras
Figura 7) Hiperplasia das glândulas perianais, em um cão com hiperandrogenismo
características tornam-se evidentes. Além da alopecia e eventual hiperpigmentação,
secundário a seminoma.
comumente cães com hiperandrogenismo apresentam a seborréia oleosa como uma

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Figura 8) Hiperplasia prostática benigna com dimensões de 4,4 por 2,7 cm (peso
corpóreo 12 kg) no mesmo cão da figura 6. Este paciente além de um seminoma, era
portador de um insulinoma. Figura 9) Leidgoma em um cão Beagle de 13 anos de idade. Observa-se além da
tumoração a atrofia do testículo contra-lateral.
Muitas vezes a maior produção de androgênios pelo tumor pode resultar em
retroalimentação negativa no hipotálamo, levando a menor secreção de GnRH (hormônio A determinação laboratorial do problema torna-se complicada, muito pelas razões
liberador de gonadrotofinas), e assim de LH (hormônio luteinizante) e de FSH (hormônio expostas acima. A determinação sérica de androgênios dificilmente terá algum valor
folículo estimulante), o que leva a atrofia do parênquima não afetado (Figura 9). Muitas diagnóstico em virtude de diversos fatores como flutuações na secreção diária,
vezes o tumor não produz um androgênio ativo, como a testosterona, por exemplo, mas interconversão entre hormônios esteróides, enorme variedade de produtos de secreção,
sim um precursor androgênico como a androstenediona ou dehidroepiandrosterona bem como muitas vezes o distúrbio não esta relacionado à excessiva secreção ou
(DHEA). Estes precursores androgênicos normalmente não ativam de forma eficiente o transformação de determinado hormônio, mas sim é decorrente de alterações nos
receptor androgênico, porém na periferia estes precursores podem sofrer conversão a receptores que podem estar mais sensíveis a uma concentração fisiológica de dado
formas biologicamente mais ativas. hormônio. Do ponto de vista de patologia clínica, ocasionalmente pode-se observar
hiperlipidemia. A realização de biópsias de pele tende a evidenciar achados comuns a
doenças endócrinas, como hiperqueratose ortoqueratótica, melanose epidérmica, atrofia
de folículos e glândulas foliculares, folículos em telágeno e hiperqueratose perifolicular.

O diagnóstico definitivo muitas vezes só será firmado após a castração e


posterior resolução dos sintomas. Após cerca de 1 a 3 meses já é possível observar a
redução do tamanho prostático, além da reversão da hiperplasia perianal. Da mesma
forma, o crescimento piloso deve ser observado em até 3 a 6 meses. Os sinais
comportamentais tendem a ser os primeiros a reverter, contudo alguns animais podem
manter o hábito da masturbação.

