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Doenças Hepáticas Caninas Bruno Cogliati, Ricardo Duarte Silva, Wagner Sato Ushikoshi

Alterações circulatórias Congestão passiva crônica A congestão passiva crônica ocorre pelo
comprometimento do fluxo venoso do fígado, particularmente comum em cães idosos e
geralmente associada a insuficiência cardíaca direita ou obstrução e compressão da veia cava
caudal. Macroscopicamente, há aumento do fígado, com os bordos hepáticos arredondados.
Ao corte, o parênquima hepático apresenta padrão lobular proeminente devido ao acúmulo de
sangue nos sinusoides centrolobulares (coloração avermelhada) e lipidose ou hiperplasia nos
hepatócitos periportais (coloração amarelada), fornecendo o aspecto do fígado em “noz-
moscada”. Na histologia, a congestão passiva é caracterizada por ingurgitamento e dilatação
da veia e dos sinusoides centrolobulares. Com a cronicidade do processo, essas áreas sofrem
atrofia, degeneração e necrose pela hipoxia persistente, resultando em deposição gradual de
fibrose ao redor da veia centrolobular. Eventualmente, pode ocorrer a formação de pontes de
colágeno entre as regiões centrolobulares, ocasionando a chamada cirrose cardíaca. 1,2
Desvios portossistêmicos congênitos Os desvios portossistêmicos congênitos são canais
vasculares anômalos que permitem o desvio do sangue do sistema portal diretamente para a
circulação venosa sistêmica, sem passar pela detoxificação e pela metabolização hepática.
Pode ter localização intra-hepática, comum em cães de raças grandes pela falha do
fechamento do ducto venoso ao nascimento, ou extra-hepática, com acometimento
preferencial em raças pequenas por anastomoses da veia porta. O fígado desses animais é
geralmente menor e os aspectos histopatológicos são secundários ao desvio sanguíneo e
refletem características de diversas alterações circulatórias. No entanto, se a localização do
desvio for extra-hepática, outras alterações histológicas acontecerão e poderão auxiliar no
diagnóstico, como a hipoplasia da veia portal e o aumento do número de arteríolas no espaço
portal, além de atrofia hepatocelular, lipogranulomas e dilatação sinusoidal periporta. De
maneira geral, os exames físicos e de imagens são suficientes para o diagnóstico dos desvios
portossistêmicos, diferenciando-os da hipoplasia congênita da veia porta ou outras alterações
circulatórias, reduzindo a necessidade de biopsia nesses pacientes. 1,2 Anatomicamente, os
desvios congênitos intra-hepáticos são classificados em esquerdo, direito e central. Os desvios
extra-hepáticos mais comuns são o porto-caval, o gastresplênico e o porto-ázigos. Alguns
autores, entretanto, sugerem que sejam classificados em esplênico-caval, gástrico direito-
caval, esplênico-ázigos e gástrico direito-ázigos, uma vez demonstrado que, na verdade, eles se
originam a partir da veia esplênica ou gástrica direita, próximo ao ponto de entrada na veia
porta. 3 Cães das raças Yorkshire terrier, Maltês e Pug são considerados predispostos, mas a
ocorrência de desvios portossistêmicos já foi relatada em cães de inúmeras raças. 4 O início
dos sintomas normalmente ocorre nos primeiros 2 anos de vida, mas alguns animais podem
ser diagnosticados tardiamente com mais de 5 anos de idade, em particular o Schnauzer
miniatura. 5 Os sintomas são relacionados, principalmente, com o sistema nervoso. Andar
compulsivo, head-pressing, letargia, ataxia, torpor ou coma são os mais comuns e podem ser
observados em 95% dos casos. Alguns animais podem apresentar êmese, diarreia, polidipsia,
poliúria, além de hematúria devido à formação de cristais de biurato de amônio. Pode haver
ou não associação com o tipo e o horário da alimentação. Animais com mais de 5 anos
também podem apresentar outras alterações, como vestibulopatia, cegueira e tetraparesia
com déficit de reação postural, que mimetizam outras doenças neurológicas. A dosagem sérica
de ácidos biliares (pré e pós-prandial) é um dos testes mais utilizados para triagem e
diagnóstico do desvio portossistêmico, embora outras doenças hepáticas também possam
causar alterações na concentração sérica dos ácidos biliares. Normalmente, as enzimas
hepáticas alanina aminotransferase (ALT) e fosfatase alcalina (FA) não apresentam alterações
marcantes e os aumentos, quando ocorrem, não ultrapassam 5 vezes o valor de referência. A
hipoglicemia pode ocorrer, principalmente, nos casos de desvios portossistêmicos extra-
hepáticos. Em alguns casos, pode ser observada redução das concentrações de albumina e
ureia séricas. A ultrassonografia com doppler é um método simples e barato para confirmar
desvios portossistêmicos, determinar se é um vaso intra ou extra-hepático e sugerir sua
localização anatômica para uma possível abordagem cirúrgica. A sensibilidade relatada varia
de 80 a 92% em determinar a existência e a localização do desvio, porém é um exame que
depende da experiência do ultrassonografista. 6 Ele também pode ser útil em detectar
urolitíase e sugerir outras causas de hepatopatias que causam encefalopatia hepática. 3 A
cintigrafia portal transretal com o radioisótopo tecnécio ( 99mTc) é um exame muito sensível e
específico para confirmar uma APS e calcular a fração de sangue que é desviada do fígado.
