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Carolina Martins – TURMA XXVII

TUTÓRIA 03 TÓPICOS – ASCITE, por ascite tensa, acentuação da circulação colateral,


FÍGADO E ESQUISTOSSOMOSE. além de hérnia umbilical e hidrotórax.

1. DEFINIR ASCITE E SEUS A tendência ao desenvolvimento de bloqueio funcional


MÉTODOS DE AVALIAÇÃO da veia cava inferior leva ao edema de membros
CLÍNICA E LABORATORI AL. inferiores. Todos os pacientes evoluem com circulação
hipercinética, traduzida por hipotensão arterial,
Ascite representa o acúmulo de líquido no interior da aumento do débito cardíaco e fluxo sanguíneo tecidual
cavidade peritoneal, instalando-se de modo súbito, ou aumentado, traduzido por hiperemia de face e mãos,
desenvolvendo-se lentamente, ao curso de alguns podendo haver dispneia e cianose, esses quando existe
meses, inicialmente traduzida pela sensação de hipertensão pulmonar.
flatulência iminente e distensão abdominal. Algumas
vezes, a detecção inicial ocorre após um surto de Obrigatória a avaliação do sistema de coagulação
necrose extensa do parênquima, em surtos infecciosos, sanguíneo, em geral traduzindo-se por alargamento dos
após libação alcoólica ou ingesta de alimentos ricos em tempos de protrombina e de tromboplastina parcial e
sódio e, sobretudo, após episódio de hemorragia do INR, baixos níveis séricos do fator V, do
digestiva alta. fibrinogênio e contagem de plaquetas, valores que
guardam relação com hipoalbuminemia e
O método inicial menos invasivo e de melhor relação hiperbilirrubinemia à custa da fração direta. Todos
custo-eficiência para confirmar a presença de ascite é a expressam síntese hepática reduzida.
ultrassonografia abdominal.
No início, cursam com níveis séricos normais de ureia
ANAMNESE e creatinina, os quais progressivamente se elevam em
paralelo à queda dos valores do clareamento de
• É relevante investigar: fatores de risco para doença creatinina, em pacientes com concentrações
hepática, história prévia de neoplasia, insuficiência plasmáticas elevadas de renina e norepinefrina.
cardíaca e tuberculose. A punção abdominal revela líquido ascítico
transparente ou amarelo-citrino. A concentração de
ASPECTOS DIAGNÓSTICOS proteína total, de leucócitos e eritrócitos atinge,
respectivamente, menos de 2,5 g/dl, 300 células/mm3 e
EXAME FÍSICO 10.000 elementos/mm3. Valores mais elevados do que
esses traduzem complicações, tais como carcinoma
• É necessário aproximadamente 1500ml de líquido hepatocelular, com ou sem síndrome de Budd-Chiari
ascítico para que a macicez móvel seja detectada. (trombose de veia cava inferior), tuberculose
peritoneal, carcinomatose peritoneal ou peritonite
• A presença de circulação colateral, aranhas bacteriana espontânea.
vasculares e ginecomastia, auxiliam no diagnóstico
presuntivo de doença hepática. O diagnóstico diferencial é feito através do emprego de
métodos de imagem, mas, sobretudo, pela
• Outros dados do exame, referentes às doenças de videolaparoscopia com biopsia dirigida sobre lesões
base, podem ajudar no diagnóstico diferencial. intra ou extra-hepáticas.

Todos esses pacientes cirróticos com ascite devem ser


GASA ≥ 1,1g/dl: hipertensão portal, com 97% de submetidos a exame ultrassonográfico, com ou sem
acurácia. Doppler, ou tomografia computadorizada. Essa
conduta visa a afastar a presença de diagnósticos de
Limitações: albumina sérica <1,1, amostras séricas e carcinoma hepatocelular (ascite associada a 25% dos
peritoneal colhidas em diferentes momentos, casos) e de trombose portal (contraindicação à
hipotensão arterial com diminuição de pressão porta. realização de transplante hepático), e espessamento
peritoneal, além de descartar doença renal.
No caso de ascite mista (5% dos casos) – hepatopatia +
causa peritoneal, o gradiente permanecerá elevado.
Nessas situações, ver outros dados do estudo do
líquido ascítico (LA).

