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GASTROENTEROLOGIA 3: DOENÇAS DO PÂNCREAS

PANCREATITE AGUDA:

Definição:
 Qualquer quadro inflamatório agudo que envolva o pâncreas.
 Pancreatite aguda leve (intersticial ou edematosa): restrita ao pâncreas- não há acometimento de órgãos vizinhos
nem envolvimento à distância. Apresenta evolução clínica favorável. Representa 80 a 90% dos casos.
 Pancreatite aguda grave (necrosante): Acomete tecidos peripancreáticos por disseminação generalizada de enzimas
de órgãos. Pode evoluir com complicações locais, como necrose infectada, formação de pseudocistos e abscesso. É
possível uma evolução complicada com envolvimento de órgãos à distância, representada por falência múltipla
(choque, insuficiência renal, insuficiência respiratória). Representa 10 a 20% dos casos.
 Outros termos como pancreatite hemorrágica e necro-hemorrágica costumam ser empregados como sinônimo de
inflamação grave do pâncreas. No entanto, são menos específicos, já que hemorragia intersticial também pode ser
encontrada em outras situações, como no carcinoma do pâncreas, no traumatismo do órgão e na insuficiência
cardíaca congestiva grave.
 Pancreatite recorrente: Cerca de 25% dos pacientes que tiveram um quadro de pancreatite aguda apresentam uma
recorrência do quadro. Mesmo nesses casos, as principais causas continuam sendo litíase biliar e álcool. Pacientes
sem causa definida num primeiro momento devem ser investigados para: Doença biliar oculta (microlitíase e lama
biliar) ou disfunção do esfíncter de Oddi; Drogas não relatadas; Hipertrigliceridemia não aferida; Malformações como
o pâncreas divisum; Fibrose cística; Câncer de pâncreas.

Fisiopatologia:
 A teoria mais aceita é de que a pancreatite aguda seja deflagrada pela ativação das enzimas pancreáticas ainda no
interior do órgão (autodigestão). Diversos fatores poderiam levar a esta ativação inadvertida (endotoxinas,
exotoxinas, infecções virais, isquemia, anoxia, trauma etc.).
 As enzimas, devido seu potencial lítico, precisam ser protegidas para evitar a autodigestão do órgão. No entanto,
condições como o aumento da pressão ductal intrabiliar levam à aproximação de vacúolos citoplasmáticos ricos em
catepsina B (um grande ativador do tripsinogênio) com as pró-enzimas, e estas estruturas passam a se localizar lado
a lado = colocalização  Tripsina formada no interior do pâncreas, assim como acontece no lúmen duodenal, ativa
outras pró-enzimas e o resultado é uma agressão inflamatória ao pâncreas e a outros órgãos à distância de
proporções variáveis.
 Resumindo, podemos dizer que a pancreatite se apresenta em três fases:
1. Ativação intrapancreática de enzimas digestivas, seguida de lesão acinar e produção de fatores pró-
inflamatórios (fase neutrófilo-independente);
2. Ativação, quimiotaxia e sequestro de neutrófilos no pâncreas (fase neutrófilo-dependente);
3. Efeitos da ativação de enzimas proteolíticas e citocinas liberadas pela inflamação pancreática em órgãos à
distância, podendo levar à síndrome de resposta sistêmica inflamatória e disfunção de órgãos como o pulmão
(Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo — SDRA). A ocorrência de SIRS é rara na ausência de necrose
pancreática.