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5.1.2 Síndrome de feminilização hiperestrogenismo levam a alopecias bastante simétricas e a uma hiperpigmentação
bastante difusa.
A síndrome de feminilização será decorrente normalmente de um Sertolioma
produtor de estrogênios. Clinicamente as alterações cutâneas poderão estar associadas a A apresentação de sinais clínicos de hiperestrogenismo em cadelas jovens
sinais de feminilização como atração de outros machos, permissividade quanto à monta provavelmente esta associada a cistos foliculares, ao passo que em cadelas de meia
de outros machos, ginecomastia, pênis pendular, atrofia testicular, discromia e baixa idade a idosas a origem do problema possa ser um tumor ovariano. Os tumores de
libido. Laboratorialmente a maior produção de estrogênios pode ficar sugerida pela células de Sertoli/Leydig podem apresentar intensa atividade estrogênica e /ou
observação de anemia, trombocitopenia e leucopenia (pancitopenia) pelo efeito androgênica. O tratamento visa eliminação da origem do problema, e a ovariectomia
mielosupressivo associado aos estrógenos. As considerações quanto a dosagens associada a histerectomia é altamente aconselhável. Apesar de não fazer parte do
hormonais nestes casos segue a mesma lógica do já discutido quanto a andrógenos. escopo desta obra a descrição do comportamento tumoral das neoplasias com
Apesar de poder-se detectar elevadas concentrações de estrógenos em cães com manifestações endócrinas, o manejo de tumores ovarianos é mais delicado que no caso
síndrome de feminilização, muitos cães clinicamente acometidos apresentam valores dos tumores testiculares, pois muitas vezes pode haver metástases dos mesmos, além de
normais de estradiol, pois outros hormônios estrogênicos podem estar sendo secretados muitas vezes um crescimento excessivo do tumor pode comprometer o sucesso da
(estrona, estriol). Além disso, o defeito pode ocorrer secundário a conversão periférica de cirurgia bem como os órgãos adjacentes. Em fêmeas, o tratamento médico com
precursores androgênicos a estrogênios por maior atividade periférica da enzima progestinas sintéticas é ainda mais desaconselhável pelo risco elevado de
aromatase. A castração deve ser tida como tratamento padrão deste tipo de paciente, desenvolvimento de hiperplasia endometrial cística – piometra, diabetes mellitus,
especialmente se não houver evidencias de metástase. Muitas vezes os testículos acromegalia, tumores de mama e até insuficiência adrenal.
estarão retidos no tecido subcutâneo ou intra-abdominal. O uso de progestágenos como o
5.3 Alopecia X
acetato de megestrol e medroxiprogesterona, apesar de apresentarem efetividade
terapêutica por seus efeitos anti-androgênicos e anti-estrogênicos deve ser evitado, ou
Alopecia “X” é um termo genérico usado para classificar uma série de dermatoses
reservado a situações específicas, em decorrência de seus efeitos deletérios.
sem maior envolvimento sistêmico, que se caracterizam por alopecia não-pruriginosa e
hiperpigementação. A intensa hiperpigmentação das áreas alopécicas é um achado típico
5.2 Distúrbios Ovarianos
da alopecia X. Esta condição é comumente observada em cães Pomeranianos, Chow-
Os distúrbios ovarianos, frequentemente estão associados a quadros clínicos de chow e Poodles, normalmente adultos jovens entre 1 e 5 anos de idade, e ambos machos
hiperestrogenismo em decorrência de cistos foliculares ou tumores ovarianos. Contudo e fêmeas bem como castrados e não castrados podem ser acometidos. A alopecia
alguns tumores ovarianos mais raros, como o tumor de células de Sertoli-Leydig, que tem simétrica envolve normalmente o tronco, face caudal dos membros posteriores, região
origem em remanescentes de células com potencialidade masculina que persistem depois perineal e pescoço. Além disso, alterações na qualidade da pelagem e coloração da
dos estágios de desenvolvimento e diferenciação sexual durante a vida fetal, podem pelagem ficam nítidas.
secretar andrógenos além de estrógenos. Em fêmeas, o hiperestrogenismo é manifestado
A origem do problema não é conhecida, e em decorrência disto, uma grande
normalmente por sinais clínicos como ciclos irregulares, ninfomania, edema vulvar (muitas
variedade de sinonímias já foi relatada a esta síndrome (Desbalanço de hormônios
vezes com corrimento vaginal serosanguinolento), ginecomastia, discromia intensa,
sexuais adrenais, dermatose responsiva ao hormônio do crescimento, início adulto de
alopecia simétrica bem evidente e hiperpigmentação difusa. Normalmente quadros de
hiposomatotropismo, dermatose responsiva a castração, hiperplasia adrenal congênita,

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pseudo-síndrome de Cushing). Apesar disso, atualmente acredita-se que a alopecia X hormonais. Assim como a alopecia X, a calvície humana não passa de um problema
seja decorrente de um componente hereditário associado à sensibilidade alterada dos estético, e muitos donos ao entenderem e aceitarem esta condição, não solicitam um
receptores hormonais nos folículos pilosos. tratamento para o problema.

O diagnostico de Alopecia X é firmado após a exclusão de outras doenças No entanto, algumas medidas terapêuticas podem ser tomadas, com sucesso
hormonais como o hiperadrenocorticismo (teste de supressão por baixa dose de terapêutico expressivo em algumas delas. Por exemplo, a castração pode resultar em
dexametasona, teste de estimulação por ACTH) e o hipotireoidismo (tT4, fdT4, TSH), bem novo crescimento piloso com cobertura pilosa total permanente ou temporária em até 75%
como outras doenças dermatológicas. A biópsia de pele é fundamental, e o exame dos casos (Figura 10), meramente por manipular as concentrações hormonais séricas
histopatológico tem mais utilidade por descartar outros quadros de apresentação similar (alopecia X responsiva a castração). A administração de GH na dose de 0,15U pode ser
como a displasia folicular e alopecia sazonal do flanco. O resultado da avaliação feita por via sub-cutânea a cada 2-3 dias por até seis semanas, resultando em melhora
histológica destes animais evidencia um padrão associado a endocrinopatias (discreta clínica em alguns casos somente (alopecia X responsiva ao GH). Além disso, o uso de
atrofia e acantose da epiderme e do epitélio folicular, hiperpigmentação, teleogenização GH pode gerar diabetes e outras complicações, além de ser uma medicação controlada e
dos folículos pilosos). Um achado bastante sugestivo, mas não patognomônico de de custo bastante elevado. O tratamento dos animais com mitotano ou trilostano, de
alopecia X é a presença de “folículos em chama”, uma alteração caracterizada por forma semelhante ao descrito para o tratamento da síndrome de Cushing pode ser útil,
projeções de queratina a partir do tricolema. Do ponto de vista laboratorial, nenhuma com relatos de sucesso em decorrência da redução nos níveis de 17-hidroxiprogesterona
anormalidade clínico-patológica costuma estar presente. A resposta terapêutica fechará o e cortisol. No entanto, pacientes submetidos a este tipo de terapia tem necessidade
diagnóstico na maioria dos casos. monitoramento periódico em decorrência do risco de hipoadrenocorticismo, uma
complicação potencialmente fatal, e desnecessária frente a um problema meramente
Com base na possibilidade de tratar-se de um hiperadrenocorticismo atípico ou
estético.
moderado, tem-se proposto a realização de um teste de estimulação por ACTH, com a
dosagem não só de cortisol, mas também de precursores esteroidais como a A melatonina tem sido tida como uma das primeiras opções terapêuticas em cães
androstenediona, DHEA e 17-hidroxiprogesterona, antes e após a administração de com alopecia X, uma vez que apresenta sucesso terapêutico em até 50% dos casos, sem
ACTH. Além de onerosa, esta avaliação pode gerar dados bastante inconsistentes. A ocorrência de efeitos colaterais. A melatonina é um hormônio, produzido principalmente
dosagem de estradiol, testosterona e progesterona antes e após administração de ACTH pela glândula pineal durante a noite, e apresenta um efeito anagênico nos folículos
também já foi proposta como uma forma de avaliar a existência de uma hiperfunção pilosos, além de afetar a secreção e controle de vários hormônios sexuais. A dose é de 3
adrenal e esteroidogênese anormal. Apesar de já se ter demonstrado elevadas a 6 mg por animal de uma a duas vezes por dia, por até dois meses.
concentrações de 17-hidroxiprogesterona em cães com alopecia X, o papel deste
hormônio na queda de cabelos é desconhecida. Cerca de 30% dos casos apresentam
baixas concentrações de GH, contudo o GH não é dosado rotineiramente.