No início, ao exame físico, comprovam-se macicez nos


flancos e sinal do piparote positivo. Esse quadro inicial
já é detectado quando, na cavidade peritoneal, existem
2 l de líquido, ou até menos. A progressão traduz-se
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Os quadrantes inferiores são os locais mais
frequentemente puncionados. É importante dar
preferência ao quadrante inferior esquerdo em razão da
maior profundidade da ascite e da menor espessura da
parede abdominal.
A paracentese é um procedimento seguro mesmo em
pacientes com coagulopatia; as complicações,
incluindo hematoma de parede abdominal, hipotensão,
síndrome hepatorrenal e infecção, são raras.
Uma vez obtido o líquido ascítico, deve-se examinar
seu aspecto macroscópico. A presença de infecção ou
de células tumorais resulta em turbidez do líquido.
Líquido branco leitoso indica triglicerídeos em níveis
> 200 mg/dL (frequentemente > 1.000 mg/dL), uma
marca registrada da ASCITE QUILOSA.
A ascite quilosa é causada por rompimento de vasos
linfáticos, que pode ocorrer em razão de traumatismo,
cirrose, tumor, tuberculose ou determinadas
malformações congênitas. Líquido marrom-escuro
indica concentração elevada de bilirrubina e perfuração
do trato biliar. Líquido negro indica necrose
pancreática ou melanoma metastático.
O líquido ascítico deve ser enviado para dosagens de
albumina e proteínas totais, contagem global e
diferencial de células e, se houver suspeita de infecção,
bacterioscopia por Gram e cultura com inoculação em
meio de hemocultura à beira do leito para aumentar o
índice de positividade. Além disso, o nível sérico de
albumina deve ser dosado simultaneamente para
permitir o cálculo do GRADIENTE DE
ALBUMINA SORO-ASCITE (GASA).
O GASA é útil para distinguir a ascite com ou sem
hipertensão portal. O GASA reflete a pressão dentro
dos sinusoides e está correlacionado com o gradiente
pressórico venoso hepático. O GASA é calculado
subtraindo-se a concentração de albumina no líquido
ascítico do nível sérico de albumina e não se altera
com a diurese. Um GASA ≥ 1,1 g/dL reflete a
presença de hipertensão portal e indica que a ascite
seja causada por aumento da pressão nos sinusoides
hepáticos. De acordo com a lei de Starling, a elevação
do GASA reflete a pressão oncótica que contrabalança
a pressão portal. Entre as possíveis causas estão
cirrose, ascite cardíaca, trombose de veia hepática
(síndrome de Budd-Chiari), síndrome da obstrução dos
sinusoides (doença venoclusiva) ou metástase hepática
massiva. Um GASA < 1,1 g/dL indica que a ascite não
está relacionada com hipertensão portal, como ocorre
na peritonite tuberculosa, carcinomatose peritoneal ou
ascite pancreática.
Para as ascites com elevação do GASA (≥ 1,1), o nível
de proteína no líquido ascítico fornece outros indícios
AVALIAÇÃO etiológicos. Níveis de proteína no líquido ascítico ≥ 2,5
Confirmada a ascite, sua etiologia é melhor g/dL indicam que os sinusoides hepáticos estejam
determinada por PARACENTESE, um procedimento normais e permitem a passagem de proteína para o
realizado à beira do leito no qual uma agulha ou cateter líquido, como ocorre na ascite cardíaca, na fase inicial
pequeno é introduzido por via transcutânea para extrair da síndrome de Budd-Chiari ou na síndrome de
líquido ascítico da cavidade peritoneal. obstrução dos sinusoides.
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Níveis de proteína no líquido ascítico < 2,5 g/dL Grau 1 (leve) - ascite não evidente, detectável apenas
indicam que os sinusoides hepáticos foram lesados e através de método de imagem, mais comumente,
cicatrizaram e não permitem mais a passagem de Ultrassonografia Abdominal (US)
proteína, como ocorre nos casos de cirrose, fase tardia
da síndrome de Budd-Chiari ou metástase hepática Grau 2 (moderada) – distensão abdominal sem sinais
maciça. O pró-peptídeo natriurético cerebral (BNP) é de tensão.
um hormônio natriurético liberado pelo coração como
resultado do aumento de volume e estiramento da Grau 3 (acentuada) – distensão abdominal bem
parede do ventrículo. A elevação dos níveis de BNP no evidente e tensa.
soro ocorre nos pacientes com insuficiência cardíaca e
pode ser usado para confirmar que esta é a causa da Não complicada – não infectada e nem acompanhada
ascite com elevação do GASA. de Síndrome Hepato- Renal (SHR).
Outros exames só estão indicados em circunstâncias
clínicas específicas. Quando há suspeita de peritonite Complicada com peritonite bacteriana espontânea
secundária à perfuração de víscera oca, pode-se (PBE) ou SHR
solicitar as dosagens de glicose e lactato-desidrogenase
(LDH) no líquido ascítico. Análise do Liquido Ascítico
A peritonite secundária é sugerida pelas presenças no
líquido ascítico de nível de glicose < 50 mg/dL, LDH
acima do nível sérico e crescimento de múltiplos
patógenos na cultura. Quando há suspeita de ascite
pancreática, deve-se solicitar a dosagem da amilase no
líquido ascítico, que caracteristicamente deve estar >
1.000 mg/dL. A citologia pode ser útil para o
diagnóstico de carcinomatose peritoneal. No mínimo
50 mL de líquido devem ser obtidos e enviados para
processamento imediato.
Nos casos típicos, a peritonite tuberculosa está
associada à linfocitose no líquido ascítico, mas pode 2. IDENTIFICAR AS PRINCIPAIS
ser difícil diagnosticar com paracentese. O esfregaço CAUSAS DE ASCITE.
para bacilo álcool-ácido resistente tem sensibilidade
diagnóstica de apenas 0 a 3%; a cultura aumenta a A causa mais comum de ascite é a cirrose, que
sensibilidade para 35 a 50%. responde por 80% dos casos. Malignidade peritoneal
Nos pacientes sem cirrose, níveis elevados de (p. ex., metástases peritoneais de tumores
adenosina-desaminase no líquido ascítico têm gastrointestinais ou câncer de ovário), insuficiência
sensibilidade > 90% quando se utiliza valor de corte de cardíaca) e tuberculose peritoneal juntos respondem
30 a 45 U/L. Quando a causa da ascite não é por outros 15% dos casos.
esclarecida, o padrão de referência ainda é laparotomia As principais etiologias da ascite (Tabela 1):
ou laparoscopia com biópsias peritoneais para exame
histológico e cultura. Gastroenterologica
Condição: Hipertensão portal: Cirrose hepática, hepatite
Cirrose  Gradiente de soro ascite de albumina ALTO fulminante, doença veno-oclusiva (trombose de
e nível de proteína total ascite BAIXO. veia porta, supra-hepáticas) Pancreática:
Pancreatite, pseudocisa.
Ascite maligna  Gradiente de soro ascite de
albumina BAIXO e nível de proteína total ascite Biliar
ALTO. Cardíaca
Ascite cardíaca  Gradiente de soro ascite de
Insuficiência cardíaca, pericardite constritiva, cor
albumina ALTO e nível de proteína total ascite ALTO.
pulmonale.
Classificação por critério de gravidade Renal

Graus: 1, 2 e 3 a depender da gravidade. Pode ser Síndrome nefrótica, Insuficiência renal crônica
ainda classificada como: não complicada, complicada dialítica.
ou refratária, quando se leva em conta complicações e
resposta terapêutica. Infecciosa

Tuberculose, esquistossomose, fúngica, bacteriana.