Etiologia:
 Pancreatite Biliar (principal etiologia – 30-60%): cálculo biliar
- A passagem do cálculo biliar através da ampola de Vater ocasiona uma hipertensão no sistema ductal pancreático, o
que facilita o fenômeno de colocalização.
- A chance de ocorrer pancreatite aguda é indiretamente proporcional ao tamanho do cálculo  pacientes com pelo
menos um cálculo < 5 mm têm um risco quatro vezes maior do que aqueles com cálculos maiores.
- Existem ainda relatos confirmados de pancreatite associada à lama biliar.
 Pancreatite alcoólica (2° etiologia – 15-30%):
A ingesta de álcool proporciona:
- Ativação da tripsina in vitro;
- Espasmos do esfíncter de Oddi, elevando a pressão intraductal pancreática e todas as suas consequências já vistas;
- Toxicidade para a célula acinar e precipitação de proteínas (enzimas) no lúmen dos ductos do pâncreas. Este
"tampão de proteínas" se calcificaria posteriormente, obstruindo o lúmen de vários ductos (achados da pancreatite
crônica). Um novo estímulo para secreção (alimentação, por exemplo) aumentaria mais ainda a pressão no interior
desses segmentos obstruídos, gerando dor e novos episódios agudos;
- Aumento da permeabilidade dos ductos pancreáticos, permitindo o extravasamento de enzimas ativadas
inapropriadamente para o parênquima.
- O tipo de bebida não interessa, mas o paciente deve ter consumo crônico de álcool há mais de cinco anos com uma
média de cinco a oito drinks por dia.
- Mais comum em homem do que mulher.
 Drogas (azatioprina, 6-mercaptopurina, furosemida, tiazídicos, metronidazol, tetraciclina, SMZ-TMP, estrógenos, ácido
valpróico, medicações do HIV- didanosina, aminossalicilatos – sulfassalazina/mesalamina): 3° etiologia mais comum
 Hipertrigliceridemia; normalmente > 1000
- Os níveis séricos de amilase costumam ser normais em pacientes com hipertrigliceridemia e pancreatite aguda.
- As dislipidemias mais associadas à pancreatite aguda são as hiperlipidemias dos tipos I, II e V.
- Quando associada ao hipertireoidismo, diabetes e alcoolismo normalmente não causa pancreatite, tendo em vista que
os níveis séricos desses lipídios não são muito elevados.
- Dentre as opções de tratamento, a plasmaférese tem obtido bons resultados na fase aguda da pancreatite,
principalmente quando realizada precocemente. Outras opções de tratamento, com resultados um pouco controversos,
são a utilização de insulina ou heparina, que parecem elevar os níveis da lipoproteína lipase de modo a reduzir os
quilomícrons sérico
 Hipercalcemia:
- Promove ativação intrapancreática das enzimas digestivas
 CPRE:
- Ocorre devido aos aumentos transitórios da pressão intraductal pancreática
- Principais fatores relacionados são a papilotomia da papila menor, disfunção primária do esfíncter de Oddi, história
prévia de pancreatite pós-CPRE, idade menor que 60 anos, mais do que duas injeções de contraste no ducto de
Wirsung e CPRE realizada por endoscopista em "aprendizado".
 Trauma (grande impacto);
 Obstrução não litiásica:
- Lesões duodenais (úlceras, doença de Crohn, divertículo, tumores periampulares),
- Pós-traumática
- Neoplasias: + comum neoplasia intraductal mucinosa
- Pâncreas divisum (“dividido”)- ausência de fusão ventral e dorsal.
Ventral= cabeça + processo uncinado -> ducto de Wirsung; dorsal
= colo + corpo + cauda -> ducto acessório de Santorini.  Os
aumentos periódicos da pressão no ducto de Santorini (ele é
estreito demais para tanto fluxo!) justificariam os episódios de
repetição de pancreatite aguda.
 Genética:
- Consiste em episódios de pancreatite antes dos 20 anos,
precipitados comumente por álcool, alimentos gordurosos ou
estresse emocional, e com história familiar positiva.
- Diversas mutações já foram encontradas, sendo a mais comum no gene do tripsinogênio. Os principais mecanismos
associados seriam: Tripsina resistente à inibição e Inibidores da tripsina defeituosos.
- Quanto à fibrose cística, apesar de cursar classicamente com insuficiência pancreática, raramente leva à pancreatite.
No entanto, isso tem mudado um pouco após a identificação recente de outro fenótipo da doença (em pacientes
heterozigotos) associado à pancreatite recorrente sem acometimento pulmonar.
 Idiopática (20% dos casos):
- Apresentam em sua maioria formas não identificadas de pancreatite biliar, entre elas: lama biliar ou microlitíase e
disfunção do esfíncter de Oddi. O tratamento para estas condições seria a colecistectomia e a esfincterotomia,
respectivamente.
- Mutações subclínicas no gene da fibrose cística também foram associadas
 Diversas:
- Hipotermia, infecções (caxumba, citomegalovírus, coxsackievirus, Mycoplasma pneumoniae), infestação por Ascaris
lumbricoides e Clonorchis sp., azotemia, vasculite, autoimune (síndrome de Sjögren), veneno do escorpião Tytius
trinitatis (produz toxina que faz hiperestimulação pancreática), de algumas espécies de aranha, répteis (monstro de
Gila) e intoxicação por organofosforados.
- Secundária a procedimentos cirúrgicos: cirurgias abdominais, como antrectomia seguida de gastrojejunostomia
(reconstrução a Billroth II), procedimentos realizados próximos ao pâncreas, como biópsia do órgão e exploração do
ducto biliar comum, e cirurgias à distância, como cirurgias cardíacas que empregam by-pass cardiopulmonar, estão
entre os principais procedimentos. Nessas últimas, o índice de pancreatite pós-operatória pode chegar até a 7% dos
pacientes.