Uma fração menor que 15% é considerada normal; cães com desvios portossistêmicos têm
fração maior que 60%. Entre as desvantagens, estão: isolar o paciente por 24 h devido à
radiação, não detectar alterações vasculares microscópicas, como a microdisplasia vascular, e
não fornecer informações quanto ao número e à localização dos desvios, necessitando ser
complementado com algum outro exame de imagem. Uma alternativa seria a cintigrafia
transesplênica, em que o contraste é colocado no baço, guiado por meio do ultrassom. 7 O
tratamento inicial dos desvios portossistêmicos é paliativo e voltado para diminuir a
hiperamonemia e suas consequências. O tratamento paliativo é recomendado para melhorar a
condição clínica dos pacientes enquanto são preparados para um possível tratamento
cirúrgico. Nos casos em que a cirurgia não é possível, o tratamento clínico pode ser realizado
indefinidamente, mas o proprietário deve ser informado de que a evolução clínica pode ser
desfavorável, embora muitos melhorem inicialmente. 8 O tratamento cirúrgico é considerado
de eleição para os animais com APS congênita extra-hepática. Várias técnicas são descritas,
como a ligadura parcial ou total do vaso anômalo com fio de seda, fita de celofane ou
colocação de um anel constritor ou “ameroide” (Figura 123.1). O maior risco da correção do
desvio portossistêmico é a hipertensão portal aguda decorrente da oclusão abrupta do vaso
anômalo. As técnicas que proporcionam oclusão gradual são mais adequadas, pois promovem
aumento gradual da circulação portal, permitindo a adaptação do fígado à nova pressão. 9 A
colocação do anel constritor é uma das técnicas mais usadas para a correção da APS extra-
hepática. 9 O ameroide é composto de um anel de caseína desidratada, envolta por um
semicírculo metálico. Quando implantado, a caseína é reidratada pelos líquidos da cavidade
abdominal e expande, ocluindo o vaso gradativamente, que se fecha totalmente, em um
período que varia de 2 semanas a 3 meses (Figura 123.2). Recomenda-se que o cirurgião tenha
à disposição pelo menos três tamanhos de ameroides, antes do procedimento. Desse modo,
pode-se escolher aquele que não oclua totalmente o vaso logo após a colocação, para evitar a
hipertensão portal, ou um anel muito grande, que poderia promover apenas oclusão parcial. A
ultrassonografia pode fornecer uma estimativa do diâmetro do vaso. A recomendação é
escolher um ameroide que oclua menos de 25% do vaso durante sua colocação. 9 O ameroide
não é encontrado no mercado nacional, embora possa ser importado diretamente do
fabricante (http://www.proaxis.com/cercadekpm/index.html). Uma alternativa ao uso do
ameroide é a técnica da fita de celofane. Três camadas de fitas de celofane, de cerca de 3 ou 4
mm, são colocadas em volta do vaso anômalo e amarradas, juntamente de um pino de metal
de diâmetro conhecido. A função desse pino, que é posteriormente retirado, é servir de
referência do quanto o caso está sendo ocluído, para evitar hipertensão portal durante sua
colocação. 10 Uma parte dos animais (5 a 15%) pode apresentar alterações neurológicas 24 a
72 h após a cirurgia, caracterizadas por ataxia, convulsões e status epilepticus. Não se sabe
exatamente quais mecanismos estão envolvidos, uma vez que podem ocorrer em pacientes
submetidos à oclusão gradual com ameroide ou fita de celofane, mas não parecem estar
associados a hipoglicemia ou hiperamonemia. Independentemente disso, em algumas
situações o status epilepticus pode ser refratário ao tratamento anticonvulsivante com
benzodiazepínicos e fenobarbital. Nesses casos, recomenda-se associar o fenobarbital (2 a 5
mg/kg IM ou IV, a cada 12 h) com propofol em bolus (2 a 6 mg/kg IV, em dose única) e,
posteriormente, manter com propofol em infusão contínua (0,1 a 0,5 mg/kg/min IV) até a
estabilização do quadro, que pode durar alguns dias ou ser fata

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