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Neoplasia necrose tumoral, resultando em vasodilatação arterial
esplâncnica. A vasodilatação da circulação esplâncnica
Metástase peritoneal, mesotelioma, linfoma, provoca acúmulo de sangue e redução do volume
pseudomixoma peritoneal. circulante efetivo, o que é interpretado pelos rins como
hipovolemia. Em seguida, há vasoconstrição
Quilosa compensatória por meio de liberação de hormônio
Obstrução linfática mesentéricas. antidiurético; as consequências são retenção de água e
ativação do sistema nervoso simpático e do sistema
Ginecológica renina-angiotensina-aldosterona, que produz retenção
de água e sódio pelos rins.
Síndrome de Meigss, endometriose, síndrome de
hiperestimulação ovariana. PATOGÊNESE NOS CASOS EM QUE NÃO HÁ
CIRROSE
Outras
Nos pacientes sem cirrose, a ascite geralmente é
Lúpus eritematoso sistêmico, angioedema hereditário, causada por carcinomatose peritoneal, infecção do
artrite reumatóide, Doença de Whipple, mixedema, peritônio ou doença pancreática. A carcinomatose
gastroenterite eosinofilica, febre familiar do peritoneal pode resultar de câncer primário do
mediterrâneo, hipoalbuminemia. peritônio (p. ex., mesotelioma ou sarcoma), câncer
abdominal (p. ex., carcinoma gástrico ou
adenocarcinoma do intestino grosso), ou metástases de
carcinoma mamário ou pulmonar ou de melanoma. As
células tumorais que recobrem o peritônio produzem
um líquido rico em proteínas, que contribui para o
desenvolvimento da ascite. A entrada de líquido do
espaço extracelular para a cavidade peritoneal
contribui para a formação da ascite. A peritonite
tuberculosa produz ascite por um mecanismo
semelhante; os tubérculos depositados sobre o
peritônio produzem um exsudato proteináceo. A ascite
3. DESCREVER OS MECANISMOS
pancreática resulta do extravasamento de enzimas
RESPONSÁVEIS PELA FORMAÇÃO
pancreáticas para o peritônio.
DA ASCITE.
PATOGÊNESE NOS CASOS DE CIRROSE
Nos pacientes com cirrose, a ascite é causada por
hipertensão portal e retenção de água e sódio pelos
rins. Mecanismos similares contribuem para a
formação de ascite na insuficiência cardíaca.
Hipertensão portal implica elevação da pressão dentro
do sistema portal. De acordo com a lei de Ohm, a
pressão é produto da resistência multiplicada pelo
fluxo. Vários mecanismos podem aumentar a
resistência hepática. Primeiramente, o
desenvolvimento de fibrose hepática – fator que define
a existência de cirrose – destrói a arquitetura normal
dos sinusoides hepáticos e impede o fluxo normal de
sangue pelo fígado.
Em segundo lugar, a ativação das células estelares
hepáticas, mediadoras da fibrogênese, leva à contração
da musculatura lisa e à fibrose. Finalmente, a cirrose
está associada à redução na produção da sintase do
óxido nítrico-sintase endotelial (eNOS), resultando em
produção reduzida de óxido nítrico e aumento da
vasoconstrição intra-hepática.
OUTROS ASPECTOS HUMORAIS
O desenvolvimento de cirrose também está associado ENVOLVIDOS
ao aumento dos níveis circulantes de óxido nítrico (ao
contrário da redução observada ao nível intra- O cirrótico apresenta hipervolemia, hiponatremia e
hepático), assim como ao aumento dos níveis do fator déficit de excreção de água, essas alterações
de crescimento endotelial vascular e do fator de provavelmente associadas aos efeitos do hormônio
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antidiurético (HAD) sobre os receptores V2 do fígado (envolvendo colaterais periumbilicais e da
(receptores 2 da vasopressina), ao nível dos túbulos parede abdominal). Embora possa ocorrer sangramento
renais. Promove-se assim a liberação de uma hemorroidário, esse raramente é maciço ou ameaça a
aquaporina renal (AQP-2), a partir de uma vida. Muito mais importantes são as varizes
proteinoquinase dependente de cAMP (monofosfato gastroesofágicas que aparecem em cerca de 40% dos
cíclico de adenosina), responsável por alterar a indivíduos com cirrose hepática avançada e causam
permeabilidade do ducto coletor renal, interferindo hematêmese maciça e morte em aproximadamente
com a excreção de água livre. Nesse processo, mais metade dos casos. Cada episódio de sangramento está
recentemente, tem-se atribuído importância à associado a uma mortalidade de 30%. Colaterais da
urotensina II, um oligopeptídio mediador da parede abdominal aparecem como veias subcutâneas
vasodilatação esplâncnica participando, assim, da dilatadas, as quais se estendem do umbigo até as
redução da filtração glomerular e aumento da retenção bordas das costelas (cabeça de medusa) e constituem
renal de sódio, na dependência de seu acoplamento à uma importante característica clínica típica da
proteína G, formando óxido nítrico e ativando células hipertensão portal. Esplenomegalia. A congestão de
da musculatura lisa vascular. Correlacionam-se seus longa duração pode causar esplenomegalia congestiva.
níveis plasmáticos com o grau de hipertensão portal, O grau de aumento esplênico varia muito e pode
formação da ascite e negativamente com a pressão chegar a até 1.000 g, mas não está necessariamente
arterial média. correlacionado a outras características da hipertensão
A patogenia da ascite é complexa, envolvendo os portal. A esplenomegalia maciça pode induzir
seguintes mecanismos: Hipertensão sinusoidal, que secundariamente anormalidades hematológicas
altera as forças de Starling e impele o líquido para o atribuíveis ao hiperesplenismo, como trombocitopenia
espaço de Disse, sendo, então, removido pelos ou até mesmo pancitopenia.
linfáticos hepáticos; este movimento do líquido
também é promovido pela hipoalbuminemia. 4. EXPLICAR COMO A
Percolação da linfa hepática para a cavidade HEPATOPATIA PODE LEVAR A
peritoneal: O fluxo linfático normal no ducto torácico HIPERTENSÃO PORTAL E ASCITE.
corresponde a aproximadamente 800 a 1.000 mL/dia.
Com a cirrose, o fluxo linfático hepático pode atingir ASPECTOS FISIOPATOLÓGICOS DA
20 L/dia, excedendo a capacidade do ducto torácico. HIPERTENSÃO PORTAL