Quadro clínico e exame físico:


 Dor epigástrica intensa (irradiando principalmente para o dorso) + náuseas e vômitos
 Alguns relatam uma melhora da dor quando se inclinam para frente ou quando assumem decúbito lateral com os
joelhos fletidos (posição genupeitoral). A atitude em prece maometana (paciente ajoelhado projeta seu tórax para
frente, deixando a cabeça repousar sobre leito) é bastante relatada.
 Em muitos casos de pancreatite biliar, uma libação alimentar nas últimas 12 a 16 horas é relatada pelo paciente ou
por seus familiares
 Icterícia: notada em alguns pacientes. A compressão da porção intrapancreática do colédoco, devido ao edema da
cabeça do pâncreas ou à presença de cálculo no colédoco distal, são condições que podem justificar este achado.
Pacientes com doença sistêmica grave podem apresentar ainda colestase não obstrutiva.
 O processo inflamatório no abdome superior pode levar à atelectasia, com redução do murmúrio vesicular nas bases
pulmonares.
 Derrame pleural (mais comum à esquerda) é possível em ambos os hemitóraces.
 Uma diminuição da relação PaO2/FiO2 pode ser observada nos dias subsequentes em pacientes críticos que
evoluem para SARA.
 A alteração cutânea mais importante é o aparecimento de necrose gordurosa subcutânea ("paniculite"), formando
uma lesão semelhante ao eritema nodoso.
 Diminuição importante do peristaltismo, decorrente do íleo paralítico
 Hipertimpanismo, devido à distensão abdominal, é comum.
 A palpação abdominal não costuma apresentar dados positivos, mas pode revelar uma massa inflamatória no andar
superior, mais precisamente no hipocôndrio esquerdo. Descompressão dolorosa e defesa voluntária ou involuntária
são encontradas em combinações variadas.
 Pode haver Sinal de Cullen e de Grey-Turner, indicando hemorragia retroperitoneal

Diagnóstico: presença de pelo menos 2 critérios (Critérios de Atlanta)

 Dor em andar superior do abdome, associada a vômitos com irradiação para o dorso.
 Aumento de enzimas pancreáticas (amilase e lipase): acima de 3x LSN.
- NÃO guardam relação com a gravidade da pancreatite.
- Amilase e lipase se elevam > 2h, mas a lipase permanece alta por mais tempo (7-10 dias) e é mais específica
- A amilase se eleva dentro de 2 a 12 horas após o início dos sintomas e, a partir de então, seus níveis declinam com
valores normais já sendo observados por volta do 3º ao 6º dia. Devemos suspeitar de complicações do tipo formação
de pseudocisto de pâncreas, abscesso ou ascite pancreática em pacientes que permanecem com amilase elevada
além de sete dias e apresentam massa palpável no andar superior de abdome.
- Causas de pancreatite com amilasemia normal: hipertrigliceridemia, pancreatite crônica em estágio avançado de
fibrose e pancreatite grave com necrose intensa (o órgão praticamente "derrete" sem que haja tempo para amilase
entrar na circulação).
- Atentar para as causas de falso aumento de amilase, que não é específica para pancreatite aguda  pós CPRE,
insuficiência renal, obstrução intestinal, perfuração visceral, macroamilasemia, neoplasia, queimadura, lesão das
glândulas salivares, cetoacidose diabética
- Existem poucas condições clínicas e cirúrgicas além da pancreatite aguda que elevam os níveis de lipasemia. São
elas: insuficiência renal GRAVE, com clearance de creatinina < 20 ml/min, colecistite aguda, obstrução e perfuração
intestinal
 Exame de imagem compatível com pancreatite:
- USG de abdome total: Método mais adequado para diagnosticar pancreatite de origem biliar, podendo ajudar na
decisão de realizar CPRE de urgência. DEVE SER SOLICITADOS PARA TODOS PACIENTES.
- TC de abdome total com contraste:
 É o exame padrão-ouro para diagnóstico e avaliação da gravidade de uma pancreatite aguda.
 A extensão da necrose pancreática é melhor avaliada pela tomografia a partir de 48 a 72h do início dos
sintomas, podendo, as tomografias precoces, subestimar o grau de lesão pancreática do paciente. Dessa
forma, caso seja realizada uma TC precoce, um novo exame deve ser efetuado três a cinco dias após o
primeiro
 Os da pancreatite edematosa intersticial incluem aumento focal ou difuso do pâncreas com realce
heterogêneo com contraste intravenoso. A necrose do tecido pancreático é reconhecida como falta de realce
após a administração de contraste intravenoso
 Não é obrigatória para todos os pacientes com pancreatite aguda: Deve ser solicitada se diagnóstico de
pancreatite duvidoso / paciente com quadro clínico arrastado, sem melhora após 48-72 do início dos
sintomas.