Um conceito interessante relacionado à alopecia X é similar à calvície


androgenética de humanos. Normalmente homens jovens adultos podem desenvolver de
forma hereditária e dependente de produção e sensibilidade periférica a androgênios,
distintos padrões de alopecia do escalpo dependente da distribuição de receptores

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2- BRUNSON, B.J.; ZHONG, Q.; CLARKE. K.J.; BEDI, D.; BRADEN T.D.; van
SANTEN, E.; JUDD, R.L. Serum concentration of adiponectin and characterization
of adiponectin protein complexes in dogs. American Journal of Veterinary
Research. v. 68(1): 57-62, 2007.

3- CHMURZYNSKA, A.; ZAJAC, M.; SWITONSKI, M. Molecular evolution on the leptin


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4- COHEN, P.; ROSENFELD, R.G. Growth regulation. In: GRIFFIN, J.E.; OJEDA,
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5- COSTA, J.V.; DUARTE, J.S. Tecido adiposo e adipocinas. Acta Medica


Portuguesa. v. 19: 251-256, 2006.
Figura 10) Esquerda. Alopecia X responsiva à castração em um Poodle de três anos de
idade. Direita. Adequado crescimento piloso após quatro meses da orquiectomia. 6- DUNCAN, J. Investigation of hyperlipidaemia. In: MOONEY, C.T.; PETERSON,
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Observar o escurecimento da pelagem, retomando uma coloração champagne típica. 3rd . Gloucester: BSAVA; p: 57-65, 2004.

5.4 Alopecias Secundárias a Castração / Responsivas a Hormônios Sexuais 7- EINGENMANN, J.E.; EINGENMANN, R.Y.; RIJINBERK, A.; GAAG, I.; ZAPF, J.;
FROESCH, E.R. Progesterone-controlled growth hormone overproduction and
naturally occurring canine diabetes and acromegaly. Acta Endocrinologica.
Raramente pode-se observar o surgimento de alopecia bilateral simétrica e v.104:167-176, 1983.
discretas alterações como a hiperpigmentação em cães e cadelas castrados ainda
8- FAVIER, R.P.; MOL, J.A.; KOOISTRA, H.S.; RIJNBERK, A. Large body size in the
quando jovens depois de determinado período de tempo, com início dos sintomas dog is associated with transient GH exsses at a young age. Journal of
normalmente perto do começo da idade adulta. A distribuição da alopecia é bastante Endocrinology. v. 170: 479-484; 2001.

similar as já descritas e trata-se unicamente de um problema estético, não havendo sinais 9- FELDMAN, E.C.; NELSON, R.W. Canine and Feline Endocrinology and
de doenças sistêmicas. Além disso, pode haver clareamento da pelagem (discromia), e Reproduction. 3. ed. Missouri: Saunders, 2004. 1089 p.
fêmeas tendem a apresentar vulva e mamilos infantis. O tratamento destas condições 10- FELDMAN, S.R. Androgen insensitivity syndrome (testicular feminization): a model
pode ser realizado através da reposição hormonal com estrógenos como o dietilbestrol, for understanding steroid hormone receptors. Journal of American Academy os
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ou andrógenos como a metiltestosterona, no entanto, a resposta clínica é variável e
imprevisível e estes esteróides sexuais comumente apresentam uma série de efeitos 11- FORD, R.B. Hiperlipidemia canina. In: ETTINGER, S.J e FELDMAN, E.C. (eds.)
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colaterais (hepatotoxicidade - andrógenos, mielosupressão - estrógenos), devendo ser p.1957-1965.
evitados, uma vez que trata-se somente de um problema estético.
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