A linfa hepática é rica em proteínas e pobre em A pressão (DP) no sistema portal como em qualquer
triglicerídeos, o que explica a presença de proteína no outro sistema vascular, é o resultado da interação entre
líquido ascítico. Vasodilatação esplâncnica e o fluxo sangüíneo (Q) e a resistência vascular (R) que
circulação hiperdinâmica. Essas condições foram se opõe a esse fluxo; é representada matematicamente
descritas anteriormente, com relação à patogenia da de acordo com a lei de Ohm como DP= Q x R. Assim,
hipertensão portal. A vasodilatação arterial na a pressão portal pode aumentar, se houver aumento do
circulação esplâncnica tende a reduzir a pressão fluxo sangüíneo portal ou aumento da resistência
arterial. Com o agravamento da vasodilatação, a vascular ou de ambos.
frequência cardíaca e o débito cardíaco não conseguem
Na cirrose, é bem estabelecido que o fator primário,
manter a pressão arterial. Isso desencadeia a ativação
que leva à hipertensão portal, é o aumento da
de vasoconstritores, incluindo o sistema renina-
resistência vascular ao fluxo portal e que o aumento do
angiotensina, e também aumenta a secreção do
fluxo se torna especialmente importante em fases mais
hormônio antidiurético. A combinação de hipertensão
avançadas da doença e contribui para a manutenção da
portal, vasodilatação e retenção de sódio e água
hipertensão portal.
aumenta a pressão de perfusão dos capilares
intersticiais, causando o extravasamento de líquido O aumento da resistência pode ocorrer em qualquer
para a cavidade abdominal. ponto ao longo do sistema venoso, na veia porta, nos
espaços vasculares dentro do fígado e nas veias e
Shunts Portossistêmicos.
compartimentos vasculares que recebem o fluxo portal
Com a elevação da pressão no sistema portal, o fluxo é após sair do fígado. Em fases posteriores as colaterais
invertido da circulação portal para a sistêmica pela portossistêmicas passam a contribuir para o aumento
dilatação de vasos colaterais e pelo desenvolvimento da resistência. O principal fator na determinação da
de novos vasos. Circuitos venosos secundários se resistência vascular é o raio do vaso.
desenvolvem em qualquer local onde as circulações
A resistência aumentada do fluxo pode ser préhepática,
sistêmica e portal compartilhem de leitos capilares
pós-hepática e intra-hepáticas. Na pré-hepática, o
comuns. Os principais pontos consistem nas veias ao
aumento da resistência ocorre na veia porta ou
redor e no interior do reto (manifestado como
tributárias antes de alcançar o fígado. Na pós-hepática,
hemorroidas), na junção gastroesofágica (produzindo
o aumento da resistência ocorre em veias ou
varizes), no retroperitônio e no ligamento falciforme
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compartimentos vasculares que recebem o fluxo hepática desencadeia vasoconstrição e resistência
sangüíneo portal ao sair do fígado. Na intra-hepática, o aumentada, enquanto a superprodução de NO na
aumento da resistência, tendo os sinusóides como circulação extra-hepática leva à vasodilatação e ao
referência, pode ser sinusoidal, pré-sinusoidal e fluxo portal aumentado.
póssinunoidal. Além da vasodilatação esplâncnica, existe a
O exemplo típico é a hipertensão portal que ocorre na vasodilatação sistêmica, que, por causar decréscimo no
hepatopatia crônica pelo álcool, onde o aumento da volume arterial efetivo, desencadeia a ativação do
resistência é intra-hepático, principalmente sinusoidal sistema neuro-humoral (sistema renina-angiotensina-
(aumento do volume dos hepatócitos, deposição de aldosterona), retenção de sódio, expansão do volume
colágeno nos espaços de Disse) e pós-sinusoidal de plasma e o desenvolvimento de um estado
(esclerose das veias centrolobulares) e, além disso, a circulatório hiperdinâmico. Esse estado circulatório
presença dos nódulos de regeneração comprometem a hiperdinâmico mantém a hipertensão portal, levando à
drenagem sangüínea. formação e ao crescimento de varizes e desempenha
um papel importante no desenvolvimento de todas as
Na cirrose, a hipertensão portal resulta tanto do complicações da cirrose.
aumento da resistência do fluxo portal quanto da Em cirróticos, o aumento da pressão hidrostática nos
elevação do influxo venoso portal. O mecanismo vasos esplâncnicos associado à diminuição da pressão
inicial é o aumento da resistência vascular oncótica, secundária à hipoalbuminemia, resulta em
sinusoidal secundária para (1) deposição de tecido extravasamento do fluido para a cavidade peritoneal.
fibroso e subsequente compressão pelos nódulos Uma vez ultrapassada a capacidade de reabsorção do
regenerativos (componente fixo) que poderia, fluido pelos vasos linfáticos forma-se a ascite. A
teoricamente, ser elegível para tratamento com agentes vasodilatação esplâncnica e a periférica atuam como
antifibróticos e, eventualmente, ser melhorada com a ativador de sistemas neurohumorais provocando
resolução do processo etiológico subjacente; e (2) retenção de sódio e ascite.
vasoconstrição ativa (componente funcional), que
responde à ação de drogas vasodilatadoras como o
nitroprussiato, e é causada pela deficiência de óxido
nítrico (NO), bem como pela atividade aumentada dos
vasoconstritores.