Abordagem:
1. Definir causa e gravidade:
 A gravidade de um episódio de pancreatite está relacionada ao nível de mediadores inflamatórios lançados na
circulação e à resposta sistêmica gerada.
 Diferenciar a forma leve (edematosa ou intersticial) e grave (necrotizante);
 Escore de Ranson ≥ 3; APACHE II ≥ 8 (não é necessário esperar 48h; Critérios de Glasgow modificados (Imrie - assim
como os critérios de Ranson, não são utilizados para acompanhamento além dos primeiros dois dias de internação
hospitalar); Índice de gravidade pela tomografia computadorizada > 6 (critérios de Baltazar modificados); Para a prova,
precisa saber escore de RANSON.
 Outros marcadores:

 Critérios de Ranson: têm como base onze achados laboratoriais e clínicos revistos durante a admissão e depois de
48h. Não prevê a gravidade do quadro no momento da admissão. Três ou mais pontos caracterizam como episódio
grave

** Elevações de três a quatro vezes nos valores da TGP, nas primeiras 24 horas da pancreatite aguda, sugerem
etiologia biliar com grande especificidade. A TGO pode se elevar em até 15 vezes, sendo um dos critérios de
gravidade de Ranson
 Critérios de ATLANTA: São reconhecidos como formas graves de pancreatite aqueles casos em que esteja presente
pelo menos um dos fatores abaixo
- Disfunção orgânica: choque (PAS < 90 mmHg), insuficiência pulmonar (PaO2 < 60 mmHg), insuficiência renal
(creatinina > 2 mg/dl após hidratação);
- Complicação local (necrose, pseudocisto ou abscesso);
- Complicação sistêmica: CIVD (plaquetas < 100.000/mm³, fibrinogênio < 100 mg/dl, produtos de degradação do
fibrinogênio > 80 µg/ml), cálcio < 7,5 mg/dl.
 ATUALIZAÇÃO: No ano de 2012 houve revisão dos Critérios de Atlanta.
 Diagnóstico: semelhante aos critérios de 1992, os critérios diagnósticos se mantiveram (> ou = 2 critérios). Dor
abdominal típica (início súbito de uma dor severa, em região epigástrica que se irradia para o dorso); Amilase/lipase >
3x a normalidade; Imagem compatível: TC com contraste, RM.
 Também foi mantida a divisão em pancreatite aguda edematosa intersticial e pancreatite aguda necrotizante. Além
disso, foi reafirmado o fato de que a infeção da necrose é a complicação mais temida.
 Além disso, foi enfatizado que não se deve pedir de maneira rotineira exames de imagens, notadamente nas
primeiras 48h pois neste período não é possível avaliar, com exatidão, a presença e o “tamanho” das complicações,
subestimando a gravidade do caso, além de que a extensão da lesão não está relacionada à gravidade do quadro e
mesmo que se identifique lesões/ complicações a conduta não se altera no momento.
 A grande novidade desta revisão está em dividir os quadros de pancreatite aguda em três estágios diferentes de
gravidade e que o fator preponderante para essa divisão seria a presença ou não de durabilidade de falência
orgânica. Sendo assim, a nova classificação seria:
 Pancreatite aguda leve: quando não há falência orgânica e não se observam complicações locais ou sistêmicas. Os
casos leves geralmente não necessitam de exames de imagem e a resolução é benigna na maioria dos casos.
 Pancreatite moderadamente grave: é definida pela presença de falência orgânica transitória (<48h) ou
complicações locais ou sistêmicas não associadas à falência orgânica. Nesses casos, podemos necessitar ou não de
intervenções. A mortalidade aqui é maior que nos casos leves e geralmente o paciente necessita de terapia com dieta
oral zero.
 Pancreatite aguda grave: é caracterizada pela presença de falência orgânica (respiratória, renal ou
cardiocirculatória). Aqui temos a falência orgânica persistente (>48h) de um órgão único ou falência múltipla dos
órgãos. Nesses casos, a mortalidade e o risco de desenvolver necrose infectada são bastante elevados.
 Outra mudança é que, de acordo com a revisão, não devemos mais utilizar o termo “abscesso pancreático”. Os
critérios de Atlanta de 1992, utilizavam este termo para definir coleções localizadas de material purulento. No entanto,
esse achado é bastante raro, por isso, não é mais utilizado.
 As definições de coleção liquida aguda e pseudocisto foram mantidas, no entanto, outras duas complicações foram
descritas:
 Coleção necrótica aguda: uma coleção contendo quantidades variáveis de líquido e necrose. Associado à pancreatite
necrotizante, mas não apresenta uma parede definida encapsulando a lesão;
 Necrose encapsulada: coleção de tecido necrótico pancreático ou peripancreático que se desenvolveu em uma
parede de tecido inflamatório e bem definida. Ela ocorre geralmente após quatro semanas e também está relacionada
à pancreatite necrotizante.