No fígado normal, a vascularização intra-hepática é


complacente e o gradiente de pressão venosa hepática,
que é uma medida de pressão sinusoidal, é 5 mmHg ou
menos. No fígado cirrótico, a arquitetura sinusoidal
está distorcida pelos nódulos regenerativos e pela
fibrose, que levam ao aumento da resistência intra-
hepática, hipertensão portal, esplenomegalia e vasos
colaterais portossistêmicos; o gradiente de pressão
venosa hepática é superior a 5 mmHg. Complicações
da cirrose desenvolvem-se quando o gradiente aumenta
acima de 10 a 12 mmHg.
Inicialmente, no processo hipertensivo portal, o baço
cresce e sequestra plaquetas e outras células
sanguíneas, o que leva ao desenvolvimento de
hiperesplenismo. Além disso, os vasos que
normalmente drenam para o sistema portal, como a
veia gástrica esquerda, revertem seu fluxo e, assim,
ocorre um desvio do sangue do sistema portal para a
circulação sistêmica. Essas vias colaterais
portossistêmicas são insuficientes para descomprimir o
sistema venoso portal e oferecem resistência adicional
ao fluxo portal. À medida que os colaterais se
desenvolvem, um aumento no fluxo sanguíneo portal,
que resulta da vasodilatação esplâncnica, mantém o
estado hipertensivo. A vasodilatação arteriolar
esplâncnica, por sua vez, é secundária ao aumento na
produção de NO. Assim, o paradoxo na hipertensão
portal é que a deficiência de NO na vasculatura intra-
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A ascite (acúmulo de líquido intraperitoneal), na clinicamente estabelecida por um gradiente limiar de
cirrose, é secundária à hipertensão sinusoidal e à pressão venosa hepática de 10 a 12 mmHg, abaixo do
retenção de sódio. A cirrose leva à hipertensão qual as varizes não se desenvolvem.
sinusoidal pelo bloqueio do fluxo venoso hepático, O desenvolvimento de um estado circulatório
anatomicamente pela fibrose e pelos nódulos hiperdinâmico provoca uma dilatação ainda maior e o
regenerativos e funcionalmente pelo tônus vascular crescimento de varizes e, eventualmente, a sua ruptura
pós-sinusoidal aumentado. De maneira similar à e hemorragia varicosa, uma das complicações mais
formação das varizes esofágicas, o gradiente limiar da temidas da hipertensão portal. A tensão em uma variz
pressão venosa hepática necessário para a formação de determina a ruptura varicosa e é diretamente
ascite é de 12 mmHg. Além disso, a retenção de sódio proporcional ao diâmetro da variz e à pressão
aumenta o volume intravascular e permite a formação intravaricosa e inversamente proporcional à espessura
continuada de ascite. Retenção de sódio resulta da da parede da variz.
vasodilatação que é principalmente devido a um
aumento da produção de NO pelo fato de a inibição de Peritonite Bacteriana Espontânea
NO em animais experimentais aumentar a excreção
urinária de sódio, reduzir os níveis de aldosterona no A peritonite bacteriana espontânea, uma infecção do
plasma e reduzir a ascite. Com a progressão da cirrose líquido ascítico, ocorre na ausência de perfuração de
e a hipertensão portal, a vasodilatação torna-se mais um órgão oco ou um foco de inflamatório intra-
pronunciada e, assim, há a ativação adicional do abdominal, como um abscesso, pancreatite aguda ou
sistema nervoso simpático e do sistema renina- colecistite. A translocação bacteriana, ou migração de
angiotensina-aldosterona, resultando em uma maior bactérias do intestino para os linfonodos mesentéricos
retenção de sódio (ascite refratária), retenção de água e outros locais extraintestinais, é o principal
(hiponatremia) e vasoconstrição renal (síndrome mecanismo envolvido na peritonite bacteriana
hepatorrenal). espontânea. A peritonite bacteriana espontânea ocorre
em pacientes com mecanismos de defesa reduzidos
para ascite, como o baixo nível de complemento no
líquido ascítico. Outro fator que promove a
translocação bacteriana na cirrose é o crescimento
bacteriano excessivo atribuído à diminuição na
motilidade intestinal e tempo de trânsito intestinal.

Encefalopatia
A encefalopatia hepática é uma disfunção cerebral
causada por insuficiência
hepática, shunt portossistêmico ou ambos. A amônia,
uma toxina normalmente removida pelo fígado,
desempenha um papel essencial na patogenia. Na
cirrose, a amônia acumula-se na circulação sistêmica
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS por causa do desvio de sangue realizado pelos
colaterais portossistêmicos e do metabolismo hepático
diminuído (p. ex., insuficiência hepática). A presença
de grandes quantidades de amônia no cérebro danifica
as células cerebrais de suporte ou astrócitos e
desencadeia alterações estruturais características da
encefalopatia hepática (astrocitose tipo II de
Alzheimer). A amônia resulta na suprarregulação de
receptores benzodiazepínicos do tipo astrocíticos
periféricos, os estimulantes mais potentes da produção
de neuroesteroides. Os neuroesteroides são os
principais moduladores do ácido γ-aminobutírico, o
que resulta na depressão cortical e encefalopatia
hepática. Outras toxinas, como o manganês, também se
Varizes e Hemorragia Varicosa
acumulam no cérebro, particularmente no globo
A complicação da cirrose que resulta mais diretamente pálido, onde podem levar à perda da função motora.
da hipertensão portal é o desenvolvimento dos Outras toxinas ainda a serem elucidadas também
colaterais portossistêmicos, dos quais os mais podem estar envolvidas na patogenia da encefalopatia.
relevantes são aqueles que se formam a partir da
dilatação das veias coronárias e gástricas e constituem Icterícia
varizes gastroesofágicas. A formação inicial dos
colaterais esofagianos depende da pressão portal,
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A icterícia na cirrose é um reflexo da incapacidade do com velocidade 1ml/minuto. Lembrando que cada
fígado de excretar a bilirrubina e é, portanto, o frasco de albumina humana a 20% possui 10g.
resultado da insuficiência hepática. No entanto, nas
doenças colestáticas que levam à cirrose (p. ex., cirrose 5.3 – Outros tratamentos
biliar primária, colangite esclerosante primária,
síndrome do desaparecimento do ducto biliar), a 5.3.1 – TIPS (Derivação porto-sistêmico intra-hepático
icterícia deve-se mais provavelmente à lesão biliar do transjugular)
que à insuficiência hepática. 5.3.2 – Transplante hepático. É opção definitiva da
5. DESCREVER O PROTOCOLO DE ascite de origem hepática
MANEJO DAS ASCITES. 5.4 – Tratamento da Peritonite bacteriana
Medidas Conservadoras espontânea