2. Definir tratamento:
 Pancreatite Leve:
- Internação clínica
- Repouso intestinal: NPO. Reiniciar dieta VO quando melhora sintomática e presença de fome (menor tempo possível
de repouso intestinal para evitar atrofia de mucosa e então, translocação bacteriana)  individualizado. Sabemos que
o início precoce da nutrição (oral ou enteral) está associado à menor mortalidade, pois reduz o risco de translocação
bacteriana intestinal e, consequentemente, infecções.
- SNG se vômitos e distensão abdominal
- Analgesia (opióide IV): droga mais utilizada é o fentanil
- A colecistectomia está indicada, podendo ser realizada precocemente ou tardiamente na mesma internação após a
resolução dos sintomas (mais comum)
 Pancreatite Grave:
- Regime de UTI
- Analgesia (opióide IV)
- Hidratação agressiva c/ CRL: A perda volêmica às vezes equivale à de um grande queimado. É uma das medidas que
realmente afetam a morbimortalidade dos pacientes com pancreatite. Deve ser realizada nas primeiras 24h de forma
que a pressão arterial seja estabilizada, os valores de hematócrito voltem ao normal, os níveis de ureia caiam e o
débito urinário seja maior que 0,5 ml/kg/h.
- Nutrição enteral: deve ser iniciada sempre que possível, mesmo para pacientes com pancreatite aguda grave, através
de cateter nasogástrico ou nasojejunal após 72 horas de internação. O suporte enteral está associado a uma menor
incidência de sepse quando comparado à NPT; a prevenção da translocação bacteriana pela manutenção da barreira
mucosa intestinal parece ser o principal mecanismo envolvido. A NPT deve ser prescrita para os pacientes que não
tolerarem a dieta enteral ou em situações em que o valor calórico total da dieta enteral estiver abaixo das necessidades
metabólicas previstas. E quando começar NPT? Idealmente, após a passagem da fase mais aguda da doença, em que
são necessários grandes aportes de volume.
- CPRE precoce (1ª 48-72h) apenas se pancreatite aguda associada a colangite ou obstrução mantida em exame de
imagem. NÃO é exame de rotina em paciente com pancreatite aguda.
- Antibióticos são indicados somente se NECROSE INFECTADA, pelo uso de carbapenêmicos.
- A Cx precoce pode aumentar a morbidade e a duração da internação. Sendo assim, o tratamento conservador é
mantido por pelo menos seis semanas até a colecistectomia. Para pacientes em que o risco cirúrgico para
colecistectomia é proibitivo, a abordagem de escolha consiste apenas na papilotomia ampla por via endoscópica
somente.

3. Acompanhar o desenvolvimento das complicações:


 Primeiras semanas: Coleção fluida aguda (30-50% dos pacientes)
- Isso ocorre principalmente na fase inicial das pancreatites graves. A maior parte é reabsorvida durante a evolução do
quadro e, quando não regridem, levam à formação dos pseudocistos ou permeiam áreas de necrose. Embora não seja
comum, a coleção fluida aguda também pode ser alvo de infecção, que deve ser suspeitada na presença de febre,
leucocitose e dor abdominal
- Conduta: nenhum tratamento específico é recomendado
 Necrose pancreática estéril ou infectada (gás na topografia do pâncreas - 2-4 semanas - 20–35% dos pacientes):
complicações PRECOCES
- A infecção de tecido necrótico tem origem na translocação bacteriana do trato alimentar e é a complicação mais
temida. Febre e leucocitose persistentes sugerem e o método diagnóstico mais fidedigno é a punção guiada por TC da
área necrótica.
- Conduta: Para a necrose estéril, o tratamento tende a ser conservador. Para a necrose infectada, atualmente vem
sendo realizado de modo escalonado (terapia ‘’STEP-UP’’), que envolve a aplicação combinada de drenagem
percutânea ou endoscópica transgástrica seguida, se necessário, por necrosectomia aberta, associada à
antibioticoterapia sistêmica (os carbapenêmicos - classicamente o imipenem - são os antibióticos de escolha pela sua
penetração no parênquima pancreático. Terapias alternativas com quinolonas, metronidazol, cefalosporinas de 3ª
geração e piperacilina também são efetivas).
 4-6 semanas: pseudocisto pancreático (15%) e abscesso pancreático (3–4%): complicações TARDIAS
- O termo "pseudo" se deve ao fato de que o pseudocisto não apresenta revestimento epitelial. Ao EF, ele pode ser
palpado como uma massa no epigástrio ou no hipocôndrio esquerdo. Uma dica seria a persistência dos níveis de
amilase acima do tempo esperado, sendo USG um bom método para diagnosticá-lo.
- O abscesso pancreático é um pseudocisto infectado. As principais condições associadas são: pancreatite grave, pós-
operatória, alimentação e laparatomia precoces, uso indiscriminado de antibióticos, punção ou drenagem inadequada
de pseudocisto, fístula para cólon.
- Alguns focos de necrose do pâncreas podem se liquefazer ao logo de seis semanas, gerando pseudocistos no interior
do parênquima do órgão. Estes pseudocistos são frequentemente referidos como focos de necrose desprendida ou
Walled-Off Pancreatic Necrosis (WOPN). Diferentemente dos pseudocistos convencionais, eles possuem grande
quantidade de conteúdo heterogêneo (debris necróticos) até seis semanas.
- O pseudocisto, quando se rompe, pode ainda levar a outras complicações (mais comuns na pancreatite crônica):
Para a cavidade peritoneal → ascite pancreática. Provoca o aparecimento clínico de ascite, sem evidências de
síndrome de hipertensão porta ou cirrose. O diagnóstico é feito através da dosagem de amilase e lipase do líquido
coletado pela paracentese. Para a cavidade pleural → fístula pancreaticopleural. Para o estômago, delgado, via
biliar, cólon → fístula pancreaticoentérica. Para um vaso adjacente → pseudoaneurisma e hemorragia digestiva
(sangramento transpapilar). Ainda podem levar a obstrução gástrica e duodenal, levando a vômitos recorrentes
- Conduta: os pseudocistos são, em sua maioria, extrapancreáticos e localizados na bursa omental. Quando
intrapancreáticos, a maior parte se encontra no corpo e na cauda (85%). Aqueles com mínimos sintomas e sem
evidência de uso ativo de álcool podem ser acompanhados clinicamente com USG seriada. Os que mostram aumento
progressivo do diâmetro na USG, sintomáticos (geralmente maiores que 6 cm) ou associados a complicações
(hemorragia, ruptura e abscesso) devem ser abordados, bem como aqueles em que o diagnóstico diferencial com
uma neoplasia cística do pâncreas seja impossível, devem ser abordados. A primeira escolha para abordagem recai
sobre os métodos endoscópicos. Dois métodos principais são empregados:
 Colocação de stents no ducto de Wirsung durante uma CPRE. Como os pseudocistos geralmente se comunicam
diretamente com o ducto pancreático principal, as técnicas buscam obter a sua drenagem, seja por uma via direta
(colocação de stent entre o pseudocisto e o ducto pancreático) ou por via indireta (coloca-se o stent próximo à origem
de fístula, facilitando a drenagem pelo Wirsung);
 Drenagem direta por cistogastrostomia ou cistoduodenostomia através da passagem de stents plásticos pela parede
do cisto.
 A drenagem cirúrgica é realizada em caso de falha ou indisponibilidade da terapia endoscópica e consiste na
anastomose entre o cisto e a parede de víscera adjacente (drenagem interna), normalmente o duodeno ou estômago,
com cistoduodenostomia e cistogastrostomia, respectivamente. Para os pseudocistos sem contato íntimo com uma
víscera oca, a anatomose é feita com uma alça exclusa de jejuno (cistojejunostomia em Y de Roux).
 Os métodos de drenagem interna evitam o risco de formação de fístula pancreático-cutânea. A drenagem externa
percutânea também é uma alternativa nos casos de difícil acesso cirúrgico. Para os casos de pseudocisto formado
por necrose desprendida (WOPN) o tratamento é o mesmo, entretanto seis semanas devem ser aguardadas para
evitar o encontro de debris necróticos no interior do cisto, uma vez que poderiam ocluir a drenagem. Nos
pseudocistos infectados a abordagem de escolha é a punção guiada por método de imagem ou drenagem externa
cirúrgica.
 Alteração oftalmológica na pancreatite grave = Retinopatia de Purtscher-like

PANCREATITE CRÔNICA:

Definição:
 Lesão irreversível do parênquima pancreático caracterizada por inflamação crônica, fibrose e destruição progressiva
dos tecidos exócrino e endócrino
 Seja qual for o mecanismo, ele deve ser capaz de: Induzir continuamente as células pancreáticas à necrose ou à
apoptose; Iniciar e manter o processo inflamatório local; Estimular as células estreladas pancreáticas a induzir fibrose
local.
 É um dos principais fatores de risco para neoplasia de pâncreas.