5.1.1 – Repouso relativo no leito. 5.4.1 – Antibioticoterapia  Cefatoxima 2g EV 8/8hs


por 5 dias/Ceftriaxona 2g EV 1xdia por 5 dias/
5.1.2 – Restrição de Sódio Dieta deve conter em torno Amoxacilina + clavulanato EV 1,2g 8/8hs por 2dias e
de 2g (88 mEq) de sódio por dia 625mg VO 8/8 por 6 a 12 dias/Ciprofloxacina EV
200mg 12/12hs por 5 dias
5.1.3 – Restrição de líquido Restrição da ingesta de
líquido apenas quando o sódio sérico for menor que 5.4.2 – Uso da Albumina na PBE (PROTOCOLO DE
120 g/ml. BARCELONA)

5.1.4 – Diuréticos A albumina é administrada 1,5g/kg/dia no primeiro dia


(no máximo até 6h do diagnóstico) e 1g/kg/dia no
A associação de dois diuréticos de ações diferentes é terceiro dia de tratamento. A albumina reduz a
melhor opção no tratamento via oral da ascite no mortalidade intra-hospitalar e deterioração da função
paciente cirrótico. As drogas provocam efeito renal, mas ainda necessita de estudos para sua
sinérgico, além de diminuir os efeitos deletérios, verdadeira efetividade. Realizar principalmente na
quando usados isoladamente. Inicia com furosemida presença de função renal alterada e paciente ictérico.
40mg/dia e espironolactona 100mg/dia. Aumenta
progressivamente, se a resposta clínica for insuficiente 5.4.3 – Paracentese de controle Realizada nova
após 3 a 4 dias com a terapia. A furosemida pode ser paracentese após 48 horas do início do tratamento. O
aumentada ate 160 mg e a espironolactona ate 400mg. resultado esperado é uma queda mínima abaixo de
Importante: Evitar o uso endovenoso ou perdas rápidas 25% do polimorfonucleares da paracentese inicial. Não
de liquido. ocorrendo essa diminuição, o esquema de
antibioticoterapia deve ser substituído de acordo com o
O objetivo da perda líquida é de no máximo 1 kg/dia antibiograma.
em pacientes com edemas de membros inferiores ou
0,5 kg/dia em pacientes sem edema de membros. Essa 5.4.4 – Profilaxia da PBE A profilaxia da PBE é uma
medida tem a intenção de diminuir a deterioração da prioridade em todo paciente que apresentou a infecção
função renal nestes pacientes. do líquido ascítico, através de esquema oral por tempo
indeterminado (Tabela 5). Norfloxacina 400mg VO
5.2– Paracentese terapêutica 1xdia/ Ciprofloxacina 750mg /semana Sulfa +
trimetropim 400/80mg por dia/ Outros: Ofloxacina,
A paracentese esta indicada no tratamento da ascite de amoxacilina + clavunulato.
difícil controle como:

5.2.1 – Ascite refratária ao tratamento oral com


diuréticos

5.2.2 – Ascite intratável, isto é, paciente com contra-


indicações ou efeitos colaterais com diuréticos

5.2.3 – Ascite tensa com desconforto respiratório


Albumina humana

A albumina humana é indicada quando ocorre uma


retirada maior que 4 litros durante o procedimento da
paracentese terapêutica. A dose preconizada de 6 a 10g
de albumina por litro retirado. A infusão da albumina
ocorre concomitante ou logo após o procedimento,
Carolina Martins – TURMA XXVII
qual os ovos atravessam a superfície endotelial e
outros tecidos não está claramente elucidado, mas,
certamente, envolve mecanismos imunes.