Etiologia:
 Álcool (70-80% dos casos)
- Apenas 3 a 7% dos grandes alcoolistas irão desenvolver pancreatite crônica!
- Causas: indução de obstrução ductal por plugs proteicos, ativação intracelular de enzimas digestivas e lesão
membranosa por radicais livres. + polimorfismos e mutações, na dieta rica em gordura e proteínas, no tipo de álcool
ingerido e modo de ingestão, na deficiência de antioxidantes e no tabagismo (este parece ser o mais importante,
presente em até 90% dos pacientes com pancreatite crônica alcoólica
 Fibrose cística (crianças).
 Outras: hipercalcemia, hiperlipidemia, doença intestinal inflamatória, organofosforados, autoimune (tipo 1 e 2),
obstrutiva (pâncreas divisum), tumor, pós-traumática, genética (hereditária), hiperpara, e idiopática.

Quadro Clínico:
 Dor abdominal é a principal queixa. A localização variável, geralmente em andar superior do abdome, constante ou
intermitente, exacerbada pela alimentação, associada a emagrecimento e indigestão, dependência de narcóticos pela
intensidade da dor. Náuseas e vômitos não são comuns, mas podem se manifestar nas fases mais tardias da doença ou
nos episódios de agudização.
 A esteatorreia ocorre quando há déficit de secreção das enzimas digestivas pancreáticas. Essa é uma manifestação
típica da doença avançada, uma vez que 90% dos ácinos pancreáticos devem estar disfuncionais para haver
disabsorção. Devido à própria síndrome disabsortiva esses pacientes podem apresentar deficiência de vitaminas
lipossolúveis (ADEK);
 Como as ilhotas pancreáticas são relativamente resistentes ao processo inflamatório, o diabetes mellitus também é
uma manifestação tardia da doença. A exceção se faz para os casos de pancreatite tropical, em que ocorre uma rápida
insuficiência endócrina.
 A própria fibrose do parênquima pancreático pode gerar sintomas pela retração tecidual. É o caso da obstrução do
colédoco com trajeto intrapancreático, gerando icterícia ou colangite. A compressão duodenal também pode ocorrer,
promovendo uma síndrome de estenose pilórica  pode se manifestar de forma muito semelhante a um tumor
periampular: dor, icterícia e obstrução duodenal.
 Diagnóstico diferencial de isquemia mesentérica crônica
 A pancreatite crônica apesar de algumas vezes se apresentar com ataques de dor súbita e intensa como formas de
agudização a doença, deve ser colocada principalmente no diagnóstico diferencial da dor abdominal crônica, pode
ser a sua apresentação mais característica ao lado da insuficiência exócrina e esteatorreia.

Diagnóstico:
 Dor abdominal crônica associada a diabetes e esteatorreia
- Esteatorreia somente surge quanto há perda > 90% da função exócrina, daí a necessidade de aplicar testes
funcionais, o teste mais sensível é o da estimulação da secretina.
 Exames de Imagem (testes estruturais):
- TC de abdome com pâncreas irregular + calcificações e teste de secretina (secretina estimula a liberação de enzimas
pancreáticas). É um método excelente para detecção de complicações locais como pseudocistos e complicações
vasculares como trombose portal e aneurismas arteriais.
- O USG endoscópico é o exame de imagem que consegue demonstrar as alterações mais precoces no parênquima
do órgão. Em teoria é o único teste capaz de fornecer o "padrão-ouro" para o diagnóstico, já que possibilita a punção
do parênquima pancreático durante o exame. Estudos recentes, entretanto, não conseguiram demonstrar a eficácia
dessas amostras para o diagnóstico
- RNM mais sensível para detecção de anomalias ductais e parenquimatosas e menos sensível para visualização de
calcificações pancreáticas.
- CPRE: utilizada para os casos em que a intervenção endoscópica seja necessária (ex.: fístula pancreática)
 Testes funcionais:
- Buscam aferir a função pancreática de forma direta ou indireta. Os testes diretos realizam a estimulação do órgão
com secretina (ou colecistoquinina) e aferem a resposta pela análise da secreção pancreática por endoscopia (ou
cateter oroduodenal) — teste da secretina — ou ainda pela análise de imagem – RM com estimulação pancreática
- Enquanto o teste da secretina é o mais sensível para detecção de disfunção, a RM com estimulação é quase tão
acurada quanto a CPRE para o diagnóstico da doença, com a vantagem de se tratar de um método menos invasivo.
- Os testes de aferição indireta da função pancreática são a dosagem da elastase, quimotripsina e tripsinogênio fecais,
além da dosagem sérica de tripsinogênio e glicose. O destaque vai para o teste da elastase fecal, que é o mais
frequentemente empregado para o diagnóstico de esteatorreia na pancreatite crônica.
- Amilase e lipase normais ou pouco elevadas.
- Na insuficiência exócrina do pâncreas ocorre má absorção de vitamina B12, com consequente eritropoiese ineficaz.
As hemácias defeituosas recém-sintetizadas são destruídas na própria medula óssea, justificando um perfil laboratorial
de hemólise, com LDH e BI elevadas.
- O aumento de bilirrubina direta pode surgir devido a uma massa fibrótica na cabeça do pâncreas, o que distorce a
anatomia coledociana, causando algum grau de colestase.