Além dos ovos, antígenos do parasito e complexos


antígeno-anticorpos podem disseminar-se além do
sistema porta e se alojar nos pulmões, rins, peritônio,
sistema nervoso central, pele, órgãos genitais, retina,
tireoide e coração. Essa disseminação se dá pelo
sistema linfático, por anastomoses venosas
portossistêmicas é favorecida pela sobrecarga do
sistema macrofágico reticuloendotelial. O parasito
pode sobreviver por até 25 anos nas veias do sistema
porta. A lesão patológica essencial é o granuloma, que
se forma por resposta imune, comandada por linfócitos
T CD4+ sensibiliza- dos por produtos antigênicos
liberados pelos ovos do parasito – os esquistossômulos
6. CARACTERIZAR A – e os vermes maduros não induzem tal reação. A
ESQUISTOSSOMOSE. composição antigênica do ovo é bastante complexa e
Acomete cerca de 200 milhões de pessoas em 74 várias frações foram caracterizadas a partir do extrato
países, especialmente no mundo tropical. Das seis solúvel que se difunde através dos poros da casca – em
espécies reconhecidas que podem causar doença no conjunto, são chamadas antígenos solúveis do ovo.
homem, o Schistosoma mansoni foi o único que se A reação granulomatosa é um processo dinâmico, que
desenvolveu no continente americano. se modifica com o tempo. No início, os granulomas
ETIOPATOGENIA são grandes, com maior número de macrófagos,
linfócitos e eosinófilos em torno do ovo. Com a morte
O Schistosoma mansoni é um trematódeo que, antes de do embrião, que ocorre no máximo em 18 a 21 dias, o
se instalar no seu hospedeiro definitivo, cumpre uma exsudato regride é substituído, paulatinamente, por
etapa evo- lutiva em um hospedeiro intermediário – tecido conjuntivo. Como o verme continua a depositar
um caramujo do gênero Biomphalaria. A forma ovos, novos granulomas se formam, porém com menor
larvária do verme, o miracídio, é liberada quando ovos tamanho e menos células inflamatórias.
do parasito presentes nas fezes entram em contato com
a água. O miracídio penetra no caramujo e, Forma aguda
assexuadamente, multiplica-se para dar origem às É dividida em fase pré-postural e pós-postural. Já no
cercárias, que são as formas infectantes. O processo de momento de penetração das cercárias na pele, pode
formação e liberação das cercárias dura em torno de 30 ocorrer a dermatite cercariana, uma reação
dias e, uma vez liberadas na água, elas morrem em até eritematopruriginosa autolimitada, que perdura
3 dias se não penetrarem no hospedeiro definitivo, que habitualmente por 1 a 3 dias, mas que pode estender-se
habitualmente é o homem. Após uma penetração ativa até 15 dias. Ainda na fase pré-postural, que muitas
pela pele, as cercárias perdem a cauda, transformam-se vezes é subclínica, pode ocorrer tosse seca, motivada
em esquistossômulos, ganham a circulação sistêmica e, pela migração pulmonar do esquistossômulo. Nessa
após atra- vessarem a circulação pulmonar, atingem o fase, as alterações histológicas do fígado são
sistema porta, que é seu habitat natural. Entre 6 e 8 inespecíficas e uma enterite catarral pode ser
semanas após a infecção, os parasitos já maduros detectada. Após a sexta semana, inicia-se o período de
iniciam a postura dos ovos, especialmente nas veias ovoposição e as reações clínicas podem variar de
mesentéricas. Esses ovos podem permanecer na parede irrelevantes a graves. Alguns pacientes podem
do intestino, presos em pequenos vasos da submucosa, apresentar uma reação toxêmica caracterizada por mal-
cair no lúmen intestinal e ser eliminados pelas fezes, estar, febre, cefaleia, mialgia, diarreia, dor abdominal,
ou migrar através das tributárias do sistema porta e se hepatoesplenomegalia. Nessa circunstância, ocorre
alojar no fígado ou em qualquer segmento dos dissemina- ção miliar de ovos que originam
intestinos delgado e grosso. O mecanismo exato pelo granulomas necrótico-exsudativos no fígado, intestino,
Carolina Martins – TURMA XXVII
peritônio, linfonodos, pulmões, pleura ou em outros hepático determinaria, clinicamente, uma doença
órgãos. fibrosante sem disfunção hepatocelular, e as alterações
vasculares justificariam a hipertensão portal.
Nessa fase, o laboratório pode evidenciar elevação
pouco expressiva das enzimas hepáticas e pronun- Quadro clínico
ciada eosinofilia (> 1.000/mm3). Diante desse quadro
clínico, o achado de ovos viáveis de S. mansoni no A forma hepatoesplênica compensada, em adultos,
exame de fezes ou biopsia retal permite selar o manifesta-se fundamentalmente pela hipertensão
diagnóstico. portal. Prevalece na faixa etária entre 10 e 30 anos e,
nas crianças, a hipertensão portal pode não estar
Formas crônicas presente. Habitualmente, o estado geral do paciente é
preservado e a hepatoesplenomegalia não dolorosa
O granuloma necrótico-exsudativo da fase aguda pode ser detectável pelo exame físico. Pacientes jovens
regride de tamanho, a reação inflamatória e a necrose podem apresentar hipoevolutismo. Cerca de 40% dos
involuem, ao passo que a deposição periovular de pacientes apresentarão hemorragia digestiva
fibras colágenas se intensifica. A intensidade da consequente à hipertensão portal e essa pode ser a
imunomodulação pode determinar a estabilização do manifestação inicial da doença.
quadro em uma forma mais leve – intestinal, ou a
progressão para uma forma mais grave – Os exames laboratoriais de perfil hepático são normais,
hepatoesplênica. embora, não infrequentemente, se observe uma
redução da atividade de protrombina. As alterações
Forma intestinal hematológicas secundárias ao hiperesplenismo
(anemia, leucopenia, trombocitopenia) são frequentes,
A maioria dos parasitados apresenta a forma intestinal
mas dificilmente têm relevância clínica.
da doença que, habitualmente, cursa assintomática. O
diagnóstico é muitas vezes ocasional, a partir do Do ponto de vista hemodinâmico, a pressão sinusoidal
encontro de ovos viáveis em exame de fezes. Quando é normal ou discretamente elevada, as pressões na veia
há sintomas, são inespecíficos – adinamia, tonturas, porta e esplênica são aumentadas e o fluxo hepático é
flatulência, plenitude pós-prandial, irregularidade do normal ou levemente reduzido.
hábito intestinal. O lobo esquerdo do fígado pode ser
palpável, mas não há esplenomegalia, alteração de A forma hepatoesplênica descompensada pode ser,
enzimas hepáticas, nem, tampouco, achados clinicamente, indistinguível da cirrose.
ecográficos característicos. Alguns pacientes podem
desenvolver uma polipose intestinal, que se manifesta As alterações bioquímicas são evidentes – queda dos
como uma enteropatia perdedora de proteínas. níveis de albumina, da atividade de protrombina,
aumento das bilirrubinas e da amônia sérica. O volume
Forma hepatoesplênica e o fluxo sanguíneo hepático são reduzidos. A rede de
vasos colaterais hepatofugais é vasta. A presença de
A lesão caracterizar-se-ia por periflebite outros fatores etiológicos associados pode ser
granulomatosa, envolvendo ramos da veia porta determinante na progressão para cirrose, sobretudo a
ocluídos por ovos do parasito. Em consequência desse infecção pelos vírus B ou C e o alcoolismo;
processo inflamatório crônico, haveria fibrose hemorragias digestivas recorrentes também podem
progressiva que, caracteristicamente, permaneceria contribuir para a cirrotização. Nesses casos, a
limitada aos espaços-porta, não invadindo o lóbulo histologia hepática pode revelar hepatite crônica ativa,
hepático e não determinando formação de nódulos, tal fibrose septal, proliferação de ductos biliares e cirrose.
como ocorria na cirrose.
O conceito de que essa “cirrotização” da
Os vasos portais seriam enrijecidos pela inflamação e esquistossomose ocorra por influência de cofatores
pela fibrose e haveria intensa neoformação vascular, extrínsecos – álcool, vírus B, vírus C – também tem
também limitada à área periporta. Diferentemente do sido questionado, já que muitos pacientes com formas
que se via na cirrose, essas alterações não ocorreriam “puras” de esquistossomose atingem esse estágio
na região lobular e envolveriam exclusivamente a avançado de disfunção hepática sem que nenhum
árvore portal, sem acometer os ramos arteriais e as cofator seja detectável. Nesses casos, postula-se que
veias hepáticas. A preservação estrutural do lóbulo hipofluxo portal, consequente à vasta rede de colaterais
Carolina Martins – TURMA XXVII
hepatofugais, ou a tromboses no sistema porta, possa Os raios X de tórax podem revelar um arco pulmonar
ter influência. muito proeminente.

Complicações: Forma neurológica A lesão mais relevante é a mielite


transversa, que ocorre mais frequentemente no curso
Hemorragias digestivas da fase aguda e da forma crônica intestinal – raramente
acomete pacientes com a forma hepatoesplênica. A
As hemorragias digestivas mais graves ocorrem por
compressão da medula espinal faz-se pelos granulomas
ruptura de varizes esofagogástricas, mas podem
que se formam ao redor dos ovos depositados ou
também ser consequência de lesões cloridropépticas,
embolizados para a vasculatura do sistema nervoso
gastropatia/enteropatia/ colopatia hipertensivas ou
central.
varizes retais.
Forma renal: Ocorre na maioria das vezes em
Hiperesplenismo
pacientes com esquistossomose hepatoesplênica e se
Trombocitopenia e leucopenia são frequentes, deve à deposição glomerular de imunocomplexos
proporcionais ao volume do baço, mas, raramente, têm formados a partir de antígenos do parasito. Esses
algum significado clínico. As células são imunocomplexos atingem o rim pelas colaterais
funcionalmente boas, apenas circulam menos, mas portos-sistêmicas, especialmente quando o sistema
podem ser disponibilizadas nos momentos de maior reticuloendotelial está saturado por pigmento
demanda orgânica. A anemia é menos frequente, mas esquistossomótico. A apresentação clínica mais
também habitualmente assintomática. comum é a síndrome nefrótica, e o padrão histológico
mais observado é o da glomerulonefrite
Associação com enterobactérias membranoproliferativa.
A conhecida associação da esquistossomose com Formas insólitas: Geralmente, são achados de
bactérias gram-negativas, em especial as do gênero necropsia. Já foram relatados granulomas
Salmonella, pode produzir um quadro febril esquistossomóticos em órgãos genitais, retina, tireoide,
prolongado. A patogênese dessa associação pode ser pele e coração.
justificada pela maior tolerância imunológica do
hospedeiro, pela possibilidade de a Salmonella Diagnóstico
proliferar no tegumento e no intestino do verme e pela
Métodos diretos
sobrecarga do sistema macrofágico, abarrotado por
pigmento esquistossomótico. 1. Exame de fezes: a técnica de Hoffman, Pons e Janer
(HPJ) é a mais utilizada e permite avaliar a viabilidade
Associação com hepatites virais
dos ovos. A técnica de Kato-Katz é quantitativa e útil
Trabalhos recentes, sobretudo originários do Egito, para inferir a carga parasitária, mas não é mais sensível
têm evidenciado progressão mais rápida da fibrose que a HPJ – seu emprego é interessante em inquéritos
hepática em pacientes coinfectados por S. mansoni e epidemiológicos. A coleta de três amostras distintas de
vírus C. Esses mesmos estudos mostram uma alta fezes permite aumentar a sensibilidade de 50 para
prevalência da infecção pelo vírus C em pacientes 80%, índice equivalente ao da biopsia retal.
parasitados pelo S. mansoni.
2. Biopsia retal: realizada quando o exame de fezes é
Insuficiência hepática inconclusivo, tem menor sensibilidade nas formas
hepatoesplênicas.
Acometimento extra-hepático
3. Biopsia hepática: realizada por via transparietal,
Forma vasculopulmonar Cerca de 10% dos pacientes guiada por ultrassom ou laparoscopia, pode ser muito
com hipertensão portal podem também apresentar importante na fase aguda se a pesquisa de ovos por
hipertensão pulmonar. Isso pode ocorrer pela exame de fezes ou biop- sia retal for inconclusiva. Nas
obstrução de pequenos ramos da vasculatura pulmonar formas crônicas, a biopsia com agulha tem
por ovos ou vermes mortos embolizados, ou por sensibilidade muito baixa e não precisa ser realizada.
vasculite desencadeada por imunocomplexos. O
quadro clínico expressa a sobrecarga cardíaca direita, Métodos indiretos
que pode ser bem caracterizada pelo ecocardiograma.
Carolina Martins – TURMA XXVII
1. Intradermorreação: utilizada em inquéritos Controle de cura A realização de, pelo menos, três
epidemiológicos, não tem utilidade clínica, pois não exames de fezes negativos entre o primeiro e o sexto
permite constatar atividade da doença – os indivíduos mês posteriores ao tratamento é o controle de cura
curados persistem com a reação positiva por tempo ideal. Outra opção confiável é a realização de uma
indeterminado. biopsia retal que confirme ausência de ovos viáveis, 4
a 6 meses pós-terapêutica.
2. Reações sorológicas: a mais realizada é o teste de
ELISA. As reações sorológicas também não têm
utilidade clínica por não se negativarem após a
resolução da parasitose.

3. Pesquisa de antígenos circulantes: é um teste


atraente, por poder indicar infecção ativa e servir como
referência para o controle de cura, mas não se
consolidou na prática clínica em virtude dos custos e
da dificuldade de execução.

4. Ultrassonografia: preferencialmente realizado com


doppler dos vasos portais, é o recurso mais valioso
para o diagnóstico das formas hepatoesplênicas.

TRATAMENTO ESPECÍFICO

O tratamento específico da esquistossomose baseia-se


em duas drogas, de eficácia comparável: oxamniquina
e praziquantel. Ambas são contraindicadas durante a
gravidez e em casos de insuficiências hepática ou renal
avançadas.

Oxammniquina  Efeitos colaterais autolimitados não


são infrequentes, como tontura, sonolência e náuseas.
Já foram relatadas alucinações e convulsões, mas são
ocorrências muito raras.

Praziquantel  A tolerância é boa, mas podem surgir


dor abdominal, diarreia, cefaleia, urticária e gosto
metálico na boca. Eventualmente, uma febrícula é
notada algumas horas depois da tomada do
medicamento.

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