Classificação:
De acordo com a dilatação do Ducto Wirsung:
 Dilatado: grandes ductos. Mais comum em homens. Maior presença de esteatorréia e DM, calcificações frequentes
no RX de abdome, CPRE com alterações significativas.
 Não dilatado: pequenos ductos. Mais comum em mulheres, menor presença de disfunções orgânicas, sem
esteatorreia, teste da secretina com tripsinogênio sérico e elastase fecal normais, classificações raras; CPRE normal
ou discretamente alterada.
 Nos pacientes com ducto dilatado o diagnóstico é mais fácil e o tratamento é voltado para a descompressão do ducto
pancreático. Naqueles que não apresentam dilatação o diagnóstico é mais difícil e o tratamento se limita ao manejo
clínico na maior parte das vezes.

Tratamento: é PALIATIVO
 O manejo clínico é capaz de reduzir de forma significativa a progressão da doença.
 Abandono do etilismo e tabagismo
 Correção das alterações metabólicas (dislipidemia, hipercalcemia...)
 Esteatorreia  a presença de síndrome disabsortiva é tratada diretamente com a reposição oral de enzimas
pancreáticas associada à administração de IBP para bloqueio da secreção ácida (potencializa a ação das enzimas).
Orientações para fracionamento da dieta e redução da gordura alimentar também são realizadas. Pouca resposta na
doença dos “grandes ductos”.
 Diabetes  hipoglicemiante oral e/ou insulinoterapia. Pacientes com pancreatite crônica necessitam de menos insulina
quando comparados a portadores de diabetes do tipo I.
 Alívio da dor  Analgesia. O tratamento crônico da dor abdominal deve ser feito preferencialmente com moduladores
centrais da dor, como a gabapentina (opioides são com frequência necessários, em particular nas crises agudas, mas
idealmente deveriam ser evitados no tratamento regular, já que causam dependência).
 A insuficiência exócrina é combatida com reposição oral de enzimas pancreáticas e reposição de vitaminas
lipossolúveis (grupo ADEK), além de reposição parenteral de B12 (e ácido fólico, que é rotineiramente reposto nesta
situação).
 A insuficiência endócrina do pâncreas, por configurar um quadro de DM insulino-dependente (destruição das células
beta nas ilhotas pancreáticas), necessita de insulinoterapia plena (NPH de base ± regular, de maneira individualizada).

SE REFRATARIEDADE:
 Endoscopia (CPRE): esfincterotomia (esfíncter de Oddi), extração do cálculo e colocação de stent nas estenoses
ductais.
 Cirurgia: As indicações de cirurgia na pancreatite crônica são dor refratária ao tratamento medicamentoso otimizado,
que é a mais comum, icterícia por obstrução biliar ou no ducto pancreático, pseudocisto, formação de
pseudoaneurisma e degeneração maligna ou impossibilidade de diferenciar malignidade.
- Pequenos ductos (< 4-6mm): maioria tem múltiplas áreas de estenose, sem benefícios de drenagem. Se obstrução
próxima à ampola de Vater, esfincteroplastia transduodenal com divisão do septo que fica entre o colédoco e o ducto
pancreático.
- Grandes ductos: Descompressão do ducto de Wirsung por anastomose do curto com a luz intestinal 
pancreatojejunostomia laterolateral – em Y de Roux (Cirurgia de Puestow modificada/ procedimento de Partington-
Rochelle). O sucesso da cirurgia, quando bem indicada, chega a 80% dos casos. Os 20% restantes apresentam
recidiva da dor nos primeiros três a cinco anos após a intervenção.
- Refratários: ressecção pancreática (o procedimento se torna melhor indicado quando existe massa inflamatória local e
não se pode excluir neoplasia do diagnóstico diferencial), bloqueio do plexo celíaco, transplante autólogo de ilhotas
pancreáticas.

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